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Michel Cury Neto
A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL
DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS
Dissertação de Mestrado
Orientadora Professora Titular Odete Medauar
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP
São Paulo
2012
Michel Cury Neto
2
A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL
DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS
Dissertação de Mestrado
Orientadora Professora Titular Odete Medauar
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP
São Paulo
2012
3
Michel Cury Neto
A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL
DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direito do
Estado, da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, para obtenção do
título de Mestre em Direito.
Orientadora: Professora Titular Odete
Medauar
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
São Paulo
2012
4
TERMO DE APROVAÇÃO
MICHEL CURY NETO
A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL
DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Direito, no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito do Estado, da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pela seguinte banca examinadora:
Orientadora: Professora Titular Odete Medauar
Departamento de Direito do Estado - USP
_____________________________
Membros: Prof. Dr.
_____________________________
Prof. Dr.
_____________________________
São Paulo, de de 2012.
5
AGRADECIMENTOS
A realização desta dissertação só foi possível porque tive o
privilégio de contar com o incentivo, a colaboração e a confiança de
diversas pessoas, às quais venho expressar meus sinceros agradecimentos.
Agradeço, primeiramente, minha orientadora, professora
Odete Medauar, exemplo de vida e docência, por saber compreender e
apontar minhas limitações, ensinando-me e incentivando-me na execução
desta dissertação.
Agradeço, ainda, o grande amigo, sócio e professor Marcos
Jordão Teixeira do Amaral Filho, que, com sua experiência e carinho,
lançou as primeiras sementes em favor deste projeto, sempre me
transmitindo confiança, conhecimento e disposição.
Agradeço, de modo muito especial, meus queridos pais,
Amir Cury e Lenice Lapolla Cury, exemplos de vida honesta e dedicada
aos filhos, de quem aprendi tudo o que sou e por quem nutro imenso
orgulho.
6
RESUMO
A Lei de Licitações e Contratos, em seu artigo 113, instituiu regra
garantidora do controle das despesas e demais instrumentos insertos na mencionada lei
ordinária federal aos Tribunais de Contas. O mesmo diploma confere, outrossim, a
faculdade aos Tribunais de Contas de solicitar editais de licitação antes da fase de
abertura das propostas.
Fruto desta lei de licitações em vigor, com vistas a assegurar o amplo
direito de petição, foi admitida a possibilidade que todo licitante, ou pessoa física ou
jurídica, que observe irregularidade em algum item de edital formulado pela
Administração Pública, pudesse representar ao Tribunal de Contas, contra o que
entender de ilegal ou irregular, podendo até pleitear a suspensão do procedimento
licitatório.
Desde que formulada tal petição apresentando indícios de
irregularidades no edital, a Corte de Contas pode, com fulcro no artigo 113 da Lei
8.666/93, até o dia anterior à data prevista para a abertura dos envelopes, requisitá-lo,
com outros elementos completos, para proceder ao seu exame prévio.
Nesta hipótese, o Tribunal, à vista dos elementos processuais poderá
determinar a suspensão do procedimento licitatório, até que decida o processo,
concluindo por determinar retificação nos itens em que houver irregularidade ou, em
não havendo, cancelar a suspensão, podendo o Órgão continuar o normal procedimento.
Esta inovação legal implicou na mudança do modelo de fiscalização
do Tribunal, que, via de regra, só controla posteriormente. Neste caso, como o próprio
nome indica, o exame é prévio.
7
Ocorre que tal inovação gerou críticas formuladas por certas correntes
doutrinárias1 e por administradores públicos, no sentido de afirmarem que tal controle
externo não poderia implicar na direta interferência na gestão dos órgãos ou entidades a
ele submetidos nem ingerência no exercício de suas competências.
O presente trabalho se propôs a analisar esta competência atribuída
pelo legislador constituinte ao Tribunal de Contas, no exercício da função de controle
prévio no tocante aos certames licitatórios e contratos da Administração, além de seus
reflexos na gestão dos órgãos ou entidades submetidos a este controle.
PALAVRAS CHAVES: FUNÇÃO CONTROLADORA, TRIBUNAL DE
CONTAS, CONTROLE PRÉVIO, FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA.
1 p. ex. MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração
Pública. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP,Belo Horizonte, ano 9, n. 100,
abr. 2010
8
ABSTRACT
The Procurement and Contracts Law, in Article 113, guaranteeing the
rule instituted cost control and inserts other instruments mentioned in the federal
common law Courts of Auditors. The same law provides, moreover, the right to audit
courts to request the bidding stage before the opening of tenders.
Result of this bidding law in force, with a view to ensuring full right
of petition, admitted the possibility that any bidder or person or entity who observes any
irregularity in item announcement made by the Administration, could represent to the
Court of Auditors, to understand against the illegal or irregular, and may even demand
the suspension of the bidding process.
Since such a request formulated by presenting evidence of
irregularities in the notice, the Court of Auditors may, with the fulcrum in Article 113 of
Law 8666/93, until the day before the date scheduled for the opening of the envelopes,
order it, complete with other elements to proceed to the preliminary examination.
In this case, the Court, in view of the procedural elements may decide
to suspend the bidding process, until you decide the process for determining correction
in concluding that there are items or irregularity in the absence thereof, cancel the
suspension, the Board may continue normal procedure.
This legal innovation resulted in changing the model of the Court
ruled that, as a rule, only judges later. In this case, as its name indicates, the exam in
advance.
It happens that this innovation has generated criticism by certain
doctrinal trends as well as public administrators, to assert that such external control
could not involve the direct interference in the management of the agencies or entities to
the subject or interference with the exercise of its powers.
9
This study proposes to examine this constitutional power granted by
the legislature to the Court, in exercising control with respect to the previous exhibitions
of the bidding and contract administration as well as your reflexes in the management of
agencies or entities subject to this control.
KEY WORDS: CONTROL FUNCTION, COURT OF AUDITORS, PRIOR
INSPECTION, PRIOR FISCALIZATION
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................12
CAPITULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO E PERTINÊNCIA DO CONTROLE
NA AÇÃO ADMINISTRATIVA.............................................................................14
1.1 – O CONCEITO DE CONTROLE.......................................................................15
1.2 – ESPÉCIES DE CONTROLE.............................................................................17
1.2.1 – CONTROLE INTERNO......................................................................20
1.2.2 – CONTROLE EXTERNO.....................................................................22
CAPITULO II – O TRIBUNAL DE CONTAS E SUA FUNÇÃO DE
CONTROLE EXTERNO NO BRASIL..................................................................24
2.1 – O TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS.....29
2.2 – A NATUREZA JURÍDICA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS........................31
2.3 – A NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE
CONTAS.....................................................................................................................37
2.4 – A JURISDIÇÃO DAS CORTES DE CONTAS..............................................41
CAPÍTULO III - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E CRITÉRIOS DE
CONDUTA APLICÁVEIS AO CONTROLE PRÉVIO REALIZADO PELO
TRIBUNAL DE CONTAS........................................................................................54
3.1 – PRINCÍPIO DA MORALIDADE......................................................................55
3.2 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA..........................................................................58
3.3 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.......................................................................60
3.4 – CONTROLE DE LEGITIMIDADE.................................................................64
3.5 – ECONOMICIDADE..........................................................................................65
CAPÍTULO IV – CONTROLE PRÉVIO REALIZADO PELO TRIBUNAL
DE CONTAS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO FISCALIZADORA.........67
4.1 – CONTROLE PRÉVIO: CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E PRÁTICAS NO
11
EXERCÍCIO DA ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS...............................67
4.1.1. – O DESAFIO DAS CORTES DE CONTAS NO CONTROLE
PRÉVIO DAS LICITAÇÕES..................................................................................70
4.2 – REQUISITOS PROCESSUAIS PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE
FISCALIZATÓRIO PRÉVIO....................................................................................78
4.2.1 – O TRATAMENTO NORMATIVO DESTA MATÉRIA NO
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO..................................................................79
4.2.1.1 – DENÚNCIA..........................................................................79
4.2.1.2 – REPRESENTAÇÃO.............................................................81
4.2.2 – O TRATAMENTO NORMATIVO DESTA MATÉRIA NO
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO................................83
4.2.2.1 – REPRESENTAÇÃO.............................................................84
4.2.2.2 – DENÚNCIA..........................................................................85
4.2.2.3 – EXAME PRÉVIO DE EDITAL............................................86
4.2.2.4 – CONSULTA..........................................................................87
4.3 – O CONTROLE PRÉVIO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS SUB EXAMEN
PELO PODER JUDICIÁRIO...................................................................................88
4.4 – O CONTROLE PRÉVIO E SEUS REFLEXOS SOBRE A GESTÃO DOS
ÓRGÃOS OU ENTIDADES A ELE SUBMETIDOS..............................................91
CAPÍTULO V – CONCLUSÕES...........................................................................96
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................98
12
INTRODUÇÃO
A observação de que o homem tende a abusar do poder levou o Barão
de Montesquieu a aprimorar e sistematizar a teoria da separação dos poderes, residindo
seu ponto fundamental na necessidade de os poderes instituídos serem controlados por
órgãos diferenciados. Subjaz, nessa doutrina, a idéia de proteção dos direitos e liberdades
dos indivíduos.
Atualmente, a teoria da tripartição dos poderes vem sofrendo severas
críticas relacionadas à sua insuficiência e incompatibilidade com as dimensões do Estado
contemporâneo, chegando-se mesmo à afirmação de que perdeu autoridade, vigor e
prestígio, porque os valores que a inspiraram desapareceram ou estão em via de
desaparecer, não havendo mais lugar para a prática de um princípio rígido de separação,
segundo o qual o povo é o verdadeiro detentor do poder e o Estado assumiu
responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu.2
Não obstante as críticas, indubitavelmente a teoria cumpriu papel
fundamental na evolução jurídica do poder político, tendo sido um dos mais valiosos
instrumentos para a organização do poder e salvaguarda dos direitos individuais,
subsistindo na organização atual do Estado, facetas que ainda se aplicam perfeitamente,
sendo uma delas a relativa ao controle por órgãos diferentes e independentes do órgão
controlado. A necessidade desse controle permanece viva porque é decorrência lógica do
Estado de Direito.
Por essa razão, forçoso considerar que poucas instituições possuem
papel tão relevante como aquela criada com o objetivo primordial de fiscalizar e
controlar os gastos públicos, não existindo países democráticos sem um órgão incumbido
da fiscalização da gestão do dinheiro público.
O controle de contas de determinado órgão estatal, por órgão distinto
dele, é tradição do nosso direito constitucional desde 1891, sendo que mediante ação
2 BONAVIDES,Paulo. Ciência Política . 10ª edição. Malheiros. São Paulo. 1999. p.146.
13
fiscalizadora, o mesmo é exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de
Contas.
Para Alfredo Cecílio Lopes ―isto ocorre em todos os países civilizados.
E, levando-se em conta a retomada do regime democrático, que é por excelência o da
crítica dos atos governamentais, parece pertinente enfocar o Tribunal de Contas, no seu
aspecto precípuo de controlador da administração financeira.‖3
O Tribunal de Contas, órgão de estatura constitucional, além de aplicar
sanções administrativas, - instrumento largamente utilizado no exercício da função
administrativa, por força da autorização estabelecida no inciso VIII do artigo 71 da
Constituição Federal, no exercício da função controladora , ainda pode, com fulcro no
artigo 113 da Lei 8.666/93, exercer o exame prévio de certames licitatórios antes da fase
de abertura das propostas a serem efetuados pela Administração Pública.
Esse controle do qual estamos falando não pode, entretanto, significar
a imobilização da ação do gestor público, mas a garantia de uma utilização racional,
eficiente, transparente, regular e compatível com o esforço de submissão dos indivíduos
ao Estado. É como diz La Boétie: ―É inacreditável como o povo, desde que se sujeita,
caia tão subitamente em tal e tão profundo esquecimento da liberdade‖.4
A função de controle prévio conferida pela Lei de Licitações ao
Tribunal de Contas é a vertente que interessa no presente estudo, que se propõe a
analisar o processo envolvido no exercício deste controle, a maneira como se dá a
instrução e processamento nos órgãos de assessoramento dos tribunais de contas, o
conteúdo das manifestações dos órgãos e entidades representados e as sanções
aplicáveis a órgãos, entidades e seus dirigentes.
Ao final, será inserida uma breve síntese do conteúdo de cada capítulo;
as principais premissas elaboradas ao longo do presente estudo serão expostas de
maneira sintética nas conclusões do trabalho.
3 LOPES. Alfredo Cecílio. Ensaio sobre o Tribunal de Contas. São Paulo, 1947. 4 LA BOÈTIE, Étienne. Discurso Sobre a Servidão Voluntária. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2003,
comentários e tradução de J. Cretella Jr. E Agnes Cretella, p. 34.
14
CAPITULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO E PERTINÊNCIA DO CONTROLE NA
AÇÃO ADMINISTRATIVA
José Afonso da Silva anota que ―o princípio pelo qual a
Administração se subordina à lei – o princípio da legalidade – revela-se como uma das
conquistas mais importantes da evolução estatal. Seria, contudo, ineficaz, se não
previssem meio de fazê-lo valer na prática. A função fiscalizadora engloba esses meios
que preordenam no sentido de impor à Administração o respeito à lei, quando sua
conduta contrasta com esse dever de boa administração, que fica também sob a
vigilância dos sistemas de controle.‖5
O nascimento deste dever de fiscalização ocorrido a partir do
implantado Estado de Direito após a Revolução Francesa, sempre constituiu tarefa
básica dos parlamentos e assembléias legislativas, afirma José Afonso da Silva.
Relevante, no entanto, questionarmos quais objetivos perseguidos ao se fiscalizar a
Administração Pública6.
Conforme lembrado pela professora Odete Medauar7, a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já continha, no art. 15, o seguinte
preceito: ―A sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua
administração‖. Aí está o significado do controle incidente sobre as atividades da
Administração Pública, evidenciando que a preocupação com o controle, além de
antiga, privilegia a participação popular.
O tema do controle também se liga à questão da visibilidade ou
transparência no exercício do poder estatal, sobretudo da Administração, inserida no
Executivo, hoje o poder hegemônico. E relaciona-se em profundidade com o tema da
improbidade, pois se os mecanismos de controle sobre a Administração se mostrassem
mais eficientes, os índices de corrupção e de obtenção de vantagens ilícitas seriam
menores.
5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 727. 6 CF. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração
Pública. fls. 04/05. 7 MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno, 11ª ed., SP: RT, 2007, p. 376.
15
Nesse sentido, a professora Odete Medauar8 aponta que os índices de
corrupção em um Estado democrático de direito seriam inversamente proporcionais aos
de controle da Administração.
O nosso ordenamento jurídico é farto no que toca à criação e
aprimoramento dos sistemas de controle. O Poder Executivo tem suas funções
fiscalizadas pelos demais poderes e pelo Tribunal de Contas e Ministério Público; o
Judiciário, por sua vez, submete-se à fiscalização seja da sociedade, seja do Tribunal de
Contas, seja do Ministério Público.
Também o Legislativo sofre igual ingerência e tutela. Cada Poder, por
sua vez, submete-se a mecanismos de controle interno. Isto sem falar no controle social
exercido pela imprensa, população, entidades não governamentais e partidos políticos.
1.1 – O CONCEITO E FINALIDADE DO CONTROLE
Originalmente, a palavra controle era associada à arrecadação de
recursos para a coroa, ou seja, para o príncipe. Com o passar do tempo houve a
separação entre o tesouro do príncipe e os recursos do Estado. Esta modificação foi
concretizada em Portugal, com a distinção entre Contos de Lisboa (do país) e os Contos
do Rei (da casa real).
Atualmente, pode-se aventar que a idéia de controle é a defesa do
patrimônio público, pois, como é legítimo proprietário de todos os bens que integram
seu patrimônio, o Estado não só teria o poder, mas sim o dever de defender seu
patrimônio.
Guardando ainda relação com o discorrido objetivo, pode-se ainda falar
na adequada aplicação dos recursos públicos, pois, como proprietário que deve
cumprir uma função social, o Estado possui o dever de responsabilizar-se por sua gestão
orçamentária, com a organização e gestão de seus orçamentos, alocando os recursos
disponíveis nas atividades que sejam prioritárias e necessárias ao bom exercício de suas
8 op. cit., p. 377
16
atividades.
O conceito que expõe Hely Lopes Meirelles é o seguinte: ―a
faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou
autoridade exerce sobre a conduta funcional do outro.‖9
Odete Medauar apresenta várias acepções da palavra
controle conceituando-o como ―a verificação da conformidade da atuação
desta a um cânone, possibilitando ao agente controlador a adoção de medida
ou proposta em decorrência do juízo formado.‖10
Sob o prisma preventivo, o controle objetiva impedir que a atuação
administrativa seja praticada de forma ilegal. Sob a perspectiva reativa, é forma de
verificar se, ao desempenhar suas atividades, a Administração Pública respeitou a
ordem jurídica. Sob ambas as perspectivas, o controle da legalidade pode ser visto como
instrumento para aplicação de políticas gerais uniformes, de decisões coerentes no
âmbito da Administração Pública11
.
Atualmente, o controle sobre a legalidade da atividade administrativa
tem despertado muita atenção. Não apenas pela dificuldade em si de a conduta
administrativa ser estritamente determinada pela lei, mas também porque a lei já não
consegue mais prever de maneira precisa e a priori os limites da atuação da
Administração, o que faz com que cresça a margem de controle da atuação
administrativa, inclusive da discricionariedade12
.
Importa observar que, relacionado a esse processo, a adstrição do
9 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros, 1999, p.
637. 10 MEDAUAR. Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo, Revista do tribunais, 1993, pp. 14-
15. 11 Cf. MEDAUAR, Odete. Controles internos da administração pública. Boletim de Direito Administrativo,
p. 363-364
12 Sobre a ampliação do controle judicial da Administração, ver MEDAUAR. Direito
administrativo moderno, p. 396; DI PIETRO. Direito administrativo, p. 709;
17
controle à mera verificação formal do cumprimento de prescrições legais pode gerar um
déficit de responsividade13
, ou seja, um distanciamento em relação aos objetivos e efeitos
alvitrados pela sociedade e perseguidos pela atuação administrativa.
A finalidade do controle volta-se a assegurar a transparência dos atos
da Administração e a observância dos princípios constitucionais.
(CONTROLE – ODETE MEDAUAR – INSERIR CITAÇÃO)
1.2 – ESPÉCIES DE CONTROLE
Existem vários critérios para classificar as modalidades de controle:
Em relação ao momento do controle, ele pode incidir prévia,
concomitante e posteriormente à edição do ato.
1) Prévio (preventivo): é o que antecede à conclusão ou operatividade
do ato, como requisito para sua eficácia. É um controle preventivo porque visa impedir
que seja praticado ato ilegal ou contrário ao interesse público. Ex.: art. 49, II, III, XV,
XVI, XVII, e 52, III, IV e V, da Constituição Federal, quando sujeita à autorização ou
aprovação prévia do Congresso Nacional ou de uma de suas Casas determinados atos do
Poder Executivo.
13 "A responsabilidade (accountability), como se vê, corresponde sempre à obrigação de executar algo,
que decorre da autoridade delegada e ela só quita com a prestação de contas dos resultados alcançados e
mensurados pela Contabilidade. A autoridade é a base fundamental da delegação e a responsabilidade
corresponde ao compromisso e obrigação de a pessoa escolhida desempenhá-lo eficiente e eficazmente."
in TINOCO. João Eduardo Prudêncio. In Balanço social: balanço da transparência corporativa e da
concentração social. Revista Brasileira de Contabilidade n. 135 – maio/junho 2002. p. 62
18
2) Concomitante (simultâneo): incide sobre a atuação administrativa
desde o momento de sua origem, a exemplo do controle de gastos públicos e o
acompanhamento da execução contratual.
Considerado o mais eficaz, o controle concomitante recai sobre o
procedimento evitando riscos inúteis e prejuízos à Administração, administrado e erário.
É verdade que tal modo de controle depende do avanço da máquina
estatal, da tecnologia de ponta em matéria de informática e demais meios de
comunicação, de forma a torná-lo o mais rápido e eficiente possível no combate às
irregularidades e desperdícios.
3) Posterior (subsequente-corretivo): tem por objetivo a revisão dos
atos já praticados, para corrigi-los, desfazê-los ou apenas confirmá-los. O controle
posterior, tradicional e ainda muito utilizado, realiza-se após a conclusão do ato
praticado ou procedimento, a exemplo do registro de admissões de pessoal, das
licitações e contratos devidamente celebrados e publicados.
Em que pese possibilitada a indicação dos responsáveis, porque
sobejamente conhecidos ao longo do procedimento sujeito à verificação, tal modo de
controle recebe severas críticas de diversos segmentos interessados, por dificultar a
recuperação de valores e punições.
Em relação ao tipo de decisão, pode ela originar-se de organismo
monocrático ou colegiado.
No tocante à forma de instauração, necessário mencionar o controle
de ofício ou por provocação. Acionado em cumprimento à ordem legal ou à esfera de
competência dos entes estatais, o controle de ofício independe de provocação. De modo
contrário, o controle de provocação somente é acionado por iniciativa do interessado
legitimado para tal.
Quanto aos aspectos, o controle subdivide-se em: de legalidade, de
mérito e de resultados.
19
1) De legalidade: verifica a conformação do ato ou do procedimento
administrativo com as normas legais que o regem. Pode ser exercido pelos três poderes.
2) De mérito: cabe à própria Administração e, com limitações, ao
Poder Legislativo. Visa comprovar a eficiência, resultado, conveniência e oportunidade
do ato controlado.
Compete normalmente à Administração e, (com limitações, em casos
expressos na Constituição Federal) ao Legislativo.
3) De resultados, ou eficiência (avaliando a relação custo-benefício da
atuação administrativa em face de sua destinação e custo social como no controle de
economicidade).
Quanto ao órgão executor o controle divide-se em Administrativo,
Legislativo ou
Parlamentar e Judicial.
Em relação à esfera de controle, há mencionar, ainda, o interno e o
externo.
