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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
KETLYN BUENO IAREK
DA APLICABILIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA NA NEGATIVA DE
COBERTURA DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS EM CONTRATOS DE PLANO
DE SAÚDE COM PRAZO DE CARÊNCIA
CURITIBA
2019
KETLYN BUENO IAREK
DA APLICABILIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA NA NEGATIVA DE
COBERTURA DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS EM CONTRATOS DE PLANO
DE SAÚDE COM PRAZO DE CARÊNCIA
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba. Orientador: Profª. Tatiana Denczuk
CURITIBA
2019
KETLYN BUENO IAREK
DA APLICABILIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA NA NEGATIVA DE
COBERTURA DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS EM CONTRATOS DE PLANO
DE SAÚDE COM PRAZO DE CARÊNCIA
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel
em Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca examinadora formada
pelos professores:
________________________________________ Orientador: Profª. Tatiana Denczuk
_________________________________
Professor Membro da Banca
Curitiba, de de 2019.
Dedico esta pesquisa primeiramente à Deus, por sempre estar presente nesta caminhada. Aos meus pais, que sempre compreenderam minhas dificuldades para a conquista deste mérito. Ao meu noivo, que sempre me apoiou, incentivou e acreditou no meu potencial.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por me abençoar nesta caminhada tão
gratificante e por permitir que a dádiva do conhecimento e do crescimento pessoal
fossem presentes em minha vida.
Agradeço aos meus pais, Ivo Tadeu Iarek e Reni Bueno Machado Iarek que sem
hesitar, me ajudaram a ingressar na faculdade de direito diante de tantas
dificuldades. Sou muito grata por todos os esforços que foram feitos até aqui, e
certamente, sem a ajuda deles, não estaria concretizando este objetivo.
Agradeço a minha irmã, Evelyn Bueno Iarek que me ajudou muito para a
finalização desta monografia.
Agradeço ao meu noivo, Diógenes Favoretto que sempre me apoiou em todas as
minhas escolhas, não importando quão árduas fossem. Sou muito grata por me
amparar em momentos de dificuldades e aflições e por sempre me lembrar que os
momentos de ausência valerão a pena. Agradeço por cada incentivo a não
desistir dos meus objetivos e por sempre acreditar no meu potencial. Sou muito
grata em ter você na minha vida.
Agradeço a minha orientadora e mestre, Tatiana Denczuk, a quem admiro tanto,
por ser uma pessoa maravilhosa, assim como por ser uma grande profissional
que não mede esforços para orientar seus alunos. Sou muito grata por toda a sua
assistência, que sem sombra de dúvidas contribuiu efetivamente para o
desenvolvimento da presente pesquisa.
Agradeço a todos os meus amigos, em especial à Bianca Helena Bino, Bruna
Maria dos Santos, Helaize Maia Moreira, Maristela Kaminski Motter e Victória
Cabral Lima, que me ampararam diante de tantas preocupações.
Agradeço a todos aqueles que de certa forma, contribuíram para o
desenvolvimento da presente monografia.
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é analisar a aplicação da técnica processual da tutela de urgência, na negativa de procedimentos médicos em contratos de planos de saúde com prazo de carência. O estudo destaca o direito à saúde no contexto constitucional e todas as suas importantes particularidades, pois é o direcionamento para se constatar ou não a limitação do direito à saúde decorrente de cláusula contratual de prazo de carência. Pretende relacionar o direito à saúde com a regularidade e legalidade da cláusula em situações de urgência, considerando os direitos fundamentais do homem. Verifica o conceito, os requisitos e as hipóteses de aplicação da tutela de urgência, instituto processual apropriado para permitir a realização de direitos em situações de urgência ou emergência, considerados vulneráveis. Planeja ao final examinar as decisões dos tribunais pátrios e tribunais superiores brasileiros, com o propósito de verificar o entendimento que está se utilizando atualmente sobre este tema de grande importância. Palavras chave: Direito à saúde. Contrato de plano de saúde. Prazo de carência. Urgência. Tutela de urgência.
ABSTRACT
The goal of this study is to analyze the application of the procedural technique of urgent care, in the refusal of medical procedures in contracts of health plans with grace period. The research highlights the right to health in the constitutional context and all it’s important peculiarities, since the targeting is to verify whether or not the limitation of the right to health due to the contractual grace period clause. It aims to relate the right of healthiness with the regularity and lawfulness of the clause in critical situations, taking the fundamental rights of mankind into consideration. It verifies the concept, requirements and hypotheses of the application in the immediate injunctions, suitable Institute of Procedural to allow the realization of the rights in situations of urgency or emergency deemed vulnerable. It intends on it’s closure to examine the decisions of Brazil's law courts and higher courts, in order to verify the understanding that is currently being used on this subject of substantial importance Key words: Right to health. Health plan agreement. Grace period. Urgency. Urgency care.
LISTA DE SIGLAS
ANS – Agência Nacional de Saúde
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CF – Constituição Federal
CONSU – Conselho de Saúde Suplementar
CPC – Código de Processo Civil
OMS – Organização Mundial da Saúde
STJ – Superior Tribunal de Justiça
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................. 11
2.1 A SAÚDE COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL ................................. 15
2.2 O PAPEL DO ESTADO COMO GARANTIDOR DE DIREITOS E O REGIME JURÍDICO APLICADO .............................................................................................. 22
3 REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE ................................................................................... 31
3.1 DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS) ......................... 33
3.2 DO CONTRATO PRIVADO DE PLANO DE SAÚDE .......................................... 38
3.2.1 Considerações Gerais à Espécie e a sua Natureza Jurídica ............................ 38
3.2.2 Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor ........................................ 43
3.3 DA CLÁUSULA DE PRAZO DE CARÊNCIA ....................................................... 48
3.3.1 Conceito e Incidência nos Contratos de Planos de Saúde ............................... 50
4 DA APLICABILIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA NA NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS EM CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE COM PRAZO DE CARÊNCIA ............................................................... 58
4.1 O ESCOPO DA TUTELA JURISDICIONAL ........................................................ 58
4.2 TÉCNICAS PROCESSUAIS DE COGNIÇÃO ..................................................... 63
4.3 DA TUTELA PROVISÓRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: PRINCIPAIS DESDOBRAMENTOS JURÍDICOS ..................................................... 68
4.3.1 Da Tutela de Urgência...................................................................................... 74
4.3.1.1 Tutela Cautelar e Tutela Antecipada ............................................................. 78
4.3.1.2 Requisitos da Tutela de Urgência ................................................................. 83
4.3.1.3 Efetivação da Tutela de Urgência ................................................................. 89
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 99
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 102
9
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo visa analisar a aplicabilidade do instituto da tutela de
urgência nos casos de negativa de procedimentos médicos advindos de planos de
saúde, quando há a cláusula de prazo de carência. Tal problemática se mostrou
pertinente, pois pretende verificar se a cláusula de prazo de carência é considerada
ou não uma limitação ao direito à saúde, excepcionalmente quando se tratar de
situações que apresentam urgência iminente, isto é, uma situação vulnerável em
que não pode aguardar eventuais prazos para a realização de procedimentos
médicos, visto que isto pode refletir em danos à integridade física e dignidade da
pessoa humana.
Por conta disto, cabe inicialmente demonstrar no primeiro capítulo, uma
abordagem de forma contundente do direito à saúde e os desdobramentos jurídicos
que tal preceito carrega em seu bojo. Para isso, impõe-se traçar a diferença entre os
direitos fundamentais e direitos humanos para se constatar qual a classificação que
o direito à saúde está inserido e qual a carga axiológica que obtém no meio jurídico.
Através de um breve histórico, busca-se constatar em qual momento o direito à
saúde foi efetivamente positivado no ordenamento jurídico brasileiro, para a partir de
então se consagrar perante terceiros, a fim de que estes não venham a restringi-lo
ou violá-lo. No final deste capítulo, depreende-se a participação direita do Estado
como garantidor de direitos e o seu papel assistencialista, como a preservação e
conservação do direito à saúde através da implementação de políticas públicas.
No segundo capítulo, busca analisar a regulamentação jurídica dos contratos
de planos privados de assistência à saúde, sob uma perspectiva ampla, destacando
o órgão responsável por regulamentar estes serviços e os critérios que são
utilizados para sua competência. Também se averiguou a natureza jurídica dos
contratos de planos de saúde, em especial os princípios contratuais. Neste mesmo
capítulo, procura-se analisar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos
contratos de planos de saúde e a proteção efetiva quando sobrevier cláusulas
abusivas impostas no instrumento contratual, assim, a pesquisa de voltará para a
análise da defesa do consumidor quando este estiver em uma perspectiva
vulnerável. Noutro viés se abordará o conceito e a incidência da cláusula de
carência nos contratos de planos de saúde, abordando de forma sucinta a lei
10
específica que regula os prazos compreendidos nas mais diversas hipóteses. Sobre
este tópico, também se averiguam as hipóteses de eventuais limitações ou
restrições que esta cláusula pode trazer ao direito à saúde, excepcionalmente
quando se tratar de cobertura para situações de urgência ou emergência.
No capítulo subsequente, serão examinados pormenorizadamente os meios
processuais que poderão efetivar esta prerrogativa, surgindo a seguinte indagação:
a tutela de urgência pode ser aplicada nos casos de negativa de cobertura de
procedimentos médicos em contratos de plano de saúde com prazo de carência?
Para se confirmar tal assertiva, necessária se faz a compreensão dos temas que
estão entrelaçados no cerne da questão, ou seja, a figura da tutela jurisdicional e os
meios adequados que estão em seu poder, que de certa forma instrumentalizam e
promovem a efetividade da tutela de direitos. Além disso, menciona-se a importante
técnica processual que o juiz terá que realizar para fundamentar a sua decisão, pois
este exerce a jurisdição.
Por fim, o presente trabalho se ocupa em expressar o propósito da tutela de
urgência e suas principais gradações, conceituando e externando o seu
entendimento presente na doutrina e as situações em que se poderá utilizar-se de
tal instrumento. Destaca-se as espécies compreendidas em seu bojo, tendo em vista
que a doutrina perfaz a classificação entre antecipada e cautelar, visto que possuem
natureza e aplicação distintas, a depender da problemática que será atribuída. Além
disso, a presente pesquisa se ateve em demonstrar o momento adequado para o
requerimento da tutela de urgência, com finalidade especifica para almejar a sua
concessão e a sua efetivação nas hipóteses em que não for cumprida
voluntariamente, devendo o juiz adotar meios eficazes para garantia e eficácia da
decisão.
11
2 DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Preliminarmente ao aprofundamento teórico do tema em apreço, cumpre
ressaltar a importância das expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”
constantes na Constituição Federal de 1988. Apesar de serem considerados
sinônimos, tais expressões têm tratamentos distintos ao longo do texto
constitucional, de modo que a melhor doutrina traz a diferença na definição
terminológica, bem como na classificação e adequação no direito positivo. Muito
embora a terminologia adotada seja tratada como semelhante, a devida distinção
merece prosperar no âmbito constitucional, haja vista tal importância. Neste sentido,
Ingo Wolfgang Sarlet trouxe o aclaramento de ambas as expressões
Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).1
Desta feita, a distinção ora referida expõe que os “direitos humanos” são
reconhecidos perante o direito constitucional positivado internacionalmente, sendo
protegidos amplamente e irrestritamente por meio de tratados internacionais e,
consequentemente, com validade universal, ao passo que os “direitos fundamentais”
auferem respaldo constitucional positivado por determinado Estado, que muitas
vezes tem proteção e eficácia previstos nas Constituições internas. Embora haja tal
discernimento, é fato que os direitos fundamentais são direitos humanos, pois o
titular de direitos sempre será o indivíduo de prerrogativas constitucionais.
Neste contexto, salienta-se que os direitos fundamentais são aqueles
assegurados constitucionalmente por determinado Estado a fim de proteger,
assegurar e preservar a integridade da pessoa humana de forma indistinta. Isto
posto, os direitos fundamentais possuem características imprescindíveis para serem
1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010. p. 29.
12
submetidos a um determinado sistema jurídico de modo que, para serem
reconhecidos, devem ser classificados como direitos indisponíveis, inalienáveis e
indivisíveis, dentre outros. Ou seja, são direitos meramente subjetivos ao passo que
não podem ser negociados ou divergentes com outros institutos constitucionais.
Diante do exposto, importante frisar uma breve evolução histórica dos direitos
fundamentais, considerando que as transformações corriqueiras merecem o devido
enfoque, posto que as primeiras codificações foram se aperfeiçoando ao longo da
história até alcançar o entendimento atual constante na Constituição Federal de
1988. Há relatos que o marco histórico das primeiras codificações ocorreu no século
XIII, no período da Idade média na Inglaterra, com a confecção de um documento
intitulado como Magna Charta Libertatum (1215) que previa, em linhas gerais, a
limitação do poder do Monarca em detrimento aos senhores feudais.
Sucessivamente, houve outros documentos que declaravam os direitos inerentes ao
homem, conforme sintetiza Osvaldo Ferreira de Carvalho:
Em seguimento, destacaram-se as Declarações inglesas do século XVII, entre as quais a Petition of Rigths, de 1628, firmada por Carlos I: o Habeas Corpus Act, de 1679, assinado por Carlos II e, finalmente a mais importante de todas as Declarações inglesas, o Bill of Rigths, de 1689, promulgado pelo Parlamento. O termo dos direitos fundamentais, droits fondamentaux, aparece na França, no ano de 1770, no contexto do movimento político e cultural que conduziu à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Assim, foi no século XVIII, com a vitória da revolução liberal na França e a independência das colônias inglesas nos Estados Unidos da América (EUA), que nasceram definitivamente os direitos fundamentais a partir da Declaração do Bom Povo da Virginia de 1776, seguida pela Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Após essas Declarações, quase todas as Constituições do mundo passaram a dispor de uma Declaração de Direitos, a começar com a Constituição dos EUA de 17 setembro de 1787.2
Com a evolução das declarações de direitos em vários contextos históricos, o
resultado que se verificou foi o surgimento de garantias constitucionais para todos os
indivíduos. No entanto, os diplomas que se sucederam ao longo do tempo careciam
de eficácia jurídica porque, basicamente, eram, antes de mais nada, documentos
filosóficos que estipulavam direitos, mas não apresentavam a devida força
normativa. Assim, para o reconhecimento desse instituto, as grandes sociedades
passaram a determinar em suas constituições a previsão de direitos inerentes ao
homem, positivando e acarretando eficácia jurídica. 2 CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. Segurança jurídica e a eficácia dos direitos sociais fundamentais. Curitiba: Jaruá, 2011. p. 111.
13
Conforme preleciona Osvaldo Ferreira de Carvalho3, no Brasil, as
constituições ao longo da história dispuseram de ampla influência dos movimentos
internacionais de modo que, aspiraram para os textos legais a inovação do direito
constitucional. É inegável que ocorreram notáveis modificações até o aprimoramento
da redação atual, dado que os direitos fundamentais foram se refinando, procedendo
de traços notadamente individuais e sociais. Ainda, Carvalho4 estabelece que a
Constituição do Império de 1824 foi o referencial para previsão de tais garantias. No
entanto, embora não tivesse uma redação propriamente declaratória de direitos,
definiu em disposições gerais o reconhecimento de tal faculdade. Posteriormente
entrou em vigor a primeira Constituição republicana de 1891 que, substancialmente,
retratava o pensamento liberal do período histórico, passando a repercutir
brevemente os direitos e garantias individuais. Logo após, surgiu a Constituição de
1934 inovando em sua redação com a previsão de direitos sociais e econômicos.
Sucessivamente, introduziu-se a Constituição de 1937, na era Getúlio Vargas,
que, conforme leciona José Afonso da Silva “ditatorial na forma, no conteúdo e na
aplicação, com integral desrespeito aos direitos do homem, especialmente às
relações políticas”.5 Com a entrada em vigor da Constituição de 1946, o Brasil se viu
novamente abarcado pela garantia constitucional dos direitos econômicos e sociais,
precedendo de democracia. A Constituição de 1967 na, era do regime militar, inovou
em alguns aspectos referentes aos direitos sociais, especialmente no que tange aos
direitos dos trabalhadores, além de outros que contribuíram para o progresso do
bem comum. Em seguida, a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, não inovou
relativamente aos direitos sociais, apenas manteve disposições similares à de 1967.
Conforme Ingo Wolfgang Sarlet6, em 05 de outubro de 1988 houve a
promulgação da Constituição Federal vigente que, após um período de
redemocratização, compreendeu um leque de direitos e garantias fundamentais,
considerando assim, novas prerrogativas legais. Como se vê, a Carta Magna
recuperou todo o aparato em relação aos direitos individuais e sociais, tendo em
vista que o tema em apreço não obteve o merecido reconhecimento durante a
evolução constitucional.
3 CARVALHO, 2011, p. 117. 4 Ibid., p. 118. 5 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2010. p. 171. 6 SARLET, 2010. p. 63.
14
Notadamente no Título II a expressão “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais” estabelece um rol de garantias assecuratórias de modo que, permitiu
aos indivíduos a devida proteção de direitos que inegavelmente decorrem do
princípio da dignidade da pessoa humana. Neste viés, o Constituinte empregou um
sistema de direitos fundamentais que indubitavelmente, modificou a perspectiva de
uma nova ordem constitucional, posto que a legitimidade de tais direitos foi
devidamente recepcionada pela Constituição atual.
No contexto dos direitos fundamentais perante os operadores do direito,
mister salientar a divisão que a doutrina institui, posto que abarca gerações e/ou
dimensões para cada grupo de direitos, isto é, referência dos avanços sociais. Neste
diapasão, a melhor doutrina identifica os direitos fundamentais de primeira
dimensão, aqueles que se referem aos Direitos Individuais, enfatizando
principalmente a liberdade do indivíduo frente ao Estado; pode-se dizer que aqui, há
um caráter negativo, dado que impõe ao ente estatal uma certa abstenção para com
o direito à vida, à liberdade e dentre outros.
Os direitos fundamentais de segunda dimensão podem ser classificados
como Direitos Coletivos posto que, diferentemente da classificação anterior, o
Estado está adstrito a um caráter positivo, podendo afirmar que se exige um atuar
prestacional para o bem-estar social de maneira igualitária. Desta maneira, Sarlet
defende que “ainda hoje, por outorgarem ao indivíduo direitos e prestações sociais
estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma
transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas” 7.
Já nos direitos fundamentais de terceira dimensão, estão compreendidos os
princípios constitucionais de fraternidade e solidariedade, ao passo que se
caracterizam como direitos dos povos, prerrogativas aos titulares indeterminados de
uma nação, ou seja, direitos do bem comum da humanidade, como, por exemplo, o
direito ao meio ambiente, ao desenvolvimento e até mesmo o patrimônio comum.
Ainda, conforme Sarlet8, a quarta e a quinta dimensão de direitos são reconhecidas,
posto que a primeira trata de direitos inerentes à cidadania, democracia e ao
pluralismo, pois abrangem uma natureza de universalidade, já a segunda, releva a
questão do direito à paz social.
7 SARLET, 2010, p. 47. 8 Ibid., p. 50-51.
15
2.1 A SAÚDE COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL
De início, cumpre destacar a importância que os direitos sociais comportam
no ordenamento jurídico brasileiro. Conforme anteriormente aludido, estes estão
elencados como direitos de segunda dimensão, isto é, comportam uma valoração
específica perante o direito constitucionalizado, evidenciando um direito do povo que
tão somente veio instituir igualdade entre a população para com o ente estatal, na
medida em que os indivíduos, considerados mais fracos na relação, receberam a
devida importância para os seus interesses. Os direitos sociais, enquanto um
conjunto de regras, estão estritamente ligados aos direitos individuais, pois ambos
objetivam o bem comum. Todavia, Carvalho apresenta a seguinte distinção:
Logo, o direito social destaca o homem concreto, a sociabilidade e a solidariedade, distintamente do direito individual, que consagra o homem isolado e abstrato. Importa ao direito social o predomínio do interesse coletivo sobre o interesse privado. O direito individual tem como fundamento o direito à liberdade, à propriedade, à igualdade formal. O direito social tem como pressuposto atingir a igualdade substancial (ou material) ao partir das situações em que impera a desigualdade. O direito individual pertence à ordem da justiça cumulativa, da equivalência; enquanto o direito social pressupõe a justiça distributiva, a proporcionalidade.9
Contudo, apesar desta modesta diferença, importante salientar que os direitos
sociais são precipuamente direitos individuais, dado que ambos se complementam,
sendo reciprocamente necessários para a eficácia de direitos ante o Estado. Vale
dizer, os direitos apontados entre as dimensões, não excluem os direitos elencados
posteriormente, visto que um e outro estão ligados, agregados, atrelados, recebendo
relevância uniforme, em razão de que todos são inerentes para um bem-estar social.
