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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
PRIMEIRA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO CONSUMIDOR
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA SEGUNDA VARA CÍVEL DA
CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE TAGUATINGA – DF.
Proc. nº. 2006.07.1.015598-0.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E
TERRITÓRIOS, no uso de suas atribuições legais, por intermédio da 1.ª Promotoria de
Justiça de Defesa do Consumidor, vem a honrada presença de Vossa Excelência oficiar
no presente processo, aditando a inicial, nos seguintes termos:
Trata-se de ação civil pública proposta pela DEFENSORIA
PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL contra o BANCO BRADESCO S.A., em virtude
de propaganda abusiva para atrair os consumidores/aposentados na tomada de
empréstimos, mediante consignação ou retenção das aposentadorias do INSS, não
informando adequadamente aos consumidores dos riscos do superendividamento e de
cláusulas contratuais redigidas de forma a confundir o perfeito entendimento de seu
sentido e alcance e em caracteres dificultando sua leitura, eis que voltado para idosos,
muitos dos quais com dificuldades de visão e baixo grau de instrução.
A inicial pleiteia antecipação de tutela, a fim de que seja
determinado ao réu a adoção da redação indicada pelo Manual de Redação da
Presidência da república, utilizando a fonte times new roman fonte 12, ou fonte 14,
destacando o percentual de juros, valores dos juros e comissões, número de parcelas e o
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valor tomado de empréstimo, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por
cada descumprimento, a inserção de aviso em destaque de que a contratação de
empréstimos, mediante pagamento de juros pode conduzir ao superendividamento sob
pena de multa e que promova em suas agências propagandas de cunho educativo à
respeito do superendividamento e alertando dos riscos de diminuição da renda mensal
por força do pagamento das parcelas do empréstimo, sob pena de multa de R$
1.000.000,00 (um milhão de reais).
Requereu ainda a participação do Ministério Público na
qualidade de litisconsorte ou como custos legis e a designação de audiência de
conciliação.
No mérito, postula a confirmação das medidas requeridas à
título de antecipação de tutela e a condenação do Banco requerido por danos morais
coletivos no valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).
Em síntese, é o que cabe analisar por ora.
1. DO INTERESSE E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO.
A Constituição Federal, no artigo 129, inciso III, definiu ser
função institucional de o Ministério Público promover a ação civil pública para a
proteção dos interesses difusos e coletivos. A Lei Complementar N. 75/93, em seu art.
6º, dispõe competir ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, destacando-se a proteção ao consumidor. E a Ação Civil Pública, espécie
de tutela coletiva, é o instrumento processual, por excelência, para inibir a ocorrência ou
tutelar os danos causados aos consumidores.
As disposições constitucionais e legais são incisivas e
induvidosas a respeito das atribuições institucionais do Ministério Público na defesa dos
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, a experiência da
Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor revela que as empresas, ao serem
demandadas judicialmente, concentram seus esforços em questões processuais,
sobretudo no tocante à legitimidade para a propositura da ação civil pública, até porque
não encontram amparo no direito material para legitimar a conduta questionada
judicialmente.
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O tema se encontra praticamente pacificado, notadamente em
decorrência dos recentes pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal e Superior
Tribunal de Justiça. Confira-se ementa de decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal no Recurso Extraordinário N. 163.231-3, de 26/02/1997, Rel. Min. Maurício
Corrêa:
“A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público
como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-
lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público
capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública
e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3.
Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas
pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos,
categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária
por uma relação jurídica base. 3.1 - A indeterminidade é a característica fundamental
dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os
coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que tem a mesma origem comum
(art. 81, III, da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie
de direitos coletivos; 4.1 Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente
interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica,
sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou
classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se
classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação
civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos,
categorias ou classe de pessoas (...)”.
De outro lado, apenas ilustrativamente, cite-se decisão recente
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial N.
2002/0027931-1/PR, de 15/04/2003, Relª. Min. Laurita Vaz:
“A ação civil pública nasceu como instrumento processual
adequado para coibir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, atendendo, assim aos interesses
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coletivos da sociedade. O campo de aplicação da ação civil pública foi alargado por
legislações posteriores, especialmente pelo Código de Defesa do Consumidor, para
abranger quaisquer interesses coletivos e difusos, bem como os individuais homogêneos
(...)”
Na realidade, a legitimidade do Ministério Público se funda em
verdadeiro dever constitucional e institucional na proteção de tais interesses (CF, artigo
129, III e Lei Complementar 75/93, artigo 6º).
A bem da verdade, o que os autos noticiam é uma prática
abusiva por parte da instituição financeira, induzindo os incautos
consumidores/aposentados a contrair empréstimos consignados nos valores a receber de
suas precárias aposentadorias, afetando a saúde financeira de milhares de idosos.
Por esse motivo, entende o Ministério Público que deve integrar
o pólo ativo da relação processual, na qualidade de litisconsorte, tal como requerido pela
Defensoria Pública. Aliás, é dever do Ministério Público promover a ação civil pública
para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e
individuais homogêneos do idoso, na dicção legal do art. 74 do Estatuto do Idoso (Lei
n.º 10.741, de 1.º de Outubro de 2003).
Ademais, a legitimação do Ministério Público resta patenteada,
quando estamos diante de causa de significativa relevância social, a reclamar a
intervenção ativa do Ministério Público. Somente em pensar que milhares de
aposentados/consumidores atuais e futuros viessem a ingressar individualmente contra o
Banco Bradesco, abarrotando o Judiciário para discutir caso a caso as cláusulas
abusivas e a propaganda enganosa ou ilícita do agente financeiro já torna legítima a
atuação da instituição ministerial, pois compatível com sua finalidade, em especial na
defesa dos consumidores e mais ainda, dos idosos aposentados.
2. DOS DIREITOS VIOLADOS
2.1. DA PUBLICIDADE ABUSIVA
Vislumbramos que a propaganda e os meios de captação da
clientela constituem aquilo que se convencionou chamar de estímulos subliminares,
afetando a real compreensão dos idosos dos riscos de comprometimento de parte
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substancial de sua renda. É o tipo de propaganda com inequívoca irresponsabilidade
social.
A fórmula encontrada pelo Banco, na sedução dos aposentados
para contrair empréstimos, mediante alocação de funcionários treinados especialmente
para tanto, sem sombra de dúvida, interfere substancialmente na tomada de decisão,
máxime quando é de conhecimento mediano o baixo grau de instrução da imensa
maioria dos nossos aposentados, além de outros problemas de saúde, tais como
depressão, solidão etc. Evidente que na prática do marketing devem ser utilizados meios
para atingir o público alvo, mas esses meios não podem ser moralmente reprováveis ou
capazes de afetar o normal discernimento do consumidor.1
Segundo narra a inicial da Defensoria Pública, o Banco
Bradesco elegeu funcionários identificados com a classe dos aposentados, na faixa etária
dos 50 anos, e com sorrisos fáceis, entremeados de chá, café e biscoitos, atraem os
incautos aposentados, escudados na propaganda do agente financeiro.