Trata o controle interno da estrutura de fiscalização inserida em cada
entidade pública.
Não sem razão, a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal
estabelece incumbir à Administração a revogação dos atos inoportunos e inconvenientes
e a anulação dos atos ilegais.
Por sua vez, o controle externo encontra-se a cargo do Poder
Judiciário, do Congresso Nacional, dos Tribunais de Contas, do Ministério Público, bem
como da própria sociedade.
20
A contínua influência da globalização, o avanço tecnológico e o
aperfeiçoamento dos recursos humanos alteraram o panorama institucional brasileiro.
Assim, a ampliação do controle da gestão dos negócios públicos exercido pelas Cortes
de Contas era inevitável.
A propósito, pontuou Sérgio Ciquera Rossi:
―O principal objetivo do controle exercido pelas Cortes de
Contas é assegurar que a administração das finanças públicas,
independentemente da dinâmica político-social, seja realizada
dentro dos parâmetros constitucionais da legalidade,
economicidade e moralidade. Os Tribunais de Contas devem
estar sempre vigilantes para defender esses postulados, sem
perder de vista a necessidade de adaptarem-se às novas
realidades, acompanhando a evolução dos acontecimentos.‖14
Destes tipos de controle tratar-se-á mais detidamente.
1.2.1 – CONTROLE INTERNO
De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, controle
administrativo é ―o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública (em
sentido amplo) exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito,
por iniciativa própria ou mediante provocação‖.15
14
ROSSI, Sérgio Ciquera. O controle externo sobre a administração pública. Caderno Fundap, São
Paulo, n. 22, p. 169-174, 2001, p. 169. 15 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 730.
21
O controle exercido, pela Administração, sobre seus órgãos é controle
interno, decorre do poder de autotutela,16
que encontra fundamento, em especial, nos
princípios da legalidade e da predominância do interesse público.
Esse controle sobre os próprios atos pode ser exercido:
a) ―ex officio‖: quando a autoridade competente constata a ilegalidade de seu próprio
ato ou de ato de seus subordinados;
b) provocado: pelos administrados, pela via do direito de petição (direito de petição —
art. 5º, XXXIII, XXXIV, ―a‖, CF.17
Se a Administração ignorar o pleito caberá
responsabilidade e, dependendo do caso, aplicar-se-á o art. 37, § 6º, da CF ou, se for o
caso, art. 5º, LXIX, da Constituição) ou por recurso do interessado.
Pelo controle, a Administração pode anular, revogar ou alterar seus
próprios atos e punir seus agentes.
Os artigos 53 e 54, da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, dispõem
como obrigatoriedade para a Administração anular seus próprios atos, quando eivados
de vícios, e revogá-los, por razões de conveniência e oportunidade, respeitados os
direitos adquiridos.
A Administração anula o ato ilegal e revoga o ato legal, mas
inoportuno e inconveniente. Há, porém, limites à revogação e à invalidação.18
16
Destaca Marçal Justen Filho que ―grande parte da teoria das nulidades no direito administrativo foi
desenvolvida sob a influência não democrática, em que a atuação estatal refletia a vontade suprema do
governante‖ Acrescenta que a Súmula 473 do STF refletia essas concepções fragmentárias e incompletas
em seu enunciado. E que ―esse entendimento deve ser adequado à evolução do direito brasileiro,
especialmente considerando o sistema jurídico instaurado pela Constituição de 1988. As ressalvas à
Súmula 473, na passagem relativa às nulidades, envolvem dois ângulos [...]. O primeiro é a
impossibilidade de modificação das categorias de invalidade (nulidade absoluta e nulidade relativa) a uma única. O segundo é o equivocado entendimento de que atos nulos não geram direitos.‖ (JUSTEN FILHO,
Marçal. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 365) 17
Art. 5o, XXXIII: ―Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas àquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado.‖ 18
Em decisão de 27 de maio de 2004, o Supremo Tribunal Federal considerou que não poderia mais ser
revista, com fundamento na ilegalidade da admissão, a contratação de empregados pela Infraero ocorrida
em 1991 e 1992, tendo em vista o tempo decorrido (mais de 10 anos) e a presunção de legitimidade do ato
de admissão quando de sua edição — controvérsia sobre necessidade ou não de concurso público para
22
1.2.2 – CONTROLE EXTERNO
Indubitavelmente nota-se em um Estado de Direito a necessidade de
se conscientizar quanto aos seus direitos e de dividir o poder político em funções, como
forma de exigir prestações estatais e de vê-las, adequadamente, controladas.
Neste teor de idéias, a Constituição Federal de 1988 visou conter os
desvarios e desmandos na Administração Pública e, para tanto, dedicou especial atenção
aos Princípios Fundamentais, Republicano e Federativo, aos vetores arrolados no
Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, aos concernentes à
Administração Pública, à Ordem Econômica e Financeira e à Ordem Social,
objetivando, assim, construir uma sociedade justa, pluralista e participativa.
Era, pois, inevitável que o Estado sofresse condicionamentos de modo
a amoldar-se à nova vestimenta alinhavada pelo legislador constitucional: o de guardião
do bem comum, a serviço do povo e para povo. A respeito da nova roupagem estatal,
assinalou Dinorá Adelaide Musetti Grotti:
Redefinindo o papel do Estado, fez-se necessário definir também o
papel da Administração Pública, adotando-se oito princípios básicos
como estratégias predominantes: desburocratização, com a
finalidade de dinamizar e simplificar o funcionamento da
Administração, descentralização, transparência, accountability,
ética, profissionalismo, competitividade e enfoque no cidadão. No
plano da cidadania, propagam-se os direitos difusos, caracterizados
pela pluralidade indeterminada de seus titulares e pela
admissão nas empresas públicas e sociedades de economia mista (CF, art. 37, II c/c o art. 173, § 1º). (MS
22.357, rel Min. Gilmar Mendes, DJ de 05-11-2004).
O Supremo Tribunal tem rejeitado a possibilidade de revogação ou anulação de atos administrativos em
face da infringência do direito ao contraditório e à ampla defesa, ou em razão de decurso de tempo
razoável, e tem reconhecido e mantido atos concretos a despeito da declaração de inconstitucionalidade
de lei que lhes dava base legal . MS 24.927/RO, rel. Cezar Peluso, DJ de 25-08-2006; MS 24.268/MG, rel
Min. Gilmar Mendes, DJ de 17- 09-2004; RMS 24.699/DF, rel. Eros Grau, DJ de 01-07-2005; RE-ED/PR
351.489, rel. Gilmar Mendes, DJ 09- 06-2006; RE 452.721, rel. Gilmar Mendes, DJ 03-02-2006.
23
indivisibilidade de seu objeto, nesses se incluindo a proteção ao
consumidor.19
Daí a criação de mecanismos de controle e aprimoramento dos
existentes na busca da garantia da legitimidade20
e eficácia da fiscalização do patrimônio
comum. Necessário, então, que o poder detivesse o poder desalinhado com os objetivos
para os quais se voltara: os do bem comum.
Controlar constitui, na fiscalização, equalização de oportunidades no
alcance dos objetivos predefinidos e gerenciamento de riscos, observado aí o binômio
probabilidade/impacto do evento.21
Visa à persecução da atuação do administrador
público, sob a égide dos princípios constitucionais arrolados nos arts. 37 e 70, caput, da
Constituição Federal e demais princípios afins.
Reserva a Constituição Federal a função do controle externo da
Administração Pública ao Poder Judiciário, ao Congresso Nacional, e aos Tribunais de
Contas.
19
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. As agências reguladoras. Revista Eletrônica de Direito
Administrativo e Econômico, Salvador, n. 6, maio/jul. 2006. Disponível em: <direitodoestado.com.br>.
Acesso em: 12 fev. 2009, p. 2. 20 O art. 70 da Constituição Federal, ao disciplinar a respeito do controle econômico, financeiro e
operacional da Administração, a par do princípio da legalidade, menciona o da legitimidade, cujo
conteúdo substancial vai além da legalidade para abarcar a própria justiça. ―O conceito da legalidade ou ilegitimidade do ato administrativo não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange, também, o
abuso, por excesso ou desvio de poder ou relegação dos princípios gerais do direito.‖(Agravo de
Instrumento 325-PE, TRF da 5ª Região, Rel.Des. Fed. Francisco Falcão, DJU 25.05.90). 21 AKUTSU, Luiz. Definição de indicadores e fortalecimento das auditorias de resultado no âmbito
dos
Tribunais de Contas. IX Seminário Nacional da Educação: Avaliação da qualidade dos gastos e criação
de indicadores de desempenho, p. 9. Disponível em:
www.tcm.sp.gov.br/legislação/doutrina/IXSeminarioEducação/09-08%20luiz%20Akutsu.pdf>. Acesso
em: 25 jun. 2010
24
CAPITULO II – O TRIBUNAL DE CONTAS E SUA FUNÇÃO DE CONTROLE
EXTERNO NO BRASIL
A fiscalização dos atos de determinado órgão, por outro distinto dele, é
tradição do nosso direito constitucional sendo que esse controle, mediante ação
fiscalizadora, é exercido pelo Poder Legislativo, que o faz com o auxílio do Tribunal de
Contas.
Antonio Roque Citadini salienta que:
― (...)nos dias atuais, não existe país democrático sem
um órgão de controle com a missão de fiscalizar a boa gestão do
dinheiro público.
São exceções apenas os regime ditatoriais – nos quais
o que os dirigentes menos querem e menos aceitam é o controle de seus
atos – e os Estados de forte atraso na organização política e
econômica.‖22
Historicamente o Tribunal de Contas surgiu no Brasil por iniciativa do
então Ministro da Fazenda Ruy Barbosa, em 7 de novembro de 1890, mediante, o
Decreto nº 966-A sendo atualmente entidade prevista no ordenamento jurídico em
âmbito constitucional, com atribuições fiscalizatórias e controladoras da atividade
administrativa.
Inicialmente faremos uma breve explanação sobre o surgimento e a
evolução das competências constitucionais do Tribunal de Contas no ordenamento
nacional, a fim de que seja possível situar adequadamente sua competência fiscalizatória,
ocasião em que também situaremos a natureza dessa competência, desempenhada no
exercício de função controladora.
Só é possível afirmar que um Estado é de Direito se existirem
22 CITADINI,Antônio Roque. O Controle Externo da Administração Pública , p.12.
25
instituições e mecanismos hábeis para garantir sua submissão à lei, de modo que, no
exercício de suas funções, a Administração Pública se sujeita ao controle externo por
parte dos poderes Legislativo e Judiciário, além de exercer, ela mesma controle sobre
seus próprios atos.
No Brasil, a tentativa de instituir Tribunal de Contas surgiu pela
primeira vez em 1826, por idéia dos Senadores do Império, Visconde de Barbacena e
José Inácio Borges. Não obstante as tentativas, o Império não teve seu Tribunal de
Contas idéia que só ganhou força com a Proclamação da República, em 1889.
Dessa forma, durante o governo de transição da Monarquia para a
República, foi editado o Decreto 966-A, de 7 de novembro de 1890, da lavra do então
Ministro da Fazenda Rui Barbosa, criando o Tribunal de Contas, órgão destinado ao
exame, revisão e julgamento dos atos concernentes à receita e despesa pública.
Todavia, o Tribunal de Contas institucionalizou-se somente na Carta
de 1891, através do artigo 89 das Disposições Gerais, com as funções de liquidar as
contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade. Foi efetivamente instalado em
1893, quando se iniciou a fiscalização das contas públicas, de forma independente do
Poder Executivo, num modelo bastante influenciado pelo francês.
Não obstante a independência garantida, sobretudo pela permanência
dos Ministros nos cargos, as decisões do Tribunal passaram a ser fortemente contestadas
pelo Poder Executivo, que as via como provocações e passou a reduzir suas
competências através de decretos.
A Constituição Federal de 1934, com a preeminência das preocupações
sociais, em ambiente inteiramente diverso daquele que deu origem à Constituição de
1891, ampliou as competências do Tribunal de Contas, inserindo-o no capítulo
denominado ―dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais‖, juntamente com
o Ministério Público.
A Carta outorgada de 1937, segundo Paulo Bonavides e Paes de
Andrade ―conhecida como ‗a polaca‘ por assimilar muitos elementos da vaga autoritária
26
que assolava a Europa na época‖23
, inseriu o Tribunal de Contas no âmbito do Poder
Judiciário, e, em consonância com o regime político da época, conhecido como Estado
Novo, restringiu a competência desta instituição, suprimindo a função de emitir parecer
prévio sobre as contas do Presidente da República.
O liberalismo do Texto Constitucional de 1946, pôs fim à ditadura de
Vargas, restaurou o princípio federativo, as liberdades e garantias individuais e buscou
devolver ao Legislativo e ao Judiciário a dignidade e prerrogativas de um regime
democrático.
Nesse contexto, o Tribunal de Contas reassumiu as competências antes
suprimidas e ganhou grande prestígio dadas as suas relevantes e independentes
atribuições constantes do art. 77.
A partir de 1946, as Constituições brasileiras passaram a tratar do
Tribunal de Contas no capítulo destinado ao Poder Legislativo, de forma que tanto na
Constituição de 1967 como na Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, os Tribunais de
Contas foram disciplinados em seção integrante do capítulo do Poder Legislativo, mas
especificamente destinada à fiscalização financeira e orçamentária. Cumpre registrar que
as alterações promovidas no texto de 1967 diminuíram substancialmente as prerrogativas
do Tribunal de Contas, que só voltaram a ser elevadas por ocasião da promulgação da
Carta de 1988.
A Constituição Federal de 1988, além de consolidar as conquistas
advindas com a Carta de 1946, ampliou as atribuições do Tribunal de Contas,
acrescentando a competência para exercer a fiscalização operacional, ao lado da
financeira, orçamentária, contábil e patrimonial. E além do exame sob o aspecto da
legalidade, introduziu a competência para avaliar os aspectos da legitimidade e
economicidade dos atos da Administração Pública direta e indireta.
23 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10a edição. São Paulo: Malheiros, 2000, fl. 147.
27
Desta forma, fortalecendo o papel do controle, de limitar o exercício do
poder, a Constituição Federal colocou o Tribunal de Contas ao lado do Poder
Legislativo, para auxiliá-lo no controle externo, com atribuições bastante ampliadas, uma
vez que a atual noção de legalidade, antes concebida por um ângulo puramente formal,
em sua evolução superou essa concepção, passando-se a exigir do administrador uma
conduta não apenas em consonância com a lei, mas com o Direito.
O controle externo da função administrativa prescrito pela Constituição
Federal, nos artigos 70 e seguintes, compreende dois aspectos: o político, atribuído aos
órgãos do Poder Legislativo, e o técnico, exercido pelo Tribunal de Contas. O controle
externo também é exercido pelo Poder Judiciário.
Trata-se de órgão auxiliar do Poder Legislativo, mas não subordinado,
e que tampouco integra sua estrutura. Foi criado posteriormente à teoria da separação dos
poderes e não se insere nas linhas rígidas da tripartição, a exemplo do que ocorre com o
Ministério Público. Todavia, não o concebemos como um dos poderes da República,
mas, adotando o entendimento do Ministro Celso de Mello e Odete Medauar24
, o
consideramos um conjunto orgânico autônomo. A subordinação hierárquica a qualquer
poder representaria limitação e até mesmo a inviabilidade da efetivação da função de
controle em sua plenitude.
A abrangência das atribuições da Corte de Contas faz com que a
matéria relacionada à natureza jurídica de seus atos encerre acirradas controvérsias em
âmbito doutrinário e jurisprudencial. Respeitados juristas defendem que, com exceção
dos aspectos processuais ou de manifesta ilegalidade, a decisão da Corte de Contas se
impõe ao Judiciário no que concerne aos aspectos técnicos, ocorrendo um abrandamento
no princípio da unidade de jurisdição, quando a própria Constituição confere a
competência privativa aos Tribunais de Contas para julgar as contas dos
24
MEDAUAR, Odete: ―Se a função é de atuar em auxílio ao legislativo, sua natureza, em razão das
próprias normas da Constituição é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos
três poderes. A nosso ver, por conseguinte, o Tribunal de Contas configura ´instituição estatal
independente´.‖In Controle da Administração Pública. p.140. Em sentido semelhante, Jorge Ulisses
Jacoby Fernandes cita manifestação do Ministro Celso de Mello: ―(...) como o Texto maior desdenhou
designá-lo Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um Poder. Basta-nos uma
conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico
perfeitamente autônomo‖.In Tribunais de Contas: Enquadramento na estrutura tripartite dos poderes.‖
Revista Fórum Administrativo . p.6527.
28
administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos (inciso II do
artigo 71 da Constituição Federal).
De acordo com Edgard Camargo Rodrigues ―poder-se-ia cogitar se os
Chefes do Executivo (Prefeitos e Governadores) e Legislativo (Presidentes das Casas
Legislativas) seriam ou não passíveis de serem sancionados caso pratiquem infração.
Estão investidas estas pessoas de funções simultâneas de agentes políticos e de
administradores. Enquanto ajam na esfera da discricionariedade política, ao Tribunal de
Contas não é dado interferir. Entretanto, no transcorrer de seus mandatos praticam eles
também atos administrativos vinculados ao regimento jurídico-legal pertinente, e aqui
se sujeitam à fiscalização do Tribunal de Contas e às sanções resultantes das infrações
que cometerem. Enquanto administradores públicos, todos estão sujeitos ao controle da
legalidade e legitimidade dos seus atos‖.25
Destaque-se disposição do parágrafo 1° do artigo 74: ―Os
responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer
irregularidade ou ilegalidade dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob
pena responsabilidade solidária.‖
Pretende o dispositivo evitar a omissão, tão comum na esfera
administrativa. O ordenador da despesa, por vezes, conhece fatos que comprometem a
lisura da gestão pública, porém permanece silente, como se a coisa pública também dele
não fosse. Evidencia-se, destarte, a cumplicidade por omissão.
Muito embora, na realidade brasileira, além do Tribunal de Contas da
União existam, ainda, 26 Tribunais de Contas Estaduais, 4 Tribunais de Contas
Estaduais dos Municípios (Goiás, Bahia, Ceará e Piauí), 1 Tribunal de Contas do Distrito
Federal e 2 Tribunais de Contas Municipais (São Paulo e Rio de Janeiro), estes últimos
agora só viáveis porque preexistentes à Carta de 1988, a análise do presente trabalho
enfocará o Tribunal de Contas da União, aplicando-se as conclusões, no que couber, aos
demais Tribunais de Contas, pelo princípio da simetria e em sintonia com o disposto no
25
O Tribunal de Contas e o poder sancionador. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo -
TCESP, São Paulo, n. 65, jan./jun. 1991, p. 82-83.
29
artigo 75 da Constituição Federal, que estendeu a disciplina a ele conferida às demais
Cortes de Contas, limitando-se a estabelecer o número de Conselheiros que integrarão os
Tribunais de Contas estaduais. No mais, remeteu a disciplina de cada qual às
Constituições dos respectivos Estados e Municípios.
2.1 – O ATUAL TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE
CONTAS
A atual Constituição Federal concedeu ao Congresso Nacional,
competência para fiscalizar em sede de controle externo e pelo sistema de controle
interno de cada poder, os aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e
patrimoniais dos entes da administração direta e indireta, inclusive no tocante à
legalidade, legitimidade e economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de
receitas.
No exercício dessa atividade o Congresso Nacional conta com o
auxílio do Tribunal de Contas, instituição, como vimos antiga em nosso ordenamento e
reconhecida pelo texto de 1988.
A atual Constituição, reconhecendo o Tribunal de Contas como órgão
já existente, concedeu-lhe novas atribuições e corrigiu alguns defeitos. Vemos a
existência de Tribunais de Contas no âmbito dos três entes federativos brasileiros.
Conforme afirmado anteriormente, nosso estudo versará somente sobre o Tribunal de
Contas da União, visto ser ente paradigmático aos demais.
Nas palavras de Valmir Campelo, ―o Tribunal de Contas da União é
hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, o ente máximo de auxílio ao Congresso
Nacional no controle externo da administração pública federal. Autônomo, a ele compete
fiscalizar a totalidade de atividades desenvolvidas pelo poder público, o que leva a
verificar a contabilidade de receitas e despesas, a execução orçamentária, os resultados
operacionais e as variações patrimoniais do Estado, sob os aspectos de legalidade,
compatibilidade com o interesse público, economia, eficiência, eficácia e efetividade‖.26
26 CAMPELO, Valmir; et alli. ―O Tribunal de Contas no Ordenamento Jurídico Brasileiro‖, p. 134.
30
Passou a Corte de Contas a desempenhar papel fiscalizatório mais
intenso do Poder Público. Nos dizeres do Professor Marcos Jordão Teixeira do Amaral
Filho27
, o Tribunal de Contas, devido às suas atribuições e alcances, passou a
assemelhar-se à figura de um ombudsman no controle da administração, em seus
dizeres:
―Como se pode observar, os constituintes ampliaram de forma
bastante nítida o rol de competências do Tribunal de Contas da União, que
decididamente deixa de ser mera Corte de Contas para passar à condição de fiscal do
Poder Público, com grandes semelhanças em relação às atribuições clássicas do
ombudsman.‖
A disciplina constitucional atual do Tribunal de Contas da União
encontra-se na Seção IX, do Capítulo I que alude ao Poder Legislativo, e vem intitulada
como ―Da fiscalização contábil, financeira e orçamentária‖.
O Tribunal de Contas da União é composto por 9 Ministros e,
conforme dispõe o artigo 73 § 1º da Constituição Federal, para a nomeação deverão
cumprir os seguintes requisitos: ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, possuir
idoneidade moral, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis,
econômicos e financeiros ou de administração pública e mais de 10 anos de exercício de
funções ou efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos relacionados aos
assuntos mencionados.
Aos Ministros do Tribunal de Contas da União, por força do
estabelecido no § 3º do artigo 73 da Carta Magna são asseguradas as mesmas garantias,
prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior
Tribunal de Justiça.