Nesta esteira, vislumbrando o raciocínio do jurista João dos Passos Martins
Neto “os direitos sociais cumprem uma decisiva função de complementação, à
medida que postulam tornar reais os benefícios prometidos pelos direitos liberais e
políticos formalmente proclamados”.10 Assim, denota-se que ambos são indivisíveis
para a devida eficácia no plano dos direitos fundamentais do homem. Desta forma,
José Afonso da Silva expõe a seguinte definição de direitos sociais:
9 CARVALHO, 2011. p. 184. 10 MARTINS NETO, João dos Passos. Direitos fundamentais: conceito, função e tipos. São Paulo: RT, 2003. p. 173-174.
16
Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.11
Ademais, neste mesmo raciocínio, Paulo Bonavides ressalta em sua obra que
“sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar jamais ‘a
Sociedade livre, justa e solidária’ contemplada constitucionalmente como um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º)”12 Logo, esses
direitos objetivam a princípio, a concretização de igualdade e liberdade efetiva dos
indivíduos, a fim de se atenuar as desigualdades de uma sociedade
constitucionalizada. Neste contexto, os direitos sociais são aqueles que decorrem
dos direitos fundamentais que, via de regra, visam atender as necessidades básicas
do homem que vive em sociedade, uma vez que esses direitos materializam o
princípio da dignidade da pessoa humana.
Ainda, importante destacar que ao positivar estas prerrogativas, a garantia
que se estabelece é a efetividade perante o Estado, em virtude de ser o responsável
por implementar o bem comum. De modo geral, os direitos sociais têm por objetivo a
concepção de proteção de liberdade entre os indivíduos, haja vista que se trata de
uma liberdade material e também liberdade formal.
Por conseguinte, conveniente acentuar a evolução histórica dos direitos
sociais até o seu reconhecimento perante o sistema constitucional vigente.
Conforme leciona Carlos Weis13, o direito social originou-se das lutas pelos direitos
liberais que pretendiam a igualdade, fraternidade e liberdade, considerando que os
indivíduos procuravam se emancipar do poder do estado em detrimento aos
interesses individuais. Em tese, os direitos sociais sobrevieram para proteção aos
direitos dos trabalhadores, já que em pleno século XIX, com a expansão do
capitalismo e a atribuição de fontes de empregos nas grandes industrias da Europa
Ocidental, a classe operária era a menos favorecida, vez que viviam em locais
degradantes e insalubres, sem a devida atenção à dignidade da pessoa humana.
11 SILVA, 2010. p. 286-287. 12 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 642. 13 Cf. WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 39.
17
Assim, almejando melhores condições de vida para satisfação de
necessidades básicas do ser humano, que por si só não se alcançaria, empregou-se
ao Estado, enquanto poder soberano, prerrogativas capazes de atender os anseios
da população de baixo nível. Nesta esteira, surgiram as lutas sociais para reivindicar
do Estado os direitos inerentes a subsistência do ser, uma vez que os direitos
individuais não estavam sendo apreciados, pois o viés ideológico adotado da
primeira dimensão era, a princípio, que o estado deveria permanecer em um caráter
não intervencionista em detrimento dos direitos de liberdade do homem. Isto posto,
Mariana Filchtiner Figueiredo enfatiza que:
Para isso, contudo, também se impunha a alteração da forma por que se concebiam as relações entre indivíduo e o Estado, até o momento estabelecidas sob as bases do antagonismo e da desconfiança, em que os direitos individuais serviam de barreira à atuação estatal. A equalização das condições de partida, que viabilizaria a todas as pessoas o exercício pleno dos direitos individuais e políticos formalmente positivados, dependia de um voto de confiança nas instituições públicas e da atribuição de um diferente papel ao Estado: atuar como “garante” dos direitos sociais.14
Posteriormente a esse período e, diante do alcance dos direitos sociais, era
preciso a positivação e o reconhecimento desses direitos, com o propósito único e
especifico da efetivação perante o Estado. Há relatos que a Constituição do México
de 1917 foi a grande protagonista ao incluir em seu diploma a previsão legal de tais
atribuições; isto posto, Fabio Konder Comparato aponta que a Constituição
Mexicana foi a primeira a “atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos
fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos (arts.
5º e 123).”15 Neste mesmo raciocínio, o autor supracitado destacou que:
O que importa, na verdade, é o fato de que a Constituição mexicana foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, própria do sistema capitalista, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita a lei da oferta e da procura no mercado. A Constituição mexicana estabeleceu, firmemente, o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito.16
14 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: Parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 23. 15 COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 178. 16 Ibid., p. 181.
18
No Brasil, os direitos sociais inicialmente fruíram de previsão expressa na
constituição de 1934, que introduziu em um de seus títulos a “Ordem Econômica e
Social”. Apesar de haver certa mistura de conceitos ao longo das cartas anteriores, a
Constituição de 1988 trouxe precisamente a devida distinção em itens diferentes,
visto que compreendeu no Título II, Capítulo II a expressão “Dos Direitos Sociais”.
Desta maneira, o texto constitucional abordou mais especificadamente a partir do
artigo 6º, as garantias inerentes ao homem de forma mais ampla e diversificada, ao
passo que diante de tal previsão, consagrou os direitos sociais no ordenamento
jurídico pátrio.
Neste cenário, dentre os direitos sociais elencados na Lei Maior, ressalta-se o
direito à saúde que, evidentemente é um direito fundamental do homem e de sua
subsistência, à medida que, de acordo com a previsão expressa do caput do artigo
6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”17. Assim, o
foco do presente trabalho é demonstrar os desdobramentos deste direito que, em
consequência, tem atrelado no âmbito jurídico grandes interpretações e perspectivas
distintas.
Neste viés, oportuno salientar o avanço histórico que a saúde constituiu e, em
seguida, a definição no modelo atual, posto que o seu aperfeiçoamento se deu em
diferentes concepções ao longo da humanidade. Conforme ensinamentos de
Mariana Filchtiner Figueiredo18 a noção de saúde surgiu em sociedades primitivas,
onde eram realizados curandeirismo para cura de enfermidades que atingiam os
seres humanos, tendo em conta que nesta época, as doenças eram corriqueiras.
Assim, se articulavam de práticas mágicas para sanar os males que os acometiam,
através de rituais com o uso de ervas naturais. Desta maneira, Schwartz aponta que
“no início da civilização humana, o único ‘conhecimento’ disponível para rebater as
doenças era a magia.”19
Derradeiramente, ocorreu a ruptura desta percepção com a sociedade da
Grécia antiga que reconheceu a compreensão de doença e a atribuição do conceito 17 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 set. 2018. 18 Cf. FIGUEIREDO, 2007, p. 77-78. 19 SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 30.
19
de saúde. Desta maneira, para Moacir Scliar, os gregos clássicos acreditavam que
“o ser humano ideal era uma criatura equilibrada no corpo e na mente, e de
proporções definitivamente harmoniosas”20. É notório que o período grego na
história da humanidade foi de grande importância para as convicções atuais, dado
que Hipócrates, um grande teórico da medicina grega realizou vários estudos para
se chegar a compreensão de saúde.
Scliar descreve que “Hipócrates desenvolveu extraordinariamente a
observação empírica, como demonstram os casos clínicos que deixou registrados,
reveladores de uma visão epidemiológica do problema de saúde-enfermidade”21. O
supracitado teórico desenvolveu a tese de que a saúde dos indivíduos decorria das
condições do tipo de vida, ao passo que o tratamento das enfermidades deveria ser
relacionada com especificidades e as circunstancias dos lugares de habitação.
Em que pesem as grandes evoluções do aclaramento da concepção de
saúde, a boa doutrina destaca o período da Idade Média que, via de regra,
consolidou um retrocesso à saúde, pois uma onda de surtos e pestes predominou
naquele tempo. A precariedade era costumeira, posto que a miséria na sociedade
feudal imperava, a classe de baixo escalão como os servos e escravos
necessitavam de atenção, pois notadamente a dignidade da pessoa humana era
banalizada. Neste viés, para Germano Schwartz22 a Igreja foi consideravelmente
participativa ao idealizar que a doença era um mal divino, tendo em vista que a cura
só seria possível se o ente sublime entendesse que seria merecido, haja vista a
remissão de seus pecados pelos fiéis.
Contudo, é incontestável que a Igreja regrediu a interpretação de saúde, não
surtindo os devidos resultados para sua concretização perante os sujeitos de
direitos. Conforme os ensinamentos de Mariana Filchtiner Figueiredo23, a prática de
mágica não obteve sequer o devido olhar por meio das autoridades eclesiásticas e,
à vista disso, a caridade surgiu para dar a adequada atenção aos mais
necessitados, a fim de receber um tratamento digno para suas enfermidades.
O Renascimento por sua vez, prosperou ao recompor o conhecimento da
Grécia Antiga, tratando a saúde com cientificidade e, posteriormente, criando
20 SCLIAR, Moacir. Do mágico ao social: a trajetória da saúde pública. Porto Alegre: L&PM Editores, 1987. p. 16. 21 Ibid. p. 17. 22 SCHWARTZ, 2001, p. 31. 23 Cf. FIGUEIREDO, 2007. p. 78.
20
grandes descobertas sobre o corpo humano. Sucessivamente, no século XIX a
revolução industrial estava em constante desenvolvimento e diante desta situação, a
saúde se mostrou um importante componente para a vasta produtividade dos
operários, considerando que a mão de obra era fundamental para a produção.
Figueiredo reforça em sua obra que:
A revolução industrial acarretou um grande movimento de urbanização com a migração populacional do campo para as cidades e a formação de cinturões ao redor das fábricas que, pela proximidade espacial e absoluta falta de higiene, permitiam a rápida proliferação de doenças entre operários, patrões e familiares. Tais fatos foram decisivos à reinvindicação por melhores condições sanitárias, dada a necessidade de resguardo à saúde dos operários, seja manutenção dos níveis de produção das fábricas, seja pela proteção da saúde dos próprios patrões; assim como pelo atendimento as reclamações dos operários, já organizados em movimentos de luta social, que exigiam o estabelecimento de melhores condições sanitárias para si e respectivos familiares. Como o Estado nada mais do que instrumento do empresariado, mostrou-se relativamente simples a transferência dessas reinvindicações, assumindo o Estado a função de garante da saúde pública.24
Assim, a ideia de saúde como direito social se consolidou dentre os indivíduos
para com o Estado. Adiante, com as transformações ocorridas no século XX a
proteção sanitária recebeu grande impacto ao instituir políticas de governo para
assegurar devidamente o direito à saúde, visto que se passou a dar atenção para a
saúde do trabalhador. Neste período, o conceito de saúde começa a ter seus
primeiros delineamentos, de modo que, o professor Schwartz assenta em seu
entendimento “a tese “curativa” (cura das doenças) e a tese “preventiva” (mediante
serviços básicos de atividade sanitária). Em verdade, ambas as teses têm como
base a visão de que a saúde é a ausência de doenças (uma visão organicista). ” 25
Assim sendo, a melhor doutrina defende que o marco referencial para o
esboço do conceito de saúde se deu perante a criação de um órgão inteiramente
voltado a saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS). Este órgão internacional
de proteção à saúde, em sua constituição, ressaltou precisamente o conceito de
saúde como não somente a ausência de doenças, mas um bem-estar geral, tanto
físico quanto mental. Em contrapartida a esse traçado, surgiram críticas por parte da
doutrina, dado que se ressaltou que o conceito de saúde não é somente a ausência
24 DALLARI, Sueli Gandolfi,1998, p. 327-334 apud FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: Parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 79. 25 SCHWARTZ, 2001. p. 35.
21
de doenças, mas deve ser analisada em um aspecto geral. Assim, Allan Weston de
Lima Wanderley ressalta que “a saúde não pode ser definida apenas como ausência
de doenças ou seus agravos. Segundo o moderno entendimento, saúde é um
processo continuado e interdependente de preservação da vida”.26
Neste contexto, traçado um primeiro conceito de saúde, relevante delimitar o
seu conteúdo. Comumente, quando concerne ao núcleo central do direito à saúde,
acentua-se que existem perspectivas diferentes para cada âmbito; ou seja, a teoria
preventiva, curativa e promocional. A preventiva pretende conservar a saúde em seu
status quo, não se tolerando que venha ocorrer um risco considerável. Quanto à
curativa, enfatiza a regeneração de uma doença, pretendendo uma reabilitação
momentânea. A promocional tende a atribuir uma qualidade de vida efetivamente
tangível, de modo que, vai além da visão curativa e preventiva, condicionando um
bem-estar físico e moral harmonioso, permitindo que a dignidade da pessoa humana
esteja presente. A doutrina equipara a qualidade de vida com o conceito de
dignidade da pessoa humana, porque ambas se complementam, posto que o ser
humano deve ter à sua disposição condições adequadas para satisfação de direitos.
Dentro desta perspectiva, além do conteúdo explanado, ressalta-se os
fundamentos primordiais que concernem ao direito à saúde. À vista disso, Mariana
Filchtner Figueiredo aponta em sua obra elementos relevantes, quais sejam:
O primeiro deles é a disponibilidade, atinente à suficiência dos estabelecimentos, bens e serviços de saúde, centros de atenção e programas prestados pelo Estado. O segundo é a acessibilidade, no sentido de não-discriminação, a ser assegurada em termos de acessibilidade física (localização geográfica), acessibilidade econômica (universidade do atendimento) e acessibilidade à informação (direitos à informação e ao sigilo dos dados pessoais em matéria de saúde). Terceiro elemento, a aceitabilidade impõe o respeito à ética médica e às condições culturais e particularidades de cada indivíduo; ao passo que o quarto, a qualidade, compreende o direito de toda pessoa a gozar dos benefícios do progresso científico (equipe médica capacitada, medicamentos, equipamentos hospitalares, etc.). 27
Logo, para a efetivação do direito à saúde, é inegável que esses elementos
devem estar presentes, já que de certa forma, asseguram essa prerrogativa
26 WANDERLEY, Allan Weston de Lima. A eficácia do direito à saúde: limites relativos ao fornecimento de medicamentos excepcionais. Cascavel: Assoeste, 2011. p. 09. 27 GIALDINO, Rolando E., 2001, p. 505/509 apud FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: Parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 84.
22
constitucional, fazendo com que o indivíduo tenha uma saúde eminentemente
saudável e digna.
2.2 O PAPEL DO ESTADO COMO GARANTIDOR DE DIREITOS E O REGIME
JURÍDICO APLICADO
Neste ínterim, imprescindível estabelecer uma conexão entre o direito à
saúde e o papel do Estado como garantidor de direitos, posto que é conveniente
verificar o fundamento que se emerge para alcançar eficácia e segurança jurídica
plena aos direitos sociais, sem vícios ou falhas por parte do ente Estatal.
O Estado enquanto figura suprema de uma organização, mostra em sua
estrutura, uma gama de ferramentas para gerir as diversas esferas de uma
sociedade sistematizada, de modo que este deve atribuir para si as incumbências
que um Estado de Direito requer. Por seu turno, José Joaquim Gomes Canotilho
estabelece que “o Estado é uma forma histórica de organização jurídica do poder
dotada de qualidades que a distinguem de outros poderes e organizações de
poder”28; melhor dizendo, em sua natureza, rege o princípio da soberania que
articula uma forma de poder sobre os destinatários finais, que por sua vez, são os
cidadãos de direito. A soberania por ora, é vista como uma qualidade, na medida em
que proporciona um plano supremo de igualdade entre os demais entes federados e,
em consequência, limitando o exercício do poder político.
Isto posto, o Estado de Direito é aquele que teoricamente estabelece um
tratamento igualitário das leis a todos indistintamente, sendo dever de todos cumpri-
las na sua totalidade, para que se possa assegurar os pilares do ordenamento
jurídico, que por seu turno procuram proteger os direitos fundamentais do homem,
respeitar a hierarquia entre normas constitucionais e a separação dos poderes
(limitar os abusos do Estado e garantir a vontade do povo). Outra característica que
se pode sopesar, é que o Estado fica adstrito ao cumprimento de certas regras que
ele mesmo impôs, não gerando imposição dos destinatários das leis para sua devida
aplicação no caso concreto.
Em que pese as considerações apontadas, a melhor doutrina assevera que
não é razoável olhar para o Estado de Direito como um garantidor imediato de tais
28 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 89.
23
prerrogativas, é preciso que se pondere a vontade do Estado e da população
conjuntamente; isso porque, não basta ter o direito assegurado, deve-se dar máxima
efetividade. Neste viés, surgiu o Estado Democrático de Direito que, oportunamente,
veio para garantir e efetivar os direitos fundamentais do homem por meio de
garantias fundamentais e legislações constitucionais, com o fim de atingir o direito
da dignidade da pessoa humana. Aliás, a democracia surge no conceito justamente
porque a Constituição brasileira de 1988 estabelece que todo poder emana do povo
a ser exercido pelos seus representantes.
Ao que tudo indica, o poder também deve ser praticado pelo povo de forma
eminentemente indireta, de tal sorte que as preocupações sociais deverão estar
manifestadas para não ultrapassar os ditames impostos unilateralmente pelo Estado
e, assim, se fazer presente as minorias para se obter a mais lidima justiça social.
Schwartz ressalta que “é uma modalidade estatal que procura transformar a
realidade (...) fundamentada e baseada em vetores axiológicos, tais como os direitos
fundamentais do homem.”29
Além desse cenário, é certo que o Estado em sua função soberana tem
diferentes papéis quando se trata de direitos do homem, pois no ordenamento
jurídico brasileiro há especificadamente obrigações de fazer e não fazer. Carvalho30
clarifica a distinção que se exibe sobre a responsabilidade do Estado em face aos
direitos de defesa e direitos sociais, posto que cada um reflete um atuar singular do
ente estatal. Na ocasião em que se aborda os direitos de defesa, há uma abstenção
do Estado em relação aos seus atos praticados; essa limitação ocorre para que não
se sucedam os abusos dos Poderes Públicos, surgindo uma certa proteção aos
direitos individuais do homem; desta forma, o caráter que se revela é uma prestação
negativa do ente estatal (obrigação de não fazer).
Em contrapartida, os direitos sociais devem ser tratados pelo Estado
incessantemente, dado que exibem uma garantia precípua para obter-se uma
existência digna e íntegra, assegurando o mínimo existencial e permitindo ao
indivíduo reivindicações de melhores condições de vida; portanto, as prestações são
positivas, proporcionando e salvaguardando os direitos sociais (obrigação de fazer).
Considerando que o Estado Democrático de Direito rege sobre o ordenamento
jurídico brasileiro, dispondo de um atuar positivo perante os direitos sociais e que a
29 SCHWARTZ, 2001. p. 49. 30 Cf. CARVALHO, 2011. p. 158.
24
sociedade como um todo tem que se estruturar para buscar uma transformação das
desigualdades sociais, é inegável que a justiça social deve preponderar em todas as
situações, com o objetivo de construir uma igualdade e reciprocidade de direitos
entre todos os cidadãos.