Veja Excelência, que no folder da propaganda do Banco
Bradesco (fls. 46) Crédito Multiuso em alusão à famosa marca de sabão em pó e faça o
teste incute ao consumidor menos atento, a idéia de que pode utilizar o crédito, sem
maiores conseqüências, e o induz a fazer o teste, quando então já estará com seu
rendimento comprometido.
Em igual sentido o folder juntado às fls. 47. Aliás, ali parece
existir uma família feliz, posando para uma fotografia e como pano de fundo, o logotipo
1 Muito embora ainda não haja consenso científico acerca das mensagens ou publicidade com conteúdo e estímulos de modo subliminar, até porque o precursor do assunto teria cometido fraude, existem estudos que amparam a estratégia adotada pelo marketing agressivo do Banco Bradesco, ao atrair a clientela/consumidores hipossuficientes, como atitudes nocivas e merecedoras do repúdio do ordenamento jurídico. Muito a propósito, em ação civil pública contra a publicidade no tabaco, o Ministério Público do Distrito Federal logrou provar a adoção da estratégia, merecendo destaque na Wikipedia quando trata da mensagem subliminar. Confira-se. “Casos autuados Cigarros Free, Souza Cruz, 2001. Propaganda retirada do ar devido ao ministério público (promotor Guilherme Fernandes Neto) considerar que estimularia crianças e adolescentes a fumar, baseado em análise de psicólogos que analisaram o texto da propaganda e a existência de mensagem subliminar, onde por trés décimos de segundo apareciam uma pessoa fumando, seguida de outra pessoa fumando em três décimos de segundo também” Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Mensagens_subliminares. Acesso em 30 de Julho de 2006. Consta no noticiário a passagem que destacamos, verbis “.... A persuasão subliminar seria a capacidade que uma mensagem teria de influenciar o receptor. Segundo a hipótese, toda mensagem subliminar tem um determinado grau de persuasão, e pode vir a influenciar tanto as vontades de uma forma imediata (fazendo por exemplo, uma pessoa sentir vontade de beber ou comer algo), como até mesmo a personalidade ou gostos pessoais de alguém a longo prazo (mudando o seu comportamento, transformando uma pessoa tímida em extrovertida). Esse grau de persuasão deveria variar de acordo com o tempo de exposição à mensagem, e a personalidade do receptor.”
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do banco e o produto oferecido, desviando a devida atenção do consumidor. Ou seja, na
propaganda, a idéia é vender o crédito consignado passada de maneira subliminar, e
fazendo o incauto consumidor acreditar que assim agindo, estaria com sua família feliz.
A prova apresentada às fls. 48 reforça ainda mais o conteúdo da
mensagem subliminar, colocando um casal de idosos todos sorridentes em primeiro
plano, e no segundo plano a oferta do crédito Multiuso.
Destarte, resta demonstrado à saciedade ab initio a propaganda
com conteúdo subliminar, desviando a atenção para o principal, qual seja, de que
pagaria caro pelo empréstimo e comprometeria seriamente a saúde financeira do
aposentado.
Ensina Cláudia Lima Marques, que o princípio da identificação
obrigatória da mensagem como publicitária, “serve de um lado para proibir a chamada
publicidade subliminar, que no sistema do CDC seria considerada pratica de ato ilícito,
civil e mesmo penal.”2
Por isso, o Código de Auto-regulamentação publicitária,
reconhecendo a forte influência de ordem cultural sobre grandes massas da população
(art. 7.º) estimula que a propaganda deve ser “preparada com o devido senso de
responsabilidade social” (art. 2.º), ausente à espécie.
As notícias colacionadas pela Defensoria Pública apontam a
fragilidade à qual estão expostos os consumidores, afetando a saúde financeira dos
aposentados e fomentando um problema social de enormes proporções, com o
beneplácito do atual governo3. Diga-se de passagem, o Governo Federal, quiçá
2 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de defesa do consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4ª. Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 674.3 Sensível a este problema, o PROCON Paulista cria Núcleo de Tratamento do Superendividamento postado por: Aparecida Sanches em: 26/07/2006. A Fundação Procon-SP inaugura no próximo dia 27 de julho o Núcleo de Tratamento do Superendividamento, uma nova atividade desenvolvida pelo órgão, com objetivo de sensibilizar a sociedade para um problema que repercute não somente para o endividado, mas também em toda economia. O superendividamento (ou sobreendividamento), fenômeno relativamente recente e em expansão, ocorre quando o consumidor toma crédito na praça, sem os cuidados necessários e compromete sua renda pessoal e familiar, tornando-se, em curto prazo, inadimplente e incapaz não só de saldar sua dívida, como também de adquirir novos produtos ou serviços que garantam sua sobrevivência. Projetos pioneiros aconteceram no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, onde já acontece atendimento a pessoas nesta situação. Em São Paulo, o Procon-SP realizou estudos prévios que indicaram a necessidade urgente da criação de um núcleo específico para o tratamento do problema, levando em conta peculiaridades e que tipo de negociação pode ser feita. As ações deverão ser realizadas junto aos consumidores e fornecedores, tanto para prevenir esta situação quanto para auxiliar aqueles que já estão endividados a ponto de comprometer o seu orçamento. Em análise, a Fundação Procon-SP verificou que, com base no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, tem o dever atuar de forma a promover a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e a compatibilização da proteção
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tardiamente percebeu o mal causado aos aposentados, prometendo uma ampla
campanha de orientação.4
Destarte, o Governo Federal acabou por acordar do sono dos
insanos (ou malfeitores), buscando conscientizar os aposentados da existência de outras
opções, a menor taxa de juros oferecida pelo mercado, etc.
Porém, tal atitude tardia do Governo não redime às instituições
financeiras, que tinham e têm o dever jurídico de informar adequadamente os
incautos consumidores dos riscos provocados por um endividamento de até 30% (trinta
por cento) de sua aposentadoria. Pensar que um aposentado recebe, hoje, em torno de R
$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais) e veja comprometido R$ 105,00 (cento e cinco
reais) com desconto compulsório, acabam sobrando R$ 245,00 (duzentos e quarenta e
cinco reais) pelos próximos 36 (trinta e seis) meses para satisfazer suas necessidades
básicas, pensando especialmente em alimentos e remédios.
É preciso destacar que a doutrina e a jurisprudência sempre
repudiaram a prática de reter valores de salários e pensões, a fim de as instituições de
crédito receber seus créditos, máxime na chamada consignação. Em alguns casos, o
consumidor não tendo outro meio, eis que a cada vez que percebia seus parcos
rendimentos, o agente financeiro retinha o valor creditado, acaba por optar em receber
seus rendimentos em outra instituição financeira e inclusive desautorizava o órgão
pagador a reter as parcelas devidas aos Bancos.
