Miriam Homem de mello - ciclope.com.br filee quero voltar para a minha casa posso me lembrar da...

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Álvaro

PoesiaÁlvaro Andrade Garciawww.ciclope.art.brversão de 2 maio de 2002

Daniela Karan – projeto gráficoMíriam Homem de Mello – revisão dos originaisMaria Lúcia Andrade Garcia – sugestões e críticas aos originaisMusa Alves – colaborações nos poemas Alvariações e Palavras Gêmeas

o autor não acatou algumas propostas da revisora. é seu desejo que a obra mantenha desconformidades com as atuais normas ortográficas e gramaticais.

1

cada nome é impróprioa não ser que pertençaa outro

2

O DICIONÁRIO PRIVADO

I

é nome minha primeira intenção

e quando fizeram-me Álvaropassei a pertencê-lo

e assim como todos os nomesque se tornam próprios

agora ele é meucom nuances e verbetesindispostos nos dicionários

II

é um sudáriouma rachaduraum fecho

meu nome é uma suturanas paredes do tempo

não me grite, é vãonão me evoque

meu nome é um santoesquecido e alongadona têmpera do tempo

é um serviçosacro em seu benefício

nele você se expia

e sabe o quanto se ama ou se destrói

3

III

porque

certa vezdisse-me umgrão

não écarma seu nome

é darma de almaé salmo da alma

seu nome

4

O BUDA OCIDENTAL

(poesia da palavra literal)

meu buda temuma vara de pescar fogo

às vezesapago seu fogonum lago de aguardente

porque não suporto seu perfume

meu nuncatem um buda

deleitadonum berço

cego vastopasmo e ato

5

A CASA DE IRMA

a avó não eraapenas um nomeem mim

sua casa estava cheiano almoço de domingo

na sala todos brincavamcom a história

na planta do péde um bebê

a sala estava cheiacomo sempre

e a família dividia o pãoe limpava fraldas

no mesmo tempo

dois temposna mesma casa

no mesmo tempo os que já foram

no mesmo tempoos que ficaram

chega uma hora em que todos se lembram

avisto seu vulto

e tudo que ela fazia era buscar as palavras

que se alimentavam à mesa

por vezes cheguei a escrever

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nos pés do seu filho

(as letras incharam os pése a pele se irritou com a forçaque tinham as palavras)

chega uma hora em quetodos se lembram

e então continueie visitei todos os cômodos

para minha felicidadelá estavam pessoas e estórias

que um dia estiveramem meus sentidos

e nesse silêncioque guardo até hoje

ouvi denovo o que ela dizia

estou só no meio da ruae quero voltar para a minha casa

posso me lembrarda escada dos fundos

e saber onde está

o ladrilho arrancadona noite do disco-voador

posso me esconderentre as peças de roupa suja

ou no quarto dos rumoresonde esteve a empregada

a namorada secretado meu primo

posso montar na sala de tv

7

uma cidade completacomo era nos fins-de-semana

ter a vista exata da escadaque dá pra sala

ver a luz passarpelos vidrilhos da porta

posso então repousarna sua cama larga

a seu lado, posso dormircomo fazíamos, irma

8

CNN INTERNATIONAL II

(agoraum novo strike em bagdad, ou na bósnia, ou no afeganistão)

good nightagoraa madrugada no palco

nós significamos negócios around the clocke agoratrazemosnossa cobertura ao vivo sobre o strike

agora em bagdad são 5:50e nossa correspondente 5 estrelas com sotaque inglêse uma cara horripilante nos falada operação zorro del desierto, se for em español

agoraé a hora dos almirantes aposentadose tudo é um porta aviões de bla bla blasna tela

uma espécie de rádio amque faz fundo para as imagens marcianas - verde nightscope

enquanto as bombas cirúrgicasfazem correções no mundo

e me lembro do primeiro poema o da guerra do golfo

e lá estão os generais outra vez

gosto de vê-los na tv

são morais e éticos e determinados

9

são seguros e cordiais

são firmessabem ser firmes

e agoraa melhor frase da cobertura de hoje:‘ele é um açougueiro, mas muito sabido’

... sabem ser firmescumprem seu dever

suas missõessuas instruções

obedecem ordens

as executam em nome da leique não escrevem

(e por isso se livram da responsabilidade de crer nelas)

agoraas imagens são iguais em todos os canais

porque os canais se copiamporque é econômico

é mais baratoé necessário apenas sobreviver

onde está a Alturaas matérias são as mesmasrepetem repetem sempre a mesma

‘today there were 2 eXplosions’

mudando de assunto...