Porquanto, a Constituição Feral intitulada como a Lei Maior da sistemática
atual, quando discorre sobre os direitos sociais, pauta-se em evidenciar um caráter
vinculativo dos Poderes Públicos e da sociedade, com o intuito de se alcançar a
efetividade dos direitos sociais. Schwartz assevera em sua obra que a Constituição
Federal “não é um estatuto jurídico político, mas sim um plano global normativo,
visando a uma nova ordem econômica e social, e estipulando objetivos e programas
que deverão ser efetivamente concretizados pelo Estado como pela sociedade.”31
Além disso, para uma melhor compreensão do conteúdo abarcado, mister
analisar as noções jurídicas do tratamento legal que o direito à saúde possui no
ordenamento pátrio, assim como internacionalmente. De antemão, destaca-se a
influência que o direito estrangeiro trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro que,
consequentemente, se estendeu às concepções atuais. Em síntese, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas adveio em
meados de 1948, consagrando em sua redação os direitos da vida e integridade
física, de modo que o direito à saúde estava atrelado implicitamente como um direito
fundamental social. Figueiredo32 salienta em sua obra que no direito estrangeiro, é
usual a doutrina apontar a Constituição Italiana de 1948 como marco histórico para
previsão do direito a saúde como um direito fundamental de toda uma coletividade.
Por outro lado, no âmbito brasileiro, atualmente a saúde é tratada na
Constituição Federal de 1988, assim como nas leis infraconstitucionais, de maneira
que, há previsão legal do direito à saúde em variados artigos, sendo reconhecido
incontestavelmente como direito fundamental social. Inicialmente, tal direito
encontra-se demonstrado no artigo 6º, caput33 da Lei Maior, que estabelece que a
saúde é um direito social por excelência. Ainda, salienta-se que o direito à saúde se
31 SCHWARTZ, 2001. p. 49. 32 FIGUEIREDO. 2007. p. 85. 33 Art. 6º. “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019.
25
adequa ao artigo 5º, § 1º 34, pois deve ser acolhido e prestado de forma incólume,
como Felipe Derbli relata “direitos sociais prestacionais possuem caráter vinculativo
para o legislador, constituindo-se num dever jurídico prima facie e podendo ensejar,
inclusive, a declaração judicial de inconstitucionalidade por omissão”35. Por sua vez,
Figueiredo ressalta o entendimento de que:
A fundamentalidade formal do direito à saúde resulta (a) da superior hierarquia axiológica normativa de que goza, enquanto norma constitucional; (b) da previsão entre os limites materiais e formais à reforma constitucional; e (c) da aplicabilidade imediata e vinculatividade imposta aos Poderes Públicos pela norma contida no artigo 5º, §1º, do texto constitucional.36
Ainda, observa-se que a Constituição Federal destinou no título VIII, capítulo
II, uma sessão inteiramente destinada à saúde, sendo tratada em seu bojo como
uma verdadeira garantia fundamental do homem. A lei maior estabelece em seu
texto o artigo 19637, que discorre sobre o direito à saúde como dever do Estado com
a intenção de propiciar todas as formas de assistência à saúde. Em que pesem
estas considerações, a doutrina associa a eficácia imputada à tal norma como
imediata, pois a saúde como direito fundamental social, não pode ficar à mercê de
promessas anunciadas na carta constitucional, devendo a legislação ser cumprida
em sua plenitude.
Deste modo, concretizando tal entendimento, Guido Ivan de Carvalho e Lenir
Santos ressaltam que “O direito à saúde (artigos 6º e 196) é dever estatal que gera
para o indivíduo direito subjetivo público, devendo o Estado colocar à sua disposição
serviços que tenham por fim promover, proteger e recuperar a saúde”38. Ao analisar
esta disposição, conclui-se que a carta constitucional afirmou que o Estado tem
34 § 1º. “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019. 35 DERBLI, Felipe. O princípio da proibição do retrocesso social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 124. 36 FIGUEIREDO, 2007. p. 86. 37 Art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019. 38 CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. SUS – Sistema Único de Saúde: comentários à lei orgânica da saúde – Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2006. p. 36-37.
26
dever de zelar pela saúde dos cidadãos, mediante políticas públicas capazes de
atender os interesses de todos aqueles que almejam a retribuição do Estado, por ser
conferido a este um atuar positivo concreto.
Logo após, sobreveio o artigo 19739 da CF/88 explicitando em seu teor, que o
direito à saúde tem relevância pública perante todos. Isso quer dizer que vinculam
os Poderes Públicos para dar máxima efetividade a tal prerrogativa, pois a
incumbência demonstra competência para legislar e executar o direito de forma
incólume, como elucida Schwartz “é uma questão de competência em duplo sentido.
Por um lado, há que se verificar quem pode legislar sobre saúde, bem como quais
são os órgãos que devem ‘cuidar’ dela”40. A partir desta perspectiva, depreende-se
que a competência para legislar sobre o assunto é concorrente, na medida em que
não está adstrito somente a um poder público, mas para todos aqueles que estão
atrelados na sistemática constitucional. Mas, a competência para tutelar o direito à
saúde sucede especialmente ao Estado, tendo em vista previsão constitucional.
Acerca disso, a doutrina generalizou ao deduzir que o Estado é o gênero e
suas espécies são os Estados-Membros; assim, entende-se que a competência se
torna comum a todos, independentemente de um rol taxativo. Além disso, a parte
final do dispositivo explana que, embora o ente estatal seja o grande responsável
por viabilizar os serviços a fim de dar efetividade do direito à saúde, os terceiros,
pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito privado também são encarregados de
atuar neste escopo; isso se justifica porque a saúde é vista como uma prioridade,
em virtude de estar se zelando pelo bem-estar do indivíduo protegido
constitucionalmente.
Nesta perspectiva, o artigo 198, caput41 compreende o aspecto público do
direito à saúde, bem como assevera que em sua organização, as categorias que
39 Art. 197. “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019. 40 SCHWARTZ, 2001. p. 100. 41 Art. 198. “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019.
27
surgem dão espaço à um sistema único capaz de proporcionar a isonomia dos
princípios constitucionais, viabilizando uma execução uniforme. É evidente que aqui
sobrevém o Sistema Único de Saúde – SUS, como uma instituição prestacional e
impositiva de deveres em face ao Estado, com o propósito de firmar o direito à
saúde. Em breves ensinamentos, Schwartz sintetiza a matéria da seguinte maneira:
Em outras palavras, o art. 198 da CF/88 diz que: há a rede pública de saúde e a rede privada (por contratação ou convênio). Ambas as redes formam uma rede regional (para que sejam respeitadas as particularidades locais) e hierárquica, que devem estrita observância aos princípios do SUS (integralidade, igualdade e participação da comunidade). Daí surge um Sistema Único de Saúde. Portanto, existe um único sistema de saúde, mesmo que composto por sistemas de natureza jurídica diferenciada, visto que todos estão subordinados aos mesmos princípios.42
Por conta disto, o SUS sobrevém à sistemática como uma forma de atender a
saúde em todas as suas particularidades, no sentido de que esse direito seja
efetivamente acessado em diferentes regiões, visto que a prestação pública não é
igualitária e em muitas vezes é precária. Precisamente, o sistema único foi criado
com um fim determinado; alcançar a saúde em sua maior abrangência, impondo à
esquematização, equilíbrio e prestação isonômica para todos os cidadãos, com o
propósito de atingir o princípio da dignidade humana dentro do Estado Democrático
de Direito. Logo, Francisco Avelar Bastos elucida que “o SUS foi concebido para
uma maior qualidade de vida, o acesso à cidadania e à dignidade para todos os
brasileiros”43.
O artigo 199, caput, assenta que “a assistência à saúde é livre à iniciativa
privada”44 de tal sorte que o § 1º 45, estabelece que as empresas privadas
prestadoras de assistência à saúde podem participar do Sistema Único de Saúde,
caso tenham interesse, devendo seguir ditames legais. Destarte, para suprir
eventuais falhas, as empresas privadas ascendem para fornecer o serviço
42 SCHWARTZ, 2001. p. 102. 43 BASTOS, Francisco Avelar. O Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região Centro do Estado do Rio Grande do Sul – CIS. Redes/Universidade de Santa Cruz do Sul, v.4, n.1, jan./abr. de 1999, p.80. 44 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 24 mar. 2019. 45 § 1º. “As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convenio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. ” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao /constituicaocompilado.htm>. Acesso em 24 mar. 2019.
28
adequado, pois complementam o sistema já consagrado. Ainda, frisa-se que tal
atividade será exercida mediante contrato público ou convênio, por se aterem as
disposições atinentes à espécie.
Nas leis infraconstitucionais, o aspecto que se aborda não é diferente, visto
que comporta uma extensa gama de circunstâncias baseadas na justiça social
efetiva. Neste seguimento, advém a Lei orgânica nº 8.080/1990 que versa sobre
disposições gerais à preservação e organização dos serviços correspondentes à
saúde. Em seu bojo, salienta a regulamentação ao Sistema Único de Saúde, bem
como a competência atribuída aos Estados-Membros. A descentralização é uma
forma de organização prevista na Constituição Federal, pois ao sedimentar essa
prerrogativa, analisou-se as necessidades locais de cada ente federativo, de modo
que a realidade social é diferenciada e deve ser tratada em suas principais
condições. Para Lenir Santos a descentralização se justifica, pois:
A fiscalização e o controle da área da saúde podem ser exercidas com mais eficiência e vigor pelo fato de serem executas de forma descentralizada, estando seus agentes (secretários de saúde, vereadores, prefeitos, deputados, etc.) mais próximos da comunidade, ao mesmo tempo que essas ações se interligam num sistema nacional, mantendo, assim, a unicidade do SUS.46
Salientando esse entendimento, no que concerne ao Sistema Único de
Saúde, a descentralização é necessária uma vez que, deve-se objetivar absoluta
acessibilidade da saúde pública, estendendo essa atribuição à todos aqueles que
tem a responsabilidade solidária, como enfatiza o artigo 23, II da Constituição
Federal47. Assim sendo, Wanderley assevera que:
O sistema é denominado ‘único’ tendo em vista que todas as esferas da federação possuem obrigações reciprocas e permanentes em relação à saúde, de modo que se uma delas não cumpre com suas obrigações, a outra deverá fazê-lo, tornando linear a responsabilidade de todos os entes federativos, com responsabilidade comum e solidária perante a população48
46 SANTOS, Lenir. O poder regulamentador do Estado sobre as ações e os serviços de saúde. São Paulo: Lemos Editorial, 1997. p. 258. 47 Artigo 23. “É competência comum da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios: II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019. 48 WANDERLEY, 2011. p. 86-87.
29
No que tange a competência atribuída aos Municípios, estes têm o
compromisso de adotar medidas ou investimentos para dar atenção as
necessidades básicas da população, em razão de compreender a real situação do
contexto de assistência à saúde em certa região. Assim, no momento em que há
disparidade na prestação ou quando há certa carência na disposição do serviço, os
entes podem realizar parcerias por meio de consórcios intermunicipais, para
cooperar com a melhoria da saúde pública, atendendo as dificuldades daqueles que
mais necessitam.
Isto posto, percebe-se que os consórcios são uma forma de descentralização,
sendo uma prerrogativa e não uma imposição legal para realizar tal ação, não
obstante, quando não há uma disposição legal expressa, tudo aquilo que vem para
acrescentar ou melhorar uma questão crítica, os demais entes podem buscar
soluções com o escopo de atingir devidas condições de vida aos indivíduos de
direitos. Ainda, a Lei Orgânica da Saúde incorporou em seu conteúdo, aspectos
cruciais para o deslinde do tratamento legal, de modo que destacou que o direito à
saúde é amplo e universal, impondo um caráter coletivo e abrangente, não
permitindo que este direito seja restringido por uma interpretação prematura de
disposições legais esparsas, como se vê no artigo 2º, §1º
O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos e doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acervo universal e igualitário às ações e aos serviços para sua proteção, promoção e recuperação.49
Neste diapasão, advém a Lei 8.142/90 que ressalta em seu conteúdo, a
importância da correta aplicação dos recursos destinados aos serviços de
assistência à saúde, de modo que implementou o Fundo Nacional de Saúde, como
um capital reservado para gestão do capital remetido ao Sistema Único de Saúde no
âmbito federal. No mesmo raciocínio, a lei infraconstitucional dispõe sobre o Fundo
Municipal de Saúde, que é um instrumento de controle dos repasses advindos da
União para os Município. José Francisco das Graças Cruz elucida que “é uma Conta
Especial de utilização especifica na saúde. Trata-se de uma ferramenta básica da
49 BRASIL. Decreto-Lei n. 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /L8080.htm>. Acesso em: 18 out. 2018.
30
gestão financeira exigida por lei para o processo de municipalização”50. À vista
disso, tem-se que a saúde é abarcada pelo ordenamento jurídico pátrio em seus
mais lídimos aspectos, de tal sorte que instituiu prerrogativas de organização
capazes de auferir todas as situações ao tratar do direito à saúde.
50 CRUZ, José Francisco das Graças. Assistência à Saúde no Brasil: evolução e o sistema único de saúde. Pelotas: Educat, 1998. p. 61.
31
3 REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS
DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Como já é sabido, a assistência à saúde tem relevância geral perante todos
aqueles que se submetem ao exercício de oferecer tal compromisso, pois tem
caráter primordial perante outros direitos inerentes ao homem. Tal colaboração se
presta à preservação e manutenção da saúde, por meio de profissionais capacitados
e infraestrutura íntegra, de maneira que dão o suporte necessário para concretizar
tal fim. Denota-se, portanto, conforme artigo 199 da Constituição Federal de 1988,
que a assistência à saúde pode ser prestada através da iniciativa privada; muito
embora os serviços de assistência à saúde sejam executados por meio do Estado e
de pessoas jurídicas de direito público, a incumbência se estende as últimas, sendo
responsáveis pela prática das operadoras de planos de saúde.
Compreende-se que o SUS em seu aspecto determinante (oferecimento de
serviços de assistência à saúde de forma gratuita e universal), apresenta uma aliada
paralela; as prestadoras de serviços privados. Por sua vez, estas visam dar maior
efetividade à saúde, com mecanismos próprios, desejando em consequência, lucro
da atividade desenvolvida. Deste modo, Fabiana Ferron enfatiza que:
A livre presença da iniciativa privada no mercado de saúde é amparada pelo artigo 199. Entretanto, de acordo com seu §1º, a participação deveria ser feita de forma complementar ao Sistema Único de Saúde – SUS, o que não ocorre na prática, tendo em vista que o Estado não foi capaz de superar as dificuldades crônicas do setor, oferecendo à população um serviço de baixa qualidade. A iniciativa privada opera no setor justamente porque o sistema público, decadente e sem recursos, não tem como oferecer o que dele se espera.51
Nesta toada, o ingresso dessa categoria se justifica pelo fato de que o estado,
enquanto gestor soberano, não atingiu uma solícita qualidade no préstimo do
serviço, aderindo então, ao complemento da iniciativa privada para superar todas as
crises decorrentes de baixa qualidade e dificuldades financeiras. Por conseguinte, é
sabido que no atual contexto brasileiro, os serviços privados estão sob a perspectiva
de saúde suplementar, que por interesse estão conveniados ao Sistema Único de
51 FERRON, Fabiana. Planos Privados de Assistência à Saúde: Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. São Paulo: Universitária de Direito, 2001. p. 22.
32
Saúde (SUS), financiados e disponibilizados por instituições particulares; diante
disso, relevante esclarecer o conceito de saúde suplementar.
A doutrina tem se debruçado a respeito do assunto, visto a real importância
que o tema denota; assim, a saúde suplementar cuida-se da participação do
particular, de acordo com os seus interesses, nos serviços de saúde, visando prover
as limitações que o sistema público propicia aos cidadãos. De outro modo,
exemplifica Leonardo Vizeu Figueiredo “trata-se de atividade econômica em sentido
estrito, regida por princípios e regras de direito privado, sendo seu acesso garantido,
tão somente, à parcela da população com renda para contratar tais serviços”52.
Diante de tal assertiva, com a consonância da Lei Maior ao introduzir a
assistência privada para fornecer o direito à saúde de forma suplementar e na
presença de fatores que evidenciaram a evolução deste segmento na esfera das
relações sociais, houve um forte aumento de operadoras de planos de saúde que,
por consequência, não conferiam uma prestação do serviço considerável, posto que
geraram uma grande insatisfação dos usuários pelos serviços dispendiosos. Neste
mote, surgiu a necessidade de intervenção estatal para regular tal atividade, visto
que não se notou à época os desdobramentos que tomariam e as circunstancias que
levariam tal temática. Portanto, frisa-se o sensato entendimento de Figueiredo:
Assim, o setor de saúde está, permanentemente sob a fiscalização e o controle do Poder Público, inclusive quando prestado pela iniciativa privada. Todavia, em que pese tamanho poder de dominação, isto não quer dizer que o Estado deva atuar como ente arbitrário, centralizador e planificador, alheio aos demais interesses dos segmentos que compõem o setor. Ao contrário, deve atuar de forma ponderada e parcimoniosa, a fim de não inviabilizar a suplementação privada dos serviços de saúde, conciliando os interesses privados e as forças de mercado com o atendimento das necessidades coletivas e os interesses da nação.53
Em 03 de junho de 1998, sobreveio a edição da Lei nº 9.656/98, que em
alguns artigos foi alterada pela Medida Provisória de nº 1.730-7 de 1998, sancionada
pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso e, ao longo de seu
trâmite, teve várias reedições que por seu turno, regulamenta a assistência à saúde,
relativamente aos planos e seguros privados, como resposta do Estado as entidades
privadas por se tratar de um direito fundamental social e de relevância pública.
52 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de saúde suplementar: manual jurídico de planos e seguros de saúde. São Paulo: MP, 2006, p. 29. 53 Ibid., p. 106.
33
Deste modo, a lei incidiu em todos os contratos de seguro e planos de saúde, não
deixando lacunas a serem deduzidas pelo intérprete. Acerca desta regulamentação,
Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado exemplificaram em sua obra que:
A Lei 9.656, de 03.06.1998, pretendeu disciplinar o universo dos empresários que exploram os serviços de seguros-saúde, planos de saúde e assistência médica, a normatização da administração dessas atividades, a modificação da disciplina das sociedades de profissionais cujo objeto é a prestação desses serviços às empresas do ramo. E têm sido bastante satisfatórios os resultados do disciplinamento dessa atividade da saúde suplementar, por uma legislação específica, conquanto elaborada emergencialmente, sem observância dos estudos preparativos de legislação tão especial.54
É certo que a Lei nº 9.656/98 veio para regulamentar os planos ou seguros
privados de assistência à saúde, de tal sorte que os integrantes deste sistema, como
os médicos, enfermeiros e dentre outros profissionais tem regulamentação própria
em leis especificas, de acordo com seus órgãos de classe. Salienta-se que, além da
lei em comento trazer e seu bojo uma vasta normativa aos segurados e usuários dos
serviços impostos, verificou-se que a lei foi inovadora ao impor em seu texto a
autorização de funcionamento mediante registro perante a Agência Reguladora, sob
pena de se tornar irregular a atividade exercida e a incidência de cláusulas de
cobertura dos serviços com a anuência do usuário.
3.1 DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS)
Neste passo, salienta-se o critério de instauração da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) como figura regulamentar da assistência à saúde no
âmbito privado e logo após a competência que lhe é atribuída nos seus mais lídimos
aspectos. Em suma, no Brasil, a existência das autarquias surgiu com a influência
do direito francês – embora sua origem e estruturação se deu no direito inglês – sob
o escopo de uma redefinição do Estado em pleno século XX, levando em
consideração a ideia de desburocratizar o sistema da Administração Pública, sob a
forte influência do modelo inovador presente na Europa e Estados Unidos.
54 BOTTESINI, Maury Ângelo, MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde comentada: artigo por artigo. [e-book]. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. n.p. Disponível em: <https://online.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-6415-3/cfi/6/22!/4/62/2@0:100>. Acesso em: 15 out. 2018.