Contudo, com inegável senso maquiavélico, o Governo Federal
editou a Medida Provisória 130 que foi convertida na Lei 10.820, alvo de escândalo
investigado por Comissão Parlamentar de Inquérito, denotando o elevado poder das
do consumidor com a necessidade de desenvolvimento tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (conforme determina o artigo 170 da Constituição Federal). O Núcleo de Superendividamento também fará uma atuação preventiva e de conscientização sobre o problema. "Aquele que contrai um crédito hoje sem os devidos cuidados tem grandes riscos de se tornar um inadimplente em médio prazo e, se muitos estão nesta situação, fica estabelecida a impossibilidade de consumo e a até um freio na circulação de mercadorias, com graves conseqüências para o comércios e indústria", alerta a diretora executiva, Marli Aparecida Sampaio. Segundo ela, a conseqüência é mais desemprego e aumento das disparidades sócio-econômicas, na medida em que há o agravamento da miséria. Fonte: Procon-SP.4 Atento ao crescente número de reclamações registradas tanto na Ouvidoria-Geral da Previdência Social – OGPS como no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor –SNDC, e com o intuito de evitar a intensificação dos problemas já detectados, o Governo Federal inicia uma campanha de orientação e esclarecimento à população. Este roteiro é uma parte integrante desta campanha. ... (confira-se Roteiro Técnico sobre Empréstimo Consignado para Aposentados e Pensionistas do INSS, ora anexo.).
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instituições financeiras junto aos governantes,5 ficando os incautos aposentados à mercê
dos bancos, eis que privados de salvaguardas em casos de superendividamento. Tanto a
lei que institui o beneficio e o decreto regulamentador impedem o aposentado de fugir
da cobrança antecipada do agente financeiro, eis que não pode mudar de instituição
financeira para perceber a aposentadoria e ainda impede o INSS de aceitar contra-
ordem. Ou seja, o agente financeiro, em qualquer hipótese, tem uma posição
privilegiada, pouco importando eventuais prioridades do aposentado com seus parcos
5 De estarrecer os reais motivos que teriam permitido o “crédito consignado”. Confira-se o noticiário extraído da Web, “Preste atenção nesta seqüência límpida de fatos envolvendo o mais alto escalão do governo Lula: . MP 130 - No dia 17 de setembro de 2003, nove meses depois de eleito, o presidente da República assinou a Medida Provisória nº. 130. Junto com a MP enviada ao Congresso, seguiu o Decreto nº 4.840, que era a regulamentação da MP. Resumindo: a medida provisória e o decreto consolidavam e eliminavam dúvidas na legislação existente para a prática do chamado crédito consignado. E abriam essa modalidade de empréstimos aos beneficiários da previdência social; . Artigo 6º - No dia 18 de dezembro de 2003, o Congresso aprovou a MP, transformando-a na Lei 10.820/03. O artigo 6º dizia que a Previdência recolheria as parcelas devidas pelos aposentados ou pensionistas nos contratos de empréstimos consignados e, depois, repassaria o dinheiro às instituições financeiras; . "Empréstimos" - Ao longo de todo o segundo semestre de 2003, a relação BMG, Banco Rural, Delúbio Soares e Marcos Valério se consolidou. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares até teria conseguido uns “empréstimos” nesses bancos para financiar o partido, coisa à toa, na casa dos R$ 30 milhões (R$ 26 milhões no BMG); . Mudança no artigo 6º - Em maio do ano seguinte, 2004, o governo enviou ao Congresso uma nova lei tratando de crédito consignado. Propunha uma mudança no artigo 6º da Lei 10.820, aprovada em dezembro do ano anterior. Pela nova redação proposta para o artigo 6º, em vez de a Previdência recolher as parcelas dos empréstimos devidos, os bancos dispensariam a intermediação da Previdência e, na hora de pagar os benefícios aos aposentados, passariam a reter automaticamente os valores das parcelas devidas; Decreto - No dia 13 de agosto de 2004, uma tenebrosa sexta-feira-13, enquanto a Lei 10.820 não era aprovada, o presidente da República assinou o Decreto 5.180 permitindo que todos os bancos operassem crédito consignado para os aposentados, e não apenas aqueles que faziam os pagamentos dos benefícios da Previdência (o BMG não fazia); . Mudança aprovada - Catorze dias depois de assinado do tal Decreto 5.180, o Congresso aprovou também a Lei 10.820 (27 de setembro de 2004); . Carta de Lula - No dia 29 de setembro, Lula assinou uma carta dirigida a 13 milhões de aposentados, convidando-os a obter empréstimos consignados camaradas, na ótica dele e do BMG, é claro. Enormes coincidências Esse roteiro de datas e dados é a soma de duas reportagens sobre as relações do governo Lula com o Banco de Minas Gerais (BMG). Uma das reportagens está na revista Primeira Leitura de abril (nº 50) e é de minha autoria [O Evangelho segundo São Lula]. A outra, sobre o tenebroso decreto da sexta-feira 13, é da repórter Marta Salomon e está na edição da Folha de S. Paulo deste 1º de Maio. Somadas, as duas mostram como, com o decreto e a lei aprovados, o Banco de Minas Gerais (BMG) entrou para valer no negócio do crédito consignado para aposentados. Um banco que, em parceria com o Rural, também de Minas, tornou-se, segundo o Ministério Público Federal, o “avalista” da farsa dos empréstimos ao PT no esquema do valério-delubioduto. O Ministério Público já sabe que os tais empréstimos foram uma farsa, mas agora está atrás da explicação para essa enorme coincidência entre as datas das leis aprontadas pelo Executivo, aprovadas pelo Congresso e a voracidade com que o BMG se lançou no mercado de crédito consignado. Tudo planejado, leis e negócios, depois de vários encontros dos executivos do banco com interlocutores do Planalto – José Dirceu, entre outros. Mais que isso: enquanto só a Caixa Econômica Federal (CEF) operou o crédito consignado para aposentados, Lula não se preocupou nem em facilitar a vida do banco estatal, acabando com a intermediação dos repasses das parcelas devidas pela Previdência, nem em mandar uma simpática cartinha aos aposentados exortando-os a tomar mais dinheiro emprestado para “atender melhor às necessidades do dia-a-dia”. Enfim, Sua Excelência, não havia se interessado em ser garoto-propaganda do crédito consignado da Caixa, no que se transformou em relação ao BMG. Mercado milionário A performance do BMG depois das relações profícuas com o Planalto de Lula fizeram o lucro do banco pular de R$ 90 milhões, em 2003, para quase R$ 280 milhões, em 2004. Só para se ter uma idéia do impacto do crédito consignado para aposentados, transcrevo trecho de uma
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rendimentos.