...vocês viram as flores na mesado milosevich?

o bouquet cuidadosamente arranjado?

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as flores brancas-e-rosas? a correspondente nos fala(ela está sempre num 5 estrelas)

agorao âncora avisa(ela pode estar sob censura)

estas são as últimas notícias(war at nato is war at cnn)

e lá esta ela outra vez

com outro nome em outro lugar

a guerra da nato, imparciala guerra da nato, precisa

algumas vezes há 'colateral damage'quando uma bomba laserperde o fio da meadasob a fumaça de outrae faz apenas algumas20 novas causalidades

afinal existemalgumas crianças causuaisque viviam próximas à base

do terrorista, do carniceirodo traficante

são mais de 4.000 bombasem tão pouco tempo

como lançá-las sem causalidades? estatisticamente esta é a guerra mais precisaa guerra menos mortífera que já lutamosa guerra da propaganda

e me apresentam a seguir

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o monarquista amigo da casal realque já apareceu na cnn semanas antes

ele acaba de ser fired por apoiar a aliança ocidental

(ah, mas o cansaço vem mesmo quandoum observador de seitas tenta explicaro que ocorre com a juventude de little town)

vamos ser mais simples

esta é uma guerrae ela nos lembra da guerra

a força que se impõe a si e ao outropara se obter o que se deseja

prepare-se para lutar

até para se manter onde estápara respirar e viver

sem moléstia

prepare-se para lutar

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MANTRA DA MARA

a marame levanesse mantrade mara

a mantame passaa mantrade mara

a lembrançapretéritaa lembrançapatética

mara maraquem amaranão roubara

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ACIDENTE DOMÉSTICO

foi um deus nos acudamarinalva travada na banheiramó baratomó legalemperrou a coitada

nem pralá nem pracá

ficou bundaviradaa fatídica empregada

mó baratomó legal

- oh oh ohdona sirininha

ajudaquitôentalada

disse ela outra vez presa na boca do vaso

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O PICOLÉ DO DRÁCULA

(para o filho do delfim)

numa esquina casualna porta da padaria

o tempo foi passando

até dar vez ao meninofino e sorridente

que sorveu diante de mim

um picolé vermelhochamado picolé do drácula

ele nem mesmo sujouas roupas como faria um pouco antes

o pai foi menos presenteme saudou e lembrou

eram mais de dezos anos que nos afastavam

e foi logo jogando a pedra

- como passa, o miserável tempo

mas graças ao seu filhosorri naquele dia

diante do menino

vendo o tempo passar

para ceder nosso lugaraos novos espíritos

e fiquei assim, enlevadona fôrma da matéria

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livre, soltolivre

o tempo não é só-em-mimvale também para todos

que vieram e irãocomo eu

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O MOLE DE CHAVES

irma temum mole de chavesexatamente igualao meu

e um automóvelbelairverde piscina

que ousaria guardarno soutien

se pudesse

sempre o cheiro de talcoe um pouco vinagre e oliva

tem seios de fazer invejaà gina lolobrigida

a irma bonini

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SALTO NA DIVISA

livre no sertão com um caderno de música

alegre e só no ermo

a paisagem grandiosaque não cabe no quadro

a terra-e-o-céu

o cavaleiro da luzno solapino

no plano desse horizonte

o cavaleiro da luzsalta na divisa

lá-se-vaina pista desse dia

no plano desse diana divisa céu-e-terra

salve alturas!salve larguras!

no plano sem ribanceirao liso apenasum vasto contorno

vejo de costasvejo só teto

meus olhos palpam chãomeus olhos debruçam céu

ó mundo inóspito!