34
Deste modo, a Constituição Federal de 1988 abarcou no artigo 37, XIX o
processo de concepção das autarquias, pois “somente por lei específica poderá ser
criada autarquia (...) cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas
de sua atuação” 55 Por outro lado, o Decreto Lei nº 200 de 1967 que dispõe sobre
organização da administração federal e estabelece diretrizes para a reforma
administrativa, em seu artigo 5º, inciso I, conceituou as autarquias públicas como
“serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita
próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública (...) gestão
administrativa e financeira descentralizada”56
Assim, a descentralização de atos passou a ocorrer de forma costumeira,
ocorrendo a delegação de certas atividades, como a regulamentação e a
fiscalização (que anteriormente somente o serviço público poderia exercer) às
autarquias. Entretanto, com a instauração desse novo padrão, o Estado passou a
ser um fiscalizador das atividades privadas, não possuindo por si só uma natureza
intervencionista como era de costume, visto que muitos desses exercícios versam
sobre direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Nesta esteira,
surgiram as agências reguladoras, sob a aparência de autarquias em regime
especial, para efetivamente regular atividades essenciais ao desenvolvimento de
determinado setor da economia que de fato apresentam interesse público. O
conceito que se extrai desta entidade é muito claro e consensual na doutrina, como
o jurista Marçal Justen Filho clarifica que:
Autarquia especial, criada por lei para intervenção estatal no domínio econômico, dotada de competência para regulação de setor específico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para arbitramento de conflitos entre particulares e sujeita a regime jurídico que assegure autonomia em face da Administração direta.57
A natureza jurídica que as agências reguladoras apresentam é, basicamente,
a ideia de administração pública indireta, uma vez que são pessoas jurídicas de
direito público, vinculadas ao ente estatal, mas sob uma perspectiva autônoma,
55 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 30 out 2018. 56 BRASIL. Decreto nº 200, de 25 de fevereiro de 1987. Dispõe sobre organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200.htm> Acesso em: 5 nov. 2018. 57 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 344.
35
autossuficiente e dotadas de independência. Ao elucidar sobre o tema em comento,
Alexandre de Moraes ressalta a forma como as agências reguladoras tratadas como
independentes, aludindo a “presença dos seguintes preceitos obrigatórios em suas
leis de criação: independência financeira; escolha dos instrumentos de regulação; e
modo de nomeação de seus dirigentes”.58
O objetivo da instauração é justamente a incumbência de regular, fiscalizar e
controlar as atividades da iniciativa privada, visto que a sua atividade primordial é o
poder de polícia. Em relação a sua concepção, aplica-se as mesmas considerações
feitas às autarquias, na medida em que poderá ocorrer a criação de agências
reguladoras exclusivamente por meio de lei específica, sendo certo que serão
submissas ao ente da Administração Pública Direta que as criou, de modo que não
obterão lucro na sua atividade.
Partindo desta premissa, convém elucidar o objeto de estudo do presente
subtítulo, isto é, a Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A autarquia em
regime especial supracitada surgiu com o advento da Lei nº 9.961 de 28 de janeiro
de 2000, sendo a sua regulamentação aprovada pelo Decreto Lei nº 3.327 de 2000,
que em síntese, dispôs sobre atribuições e competências para sua devida atuação
no ramo da saúde. O seu propósito é controlar, fiscalizar e regular o setor de
assistência à saúde suplementar, para promover a devida estabilidade nas relações
existentes entre o consumidor e os planos e seguros de saúde, conforme Esmeraldi
acentua
Assim, os poderes conferidos por lei à ANS carregam funções voltadas e destinadas para regulação (produção de mecanismos para acompanhamento da aplicação das regras e disciplina já contidas na Lei n. 9.656/98 nos contratos dela derivados), para controle (produção de mecanismos para garantir acompanhamento operacional e eficácia de seus resultados) e para fiscalização (acompanhamento atento, objetivo e, quando caso, punitivo em face de descumprimento da lei e de seus respectivos contratos) sobre as operadoras de planos privados de assistência à saúde e seus respectivos contratos, como previstos na Lei n. 9.656/98.59
58 MORAES, Alexandre de. (Org.). Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 25. Disponível em: <https://online.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522474417/cfi/25!/4/4@0.00:0.00>. Acesso em: 30 out 2018. 59ESMERALDI, Renata Maria Gil, LOPES, José Fernando da Silva. Planos de Saúde no Brasil: doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 40. Disponível em: <https:// online.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502215047/cfi/40!/4/4@0.00:70.5>. Acesso em: 02 nov. 2018.
36
O artigo 1º da Lei nº 9.961 de 28 de janeiro de 2000, trata dos aspectos
atribuídos à sua espécie, como “prazo de duração indeterminado e atuação em todo
o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização
das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde”.60 Ademais, no que
tange ao controle dos seus atos, a legislação faz menção aos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, sendo certo que a ANS deve se submeter as investidas dos
poderes públicos para realização de suas competências. Isto porque, que de acordo
com o artigo 2º, caput “Caberá ao Poder Executivo instalar a ANS, devendo o seu
regulamento, aprovado por decreto do Presidente da República, fixar-lhe a estrutura
organizacional básica”61.
No que tange a sua finalidade, o artigo 3º da lei supracitada ressalta que a
ANS deverá “promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à
saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com
prestadores e consumidores (...)” 62. Além disso, a relação que se estabelece entre a
Lei que dispõe sobre a Agência Nacional de Saúde Suplementar e a Lei que dispõe
sobre os Planos e Seguros de Saúde é deveras relevante, visto que uma e outra se
completam, na medida em que as funções regulamentárias previstas no artigo 4º da
Lei 9.961/2000 se estendem aos contratos redigidos com base na Lei nº 9.656/1998,
visto que as agências desenvolvem mecanismos capazes de aferir qualidade no
serviço prestado, implementando padrões a serem seguidos de forma isonômica
entre todos os contratantes, independentemente de sua condição financeira.
Todavia, apesar da disposição constante no texto da norma, a doutrina
brasileira ressalta a crítica de que a ANS não possuí poder normativo para legislar
ou criar diretrizes autônomas, pois a competência para tanto só se estende ao
previsto constitucionalmente, conforme a devida hierarquia que o ordenamento
jurídico denota, como elucida Esmeraldi:
A ANS, apesar do que consta de sua lei criadora (Lei n. 9.961/2000, art. 1o), não detém poder para produzir normatividade autônoma (CF, art. 5o, II) e
60 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/leis/l9961.htm>. Acesso em: 30 out 2018. 61 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/leis/l9961.htm>. Acesso em: 30 out 2018. 62 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/leis/l9961.htm>. Acesso em: 30 out 2018.
37
qualquer delegação de competência que se lhe fez (Lei n. 9.961/2000, art. 4o, IV, V, VII, XI, XIV) ou se lhe faça não poderia e nem poderá́ afrontar a legalidade constitucional e os legítimos mecanismos constitucionais de produção de normatividade. Se o tivesse feito, isso representaria afronta ao princípio constitucional da legalidade e desrespeito, evidente e manifesto, ao princípio confirmado pelo art. 197 da Constituição Federal imputando ao Poder Público responsabilidade (e competência) para dispor, apenas, sobre regulamentação, fiscalização e controle sobre as pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que prestam serviços de assistência suplementar à saúde.63
Ao que se prescreve, se houvesse essa possibilidade de normatização,
somente ocorreria se não verificasse inovação no mundo jurídico, tendo em vista
que não há qualquer previsão para tal atribuição, de modo que as leis
infraconstitucionais devem se submeter as leis constitucionais, não prevalecendo
sobre essas nos aspectos de competência especifica. Sendo assim, é sabido que o
poder normativo de regulamentar assuntos de interesse geral é do Presidente da
República, conforme artigo 84, IV 64 da Constituição Federal e este delegará suas
atribuições aqueles que melhor calhar e efetivamente dispuserem de total atribuição.
No que concerne ao poder normativo – com exceção daquelas situações que
ferem o princípio da constitucionalidade do ordenamento jurídico pátrio – é possível
verificar o constante no artigo 4º da Lei da ANS, que abarca as diversas hipóteses
de competência, dentre elas a fiscalização dos serviços prestados pela iniciativa
privada também está presente no inciso XXIII “fiscalizar as atividades das
operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das
normas atinentes ao seu funcionamento.” 65
Já no inciso XXXVII a competência de “zelar pela qualidade dos serviços de
assistência à saúde no âmbito da assistência à saúde suplementar”. Dentre as
diversas competências explanadas neste contexto, salienta-se que também compete
a ANS o dever de garantir o equilíbrio contratual na relação entre contratante e
contratado no âmbito de assistência à saúde, na medida em que esta deve proteger
63 ESMERALDI, 2015. p. 39. 64 Art. 84. “Compete privativamente ao Presidente da República: V - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. ” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019. 65 BRASIL. Decreto-Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil _03/leis/l9961.htm > Acesso em: 30 out 2018.
38
e prevenir a não ocorrência vícios ou ilegalidades na execução, ficando adstrita ao
seu devido cumprimento.
3.2 DO CONTRATO PRIVADO DE PLANO DE SAÚDE
Convém elucidar nesse tópico, as principais nuances atreladas ao contrato
privado de plano de saúde, demonstrando em especial as características essenciais
e a pertinente fundamentação para o seu enquadramento no meio jurídico. Tal
instituto comporta vasta relevância, visto que é a peça principal de uma determinada
relação estabelecida, bem como o meio regulatório para o devido cumprimento do
que fora estipulado; ou seja, é formado para que haja força no cumprimento de
determinada disposição prevista no instrumento contratual. Diante disso, passa-se a
tratar do tema em apreço, para possível análise das particularidades submetidas à
categoria.
3.2.1 Considerações Gerais à Espécie e a sua Natureza Jurídica
O contrato no ordenamento jurídico brasileiro é visto como um instrumento
dotado de particularidades, na medida em que compreende a vinculação entre as
partes para implemento de determinada obrigação. Em outras palavras, o contrato é
fonte de obrigações e se permeia como subsídio primordial na relação instituída
entre os contratantes para auferir determinado fim, isto é, o contrato é tido como a lei
entre as partes, possuindo a devida eficácia e força para realização do ônus
existente, diferindo assim, daquelas obrigações que decorrem necessariamente da
lei, como é o caso de prestar alimentos.
A doutrina esclarece que o instituto compreende o efeito jurídico do acordo de
vontades existente no momento da contratação, ao passo que dispõe de força para
criar, modificar ou extinguir uma relação concretizada no meio contratual. Ainda, a
doutrina considera o contrato como um negócio jurídico, que gera direitos e
obrigações para ambas as partes e que para sua formação, é indispensável a
atuação de pelo menos dois membros. Sobre as considerações abordadas, ressalta-
se as lições do jurista Caio Mario da Silva Pereira
39
O fundamento ético do contrato é a vontade humana, desde que atue na conformidade da ordem jurídica. Seu habitat é a ordem legal. Seu efeito, a criação de direitos e obrigações. O contrato é, pois, um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos.66
Neste negócio jurídico que a doutrina acentua, para que haja uma relação
plenamente possível, a validade contratual deve ser um norte para a continuação da
relação, considerando que o objeto requer pressupostos de licitude, possibilidade e
determinação. Dentre as diversas peculiaridades que o instituto dispõe, acentua-se a
função social dos contratos. A teoria contratual compreende diversos princípios
atinentes à sua espécie, ao passo que se destaca a autonomia da vontade e a
obrigatoriedade contratual. Dentro desta perspectiva, a liberdade contratual operava
de modo uniforme sem nenhuma limitação ou controle por parte do ente estatal
sobre o que fora conciliado entre as partes.
Acontece que a Constituição Federal de 1988 ao tratar das questões
individuais, atestou implicitamente que os interesses comuns, em todas as
situações, prevalecem sobre os particulares quando se trata dos interesses da
coletividade. Melhor dizendo, os interesses individuais se sujeitam aos preceitos
constitucionais, na medida em que devem primar pela igualdade de direitos,
derivando daí a função social dos contratos.
Nestas considerações, o Código Civil trouxe a expressão da função social do
contrato em seu artigo 421 “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato” 67. Ao analisar essa disposição, constata-se que
a liberdade contratual como preceito inerente deve respeitar essa função, dado que
para a melhor doutrina, a função social é tida como uma imposição ao princípio da
autonomia contratual, devendo se sujeitar aos interesses sociais, posto que se deve
primar pelos interesses coletivos para que não haja uma discrepância na hierarquia
do ordenamento jurídico, como o jurista Caio Mario da Silva Pereira esclarece:
A função social do contrato serve precipuamente para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório. Tal princípio desafia a concepção clássica de que os
66 SILVA PEREIRA, Caio Mario. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 7. 67 BRASIL. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 nov. 2018.
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contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade. Essa constatação tem como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros, que não são propriamente partes do contrato, possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos. 68
Para que o devido enfoque da função social esteja presente, é preciso que a
sua finalidade de fato seja atendida, isto é, tem que preponderar no caso concreto
os direitos individuais assim como os sociais, mas ter a consciência de que quando
se tratar destes dois direitos, de qualquer maneira deverá prevalecer os direitos da
coletividade, posto que tem o caráter de proteger as prerrogativas sociais e/ou
comuns e não somente as individuais, exclusivas de um indivíduo, logo, é adequado
afirmar que a devida finalidade somente será satisfeita, quando observada a
igualdade, proporção ou equilíbrio social.
Neste viés, importante ressaltar o princípio da boa-fé contratual, que de uma
forma geral servirá de norte para o presente trabalho quando se tratar do último
capítulo. A boa-fé contratual é de extrema relevância na teoria contratual, ao passo
que exige conduta correta das partes nas tratativas, assim como durante a vigência
da relação contratual. O Código Civil trouxe essa concepção no seu artigo 422,
elucidando que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”69.
A melhor doutrina elucida que a boa-fé deve ser presumida, enquanto a má-fé
deve ser provada mediante todas as provas de direito admitidas. Assim, a boa-fé
compreende uma conduta adequada das partes contratantes, em conformidade com
as regras do ordenamento jurídico brasileiro, como Carlos Roberto Gonçalves
acentua que “impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou
seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum,
atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar”70. Desta maneira, em
uma demanda judicial, o Juiz deve se valer de cláusulas gerais para o andamento do
feito, como é caso da boa-fé objetiva, visto que o ônus da prova é de quem alega.
Portanto, a imparcialidade é medida que se impõe quando não há provas robustas
para o julgamento da causa.
68 SILVA PEREIRA, Caio Mario, 2003, p. 13-14 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. III: contratos e atos unilaterais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 5. 69 BRASIL. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 nov. 2018. 70 GOLÇAVES, 2007. p. 33.
41
Neste diapasão, a boa-fé comporta duas vertentes, a boa-fé objetiva e a
subjetiva. A objetiva aborda em seu principal aspecto a ética, que exige do
contraente um comportamento de acordo com o que fora pactuado, sem vícios ou
intenções fraudulentas, apenas agindo com a lealdade de cumprir o objeto do
contrato. Judith Martins Costa compreende “a boa-fé como norma que não admite
condutas que contrariem o mandamento de agir com lealdade e correção, pois só
assim se estará a atingir a função social que lhe é cometida”71. Noutro norte, a
subjetiva abarca a ideia de verificar a conduta, a intenção do indivíduo no momento
da contratação, sendo que a má-fé certamente estará presente. Em outras palavras,
encontra-se a consciência no agir de determinada forma em desconformidade com o
direito, como elucida Martins Costa em sua obra:
A expressão ‘boa-fé subjetiva’ denota ‘estado de consciência’, ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar outrem. 72
Conforme Carlos Roberto Gonçalves73 esclarece, a regra da boa-fé serve
tanto para exigir o cumprimento de determinada incumbência, bem como para
afastar o contraente que descumpriu com o que fora acordado, tendo em vista que a
intenção do agente é imprópria em detrimento do mais vulnerável, quando, por
exemplo, o credor exerce seu direito de maneira demasiada, excessiva ou arbitrária,
não se importando com o direito do devedor quando há inadimplência no contrato.
Feita as considerações gerais atinentes à espécie, cumpre ressaltar as
particularidades inerentes ao contrato privado de plano de saúde. Conforme aludido
anteriormente, no que tange a assistência suplementar de direito à saúde, a
proteção que se recai sobre esta matéria é precipuamente de ordem pública, de
modo que a saúde como direito fundamental social, merece toda a proteção jurídica
do ordenamento jurídico pátrio, estendendo a competência de regulamentação às
leis constitucionais, bem como as leis ordinárias, já que o bem estar social deve ter a
71 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 411. 72 MARTINS-COSTA, loc. cit. 73 Cf. GONÇALVES, 2007. p. 38.
42
incessante atuação do Estado, para que não se ocorra o descumprimento deste
direito assegurado pela Lei Maior.
Partindo deste entendimento, Joaquim Fernandes Neto reforça a ideia de que
a saúde na teoria contratual se individualiza pela relevância notória em que se vê
abarcada no meio jurídico, já que “a saúde é um bem ou interesse transindividual
que não se confunde com o objeto dos contratos com as operadoras, mas tem
hierarquia superior e força para determinar-lhes o sentido”74. Neste contexto, os
planos de saúde devem respeitar as normas cogentes, visto que o objeto primordial
do contrato é o direito à saúde, direito este caracterizado como fundamental e social,
assegurado constitucionalmente.
A doutrina tem definido o contrato de plano de saúde como um negócio
jurídico capaz viabilizar o acesso à saúde suplementar, mediante o pagamento
mensal de uma quantia específica, sucedendo assim, a incumbência de fornecer o
atendimento médico adequado, considerando que o contrato é visto como
intermédio para prestação de serviços assistência à saúde, como elucida Carlos
Alberto Ghersi citado por Schaefer “na medicina pré-paga, o usuário paga em
dinheiro uma prestação periódica para receber o serviço diretamente da empresa,
conforme definido em contrato, podendo a empresa terceirizar seus serviços”75. Pois
bem, os contratos de planos de saúde, na perspectiva contratual, possuem
características próprias, como Cláudia Lima Marques destaca de maneira primorosa:
São serviços contínuos e não imediatos, serviços complexos e geralmente prestados por terceiros, aqueles que realmente realizam o “objetivo” do contrato. O objeto principal desses contratos é a transferência (onerosa e contratual) de riscos/garantias referentes a futura necessidade de assistência médica ou hospitalar. A efetiva cobertura (reembolso) dos riscos futuros à sua saúde e de seus dependentes, a adequada prestação direta ou indireta dos serviços de assistência à médica (pré-pagamento) é o que objetivam os consumidores a contratar com essas empresas. Para atingir este objetivo, os consumidores manterão relações de convivência e dependência com os fornecedores desses serviços de saúde por anos, pagando mensalmente suas contribuições, seguindo as instruções (por vezes exigentes, burocráticas e mais impeditivas do que) regulamentadoras dos fornecedores, usufruindo ou não dos serviços, a depender da ocorrência ou não do evento danoso à saúde do consumidor e de seus dependentes (consumidores equiparados). 76
74 FERNANDES NETO, A. J. Planos de saúde e direito do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 216. 75 GHERSI, Carlos Alberto, 1993, p. 125 apud SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade Civil dos Planos & Seguros de Saúde. 3. ed. atual e rev. Curitiba: Jaruá, 2010. p. 41. 76 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 489.
43
Por outro lado, Schaefer77 ressalta as características essenciais do
instrumento contratual aludido, como um mecanismo transacional capaz de
formalizar a prestação do serviço de assistência à saúde, mediante o pagamento de
determinada quantia ao contratado, para que haja o devido fornecimento do
atendimento médico ao contratante. Consiste, portanto, em uma obrigação de fazer,
dotada de obrigações recíprocas, visto que há deveres para todos os contraentes da
relação instaurada, ao passo que muitas vezes essa espécie contratual possui um
prazo indeterminado, isto é, pressupõe-se que a relação é contínua onde se deve
primar pelos princípios já aludidos anteriormente.
Portanto, compreende-se que os contratos privados de planos de saúde são
considerados como um meio para se chegar a um fim específico, o fornecimento de
assistência à saúde suplementar, tendo em vista que mediante a gratificação
pecuniária, surge a obrigação de fazer, devendo ser atribuída a ambas as partes,
dado que o contratante deve adimplir com seus encargos contratuais, assim como o
contratado de assumir os riscos e prestar o correspondente auxilio quando oportuno.