Diga-se de passagem, as instituições financeiras agem calcados
em sólidos estudos, evitando riscos, conforme prospecto distribuído pelo FUNDO DE
INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS BGN - LIFE - CRÉDITO
CONSIGNADO6, destacando, verbis
“QUESTÕES LEGAIS RELATIVAS À CONCESSÃO DE
EMPRÉSTIMO COM CRÉDITO CONSIGNADO. Em razão da recente edição da Lei nº
reportagem do Jornal de Brasília, de junho do ano passado, com um balanço do movimento administrativo, previdenciário e financeiro junto aos beneficiários de Brasília e do país inteiro. Contava o jornal: “Motivados pela comodidade e por juros abaixo dos valores praticados pelo mercado, quase 31 mil aposentados e pensionistas do INSS brasilienses recorreram ao empréstimo consignado – cobrança descontada na folha de pagamento, de setembro de 2004 até dia 2 deste mês. O crescimento no número de operações foi de 1.930% no período – passou de 1.522 para 30,9 mil, segundo levantamento da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). Aposentados do Distrito Federal pegaram R$ 81,8 milhões emprestados em nove meses.Em todo o Brasil, de maio a junho deste ano, foram feitos 26,9 mil empréstimos consignados por dia, o que representa 1.124 por hora ou 18 empréstimos por minuto. Até dia 2, mais de 3 milhões de aposentados e pensionistas pegaram dinheiro emprestado em bancos conveniados à Previdência Social. Um crescimento igual ao do DF. Em setembro, o número de empréstimos ficou em 210 mil. Aposentados e pensionistas que ganham até dois salários mínimos também pegaram mais dinheiro emprestado. Em maio, 43% das operações de crédito foram para quem ganhava até um salário, e 15% para quem recebia entre um e dois salários. O crédito em consignação para segurados da Previdência foi criado pela MP 130. Mas o primeiro convênio só foi firmado em maio de 2004, com a Caixa Econômica Federal. Pela lei, podem pegar dinheiro emprestado pessoas com benefícios fixos (aposentadorias ou pensões) e o desconto das parcelas não pode ultrapassar 30% do valor do benefício.”Portanto, de setembro de 2003, quando editou a Medida Provisória 130 (Lei 10.820), abrindo o crédito consignado a aposentados, a setembro de 2004, quando assinou a carta aos aposentados que já podiam pegar dinheiro no BMG, o governo Lula cuidou apenas de aprovar uma lei e um decreto em que o banco mineiro era o grande beneficiado. Durante pelo menos dois meses, BMG e Caixa ficaram sozinhos nessa modalidade de empréstimo. Mas o BMG ainda teve o presidente da República, segundo um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), como lobista. A equipe do procurador-geral da República, Antonio Fernando, está investigando essa relação do Planalto com o BMG. http://www.primeiraleitura.com.br/html/institucional/faleconosco/rui_nogueira.php]Publicado em 1º maio de 2006. Acesso em 30 de Julho de 2006.6 FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS BGN - LIFE - CRÉDITO CONSIGNADO. Código ISIN BRBGLFCTF009, Nº do Registro de Distribuição CVM 65-5, 20 de Junho de 2005, p. 35, permitindo a reprodução do estudo: “Vide Seção “Marco Regulatório” deste Prospecto. Todavia, muitas são as discussões judiciais que têm por objeto o desconto em folha de pagamento (consignação) de devedores de empréstimos. Há pronunciamentos, já transitados em julgado, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, tanto favoráveis quanto contrários ao desconto em folha de pagamento de devedores de empréstimos. As decisões contrárias ao desconto em folha de pagamento do devedor têm fundamento no artigo 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, que simplesmente torna absolutamente impenhoráveis os vencimentos dos funcionários públicos e os salários. Diante do caráter alimentar da remuneração do trabalho, os Tribunais, em algumas situações, identificaram exagero nos descontos, ou falta de boa-fé de instituições financeiras ao bloquearem os recursos para receberem os pagamentos devidos, muitas vezes sem a autorização do devedor. Em decisão transitada em julgado em 5 de abril de 2005, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 550871, proferiu acórdão em favor de um servidor público do Rio Grande do Sul, que considerou possível o tomador do empréstimo cancelar a autorização para desconto em folha de pagamento. De acordo com o referido acórdão, a “cláusula contratual constante de contrato de financiamento que autoriza o desconto em folha é ‘mais abusiva do que a cláusula mandato, pois, enquanto esta autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a cobrança pelos próprios meios do credor, nos valores e no momento por ele escolhidos’ (Resp nº 250.523/SP, DJ de 18/12/2000)”. De qualquer forma, o mesmo Superior Tribunal de
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10.820/03, não há, até o presente momento, qualquer decisão judicial, transitada em julgado,
favorável ou contrária aos mecanismos de consignação definidos na lei em questão e nos
normativos do INSS”
Ao contrário de a consignação em folha refletir em taxas de
juros diferenciadas e precedidas de esclarecimento dos riscos, os Bancos continuaram a
cobrar taxas extorsivas.
Ora, certamente o Banco e sua voracidade costumeira, sem
nenhum senso social, aproveitando da brecha inserida pela legislação, atraíram de forma
beirando às raias da criminalidade, considerável parte dos aposentados/consumidores,
incutindo-lhes o desejo de contrair financiamento em longo prazo, comprometendo
parte substancial da renda.
A proteção jurídica conerida aos idosos, fez o legislador
ordinário publicar a lei 10.741, conhecida como Estatuto do Idoso, tornando crime,
dentre outras condutas, a retenção indevida do cartão de recebimento de benefícios. 7
E tal necessidade legiferante, foi decorrente de prática
costumeira de inúmeros pequenos comerciantes, que vendiam “a crédito” aos
aposentados, retendo previamente os valores que tinham a receber, por vendas de
gêneros alimentícios.
Justiça, em 7 de junho de 2004, por decisão já transitada em julgado em 28 de junho de 2004 do Ministro Aldir Passarinho Júnior, ao amparo do artigo 557, §1-A do Código de Processo Civil, decidiu dar provimento ao Recurso Especial nº 533719, também contra acórdão do Rio Grande do Sul, e assim manifestou-se: “Por fim, relativamente ao desconto em folha de pagamento, com razão igualmente o recorrente, eis que não se cuida de penhora de vencimentos de funcionário público, pois não se está diante de processo de execução, de natureza forçada e constritiva, mas de mero exercício de livre disposição contratual, comum em operações dessa natureza, quando em geral oferecidas taxas inferiores à média do mercado. A jurisprudência desta Corte ampara a pretensão: 4ª Turma, AgR-MC n. 6.769/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 20.10.2003; e 5ª Turma, AgR-MC n. 6.398/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, unânime, DJU de 23.06.2003.” Em 8 de junho de 2005, o Superior Tribunal de Justiça divulgou, por meio de seu website, notícia esclarecendo que os ministros da Segunda Seção deste Tribunal decidiram ser legal a cláusula contratual que autoriza o desconto em folha na liquidação de empréstimos bancários. Segundo o relator do Recurso Especial nº 728563, ministro Aldir Passarinho Junior, a consignação em folha de pagamento não se trata de penhora de vencimentos, até por não se cuidar de processo de execução, de natureza forçada e constritiva. Para o ministro, a autorização para desconto em folha é parte essencial do contrato de empréstimo e a própria garantia de sua execução. Ademais, a notícia afirma que, para o mesmo, a autorização para desconto em folha é “mero exercício de livre disposição contratual, procedimento de resto bastante comum em operações dessa natureza, quando, em geral, são oferecidas taxas inferiores à média praticada pelo mercado financeiro. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, presidida pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito e composta pelos dez ministros que integram a Terceira e a Quarta Turmas, é a responsável, no Tribunal, pelo julgamento dos processos que envolvam questões de direito privado. A orientação definida pela Seção será a seguida pelos ministros que compõem as duas Turmas.”7 Art. 104 – Reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida: Pena...