oxalá tivesse a fôrmadesse contorno grandioso

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ECOÔS DO PASSADO

alva rôooôalva rêeeemingu éêeesolv êtecolo rêêuni dunitê

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DESÂNIMO

(a morte do filhotinho ganso)

pelos pés <seguro e rijo>seu sangue <coágulo plástico>na boca e no corpo <formigas friagem>o corpo pequeno <estirado e sólido>

o ínfimo de penas <nas minhas mãos>começou a vida tão finalmente <acabou>morreu muito cedo <nas minhas mãos>

não tenho mais a alma <entre os dedos>que antes movia e irradiava <queria sair>o seu amarelo-sol <protegido pelo grito dos pais>depois disposto <para formigas>no pasto dos vermes <na terra inerme>

ele não deu certo <e não lhe dei nada mesmo>não deixei-o voltar <à consideração dos vermes>atirei-o na lata de lixo <não não>

ah como chorei depois

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JUDIAÇÃO

chega de sôfropára de judiá chega de sôfro

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POEMA VISUAL COM SONS

piro liro lésacutinguetápara lapalásu mumim cacá

ah piro liro lésacutinguetápara lapalá

su mumim cacasumumim lalá

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POEMA DESABAFO AO MUNDO CULTO

não me cite Mallarménem sei do PaulValeria esquecer o Concretonão me Expliqueadeus ConceitoChega!não me afirme que a Formaé Superior à Emoçãoquem és Tú rabo de tatuquem pode falar Infâmiasem nome da minha Musa?não me pense não me Falese puder não me cite Mallarmée Esquece o lance de dadosWastland acaboudesde Whitmanum Verborrágicomuito admiradoe que não fez gênero com a poesia Tcheca traduzidaou o amor lá da Provênciaque me trouxeram na IlustradaNão somo escola nem crençaNão temo trabalho nem preguiçaMeu basta está na PalavraEla que se entenda ou se cale

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SEGUNDO RÉQUIEM PARA IRMA

Jovelina! lutei muitomesmo depois de casar

ainda fiz muito docemesmo depois, em Minas

onde vimpara perder o marido

mas não esmoreçovocê me conhece

subi a serra e a vidae hoje moro no alto, Jovelina!

e fico na eternindadevendo passar meus quintais, Jovelina!

a pobreza lá em Goiás e a vida lá de trás...

estou com os viajantesdo meu hotel

e vejo as estrelaspelo avesso

Jovelina!

moro no altoe tenho paz

não sou mais, apenas isso

e hoje apenas habitoa casa da sua memória

por que ela ainda insisteem me abrigar

mas eu já não luto mais

24

mas eu já não luto mais

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MORTICÍDIO

no momento fatal só somos nada

não há castigo pior que o tempodele não há abrigo

não há morticídio tão lento e implacávelquando o instante

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MANIFESTA RADIOFUSORA

(ciclope broadcast)

estamos cansados da qualidade total

certamente não significamos negócios em torno do relógio

somos também um sítiode radiofusão larga

fazemos o que podemos

estamos aqui para sere sorrir

por que a devoção também éalegria na alma

esta é a ciclope broadcast

estamos exaustos de tanto trabalhar

e ver outra vez

os genocídiose as causalidades

ciclope broadcast

cada dia pela felicidadecada dia mais um triz

não estamos no ar24 horas por dia

e não cremos em guerra

somosa mistura étnicao DNA cultural

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um produto da sexualidade

sabemos dissoqueremos isso

é só isso

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POEMA PARA BERENICE

sacomé difíciditiencontrávivossó vivossóe quiria quiriatarcomcêprasempePerenice

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A MUSA SÉRIA

de traço retoe linha grossaentre a testa e os olhoscor de carvão(cara-de-pai)

olhos sonsos - de quem não vê(usa óculos e os põe por vezes)

um desconjunto apaixonantetraçado de mistério

linhas diretas

de séria ao sorrisocomedido

lá está a musaséria e reta

bem diante de mimiluminada pelo neon

imaginada pelas palavrasdistante dos olhosque não vêem os óculos

a musa séria e reta

que agora me levamais um guardanapo

ela tem o desajunte que preciso

para passar a noiteimaginando

olho-mistériotrichas de carvãosobre-olho preto

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boca suavetraço de seu-paicorpo de mulher

a musa sériacom cara de desmaiodisplicente

fixa num ponto da mentetoda mistério

e a paixão que ela abriga?