3.2.2 Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Previamente à análise da aplicação de tal códex nos vínculos de assistência à
saúde, salienta-se breves ponderações a respeito das relações consumeristas, dado
que o presente tópico se mostra corretamente pertinente e de absoluta influência
com o tema aqui abordado. Em suma, anteriormente à promulgação da Constituição
Federal de 1988, não havia relatos sobre legislação adequada aos direitos do
consumidor, que de fato protegesse integralmente tais prerrogativas, pois somente
encontravam-se algumas passagens sobre essa perspectiva nos princípios do direito
privado, como, por exemplo, a obrigatoriedade contratual.
Com o advento da Lei Maior, houve consideráveis modificações em relação
aos direitos do consumidor, em razão de novos paradigmas instituídos no Estado
Liberal, sobrevindo daí, novas garantias com total enfoque em direitos da
coletividade, não objetivando somente o indivíduo em particular. Isto posto, ao tratar
sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos do homem, a carta constitucional
77 SCHAEFER, 2010. p. 41.
44
em seu artigo 5º, inciso XXXII, assegurou que “o Estado promoverá, na forma da lei,
a defesa do consumidor”78. Como se vê, a defesa do consumidor é zelada como um
preceito legítimo, dotado efetivamente de proteção legal. Diante de tal inovação,
Schaefer assenta que:
A Constituição Federal de 1988, reconhecendo a condição de vulnerabilidade do consumidor, no Art. 48 dos Atos e Disposições Transitórias, determinou a elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Assim, o Constituinte de 1988 instituiu como obrigação do Estado proteger e equilibrar as relações de consumo, bem como tornar eficaz o princípio da dignidade da pessoa no mercado de consumo 79
Em outra análise, pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988
clarifica que o consumidor é a parte mais fraca na relação existente junto aos
fornecedores de produtos e/ou serviços, gerando a preservação efetiva dos direitos
inerentes ao consumidor no âmbito constitucional, para que o devido equilíbrio entre
as partes seja de fato estabelecido, como é o caso de cláusulas abusivas em
contratos de adesão. Por conseguinte, verificando que a matéria assegurada pelo
Estado soberano abrangia particularidades e especificidades próprias, a lei nº
8.07880, promulgada e aprovada pelo Congresso Nacional em 11 de setembro de
1990, regulamentou a proteção e defesa do consumidor, originando um código
autônomo inteiramente capaz de disciplinar as atividades consumeristas, a fim de
proteger e reestabelecer o equilíbrio nas relações de mercado.
O Código de Defesa do Consumidor consolidou direitos subjetivos de toda
uma coletividade, dispondo de força normativa e regulamentação própria, com a
intenção de promover o bem-estar social do consumidor, assim como dispõe o artigo
1º “o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de
ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V,
da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”81 bem como,
também é possível perceber no artigo 6º que “são direitos básicos do consumidor: I -
a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no
78 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019. 79 SCHAEFER, 2010, p. 64. 80BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03 /leis /L8078.htm>. Acesso em: 02 nov. 2018. 81 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03 /leis /L8078.htm>. Acesso em: 02 nov. 2018.
45
fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos (...)”82. Em
outras palavras, pode-se afirmar que a saúde é abrangida tanto no diploma
constitucional inserida na bem-estar social assim como em lei subsidiária, para que
a devida força normativa seja cumprida integralmente e que este direito não se
encontre desprotegido.
Conforme Schaefer83 enfatiza em sua obra, o Código de Defesa do
Consumidor não foi criado tão somente para proteger os indivíduos dos abusos das
relações de consumo, é também plenamente capaz de ser utilizado como
instrumento aos consumidores, para que estes exerçam cidadania e reivindiquem as
suas garantias com o intuito de estabelecer a ordem econômica social. Isso também
deve ser aplicado nas relações contratuais, visto que os consumidores devem ser
livres para contratar fornecedores, ao passo que os últimos também devem cumprir
com os preceitos acordados entre ambas as partes, para que não haja repressão e
discrepância em eventuais atos praticados contrários às leis a aos bons costumes.
Denota-se que atualmente o contrato de plano de saúde se submete a
regulamentação da Lei nº 9.656/98, entretanto, nem sempre foi assim; conforme
Esmeraldi84 esclarece, os contratos de assistência à saúde quando criados se
submetiam ao regime jurídico do Código Civil Brasileiro, ao passo que,
posteriormente, depreendeu-se que a legislação aplicada não era a mais adequada
para esta espécie, visto que necessitava de legislação própria em virtude de suas
especificidades e por se tratar de um direito fundamental e pertinente a todos
indefinidamente.
Em seguida, o legislador se atentou para a criação de norma específica para
regulamentar os contratos de planos de saúde, originando daí a lei 9.656/98 que
dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, determinando
que o Código de Defesa do Consumidor era pertinente de forma subsidiária. Tal
afirmação é encontrada no artigo 35-G da legislação “aplicam-se subsidiariamente
aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o §
1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990. ” 85
82 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03 /leis /L8078.htm>. Acesso em: 02 nov. 2018. 83 Cf. SCHAEFER, 2010. p. 66. 84 Cf. ESMERALDI, 2015. p. 89. 85 BRASIL. Lei nº 9.656 de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9656.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019.
46
Isso se justifica porque fora considerado que no vínculo estabelecido nos
contratos de planos de saúde, a relação existente era de fato uma relação de
consumo por excelência, pois se encontravam perfeitamente todos os sujeitos; os
contratantes tratados como consumidores, conforme definição no artigo 2º do
Código de Defesa do Consumidor86 e a operadora e/ou as seguradoras como
fornecedoras, enquadradas no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.87
Todavia, apesar da legislação vigente concluir que as normas do Código de
Defesa do Consumidor aplicam-se subsidiariamente aos contratos de plano de
saúde, o entendimento dos Tribunais pátrios é uníssono no sentido que deve ser
aplicado pontualmente as regras consumeristas, com o intuito de zelar e proteger os
interesses dos consumidores ante as práticas abusivas, para que de certa forma
origine um equilíbrio entre fornecedor e consumidor, uma vez que os serviços
contratados são por tempo indeterminado, salvo convenção entre as partes.
Isso se aperfeiçoava na Súmula nº 469 do Superior Tribunal de Justiça,
editada em 2010, concretizando o entendimento de que é aplicável o referido código
nos contratos de planos de saúde. Entretanto, esta assimilação sumulada foi
cancelada em 11/04/2018, pela Terceira Seção do STJ, em decorrência da Súmula
nº 608, redigida em 2018, que trouxe inovações ao assunto ora referido, originando
a seguinte redação “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de
plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”88. A
modificação pertinente da não aplicação do CDC às entidades de autogestão, é
basicamente pelo reconhecimento da inexistência de relação de consumo entre o
consumidor e as entidades de autogestão, pois estas não objetivam o lucro, apenas
são vinculadas as entidades que detém de tal escopo.
Deste modo, a convicção sobre o assunto é pacífica nos tribunais pátrios,
haja vista que o Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, atenuou
86 Art. 2° “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm> Acesso: 30 jan. 2019.” BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990. Disponível em:<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis /L8078.htm>. Acesso em: 30 jan. 2019. 87 Art. 3° “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. ” BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso: 30 jan. 2019. 88 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmulas Anotadas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br /SCON/sumanot/toc.jsp?materia=%27DIREITO%20DO%20CONSUMIDOR%27.mat.#TIT10TEMA0>. Acesso em: 09 mar. 2019.
47
a seguinte perspectiva ao julgar um Recurso Especial como Relator, proferindo a
seguinte decisão “firmou o entendimento no sentido de que não se aplica o Código
de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade
de autogestão, por inexistência de relação de consumo” 89. Isto posto, analisa-se
que a regra que se impõe é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos
contratos de plano de saúde, ao passo que a inaplicabilidade de tal códex se refere
aos contratos administrados por entidades de autogestão, tendo em vista que não
objetivam lucro, tampouco a instauração de uma relação de consumo.
Desta forma, pode-se afirmar que a relação que se estabelece entre o CDC e
a lei 9.656/98 é de reciprocidade, pois ambos são aplicados conjuntamente na
maioria das situações, para que o indivíduo seja protegido a luz das regras
consumeristas bem como, perante lei especifica que regulamenta a atividade
exercida neste âmbito contratual. Além disso, ressalta-se que o objeto característico
defeso das normas do consumidor encontra-se na prestação de serviços, que se
atrela aos contratos de planos de saúde por se tratar de uma contraprestação
mediante remuneração, como é o caso da assistência à saúde suplementar.
Dentre todas as considerações apontadas até o presente momento, salienta-
se que os contratos de planos de saúde são considerados como contratos de
adesão, tendo em vista a forma que o instrumento contratual estabelece, bem como
o formato geralmente utilizado nas cláusulas contratuais. Melhor dizendo, contrato
de adesão é aquele em que ambas as partes celebram o objeto contratual contendo
direitos e deveres recíprocos entre as partes, mas em verdade, o que fora instituído
no instrumento foi confeccionado tão somente e unilateralmente pelo fornecedor,
contendo limitações perante o consumidor, não podendo este modificar quaisquer
cláusulas impostas. Maria Helena Diniz alude que o contrato de adesão:
É aquele em que a manifestação da vontade de uma das partes se reduz a mera anuência a uma proposta da outra, como nos ensina R. Limongi França. Opõe-se a ideia de contrato paritário, por inexistir a liberdade de convenção, visto que exclui qualquer possibilidade de debate e transigência entre as partes, pois um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro [...], aderindo a uma situação contratual já definida em todos os seus termos. 90
89 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso Especial nº 1684207. Recorrente: Geap Autogestão em Saúde. Recorrido: Estado de Mato Grosso. Relator: Min. Herman Benjamin. 2017. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/514565979/recurso-especial-resp-1684207-mt-2017-0166290-2/inteiro-teor-514565989> Acesso em: 09 mar. 2019. 90 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 367.
48
Assim, Cézar Fiuza reforça em sua obra que “o contrato de adesão não é
uma categoria autônoma, nem um tipo contratual, mas sim uma técnica diferente de
formação de contrato, podendo ser aplicada a inúmeras categorias contratuais”91.
Partindo desta premissa doutrinária, a legislação vigente também se dedicou ao
conceituar tal instituto, como se vê no artigo 54, caput e §4º do Código de Defesa do
Consumidor92. Assim, com base no § 4º, os contratos de planos de saúde por serem
considerados como contratos de adesão, devem se atentar para a não ocorrência de
cláusulas abusivas ou restritivas de direitos, necessitando sempre de escrita
compreensível e destacadas, contendo observação pertinente ao abranger
hipóteses de exclusão de cobertura, riscos não incluídos ou prazos correspondentes
de carência, tudo isso e demais assuntos que geram algum desconforto ao
contratante/consumidor precisam estar evidenciados, sob pena de serem reputados
abusivos aplicando-se as penas que lhe cominem.
Enfim, com base nessa análise, é inegável que os contratos de planos de
saúde são deveras contratos de adesão e, consequentemente, necessitam ser
regulados e protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor em se tratando de
vulnerabilidade, ou seja, a parte mais fraca da relação existente é o contratante, ora
consumidor, mesmo que norma especifica não determine expressamente, haja vista
que se trata de interesses coletivos preservados constitucionalmente.
3.3 DA CLÁUSULA DE PRAZO DE CARÊNCIA
Inicialmente ao aprofundamento do presente tópico, convém elucidar que tal
instituto será abordado detalhadamente, mas de uma forma generalizada, tendo em
vista que a grande parte das situações poderá refletir em diferentes modalidades de
carência a depender do tipo de contratação, como é o caso do prazo de carência
diferenciado ao incluir paciente com doença preexistente na cobertura de
procedimentos médicos ou até mesmo quando se trata de prazo de carência para
91 FIUZA, Cézar. Direito Civil: curso completo. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 470. 92 Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (...) § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis /L8078.htm>. Acesso em: 09 mar. 2019.
49
recém-nascidos, ora dependentes dos beneficiários de planos de saúde. Deste
modo, o presente trabalho conduzirá a análise do assunto de uma forma branda,
mas ao mesmo tempo detalhada e pormenorizada, a fim de construir um raciocínio
lógico e contundente até o término do presente trabalho. Pois bem, os contratos
celebrados com base na Lei nº 9.656/98 comumente trabalham com o risco, ora
conceituado no dicionário de seguros como:
[...] o evento incerto ou de data incerta que independe da vontade das partes contratantes e contra o qual é feito o seguro. O risco é a expectativa de sinistro. Sem risco não pode haver contrato de seguro. É comum a palavra ser usada, também, para significar a coisa ou pessoa sujeita ao risco. 93
Em outras palavras, é a probabilidade de um acontecimento incerto e futuro
não convencionado entre as partes, diante da remota hipótese do evento acontecer
e, por esta razão, o interesse do contratante é estimulado justamente pelo fato de
que em algum momento indeterminado tal fato poderá advir, como é o caso da
realização de exames periódicos, tratamento inesperado para uma doença ou até
mesmo uma cirurgia repentina em decorrência de diversos fatores.
Esta característica também é utilizada nos contratos de seguros, conforme
redação do artigo 757, caput 94 do Código Civil Brasileiro, em que o segurador
assume o risco de determinado acontecimento, mediante a remuneração de uma
quantia estabelecida no instrumento contratual, para no caso de necessidade ou de
assistência, tal bonificação seja previamente quitada como prêmio do seguro, pois
tal gratificação é prevista desde o momento da contratação até o acionamento do
sinistro, como é visto em uma situação de acidente de trabalho, mas o risco ali
inserido deverá conter características essenciais para ser suscetível de indenização,
como é o caso de ser economicamente possível, aleatório e não previsível,
remuneração da contratação devidamente quitada ou em dia, dentre outros
elementos capazes de tornar presente o equilíbrio contratual.
Ademais, o contrato de seguro é dotado de princípios significativos para o
correto deslinde transacional, destacando por oportuno o mutualismo, que pode ser
93 ESCOLA NACIONAL DE SEGUROS. Dicionário de Seguros. Disponível em: <http://www. ens.edu.br/dicionario-de-seguros>. Acesso em: 10 fev. 2019. 94 Art. 757. “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. ” BRASIL. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /2002/L10406.htm>. Acesso em: 09 mar. 2019.
50
entendido como a dependência mútua entre as partes que se associam para um fim
comum, ou seja, o benefício em conjunto dos contratantes devido ao fato de ser
previamente estabelecido o instrumento contratual. A respeito deste relevante
princípio, é possível perceber a relação que o mutualismo tem com o risco, conforme
Guilherme Valdetaro Mathias descreve:
Dentre esses princípios, toma relevo o mutualismo, um dos elementos fundamentais do contrato de seguro. O seguro, numa visão técnica, nada mais é do que a criação de um fundo mutual formado pela contribuição dos segurados com o objetivo de suportar as consequências econômicas prejudiciais advindas do evento considerado. Ou seja, determinadas pessoas, por não pretenderem se submeter solitariamente aos prejuízos econômicos dum certo evento, se unem para criar um fundo, para o qual todas contribuem, e que suportará os danos produzidos pelo evento indesejado. Transforma-se, pois, um risco individual, num risco coletivo 95
Partindo deste contexto inserido nos contratos de seguro, é possível perceber
a breve relação que a carência contida nos contratos de planos de saúde tem com o
risco inserido nos contratos de seguro, pois toda e qualquer pessoa está adstrita a
um risco possível e a carência – que será conceituada posteriormente – é tida como
um elemento capaz de assegurar o eventual risco, posto que a sua ausência
implicaria na contratação do plano de saúde somente quando houvesse a
necessidade da utilização dos serviços, acarretando a onerosidade na prestação do
serviço. Além do mais, tal situação seria passível de um eventual desequilíbrio
contratual em que o fornecedor é obrigado a cobrir determinado serviço sem o
prévio pagamento antecipado de uma contraprestação. Diante disso e para o melhor
aclaramento do assunto até aqui abordado, ressalta-se a conceituação pertinente.
3.3.1 Conceito e Incidência nos Contratos de Planos de Saúde
Os períodos de carência são categoricamente utilizados nos contratos de
assistência à saúde, em virtude da sua característica principal, que é o risco
assumido pelas operadoras ou planos de saúde. Assim, inicia-se o presente tópico
explanando a respeito do conceito manifestado em órgãos regulamentadores da
atividade desenvolvida, na doutrina e na legislação brasileira vigente.
95 CARNEIRO, Luiz Augusto Ferreira (Org.). Planos de Saúde: Aspectos jurídicos e econômicos. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 108-109.
51
Em breves palavras, a Agência Nacional de Saúde (ANS), órgão
regulamentador de planos de saúde do Brasil, conceitua a carência de uma forma
simples e de fácil entendimento para todos aqueles que acessarem o sitio eletrônico
de seu domínio96, afirmando que “carência é o tempo que você terá que esperar
para ser atendido pelo plano de saúde em um determinado procedimento”, bem
como sintetiza que “carência é o período para começar a usar o plano”. Neste
mesmo discernimento, o dicionário de seguros conceitua brevemente o instituto
como “período de tempo entre a data do início de vigência da apólice (o seguro) e a
de entrada em vigor de uma ou mais coberturas (ao sinistro)” 97.
Nesta mesma linha introdutória, Renata Maria Gil da Silva Lopes Esmeraldi
compreende a carência como “aqueles lapsos de tempo durante os quais os
contratos celebrados e já vigentes ficam com a eficácia obrigacional que diz respeito
a cobertura contratada total ou parcialmente suspensa”98. Ademais, a doutrinadora
Maria Stella Gregori elucida que o instituto em questão basicamente pode ser
entendido como:
Período corrido e ininterrupto, contado a partir da data da vigência do contrato do plano privado de assistência à saúde, durante o qual o consumidor paga as contraprestações pecuniárias, mas ainda não tem acesso a determinadas coberturas previstas no contrato. 99
Deste modo, pode-se definir a carência como um lapso de tempo entre a
vigência do contrato de plano de saúde até um período preestabelecido por força de
lei ou meramente convencionado entre as partes, no qual prevê a restrição do
consumidor para desfrutar dos serviços abarcados no bojo contratual, devendo
neste mesmo documento conter de forma clara e precisa o prazo estipulado para o
início da utilização dos serviços contratados. A justificativa que a doutrina traça para
tal dilação, é basicamente afastar a hipótese que o consumidor usufrua das
benesses do instrumento contratual, onerando o plano e logo após, desista de tal
contratação ocorrendo na maioria dos casos a não remuneração da operadora, ou
96 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Planos de saúde e operadoras. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/carencia>. Acesso em: 07 fev. 2019. 97 ESCOLA NACIONAL DE SEGUROS. Dicionário de Seguros. Disponível em: <http://www.ens. edu.br/dicionario-de-seguros>. Acesso em: 10 fev. 2019. 98 ESMERALDI, 2015. p. 160. 99 GREGORI, Maria Stella. Planos de Saúde: A Ótica da Proteção do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2010. p.224.