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Os Bancos com seu enorme poderio econômico conseguiram
implementar uma legislação voltada para sua proteção, vendida como fosse uma
bondade para os aposentados, quando em verdade constitui em verdadeira armadilha. O
Banco não retém o cartão do benefício, mas o que é pior, retém de antemão o valor do
empréstimo, prejudicando, insistimos, o aposentado, sem que esse possa eleger as suas
prioridades de pagamentos.
A publicidade do Banco Bradesco e a forma de cooptação dos
aposentados, em momento algum alertaram para os riscos do superendividamento,
constituindo tal prática em omissão, violando a regra da veracidade, na dicção do art. 37
do CDC, ou seja, enganosa àquela publicidade “inteira ou parcialmente falsa, mesmo
que por omissão”8
Na feitura do citado dispositivo, o legislador brasileiro buscou
orientar o intérprete sobre a proibição da publicidade enganosa e abusiva, conceitos
estes ainda em construção no sistema jurídico nacional. A publicidade não está proibida,
e nem poderia fazê-lo o legislador, mas como leciona Antônio Herman de Vasconcelos
e Benjamin, “o legislador demonstrou colossal antipatia pela publicidade enganosa”9 e
continua “Provoca, está provado, uma distorção no processo decisório do consumidor,
levando-o a adquirir produtos e serviços que, estivesse melhor informado,
possivelmente não o faria”.10
É direito de ordem pública do consumidor, de não ser
enganado, direito este agora adotado pelo Direito brasileiro conforme anotou
Antônio Herman.11
A vulnerabilidade psíquica, econômica e social do aposentado
(idoso) elege como dever do agente financeiro, em bem esclarecer na publicidade de
todos os riscos na assunção do produto, in casu o empréstimo consignado, em especial
do superendividamento.
8 BRITO, Alício Maciel Lima de. O princípio da vulnerabilidade e a defesa do consumidor no direito brasileiro: origem e consequências nas regras regulamentadoras dos contratos e da publicidade. Texto extraído do Jus Navigandi. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8648 (p. 85-99).9 In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, 8.ª ed., Forense, 2004, p. 326.10 In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, 8.ª ed., Forense, 2004, p. 326.11 Idem, p. 327.
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Em sede de direito comparado, a questão do
superendividamento têm especial tratamento, com a possibilidade inclusive de fazer
desaparecer as dívidas, redução do montante devido, diminuição dos juros, retirada dos
dados negativos, na lição de Cláudia Lima Marques, a qual nos esclarece que o CDC
não regulou o endividamento, mas preocupou-se com os bancos de dados e impôs o
princípio da boa-fé.12 Evidentemente, a preocupação primária do legislador ao instituir o
CDC estava volta à inserção em bancos de dados, negativando os registros dos
devedores, inviabilizando o crédito.
Ocorre que, como enfatizado, desta vez os agentes financeiros,
com o seu poderio e influência nos setores políticos, adredemente acautelou com
legislação garantidora do recebimento do crédito, via consignação. Desse modo, ao
Banco pouco importa a hipótese do superendividamento, já que está garantido,
importando em flagrante desequilibrio contratual.
Para atrair os incautos, o Bradesco utilizou da prática mais
nefasta, silenciando sobre os riscos do endividamento. Como esclarece Antonio
Herman, o standard de enganosidade não é fixo, variando de categoria a categoria de
consumidores, exemplificando, parece que até prevendo a danosidade do empréstimo
consignado aos aposentados, as crianças, idosos, doentes, etc.13
O assunto da enganosidade no silêncio dos riscos do
endividamento (ou superendividamento) não passou desapercebido pelas entidades de
defesa dos aposentados. Veja que ainda no ano passado, o vice-presidente da Federação
de Aposentados e Pensionistas de Pernambuco, José Gilberto, alertava que devido ao
parcelamento dos pagamentos por um longo período, no futuro haverá dor-de-cabeça
para toda a família. 14
12 In Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4.a. edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 690.13 Idem, idem.14 Disponível em http://www.funape.pe.gov.br/downloads/clipping/Maio05/1505C.htm Confira-se: “Vai ser um desespero total”, afirma. Ele acrescentou que filhos, netos e até vizinhos têm pressionado aposentados e pensionistas para obter empréstimos mais baratos. O presidente do Sindicato de Trabalhadores Aposentados e Pensionistas e Idosos da Previdência Social de Pernambuco, Francisco Caetano, conta o caso de um servidor que contratou quatro empréstimos sucessivos, até atingir o limite de 30%, e agora está desesperado. Ele reclama dos familiares que tomam empréstimos através dos idosos e questiona a proliferação de instituições financeiras que oferecem a modalidade de crédito e cobram taxas abusivas. “O empréstimo consignado diminui o risco das instituições, mas elas ainda cobram despesas.”
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Inobstante a clarividência da necessidade de alertar os
consumidores/aposentados, com rendas escassas, dos riscos na contratação de um
empréstimo, a publicidade do Bradesco (réu) deixou de afirmar algo relevante e que, por
isso mesmo, induziu em erro, ao deixar de dizer o que deveria ter dito. 15
Continuando com a prática abusiva, o Banco Bradesco infringe
diversas normas do CDC, em especial a prática da publicidade abusiva ou enganosa, na
dicção do art. 31 do CDC, em detrimento do consumidor hipossuficiente, Assim, viola
os direitos básicos de adequada informação clara e precisa da contratação, em especial
afetando a saúde financeira do consumidor. Nesse diapasão, a cada momento teremos
mais um aposentado contraindo dívidas quiçá impagáveis, afetando não somente a
saúde financeira, mas à própria saúde física e mental.
Logo, cabe ao demandado o ônus da prova em contrário (cfe.
Art. 38 do CDC) e deverá o Banco Bradesco ser compelido a promover intensa
campanha publicitária, nos mesmos moldes da desenvolvida na cooptação dos
aposentados, como medida de contrapropaganda (art. 60 e § primeiro, do CDC).
2.2 CLÁUSULAS ABUSIVAS
O aproveitamento da hipossuficiência do consumidor constitui
medida abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, cabendo o destaque de que a
vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, mas a hipossuficiência
do aposentado salta aos olhos.
Se o consumidor, reconhecidamente é vulnerável, alguns são de
vulnerabilidade superior à média, como são os casos dos consumidores ignorantes e de
pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, como enfatizado por Antonio
Armam, aqueles cuja posição social não lhes permite avaliar com adequação o produto
ou serviço que estão adquirindo.16
15 O Ministério Público Federal em São Paulo busca junto aos Bancos atitudes mais corretas na publicidade do crédito consignado, conforme noticiado na Web, muito embora não diretamente voltado para a necessidade da informação precisa dos riscos do superendividamento. MPF/SP exige informação clara em publicidade sobre empréstimo.O Ministério Público Federal em São Paulo firmou termos de ajustamento de conduta (TAC) com 15 bancos. Matéria Disponível em http://www.juristas.com.br/forum/viewtopic.php?t=728&sid=6b02944a9854e912f4a15b37d923f1ac. Acesso em 30 de Julho de 2006.16 Op. Cit., p. 370.