O processo de escolha se dará de acordo com o estabelecido no § 2º do
27
AMARAL, Marcos Jordão Teixeira. O Ombudsman e o Controle da Administração. São Paulo: Ícone
Editora, 1993, p. 123
31
mesmo dispositivo constitucional, sendo um terço pelo Presidente da República, com
aprovação do Senado Federal, escolhidos dentre os indicados em lista tríplice do
Tribunal e de forma alternada entre auditores e membros do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas, e dois terços são escolhidos pelo Congresso Nacional.
Estruturalmente, o Tribunal divide-se em duas câmaras e o plenário,
cujas sessões se realizam sempre com a presença de um membro do Ministério Público
junto ao Tribunal. O presidente e o vice-presidente do Tribunal são eleitos pelos seus
pares para o mandato de um ano e podem ser reeleitos uma vez.
2.2 – A NATUREZA JURÍDICA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
É recorrente a discussão doutrinária acerca da posição ocupada pelo
Tribunal de Contas em relação aos poderes ou funções do Estado, ou seja, em relação ao
Poder Legislativo, ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário.
O que se pretende nesta parte é fixar, no âmbito da estrutura do Estado
Brasileiro, onde estão situados os órgãos de controle externo da Administração Pública,
ou os Tribunais de Contas.
Sobre esta temática, verificamos três posicionamentos e assim não
poderia deixar de ser tendo em conta a teoria da separação dos poderes. Os que entendem
que o Tribunal de Contas é órgão pertencente ao Poder Judiciário (primeira corrente).
Aqueles que pretendem ser ele um órgão do Poder Executivo (segunda corrente) e, ainda,
aqueles que o concebem como parte integrante do Poder Legislativo (terceira corrente).
Para a primeira corrente,que tem como expoente José Luiz de Aranha
Mello, os órgãos de controle da Administração Pública pertencem ao Poder Judiciário e
exercem uma parcela de sua jurisdição. Suas decisões se assemelhariam às decisões deste
Poder e seus integrantes seriam equiparados aos membros da magistratura, gozando de
prerrogativas, impedimentos, vencimentos, vantagens, para viabilizar o exercício de suas
funções com autonomia e independência.
Nas palavras de José Luiz de Anhaia Melo, o que acabamos de afirmar:
32
―/.../ me encanta a idéia de um Tribunal de Contas inserido na órbita do Poder Judiciário,
como uma Justiça Especial, a par da eleitoral, da trabalhista, da agrária, como uma
Justiça de Contas/.../.‖28
Para Antonio Roque Citadini, ―a verdade é que vincular o órgão de
fiscalização da Administração ao Poder Judiciário não encontra acolhida em qualquer
grande país, sendo apenas experiência em alguns países africanos (como Angola) até que
o Estado organize um órgão autônomo de fiscalização.‖29
Para os adeptos da segunda corrente, que entende que o Tribunal de
Contas é órgão vinculado ao Poder Executivo, Antonio Roque Citadini rememora que
―no Brasil durante o regime ditatorial de Getúlio Vargas, as funções de controle dos atos
da Administração passa RAM para órgãos vinculados à Fazenda Pública. Seus membros
eram indicados pelo chefe do Poder Executivo e suas competências eram bastante
restritas, até porque numa ditadura o poder é todo do Executivo. Em Portugal, durante o
período Salazarista, embora o Tribunal de Contas se mantivesse atuante, seus membros
eram designados pelo Ministro das Finanças.‖30
Relevante observar que esses órgãos de controle iniciam como
auditorias internas das áreas de contabilidade e finanças do Estado, evoluindo para um
órgão autônomo. Daí porque de maneira errônea há os que confundem este órgão de
controle externo quando vinculados ao Poder Executivo com o departamento de
auditoria interna da administração.
Há, ainda, a terceira corrente preconizada por aqueles que entendem
que os órgãos de controle externo vinculam-se ao Poder Legislativo.
Dentre os expoentes desta posição encontra-se Michel Temer,quando
aduz que ―o Tribunal de Contas é parte componente do Poder Legislativo, na qualidade
de órgão auxiliar, e os atos que pratica são de natureza administrativa‖.31
Para os expoentes deste entendimento haverá formas diversas de
28 CITADINI, Antonio Roque. O Controle Externo da Administração Pública, p. 24. 29 CITADINI, Antonio Roque. O controle Externo da Administração Pública., p. 25. 30 CITADINI, Antonio Roque. O Controle Externo da Administração Pública, nota de rodapé 18, p. 25. 31 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 18ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2002, p. 134.
33
vinculação ao parlamento, mas sempre a vinculação ocorrerá em relação ao Poder
Legislativo.
Tratando destes órgãos que se vinculam ao Poder Legislativo, mas
mantém sua autonomia Antonio Roque Citadini32
traz o exemplo do General Accounting
Office - GAO33
nos Estados Unidos e do National Audit Office - NAO34
na Inglaterra.
Cita ainda o exemplo do Canadá, no qual ―o auditor geral dispõe de
ampla autonomia administrativa e de competência. Seu mandato é de 10 anos sendo que
durante este período ele é inamovível. Seu mandato, todavia, não pode ser renovado. Ele
exerce o controle de legalidade e de mérito econômico em roteiro organizado pela
Controladoria e suas conclusões são informadas pelo Parlamento‖.35
E da Cour des Comptes da França assiste tanto o Parlamento quanto o
governo. É órgão autônomo e seus membros gozam das garantias da magistratura.
Constitui-se em um dos órgãos mais antigos de fiscalização e controle, exercendo ampla
verificação de legalidade e mérito econômico de gestão.
Diante de toda esta exposição, verificamos que ao parlamento é
interessante a existência de um órgão técnico autônomo e de subordinação às maiorias
que oscilam no Poder Legislativo.
Discorre Antonio Roque Citadini que ―embora seja grande o número
de países onde os órgãos de controle têm vínculos com o Legislativo, são poucos aqueles
em que o vínculo é de subordinação e a fiscalização dos atos da administração é
realizada por um departamento do parlamento. Mesmo em países onde vigora o sistema
de controladoria, que nasceu como órgão do Parlamento, esta situação evoluiu para um
modelo no qual o trabalho de verificação dos atos administrativos é executado por órgãos
32 CITADINI, Antonio Roque. O controle externo da Administração Pública. n. 24, p. 28. 33 Órgão vinculado ao Congresso do Estados Unidos e que apresenta total autonomia. Este órgão é
dirigido por um chefe com mandato de 15 anos, podendo haver recondução e nomeado pelo presidente da
República a partir de uma lista encaminhada pelo Congresso Nacional. 34 É órgão responsável pelo Controle e fiscalização dos atos do governo. Atua com autonomia
administrativa e é dirigido por um Controlador Geral que só deixa o cargo a pedido das duas casas do
parlamento e a concordância do monarca. 35 CITADINI, Antonio Roque. O controle Externo da Administração Pública., n. 24, p. 28.
34
com autonomia, ainda que mantenham forte vínculo com o parlamento.‖36
O que,
levando-se em consideração que o parlamento é um órgão político, melhor seria se o
órgão incumbido de fiscalizar tecnicamente a ação governamental não fosse a ele
subordinado.
Nesse diapasão, Antonio Roque Citadini afirma que a fiscalização
exercida pelo parlamento será sempre política e não dispensa o trabalho da auditoria.
Relevante observarmos que, atualmente, não há vínculo de
subordinação entre o Tribunal de Contas e os poderes do Estado. Referimos a hoje
porque SEABRA Fagundes nos conta que nem sempre fora assim. ―Sob a Constituição
de 1937, integrava-se ele no Poder Executivo. Apesar de sua restrita atribuição judicante,
no que respeitava às contas dos responsáveis por dinheiros e bens públicos em geral, a
grande massa das atribuições a ele cometidas, concernentes à invalidez e regularidade de
contratos, ordens de pagamento, despesas e mais atos da gestão financeira da União /.../
figurando o Presidente da República, como instância de recurso para muitos de seus atos
(Dec.-Lei n° 7, de 17-11-1937, artigos 3° e 5°, parágrafo único). Era órgão fiscalizador
engastado (embutido) no mecanismo da Administração. Sob a Constituição de 1946
(artigo 77) retoma ele o caráter com que se apresentava nas Constituições de 1891 (artigo
89) e de 1934 (artigos 99, 101 e 102), ou seja, de órgão fiscalizador da execução
orçamentária e da gestão financeira em geral, articulado com o Poder Legislativo, como
caracterizava Ruy Barbosa quando de seu ingresso, com a República, entre os
instrumentos de ação superior do Poder Público.‖37
Entendemos, juntamente com Pontes de Miranda, Celso Antônio
Bandeira de Mello38
e Odete Medauar39
que o Tribunal de Contas é órgão autônomo de
matriz constitucional e que não se vincula a nenhum dos poderes instituídos, muito
36 CITADINI, Antonio Roque. O controle Externo da Administração Pública., n. 24, p. 28. 37 FAGUNDES, Miguel SEABRA. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 169. 38 Na revista de Direito Público n. 72, p. 37 ele assim se pronuncia: ―como o texto maior desdenhou
designá-lo como poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um poder. Basta-nos uma
conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico
perfeitamente autônomo. 39 ―se a função é de atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da
Constituição, é de órgão independente, desvinculado da estrtutura de qualquer dos três poderes‖. In
Controle da Administração pública pelo Tribunal de Contas, Revista de Informação Legislativa, n°
108/101-127, p. 141.
35
embora tenha função auxiliar do Poder Legislativo em sua tarefa constitucional.
A independência e autonomia caracterizam as Cortes de Contas e nem
poderia ser de outra forma, em face da competência jurisdicional de controle e
fiscalização que lhes reserva a Constituição Federal.
Auxiliando o Legislativo, o Tribunal de Contas desempenha papel de
colaborador, sem submissão hierárquica ou administrativa, de todos os Poderes, nos
respectivos desempenhos de suas atividades administrativas.
Porque a independência, se não é, deveria ser o norte desta instituição,
é que melhor seria defini-la como ―órgão auxiliar da República‖.40
E, em arrimo à tese defendida, mencione-se Sérgio Ferraz: ―Em
momento algum, entretanto, a Constituição denomina o Tribunal de Contas ―órgão
auxiliar‖ (de quem quer que seja). O que ela faz, repita-se, é afirmar que o controle
externo da execução financeiro-orçamentária, de atribuição do Congresso Nacional, será
exercido com o auxílio do Tribunal de Contas. Trata-se, a toda evidência, de um
mecanismo de cooperação integrada, fórmula essa, aliás, encontrada ao longo do texto
constitucional, unindo diversos Poderes Estatais na consecução de um fim comum (o
exemplo mais notável dessa cooperação independente mas integrada é a que se dá, na
Constituição, entre Executivo, Legislativo e Judiciário e a Ordem dos Advogados do
Brasil, para a nomeação de magistrados a terem assento nos tribunais superiores, como
representantes da advocacia).‖41
De outra parte, compõem o Congresso Nacional o Senado Federal e a
Câmara dos Deputados (artigo 44 da Constituição Federal), logo o Tribunal de Contas
da União não compõe o Poder Legislativo, em que pese inadvertidamente inserido no
40
MARANHÃO, Jarbas. Tribunal de Contas: natureza jurídica e posição entre os poderes. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, v.27, nº 106, p. 99-102, abr./jun. de 1990, p. 102. 41
FERRAZ, Sérgio. A execução das decisões dos Tribunais de Contas: algumas observações. In:
ARRUDA
ALVIM; ALVIM, Eduardo Arruda; TAVOLARO, Luiz Antonio. Licitações e contratos
administrativos: uma visão atual à luz dos Tribunais de Contas. Curitiba: Juruá, 2006, p. 169-177
36
capítulo dedicado ao mencionado Poder.42
Como observa Carlos Ayres Britto:
[...] algumas atividades de controle nascem e morrem do lado de fora das
Casas Legislativas. A partir da consideração de que as próprias unidades
administrativas do Poder Legislativo Federal são fiscalizadas é pelo Tribunal
de Contas da União (inciso IV do art. 71 da CF). Como poderia, então, o
Poder administrativamente fiscalizado sobrepairar sobre o órgão
fiscalizante?43
Destarte, forçosa a conclusão de que as Cortes de Contas não integram
o Poder Legislativo, o que afasta qualquer subserviência de ordem funcional. Não sem
razão, Carlos Ayres Britto acrescenta:
[...] quando a Constituição diz que o Congresso Nacional exercerá o controle
externo ―com o auxílio do Tribunal de Contas da União‖ (art. 71), tenho
como certo está a falar de ―auxílio‖ do mesmo modo como a Constituição
fala do Ministério Público perante o Poder Judiciário. Quero dizer: não se
pode exercer a jurisdição senão com a participação do Ministério Público.
Senão com a obrigatória participação ou o compulsório auxílio do Ministério
Público. Uma só função (a jurisdicional), com dois diferenciados órgãos a
servi-la, sem que se possa falar de superioridade de um perante o outro.44
42
Recorde-se Odete Medauar: ―Criado por iniciativa de Ruy Barbosa, em 1890, o Tribunal de Contas é
instituição estatal independente, pois seus integrantes têm as mesmas garantias atribuídas ao Poder
Judiciário (CF, art. 73, § 3º). Daí ser impossível considerá-lo subordinado ou inserido na estrutura do
Legislativo. Se a sua função é de atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias
normas constitucionais, é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três
poderes.‖ (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010, p. 404). 43 BRITTO, Carlos Ayres. O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico,
Salvador, v. 1, n. 9, dez. 2001. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGOJURIDICO- 09-DEZEMBRO-2001-CARLOS-
AYRES-BRITTO.pdf>. Acesso em: 12 maio 2011. 44
BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico,
Salvador, v. 1, n. 9, dez. 2001. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGOJURIDICO- 09-DEZEMBRO-2001-CARLOS-
AYRES-BRITTO.pdf>. Acesso em: 12 maio 2011.
37
2.3 – A NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS
A partir da sistematização proposta por Rodolfo de Camargo
Mancuso45
, podem-se aglutinar as decisões das Cortes de Contas em quatro tipos:
declaratórias, constitutivas, mandamentais e condenatórias.
São declaratórias aquelas destinadas a chancelar determinada situação
e eliminar incertezas, sem, contudo, inovar no mundo jurídico. Certificam o
procedimento atestando-o como válido. Desta natureza revestem-se os atos de registro
de aposentadoria e de admissão de pessoal.
São constitutivas as decisões que inovam no mundo jurídico, alterando
substancialmente a situação anterior existente. Servem de exemplo as decisões em ações
de rescisão e revisão de julgado e as relativas a licitações e contratos. Também aqui
cabe o parecer, favorável ou desfavorável, a respeito das contas anuais do Chefe do
Executivo, uma vez que tal decisão traz em seu bojo alterações significativas no
panorama jurídico-político, ―dada a eventualidade daquele parecer contrário vir a ser
referendado pelo Poder Legislativo, daí podendo resultar, na sequência, mesmo o
impeachment e a inelegibilidade da Autoridade faltosa‖, no dizer de Rodolfo de
Camargo Mancuso.46
As decisões de ordem mandamental revestem-se de um comando ou
ordem. São exemplos a suspensão prévia de edital, a instauração de auditoria para
verificação de certo fato, a determinação para anulação de certame e a sustação, se não
atendido, da execução do ato impugnado, com comunicação da decisão à Câmara dos
Deputados e ao Senado Federal.
As decisões condenatórias geram pretensões insatisfeitas e cominam
obrigação ou abstenção da prática de determinado ato pelo condenado. Sujeitam-se,
observadas as peculiaridades legais, a prazos de prescrição e/ou decadência. No tocante
às Cortes de Contas, tais decisões, porque podem apontar débito ou aplicar multa, ou
45
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos Tribunais de
Contas,
especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 743, p. 74-95, set. 1997, p.78. 46 op. cit., p.78.
38
seja, porque condenam à devolução de ordem pecuniária, geram título executivo
extrajudicial, conforme o artigo 71, § 3º, da Constituição Federal.47
O título gerado pelas Cortes de Contas deve possuir os mesmos
elementos formadores do título executivo judicial previstos no artigo 586, do Código de
Processo Civil: liquidez, certeza e exigibilidade.
Ensina Rodolfo de Camargo Mancuso a necessidade de satisfação do
credor pela constrição da vontade do devedor, por meios adrede estabelecidos pelo
legislador para consecução de tal fim.
―Alguns desses meios são de tipo ―coativo‖, na medida em que
atuam psicologicamente sobre a vontade do devedor, induzindo-o a adimplir a
obrigação, em espécie (v.g.,a multa diária); outros são de tipo ‗sub-rogatório‘
(realização do objeto através de terceiro, quando o permita a fungibilidade da
obrigação); em casos mais especiais pode mesmo dar-se a substituição, pelo
próprio título judicial, do contrato não aperfeiçoado, da declaração da
vontade não emitida, como se verifica nas adjudicações compulsórias, nas
renovatórias de locação comercial, nas promessas de contratar; ainda,
através de outros meios, pode-se tentar a prestação específica do objeto
através de atos de natureza constritiva do patrimônio ou da atividade negocial
do devedor (penhora, interdições, seqüestro, imposição de contrapropaganda,
fechamento de estabelecimento); finalmente, se ainda assim nada se revelar
eficaz para vencer a recalcitrância do devedor, e se a obrigação for daquelas
que não comportam realização por terceiro (ou ainda por livre opção do
exeqüente), tudo se reduzirá às perdas e danos (CPC, arts. 633 e 461, § 1º).‖48
47
―Embargos à execução - Certidão de dívida ativa constituída com base em decisão proferida pelo
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo - Certeza, liquidez e exigibilidade do título presentes -
Nulidade do procedimento administrativo não apurada - Constatado regular exercício do direito de defesa,
nos termos do que prevê a Lei Complementar Estadual nº 709/93 - Pedido improcedente - Sentença
mantida - Recurso improvido.‖ (TJSP. Ap. n° 686.684.5/2-00, Pereira Barreto, j. 22.09.08, rel. Des. Leme de Campos). 48
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos Tribunais de
Contas,
especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 743, p. 74-95, set. 1997, p. 82.
39
Grande parte das decisões prolatadas pelas Cortes de Contas ainda é
condenatória, em que pesem incansáveis esforços de caráter pedagógico empreendidos
no sentido do aprimoramento dos procedimentos fiscais, planejamento econômico
orçamentário e transparência nas contratações.
As condenações a obrigação de fazer ou de não fazer dirigem-se ao
autor da prática do ato (ou omissão). O pagamento da multa, e a recomposição do
erário, têm caráter personalíssimo e devem ser adimplidos e/ou questionados pelo
apenado, observando-se que a entidade pública é a beneficiária final da recomposição (e
não a autoridade ou ex-autoridade pública apontada como a responsável pelo dano,
como decidiu, a propósito, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em diversas
ocasiões).49
Há casos, ainda, de obrigação atribuível à autoridade responsável
enquanto titular do cargo, a exemplo do fornecimento de justificativas, produção de
provas, e instauração de sindicância. Contudo, havendo vacância, a obrigação deverá ser
adimplida pelo novo titular com fundamento no princípio da continuidade do serviço
público, cabendo, quando necessário, ação regressiva contra o responsável. É nesse
sentido o decidido nos autos do TCE-SP 13759/026/07, sessão de 05.11.08, Rel.
Conselheiro Antonio Roque Citadini, e pelo TCU.50
Para cumprimento de suas decisões o sistema legal dotou as Cortes de
Contas de diversos meios e providências. Dentre eles, destacam-se a aplicação de
sanções pecuniárias, a exemplo das multas de até cem por cento do valor atualizado do
dano causado ao erário, em razão de contas julgadas irregulares de que não resulte
débito, e/ou por desatendimento às determinações do Tribunal; inabilitação para o
exercício do cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração
Pública (respectivamente artigos 57 a 60 da Lei Federal nº 8.443/92); remessa de autos
ao Ministério Público; oficiamento ao Poder Legislativo para providências de sua
49
TCE-SP (TC 1318/007/92- sessão de 09.11.99, Rel. Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues; TC
785/005/07 - sessão de 31.03.09, Rel. Conselheiro Cláudio Ferraz de Alvarenga; TC 62195/026/87 -
sessão de 09.09.98, Rel. Conselheiro Renato Martins Costa). TCU (Acórdão 289/2001 - sessão de 14.11.01, Rel. Ministro Augusto Sherman Cavalcanti). 50
Ac. 225/2002, sessão de 26.06.02, Rel. Ministro Ubiratan Aguiar e Ac. 903/2004, sessão de 27.04.04,
Rel.
Ministro Augusto Sherman Cavalcanti.
40
alçada; além de outras supletivamente previstas na legislação pertinente (cf. artigo 116,
Lei Complementar Estadual nº 709/93, e artigo 298 do Regimento Interno do Tribunal
de Contas da União).51
No âmbito das Cortes de Contas do Brasil, observadas pequenas
variações nas respectivas Leis Orgânicas, quando existentes, as decisões em tomadas de
contas ou prestação de contas revestem-se das seguintes formas e efeitos:
1. Parecer prévio: emitido sobre as contas apresentadas anualmente,
pelos Chefes do Poder Executivo.
A apreciação será realizada de forma geral e fundamentada sobre o
exercício e a execução orçamentária, oportunidade em que se indicarão as
irregularidades, as parcelas impugnadas, as ressalvas e as recomendações.
2. Decisão definitiva, no tocante às contas dos gestores e demais
responsáveis por bens e valores públicos da Administração direta e autarquias, empresas
públicas e sociedades de economia mista, inclusive fundações instituídas ou mantidas
pelo Poder Público, e às contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte dano ao erário:
51
―Do Poder Judiciário, guardam, no Brasil, os Tribunais de Contas a forma e a denominação de
Tribunais,
dentro da boa tradição continental européia e lusitana, com o mesmo estatuto de auto-governo de que
gozam as Cortes Judiciais.
[...]
As decisões dos Tribunais de Contas de que resulte imputação de crédito ou multa são executadas perante
os órgãos da Justiça comum, mas assumem, segundo a própria Constituição, a eficácia de título executivo.