se os seus traços pudessemser fotografados

ainda assim não teriamos gestos do seu espírito

que acerta cada dessas arestas

cada vez que sobe a sombrancelhasem dobra

e nos deixa um olharisósceles e sonso

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CINEMATOGRÁFICAS NA MATA

I

a lanterna varre a escuridão da noiteestendida pela fronha da terra

folhas e mais folhas no caminho da luze as formigas correndo também

o gato tenso e acuado

o pai deveria me fazer outra vez

por que agora só pensopalavras aos céus

textas tonturasnos trêmulo caminhos-da-chama

olho para a luz do poste lilásque acabei chamando de nossa senhora

por que fluorescebem sobre as flores roxasda quaresmeira

na musgoverde entranha da florestao mar-de-folhae leques de sombra

II

o cachorro no matoé só olfato

fareja o negrocomo perfume

e pula no rastodo que cheira

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tem vez que latee fareja o vento

afunda o focinhonos buracos

e aspira a terracomo se fosse ar

III

a aranha caçacom os pés

presa pelo ventrefaz novelo de nada

o serporta-orvalhofim-de-linha

uns lhe morremsem lutar

outros escapamno tempo exato

quando ocorreum imprevisto

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POEMA PLÁGIO DE PINTURA CHINESA

ondepedra pode seráguamulher pode sersombraou tudo pode sernuvem

34

POEMA DESCONJUNTADO

você inventa tantoque parece ter eleitoumas palavras para falarerrado

você é um poema roubadode ti e para si doadocom cem anos de perdãocomo quem rouba de ladrão

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ARARA

é como um passarinhomas ARARAao invés de piar

se o dia é solARARA maisse o dia é chuvaARARA menos

sempre espreita o solcom aquela ARARAna garganta

quando nascequando põeARARA ARARAaté não poder mais

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O HOMEM DO BAR

era desalinhavado

ouvia-se e reclamava-seo tempo todo

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OLHOS DIAMANTES

iluminado pelo brilhodos seus cascalhos

seu olho de diamanteé pedra fria e brilhante

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OS AFAZERES DA PEDRA

(como em manuel de barros)

todos os afazeres da pedraestão escritos antes delapor que dali ela não moverápor vontade propriae de siseráapenasse em pedaçoslhe fizerem

oh deusos afazeres da pedrasão tantos

silencio obsequiosodureza, frio e aspereza

nas suas rugas não há velhicemas tato de mineral

os afagos da pedra não me vêmlogo que sinto a dor e as faltas

posso ficar alipor horas e diastodo o tempo que tenhode vidae ainda assimela estará ocupadaem ser o que é

39

A MALDADE

meu pé de laranja limaminha madrastaserva desde pequeninaminha maldadetenra menina

40

EXTRANJEIRO DE SI NA PAISAGEM DIJITAL

DIJITALDIJITAODI JI TAO

41

ENTRETIDO

entreduas paredesgemelaresde sebode gotade glandetidoconcebidode bocagrandede môroturvoconcepcionadotravés de mãeviés de paivistodepoiscomo entevalentegarototidoentre tantostido entreoutrospossíveispara serexatamenteoÉ

42

MINAS BÓSNIA

uma guerra cruentaem curso ouum resultado

no seio das montanhas

lenhadas pelo povo rudeconsigo e com os inimigos

sou também um refugiado

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O POEMA ANTÔNIMO

(o lado esquerdo é o poema Flagrantes do Poçode Luciana Tonelli - Poesia Orbital, BH, 1997)

essa estória de zen aquela história do alémsem dor nem prazer com prazer e dornão me cheira bem te tresanda mal

esse caminho do meio aquele desvio da pontaessa prudência calada aquela desmedida faladaessa sabedoria milimetrada aquela burrice quilométrica

tanto equilibrio não é para mim desequilibrio é pouco para você

nao dispenso nem você dispensa atéo sentimento mais suicida a razão menos vividaa vida é pra ser bebida e diz: a morte é pra ser cuspida