52
seja, haverá desequilíbrio entre as partes, isto é, prejuízos e danos de um lado e do
outro vantagens e privilégios. Acerca disto, Esmeraldi explica que:
Ainda que em todos os contratos se deva presumir a boa-fé das partes o escopo contratual que envolve esses períodos desprovidos de plena eficácia contratual diz respeito, principalmente, ao propósito objetivo de prevenir e de evitar espertas surpresas para as operadoras, como ocorre, por exemplo, quando o consumidor celebra contrato e no dia subsequente já aparece necessitando de atendimento, geralmente de alto custo. 100
Neste sentido, Karyna Rocha Mendes da Silveira reforça em sua obra que:
A carência é um período predeterminado no início do contrato – deve constar sempre de forma expressa e clara no texto do contrato. Ao longo desses dias, o consumidor não pode usufruir integralmente dos serviços. Essa medida existe para evitar que o consumidor use de determinados serviços de um plano por apenas um pequeno período e depois desista. 101
Feita estas considerações acerca do instituto do prazo de carência, convém
elucidar sua incidência nos contratos de planos de saúde, com fundamento na Lei nº
9.656/98, Resoluções Normativas e demais normas inerentes à categoria. Conforme
anteriormente mencionado, a lei que trata e regula os planos de saúde sintetiza
expressamente em seus artigos 12 e 13 os períodos de carência previstos
legalmente, assim como estabelece um regramento próprio acerca de cada situação
específica para se encaixar no caso concreto. A lei estabelece prazos diferentes
para cada circunstância prevista no contrato de plano de saúde, devendo este ser
efetivamente cumprido, visto que o período estabelecido se refere ao lapso temporal
máximo, não impedindo que as partes convencionem um prazo menor a ser
cumprido contratualmente, como ressalta Esmeraldi:
Diante da vigência anual dos contratos e daquele período máximo de lei considerado como teto os contratantes têm liberdade para ajustar e pactuar os específicos períodos de carência como melhor lhes aprouver e conforme pactuarem. O ajustado e pactuado, respeitado o teto, é integralmente valido e regular. 102
Assim, as operadoras de planos de saúde necessariamente deverão cumprir
com o teto estipulado, não cabendo em hipótese alguma exceção à regra, pois se
100 ESMERALDI, 2015. p. 160. 101 SILVEIRA, Karyna Rocha Mendes da. Doença preexistente nos planos de saúde. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 89. 102 ESMERALDI, op. cit., p. 161.
53
consideraria uma verdadeira violação ao Código de Defesa do Consumidor, tendo
em vista que a segunda parte do inciso IV do artigo 6º estabelece a proteção “(...)
contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e
serviços”103. Porquanto, um período acima do que a norma delimita poderá
configurar cláusula abusiva e, consequentemente, restritiva de direitos, sendo
plenamente passível de nulidade, visto estar se tratando de um direito fundamental à
saúde e não direitos meramente disponíveis e sem qualquer respaldo legal.
Conquanto, ainda que os contratos estabelecidos estejam amparados pelo
princípio da força obrigatória dos contratos ou “pacta sunt servanda”, no qual o pacto
celebrado torna-se lei entre as partes, não se pode literalmente levar em
consideração tal princípio quando afronta outros preceitos legais efetivamente
consagrados, devendo a sua força ser relativizada conforme enfatiza Vilma Maria
Inocêncio Carli:
A obrigatoriedade, todavia, não é absoluta. Há que se respeitar a lei e, sobretudo, outros princípios com os quais o da força obrigatória coexiste como o da Boa-fé, o da Legalidade, o da Igualdade, entre tantos outros; afinal, os princípios gerais do Direito integram um sistema harmônico. Assim, se pode dizer que pacta sunt servanda é o princípio segundo o contrato obriga as partes nos limites da lei.104.
Em que pese tal delimitação, a situação é constante nos contratos de adesão,
posto que as cláusulas são redigidas unilateralmente por uma parte e submetidas ao
contraente para a súbita aceitação, o que em consequência, gera a não apreciação
de eventuais cláusulas abusivas no momento da contratação por inúmeros motivos,
como um contrato redigido em pequenas letras e de difícil compreensão ou textos
em jargão de difícil entendimento ou clareza, acarretando a observação de
limitações ou exclusões somente em situações de dificuldades ou necessidade,
como é o caso dos contratos de planos de saúde.
Assim, pode-se afirmar que cláusulas que limitem um direito sendo
excessivamente contrárias aos ditames de lei, não podem ser válidas ou possuir
eficácia jurídica por não produzem efeitos no mundo jurídico, devendo somente levar
em consideração e apreciação aquelas que obedecem ao regramento imposto do
103 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03 /leis /L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2019. 104 CARLI, Vilma Maria Inocêncio. Teoria e direito das obrigações contratuais: uma nova visão das relações econômicas de acordo com os códigos civil e consumidor. Campinas: Bookseller, 2005. p. 48/49.
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limite máximo acerca do período de carência, gerando seus efeitos legais, sendo
plenamente possíveis ao cumprimento no âmbito privado dos contratos.
Feita esta nota introdutória, vem a calhar o dispositivo pertinente que trata
sobre os prazos de carência respeitados pela legislação vigente, assim como pelos
órgãos regulamentadores e afins. A Medida Provisória nº 2.17-44 editada em 24 de
agosto de 2001, alterou alguns aspectos da lei nº 9.656/98 como se vê no extenso
artigo 12105 que compreende as exigências mínimas de contratação dos serviços,
aludindo tanto os períodos de carência como as coberturas pertinentes para cada
particularidade. Neste ínterim, vem a calhar o inciso V106 que trata sobre os prazos
máximos estabelecidos para as carências em geral. Como se vê, a alínea “a” do
referido artigo que fixa período de 300 (trezentos) dias para partos a termo, assim
considerados não prematuros, como bem salienta Corina Santos
Firmado o contrato entre a gestante e o plano de saúde, acordado em Lei e mediante contrato, o período de carência totaliza 300 dias. Porém, caso a gestante entre em trabalho de parto, ainda que de forma imprevista, antes da 37ª semana, o plano jamais poderá negar ou reduzir o tempo legal de cobertura, alegando descumprimento do prazo de carência, vez que a situação se configura como urgência, sendo o parto prematuro. 107
A urgência ali mencionada será posteriormente aduzida em seus exatos
termos, mas desde logo, salienta-se que os casos inseridos neste contexto são
tratados como exceção à regra em relação aos períodos explanados no artigo 12.
Em relação a alínea “b” do artigo 12, a lei foi imprecisa e generalizou ao referir-se
sobre o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para demais casos. Aqui, por
mera liberalidade do legislador e por não conter nenhuma orientação concreta sobre
o que de certo estaria retratado, encaixa-se os atendimentos médicos, exames e
consultas de todas as especialidades, como bem elucida a Relatora Celia Meliga
105 Art. 12. “São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o §1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas”. BRASIL. Lei nº 9.656 de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/LEIS/L9656.htm>. Acesso em: 10 fev. 2019. 106 V. “quando fixar períodos de carência: a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo; b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos; c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência.” BRASIL. Lei nº 9.656 de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9656.htm>. Acesso em: 10 mar. 2019. 107 SANTOS, Corina Teresa Costa Rosa; PIMENTEL, Diego Ferreira; SILVA, Rômulo Ruan Santos da. (Orgs.). Direito do Consumidor aplicado ao direito à saúde: Análises de Julgados. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2017. p. 40.
55
Pessoa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao julgar recurso de apelação, no
qual proferiu decisão no seguinte sentido “Desta forma, não há que se falar em
ilegalidade da cláusula contratual que estabelece em 180 dias o prazo mínimo de
carência para os casos de internações em geral (...)”108
Isto posto, a alínea “c” determina o prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas
para situações de urgência e emergência, isto é, a contagem do prazo inicia-se vinte
e quatro horas após a vigência do contrato e a partir daí a cobertura ficará a encargo
da operadora. Além do artigo 12, inciso V, alínea “c” prever os institutos da urgência
e da emergência, outro dispositivo fundamental também trata sobre a questão, como
se vê no artigo 35-C109 da Lei nº 9.656 e respectivos incisos.
O artigo supracitado aponta as hipóteses em que se considera urgência e
emergência, mas falha ao não conceituar tais expressões, o que de veras gera
confusão e incerteza entre aqueles que pleiteiam cobertura específica a se encaixar
nesta circunstância. Pois bem, Bottesini e Machado aludem que a urgência “traz
consigo a ideia daquilo que deve ser feito com rapidez, imediatamente” 110 ao passo
que a emergência é analisada como “ideia de imprevisto, de perigoso e de fortuito,
embora não necessite ser atendida com rapidez, imediatamente.” 111
Isto posto, a Agência Nacional de Saúde – ANS criou um conselho intitulado
como Conselho de Saúde Suplementar – CONSU capaz de regulamentar hipóteses
previstas na lei nº 9.656/98 que geram certa discussão aos interpretes da lei, por tão
somente se pautar nos respectivos prazos, sem ao menos especificar os seus
desdobramentos jurídicos para cada caso. Por esta razão, o CONSU tem por
finalidade o controle da prestação dos serviços de saúde suplementar, redigindo
resoluções e demais atos para sanar as dúvidas sobre quaisquer procedimentos,
impondo a devida uniformização nos atendimentos médicos.
108 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 18ª Câmara Cível. Apelação nº 22568 RJ 2009.001.22568. Apelante: Amil Assistência Médica Internacional Ltda. Apelado: Maria Luiza Franco de Araujo. Relator: Des. Celia Maria Vidal Meliga Pessoa. 2009. Disponível em: <https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4336190/apelacao-apl-22568-rj-200900122568/inteiroteor14924771? ref=juris-tabs>. Acesso em: 10 mar. 2019. 109 Art. 35-C. “É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente; II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional; III - de planejamento familiar. ” BRASIL. Lei nº 9.656 de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9656.htm>. Acesso em: 10 mar. 2019. 110 BOTTESINI; MACHADO, 2015. n.p. 111 BOTTESINI; MACHADO, loc. cit.
56
Assim, o órgão deliberativo redigiu a Resolução nº 13/98 que dispõe sobre a
cobertura do atendimento nos casos de urgência e emergência e, logo em seu artigo
2º, expressou a hipótese de que “o plano ambulatorial deverá garantir cobertura de
urgência e emergência, limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento”112.
Observando este fragmento em específico, a doutrina tem feito duras críticas a
respeito desta limitação, pois como se verá a seguir, é contrária ao que a lei
determina para casos que se encaixam dentro desta perspectiva.
Ao analisar a Resolução nº 13/98 do CONSU, verifica-se uma insegurança
quanto ao prazo que deverá ser seguido, pois nesta orientação, a cobertura é
limitada até às 12 (doze) horas de atendimento quando houver a necessidade de
internação clínica, ou seja, depois deste período a operadora não se
responsabilizara com eventual continuidade no procedimento médico, como
descreve o parágrafo único do artigo 2º da aludida Resolução:
Quando necessária, para a continuidade do atendimento de urgência e emergência, a realização de procedimentos exclusivos da cobertura hospitalar, ainda que na mesma unidade prestadora de serviços e em tempo menor que 12 (doze) horas, a cobertura cessará, sendo que a responsabilidade financeira, a partir da necessidade de internação, passará a ser do contratante, não cabendo ônus à operadora.113
Em outras palavras, o artigo 12, inciso V, alínea “c” cumulado com o artigo 35-
C da lei nº 9.656/98 definiu que o período máximo de carência para atendimentos no
caso de urgências e emergências, seria de 24 (vinte e quatro) horas, todavia, o
artigo 2º da Resolução do CONSU é flagrantemente incontroverso, visto que não
segue a determinação legal, determinando assim um período inferior para
atendimento. A crítica da doutrina brasileira segue neste sentido, considerando que
o prazo de 12 (doze) horas é nulo, conforme Renata Palheiro Mendes de Almeida
Não se poderia nem argumentar que as 12 horas arbitradas pela resolução seriam suficientes para retirar o paciente da situação de emergência, pois sabe-se que isso dependerá do caso concreto, havendo hipóteses em que o estado do paciente pode até ser agravado após as primeiras 12 horas,
112 BRASIL. Conselho de Saúde Suplementar. Resolução nº 13 de 3 de novembro de 1998. Dispõe sobre a cobertura do atendimento nos casos de urgência e emergência. Disponível em: <http:// www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzAw>. Acesso em: 11 fev. 2019. 113 BRASIL. Conselho de Saúde Suplementar. Resolução nº 13 de 3 de novembro de 1998. Dispõe sobre a cobertura do atendimento nos casos de urgência e emergência. Disponível em: <http:// www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzAw>. Acesso em: 11 fev. 2019.
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quando então haverá necessidade de continuidade do atendimento. Daí porque somente o médico, de acordo com cada caso, pode dizer se há risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis. Logo, como regra, tendo o consumidor contratado o plano há mais de 24 horas e a situação sendo de emergência – assim declarada pelo médico assistente – será obrigatória a cobertura, sem limitações de tempo. 114
Desta feita, o consenso que se extrai é que as 12 (doze) primeiras horas
seriam ilegais, pois, com efeito, afronta o disposto no artigo 12, V, “c”, uma vez que
a lei nada diz que o prazo deverá ser inferior nos casos de urgência e emergência
que evoluírem para internação ou que tão somente a urgência e a emergência sejam
efetivamente abrangidas pela cobertura e eventual internação. Por fim, para reforçar
tal conjuntura, ressalta-se o entendimento sumulado nº 302 do Superior Tribunal de
Justiça, o qual prevê a ilegalidade pautada na limitação de horas, como se vê: “é
abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação
hospitalar do segurado”115.
114 ALMEIDA, Renata Palheiro Mendes de. Judicialização da Saúde parte II: ética nos relacionamentos do setor de saúde, IV Jornada Médico-jurídica de Saúde Suplementar. Série Aperfeiçoamento de Magistrados. Rio de Janeiro: EMERJ, 2012, p. 115. Disponível em: <http://www .emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/8/judicializacaodasaudeII.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2019. 115 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 302. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON /sumanot/toc.jsp#TIT1TEMA0>. Acesso em: 10 mar. 2019.
58
4 DA APLICABILIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA NA NEGATIVA DE
COBERTURA DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS EM CONTRATOS DE PLANO DE
SAÚDE COM PRAZO DE CARÊNCIA
Com fundamento nas nuances compreendidas no presente trabalho,
importante frisar o contexto prático em que o direito à saúde está inserido,
envolvendo especificadamente os contratos de planos de saúde, tendo em vista que
é o instrumento particular que regulamenta a atividade privada de saúde
suplementar, bem como os meios processuais que o ordenamento jurídico brasileiro
prevê quando há afronta ou limitação a este direito constitucional fundamental.
4.1 O ESCOPO DA TUTELA JURISDICIONAL
Neste passo, insta salientar breves considerações acerca das nuances que a
tutela jurisdicional compreende. Nesta senda, é correto asseverar que o
ordenamento jurídico permite a proteção dos direitos fundamentais do homem,
atribuindo ao Estado Democrático de Direito a efetiva garantia em todas as suas
esferas. Tem-se que esse sistema positivou a proteção de tais prerrogativas através
da Constituição Federal de 1988, pois a importância que se extrai é deveras
significante, já que podem ser considerados um pilar estrutural da ordem normativa
do presente no modelo de Estado.
Nota-se que essa proteção foi incumbida ao Estado, enquanto detentor de
todo um aparato normativo hábil para dirimir e resolver eventuais conflitos da
violação de uma norma fundamental. Isso porque, o exercício de proteção que o
Estado exerce é compreendido como a “tutela estatal”, ou seja, é por intermédio
desta função que o legislador garantiu a salvaguarda das prerrogativas
constitucionais, uma vez que o declarou legítimo para tutelar tais direitos. Assim,
Luiz Guilherme Marinoni realça que “o Estado também tem o dever de fiscalizar o
seu cumprimento, impor a sua observância, remover os efeitos concretos derivados
da sua inobservância, além de sancionar o particular que a descumpriu.”116
No âmbito internacional, o Estado tutela os direitos humanos sob a ótica de
tratados internacionais e demais convenções que possuem este condão de
116 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 2. ed. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2018. p. 23.
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proteção, conforme Paulo Henriques da Fonseca alude “a importância do Estado
surge ainda no quadro dos direitos humanos e os instrumentos internacionais e
regionais de tutela desses direitos e de responsabilização dos Estados”117 e ainda
conclui que “organismos internacionais de aplicação do Direito Internacional dos
Direitos Humanos e do Direito Humanitário são no mínimo impensáveis sem a
consideração da permanência de um papel decisivo do Estado”118.
Isto posto, destaca-se que o Estado enquanto poder soberano e unitário,
divide suas competências em três poderes distintos ramificados no Poder
Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, cada qual com a sua competência
eminente, mas que ao mesmo tempo são harmônicos entre si. Tal sistematização foi
originada por Montesquieu, que denominou essa teoria como a “separação dos
poderes”, especificando em linhas gerais a divisão de funções que o Estado
soberano desmembra, para que a organização e o perfeito funcionamento se
concretizem, pois diante de tantas competências, este não seria capaz de controlar
sob uma mesma perspectiva, todo um arcabouço governamental.
Percebe-se que a tutela estatal pode ser prestada por meio de seus poderes
e/ou funções, cuja finalidade é justamente o alcance de todas as esferas que podem
compor essa sistematização, a fim de tutelar o direito de forma sublime. A tutela
estatal pode ser entendida como gênero, ramificando daí outras formas de tutela
para cada âmbito em específico, como é o caso da tutela jurisdicional, isto é, tutela
jurídica que o Estado exerce por meio do Poder Judiciário, como bem salienta Artur
César Souza.119 A tutela jurisdicional é garantia efetiva prevista na Constituição
Federal de 1988, notadamente no artigo 5º, inciso XXXV “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”120. Observando tal
dispositivo, vê-se que a Lei Maior proporciona ao Poder Judiciário a proteção de
direitos na esfera jurídica, a fim de exercer a salvaguarda aplicando as leis que
117 FONSECA, Paulo Henriques. A tutela estatal dos direitos e a necessidade do Estado socialmente responsável. Prima Facie: Revista da Pós-Graduação em Ciências Jurídicas. João Pessoa. v. 4. n. 7. 45-59. 2005. p. 48. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/primafacie/article /view/4558>. Acesso em: 16 fev. 2019. 118 FONSECA, 2005. p. 48. 119 SOUZA, Artur César de. Tutela Provisória: tutela de urgência e tutela de evidência. 2.ed. São Paulo: Almedina, 2017. p.55. 120 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 mar. 2019.
60
compõe o sistema normativo ao caso concreto. Para reforçar tal entendimento,
destaca-se as palavras de Luiz Fux:
O Estado, como garantidor da paz social, avocou para si a solução monopolizada dos conflitos intersubjetivos pela transgressão à ordem jurídica, limitando o âmbito da autotutela. Em consequência, dotou um de seus Poderes, o Judiciário, da atribuição de solucionar os referidos conflitos mediante a aplicação do direito objetivo, abstratamente concebido, ao caso concreto. A supremacia dessa solução revelou-se pelo fato incontestável de a mesma provir da autoridade estatal, cuja palavra, além de coativa, torna-se a última manifestação do Estado soberano acerca da contenda, de tal sorte que os jurisdicionados devem-na respeito absoluto, porque haurida de um trabalho de reconstituição dos antecedentes do litígio, com a participação dos interessados, cercados, isonomicamente, das mais comezinhas garantias. Essa função denomina-se jurisdicional e tem o caráter tutelar da ordem e da pessoa, distinguindo-se das demais soluções do Estado pela sua imodificabilidade por qualquer outro poder, em face de adquirir o que se denomina em sede anglo-saxônica de "final enforcing powef", consubstanciado na "coisa julgada"121.
Deste mesmo modo, a tutela jurisdicional também pode ser entendida como
jurisdição, ou seja, função do Estado capaz de solucionar controvérsias através da
aplicação da lei, para que o equilíbrio social seja efetivo a ponto de garantir através
da justiça, a correta solução para um litígio. Fernando da Costa Tourinho Filho
conceitua a jurisdição como “aquela função do Estado consistente em fazer atuar,
pelos órgãos jurisdicionais, que são os juízes e Tribunais, o direito objetivo a um
caso concreto, obtendo-se a justa composição da lide”122 ao passo que Cintra,
Grinover e Dinamarco categorizam como “uma das funções do Estado, mediante a
qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente,
buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça” 123.
A partir dessa compreensão, Luiz Guilherme Marinoni reforça primorosamente
que “outorgar à jurisdição o escopo de tutela de direitos é imprescindível para dar
efetividade aos direitos fundamentais, inclusive ao direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva”124. Por outro lado, Fredie Didier Júnior delineia outra perspectiva
para o tema, ressaltando que “a jurisdição é técnica de solução de conflitos por
heterocomposição: um terceiro substitui a vontade das partes e determina a solução
121 FUX, Luiz. Tutela Jurisdicional: finalidade e espécies. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 14, n.2, p.107-231, Jul./Dez. 2002. p. 153. 122 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 49. 123 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 131. 124 MARINONI, 2018. p. 22.