No Brasil, a rejeição de contas por irregularidade insanável é motivo de inelegibilidade, cumprindo, em conseqüência, ao Tribunal de Contas, nos termos de sua Lei Orgânica (art. 90 da Lei nº 8.443-92), enviar
ao Ministério Público Eleitoral, em tempo hábil, o nome dos responsáveis condenados nos cinco anos
imediatamente anteriores à realização de cada eleição.‖ (Tribunal de Contas e Poder Legislativo. In: IV
ENCONTRO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 2000,
Brasília.
Anais do IV Encontro das Instituições Supremas de Controlo da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa. Portugal: Centro de Estudos e Formação das Instituições Supremas de Controlo da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, 2001, p. 18-19. Disponível em:
<http://www.tcontas.pt/pt/publicacoes/outras/enc_cplp/4enc.pdf>. Acesso em: 13 set. 2008).
41
2.1. Contas regulares: demonstradas a exatidão das contas e a correta
aplicação de valores, alcance de metas governamentais, ou seja, atos de gestão
responsável;
2.2. Contas regulares com ressalva: contas apresentadas com
irregularidades formais
passíveis de regularização e de que não resultem dano ao erário;
2.3. Contas irregulares: decisão de maior gravidade, sempre que
ocorra uma das seguintes condições:
2.3.1. Omissão do dever de prestar contas — o responsável não presta
contas dentro do prazo estabelecido, sem justificação;
2.3.2. Prática de ato ilegal, ilegítimo e antieconômico ou então
infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária,
operacional ou patrimonial — significa dizer que as demonstrações contábeis estão
distorcidas;
2.3.3. Dano ao erário público decorrente da prática de ato de gestão
ilegítimo ou antieconômico — o Tesouro ficou prejudicado pela prática do ato; 2.3.4.
Desfalque ou desvio de bens, dinheiro ou valores públicos.52
3. Contas iliquidáveis: ocorrência de força maior ou caso fortuito,
comprovadamente alheio à vontade, tornando materialmente impossível o julgamento
de mérito do responsável.
2.4. A JURISDIÇÃO DAS CORTES DE CONTAS
―Com a finalidade de dar efetividade às suas decisões e prevenir
lesão ao erário, é reconhecida a existência de poderes implícitos dos Tribunais de
Contas para o exercício das suas prerrogativas constitucionais‖.53
52 CICCO FILHO, Alceu José. Tribunal de Contas da União e a natureza jurídica de suas decisões.
Revista Jurídica, Brasília, v. 9, n. 84, p. 171-194, abr./maio 2007, p. 182.
42
Não sem razão necessitam as Cortes de Contas de porto seguro para as
tentativas daqueles que querem maleabilizar o controle, torná-lo menos rigoroso e
menos atento aos valores constitucionais.
Em que pesem lutas acirradas travadas entre instituições, agentes e
servidores a respeito dos limites e conteúdo do controle, a prática afigura-se de todo
salutar, pois não há que perder de vista ―o correto‖, o equilíbrio e o aprimoramento da
máquina pública. E nesta caminhada, vedado é olvidar o importante papel pedagógico e
institucional desempenhado pelas Cortes de Contas.
Necessário, pois, analisar o processo administrativo conduzido pelas
Cortes de Contas, que apresenta matizes específicos, extrapola a simples relação
Administração-administrado, muito se aproximando do processo judicial (autor, réu e
juiz).
Há países em que, a par do processo judicial, há, ainda, dois outros
processos: o administrativo contencioso e o administrativo gracioso. Na Espanha, a
título de exemplo, vigora a dualidade de jurisdição: a afeta ao Poder Judiciário (civil e
penal) somada à que trata do contencioso administrativo exercida pela ―jurisdição
administrativa geral‖, e aquela relativa à ―jurisdição administrativa especial‖, a cargo
dos Tribunais de Contas ou Comissões de Contas ou Conselhos de Contas.
Segundo a maioria de doutrinadores,54
não existe dualidade de
jurisdição quando apenas ao Poder Judiciário cabe apreciar, com força de coisa
julgada,278 lesão ou ameaça a direitos individuais e coletivos.
53 STJ, RMS n. 26.978/MT (2008/-0118806-8), T.2, rel. Min. Eliana Calmon, j. 16/06/09, v.u., DJ de
29/06/09. 54
Por todos, vejam-se BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 27.
ed., rev. e atual até a Emenda Constitucional, 64 de 04.02.2010., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 952; e
SEABRA
FAGUNDES, Miguel de. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed., atual., Rio
de
Janeiro: Forense, 2005, p. 159.
43
Quando de natureza contenciosa, o processo administrativo, voltado à
solução de conflitos entre Administração-administrado, cerca-se de todas as garantias
do devido processo legal: competência do julgador, direito de defesa e contraditório,
imparcialidade, segurança jurídica e garantia da coisa julgada, entre outras.
Nos chamados ―processos graciosos‖ visa-se apenas cumprir as
finalidades públicas para as quais foram criados, procedendo-se à averiguação dos fatos,
adequação do caso à hipótese normativa, com edição de uma série de atos visando ao
ato final pautado na discricionariedade administrativa.
No Brasil, impera a chamada ―unidade de jurisdição‖, assim entendida
como o monopólio da competência constitucional de aplicar o Direito contenciosamente
a casos concretos, em lides qualificadas por uma pretensão resistida, com observância
do devido processo legal e da coisa julgada formal e material.
Há, entretanto, outros elementos, especialmente em face da
Constituição Federal de 1988, que integram e alargam o conceito de jurisdição,
concebida como a prerrogativa de julgar, de dizer o direito. É sobre este enfoque, à parte
de se reconhecer a jurisdição judicial, que se ousa questionar a expressão ―monopólio da
jurisdição‖.
Alceu José Cicco Filho divide didaticamente o processo
administrativo em seis modalidades básicas: processo de expediente, de outorga, de
controle, punitivo, administrativo disciplinar e administrativo tributário.55
Para o desenvolvimento do tema interessa apreciar o processo de
controle. Em 1891, escrevia Ruy Barbosa:
O Governo Provisório reconheceu a urgência inevitável de
reorganizá-lo; e acredita haver lançado os fundamentos de um
Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à
55
CICCO FILHO, Alceu José. Tribunal de Contas da União e a natureza jurídica de suas decisões.
Revista
Jurídica, Brasília, v. 9, n. 84, p. 171-194, abr./maio 2007, p. 176.
44
administração e à legislatura, que, colocado em posição
autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de
garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas
funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-
se em instituição de ornato aparatoso e inútil.56
Embora se quisesse ver os Tribunais de Contas como integrantes do
Poder Judiciário, é fato que, pelo menos nos países observados (Espanha, França ,
Itália), eles não integram tal Poder. Figuram como órgãos autônomos com função e
competências derivadas da própria Constituição.
A natureza das decisões dos Tribunais de Contas enfrenta acirrado
debate na doutrina e jurisprudência, especialmente no que toca aos limites do controle e
eficácia.
Duas as correntes formadas: a que atribui natureza jurisdicional às
decisões prolatadas pelas Cortes de Contas; logo, ao Poder Judiciário caberia apenas
exame de conformação do ato à hipótese legal; e a segunda a que, negando função
jurisdicional às Cortes de Contas, atribui ao Judiciário poder de revisão das decisões
respectivas, não só sob o aspecto formal, como sob o material, ou seja, o mérito.57
No centro da divergência, a competência atribuída pela Constituição
Federal aos Tribunais de Contas para julgar os responsáveis, direta ou indiretamente,
por bens e valores públicos (art. 71, II, CF).58
56
BARBOSA, Ruy. Obras completas de Ruy Barbosa. v. XVIII, t. III, 1891, relatório do Ministro da
Fazenda, Ministério da Educação e Saúde, Rio, 1949, p. 363, 368-369 e 384 apud GUALAZZI, Eduardo
Lobo Botelho. Regime jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.
176. 57
Nega a função jurisdicional das Cortes de Contas (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade
administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 109). 58
―Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal
de
Contas da União, ao qual compete:
[...]
II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da
administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder
Público
federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte
prejuízo ao erário público.‖
45
Em que pese seu poder seja uno e indivisível, atua o Estado de
maneiras diversas: ora administrativa, ora legislativa, ora jurisdicionalmente. Ensina De
Plácido e Silva que a jurisdição, em sentido lato, implica o poder ou autoridade
conferida pelo Estado à pessoa para conhecer de certos negócios jurídicos e resolvê-
los.59
O Estado [...] atua por seus próprios órgãos, em especial, por meio
da figura do juiz. ―Mas o juiz, e assinala Carnelutti, não é somente o indivíduo
julgador, também o que dispõe cuja decisão tem eficácia ordenadora e que essa
eficácia esteja consubstanciada numa sentença que tem a característica principal para
a sua configuração como ato jurisdicional, ―a autoridade da coisa julgada‖ na devida
expressão de Liebman [...].60
E acrescenta: ―[...] jurisdição é o poder de julgar que, decorrente do
imperium, pertence ao Estado. E este, por delegação, o confere às autoridades judiciais
(magistrados) e às autoridades administrativas‖.61
Ao termo ―jurisdição‖, entretanto, a doutrina foi acrescentando
conceitos, transfigurando sua idéia original de poder conferido ao Estado de aplicar o
direito ao caso concreto. Segundo Hely Lopes Meirelles:
Jurisdição é atividade de dizer o direito, e tanto diz o direito o
Poder Judiciário como o Executivo e até mesmo o Legislativo,
quando interpretam e aplicam a lei. Portanto, todos os Poderes e
órgãos exercem ―jurisdição‖, mas somente o Poder Judiciário tem
o monopólio da jurisdição judicial, isto é, de dizer o direito com
força de coisa julgada. Não se confunde, pois, o controle judicial,
privativo do Poder Judiciário, com o controle jurisdicional
59 DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
v. 3, p. 27-33. 60
ROSAS, Roberto. Aspectos jurisdicionais na competência do Tribunal de Contas. Revista do
Tribunal de
Contas do Distrito Federal, Brasília, v. 1, p.82-88, 1975, p. 82. 61 Ibidem, p. 27.
46
administrativo, exercido por qualquer outro órgão, inclusive do
Poder Judiciário em função administrativa.62
O controle jurisdicional dos atos administrativos assume, na doutrina,
grosso modo, duas vertentes: a comum e a especial.
No primeiro caso, ao Poder Judiciário assegura-se a apreciação dos
atos estatais, executados sob a égide pública ou privada. Portanto, ao Judiciário compete
examinar toda a matéria do contencioso administrativo. É a chamada, por muitos,
―jurisdição única‖, ou o modelo inglês, segundo o qual somente o Poder Judiciário
exerce, com exclusividade, a função jurisdicional.
A jurisdição dúplice implica o julgamento por um tribunal específico
de contendas de que participa a Administração. É possível, pois, que outra jurisdição,
não integrante do Poder Judiciário, aprecie dada matéria, impossibilitando sua
reapreciação por outro Poder.
Nesse caso, origina-se aí a coisa julgada material e formal.63
Há, pois,
duas jurisdições em igualdade de exercício: a comum e a administrativa.
No Brasil, é invocado o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal para
defender a inafastabilidade de apreciação pelo Judiciário: ―a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito‖.
A leitura do dispositivo assinala um pilar do Estado Democrático de
Direito, ou seja, independentemente da situação patrimonial, pessoal, vantagens ou
62
MEIRELLES, Hely Lopes. A Administração Pública e seus controles. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, n. 114, p.23-33, out./dez.1973. p. 23, nota de rodapé 1. 63
―Em síntese, os especialistas em direito processual associam coisa julgada formal com a imutabilidade
da própria sentença. [...] A seu turno, coisa julgada material diz respeito à relação jurídica que foi
apreciada, ou ao bem da vida assegurado ao autor ou réu, em virtude do pronunciamento do Estado,
impedindo que em outro processo seja decidida de modo diferente. A coisa julgada material, na legislação
pátria, como no direito comparado, merece interpretação restrita, só se perfazendo entre as mesmas partes
e mesmo objeto, não alcançando nem prejudicando terceiros.‖ (FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby.
Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte:
Fórum, 2005, p. 123).
47
desvantagens, a todos, indistintamente, será concedida a tutela judicial. Neste sentido, o
art. 3º da Constituição Federal, ao arrolar os fundamentos da República.
Contudo, tal não significa, tampouco implica excluir que a própria
Constituição Federal conceda a outro órgão, ou instituição, poder jurisdicional. Uma
coisa não exclui a outra.
Avançou o legislador constitucional ao ampliar as vias de acesso do
cidadão à justiça, por meio do aperfeiçoamento de instituições e criação de novos
instrumentos para solução de conflitos.
Salientou o E. Tribunal de Justiça de São Paulo que, ―Na instância
administrativa, o Tribunal de Contas julga com amplitude de poderes‖.64
Daí a
referência de Pontes de Miranda à competência de julgar das Cortes de Contas como
―função judicialiforme‖, e não judiciária.65
A Constituição Federal confere aos Tribunais de Contas, observadas
as peculiaridades de cada órgão, as mesmas atribuições reservadas aos tribunais
judiciários, conforme o disposto no artigo 73: ―O Tribunal de Contas da União,
integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e
jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições
previstas no art. 96.‖
Nesse caso, pode-se dizer que o próprio sistema normativo deferiu ao
Tribunal de Contas poder jurisdicional, com apuração de fatos, julgamento com
aplicação do direito (regularidade e/ou irregularidade) e irretratabilidade de efeitos
(coisa julgada).
A respeito das Cortes de Contas, não é demais recordar Pontes de
Miranda ao inseri-las no ―corpo judiciário‖, no plano material, e, no plano formal, no
64
Mandado de Segurança nº 65.016/Capital, Relator Edgard de Moura Bittencourt, em sessão de
17.02.1954.
Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 43, jun. 1954, v. 224, p. 345-359, p. 345. 65
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a
Emenda nº 01 de 1969. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. t. III, p. 254.
48
―corpo auxiliar do Congresso Nacional‖, ao cooperar na sua missão de controle da
execução orçamentária.66
Daí a dupla função da instituição: a de avaliar tecnicamente as contas
dos administradores responsáveis por bens e valores públicos e a de cooperar com o
Poder Legislativo na fiscalização política e jurídica da gestão financeira.
Assim, descabe relacionar a coisa julgada unicamente com as decisões
emanadas pelo Judiciário. Também à esfera administrativa foi reservado um núcleo de
decisão.
Esta a lição de Seabra Fagundes:
O Poder Judiciário, chamado a atuar no processo de realização
do direito, para remover anormalidade porventura surgida,
circunscreve o âmbito da sua atuação ao caso sobre o qual tenha
sido provocado. Extinguindo-se a situação anormal com o seu
pronunciamento, cessa, por isso mesmo, a razão de ser de sua
interferência.67
As Cortes, especializadas ou não, devem conviver em harmonia, na
busca do bem maior: a justiça. Assim, ainda que privativa a tomada de contas pelo
Tribunal de Contas, importa reconhecer, como faz Jorge Ulisses Jacoby Fernandes,
―que a jurisdição dessas Cortes guarda relações com o processo judiciário e, portanto,
podem ter o exame de mérito impedido por força de decisão judicial transitada em
julgado‖. E, no exame de tais relações, arrola as seguintes premissas básicas:
66
―Desde 1934, a função de julgar as contas estava, claríssima, no texto constitucional. Não havíamos de
interpretar que o Tribunal de Contas julgasse, e outro juiz as rejulgasse depois. Tratar-se-ia de absurdo bis
in idem. Ou o Tribunal de Contas julgava, ou não julgava.‖ (PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti.
Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 01 de 1969. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. t. III, p. 63). 67
SEABRA FAGUNDES, Miguel de. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7.
ed. rev.
e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 193-194.
49
- as esferas administrativas, civil, e penal são independentes;
- as penalidades de cada uma das esferas de competência,
descritas anteriormente, podem cumular-se;
- o julgamento por fatos conexos pode ensejar a atuação
simultânea de dois Tribunais de Contas, o que ocorreria, por
exemplo, quando um prefeito, tendo aplicado irregularmente
recursos federais, para pagar o débito utilizasse de recursos do
erário municipal;
- a responsabilidade administrativa do servidor deve ser afastada
no caso de absolvição civil ou criminal que negue a existência do
fato ou a autoria;
- só pode ser considerada como exceção peremptória a decisão
judicial que: tenha transitado em julgado; tenha adotado por
fundamento fato que, diretamente, seja objeto do processo debatido
nos Tribunais de Contas e sobre o qual expressamente se tenha
pronunciado, reconhecendo-se não ocorrido ou sendo o
responsável outro que não o indicado;
- a tomada de contas especial que busca apurar a responsabilidade
do agente e, se for o caso, a recomposição do erário, pode ter
pleno e normal curso ainda que uma ação judicial absolva o
agente da prática de determinado crime;
- como os processos judiciais sofrem uma tramitação mais lenta e
as esferas são independentes, os Tribunais de Contas não têm o
dever de sobrestar o processo, para aguardar decisão do Poder
Judiciário. Exemplo disso: o Poder Judiciário, há 25 anos, debate
famoso escândalo na aplicação de recursos públicos no DF.68
Lúcia Valle Figueiredo, observa que ―a característica essencial e
fundamental do ato administrativo, no Estado de Direito, é sua contrastabilidade pelo
Poder Judiciário‖.69
E conclui que o Judiciário é qualificado para dizer se a conduta
administrativa quedou-se dentro da moldura legal, não a desbordando.70
68
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed.
rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 604-605. 69
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. rev., ampl. e atual. até a Emenda
50
Assim é em relação à decisão das Cortes de Contas. O controle do
Judiciário é admissível unicamente para coibir abusos e não para rediscutir critérios
técnicos adotados.
Nessa linha, o decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo nos autos do Mandado de Segurança nº 72.598 (Relator Desembargador Sinésio
de Souza) e na Apelação Cível nº 844.768-5/7 (Relator Desembargador Corrêa Vianna),
pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Mandado de Segurança nº 6.960, Recursos
Extraordinários nº 55.821 e 7.280 (Ministro Henrique D‘Ávila),71
e pelo Superior
Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial nº8970/SP, Recursos Ordinários em
Mandado de Segurança nº 628/RS e 12.487.72
Adiciona Roberto Rosas:
No STF asseverou o Ministro Rafael de Barros Monteiro que as
decisões do Tribunal de Contas não podem ser revistas pelo Poder
Judiciário, a não ser quanto ao seu aspecto formal, palavras
corroboradas na mesma assentada pelo Min. Djaci Falcão,
considerando essas decisões com força preclusiva (RE 55.821, RTJ
43/151). Ainda quando o ato administrativo seja praticado pelo
Tribunal de Justiça não ficará imune à apreciação do Tribunal de
Contas com competência para isso (RE 47.390, RTJ 32/115), bem
como com o exercício de auditoria financeira e orçamentária sobre
Constitucional 56/2007. São Paulo: Malheiros, p. 178. 70
―Ao Poder Judiciário, em face do encargo constitucional, que lhe foi atribuído, de apreciar qualquer
lesão, ou ameaça a direito, incumbe exercer o controle de legalidade do ato administrativo. Tal controle
não se cinge, apenas, ao simples exame da legalidade formal do ato administrativo. Deve exercê-lo, inclusive, no exame de sua legalidade substancial, cabendo-lhe descer à análise dos motivos desse ato,
para verificá-lo se é legal, ou não. A motivação errônea, não condizente com a realidade, equivale à falta
de motivação, tornando írrito e nulo esse ato.‖ (Ap. Cível 18252/99, Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, Rel. Des. Luiz Odilon Bandeira). 71
―Ementa: Ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, o tribunal de contas pratica
ato insusceptível de revisão na via judicial a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna de ilegalidade manifesta. Mandado de segurança não conhecido.‖ 72 ―Ementa: Processual e administrativo. Resolução do Tribunal de Contas do Município. Imputação de
débito por pagamento indevido. Não há como reconhecer a ilegitimidade de resolução do Tribunal de
Contas para imputação de débito por pagamento realizado a maior pelo Presidente da Câmara de
Vereadores aos seus pares, sem prévio exame da resolução, sobre a qual se fundaram os atos praticados
pelos recorrentes, bem como sua legitimidade e adequação dos fatos ao seu conteúdo. O Poder Judiciário
não detém competência para rever as decisões dos Tribunais de Contas dos Municípios, no que diz
respeito ao exame de contas, não competindo a esta Corte analisar a motivação da imputação de débito.
Recurso improvido.‖
51
as contas dos Três Poderes. Inclusive Legislativo (art. 70, § 3.º,
Const.) assim interpretado pelo STF na Representação 764 do
Espírito Santo (RTJ 50/245). Em outro julgado do pretório Excelso
(MS n.º 16.255, RTJ 38/245) o Relator Ministro Lins, ainda que
restringindo o âmbito da função jurisdicional do Tribunal de Contas,
não negou sua competência constitucional, afirmando que ―tudo
quanto ultrapassa este limitado projeto de exame da regularidade
intrínseca das contas prestadas pelos responsáveis, refoge à
competência jurisdicional restrita, e inampliável por lei, do Tribunal
de Contas. Só o que toca a este exame, já para liberar o responsável,
já para declará-lo em alcance, constitui decisão jurisdicional
definitiva, a cavaleiro de qualquer revisão judicial‖, afirmou o
iminente magistrado. No mesmo passo acentuaram os Ministros
Aliomar Baleeiro e Carlos Medeiros Silva em aresto da Corte
Suprema (MS n.º 15.831, RTJ 37/462).73
As Cortes de Contas encontram-se aparelhadas e tecnicamente
preparadas para o exercício do controle e julgamento dos atos que causem lesão ao
erário, em que pese tal aspecto desagrade a muitos. E, embora digam não caber a elas a
edição de atos jurisdicionais típicos, inconcebível imaginar não detenham, ainda que em
dose diminuta, tal condição.74
73
ROSAS, Roberto. Aspectos jurisdicionais na competência do Tribunal de Contas. Revista do
Tribunal de
Contas do Distrito Federal, Brasília, v. 1, p. 82-88, 1975, p. 85. 74 Este o entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto: ―Algumas
características da jurisdição, no entanto, permeiam os julgamentos a cargo dos Tribunais de Contas.