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O RIO

rio acimario abaixoriacimaabaixorioriobaixocimariodia e noitenoite e diadianoitenoitediadianoitee dia enoite edia enoetediae rio acimario abaixoriacima eabaixoorioriobaixacimario

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A CASA

olhos plácidoscom sono de domingo

oh se há um deus!

a dádivaé cheiro-de-mim

o buda sobre os ovos

o bule de barro e a shiva dançando ao lado do belair vermelho

a terra brasília no mapano fundo do coração

um jardim de monetem miniatura

uma mulher de barroe uma escrivaninha-avô

a terra chegando ao meioda janela

e a estante é pretae só tem dicionários

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A PROFECIA DO GÊNESIS

I

fora aos usurpadoresque se apropriaramda nossa fome

fora! o sagradoqueremos também

aos poetas a possedos bens de direito

da tradição à moralda ética à retidão

somos agoraos retrógrados e alegres

e rechaçamos o ódio e a guerra

e estamos aqui para criardesde os temposimemoriais

II

agora lembramos

o código nos pertenceagora lembramos

amamos a terra e o mais entranhodos perfumes de chuva

sabemos ser como os animaise entendemos o porquê de morrer

estamos aqui antes da extorsãoe da usura

somos ecólotras

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retos e de bom caráter

nossa lei veio do amorque nos estendeua vida e a morte

que aceitamossem dúvidada nossa missão

vamos resgatar os preciosos valoressubtraídos

seguimos com o tempo

e a eternidade conspiraa nosso favor

viva os tempos que instalamportas na escuridão devassa

viemos antes do martíriode cristo e de jerusalém

e estamos sempre recebendoas mensagens do pai misericordioso

pois somos os profetas do gênesis

III

ainda que nos matemcomo antes

que se proclamem legítimos como antes

os donos do dever

deles não éo direito de ser

justo e bom

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que sua raiva se mostree seu terror se espalhe

mas não nos enganemjamais por um segundo

estamos aqui para reavernossas posses

uma questão de boa consciência

de quem não é afeito ao podernem às sodomas do dinheiro

desejamos apenas seguiras regras dos tempos imemoriais

e nos resta ainda a longa jornadapelos dias azulados e noites escuras

recobramos a nossa memóriae o templo é nossa carne

o espírito não se esconde nas entranhasele é a nossa pele

nosso mistério que revelaa quem aceita a verdade

viemos sem viseiranem prisão das regras

dos que encontramraízes como grades

e acham que os temposcomeçam apenas nos pais e avôs

dos que nos usurparam

o direitoao imutável e reverso

49

IV

quero o mundo antes da possequero o mundo antes do pastoesta folha branca outra vez

a arte bizonteo artista atrás da obra

o ciclo imutável da vidapassando aqui

quero navegar através das erase esquecer a pobreza do século

o tempo na largacomo o geólogo e o astrônomo

quero partos com dor

e a vida como ela édesde sempre

não quero séculos fugazes

a história é miúdae os impérios soam nada

abaixo quem me traiue fez templos medonhosem nome de quem me criou

se há Eleque seja em mim

logo agora

V

minha bandeira não é ordem e progresso

50

é um japão triangularvermelho e branco

é a bandeira de um sonhoancestral de tantos homens

liberdade, liberdade, liberdade

por issoe pelo que virá

salve a misericórdiaa família de índole sincera

o coração bom

o bom nome

salve

o bem aventuradoe a boa nova

que trazemos na alma

VI

sou óbvio e reacionáriotenho um computador

e andei escrevendo em caderno de músicaquando me faltaram páginas

tenho bengalae sei andar

moro no matoe me guarda um cão

também não sou alegrenem sou tristee daí?