61
do problema apresentado”125, ou seja, agrega a jurisdição com a ideia de decisão
por um terceiro imparcial.
Além disso, o mesmo autor evidencia que “é da essência da atividade
jurisdicional ser ela exercida por quem seja estranho ao conflito (terceiro, aspecto
objetivo) e desinteressado dele (imparcial, aspecto subjetivo)”126. Diante disso, pode-
se afirmar que a função jurisdicional pode ser exercida por aquele que representa o
Estado e ao mesmo tempo conhece o Direito, sendo competente a apreciar o
conflito e solucionar a controvérsia mediante a aplicação da lei, ou seja, o Juiz.
Portanto, será o Estado-Juiz que aplicará a lei ao caso concreto e a partir
disso, proferirá decisão justa aos conflitos instaurados diante de seu poder-dever de
solucionar a lide. Mas o que pode ser considerado como uma decisão justa,
isonômica e legitima aos jurisdicionados? Partindo desta premissa, o conceito de
justiça encontra-se presente para direcionar a resposta da pergunta supracitada. Por
sua vez, Souza salienta em seu livro importantes considerações
São diversas as situações pelas quais se fala de justiça, sendo que muitas vezes a justiça está intimamente ligada à decisão judicial e entendida como a essência de tais decisões. Na realidade, quem pensa em uma decisão proferida por um órgão jurisdicional não pensa em qualquer decisão, casual ou arbitrária, tanto menos injusta, mas pensa que decide, ‘segundo a justiça’, as controvérsias que venham a ele apresentadas.127
A partir disto, nota-se que o instrumento imprescindível para o exercício da
jurisdição é o processo, isto é, ferramenta dotada de formalidade que garante a
satisfação de um direito, visto que o seu núcleo consiste na concatenação de atos
abrangidos em legislação específica. Para Eduardo de Avelar Lami e Horácio
Wanderlei Rodrigues é “instrumento de garantia e realização concreta dos princípios
básicos que orientam o ordenamento jurídico. Só assim constituirá instrumento
efetivo para que a jurisdição possa atingir seu escopo de pacificar com justiça”128.
Todavia, em que pese o processo ser considerado um meio eficaz para
ascendência da justiça em um conflito instaurado, não se pode deixar de observar o
artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988, que estabelece que “a todos, no
125 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed, Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 154. 126 Ibid., p. 155. 127 SOUZA, 2017, p. 53-54. 128 RODRIGUES, Horácio Wanderlei; LAMY, Eduardo de Avelar. Teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2018. n.p. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/ 9788597009873/cfi/6/2!/4/2/2@0:0.0663>. Acesso em: 25 mar. 2019.
62
âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e
os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”129, ou seja, a lei
fundamental estabelece que todos os processos devem conter um prazo razoável
para a satisfação de um direito e que a morosidade do judiciário não deve prevalecer
quando se trata de direitos em discussão. Por isso, de nada adianta instrumentalizar
o processo como um meio capaz de solucionar controvérsia, se a efetividade não
vier a calha, pois as partes possuem esta prerrogativa constitucional devendo,
portanto, o princípio da razoável duração do processo ser tratado como norma
processual, viabilizando o efetivo exercício da tutela jurisdicional.
É importante salientar que nem toda decisão deve acatar a celeridade e a
razoabilidade do processo na literalidade, pois conforme alude Souza “deve-se ter
em mente que a celeridade processual não é um fim em si mesmo, nem é sinônimo
de decisão justa”130, sendo necessário que os aplicadores do direito averiguem cada
caso, observando o tempo próprio a depender da complexidade da causa e do
número de partes que compõe a lide, para então proferir decisão justa de acordo
com as dilações específicas de lei. Com fulcro no artigo 12 do Código de Processo
Civil “os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão
para proferir sentença ou acórdão”131, entretanto, em que pese a regra, os
magistrados podem averiguar as possibilidades que a lei concede, como a redução
dos prazos processuais quando não resultarem em prejuízos para as partes,
objetivando a brevidade da marcha processual. Neste ínterim, destaca-se fragmento
pertinente da obra de Souza:
O novo C.P.C garante o direito a uma razoável duração do processo, tanto para a solução integral da lide, como para a satisfação integral do direito material reconhecido. Assim, a razoável duração do processo diz respeito as atividades satisfativas exercidas pelo Juiz no processo, que podem decorrer de uma antecipação provisória de tutela (tutela de urgência) quanto da execução definitiva da tutela prestada. 132
De antemão, observa-se casos específicos em que a celeridade deve ser
imprescindível ao caso concreto diante da necessidade de exame imediato do direito
129 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompila do.htm>. Acesso em: 24 mar. 2014. 130 SOUZA, 2017, p. 45. 131 BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br /ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 25 mar. 2019. 132 SOUZA, op. cit., p. 46.
63
material perseguido, ou seja, necessária se faz a antecipação provisória de tutela
para que os efeitos da decisão venham a ocorrer instantaneamente. Sem delongas
ao mérito do presente trabalho, constata-se que para ocorrer a efetiva tutela
jurisdicional é preciso seguir parâmetros imponentes do direito, aplicando todo um
aparato normativo de leis através de um procedimento válido e capaz de concretizar
uma decisão justa de mérito, ou seja, o devido processo legal. Entretanto, Marinoni
releva sua crítica apontando que:
É preciso advertir que, além da tutela jurisdicional, os direitos encontram outras formas de tutela ou proteção por partes do Estado. Lembre-se que os direitos fundamentais, quando enquadrados em uma dimensão multifuncional, exigem prestações de proteção. Isto quer dizer, em poucas palavras, que os direitos fundamentais fazem surgir ao Estado o dever de protege-los. Ora, essa proteção ou tutela devida pelo Estado certamente não se resume a tutela jurisdicional.133
4.2 TÉCNICAS PROCESSUAIS DE COGNIÇÃO
Tem-se que a tutela dos direitos deve ser protegida, amparada e defendida
para que o seu conteúdo abrangente seja preservado de fato, visando sempre a
dignidade da pessoa humana como finalidade específica. Quando há violação ou
moléstia grave de um direito, deve-se recorrer à tutela jurisdicional para tornar
competente e eficaz a sua prerrogativa elementar, proporcionando a devida
assistência por meio de um processo, isto é, a instrumentalização do direito. Deste
modo, o processo instrumentalizará o pedido do autor que será distribuído ao juiz
competente para análise do todo. Este examinará o conjunto fático e probatório e
verificando os argumentos ali lançados, formará o seu convencimento, ainda que
não se tenha naquele momento processual a resposta da parte contrária. Esta
perspectiva necessária para a instrução processual chama-se cognição, tratada por
muitos doutrinadores como uma técnica processual.
É tema preponderante na doutrina que o processo, enquanto meio que reflete
a realidade da sociedade, cumpre a sua função ao se materializar-se em diferentes
formas, com o objetivo primordial de efetivar a tutela pretendida. Diante disso, se
instaurou a busca por meios efetivos que garantam as partes demandantes a
solução para o problema, de modo que não se perca o objeto no percurso de tempo,
133 MARINONI, 2018. p. 22-23.
64
realizando assim, uma antecipação da tutela quando os requisitos estiverem de
acordo com o que fora estabelecido no mundo do direito.
O processo se mostra como garantia às partes, uma vez que é peça chave
para dar a melhor solução para o problema, oportunizando a defesa e demais
possibilidades previstas em lei para que o direito material seja corretamente
abrangido pelo direito processual, pois ambos se concluem. A complementação
consiste na ligação existente, ora, como é possível ter um direito material violado se
não há um meio para que se possa reclamar tal prerrogativa? E se analisar sobre
outro ponto de vista, se não há direito material, de nada serve o direito processual,
visto que o seu objeto se esvaiu por completo, ou seja, a tutela de direitos.
Neste ínterim, partindo da concepção de processo, as perspectivas que se
remontam no direito processual sobre a técnica utilizada para a concretização do
direito almejado, partem da ideia da formação do pensamento do Juiz ao apreciar o
pedido, valorando as alegações ali propostas. Nota-se que a técnica que o juiz
emprega é de cognição, sendo de extrema importância para uma decisão justa, haja
vista que, além de ser apreciado por um terceiro imparcial que analisará a
controvérsia, sendo totalmente desconhecido das partes, este também empregará o
seu juízo de valor sobre a verdadeira proposição do caso concreto, pois concluirá o
seu embasamento nas alegações que de fato detenham o direito em conformidade
com a legislação vigente. O doutrinador Kazuo Watanabe leciona que:
A importância da cognição não decorre somente desse fato. Resulta ela muito mais da própria natureza da atividade do juiz, que para conceder a prestação jurisdicional precisa, na condição de terceiro que se interpõe entre as partes, conhecer primeiro das razões (em profundidade, ou apenas superficialmente, ou parcialmente, ou definitivamente, ou em caráter provisório: tudo isso se põe no plano da técnica de utilização de cognição) para depois adotar as providências voltadas à realização prática do direito da parte. E decorre também da intensa utilização que o legislador dela faz para conceber procedimentos diferenciados para a melhor e efetiva tutela de direitos.134
Colocada a relevância e a importância da cognição, acentua-se questão
essencial para o deslinde do tema: o que de fato se entende por cognição? Os
doutrinadores clássicos que exaltaram tal aspecto para o processo, diriam que
estaria ligada a atividade central do juiz, partindo de um caráter lógico e necessário,
utilizando a intelecto como a chave principal para uma decisão primorosa dotada de
134 WATANABE, Kazuo. Da Cognição do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Bookseller, 2000. p. 47.
65
valoração e conhecimento. Em outras palavras, Watanabe frisa em seu livro que “a
cognição é prevalentemente um ato de inteligência consistente em considerar,
analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes”135.
Ou seja, o juiz produz a sua convicção através do conhecimento dos fatos ali
narrados, visto que examinou as alegações de ambas as partes, analisou as provas
produzidas e todo o conjunto que envolve a demanda para, ao final, elaborar o
julgamento da causa consistente em uma decisão justa e equilibrada. Vale dizer
ainda que, ao ponderar a narrativa do fato, o julgador precisa necessariamente,
abster-se de quaisquer pré-conceitos embutidos em seu subconsciente, para
analisar a causa sem vícios ou opiniões pessoais, sempre considerando
objetivamente a lei e o que as normas de direito impõe para a sua decisão.
A cognição precisa ser adequada com a situação envolta, visto que é critério
de obrigatoriedade de o juiz exarar o seu pronunciamento fundamentalmente. Assim,
deve o julgador pautar-se no mérito da causa, não se atentando para eventuais
contrapontos levantados por ambas as partes, com o intuito de convencer o julgador
da causa em alegações infundadas. Delineada a noção da técnica de cognição do
processo, convém elucidar a subdivisão que a doutrina estabelece, sendo de
extrema importância para que o juiz fundamente a sua decisão. Marinoni salienta
que “a cognição pode ser analisada em duas direções: no sentido horizontal, quando
a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, em que a cognição pode
ser exauriente, sumária e superficial”136.
Neste passo, pode-se afirmar que a cognição horizontal consiste em analisar
limitadamente os argumentos até o momento em que o processo se encontra, sendo
o juiz compelido a aplicar o direito ao caso concreto observando o sentido amplo da
demanda, isto é, restringindo-se a extensão do processo sem muitas provas
capazes de consubstanciar a atividade cognitiva do juiz. Watanabe fraciona em duas
linhas a classificação da cognição horizontal, considerando que “a cognição pode
ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida”137.
Por outro lado, a cognição vertical distingue-se da anterior pelo fato de que
nesta técnica, o juiz necessariamente averigua o caso intensamente desde as
alegações até a análise das provas trazidas a lide, explorando profundamente o
135 WATANABE, 2000, p. 59. 136 MARINONI, 2018. p. 29-30. 137 WATANABE, op. cit. p. 111-112.
66
conteúdo da demanda com base nos fundamentos apresentados. Deste modo, tem-
se que a melhor doutrina subdivide este tópico em exauriente ou sumária, sendo
deveras interessante para a conclusão do presente tópico.
A cognição exauriente é aquela em que o juiz, ao analisar o conteúdo do
conjunto fático e probatório instaurado no processo, extrai seu convencimento para a
solução do conflito, visto que analisou com discernimento e prudência todos os
eventos processuais que materializaram o direito perseguido, especialmente o
contraditório, para então se chegar a uma conclusão especifica, isto é, a convicção e
certeza dos fatos alegados. Tem-se que o juiz, ao valorar o direito de uma parte,
estará exercendo a jurisdição para declarar a quem pertence a prerrogativa discutida
nos autos do processo, o que demonstra total competência e responsabilidade para
a efetiva prestação jurisdicional. Em relação a certeza dos fatos alegados, Alexandre
Freitas Câmara entende que:
A primeira espécie é aquela em que a decisão judicial será́ proferida com base em juízo de certeza. Cabe, aqui, uma explicação. É que todo juízo de certeza é, em verdade, um juízo de verossimilhança. Tal se dá́ porque o juiz atua, em relação aos fatos da causa, como o historiador em relação aos fatos históricos, buscando reconstruí-́los. Assim é que o juiz, em sua atividade de cognitiva, afirma que dado fato é verdadeiro quando alcança aquele grau de convencimento que lhe é outorgado por uma máxima verossimilhança. A certeza a que se refere aqui, portanto, não é uma certeza psicológica, mas uma certeza jurídica.138
Assim, pode-se afirmar que formado e estruturado o juízo de certeza pelo
julgador, este terá o condão de prolatar uma decisão justa resolvendo o mérito,
resultando necessariamente na formação da coisa julgada. O jurista Câmara salienta
que “a cognição exauriente, portanto, permite a prolação de uma decisão baseada
em juízo de certeza (jurídica), o que justifica a formação da coisa julgada, manto que
reveste de imutabilidade e indiscutibilidade o conteúdo dessa decisão”139. Portanto,
a cognição exauriente se presta a análise profunda dos fatos e argumentos
levantados em discussão, não havendo o que se falar em superficialidade.
Superada a cognição comum de exaurimento dos meios processuais,
ressalta-se a cognição sumária, que em geral, é tratada na doutrina como técnica
superficial. De início, percebe-se desde logo que a palavra sumária remonta a ideia
138 CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil: volume 1. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 315. 139 CAMARA, loc. cit.
67
básica, sucinta e resumida de um determinado assunto, ensejando necessariamente
na ponderação dos institutos atrelados em uma demanda. Aqui, ao contrário da
exauriente, busca-se necessariamente a viabilidade de um direito, não sendo o caso
de observância do juízo de certeza ou estabilidade do mérito, mas no sentido que
Watanabe elucida, ressaltado que “traduz a ideia de limitação no plano vertical, no
sentido de profundidade”140. A doutrina processual civil entende que esta técnica é
compreendida através da probabilidade das alegações, partindo do pressuposto de
coerência e conexão com aquilo que se almeja, isto é, presumivelmente.
Não cabe ao sujeito de direito apenas alegar e expressar que o direito é
possível, deve imperiosamente demonstrar que o seu ponto de vista está correto por
meio de evidencias concretas, ainda que insuficientes para um possível julgamento
de mérito. Nas palavras de Câmara:
Na cognição sumária, busca-se um juízo de probabilidade, devendo o provimento a ser proferido afirmar, apenas e tão somente, que é provável a existência do direito, ou seja, que há fortes indícios no sentido de sua existência, convergindo para tal conclusão a maioria dos fatores postos sob o exame do juiz. Tal provimento, obviamente, não poderá́ jamais ser tido por imutável e indiscutível, já que não é capaz de afirmar a existência do direito, sendo, portanto, incapaz de ser alcançado pela imutabilidade e indiscutibilidade decorrentes da autoridade de coisa julgada substancial.141
Uma observação necessária se faz quando há confusão dos elementos
preponderantes nas diferentes modalidades de cognição, isto é, a sumária não deve
ser confundida com a superficial, pois ambas se distinguem, posto que na primeira
há a probabilidade de um direito ante a um conjunto probatório – ainda que
insuficiente – enquanto na segunda há a verossimilhança das alegações, isto é,
aparência de uma verdade a partir da análise da narrativa processual. Portanto, o
cerne da questão é justamente a análise sumária do instrumento processual para o
alcance do direito perquirido em tempo razoável, não havendo a possibilidade da
instrução processual com todas as suas fases previstas, haja vista a finalidade da
sumarização do processo. Em outras palavras, conforme Marinoni142 alude, a
cognição sumária possibilita a análise em plano vertical observando a celeridade
processual conjugada com a economia processual, diante da situação de caráter
imediato.
140 WATANABE, 2000. p.121. 141 CAMARA, 2014. p. 316. 142 Cf. MARINONI, 2018. p. 33.
68
Assim, tem-se que a cognição sumária pode ser aplicada em diferentes
institutos processuais, como nas tutelas cautelares, antecipadas e de evidência.
Ainda que ambas apresentem um modelo processual a ser seguido, a sumarização
permite que a decisão venha a ocorrer de imediato, por se tratar de direitos com
caráter de probabilidade, fundamentados em indícios contundentes para o
deferimento de uma decisão prematura ao mérito, ou seja, que não tem caráter de
formar a coisa julgada, consistindo apenas na declaração e proteção da tutela de
direitos em momento processual oportuno, não permitindo que isto ocorra
exclusivamente na análise definitiva do mérito da causa.
Depreende-se que as técnicas de cognição para o processo proporcionam
uma decisão justa e eficaz, atendendo os interesses da parte prejudicada e ao
mesmo tempo permitindo a apreciação de forma adequada para cada caso. Tal
instituto é fundamental para o processo civil, visto que o juiz não pode analisar a
demanda sob quaisquer circunstâncias, devendo se pautar na convicção e
probabilidade de uma hipótese, deixando de lado as questões íntimas no momento
de proferir uma decisão que tutela direitos. Isto posto, pode-se afirmar que a
efetivação da tutela necessariamente decorre da técnica de cognição de qualquer
natureza, pois somente com este aparato o magistrado proferirá decisão justa e
compatível com os anseios dos sujeitos de direito.
4.3 DA TUTELA PROVISÓRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO:
PRINCIPAIS DESDOBRAMENTOS JURÍDICOS
Assentada esta nota introdutória acerca das nuances da tutela jurisdicional e
da técnica de cognição mais favorável ao caso concreto, passa-se a delinear os
principais aspectos que o processo civil brasileiro integra, especialmente a finalidade
que lhe é atribuída para a correta e adequada tutela de direitos. Conforme visto, a
tutela jurisdicional se presta única e exclusivamente a realizar o direito perseguido
de forma satisfatória, posto que tal preceito é assegurado no rol de garantias
constitucionais da Carta Magna de forma ilustre.
A realização da tutela jurisdicional se dá por intermédio da figura do processo,
posto que detém previsão constitucional, assim como é considerado meio isonômico
para a proteção de uma prerrogativa em discussão, por conter em sua essência um
formalismo necessário consistente em atos em consonância com o ordenamento
69
jurídico pátrio. Todavia, ainda que tal premissa seja considerada a melhor solução, a
duração do processo é vista como um grande obstáculo para a garantia da
prestação jurisdicional em tempo razoável, posto que a lentidão do judiciário e o
abarrotamento de demandas simples e de baixa complexidade que vão de encontro
com litígios que necessariamente carecem de verdadeira instrução processual.
Conforme Souza143 alude em sua obra, a morosidade do judiciário está cada
vez mais presente na realidade forense, se mostrando uma verdadeira dificuldade
para a efetividade da tutela em tempo razoável, visto que é prejudicial para os
litigantes que inevitavelmente dependem da agilidade dos atos processuais para
assegurar o direito pretendido, em se tratando de situações de urgência ou
emergência. Além da morosidade do Poder Judiciário, Eduardo Cambi e Aline
Regina das Neves evidenciam outro evento que impulsionou a instauração de
processos em grande escala, isto é, a denominada “judicialização de conflitos,
resultante, dentre outros fatores, da tomada de consciência por parte dos
jurisdicionados, de seus próprios direitos”144.