Primeiramente, porque os TC‘s julgam sob critério exclusivamente objetivo ou da própria técnica jurídica
(subsunção de fatos e pessoas à objetividade das normas constitucionais e legais). Segundamente, porque
o fazem com força ou a irretratabilidade que é própria das decisões judiciais com trânsito em julgado.
Isto, quanto ao mérito das avaliações que as Cortes de Contas fazem incidir sobre a gestão financeira,
orçamentária, patrimonial, contábil e operacional do Poder Público. Não, porém, quanto aos direitos propriamente subjetivos dos agentes estatais e das demais pessoas envolvidas em processos de contas,
porque, aí, prevalece a norma constitucional que submete à competência judicante do Supremo Tribunal
Federal a impetração de habeas corpus, mandado de segurança e habeas data contra atos do TCU (art.
102, inciso I, alínea d). Por extensão, caem sob a competência dos Tribunais de Justiça dos Estados e do
Distrito Federal, conforme a situação, o processo e o julgamento dessas mesmas ações constitucionais
contra atos dos demais Tribunais de Contas‖. (BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos
Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, v. 1, n. 9, dez. 2001. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGO-JURIDICO-09-DEZEMBRO-2001-
CARLOSAYRES-BRITTO.pdf>. Acesso em: 12 maio 2008, p. 8).
52
Compete, ademais, às Cortes de Contas negar aplicação de lei que
considerem inconstitucional, e tal função decorre da jurisdicional.
Tal controle exercido pelo Tribunal de Contas se dá de modo difuso, é
o chamado ―controle incidental‖. Por meio dele, soluciona-se a questão constitucional
como pressuposto para alcance e apreciação do caso concreto, e os efeitos do incidente
atingem apenas as partes envolvidas no processo sujeito à apreciação da Corte.
Tal prerrogativa, a propósito, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal
Federal ao editar a Súmula 347: ―O Tribunal de Contas, no exercício de suas
atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público‖.
São, pois, diversos e reiterados os julgados no sentido de que não cabe
ao Judiciário rever as decisões dos Tribunais de Contas, salvo quando, quanto ao seu
aspecto formal, ocorra ilegalidade manifesta ou irregularidade formal grave.75
Cabe, ainda, por curiosidade, mencionar julgado afim. Proclamou o E.
Tribunal de Justiça de São Paulo não competir ao Poder Judiciário apreciar o mérito da
rejeição de contas do Poder Executivo pelo Poder Legislativo Municipal.76
Consigne-se a conclusão alcançada por Rodolfo de Camargo
Mancuso:
[...] os pronunciamentos desses órgãos colegiados
configuram verdadeiros julgamentos, atos judicantes aperfeiçoados e
impositivos, embora restritos, obviamente, às matérias
75 Neste sentido consulte-se: RTJ 43/151; REsp nº 8.970/SP, j. em 18.12.91; TJ-SP 7ª Vara da Fazenda
Pública do Processo 053.08.126621-2 julgado de 11.12.08; STF:RE 55821/PR, DJ 24.11.67; STF: MS
7280, ADJ 17.09.62, p. 460. E mais: ―O controle jurisdicional sobre decisões dos Tribunais de Contas é
admissível, mas, tão só, para coibir ilegalidades, e não para discutir os critérios técnicos adotados. Assim
decidiu o Órgão
Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Mandado de Segurança n. 72.598, sob
relatoria de Sinésio de Souza: 'ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, Tribunal de
Contas pratica ato insuscetível de revisão na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna
de ilegalidade manifesta' (MS n. 7.280).‖ (AC n° 844.768.5/7-00 - 2a Câmara de Direito Público - rel. Des. Corrêa Viana, j . de 16.12.2008, v.u.) 76
TJSP, Apelação Cível n. 225.020-5/0 - Mogi Mirim - 9ª Câmara de Direito Público, Rel.
Desembargador
Antonio Rulli, j. 19/10/05 - v.u.
53
constitucionalmente atribuídas a esses Tribunais. Sob o aspecto
formal, ressalte-se que no âmbito do Tribunal de Contas do
município de São Paulo, os julgamentos tornam os nomes de
―decisão‖, ou de ―acórdão‖, conforme provenham, respectivamente,
de Juiz Singular/Câmara ou do Plenário (Lei 9.167/80, art. 40).77
Por fim, em que pese nosso sistema consagre a inafastabilidade da
Justiça, o fato é que a Corte de Contas possui como função maior o controle e
fiscalização contábil, financeira, orçamentária operacional e patrimonial, jurisdição
especializada com funções definidas na Constituição Federal. E, embora as decisões das
Cortes de Contas possam ser questionadas pelo Judiciário, necessariamente não serão
todas e a qualquer tempo, mas aquelas que eventualmente possam provocar lesão ou
ameaça a direito legítimo (art. 5º XXXV, CF).
77
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos Tribunais de
Contas,
especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 743, p. 74-95, set. 1997, p. 76
54
CAPÍTULO III - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO
CONTROLE PRÉVIO REALIZADO PELO TRIBUNAL DE CONTAS
Será analisado no presente capítulo a forma como se dá a aplicação dos
princípios constitucionais no controle prévio exercido pelo Tribunal de Contas, analisando
a responsividade aplicada ao controle78
durante sua execução, sendo certo que este deve
ser exercido não só com uma análise acerca da legalidade do ato, como devem ainda ser
avaliadas as consequências da medida de controle antes de adotá-la, em respeito ao
princípio da eficiência administrativa.
Logo, os princípios informadores do controle prévio exercido pelo
Tribunal de Contas, que não destoam dos princípios a serem observados pelos órgãos do
Estado em geral, no exercício do ius puniendi estatal.
A princípio, importa observar que em nosso país, na medida em que
não há um quadro normativo explícito a ser aplicado na Administração Pública, o que
não significa, por óbvio, a inexistência de garantias, há o desafio na identificação desses
princípios.
Inegável a relevância da verificação da ocorrência dos requisitos
(pressupostos de sua prática, competência, formalidades, causa e procedimento) do ato
controlador a fim de constatar sua legalidade. Todavia, perfilhando o caminho proposto
por Celso Antônio Bandeira de Mello, que incluiu nos pressupostos do ato
administrativo os requisitos procedimentais, como ―atos que devem, por imposição
normativa, preceder a determinado ato‖79
, nos preocuparemos nessa oportunidade com o
procedimento, ou seja, com a observância de atos prévios que necessariamente devem
ser levados em conta pela Administração.80
78 Sobre o tema do direito responsivo, ver: NONET; SELZNICK. Law and society
in transition: toward responsive law, p. 73-78. 79 Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 77. 80 Lúcia Valle Figueiredo, nessa mesma linha de pensamento, ao tratar das formalidades legais do ato
administrativo, considera que o tema está intimamente ligado ao tema do procedimento administrativo, e
pondera que o cumprimento das formalidades legais é requisito indispensável à validade do ato, além de
ser garantia fundamental do Estado de Direito, do due process of law. Observa, contudo, que os autores
brasileiros não têm se preocupado com este importante tema como os autores estrangeiros. Aponta o
procedimento administrativo como a maneira pela qual se exercita a função administrativa e cita Giannini
no sentido de que tende a compor o interesse público primário. Afirmando que existem atos que não
55
Acreditamos que os princípios que necessariamente deverão ser
observados no controle prévio exercido pelo Tribunal de Contas são desdobramentos
dos princípios caracterizadores do Estado de Direito, que visam proteger os indivíduos
da própria atuação do Estado, que, em decorrência de um regular procedimento, deverá
proferir decisões imparciais e justas.
Outra importante observação é a de que muitos princípios que
arrolaremos abrigam outros, como própria decorrência de sua aplicação. Nessas
situações procuraremos, sempre que possível, tratá-los conjuntamente. Tais princípios,
como observa Héctor Escola, não se excluem, pelo contrário, devem ser reunidos para
uma aplicação harmônica, resultando em um procedimento eficaz e simples, e que ao
mesmo tempo respeite os interesses e direitos dos administrados.81
3.1 – PRINCÍPIO DA MORALIDADE
Segundo o princípio da moralidade,82
a atividade administrativa deve
se ater às regras de lealdade e boa-fé, conforme registra com propriedade o insigne
Jésus Gonzalez Pérez.83
Sua inserção expressa na Constituição Federal reflete uma das mais
notáveis conquistas positivadas pelo constituinte, na medida em que traz para o terreno
da concretude um conceito indeterminado.
O constituinte andou corretamente ao tentar desmistificar a conotação
de conceito jurídico vago, quando, no momento de aplicação da regra, possa ser
transportado para o plano da determinação.84
prescindem de processo administrativo formal e vinculado, complementa o raciocínio de que o
procedimento adequado condiciona a emanação dos atos e é responsável pela democratização da
atividade administrativa (Curso de direito administrativo. 8ª ed., p. 202-203). 81 Tratado general del processo administrativo. Buenos Aires: Depalma, p.149. 82
BUSQUETS, Cristina Del Pilar Pinheiro; PRATA, Maria Beatriz. A moralidade na Administração
Pública e os Tribunais de Contas. In: XVII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, São Luis do
Maranhão, 1993. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, n 73, out./93, p. 29-55, p. 39. 83
PÉREZ, Jesus González. El princípio general de la buena fé en el Derecho Administrativo. 2ª ed.
Madrid: Civitas, 1989, p. 49.
56
Assim, o Direito utiliza-se da linguagem natural, mesclando-a com
termos técnicos, de sorte a torná-lo compreensível aos integrantes da sociedade que visa
a regular, portanto, seus destinatários.
A moralidade constitui-se no conjunto de regras de conduta obtidas do
ordenamento jurídico, disciplinadoras do exercício dos Poderes do Estado. É
pressuposto de validade e eficácia do ato administrativo, diferenciando-se, assim, da
moral comum que se compõe de regras de ética e bons costumes.
A respeito desses elementos, assinala Márcio Cammarosano:
―[...] o Direito e a Moral constituem ordens do
comportamento humano, e que estabelecem, cada qual a seu modo, o que deve
ser, consubstanciando valores. Conseqüentemente, assim como a norma
moral, ―a norma jurídica situa-se no âmbito da normatividade ética‖,
possuindo ―uma essência ética, uma vez que se dirige à conduta social do
homem, indicando-lhe como agir no complexo da realidade social a que se
ajusta, sob a inspiração de valores, cuja fonte comum axiológica é o próprio
homem.‖85
O conceito ínsito ao princípio da moralidade é alicerçado em valores
que informam as normas jurídicas e, muito além delas, estende-se pelos valores
socialmente aceitos e consagrados como íntegros.
Esta diretriz constitucional impõe, indubitavelmente, à Administração
Pública o caminho a ser trilhado em face dos administrados, pautado pela conduta
84
Neste sentido grafa Weida Zancaner que ―os conceitos jurídicos indeterminados são conceitos de
experiência ou de valor, utilizados pelo legislador para se referir a certas realidades que não admitem um
tipo de determinação mais precisa. Ademais, o Direito não pode ser formulado através de uma linguagem
estritamente técnica, já que visa regular comportamentos humanos; o que, em outras palavras pobres,
significa que o Direito, para poder atingir seu objetivo tem que ser inteligível, caso contrário, não se
efetivará‖. (Parecer emitido nos autos do TC 6280/026/91. Proposta de estudos sobre o princípio da
moralidade, estabelecido no capítulo VII da Constituição Federal e sobre o princípio da razoabilidade. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Pleno, rel. Conselheiro José Luiz Anhaia Mello, sessão de
13/03/91, DOE 18/04/91, p. 25-28). 85
CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função
administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 50.
57
correta, sincera e transparente, sendo-lhe vedado comportamento impregnado de
malícia, vício e desídia, cerceador dos direitos e garantias dos indivíduos:
―Valores como esses, e porque juridicizados devem ser
prestigiados pelo Administrador Público. Este, ao interpretar as normas nas
quais se refletem, visando sua aplicação, e ao avaliar situações de fato para
detectar sua incidência, não pode ignorar o sentido que os conceitos que
expressam valores têm no seio da coletividade de que promanam, e em dado
momento histórico, mas sempre atentos ao enfoque contextual do sistema
normativo.‖86
Por conseguinte, a coerência revela-se inerente ao exercício da
atividade administrativa como forma de compatibilizá-la com os comandos
constitucionais. Neste sentido, se viciada, e por meio de mecanismos fraudadores,
atinge finalidade estranha à do ato praticado e tornar-se-á reprovável do ponto de vista
da moralidade.
Por este prisma, observa agudamente Seabra Fagundes:
―[...] a moralidade é elemento do ato administrativo, posto
que este pode ser legal, mas não ser moral. Nesta hipótese, o novo texto
constitucional deixa clara a possibilidade jurídica de se atacar o referido ato,
devendo este ser anulado pela própria Administração ou declarada sua
nulidade pelo Poder Judiciário.‖87
86
CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função
administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 50. 87
SEABRA FAGUNDES, Miguel de. O art. 50 da Constituição Federal. Evento promovido pelo
Instituto de Direito Administrativo Paulista (IDAP), Federação do Comércio de São Paulo, 1989. Notas taquigráficas. ―Já tivemos oportunidade de registrar anteriormente que a Constituição vigente juridicizou
o tão decantado princípio da moralidade, elegendo-o como um dos pilares de sustentação do Estado
brasileiro que o criou [...]
Destarte, a moralidade administrativa indubitavelmente constitui pressuposto de validade de todos os atos
jurídicos em que a Administração Pública tomar parte. A par disto, é mister salientar que este princípio
em tela se traduz como um conjunto de regras de condutas extraídas do regime jurídico administrativo,
tendo em vista as finalidades da função administrativa.‖ (BUSQUETS, Cristina del Pilar Pinheiro;
PRATA, Maria Beatriz. Admissão de pessoal nas empresas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1991. p. 23.).
58
Ao consignar a moralidade como princípio na Constituição Federal de
1988, o legislador, de outra parte, nada mais fez que tornar inquebrantável um ideal, por
óbvio a ser perseguido e conquistado, portanto ainda longe de se tornar parte integrante
do apenas ―ser brasileiro‖.
3.2 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
O princípio da eficiência, já implícito em nossa Carta Política, foi
galgado a princípio constitucional explícito por meio da Emenda Constitucional nº
19/98, que, por ocasião da chamada Reforma Administrativa do Estado, o introduziu no
rol do caput do artigo 37, juntamente com outros dispositivos que tinham por propósito
a substituição do modelo burocrático pelo gerencial, com o abrandamento dos controles
rígidos dos procedimentos e incrementação do controle de resultados.
Foi, portanto, introduzida no bojo desses novos valores, significando,
para Sérgio Ferraz e Adilson de Abreu Dallari, que as concepções puramente
formalísticas foram superadas, dando-se maior ênfase ao exame da legitimidade, da
economicidade e da razoabilidade em benefício da eficiência. Desse modo, meras
formalidades burocráticas devem ser superadas quando resultarem em empecilho à
realização do interesse público, devendo o formalismo ceder diante da eficiência.88
Depreende-se a dificuldade paradoxal da Corte de Contas em face
deste princípio: por diversas vezes uma decisão de paralisação de determinada licitação
mostra-se, inequivocadamente, afronta à eficiência administrativa, no entanto, seu
prosseguimento fere muitos outros princípios norteadores do Direito Administrativo,
tais como a competitividade e economicidade.
Nesses casos, faz-se necessário um raciocínio mais elaborado do
órgão fiscalizador, que mensura a gravidade dos apontamentos levantados em face da
imprescindível legalidade dos atos administrativos, bem como vislumbra possíveis
prejuízos futuros, sejam eles ao erário, aos interessados no certame, ou à própria
coletividade.
88 Processo administrativo., p. 78.
59
Por consequência, deve ser feita devida relativização de tal princípio
ao ser aplicado aos órgão fiscalizados, sendo certo que sua aplicação não pode, de forma
alguma, sobrepujar outros princípios norteadores da administração pública.
Nesse sentido, também a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro
realçou a acentuada oposição entre o princípio da eficiência pregado pela ciência da
administração e o da legalidade, inerente ao Estado de Direito, e, invocando Jesús
Leguina Villa, asseverou que a eficácia que a Constituição exige da Administração não
deve se confundir com a eficiência das organizações privadas, não resultando em valor
absoluto diante dos demais.89
O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello referiu-se ao princípio de
forma sumária, considerando sua fluidez e dificuldade de controle ao lume do direito,
afirmando só poder ser o princípio concebido na intimidade do princípio da legalidade,
sendo uma faceta do princípio da boa administração, já tratado de forma mais ampla
pelo direito italiano.90
Por fim, o professor argentino Agustín Gordillo adverte sobre a
importância da interpretação congruente do princípio da eficiência com os demais
princípios, uma vez que a celeridade, simplificação e economia processual não podem
implicar em prejuízo à defesa do interessado.91
89 Parcerias na Administração Pública. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 295-296. Transcrevemos a
seguir parte do alerta feito por Jesús Leguina Villa, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por
consideramos de extrema lucidez suas ponderações para o entendimento do conteúdo do princípio da
eficiência. Diz o jurista espanhol: ―Agora, o princípio da legalidade deve ficar resguardado, porque a
eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento
jurídico, e em nenhum caso ludibriando este último, que haverá de ser modificado quando sua
inadequação às necessidades presentes constituía um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais,
porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser
elogiado em termos de pura eficiência. Por ouro lado, o princípio da legalidade está acompanhado de uma
constelação de direitos, valores e garantias constitucionais que a eficácia administrativa não pode desconhecer. A igualdade perante a lei, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica e o controle
efetivo dos gastos públicos – que são, entre outros, pilares básicos do ordenamento jurídico da
administração – condicionam ou limitam, em concreto, o alcance do princípio da eficácia. Não se deve
esquecer que o Direito administrativo deve garantir simultaneamente os interesses gerais e os direitos e
interesses individuais, não sendo razoável seu abandono em prol da sacralização de uma lógica eficiente,
que não consegue ver na legalidade pública outra coisa senão insuportáveis obstáculos que devem ser
eliminados a todo custo‖. 90 Curso de direito administrativo. p. 118. 91 Tratado de derecho administrativo. p. IX-46.
60
3.3 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Legalidade e Estado de Direito são noções inseparáveis, embora
comportem análise individualizada. O princípio da legalidade é o nascedouro do direito
administrativo, sendo aceitável afirmar que o direito administrativo é verdadeira
conseqüência do Estado de Direito.
Assim é que, embora a Administração Pública, enquanto conjunto de
pessoas e órgãos que exercem a função administrativa do Estado, já existisse em épocas
anteriores, de fato somente passou a se estruturar a partir da formação do Estado de
Direito. Daí a inegável importância dos contornos conferidos pelo ordenamento jurídico
à atuação da Administração Pública, sobretudo em decorrência do princípio da
legalidade, de observância obrigatória no exercício da função administrativa e, como
teremos oportunidade de constatar, com incidência fortemente marcante no exercício da
competência fiscalizatória dos Tribunais de Contas.
Eisenmann colocou o princípio da legalidade sob dois enfoques:92
a) a noção mínima, segundo a qual a legalidade é uma relação de não-contrariedade ou
de perpetração na compatibilidade entre ação e fim (nenhum agente administrativo deve
agir contrariamente à lei); e
b) a noção máxima, a legalidade é uma ação de conformidade (se está conforme uma
regulamentação legislativa, então o ato jurídico-administrativo é aceito como válido).
Na concepção mais rigorosa de relação de legalidade: (i) é
―compatível‖ o ato administrativo que não se oponha ao conteúdo material da lei; (ii) é
―conforme‖ o ato que se apresenta em similitude com a regulamentação.
Utilizando-se desta premissa aos atos administrativos, depreende-se
que o ―princípio da compatibilidade‖ permite que, a partir de uma regulamentação
legislativa, tudo aquilo que não esteja direta ou indiretamente vedado ao administrador é
92
Eisenmann, Charles. ―O Direito Administrativo e o Princípio da Legalidade‖. Revista de Direito Administrativo, v. 56, 1959, p.
48/58.
61
permitido (onde não existe lei, não pode haver ilegalidade). De seu turno, o ―princípio
da conformidade‖ exige que o administrador só aja conforme a lei.
O direito positivo nem sempre exige fundamento para a prática dos
atos jurídicos da Administração em conformidade com uma regulamentação legislativa,
na medida em que existem atos meramente portadores de regras ou normas, como os
regulamentos administrativos.
Os regulamentos elaboram normas-quadro que circunscrevem o poder
regulamentar do agente, o que, de certo modo, inibe a aplicação do princípio da
conformidade, visto que haveria confronto de regra com regra ou norma com norma.
Por isso, parte da doutrina (a exemplo de Eisenmann) conclui que o
princípio da legalidade não se aplica plenamente aos atos jurídicos administrativos, no
que toca a seu fundamento, na medida em que normas ou regras específicas podem ser
tomadas se respeitada a regra legislativa de hierarquia do direito positivo e, mais
precisamente, de conformidade racional entre ―proposição singular‖ e ―proposição
geral‖ dos comandos normativos em confronto.
Os atos administrativos unilaterais nada mais são do que normas
especiais criadas pela Administração Pública. Como tal, improvável que detenham
similitude com outras normas jurídicas específicas, mas devem estar ―conforme‖ as
normas-quadro produzidas pela atividade legislativa ordinária. Essa conformidade quem
dita é o juiz ou, mais precisamente, a jurisprudência.
No que tange à aplicação da legalidade positivista aos atos de
governo, Rafael Bielsa93
divide a atividade do poder executivo da seguinte forma:
a) de governo ou políticos, envolvendo a idéia de soberania; e
b) administrativos, referentes à execução das atividades, funções e serviços públicos.
93BIELSA, Rafael, Derecho administrativo. Buenos Aires, Lajouane, 1938, p. 136
62
Distingue o autor os atos característicos a estes dois ramos, tipificando
os primeiros como atos políticos sujeitos à responsabilidade política, e os segundos atos
administrativos sujeitos ao controle jurisdicional.