51

sou templário

o homem antes do bom selvagem

e de todas as formas de dizê-locomo ser

gauche como drummond

e direito tambémpor que não?

desejo mais o tudosem fraturas

e ainda vou assistiro fim da civilização industrial

e o retorno ao campo

ao mosto das uvasao pão sovado pelas mãos

antes da tora

todo dia um ritual

antes do paraísoe de dante

mesmo, antes

nem bem nem malo que é bom

apenas

antes da farturaser cobiçada

ainda no uso-fruto

sem tiranos

52

com o prumo da raize o sumo da planta

e a matriz de todas as seivas

na hora da vidana hora da morte

a mesma medida

reto e corretocomo um arco

a linha na linhae o ponto no ponto

onde deve ser

porquea bondade é um acerto

que não se impõe

é a minha Leie vem antes de adão

do mundo

sem homenssem costelassem terras

sem paraíso

a vastidão

a terra sem promessapronta para começar

53

OS DIAS FELIZES ESTÃO DE VOLTA

lord my house's lightburning in thy honor

no sorrow or blamejust you on my everyplacejust you on my eyeballs

54

A PALAVRA DE LUZ

quando a palavra era claraquando ainda pertencia a ninguém

quando o verbo reinava sobre o vazioescrito apenas nos livros da religião

só depois se tornou igrejapor obra da palavra ela mesma

e por sua obra surgiu a desordemdepois a polícia e os antônimos

55

PREFÁCIO DE DEUS

I

no mundo que é cerca busco as palavras da imanênciaa boa luz

e meu deus tem esta fôrmaque não posso esquecer

ele é a minha palavra de súplicade desejo mais sincero

meu paço de humanidade

converso com Elecomo se as palavrasfossem ele-elas-também

II

Ele me fez na forma de um nome

que louvo com a blasfêmiadas minhas faltas

e com a certeza da Sua compreensão

diante Dele sou puroprincípio e consagração

na luz que banhaa treva-eu

Sua presença me constrói

sem Ela

minha beleza se desmanchaem ossos baldios

56

Sua mão de misericórdiaestá em cada gesto

no pulso do meu sanguee no torço das vísceras

III

talvez não alcancecrença ou compreensão

mas para quemama-em-palavracomo eu

já basta tê-lo dizendo

glória é seu abismopaz sua recompensae amor seu entendimento

57

FRANGO ORA PRONOBIS

(inspirado na beth do virada, em tiradentes)

aqui a pressaé inimiga da perfeição

por que ela servefrango com hora

58

CADERNO DE EXPRESSÕES MINEIRAS

discurpa eu quase desmaieidirrifoi de ingrisia

59

O HOMEM VAZADO

por que sou sênsarosó tenho porose tudo me trespaçaeu pelicaeu de treliça

só tenho porossou todo furadotudo me trespaçaeu pelicaeu de treliça

60

TUESME

Estume?Solmitu?Tuesme

61

O BUDA DA PALAVRA

cristo foi condenado a morrerpelos sábios do temploe mesmo depoisde sagrado deusquando sua igreja queimouherejes na fogueirae abençoou de morte índios em suas terrase galileu mentiupara não virar póquando a arte degeneradafoi banida pelo reiche os judeus calcinadoshiroshima também ardeuem chamas e câncerquando os cruzados abrirama temporada infinda do fraticídioe os descendentes das cinzasvoltaram para exterminar maomée quando ontem o talibãdemoliu o buda da montanhaa poesia ecoouno precipício do seu princípioe subiram em labaredasdesde alexandriaas chamas de palavras banidasde todos os livros de silênciode todos os homens emudecidospor todos os poderes que se proclamam eternose eu pergunteibuda foi destruído?minha poesia é um risodo que pode o homemonde não pode a tiraniae lá onde acaba o poderestá imóvel meu budaa palavra sãque jamais se esquecee arde através do tempoe mesmo que me calem

62

ainda que me matemmeu buda vai estar láno princípio que principiaele tem uma vara de pescar fogoe nunca se apressa