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Com extrema precisão, o ilustre Defensor Público apontou a
existência de cláusulas confusas, de extrema complexidade, com termos
incompreensíveis, exemplificando àquelas da estipulação dos juros e dos valores do
empréstimo (vide fls. 09-10 e cláusulas 1.º e 2.º do contrato de adesão – fls. 38).17
O CDC estipula em seu art. 46, que nos contratos que regulam
as relações de consumo, quando os instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a
compreensão de seu sentido e alcance não obrigará aos consumidores.
Assim, exigível que as cláusulas sejam redigidas em linguagem
direta, cuja lógica facilita sobremodo sua compreensão18, e como salienta Cláudia
Marques, as expressões “sentido” e “alcance” do contrato, permitindo a análise da
transparência do instrumento contratual, quanto ao valor do pagamento, ao número de
prestações, à espécie de correção e acréscimo possível da dívida, ao tempo de duração
do vínculo contratual e o envolvimento em futuras prestações.19
Além dos caracteres em tamanho reduzido, a linguagem
utilizada pelo Banco é confusa, em que cada cláusula remete a outros itens, e somente
um expert poderia conseguir entender o exato sentido daquele emaranhado de palavras
em linguagem indireta. A tônica do instrumento padrão de adesão foi à remessa a outro
item.
O que ficava claro, era apenas que o comprometimento da renda
era de 30%, sem que os aposentados fossem informados do exato sentido do que estava
contratando, e o que mais grave, o envolvimento em futuras contratações. Veja que o
Banco trabalha com complexos cálculos, conhecendo o perfil do consumidor,
especialmente a grande massa dos aposentados. Desse modo, uma vez contratando o
primeiro empréstimo, não tardava em oferecer renegociação alongando a dívida, na
ciranda financeira.
Em sendo abusiva a cláusula, tendo em vista que não foi
redigida de forma clara e compreensível, não obriga aos consumidores. É o caso dos
aposentados, público alvo do contrato de adesão, lembrando a lição de Nelson Nery
17 Como que buscando uma aparência de legalidade, a cláusula 12.ª, no instrumento de adesão, diz que o devedor teria entendido o instrumento contratual em toda sua extensão.18 Confira-se: Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, 8.ª ed., Forense, 2004, p. 543.19 Op. Cit., p. 668.
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Júnior, recomendando “palavras difíceis, termos técnicos e palavras estrangeiras não
deverão, por cautela, ser utilizados no formulário”.20
Logo, devem os aposentados ser desonerados das obrigações
contratadas, permitindo que possam solicitar junto ao INSS a alteração da entidade
financeira para receber suas aposentadorias, bem como cancelar a consignação em folha
e o mais importante, a adequação dos encargos e juros cobrados. Como a redação não
permitia a exata compreensão do seu sentido e alcance, o Estado-Juiz deve recompor o
equilíbrio, mandando aplicar a taxa legal dos juros previstos no Código Civil, ou outro
fator de remuneração do capital, de modo mais favorável ao consumidor.
3. DOS PEDIDOS
3.1 DO PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Desde logo, tratando-se de relação de consumo, em que o
consumidor está em nítida desvantagem, requer a inversão do ônus probatório, com
apoio no art. 6.º, inciso VIII, do CDC.
Dada à verossimilhança das alegações expendidas ao longo da
inicial e em nossa manifestação, além da própria hipossuficiência dos consumidores
lesados/aposentados, cabendo a inversão do ônus probatório.
Ao longo do arrazoado, restou demonstrado que o réu subverteu
o sistema legal, inserindo em sua publicidade material de conteúdo subliminar, cuja
negativa caberá ao demando demonstrar, via elementos que possui em seu poder.
Por outro lado, as práticas de marketing foram direcionadas de
modo à obnubilar o normal discernimento dos consumidores, não informando
adequadamente dos riscos do fator do superendividamento.
Não suficiente, ainda na contratação formal, as cláusulas foram
redigidas de modo que impediam a correta compreensão de seu sentido e alcance.
3.2 DAS PROVAS REQUERIDAS
20 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos autores do Anteprojeto, 8.ª ed., Forense, 2004, p.544.
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Contudo, na hipótese de o pedido de inversão probatória não ser
deferido pelo juízo, desde logo reservando o direito de requerê-las, em especial à
submissão do modus operandi da demandada à perícia oficial.
O CDC obriga às empresas, via art. 36 e seu § único, que
conservem em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos,
técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.
Assim, para cabal demonstração do alegado, é mister que
venham aos autos tais materiais, quando veiculava as mensagens publicitárias, incluídos
os comerciais inseridos na mídia (Televisão, Rádio, Imprensa escrita e Internet)
voltadas ao público alvo na captação (ou cooptação) dos aposentados. Nesse sentido,
não poderá faltar, os métodos utilizados no próprio interior das agências bancárias e/ou
contratação de agentes para assediar o público alvo.
Este material servirá, como afirmado, para perícia judicial
visando comprovar todos os fatos alegados.
3.3. DANO MORAL COLETIVO
O dano moral coletivo está consagrado expressamente no
ordenamento jurídico brasileiro, ex vi do art. 6. V, do CDC e art. 1º da Lei 7.347/85.
Cite-se inicialmente a redação do art. 6º da Lei 8.078/90 (Código
de Defesa do Consumidor), dispositivo que elenca os direitos básicos do consumidor,
verbis: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI – a efetiva proteção e
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (...) VII – o
acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (...)” – grifou-se.
De modo mais evidente, até porque abrangendo qualquer espécie
de direito difuso ou coletivo (em sentido estrito), foi a alteração legislativa do caput do
art. 1º da lei 7.347/85, promovida em junho de 1994 pela Lei 8.884.
Antes da Lei 8.884/94, a redação do caput era a seguinte: “Art.
1º Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos causados (...)” aos direitos coletivos, na seqüência,
indicados.
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Em 11 de junho de 1994, foi promulgada a Lei 8.884, a qual
estabeleceu a seguinte redação ao citado art. 1º: “Regem-se, pelas disposições desta lei,
sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados: [...]” – grifou-se.
Observa-se, com a nova redação, o propósito legal de proteger,
por meio de ação de responsabilidade, aspectos morais (rectius: não patrimoniais) dos
direitos coletivos e difusos. A nova redação do art. 1º objetivou apenas explicitar que os
danos ali referidos são os morais e patrimoniais.
Carlos Alberto Bittar Filho conceitua o dano moral coletivo
como “injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação
antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos.” Em seguida, esclarece:
“Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o
patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente
considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista
jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu
aspecto imaterial. Tal como se dá na seara de dano moral individual, aqui também não
há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples
fato da violação (damnum in re ipsa).” 21
No que diz respeito à finalidade da condenação, sustenta ser
necessária utilização “da técnica do valor de desestímulo, a fim de que se evitem novas
violações aos valores coletivos, a exemplo do que se dá em tema de dano moral
individual; em outras palavras, o montante da condenação deve ter dupla função:
compensatória para a coletividade e punitiva para o ofensor; para tanto, há que se
obedecer, na fixação do quantum debeatur, a determinados critérios de razoabilidade
elencados pela doutrina (para o dano moral individual, mas perfeitamente aplicáveis ao
coletivo), como, v.g., a gravidade da lesão, a situação econômica do agente e as
circunstâncias do fato.” 22
Em relação à função dos danos morais coletivos o entendimento
absolutamente majoritário aponta seu caráter punitivo. A condenação por dano moral
21 Dano moral coletivo no atual contexto brasileiro. Revista de Direito do Consumidor n. 12. São Paulo, Revista dos Tribunais, out-dez, 1994, p. 55.22 Ibid., p. 59.