Como observa a Profa. Odete Medauar, tal higidez da fórmula
legalista clássica foi ganhando contornos mais flexíveis, ―na obtenção de poderes livres,
o que gerou os contrapesos ao princípio da legalidade ou zonas de ampla liberdade,
refletidas na discricionariedade e nos atos de governo, muitas vezes fundamentadas no
chamado poder de supremacia especial‖94
Essa idéia de maior liberdade de ação administrativa contrastava, nos
primórdios do Direito Administrativo, com o princípio da legalidade e o Estado de
Direito. O que pudesse escapar aos limites de submissão à lei comprometia a defesa
dos direitos fundamentais do indivíduo. Evolutivamente, constatou-se que o poder
discricionário decorre da separação das funções do poder político, servindo como fator
de equilíbrio.
Pertinente citar exemplificativamente o sistema jurídico francês, onde
o controle jurisdicional dos atos administrativos não deveria interferir nas decisões de
conveniência e oportunidade do interesse público, mas apenas na salvaguarda do
cumprimento formal da lei. Até meados do séc. XX, a França não permitia revisão
jurisdicional dos atos concentrados de administração do Estado. Até que o Conselho de
Estado, a partir de 1958, passou a realizar o efetivo papel de controle, inclusive dos atos
normativos da Administração Pública, reservando-se na Constituição um número certo e
determinado de matérias que só podem ser reguladas por lei.
A vontade do administrador é ―conforme‖ se vinculada à lei. Contudo,
se discricionária for, haverá legalidade apenas na hipótese de ―conformidade‖ ou
também de ―não contrariedade‖ à lei.
Logo, ao se constatar que é necessário um nexo entre ato
administrativo e sua motivação (fato, lei e interesse público) para sustentar a
discricionariedade, constata-se que essa faculdade do administrador público evoluiu na
94 Medauar, Odete. ―O Direito Administrativo em evolução‖. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1992, p. 143.
63
mesma proporção à legalidade, saindo do plano meramente formal para o
essencialmente material.
Denota-se que a discricionariedade fomentou o poder normativo da
Administração Pública, criando as bases de uma atividade regulamentar que a lei
ordinária não daria conta, diante da necessária fluidez e rotina de emissão de comandos
(normas) de gestão administrativa.
Conforme bem apontado pela professora Jaqueline Morand-Deviller, o
regime jurídico dos atos administrativos podem ser afetados por uma situação de
exceção que justifica uma adaptação do princípio da legalidade95
. Doutrinadores
alemães chamam de Teoria do ―estado de necessidade‖: em circunstâncias excepcionais,
pode-se utilizar de legislação de emergência.
Nesse diapasão, disserta Antonio Carlos de Araújo Cintra sobre a
constituição de uma exceção ao princípio da legalidade que se chama teoria das
circunstâncias excepcionais, ou seja, quando ocorrem situações anormais onde a
observância de certas regras jurídicas seria impossível, ou tornaria ineficaz a atuação da
Administração, podendo causar grandes danos ao bem coletivo96
.
Analisando a atual ordem jurídica, o controle jurisdicional por vezes
trata o princípio da legalidade de maneira atenuada, em específico por uma grande
influência do Direito Privado, validando condições a favor do particular, mesmo que a
autorização não esteja contida numa norma jurídica.
Na experiência contemporânea, o princípio da legalidade assume uma
conotação aberta, representando um paradigma mais afinado com a práxis
administrativa. A atividade administrativa é, então, representada por um conteúdo
autorizador da norma jurídica, correlato a uma situação sugestiva do Direito Privado,
que provoca efeito de extinção ou de limitação do ato administrativo.
95
MORAND-DEVILLER. Jacqueline. Droit Administratif. Montchrestien, 2009.
96
CINTRA. Antonio Carlos de Araújo. Motivo e Motivação do Ato Administrativo. São Paulo, 1978.
64
Assim, a discricionariedade administrativa, com a evolução
interpretativa do princípio da legalidade, deixou de ser uma faixa de atuação onde o
administrador público podia agir fora dos limites da lei, posto que por ela legitimado,
para se tornar uma esfera de atividade na qual o administrador, dentro dos confins
legais, apreciando determinada situação concreta, decide pela solução que melhor
satisfaça o interesse público.
Por conseguinte, buscando a observância da legalidade e legitimidade
dos atos fiscalizados previamente pelos Tribunais de Contas, a relação de legalidade
precisa ser vista como uma relação de conformidade.
3.4 – CONTROLE DE LEGITIMIDADE
A necessidade de se examinar o controle da Administração Pública
pelo Tribunal de Contas, sob o prisma da legitimidade, decorre de expressa previsão
contida no artigo 70, caput, da Constituição Federal.
Trata-se de controle que abre aos órgãos controladores a possibilidade
de realização de análise de mérito acerca da política econômica empreendida pelas
autoridades governamentais, ou dos atos de gestão orçamentária financeira da
Administração, desbordando, assim, para a efetivação de uma intervenção política.97
Nessa perspectiva, pode o Tribunal de Contas tanto considerar
ilegítima compra de determinados materiais por se mostrarem com valor acima daquele
praticado no mercado, quanto apontar ilegitimidade na aquisição de algum produto
porque incompatível com os valores ou as necessidades da coletividade.
O controle de legitimidade, portanto, não significa apenas a verificação
da relação de adequação entre o ato administrativo a ser praticado e a capacidade do
agente para fazê-lo. Significa a verificação da relação de adequação entre o ato
administrativo a ser praticado e os valores e necessidades fundamentais da coletividade.
97 TORRES, Ricardo Lobo. ―O Tribunal de Contas e o Controle da legalidade, economicidade e
legitimidade‖, in R. Inform, Legislativa, n° 121, jan/mar/94, p. 269/271.
65
Como aponta Celso Bastos, a expressão legitimidade é bem mais
ampla que a mera legalidade. ―Um ato pode ser legal, mas não ser legítimo por estar em
descompasso com os valores fundamentais da coletividade. Destarte, um dispêndio
excessivo com atividades de representação ou mesmo cerimônias festivas, embora
regulares do ponto de vista legal, visto que financiados por verbas competentes do
orçamento, podem ter a sua legitimidade questionada. É dizer, reconhecer-se que aquela
despesa transcende ao que seria razoável a um ato daquela natureza.‖98
De forma mais genérica, Sergio Ferraz assevera que ―o âmbito da
atuação do legislativo e das Cortes de Contas é, hoje, imenso, por isso não mais restrito à
legalidade, abrangendo a legitimidade e a economicidade‖.99
Ainda sobre o assunto Ricardo Lobo Torres: ―O aspecto da
legitimidade, por conseguinte, engloba todos os princípios constitucionais orçamentários
e financeiros, derivados da idéia de segurança jurídica ou de injustiça, que
simultaneamente são princípios informativos do controle. A análise do exato
cumprimento do princípio da capacidade contributiva, que manda cobrar impostos de
acordo com a situação e riqueza de cada um, do princípio da redistribuição de rendas,
que proclama a necessidade de justiça redistributiva, do princípio do equilíbrio
financeiro, que postula a adequação entre receita e despesa para a superação das crises
provocadas pelo endividamento público, por exemplo, praticam o controle da
legitimidade.‖100
3.5 – ECONOMICIDADE
Em um sentido mais genérico, a atuação administrativa, de modo a
despender recursos públicos o menos possível, corresponde a uma preocupação atávica,
inerente a qualquer sociedade organizada.
Desta forma, o dever do administrador público de agir com
parcimônia, cuidado, para preservar os recursos públicos, escassos desde sempre,
98 Curso de Direito Financeiro e de Direito Administrativo, p. 91. 99 SILVA, José Afondo da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 16ª Ed., São Paulo,
1999., p. 276. 100 Op. Cit., p. 269
66
corresponde a uma derivação do dever de fidelidade de qualquer agente público. Ao
violar este preceito, no mínimo, o administrador seria reconhecido como irresponsável e
em descompasso com a regra da boa administração e da moralidade administrativa; neste
sentido, agir de forma antieconômica resulta em atuação ilegítima e imoral.
A Constituição de 1988 expressamente adotou a ―economicidade‖
como um dos critérios orientadores da atuação da Administração Pública, em seu artigo
70, caput, elevando-a, implicitamente, à condição de princípio; no seu delineamento,
encontra-se ínsito o dever de eficiência do administrador público.
Conforme preleciona Ricardo Lobo Torres, o controle da
economicidade significa controle da eficiência na gestão financeira e na execução
orçamentária, com minimização de custos e gastos públicos e maximização da receita e
arrecadação. ―Transcende o mero controle da economia dos gastos, entendida como
aperto ou diminuição de despesa, pois abrange também a receita, na qual aparece como
efetivamente na realização das entradas orçamentárias.‖101
Sua verificação exige análise abrangente da situação que gerou o ato
controlado, podendo ser aferida não só em processo de prestação de contas ou auditoria,
mas previamente, mediante a apresentação de orçamento prévio elaborado pela
Administração Pública.102
Assim, o órgão controlador deixa a posição de mero órgão censor, para
assumir o papel de colaborador da Administração, no sentido de atuar como fornecedor
de subsídios para o aprimoramento da eficiência das atividades da Administração
Pública.
101 Op. Cit., p. 267. 102 A propósito, Antonio Roque Citadini, op. Cit., p. 18: ―Este controle de mérito, que procura verificar a
economicidade do ato administrativo, é sem dúvida a principal marca das Controladorias. Somente nos
anos recentes os Tribunais de Contas vêm-se libertando do mero controle da legalidade, para adotar meios
de fiscalização mais eficientes, dentre eles o que privilegia as auditorias, como acontece no cntrole de
mérito ou gestão. Neste tipo de controle, procura-se verificar a relação existente ente o serviço ou obra
realizada e o seu custo.‖
67
CAPÍTULO IV – CONTROLE PRÉVIO REALIZADO PELO TRIBUNAL DE
CONTAS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO FISCALIZADORA
Os Tribunais de Contas, criados no Brasil já em nossa primeira
Constituição Republicana de 1891, detiveram competência apriorística para o exame de
atos praticados no âmbito da Administração Pública, tanto federal como estaduais e
municipais. Tal atuação acabou por ensejar críticas no sentido de que tais competências
levavam a paralisia da Administração eis que sujeitas ao controle prévio da Corte de
Contas.
A Constituição de 1988 ressalvou uma única hipótese de controle a
priori, qual seja, aquela constante no inciso X do artigo 71, in verbis:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
X - Sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara
dos Deputados e ao Senado Federal;
A resistência ao alargamento do exame apriorístico dos atos
administrativos foi, contudo, excepcionada textualmente na Lei n.º 8.666, de 21 de
junho de 1993 que, no seu art. 113, §2º, prescreve que os Tribunais de Contas poderão
solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das
propostas, cópia do edital de licitação já publicado, obrigando os órgãos ou entidades da
Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função
desse exame, lhe forem determinadas.
4.1 – CONTROLE PRÉVIO: CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E PRÁTICAS NO
EXERCÍCIO DA ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS
Impugnado o ato da administração, e acolhida a mesma pelo Tribunal
de Contas exsurge a primeira indagação acerca de prazos para que a Corte aprecie o
mérito do processo evitando-se nefasta paralisia da Administração.
As Cortes de Contas teriam prazo para cumprir as competências
constitucionais que lhes foram reservadas, em especial no caso do controle prévio que, a
68
princípio, deve ocorrer de maneira célere e eficiente, de modo a não ensejar prejuízos à
gestão pública?
O controle e a fiscalização das contas públicas pelo Tribunal de
Contas e, de outra parte, o dever do Administrador Público de prestá-las configuram
muito mais que um dever constitucional: repercutem também no direito público
subjetivo de todo cidadão se inteirar do que fazem com o patrimônio que é tão dele
como de todos, característica cerne do denominado direito difuso.
O dever de prestar contas, bem como o de prestar esclarecimentos
e/ou enviar documentos informadores compõem uma das facetas da função dos órgãos
de controle externo; as respectivas Leis Orgânicas viabilizam tais procedimentos,
inclusive, e, se necessário, mediante aplicação de sanções.
As Cortes de Contas, como, aliás, todos os demais órgãos públicos do
país, estão sujeitos à observância do princípio do due process of law,103
da eficiência, da
busca da perfeição e da rapidez em suas decisões. O disposto no artigo 5º, incisos LIV e
LV, da Constituição Federal equiparou em termos de garantias constitucionais o
processo administrativo ao processo judicial, o que vincula a conduta da administração
e dos próprios tribunais a respeitar os requisitos garantidores insculpidos nos mesmos.
Por outro lado, ignorar a necessidade de que a administração haja com
celeridade, implicaria também na inobservância de disposto constitucional, eis que o
artigo 37 em seu caput consagrou, através da Emenda Constitucional n° 19, o princípio
da eficiência como também vinculante para a conduta da Administração Pública em
todos os seus níveis.
103
A respeito do devido processo legal, confira-se Lúcia Valle Figueiredo: ―O devido processo legal
passa a significar a ‗igualdade na lei‘, e não só ‗perante a lei‘. É uma distância enorme entre respeitar-se a
igualdade em face da lei e outra coisa, como a breve passo nos referiremos, é se atentar para a igualdade dentro da lei. Assim, o due process of law passa a ter conteúdo material e não mais apenas formal —
passa a ter duplo conteúdo e vamos ver que, também, em alguns princípios processuais, aparece com
duplo conteúdo, com conteúdo substancial e com conteúdo formal. Somente será due process of law
aquela lei — a assim poderá ser aplicada pelo Magistrado - que não agredir, não entrar em confronto, não
entrar em testilha com a Constituição, com os valores fundamentais consagrados na Lei das leis.‖
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente
do planejamento. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 13, abr./maio 2002. Disponível em:
http://www.direitopublico.com.br/pdf_13/DIALOGO-JURIDICO-13-ABRILMAIO- 2002-LUCIA-
VALLE-FIGUEIREDO.pdf>. Acesso em: 25.jul. 2009).
69
Ainda que tal princípio informador não tivesse sido incluído no texto
constitucional, estão as Cortes de Contas sujeitas igualmente à observância do disposto
no inciso LXXVIII do artigo 5° da Constituição Federal, que assegura ―a todos, no
âmbito judicial e administrativo‖ (...) ―a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação‖. A redação deste dispositivo reconhece a
inferioridade do cidadão comum e mesmo da Administração na condição de litigante em
face da reiterada morosidade dos órgãos julgadores, razão pela qual sujeitou-os, de
modo expresso, ao princípio da eficiência.
Debatem-se os órgãos jurisdicionados com a difícil missão de
respeitarem as garantias constitucionais com a conduta exigida de serem dadas
oportunidades de defesa e de exercício do contraditório sem que isso resulte na ofensa à
razoabilidade, eis que sabemos dos artifícios processuais e de expedientes
frequentemente usados nos processos para que os mesmos se eternizem.
O desafio dessa mudança de hábitos já tão arraigados pode contribuir
para reduzir o descrédito da sociedade para com a Administração e os órgãos de
controle respectivos, ressalvando-se que a satisfação da opinião pública não pode
justificar a violação de garantias, pondo-se em risco o próprio Estado Democrático de
Direito.
Como precisamente destacou Sérgio Ferraz, a atuação dos Tribunais
de Contas ―não se cinge a um desempenho meramente formal, não se faz um exame
atinente exclusivamente à legalidade. Faz-se um exame também de legitimidade, de
economicidade, de eficiência‖.104
Para tanto, valem-se tais Cortes de instrumentos processuais
tradicionais, como a coleta de provas, podendo igualmente buscarem laudos e pareceres
técnicos nas mais diversas áreas de atuação para formarem seu convencimento. Não se
104
FERRAZ, Sérgio. Prazos: Preclusão no processo administrativo. I Seminário de Direito
Administrativo,
Tribunal de Contas do Município do Estado de São Paulo, 2003. Disponível em:
<http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/29a03_10_03/6sergio_ferraz1.htm>. Acesso em: 25 maio
2010.
70
pode esperar, portanto, decisões apressadas, que estão muitas vezes sujeitas a uma
avaliação técnica acurada e que demanda tempo.
A par das imperfeições humanas, desmotivação de alguns
funcionários e julgadores, os processos nos Tribunais de Contas possuem tramitação
relativamente célere, especialmente se compararmos ao Poder Judiciário.
Contudo, nem sempre a Administração disponibiliza as informações
aos técnicos auditores. É frequente, infelizmente, a ocultação de documentos,
informações, dados de todos os tipos, ou, o que toma ainda mais tempo, o fornecimento
de dados falsos, com erros, por ignorância simplesmente, ou má fé.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem hoje sob sua
jurisdição 644 Prefeituras, e todos os demais entes estatais e terceiros que administrem
ou que, de alguma forma, gerenciem dinheiro do Estado. Segundo relatório da
instituição, no exercício de 2010 realizaram-se 4.190 auditorias e instruíram-se 22.120
processos, o que confirma nossa assertiva anterior sobre a celeridade do órgão.
Dos 19.513 julgados, 487 foram encaminhados ao Ministério Público,
aplicaram-se 409.150 Ufesp‘s de multas, perfazendo, entre condenações de devolução
de importâncias e multas, um total de R$ 6.485.027,50 reais (UFESP = R$ 15,85). Pelos
dados conhecidos, as demais Cortes de Contas do país sofrem com a mesma elevada
carga de atribuições e, talvez, tenham dificuldades ainda mais alargadas em face das
dificuldades de comunicação e da precária infra-estrutura administrativa de outras
unidades federativas.
4.1.1. – O DESAFIO DAS CORTES DE CONTAS NO CONTROLE PRÉVIO
DAS LICITAÇÕES
Além do conjunto de atribuições constitucionais, os Tribunais de
Contas enfrentam agora verdadeira avalanche de impugnações a processos licitatórios,
obrigando-os a examinar a legalidade de Editais com rapidez e precisão, para não serem
responsabilizados por atrasos administrativos.
71
Relevante apontarmos a evolução do número de exames prévios
julgados pelo TCE/SP. Só no primeiro trimestre do exercício de 2007, conforme
Comunicado SDG n° 09/2007, o número de Exames Prévios julgados pelo TCE/SP
totalizou 30 (trinta). Já no ano de 2009, de acordo com os Comunicados SDG n°
12/2009 e 19/2009, foram 76 os Exames Prévios julgados naquele trimestre. Por fim, no
exercício de 2011, conforme Comunicado SDG n° 33/2011, foram efetuados 139
julgamentos de Exames Prévios no primeiro trimestre da Corte de Contas paulista.
Ou seja, após constatarmos que, a cada dois anos, o número de
Representações e Exames Prévios apresentados vêm praticamente dobrando, forçosa a
conclusão de que tais instrumentos processuais estão cada vez mais sendo utilizados por
terceiros e pela própria Administração, causando insegurança jurídica quanto ao
conteúdo de Editais em certames licitatórios.
Os Tribunais de Contas, por conseqüência, têm realizado louváveis
esforços na busca de seu aprimoramento técnico e operacional. Como exemplo destes
esforços, desde outubro de 2011 o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por meio
do Comunicado SDG n° 30/2011, comunicou a todos os órgãos e entidades
jurisdicionados, das Administrações Estadual e Municipais, diretas e indiretas, a
obrigatoriedade de credenciamento, inclusive de seus respectivos responsáveis, com o
objetivo de manutenção de cadastro atualizado, o qual serviu, principalmente, para
implantação do Processo Eletrônico (e-TCESP), cujo início se daria com processos que
tratassem de Exames Prévios de Edital.
Em dezembro do mesmo ano, por meio do Comunicado SDG n°
38/2011, o TCE/SP comunicou o início da utilização do Processo Eletrônico – e-
TCESP, a partir de 09 de janeiro de 2012, com as Representações versando sobre
Exame Prévio de Edital, nos termos do § 2º do art. 220 do Regimento Interno daquela
Corte, visando, assim, eliminar etapas burocráticas e ganhar agilidade processual.
No mesmo sentido, no caso do Exame Prévio de Edital, previsto na
Seção III, Capítulo VIII do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo, o Artigo 222 é expresso ao dispor que o órgão da Administração ora fiscalizado
deve remeter, em até 48 (quarenta e oito) horas contadas do recebimento de Ofício
72
Requisitório, cópia completa do edital, incluindo projetos básicos e executivos, quando
for o caso, memoriais, planilhas, minuta do contrato, parecer jurídico da aprovação do
edital, e outras peças se existentes e cópia dos atos de publicidade.
Ademais, o artigo 223 do supracitado Regimento Interno além de
declarar que o procedimento a ser adotado em Exame Prévio deva ser o rito
sumaríssimo, estabelece em seus incisos prazos para o pronunciamento de seus órgãos
auxiliares105
, sendo certo que tais informações poderão todas agora ser disponibilizadas
por meio digital, evitando-se extravio de documentos e acúmulo desnecessário de papel.
No entanto, os processos formados nos Tribunais de Contas possuem
peculiaridades e cada qual demandará, in concreto, um tempo de duração. De outra
parte, em que pese a celeridade seja meta perseguida, o devido processo legal deve ser
observado não só no tocante ao aspecto formal, como também no substancial dos atos
procedimentais.
Mais grave se apresenta o Exame Prévio de Edital, vez que a ausência
de pronunciamento do órgão julgador impede que o licitante prossiga a licitação.
Quanto às demais atribuições, em geral realizadas a posteriori pela Corte de Contas,
remanesce sempre a preocupação quanto a prazos prescricionais, pois que não tem sido
incomum a imposição de multas e de outras cominações legais, contra administradores
públicos e que estão sujeitas à regra da quinquenalidade, impondo a urgência das
decisões, sem prejuízo do respeito ao contraditório e ampla defesa.
Por cautela, não se atribuiu prazos únicos à atuação das Cortes de
Contas, porque cada procedimento submetido à análise da Corte demanda ponderação
específica, colheita de provas, muitas vezes ocultas pelo próprio agente público, ou
mesmo oferecidas com vícios de forma e conteúdo sujeitos a contínuas retificações
pelos órgãos técnicos, tudo a dificultar o andamento célere do processo e sua perfeita
instrução e julgamento.