63

DULHAS

constatação

meu intelecto é falsoainda caçoo da vida

*

pechincha

o poema do momentoé um barato

*

cansado

de ser de graçada falta de graça

*

a pedra e a terra

pedra é terra firmeterra é pedra moída

*

a idéia

um concentrado de palavraespécie de leite-em-pó

*

o poeta em chuang tzu

o profeta-inspiradoo ato-impulso

*

64

califórnia-áfrica

um leão na harleydavison no meio da savana

*

o anticristo

me preguei na paredetal como cristo às avessas

*

mecânica quântica

sinto até átomomudando de lugar

*

o bom do menino

é cara de não sabe de nadaé nunca pensa da mesma maneira

*

a mentira perfeita

a melhor maneira de mentir é encontrar a palavra certa

*

o ofício

o poeta é umsabe-não-parar

*

o tamanho da felicidade

65

o possível é uma bela medidapara a felicidade

66

O MONSTRO SEM CABEÇA

dególatro.certo.monstrocruento.medisse:olhabem.olhabemmeusdias.seforam.sofreramfaçocontas.fazdiasmeusdias.furabrotos.fuzilariasseforam.meldiasgrandiosos.maldiasforam.emsenhorias.menditascavalherias.sotunas

67

EMOTICON

/~relax

vc pode td/odrapz se;xappll

68

NOVOS INSIGHTS SOBRE MALLARMÉ

umcudendê jaméabólirálazar

69

INVASÃO DE DOMICÍLIO

eu usurpo sua casae digo você está me expulsandoeu te desrespeitoe digo você está me desrespeitandoeu te firo na ferida mais fortee digo que você me deve explicaçõeseu te acertoe digo que você é um vilãoeu te persigo e vigioe digo que você não me deixa respirareu te digoe digo que você disseeu usurpo sua mentee digo que você me humilhoue vou até o fimeu acabo com os limitese passo por cima de vocêe digo que você é um egoistae digo que você só olha no espelhoe digo você que é assim mesmoeu usurpo eu invadoe digo que você nunca me ajudoue sugo sua energia e me torno seu tormentoe digo que eu tenho meus direitoseu tomo seu lugare digo que é meu lugareu planto meu pé no seu lugare digo que sinto falta deleeu faço meu lugar sobre o seue penso no quanto te faço sofrere digo que estou arrasada

70

Isaías 6,13

Mas se ainda ficar a décima parte, dela tornará a ser destruída.Como terebinto e como carvalho, dos quais, depois de derrubados,ainda fica seu toco, assim a santa semente é o seu toco.

O BOM PEREGRINOU

deixou a almasem mágoae partiu comuma cartola

atrás de sua gãa sina livree chã

partiu sorrindo para o destino

muito corretoem sua jornada

deixou calmasem trégua

e uma fôrmade poesia

que também partiuembora ainda estejaentre nós

71

CASA DE CORA CORALINA

sua casa é um broto do rioe a parede sobe d’água

que passa murmurosano largo do lar

(murmúrios de poemas na voz do rio)

a fachada plana se banha no sol matutino

e esconde atrás de si

a casa

que começa num longo corredorque deixa a rua e deságua no quintal

mais que imaginável

(murmúrios de poemas na voz do rio)

o quintal segue até a esquinaonde outra rua lhe impõe um fim

a casa parece imóvelenquanto a vida envolve seu plano

portanto, ela tem veias e meiosque nutrem sua moradora

com a matéria para suas histórias

72

RONCO DIGITAL

zeroumzeumzumzmz

zerumzeumsumzê

0110+zmz

73

CONVERSA DE ALMA

ao infinito que infindano limite que limitao olho iluz

no grito que não gritaa alma indiziluz

74

XIXI EXPRESS

(naquela pausa de ida ao banheiro do bar)

ah lá estavasalva a almaa alma sobre tempopirenópólicanepalescaa almacubatailândicainstambúlicaa alma medusa

deus nos livree guardedo que não éa alma com pernasa saliva plenana moradiada afeição

ah lá estava elacom suas vestimentasverdejantese os rubrosna bochechacada vez que o silêncio me ouvia

a alma alegre e sinceracadavês que riadesconfortavelcom a alegriaque lhe acenava

75

DEFEITO DE FABRICAÇÃO

sou desatradoé sestro mesmode ouvido respondersilêncio na moleiraassimgrilo ali grilo aquigrilili