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coletivo nada mais seria do que uma sanção de natureza civil por ofensa a direitos
coletivos ou difusos.
Em se tratando de direitos difusos e coletivos (stricto sensu), a
reparação por dano moral (rectius: extrapatrimonial) se justifica em face da presença do
interesse público em sua preservação. Trata-se, ademais, de mais um meio para conferir
eficácia à tutela de tais interesses.
A propósito, destaque-se conceituação doutrinária realizada por
Vitor Fernandes Gonçalves em trabalho monográfico (Doutorado): “a indenização
punitiva (punitive damages) é uma pena privada consistente em um prestação em
dinheiro a que pode ficar obrigado o réu condenado em uma determinada ação civil que
tenha, em regra, o objetivo de pleitear uma indenização por um prejuízo causado por um
ato ilícito de natureza especialmente grave, sendo deferida em adição à indenização
puramente compensatória que for comprovada.” Após, o autor, em suas conclusões,
ensina: “A aplicação de penas civis é já corrente no Brasil, nas hipóteses do dano moral,
individual ou coletivo, das indenizações punitivas múltiplas, do sinal, da cláusula penal,
da cláusula resolutiva e do preceito cominatório, podendo-se por isso sustentar que a
imposição de uma indenização punitiva não é estranha ao âmbito da responsabilidade
civil (...) constitui apenas mais um instrumento posto à disposição dos jurisdicionados
pelo Estado para a garantia do cumprimento das leis.” 23– grifou-se.
Até autores que apresentam resistência em relação à função
punitiva da responsabilidade civil, aceitam tal possibilidade quando se trata de violação
a direitos metaindividuais. Fernando de Noronha, que considera secundária a função
sancionatória da responsabilidade civil, afirma que ela assume especial relevo diante de
ofensa aos direitos coletivos: “Em especial quanto aos danos transindividuais [...], com
destaque para os resultantes de infrações ao meio ambiente, tem sido muito enfatizada a
necessidade de punições "exemplares", através da responsabilidade civil, como forma de
coagir as pessoas, empresas e outras entidades a adotar todos os cuidados que sejam
cogitáveis, para evitar a ocorrência de tais danos. A Lei da Ação Civil Pública (Lei n.
7.347/85) indiretamente veio estimular a imposição dessas punições através do instituto
23 A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília, Brasília Jurídica, 2005, p .247 e 250
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da responsabilidade civil, quando abriu a possibilidade de condenação em indenizações
que revertem para fundos de defesa de direitos difusos [...]”24
Maria Celina Bodin de Moraes defende a possibilidade da
função punitiva para situações de ofensa a direito difuso, verbis: “E de aceitar-se, ainda,
um caráter punitivo na reparação de dano moral para situações potencialmente
causadoras de lesões a um grande número de pessoas, como ocorre nos direitos difusos,
tanto na relação de consumo quanto no Direito Ambiental. Aqui, a ratio será a função
preventivo-precautória, que o caráter punitivo inegavelmente detém, em relação às
dimensões do universo a ser protegido.” 25
Como argumento adicional para o reconhecimento do caráter
punitivo do dano extrapatrimonial coletivo, o qual afasta a crítica quanto à possibilidade
da função punitiva gerar enriquecimento da vítima, destaque-se que o valor da
condenação não vai para o autor da ação coletiva, ele é convertido em benefício da
própria comunidade, ao ser destinado ao Fundo criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85 (Lei
da Ação Civil Pública), regulamentado, em nível nacional, pela Lei 9.008/95.
A conclusão, portanto, é que o denominado dano moral coletivo
constitui-se em hipótese de condenação em valor pecuniário com função punitiva em
face de ofensa a direitos difusos e coletivos (em sentido estrito).
Em relação à fixação do valor do dano moral coletivo, deve-se,
em face do seu caráter punitivo, avaliar as circunstâncias da lesão ao direito coletivo na
espécie.
Como já destacado ao longo da inicial, há ofensa flagrante ao
CDC, aproveitando da posição do consumidor hipossuficiente, aumentando o
contingente dos problemas sociais brasileiros. Além disso, deve-se considerar,
evidenciando a maior gravidade da lesão: 1) O expressivo número de pessoas lesadas
(centenas de milhares de pessoas):26 2) O tempo de aproveitamento do crédito
consignado; 3) Valor da receita obtida (ilicitamente) com ausência do dever geral de
informação e das cláusulas abusivas, redigidas de forma incompreensível.
24 Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003. p. 441-442.25 Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003, p. 263.
26 O número exato de consumidores lesados somente poderá ser obtido quando o Banco disponibilizar tais dados, o que deverá ser objeto de apreciação judicial ao longo da instrução.
19
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Na fixação do valor da condenação por dano moral coletivo,
deve-se, ponderar, especialmente, altos lucros auferidos pela ré ao tempo que usufruiu
da posição privilegiada na captação da clientela.
Para que se obtenha verdadeiro caráter punitivo, em face de tão
grave violação à ordem jurídica e a direitos coletivos, sugere-se que o valor do dano
moral coletivo (quantum debeatur) seja o equivalente a 10 % (dez por cento) da receita
líquida auferida com os aposentados, a ser apurado mediante perícia contábil, ou
requisição dos dados corretos junto ao Banco Central do Brasil.
3.4 DA ANTECIPAÇÃO DA TUTUELA
3.4.1 - Do periculum in mora –
Conforme consta na inicial e demais notícias aqui relacionadas,
as instituições brasileiras via PROCON e Ministério Público (e tardiamente o INSS)
estão interferindo na seara, buscando amenizar os malefícios do crédito consignado, via
publicidade informativa, dos riscos do superendividamento. A responsabilidade social
do réu, o Banco Bradesco, impõe que desde logo seja compelida a adequar seus
instrumentos contratuais, mediante a inserção de cláusulas redigidas de forma clara e
compreensível, em caracteres ostensivos e em tamanho compatível com o público alvo,
in casu os aposentados/consumidores, pois a cada contrato/consignação que vier a ser
tomado entre o Bradesco e consumidor aposentado, aumenta a massa dos endividados e
os problemas sociais daí decorrentes.
A notícia trazida à baila pela defensoria pública de que cada 10
pessoas que buscam os serviços da assistência jurídica do Estado, seguramente sete
estão em situação de superendividamento caracteriza o perigo na demora. Cabe nessa
hora a lúcida intervenção do Poder Judiciário, para reequilibrar o sistema jurídico,
afetado pela prática nefasta do Banco Bradesco.
A necessidade de contrapropaganda é latente, cabendo ao Banco
agir ostensivamente para esclarecer adequadamente os futuros consumidores, dos riscos
do negócio, em especial do superendividamento, tal como narrado pela Defensoria
Pública.