105
Assessoria Técnico-Jurídica, que se manifestará sobre a legalidade e regularidade dos atos da licitação
no prazo de 72 (setenta e duas) horas, Procuradoria da Fazenda do Estado em 24 (vinte e quatro) horas, e
a Secretaria-Diretoria Geral no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
73
No dizer de José Roberto Pimenta Oliveira, o princípio da
razoabilidade, como mandamento de ponderação, ―implica a investigação da
legitimidade de todos os atos que disciplinam determinada atividade administrativa da
razoabilidade in abstracto dos mandamentos legais‖ (...) ―Em outros termos, o
princípio incide na totalidade do processo de concretização do direito
administrativo.‖106
A sujeição ao princípio da razoabilidade subordina a atuação das
Cortes de Contas ao interesse público, razão pela qual não pode sacrificar o devido
processo legal nem prejudicar o andamento da Administração.
O tempo, nesse caso, resulta variável, em face do sopesamento de
valores, princípios, normas e interesses que efetivamente resultem em solução técnica
adequada e justa — e ―ao dever de justa ponderação direciona-se o núcleo do conteúdo
jurídico da razoabilidade‖.107
A atuação dos Tribunais de Contas deve orientar-se à
eficiência e economicidade. Contudo, há situações que o tempo consolida, antes mesmo
da citação do responsável nos autos do processo de tomada de contas.
Caberá, pois, aos órgãos de controle interno e externo estarem atentos
ao tempo a fim de evitar a liberação sem responsabilização da autoridade omissa ou
culposa. Cumpre destacar ainda en passant que, a Lei nº 9.784/1999 criou o instituto da
convalidação dos atos administrativos, na esfera do direito administrativo brasileiro108
.
Tal inovação exige ainda mais presteza por parte dos órgãos de controle pois a
perpetuação de situações de ofensa à legalidade podem em virtude do respeito à
segurança jurídica criarem situações de irreversibilidade.
No Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a questão foi
enfrentada nos autos do processo TC n° 15760/026/06, por Cláudio Ferraz de
106
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no
Direito
Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 185. 107 Ibidem, p. 185.
108 ―Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a
terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria
Administração.‖
74
Alvarenga, que expressou sua perplexidade e aflição quanto às questões suscitadas,
tanto de decadência quanto de prescrição, em face das garantias constitucionais
consagradas no texto da Carta Magna:
Como exposto, a propósito da alegação de suposta
decadência, em outro recurso (TC-223/002/1992),109
instituída há mais
de um século, a jurisdição censória do Tribunal de Contas tem feitio
inquisitivo, endereçando-se aos órgãos e agentes da Administração
Pública, em âmbito de controle externo, cujo exercício não experimenta
um só dispositivo legal que o contenha dentro de limites temporais
capazes de porventura obstá-lo, seja a título de decadência, seja a título
de prescrição. As regras legais e a orientação doutrinária, invocadas
pela recorrente, endereçam-se a outros e distintos campos de
intervenção, administrativa ou jurisdicional, ferindo, de um lado, a auto-
tutela da invalidade, a ação punitiva resultante do poder de polícia e a
cobrança da dívida passiva dos órgãos e entidades de Administração
Pública, ou, de outro lado, as ações populares e as ações civis públicas,
não podendo estender seu alcance, sequer por força do argumento a
pari, ao terreno em que opera esta Corte. O assunto, em verdade, teria
de contar com norma explícita, de desenganada incidência, também à
vista do que estipula a parte final do § 5.º, do artigo 37 da Constituição.
A meu aviso, pois, não colhe a prejudicial de mérito que as razões do
recurso articulam.
E, mais adiante acrescenta:
Nesse contexto, não há como pretender limitar a
atuação desta Corte, tanto mais que ela pode concorrer para que a
efetivação do ressarcimento seja menos demorada, com a supressão, na
esfera judicial, da etapa de conhecimento (Constituição, artigo 71, §
3.º).110
109 ―Há acórdão do mesmo teor, deste Plenário, no TC 024290-026-98, na mesma sessão de 11.04.2007.‖ 110
Julgado prolatado em sessão do E. Tribunal Pleno do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, de
23.09.2009.
75
Como desdobramento das decisões das Cortes de Contas, funciona a
atividade jurisdicional do Tribunal como verdadeira atuação ―de natureza preparatória
da ação civil‖.111
A este respeito, recorde-se Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:
[...] o TCE é um processo administrativo que objetiva
quantificar um dano causado ao erário e identificar a autoria, possuindo
natureza preparatória da ação civil. Sendo instrumental e acessória em
relação à ação de reparação de danos e considerada pela
jurisprudência como prejudicial de mérito em relação à ação civil, deve
seguir o mesmo prazo prescricional que essa ação.
Logo, como desde a Constituição Federal a ação de
ressarcimento de danos causados ao erário tornou-se imprescritível, a
TCE, nas mesmas circunstâncias da alínea anterior, também não é mais
alcançada pela prescrição.112
Resulta duvidosa a incidência da Lei Federal n° 9784/99, com seu
conjunto de prazos decadenciais e prescricionais sobre a atuação do Tribunal de Contas
da União e seus congêneres estaduais. O Supremo Tribunal Federal , nos autos do
Mandado de Segurança nº 24.859/DF, por voto da lavra do Ministro Carlos Velloso
decidiu:
111
Assim se pronunciou o E. Relator, Conselheiro Fulvio Julião Biazzi, nos autos do TC 0024290-026-
08, Pleno, sessão de 17.06.2009: ―[...] a respeito da argüição de decadência e dos seus efeitos sobre a
análise da matéria, o tema foi suficientemente abordado quando do exame do Recurso Ordinário
interposto contra o v. Acórdão que julgou irregulares o certame e contrato decorrente. Naquela oportunidade o e. Conselheiro Cláudio Ferraz de Alvarenga anotou que não poderia ser acolhida a
preliminar, uma vez que a ação administrativa que se desenvolve nos Tribunais de Contas objetiva
quantificar eventual dano causado ao erário e identificar o seu responsável, sendo instrumental e acessória
em relação à ação de reparação de danos, a qual está ressalvada de prescrição, nos termos do § 5.º do art.
37, da CF/88. E, conforme lembrado naquele voto, o e. Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues já havia
consignado em processo sob sua relatoria que, se a Constituição ‗ressalvou a prescrição as ‗ações de
ressarcimento de danos causados ao erário‘, a restrição, por óbvio, não pode atingir os atos que lhe são
preparatórios‘‖.
Confiram-se, ainda: TCs 001652-003-96 (Relator: Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, Pleno,
24.11.2009); 00223-002-92 (Relator: Conselheiro Cláudio Ferraz de Alvarenga, Pleno, 11.04.2007);
001354-005-02 (Relator: Conselheiro Robson Marinho, 2.ª Câmara, 20.03.2007); 800834/632/97 (Relator: Conselheiro Robson Marinho, 2.ª Câmara, 08.03.2005); 001678-004-03 (Relator: Substituto de
Conselheiro Marcos Renato Bottcher, Pleno, 23.09.2009). 112
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2.
ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 88.
76
Corretas as informações, no ponto:
[...]
16. Acerca da discussão da incidência da Lei nº
9.784/99 sobre os atos de controle externo a cargo do Tribunal de
Contas da União, demonstrou-se que a natureza do ato de registro não é
administrativa típica, mas inerente à jurisdição constitucional de
controle externo, compondo o ato de concessão apenas
substantivamente, porquanto lhe irradia efeitos necessários à vitalidade
plena.
17. Por meio da decisão n° 1.020/2000-TCU, Plenário,
firmou-se o entendimento de que a Lei nº 9.784/99, que regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal,
não tem aplicação obrigatória sobre os processos da competência deste
Tribunal de Contas, definida pelo artigo 71 da Constituição Federal.
18. De acordo com a tese discorrida na mencionada
decisão, a processualística própria de controle externo, que abrange
instrumentos como exame de contas, denúncia, representação, auditoria
e outras formas de defesa do interesse público, culmina em decisões de
controle externo passíveis de recursos especiais, consoante dispõe a Lei
nº 8.443/1992, no caso deste Tribunal, de modo que, tão-somente por
argumentação, ainda que esse processo de natureza especial fosse
considerado administrativo – embora não o seja – contaria com a
excepcionalidade decretada pelo artigo 69 da Lei nº 9.784/1999,
segundo o qual ‗os processos administrativos específicos continuarão a
reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os
preceitos desta Lei.
Donde se conclui a prevalência de lei especial que regula a atividade
processual dos Tribunais de Contas sobre a lei geral que versa sobre processos
administrativos.
Remanescem, pois as Cortes de Contas dispensadas da observância de
prazos que sujeitaram todos os processos da administração federal, mantidas assim as
regras processuais vigentes desde a Lei 8.443/1992.
77
O rol de competências dos Tribunais de Contas aliado a uma dinâmica
reforma administrativa que seguiu a edição da Carta de 1988 impõe às Cortes de Contas
a tarefa desafiadora de aplicar sanções podendo desempenhar decisivo papel no
combate e inibição da corrupção nos serviços públicos, sendo certo porém que ao
legislador incumbe a criação e aperfeiçoamento de diplomas legais nesta direção.
Acerca da corrupção, destaquem-se as considerações de Sérgio Ferraz:
Trata-se da mais deletéria e erosiva conduta que pode
ocorrer no seio das instituições. Ela desmoraliza a convivência social e
corrói os alicerces republicanos. Com isso, transforma em hipocrisia a
concepção de Estado Democrático de Direito. Ou seja, a corrupção é
um crime lesa-pátria, no qual, com o mesmo peso de reprovação,
comparecem dois agentes- corruptor e corrupto — e uma vítima — a
sociedade. Sua mais requintada e arrasadora culminância se dá quando,
por efeito da sinistra trama de corruptor e corrompido, se corrompe a
alma, a inteligência e a escala última de valores da sociedade.113
A demanda pelo pronunciamento dos Tribunais de Contas tem sido
incrementada pela iniciativa de cidadãos, admitida pelo texto constitucional,
destacando-se, contudo, que não raro tal prerrogativa deságua em proteção de interesses
corporativos ou mesmo de amesquinhados interesses políticos.
Com isso, não se advoga o fechamento desta via, mas que o seu bom
uso está sujeito ao crivo parcimonioso das Cortes de Contas.
O fim da guerra fria e consequente triunfo do publico in publico, no
dizer de Bobbio, sujeita os governos que se pretendem democráticos a uma maior
transparência. Entre outras instituições, podem os Tribunais de Contas, desde que
113
FERRAZ, Sérgio. Corrupção: algumas reflexões. Revista Eletrônica da Reforma do Estado –
RERE,
Salvador, n. 17, mar./maio 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere/edicao/17/>.
Acesso em: 30 jun. 2009.
78
asseguradas condições de efetiva independência, contribuírem para a consolidação do
Estado Democrático de Direito em nosso país.
O Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, emérito integrante do
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, afirmou nessa linha de entendimento o
papel transcendental que exerce o órgão do qual faz parte, in verbis:
Não se pretende pairem os Tribunais de Contas acima
de quaisquer críticas, nem se afirme a excelência do seu funcionamento.
Longe disso. Muito há a se aperfeiçoar, especialmente quanto aos
mecanismos de sua articulação com o próprio Poder Legislativo e com o
Ministério Público, matéria, esta sim, que deverá preocupar o revisor
constituinte.
No mais, fique alerta o cidadão quanto aos que
combatem a presença dos Tribunais de Contas, porque esses os temem;
e, ao temê-los, escondem mais do que simples ignorância.114
4.2 – REQUISITOS PROCESSUAIS PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE
FISCALIZATÓRIO PRÉVIO
Trataremos em seguida dos requisitos para a instauração e
processamento da Representação, Denúncia e Consulta, e das repercussões decorrentes
das decisões e determinações exaradas pelas Cortes de Contas nestes processos.
Relevante destacar o conteúdo contencioso dos processos sub examen
dos Tribunais de Contas, nos quais se deve respeitar o princípio do contraditório.Odete
Medauar, ao diferenciar processo de procedimento administrativo reafirmou a condição
do primeiro de subordinação ao princípio mencionado, in verbis:
―Utilizar a expressão processo administrativo
significa, portanto, afirmar que o procedimento com participação dos
interessados em contraditório, ou seja, o verdadeiro processo, ocorre
114 RODRIGUES, Edgard Camargo. Os inimigos da fiscalização. Folha de São Paulo, São Paulo, 7 jul.
1993.
79
também no âmbito da Administração Pública.‖115
Demonstrar-se-á, em seguida, a difícil definição dos tipos processuais
acima arrolados, vez que o legislador não os direcionou de forma precisa, relegando
aos próprios órgãos de controle a tarefa de melhor aplicá-los ao seu alvedrio.
4.2.1 – O TRATAMENTO NORMATIVO DESTA MATÉRIA NO TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO
Neste ponto, abordaremos a maneira como é tratado o controle prévio
exercido pela Corte de Contas da União, matéria esta tratada no Capítulo III, Subseções
III e IV de seu Regimento Interno.
4.2.1.1 – DENÚNCIA
Admite o art. 234 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da
União, que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato seja parte
legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União.
Buscou-se facilitar o acesso do cidadão aos Tribunais de Contas, de
modo a ampliar o controle social e a participação popular no exercício fiscalizatório.
Conforme doutrina Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho116
:
―A introdução do direito de petição aos cidadãos
contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas revela
também a preocupação dos nossos constituintes com a preservação dos
direitos individuais elementares.‖
Nesse diapasão afirma o D. Conselheiro do Tribunal de Contas do
115 MEDAUAR, Odete. Processo Administrativo: aspectos atuais. São Paulo: Cultural Paulista, 1998, p.
14 116
AMARAL, Marcos Jordão Teixeira. O Ombudsman e o Controle da Administração. São Paulo: Ícone
Editora, 1993, p. 119.
80
Município de São Paulo, Roberto Braguim:117
―Mas, exatamente para que essa prerrogativa do
cidadão seja exercida na sua plenitude, é mister que seu uso seja
democraticamente possibilitado a todos, restringindo-se a um mínimo
as exigências à admissibilidade de seu emprego.‖
Nestes termos simples supracitados, a denúncia, sobre matéria de
competência do Tribunal de Contas, deve simplesmente se referir a administrador ou
responsável sujeito a sua jurisdição, conter o nome legível, a qualificação e o endereço
do denunciante e estar acompanhado de prova ou indício concernente ao fato
denunciado ou à existência de ilegalidade ou irregularidade.
Observa-se ainda o caráter simplificado e célere dado à Denúncia o
fato da previsão, no §1° do artigo 234 do RITCU, de encaminhamento desta ao Tribunal
por telegrama, facsímile ou outro meio eletrônico, no caso de fundamentada
emergência.
Após preenchidos os requisitos de admissibilidade a Denúncia é
apurada em caráter sigiloso, conforme previsto no §1º do artigo 55 da Lei Orgânica do
Tribunal de Contas da União, até que se comprove a sua procedência, e somente poderá
ser arquivada após efetuadas as diligências pertinentes, mediante despacho
fundamentado do relator.
Reunidas as provas que indiquem a existência de irregularidade ou
ilegalidade, serão públicos os demais atos do processo, assegurando aos acusados
oportunidade de ampla defesa.
No entanto, apesar da supracitada previsão de sigilo estar inserida na
Lei Orgânica e no Regimento Interno do TCU, O STF firmou entendimento pela
inconstitucionalidade deste dispositivo, por afronta ao disposto no art. 5º, incisos V, X,
117 BRAGUIM, Roberto. A Representação no Procedimento Licitatório in Licitações e Contratos
Administrativos – Uma visão Atual à Luz dos Tribunais de Contas. 1ª Ed. Curitiba: Juruá Editora, 2010.
fl.148
81
XXXIII e XXXV, da Constituição Federal118
.
Por fim, no resguardo dos direitos e garantias individuais, conforme
discorrido no artigo 236 do Regimento Interno do TCU, é dado tratamento sigiloso às
denúncias formuladas, até decisão definitiva sobre a matéria.
4.2.1.2 - REPRESENTAÇÃO
Destina-se a Representação ao combate de irregularidades praticadas
no exercício de cargo ou função pública, podendo ser comunicadas ao TCU, na forma
do que dispõe o artigo 237 do RITCU, que atribui legitimidade ativa às seguintes
autoridades:
I – o Ministério Público da União, nos termos do art. 6º, inciso XVIII, alínea c, da Lei
Complementar nº 75/93;
II – os órgãos de controle interno, em cumprimento ao § 1º do art. 74 da Constituição
Federal;
III – os senadores da República, deputados federais, estaduais e distritais, juízes,
servidores públicos e outras autoridades que comuniquem a ocorrência de
irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do cargo que ocupem;
118 STF Processo: MS 24405 DF - Relator(a): CARLOS VELLOSO - Julgamento: 02/12/2003 - Órgão
Julgador: Tribunal Pleno- Publicação: DJ 23-04-2004
Parte(s):
EUCLIDES DUNCAN JANOT DE MATOS
VALDIR ANDRADE SANTOS E OUTRO (A/S)
PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ementa
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO. DENÚNCIA. ANONIMATO. LEI 8.443, DE 1992. LEI 8.112/90, ART. 144.
C.F., ART. 5º, IV, V, X, XXXIII e XXXV.
I. - A Lei 8.443, de 1992, estabelece que qualquer cidadão, partido político ou sindicato é parte legítima
para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU. A apuração será em caráter sigiloso, até
decisão definitiva sobre a matéria. Decidindo, o Tribunal manterá ou não o sigilo quanto ao objeto e à
autoria da denúncia (§ 1º do art. 55).
Estabeleceu o TCU, então, no seu Regimento Interno, que, quanto à autoria da denúncia, será mantido o
sigilo: inconstitucionalidade diante do disposto no art. 5º, incisos V, X, XXXIII e XXXV, da Constituição
Federal.
II. - Mandado de Segurança deferido.
82
IV – os tribunais de contas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, as
câmaras municipais e os ministérios públicos estaduais;
V – as equipes de inspeção ou de auditoria, nos termos do art. 246;
VI – as unidades técnicas do Tribunal; e
VII – outros órgãos, entidades ou pessoas que detenham essa prerrogativa por força de
lei específica.
Tratamento similar é dado, por exemplo, no Tribunal de Contas do
Estado de Santa Catarina, que, conforme o art. 101, do seu Regimento Interno, aponta
como legitimados para a apresentação de Representação:
I- o Ministério Público do Estado, nos termos de sua Lei Orgânica;
II- os detentores de mandatos eletivos no âmbito da administração pública federal,
estadual e municipal, juízes, servidores e outras autoridades que comuniquem a
ocorrência de irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do cargo que
ocupem;
III- os órgãos de controle interno, em cumprimento ao art. 62, § 1º, da Constitução
Estadual;
IV- os signatários de outras origens, cujos expedientes devam revestir-se dessa forma
por força de lei específica.
Diferentemente da Denúncia que, conforme acima discorrido, apenas
deve referir-se a administrador sujeito à jurisdição do TCU, ser redigida em linguagem
clara e objetiva, estar acompanhada de indício de prova e conter o nome legível e
assinatura do denunciante, a Representação será autuada com os expedientes originários
de órgãos e agentes públicos legitimados que comuniquem a ocorrência de
irregularidades cuja apuração esteja inserida na competência do TCU.
Autuada a Representação, o órgão de controle competente se
manifesta, preliminarmente, quanto ao acolhimento – admissibilidade. Nesse momento
83
o TCU verifica se as formalidades mencionadas na questão anterior foram cumpridas
pelo representante.
Se os requisitos e formalidades não forem cumpridos pelo
representante, o TCU não conhecerá da representação. Assim, os órgãos de controle
competentes informam no relatório técnico e o Tribunal Pleno pode determinar o
arquivamento da Representação.
Sendo acolhida, o Relator determina aos órgãos de controle
competentes que adotem as providências necessárias para apuração dos fatos
representados, que vão desde a diligência, para solicitações de informações ao órgão
representado, até as inspeções e auditorias ― in loco‖.
No caso de comprovação das irregularidades representadas ao TCU,
são indicadas as medidas saneadoras e as pertinentes sanções aos responsáveis e, ainda,
apuradas irregularidades graves, o Tribunal, passado o prazo para interposição de
recurso, representa ao Ministério Publico.
Naturalmente, é sempre assegurado ao representado o direito de
defesa antes da deliberação final do TCU e dado conhecimento da decisão ao
representante e ao representado.
4.2.2 – O TRATAMENTO NORMATIVO DESTA MATÉRIA NO TRIBUNAL
DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
A singularidade do tratamento normativo dado pelo Tribunal de
Contas do Estado de São Paulo, acerca dos instrumentos processuais descritos no item
anterior, apenas demonstra a dificuldade do tema em face da imprecisão legal e da
omissão do legislador, que deixou esse relevante assunto à competência discricionária
dos órgãos colegiados que redigem seus Regimentos, conforme demonstrar-se-á a
seguir.
4.2.2.1 – REPRESENTAÇÃO
84
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo trata a Representação
como instrumento processual pelo qual o interessado comunica a ocorrência de atos
ilegais, ilegítimos e antieconômicos praticados por administradores públicos estaduais
ou municipais em nomeações, concursos ou licitações e contratos.
Após apresentada a Representação perante o Tribunal de Contas, é
determinada a maneira como a mesma será processada, ou seja, se será esta recebida
como Denúncia ou Exame Prévio de Edital.
Podemos concluir que tratou o legislador normativo a Representação
como verdadeiro gênero, donde se conclui que Denúncia e Exame Prévio constituem
apenas espécies do gênero Representação.