76

DIA PRIMEIRO DE 2000

(aos pés da serra de espinosa)

era como se a minha fomefosse comendo a rocha

e subindo a encosta atévaler mais o verde agoratrincheira-entre-pedra

ah lá está! imponenteespinosa, cheia de farpas

ah por que não hoje o primeiro dia?

na hora para versem papa nem viseira linguarudo

um estranho numa terra estranha

um seriado japonês no sertãotudo on line

como um faroeste com gruaa vida simples e tecnológica

o brasil que ninguém mostrouporque aqui não se olha pra si

a seção se chama'este lugar que você não conhece'

e fique em silêncio

mosquito entramosquito saie tudo continua chão

ah meu deus sem lugar!a direita a espinosa

77

a esquerda nossa senhora(uma espécie de luz entre nuvensdos quadros barrocos)

e a frente as cenas revérberascom nosso código do tempo

todos de voltaà matéria da luz

78

O SONO DOS JUSTOS

o mais banalter saúde

dormir o sonodos justos

ver o dia cedocuidar das plantascuidar dos animais

prover a ordemgarantir o alimento

dar trabalho ao corpoaté estalarem os ossosdo tórax

estar com poesiafazer tempo

ser corpo extensocontemplativo

amor sem premissa

estar na idéia-do-diae ter vontade depois

dormiracordar-de-novo

79

SEXO POR AMOR

o coração de galopeo coração de peito abertoo braço-pernaa cabeça-ninhono nadaa cabeça animadano peito largoo coração gesta plenoa noite tátil

80

O ENCONTRO

chuta lataencontra na ruauma maritacaquaquaquácurruim curruimsom de maritacaela faz assimcurruim curruim

81

DEPOIS DO TROVÃO

relampejatrizsaculejatrumestampilhoraiofumobatechão

82

A PALAVRA MEDONHA

gatramaco sereguanosibilinho sibriano

palavrosfera oogâmica

aspergiotelossúrica filosapienta e rosnoruta

83

VOLUÇÃO E DESTEMPÉRIE

vo lução dest mpérie pon to anti sssí ncrono

movimen tode verso dos astr os

fóton gravita do des força

desp ilha

fon te muta nte

col osol lança lan ça de luz

84

PALAVRAS GÊMEAS - UNIVITELÍNEAS

(atenção tico tico, ritmo rápido com paradas no fuque fuque legal)

reco recomexe mexepula pulapisca piscaquero queroquebra quebrafuque fuquelegal

bora borareco recopuxa puxanheco nhecotroca trocalero lerofuque fuquelegal

zig zagtic taclambe lambepuxa puxaquero queroquebra quebratico ticoreco recoxique xiquefuque fuquelegal

tico ticoxup xuplero lerorela relabora borareco recofuque fuquelegal

85

POEMA LOUSITANO

Tomei houje um sucograviolentomeio passadiço

acho que mofez mal

86

éuaisô

87

MAIS 1 POEMINHA MINEIRO

intémeufiovorsimbora

vortajápai

procupanãomeufio

láemvemaluamodilumináocaminho

88

ALVARIAÇÕES

AlvíssimoAlvarinhoAlvaroçoAlvarãoAlvaríssimoAlvaradoAlvarorAlvinhoAlvrinhoAlvorecerAlvaredoAlvoredoAlvaradaAlvarinhoAlvuraAlvaridoAlvarezAlvarentoAlvará

89

ENSINAMENTOS

desprenda contente contemple inadie

90

A ESPADA DIVINA

Poems to borrowthe other side of sorrow

poems to bother theother side of sorrow

joy poems sir

should be god'ssword upon times

91

QUERÊNCIA

meus desejosfilhos dos desejosnetos dos desejosbisnetos dos desejosmeus tetra netos

desejam

aquele lugaronde a mente é aquele matopor todo lado

e a água cristalinabrune o lodofria e clara

meus desejos desejam ávidosdesejar sem fome

sem medo deste mato

meus desejos desejam válidosdesejar ser homem

ser presto em modo tátil

meus desejos desejam plácidosdesejar desvolta

idasem senso de medo

meus desejos de quaresmarastejam nesta terra úmida

neste meu matopasto de luz e sombra

92

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