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Sendo assim, o perigo na demora do provimento se torna ainda
mais ameaçador para os bens jurídicos sob tutela. Realça-se a dificuldade na reparação
dos danos, em face da dispersão e quantidade de lesados.
Por outro lado, a retenção dos benefícios inibe o consumidor de
eleger suas prioridades, em especial no atendimento das necessidades básicas e
manutenção da família, parte mais fraca na relação consumerista, podendo o Banco
utilizar dos meios suasórios para cobrar eventuais débitos.
A antecipação da tutela é garantia do princípio constitucional da
igualdade (CF, artigo 5º, caput), pois funciona como instrumento de eqüidade,
equilibrando as distorções experimentadas pelos lesados. A antecipação da tutela
também é extremamente eficaz por inibir futuras violações ao direito reclamado. A
demora na entrega da prestação jurisdicional contribui para reafirmar a lesão ao direito
do consumidor, postergando os efeitos nefastos dos prejuízos patrimoniais já sofridos.
Quando o direito afirmado pelo autor já se mostra de plano
verossímil e acompanhado de prova inequívoca, impende o seu reconhecimento
imediato pelo Poder Judiciário, evitando-se a ocorrência de outras violações aos direitos
do consumidor.
Ademais, a demora na prestação jurisdicional certamente
comprometerá a eficácia do pedido inibitório que visa evitar dano grave (de imensas
proporções) e iminente.
Por outro lado, não há o periculum in mora inverso, pois o que
se pretende antecipar é a parcela do pedido que visa obstar futuras violações aos direitos
dos consumidores, em nada interferindo no desempenho e na lucratividade da empresa,
concernente aos serviços honestamente e lealmente prestados ao consumidor.
Demais disso, o provimento jurisdicional pode ser revertido a
qualquer tempo, retornando-se ao stato quo ante (CPC, art. 273, § 3º).
3.4.2 - fumus boni iuris –
O agir do Bradesco contraria os princípios norteadores do CDC,
em especial da propaganda ilícita e da inserção de cláusulas abusivas, descurando da
boa-fé objetiva.
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Como sobressai da Constituição Federal, o sistema financeiro,
in casu o Banco Bradesco, ora ré, devem ser estruturados de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade. A forma
como vem agindo contrária frontalmente o postulado constitucional.
As normas do CDC, quando cogitam da publicidade perniciosa,
aqui flagradas nas mensagens com conteúdo subliminar e na omissão do devido
esclarecimento, revelam na fase incipiente do processo, que o Banco desvirtuou o
sentido da publicidade, sem a devida transparência e confiança, contidos no art. 36 e 37
do CDC.
Destarte, reitera o pedido de antecipação de tutela formulado
pela Defensoria Pública, acrescido das medidas de contrapropaganda, nos mesmos
moldes da campanha institucional promovida pelo Banco na captação ou cooptação dos
consumidores aposentados, em especial na propaganda veiculada nos meios de
comunicação de massa (TV, Rádio e Internet) e ainda fazendo inserir em tamanha
compatível os caracteres do contrato, chamando a atenção para o percentual de juros ao
mês/ano e de todo o contrato, demais encargos decorrentes, alterando a forma da
redação das cláusulas, fazendo em linguagem direta e clara, tal como determina a
legislação consumerista. Deverá, ainda, como consta na inicial, alertar de forma clara os
consumidores para os riscos do negócio, em especial do comprometimento de parte
substancial da renda, configurando o superendividamento.
Para o caso de descumprimento da tutela antecipada, que seja
fixada, multa compatível com a finalidade de prestigiar o comando judicial, nos moldes
preconizados na inicial da defensoria pública, para cada item descumprido, ou seja, a
cada contrato firmado sem as alterações pedidas, a fixação de multa de R$ 100.000,00
(cem mil reais).
Quanto às medidas de contrapropaganda, em caso de
descumprimento, fixar multa diária em valor compatível, preferencialmente no mesmo
valor da campanha promovida pelo Banco na captação da clientela específica, cujo valor
correto deverá ser apurado ao final27, e enquanto não for definido, no valor de R$
100.000,00 (cem mil reais) para cada dia de descumprimento, ou valor que ao prudente
27 Muito a propósito, a legislação consumerista impõe ao fornecedor, manter em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e cientificos que dão sustentação à mensagem (Parágrafo único, art. 36, da Lei 8.078/90).
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arbítrio do magistrado entenda como adequado. Sem embargo do pedido da Defensoria
Pública, de fixar as medidas de contrapropaganda sob pena de multa em R$
1.000.000,00 (um milhão de reais), muito embora razoável, talvez não atingisse o
desiderato imediato de efetivar o cumprimento da medida, e assim a multa diária
imposta, poderia revelar-se mais eficaz, fixando um prazo razoável para o início do
cumprimento da medida da contrapropaganda, de cinco (05) dias após a intimação.
Outro pedido, não elencado na inicial da Defensoria Pública, diz
respeito à autorização para retenção dos valores e da consignação dos valores
diretamente ao INSS. Tendo o réu agido contrariamente ao princípio da boa fé e
descumprindo regra do CDC, devem os aposentados ser desonerados das obrigações
contratadas, permitindo que possam solicitar junto ao INSS a alteração da entidade
financeira para receber suas aposentadorias, bem como cancelar a consignação em folha
e o mais importante, a adequação dos encargos e juros cobrados. Como a redação não
permitia a exata compreensão do seu sentido e alcance, o Estado-Juiz deve recompor o
equilíbrio, mandando aplicar a taxa legal dos juros previstos no Código Civil, ou outro
fator de remuneração do capital, de modo mais favorável ao consumidor, até solução
definitiva da lide.
Após o deferimento dos pedidos de antecipação de tutela, reitera
o pedido de designação de audiência de conciliação.
3.5 DO PEDIDO DE MÉRITO
Em face do exposto, requer-se:
No mérito, a confirmação das medidas requeridas a título de
antecipação de tutela e a condenação da empresa ré na indenização por danos morais
coletivos, ou no valor mínimo de 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) como sugerido
na inicial da defensoria pública, ou nos termos aduzidos no pedido do Ministério
Público na obtenção do verdadeiro caráter punitivo, em face de tão grave violação à
ordem jurídica e a direitos coletivos, sugerindo que o valor do dano moral coletivo
(quantum debeatur) seja o equivalente a 10 % (dez por cento) da receita líquida auferida
com os aposentados, a ser apurado mediante perícia contábil, ou requisição dos dados
corretos junto ao Banco Central do Brasil.
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Requer, ainda, que a empresa ré seja citada para, querendo,
contestar os termos da presente ação coletiva, com as advertências de praxe, em especial
aos efeitos da revelia, a publicação do edital previsto no art. 94 da Lei 8.078/90, a
inversão do ônus da prova e condenação da ré no ônus da sucumbência.
Protesta por todos os meios de prova admitida em direito.
Dá à causa o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).
Brasília – DF, 31 de Julho de 2006.
PAULO ROBERTO BINICHESKI
Promotor de Justiça
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