Contudo, inobservadas tais hipóteses, poderá o termo Representação
adquirir um sentido estrito, pois se não processada destas formas, a mesma constituirá
matéria de competência das Câmaras do Tribunal de Contas, sendo esta juntada aos
autos do processo referente à matéria ensejadora nas hipóteses previstas, conforme
disposto pelo artigo 214 do Regimento Interno do TCE/SP, interpretado contrario
sensu:
―Art. 214. Quando não processada como denúncia ou
exame prévio de edital, a representação será apreciada pelo Relator,
passando à alçada das Câmaras, nas seguintes situações:
I - quando vinculada a processo de contratos ou
instrumentos congêneres de competência originárias das Câmaras;
II - quando, sem vínculo com qualquer processo, tenha
sido formulada em face de edital de licitação, cujo valor estimado ou
contratado, quando já houver, atinja o limite para concorrência;
III - quando envolver outras matérias de competência
das Câmaras ou aquelas cujo valor tenha atingido o limite para
concorrência..‖
Depreende-se, portanto, que a definição de Representação utilizada
pela Corte de Contas paulista difere amplamente daquela utilizada pelo TCU.
85
4.2.2.2 – DENÚNCIA
Com relação à denúncia, da mesma maneira como estabelecido pelo
Tribunal de Contas da União, qualquer cidadão, partido político, associação ou
sindicato é parte legítima para apontar irregularidades ou ilegalidades, no âmbito da
administração pública do Estado e dos municípios perante o Tribunal de Contas do
Estado, seguindo assim a definição dada pelo artigo 213 do Regimento Interno do
Tribunal de Contas paulista.
Tais possibilidades para o ajuizamento, apontando irregularidades
cometidas contra a probidade administrativa, em órgãos da administração pública,
estão também tratadas no artigo 110 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado
de São Paulo.
Cabe ao Conselheiro designado como Relator determinar a instrução
da denúncia, em caráter sigiloso, sendo que, comprovada a procedência da denúncia, o
processo perde o caráter sigiloso.
No entanto, conforme já mencionado às fls. 81, o posicionamento do
Supremo Tribunal Federal, entendeu inconstitucional tal premissa, por ofender
injustificadamente o administrador público, o qual fica impedido de, no foro
competente, buscar a reparação dos danos decorrentes da denúncia. Importante
argumento disposto no mesmo Acórdão encontra-se no fato de que a negativa de
fornecimento, pelos órgãos públicos, de informações de interesse particular do
solicitante só se justifica quando o sigilo é imprescindível para a segurança da
sociedade e do Estado, conforme artigo 5°, inciso XXXIII da Lei Maior.
Concluída a instrução, na hipótese do parágrafo anterior, serão os
autos submetidos ao Tribunal Pleno, ouvindo-se antes o Ministério Público e a
Procuradoria da Fazenda do Estado, conforme o caso.
4.2.2.3 – EXAME PRÉVIO DE EDITAL
86
Chegamos agora ao centro de nossa dissertação, eis que tal
instrumento, embora tenha disciplinamento legal bastante restrito, tem crescido sua
importância ao vermos multiplicarem-se nos órgãos destinados à apreciação dos
mesmos.
O Exame Prévio de Edital é tratado na Seção III do Regimento Interno
do TCE/SP, onde se atribui competência ao Conselheiro do Tribunal de Contas, para
solicitar, conforme previsto no § 2º do art. 113 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,
cópia de editais de licitação elaborados pelos órgãos sujeitos a sua jurisdição, da esfera
estadual ou municipal.
Aprovada a apreciação do caso pelo Tribunal Pleno, a Presidência
expede ofício solicitando cópia completa do edital, incluindo projetos básicos e
executivos, e, quando for o caso, memoriais, planilhas, minuta do contrato, parecer
jurídico da aprovação do edital, e outras peças se existentes e cópia dos atos de
publicidade. O Órgão da Administração deve remeter então, em até 48 (quarenta e oito)
horas, contadas do recebimento do ofício requisitório do Tribunal de Contas, as peças
da licitação que lhe forem solicitadas.
No tocante à apreciação da matéria é adotado o seguinte
procedimento, que ocorre em rito sumaríssimo:
Os documentos são imediatamente protocolados e encaminhados ao
Relator que, se assim entender, determina a oitiva da Assessoria Técnico-Jurídica, que
se manifesta sobre a legalidade e regularidade dos atos da licitação.
Aquela Assessoria pronuncia-se no prazo de 72 (setenta e duas) horas,
encaminhando o processo para o Ministério Público e à Procuradoria da Fazenda do
Estado, cujos órgãos terão até 24 (vinte e quatro) horas, cada um, para vista, devendo o
processo seguir, após, para a Secretaria-Diretoria Geral que possui o prazo de 48
(quarenta e oito) horas para sua manifestação.
Deliberado sobre o feito, o Presidente expede ofício dando conta da
decisão tomada, sendo que, comprovada a revogação ou anulação da licitação, a decisão
87
que declarar extinto o processo por perda do objeto é proferida singularmente, dando
conhecimento ao Tribunal Pleno.
Caso não seja remetida a documentação solicitada pelo Tribunal de
Contas, ou não sejam adotadas as medidas corretivas determinadas, fica o responsável
sujeito às sanções previstas nos arts. 101 e 104 da Lei Complementar nº 709, de 14 de
janeiro de 1993, independentemente do processo de responsabilidade.
Por fim, importa salientar que, nos termos do art. 225 do Regimento
Interno do TCE/SP, o Tribunal de Contas pode convocar o responsável pela licitação
para comparecer em Sessão e prestar os esclarecimentos que lhe forem solicitados a
respeito do edital objeto do exame prévio.
4.2.2.4 - CONSULTA
Cumpre igualmente tratarmos do instrumento processual previsto no
Capítulo IX do Regimento Interno da Corte de Contas do Estado de São Paulo, ao qual
deu-se o nome de Consulta.
No tocante à competência, ficou estabelecido no Regimento a
responsabilidade do Tribunal Pleno para resolver as consultas feitas acerca de dúvidas
suscitadas na aplicação das disposições legais concernentes à matéria de sua
competência, desde que não envolva caso concreto ou ato consumado.
Tais consultas, formuladas por intermédio dos Chefes do Poder
Executivos estaduais e municipais, Secretários de Estado e dirigentes das entidades da
administração indireta e fundacional, tanto do Estado como dos Municípios, devem
constar de exposição precisa da dúvida, com formulação de quesitos.
Os pareceres emitidos em virtude de consulta têm força obrigatória,
importando em prejulgamento do Tribunal, sendo que, salvo deliberação em contrário
emitida pelo Tribunal Pleno, o prejulgado emanado em relação ao consulente não
importa na fixação de orientação normativa para a Administração em geral.
88
Contra tais pareceres mencionados, cabe pedido de reconsideração,
apresentado dentro de 15 (quinze) dias pelo próprio consulente se o Tribunal não tiver
apreendido a tese da consulta, se forem necessárias explicações complementares ou
elucidativas ou se a orientação fixada for inoportuna ou inconveniente ao serviço
público.
A qualquer tempo, pode ser repetida a consulta, se fatos ou
argumentos novos puderem importar modificação do parecer, sendo facultado ao
Tribunal, por iniciativa do Presidente ou de qualquer Conselheiro, reexaminar ex officio
o ponto de vista firmado em parecer, submetendo-o ao Tribunal Pleno para apreciação.
Ocorrendo alteração do prejulgado, a orientação que vier a ser adotada
terá força obrigatória, a partir da sua publicação, em relação aos órgãos da
Administração já submetidos aos efeitos do prejulgado modificado.
4.3 – O CONTROLE PRÉVIO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS SUB EXAMEN
PELO PODER JUDICIÁRIO
O Supremo Tribunal Federal, apreciando pedido formulado em sede
de suspensão de segurança119
, cassou medida liminar concedida pelo Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro que determinava que o Tribunal de Contas do Estado do mesmo
Estado se abstivesse de examinar previamente qualquer procedimento licitatório
envolvendo a concessão do serviço público de saneamento básico.
Naquela oportunidade, ao deferir a suspensão de segurança, o então
Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Celso de Mello, salientou que:
(...)―torna-se evidente que essa proibição genérica, imposta pela
liminar ora questionada, frustra, por completo, com grave prejuízo para o interesse
público, a atuação do Tribunal de Contas.
119 Supremo Tribunal Federal, SS 1308/RJ.
89
Cabe enfatizar que a presunção juris tantum de legitimidade dos atos
do Poder Público não deve impedir que o Tribunal de Contas exerça, em plenitude, a
ação fiscalizadora de que foi incumbido pela Lei Fundamental da República. Essa
interdição genérica, fundada na liminar mandamental em causa, parece ofender a
competência institucional do Tribunal de Contas, por neutralizar, indevidamente, o
desempenho da insuprimível atribuição fiscalizadora que, às Cortes de Contas, assiste
no sistema de direito constitucional positivo vigente no Brasil, especialmente se se
considerarem os paradigmas ético-jurídicos que devem pautar a atuação do Poder
Público.‖
No mesmo sentido já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça,
nos autos do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 17.996/RJ, ao manter
multa aplicada pelo Órgão de Contas a agente público que deixara de cumprir
determinação no sentido do encaminhamento, para apreciação prévia, de edital de
licitação. Transcreve-se abaixo excertos do mencionado julgado:
―É sabido que, com a promulgação da Constituição
Federal de 1988 o controle dos atos praticados pelos agentes públicos
passou a ser exercido com maior amplitude pelos Tribunais de Contas,
ou seja, estes passaram a ter um maior controle preventivo visando fazer
cumprir postulado inscrito na Carta Maior, no sentido de que os atos
administrativos a serem praticados passassem a obedecer,
rigorosamente, ao princípio da moralidade.
(...)
A evolução do controle exercido pelos Tribunais de
Contas, quer federais, estaduais assim como municipais, nos mostra que
esse controle, além de preventivo, reveste-se de caráter educativo,
impedindo o malferimento aos princípios da legalidade, eficiência e a
todos os demais postos na Lei de Licitações. Temos aqui o que
denominamos de princípios implícitos do controle da licitação uma vez
que esta não é apenas controlada a posteriori mas, também, a priori,
constituindo-se, pois, um fator a prestigiar a moralidade na prática do
ato administrativo.‖
90
Tal decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, porém, veio a
ser reformada pelo Supremo Tribunal Federal, que modificou seu entendimento sobre a
matéria. Eis a ementa do acórdão, proferido pela 1ª Turma do Supremo Tribunal
Federal, sob a relatoria do Min. Menezes Direito:
―Tribunal de Contas estadual. Controle prévio das
licitações. Competência privativa da União (art. 22, XXVII, da
Constituição Federal). Legislação federal e estadual compatíveis.
Exigência indevida feita por ato do Tribunal que impõe controle prévio
sem que haja solicitação para a remessa do edital antes de realizada a
licitação.
1. O art. 22, XXVII, da Constituição Federal dispõe ser
da União, privativamente, a legislação sobre normas gerais de licitação
e contratação.
2. A Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993
autoriza o controle prévio quando houver solicitação do Tribunal de
Contas para a remessa de cópia do edital de licitação já publicado.
3. A exigência feita por atos normativos do Tribunal
sobre a remessa prévia do edital, sem nenhuma solicitação, invade a
competência legislativa distribuída pela Constituição Federal, já
exercida pela Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que não
contém essa exigência.
4. Recurso extraordinário provido para conceder a
ordem de segurança120
.
No referido julgamento, foram assentadas algumas premissas
importantes, quais sejam:
Em primeiro lugar, enfatizou-se a competência privativa da União
para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação (Constituição Federal, art.
22, XXVII) e o fato de a Lei de Licitações não impor o mencionado controle prévio sem
que exista solicitação para a remessa do edital antes de realizada a licitação.
120 RE 547.063, julgado em 08 de outubro de 2008
91
Considerou-se incabível, tanto do ponto de vista lógico, quanto do
ponto de vista formal, que os Poderes Executivo e Judiciário, em cada procedimento de
licitação, sejam obrigados a encaminhar, previamente, ao Tribunal de Contas estadual
os editais de licitação, bem como ficar aguardando a aprovação, ou não, da legalidade
do certame, concluindo-se que a exigência feita por atos normativos estaduais sobre a
remessa prévia do edital, sem qualquer solicitação específica, invadiria a competência
legislativa distribuída pela Constituição, já exercida pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de
1993, que não contém essa determinação.
Por fim, fixou-se, em linha de princípio, ser perfeitamente legítimo
aos Tribunais de Contas solicitarem, casuisticamente, a remessa de editais de licitação,
havendo, em verdade, interdição a que a determinação seja feita de forma genérica.
Ora, a partir das premissas assentadas, é fácil concluir que a posição
adotada pelo Supremo Tribunal Federal foi, pura e simplesmente, de reverência à norma
do art. 113, §2º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: considerou ilegítimo o ato
normativo que exigia, genericamente, o encaminhamento prévio de editais de licitação
ao Tribunal de Contas estadual, mas admitiu que, em casos concretos, mediante
solicitação específica, esse controle seja realizado.
4.4 – O CONTROLE PRÉVIO E SEUS REFLEXOS SOBRE A GESTÃO DOS
ÓRGÃOS OU ENTIDADES A ELE SUBMETIDOS
Passamos agora a discorrer sobre os reflexos do controle prévio
exercido pelo Tribunal de Contas relativamente à discricionariedade administrativa que
detém os órgãos da Administração.
Com intuito de incentivar a boa gestão, bem como prevenir e
combater a corrupção na Administração Pública, uma adequada e eficiente estrutura de
controle externo mostra-se como pressuposto imprescindível na estrutura estatal,
consagrando modelo cuja tradição remonta ao direito francês e que nos acompanha
desde nossa primeira Constituição Republicana de 1891.
92
No exercício de sua função fiscalizadora, deve o Tribunal de Contas
realizar sua atividade de controle prévio com a devida cautela, uma vez que não se
limitará ao exame estrito da legalidade dos atos, já que também a Administração deve
obediência aos princípios da eficiência, devendo praticar seus atos com eficácia e
economicidade. Em face disso, ouve-se com frequência, contundentes críticas por parte
de gestores da administração, quando culpam os Tribunais de Contas pelo atraso na
realização de obras ou serviços, sujeitos ao exame prévio daqueles.
Nesse sentido, afirma Floriano de Azevedo Marques Neto:
O controle não é um fim em si mesmo. Ele é um
instrumento para o aperfeiçoamento da Administração e para a busca
de eficiência e efetividade. A presunção de que o controle valha, por si
só, como se a mera existência de estruturas de controle seja suficiente
para a Boa Administração trai uma visão formalista do controle (...)
Qualquer controle que, sob o pálio de coibir o desvio ou desperdício
impede a consecução de uma ação administrativa acaba por produzir
um efeito contrário àquele que justifica a existência do controle.121
Com propriedade, assevera ainda que:
O entrave da Administração pelo controle acaba por
causar malefício comparável àquele gerado pelas condutas ímprobas.
Uma Administração pia, proba e impródiga não é necessariamente uma
Boa Administração. Será se conciliar lisura e economicidade com
eficiência e efetividade. Do mesmo modo, um sistema de controle que só
pune, invalida e impede não será um controle conforme aos cânones do
Estado Democrático de Direito.122
Portanto, com o intuito de se mostrar como um mecanismo eficiente e
121 MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública,
fls. 03. 122
MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública,
fls. 15.
93
compatível com as finalidades do interesse público, sem portanto paralisar
desnecessariamente a máquina administrativa, deve o Tribunal de Contas antes de tomar
qualquer ação sopesar não só o efetivo dano decorrente de possível ilegalidade no ato,
mas também a afronta à eficiência administrativa que, por exemplo, uma paralisação de
certame licitatório pode causar.
Conforme afirma o D. Conselheiro Roberto Braguim:
―Há de buscar-se um precário equilíbrio. De um lado,
fundada nos mais elevados princípios, a já comentada economia de
exigências para seu processamento. De outro, a possibilidade de que a
Representação, comprometida com interesses subalternos, busque não o
restabelecimento da legalidade, mas tumultuar um procedimento
licitatório escorreito, propiciando, quiçá, a espúria configuração de uma
falsa emergência‖123
Daniel Ferreira, por sua vez, entende que a função precípua da sanção
não é impor castigos, mas sim, num primeiro e mais elevado plano, garantir a eficácia
das normas de conduta previamente reguladas.124
Por conseguinte, não há de se esquecer que a atividade de controle
prévio é em si uma atividade administrativa, devendo portanto se submeter ao cânone da
economicidade e eficiência.
Ademais, tendo em vista a própria natureza célere e simplificada deste
instrumento processual de fiscalização prévia, eu exercício não pode ser permeado de
complexos pressupostos de admissibilidade, visando assegurar assim a efetividade deste
controle pelos interessados.
Assim entende o Eminente Conselheiro do Tribunal de Contas do
Município Roberto Braguim125
, ao afirmar que:
123 op cit, fls. 148 124
FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. Coleção temas de direito administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2001, fl. 15. 125 Op cit., fls 148
94
―Constranger o Instituto da Representação a
complicados pressupostos de admissibilidade seria, por certo, feri-lo na
sua mais íntima essência, com a retirada de sua nobre característica
cidadã.‖
Da mesma forma, há o desafio de alcançar-se um sistema de controle
eficiente sem constituir, no entanto, entrave ao bom gerenciamento da máquina
administrativa e, por conseguinte, negação da lógica da eficiência.
Nessa linha, o próprio Decreto-Lei nº 200/67, ao dar tratamento ao
tema do controle, prevê em seu art. 14 a racionalização do trabalho administrativo
mediante a simplificação de processos, a supressão de controles meramente formais
e o afastamento de mecanismos de controle cujo custo seja evidentemente superior ao
risco.
Afinal, o Controle externo exercido pelos Tribunais de Contas não
pode perder de vista sua função de impedir o desgoverno, mas não governar
propriamente, conforme bem ressaltado pelo Eminente Ministro do Tribunal de Contas
da União, Benjamin Zymler:
―Cabe ressaltar, ainda, que a existência dessa forma de
controle prévio não implica a indesejável substituição do gestor pelo
controlador.‖126
As deficiências reconhecidas da Administração Pública brasileira não
serão, por certo, supridas pela intervenção dos órgãos de controle. É certo também que a
inexistência de mecanismos eficientes de controle tornam ainda mais vulneráveis os já
escassos recursos públicos sujeitos que estão à ação predatória dos maus
administradores. Todavia, constata-se com relativa facilidade que a fraqueza das
instituições e de seus instrumentos são inversamente proporcionais ao desempenho
melhor e mais eficiente da Administração Pública.
126 ZYMLER, Benjamin. O Controle externo das concessões de serviços públicos e das parcerias público-
privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
95
96
CAPÍTULO V – CONCLUSÕES
Abordamos, sem qualquer pretensão exaustiva, alguns dos principais
aspectos relacionados ao exercício do controle externo prévio pelos Tribunais de Contas
no que tange à atividade contratual administrativa.
Como restou demonstrado, existem inúmeros instrumentos eficazes à
disposição das Cortes de Contas para que possam exercer seu munus constitucional com
efetividade, resguardando a legalidade, a legitimidade e a economicidade da aplicação
de recursos públicos.
Dentre as competências outorgadas aos Tribunais de Contas,
destacando-se aquela relacionada ao controle de licitações e contratos administrativos,
que deve ser realizada, por imposição constitucional, sob a tríplice ótica da legalidade,
da legitimidade e da economicidade, a atividade de controle exercida pelos Tribunais de
Contas não se exaure na mera análise de legalidade da atividade administrativa. Vai
muito além: trata-se de promover uma análise global de mérito, que compreende, além
da legalidade, a aferição da legitimidade e da economicidade das opções
administrativas.
Ora, nessa análise global de mérito é indissociável o exame da
eficiência administrativa, que indubitavelmente se mostra exercida quando respeitados
os preceitos básicos da Lei de Licitações, bem como princípios norteadores das
Licitações Públicas tais como a competitividade, legalidade, publicidade e moralidade.
Embora tenhamos adotado a realização de atividade de fiscalização
financeira sempre a posteriori, a Constituição de 1988 atribuiu competência ao Tribunal
de Contas no controle repressivo de dos atos e contratos administrativos. Nessa linha, o
Supremo Tribunal Federal tem concluído pela admissão, em casos concretos, mediante
solicitação específica, do controle prévio de editais de licitação ao Tribunal de Contas,
em reverência à norma do art. 113, §2º, da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993.
Observa-se crescimento acentuado de casos apreciados no exercício
de tal competência, mas é certo também que há vasto campo a ser lavrado.
97
É compreensível que haja por parte dos gestores públicos resistência
ao exercício de tal função, muitas vezes amparados numa má interpretação do princípio
da separação funcional de poderes, além da circunstância de que é efetivamente o
administrador público aquele que detêm representação democrática para executar as
políticas públicas definidas pelo legislador.
Mas, ao mesmo tempo, é imposição constitucional que o controle
externo prévio seja efetivamente exercido. Esse vetor não se encontra positivado na
Constituição por mero capricho do constituinte; ao contrário, existe uma missão
fundamental a ser cumprida, qual seja, a verificação prévia da compatibilidade entre a
atuação administrativa e o anseio da opinião pública por mais eficiência e transparência
da Administração Pública.
Essa imposição não pode ser negligenciada pelos Tribunais de Contas,
que devem investigar se a opção do administrador efetivamente corresponde aos anseios
do grupo social a ser atingido pela política pública.
Tal adequada e eficiente estrutura de controle é pressuposto para uma
boa administração, incentivando a boa gestão e prevenindo e combatendo a corrupção,
sendo certo que o amadurecimento deste controle pressupõe uma integração cada vez
maior entre o Governo e os entes fiscalizadores externos, sem, no entanto, subordiná-los
aos primeiro.
O aperfeiçoamento do controle prévio exercido pelos Tribunais de
Contas deve ser objetivo permanente de nosso Estado Democrático de Direito. Visa-se
com isso coibir a prática de condutas ilegais, conciliando-se lisura e economicidade com
eficiência e efetividade. As lacunas deixadas pelo legislador e supridas pela
competência normativa das Cortes de Contas não podem constituir argumento em
desfavor do controle prévio. Ao contrário, entendemos de lege ferenda, que seja mais
que hora do pronunciamento de nossos parlamentos na elaboração da legislação
pertinente, antes que ao Judiciário se relegue tal função.
98
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