Diante disso, para que os efeitos da lentidão processual não reflitam na
realidade dos litigantes que anseiam pela efetividade da tutela jurisdicional e pela
celeridade do instrumento processual, o princípio da razoável duração do processo
deve ser observado ainda que a morosidade esteja presente, posto que é direito
fundamental assegurado constitucionalmente no artigo 5º, inciso LXXVIII da
Constituição Federal de 1988, o qual dispõe expressivamente que “a todos, no
âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e
os meios que garantam a celeridade de sua tramitação145”. Percebe-se que a Lei
Maior delineia essa proteção a todos indistintamente, assim como prevê meios
processuais para possibilitar uma maior brevidade do processo.
Dentre os modos compreendidos para propiciar a celeridade processual,
destaca-se a possibilidade de uma tutela diferenciada estranha a tutela definitiva que
põe fim ao processo e resolve o mérito, isto é, o sistema jurídico corrobora
alternativas para prevalecer a equidade e celeridade processual, oferecendo
143 SOUZA, 2017. p. 55. 144 CAMBI, Eduardo. NEVES, Aline Regina das. Duração razoável do Processo e Tutela Antecipada. In: BUENO, Cassio Scarpinella, (Coord.). Tutela Provisória no CPC: 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 88/89. 145 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 mar. 2019.
70
diferentes formas de tutelas como por exemplo, a satisfativa, executiva,
mandamental, provisória e outras que o doutrinador Souza acentua.146 Dentre as
tutelas previstas no âmbito processual, a provisória merece todo o aparato e
destaque, tendo em vista que é considerada o fundamento para os deslinde do
presente estudo
Neste passo, pertinente deslindar as nuances que compreendem o instituto
da tutela provisória positivada nos artigos 294 a 311 do Código de Processo Civil,
como importante parcela do processo civil brasileiro. A vista disso, o professor e
doutrinador Eduardo Lamy elucida com clareza o conceito de tutela provisória
enfatizando que:
Para o CPC de 2015 a tutela provisória é gênero de tutela jurisdicional e consiste na tutela jurisdicional não definitiva, seja ela prestada por meio da execução daquilo que foi decidido a título de tutela de urgência (arts. 300 a 310), de tutela de evidência (art. 311) ou de cumprimento provisório da sentença (arts. 520 a 522, além da provisoriedade de decisões liminares fundadas nos arts. 536 a 538).147
Neste segmento, o jurista Eduardo Arruda Alvim sistematiza que a tutela
provisória é vista como “um instituto que visa assegurar um acesso efetivo ao
Judiciário, quando haja o perigo de perecimento do direito, se não houver proteção
pronta (na hipótese do art. 300 do CPC/2015, ao tratar do ‘perigo de dano’)” 148 e
ressalta outro aspecto para aplicação deste instituto “quando houver risco ao
resultado útil da demanda (conforme o art. 300 do CPC/2015, ao tratar da tutela
cautelar)” 149. No mesmo raciocínio, Cássio Scarpinela Bueno reforça que:
É correto entender a tutela provisória, tal qual disciplinada pelo CPC de 2015, como o conjunto de técnicas que permite ao magistrado, na presença de determinados pressupostos, que gravitam em torno da presença da “urgência” ou da “evidência”, prestar tutela jurisdicional, antecedente ou incidentalmente, com base em decisão instável (por isso, provisória) apta a assegurar e/ou satisfazer, desde logo, a pretensão do autor, até mesmo de maneira liminar, isto é, sem prévia oitiva do réu. 150
146 SOUZA, 2017. p. 55. 147 LAMY, Eduardo. Tutela Provisória. [e-book]. São Paulo: Atlas. 2018, n.p. Disponível em: <https: //online.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597016956/cfi/6/26!/4/240/2/2@0:0>. Acesso em: 10 mar. 2019. 148 ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 26. 149 ALVIM, loc. cit. 150 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: volume único. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 283.
71
Em linhas gerais, a tutela provisória garante a prestação da tutela jurisdicional
de forma célere e eficaz fundamentada nas hipóteses de urgência ou evidência, com
a finalidade de assegurar o direito litigado em caráter provisório, preliminarmente a
prolação de uma decisão definitiva. Isto é, contendo os requisitos necessários para a
provisoriedade, o juiz determinará a antecipação dos efeitos da tutela em momento
oportuno, com o intento de efetivar a salvaguarda do direito buscado, afastando a
morosidade do judiciário se a situação versar sobre intensa necessidade de uma
decisão prévia, não se confundindo com a decisão final de mérito. Portanto, cabe
dizer que a tutela provisória é vista como gênero, em uma perspectiva macro,
enquanto as tutelas de urgência e evidência são as espécies ou a fundamentação
para a concessão desta determinação conveniente para a efetividade processual.
Deste modo, incumbe ao juiz analisar a concessão ou não da tutela provisória
pautando-se na técnica de cognição adequada ao caso concreto, possibilitando uma
decisão justa em caráter provisório. A doutrina por sua vez entende que a tutela
provisória se encaixa na técnica de cognição sumária, visto que a convicção e a
probabilidade são requisitos que se amoldam no presente caso. Marinoni
primorosamente ressalta que:
É correto dizer, resumidamente, que as tutelas de cognição sumarizadas no sentido vertical objetivam: (a) assegurar a tutela jurisdicional do direito ou uma situação concreta que dela depende (tutela cautelar: art. 300 do CPC); (b) realizar, em vista de uma situação de perigo, antecipadamente um direito (tutela antecipada; art. 300 do CPC); (c) realizar, quando o direito do autor surge como evidente e a defesa é exercida de modo inconsistente, antecipadamente um direito (tutela de evidência; art. 301 do CPC); ou (d) realizar, em razão das peculiaridades de um determinado direito e em vista da demora do procedimento comum, antecipadamente um direito (liminares de determinados procedimentos especiais).151
Nota-se que tanto na tutela de urgência como de evidência, a técnica de
cognição é sumarizada, conforme Marinoni deslinda “o juiz, quando concede a tutela
sumária, nada declara, limitando-se a afirmar a probabilidade da existência do
direito”152. Por outro lado, Eduardo Lamy enfatiza que a fundamentação da decisão
deve atender princípios lógicos e concretos, não se valendo de simples argumentos
“o que não se aceita em hipótese alguma é a solitária e insuficiente afirmação de
151 MARINONI, 2018, p. 33. 152 Ibid., p. 33-34.
72
que se defere a tutela provisória por que os seus requisitos estão presentes, ou de
que se indefere a tutela provisória por que os seus requisitos estão ausentes”153.
Deste modo, ressalta-se as disposições gerais que cercam o instituto da
tutela provisória contida no Livro V, Título I do Código de Processo Civil. Pois bem, o
artigo 296 dispõe que “a tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do
processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada”154, o que pode
parecer redundante, mas o dispositivo retrata que a decisão que concede a tutela
provisória detém caráter provisório, e que a sua vigência é protegida até a decisão
final, mas a qualquer instante os seus efeitos podem ser dissolvidos, se o juiz
entender que os requisitos que ensejaram a sua concessão não permaneceram até
a decisão final de mérito, conforme Alvim “diferentemente da decisão de mérito, que
nasce preordenada a se tornar imutável [...], a concessão de tutela provisória se faz
por decisão provisória, que nasce para ser absorvida pela decisão final”155. É fatídico
que o juiz tem o poder de analisar a presença ou não dos requisitos em momento
oportuno, tendo em vista que não houve decisão definitiva que assenta o mérito,
sendo plenamente passível proferir nova decisão que se adeque ao caso concreto.
A modificação ou a revogação que o aludido artigo menciona, não se trata de
uma hipótese de ofício do juiz, mas sim de elementos novos que evidenciem que o
direito concedido se alterou, como Alvim elucida em sua obra que a concessão da
tutela provisória “não se enquadra no espectro de atuar ex officio do juiz, o que
equivale a dizer que depende de requerimento expresso”156. Frisa-se que este
categórico requerimento, indubitavelmente advém da parte contrária ou de terceiro
interessado, visto que é conveniente desconstituir o direito da parte que requereu
para si o a prerrogativa litigiosa. Portanto, não há discussão quanto os efeitos da
decisão que concede a tutela provisória na doutrina, sendo considerada uma
decisão legal dotada de efetividade que assegura preliminarmente o direito
perseguido, pois está de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.
153 LAMY, 2018, n.p. 154 BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 25 mar. 2019. 155 ALVIM, 2017. p. 142. 156 ALVIM, loc. cit.
73
Quanto ao artigo 297157 do CPC, a redação é precisa e ao mesmo tempo
garantidora, tendo em vista que o juiz poderá, se entender conveniente e adequado
ao caso concreto, adotar medidas necessárias para que a tutela provisória seja
atendida, ou seja, efetivada, visto que o seu caráter é congênere a uma decisão
dotada de efeitos impositivos de cumprimento imediato, não havendo escolha da
parte em que foi incumbida à executar ou cumprir determinada norma. As medidas
compreendem diversas naturezas, sendo evidente que a mais utilizada é a
imposição de multa diária, que posteriormente, será tratada em tópico pertinente.
Por fim, destaca-se o artigo 298 do Código de Processo Civil, o qual elucida
com clareza que “na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela
provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso”158. Tem-se
que a decisão provisória tem a mesma carga que uma decisão definitiva, ainda que
não tenha o condão de pôr fim ao processo resolvendo o mérito e por isso, o juiz ao
proferir uma decisão desta natureza, deve integralmente observar os requisitos para
sua concessão e fundamentar e exarar precisamente os argumentos no corpo da
decisão. Não se pode olvidar a hipótese de uma decisão genérica sem os
argumentos que deferem ou indeferem o direito requerido, é dever do magistrado
esta fundamentação, caso contrário, a parte que se sentir prejudicada poderá opor
embargos de declaração conforme Misael Montenegro Filho explana em sua obra159.
Diante de todas as considerações acerca da tutela provisória, cabe frisar breve
passagem da obra de Theodoro Júnior para concluir este entendimento:
As tutelas provisórias têm em comum a meta de combater os riscos de injustiça ou de dano, derivados da espera, sempre longa, pelo desate final do conflito submetido à solução judicial. Representam provimentos imediatos que, de alguma forma, possam obviar ou minimizar os inconvenientes suportados pela parte que se acha numa situação de vantagem aparentemente tutelada pela ordem jurídica material (fumus boni iuris). Sem embargo de dispor de meios de convencimento para evidenciar, de plano, a superioridade de seu posicionamento em torno do objeto litigioso, o demandante, segundo o procedimento comum, teria de se privar
157 Art. 297. “O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.” BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 25 mar. 2019. 158 BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br /ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 10 mar. 2019. 159 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito processual Civil: de acordo com o novo CPC. [e-book] 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, n.p. Disponível em: <https://online.minhabiblioteca. com.br/#/books/9788597006513/cfi/6/56!/4/70/2/2@0:0>. Acesso em: 10 mar. 2019.
74
de sua usufruição, ou teria de correr o risco de vê-lo perecer, durante o aguardo da finalização do curso normal do processo (periculum in mora).160
Feita as ponderações gerais sobre a tutela provisória, ressalta-se as espécies
compreendidas em seu bojo, consideradas técnicas processuais capazes de
submeter o direito perseguido a uma análise em maior profundidade, visto que a sua
aplicação depende da situação abordada. Assim, o direito processual civil ramificou
a tutela provisória nos fundamentos da urgência e evidência, aludindo requisitos e
procedimentos próprios nos artigos 300 a 311 do CPC, como se verificará a seguir.
Dentre os fundamentos abrangidos, por sua vez, destaca-se a tutela de urgência
que é tratada como técnica antecipatória dos efeitos da decisão definitiva que
resolve o mérito, mas contém requisitos próprios para a sua concessão. Assim,
sendo o objeto meritório do presente trabalho, será inteiramente abarcada em tópico
pertinente com suas especificidades e particularidades.
4.3.1 Da Tutela de Urgência
Diante de todo o exposto sobre as principais nuances que o instituto da tutela
provisória comporta, insta salientar neste tópico o elemento basilar do presente
trabalho, compreendido na ramificação da tutela provisória com fundamento na
urgência. Conforme anteriormente referido, tem-se que a tutela jurisdicional
proporciona a preservação e o amparo do direito levado a juízo, quando está sob
perigo ou risco evidente, diante de uma infinidade de situações que o envolvem. A
prestação da tutela jurisdicional está condicionada a efetivar esta prerrogativa, pois
todo aquele que identificar lesão ao seu direito deve buscar o Poder Judiciário para
a concessão da tutela estatal, a fim de que esta afaste todo inconveniente que vier a
se manifestar. Em referência a este contexto, Souza alude que “contra a violação do
direito subjetivo é concedida somente a tutela jurisdicional, não sendo admitida a
defesa privada, a não ser nas hipóteses taxativamente indicadas pela lei”161.
Partindo desta análise, tem-se que o Estado enquanto detentor de todo um
aparato normativo está incumbido de apreciar e resguardar as prerrogativas dos
sujeitos de direito sob o enfoque constitucional, invocando seu poder-dever para 160 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. [e-book] 59. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, n.p. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530977 M764/cfi/6/50!/4/2/4@0:0>. Acesso em: 13 mar. 2019. 161 SOUZA, 2017. p. 106.
75
impor parâmetros contundentes, a fim de assegurar e garantir a efetiva concessão
dos direitos sob judice, visto que é função primordial perante o ordenamento jurídico
brasileiro. Assim, a doutrina vem destacando que o juiz, aquele que exerce a tutela
jurisdicional nos limites que lhe é imposto, tem o condão de analisar a causa sob o
enfoque do poder geral de cautela, isto é, prerrogativas para conquistar a adequada
prestação jurisdicional, de acordo com os princípios fundamentais, concretizando o
artigo 5º, XXXV162, da Constituição Federal de 1988.
Isto posto, os critérios que o juiz está adstrito são basicamente aqueles que
visam assegurar o direito perseguido, previamente a um mal irrecuperável, visto que
está sob o enfoque da tutela jurisdicional. Assim, o julgador tem a faculdade de
impor diligências que lhe são autorizadas, sendo característica deste poder a
imposição de “medidas provisórias adequadas”163, conforme Zavaski alude. Assim,
Montenegro Filho destaca que o termo supracitado tem correlação com a
morosidade que permeia o judiciário, isto é:
Se o tempo é inimigo do processo, como já se afirmou, o legislador responsável pela elaboração do CPC/73, e pelas reformas que o modificaram com o passar do tempo, criou as denominadas medidas de urgência, consistentes na ação cautelar e na tutela antecipada, para permitir a obtenção de prestação jurisdicional conservativa ou satisfativa durante o processo, antes da prolação da sentença, entendida como tutela final.164
Neste sentido, percebe-se que o fragmento se refere à tutela provisória de
urgência, importante meio processual, que por oportuno, será abordado em seus
principais aspectos para a assimilação do assunto. A tutela de urgência está
positivada no Título II do Código de Processo Civil, que compreende as principais
particularidades da espécie nos artigos 300 a 310. Assim, com base na previsão
expressa em diploma legal, necessário se faz a sua conceituação. Em linhas gerais,
José Herval Sampaio Júnior constrói o seguinte posicionamento ao definir o objeto
do presente trabalho:
Nesse contexto podemos definir, de modo bem introdutório do assunto, tu- telas de urgência como todas aquelas medidas que são concedidas no decorrer do processo, em especial no seu início (...) tendo como premissa a
162 XXXV. “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 12 mar. 2019. 163 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 41. 164 MONENEGRO FILHO, 2016, n.p.
76
questão do perigo de ineficácia da tutela em razão de uma emergência, a qual tanto pode assumir um feitio cautelar quanto satisfativo e que hoje, independentemente de seu conteúdo, a qual pode ter ambos com prevalência de um deles, está sendo tratada da mesma forma, pois o juiz, para cumprir a promessa constitucional de tutelar os direitos, não pode mais se ater a aspectos puramente técnicos.165
Nota-se que esta temática é tratada pela doutrina como uma medida,
podendo ser considerada como um parâmetro, precaução ou uma contenção para
que o direito material seja amparado e protegido, não sendo examinada tão somente
pelos sujeitos de direito que buscam a segurança por meio do Judiciário, sob o
enfoque de um mero procedimento benéfico aos litigantes, mas como uma garantia
e salvaguarda assegurada pelo ordenamento jurídico.
Logo, infere-se que tal mecanismo se sustenta em uma medida processual
capaz de antecipar a concessão de um direito vulnerável, em momento preliminar a
todas as fases previstas no processo de conhecimento. Caso contrário, se essa
garantia não existisse somente se desfrutaria de tal prerrogativa em decisão
definitiva, isto é, na conclusão permanente do litígio, sendo independente o objeto
da demanda. Portanto, tal ferramenta objetiva basicamente o melhoramento do
processo através da agilidade dos meios atrelados ao processo, quando se estiver
diante de situações de dificuldade ou gravidade de uma prerrogativa constitucional.
Isto posto, Souza sucintamente alude a função precípua da medida, destacando que
A função da tutela de urgência, portanto, consiste na neutralização dos obstáculos, e, por conseguinte, dos danos que podem derivar ao autor que tem razão pela duração do processo de cognição plena (em decorrência de eventos danosos derivantes da mera duração do processo de cognição ou de fatos que podem verificar-se durante a pendencia do processo de cognição e execução. 166
No que tange ao sistema da tutela de urgência propriamente dita, enfatiza-se
importante passagem que Lamy correlacionou em sua obra, descrevendo que o bojo
a tutela provisória de urgência se reveste na condição de preservar o direito
material, diante dos inconvenientes que a delonga do processo de conhecimento
acentua.
165 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Tutelas de Urgência: sistematização das liminares. São Paulo: Atlas, 2011, p. 35. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522483181 /cfi/53!/4/4@0.00:0.00>. Acesso em: 14 mar. 2019. 166 SOUZA, 2017. p. 109.
77
A tutela jurisdicional terá natureza urgente quando cuidar das situações em que determinado pronunciamento jurisdicional necessitar ser proferido em curto período de tempo, através de cognição sumária, por meio de técnicas antecipatórias ou assecuratórias, dada a possibilidade de dano ao direito material envolvido. Portanto, a tutela de urgência corresponde ao resultado rápido que a jurisdição, através do processo, não pode deixar de atingir em muitas e frequentes situações do cotidiano. Trata-se do gênero de tutela que se destina a evitar danos oriundos da demora da prestação jurisdicional, ou da necessidade existente, conforme a natureza do direito material protegido, de obter-se o pronunciamento jurisdicional antes do exaurimento da cognição, para que a prestação jurisdicional seja tempestiva e efetiva. 167
Superada esta etapa, menciona-se a classificação compreendida no interior
da tutela de urgência, sob a qual está sistematizada em duas espécies distintas,
reconhecidas e tratadas separadamente em legislação vigente. A doutrina sintetizou
uma dicotomia perante a redação que o legislador empregou nos casos de urgência
previstos no CPC, dividindo-se entre tutela cautelar e tutela antecipada. Necessário
se fez tal separação, pelo fato de que cada uma tem um viés e efeito específico
diferente no ordenamento jurídico, recebendo tratamentos diversos. Por sua vez,
ressalta-se a distinção existente para que em momento oportuno se proceda o
aperfeiçoamento de cada natureza, com o devido aparato jurídico assimilado.
A princípio, Marinoni aborda que “tutela cautelar é tutela de segurança do
direito; é tutela e não técnica processual”168 e em sentido adverso compreende que
“a tutela antecipada é a própria tutela de direito ambicionada pela parte mediante o
exercício da ação”169. Por sua vez, Montenegro Filho enfatiza de maneira sublime,
destacando que “a medida deferida no âmbito da ação cautelar objetiva assegurar o
resultado útil da ação principal”170 enquanto a “antecipação de tutela é de índole
satisfativa”171. Nesta linha, Arlete Inês Aurelli distingue as tutelas provisórias
intensificando que “a tutela antecipada não se confunde com a tutela cautelar,
porque a tutela antecipatória não se limita a assegurar o resultado útil e eficaz do
processo, nem garantir a satisfação do direito, mas sim conceder o próprio pedido
formulado”172 e aponta que “a tutela cautelar se refere à proteção ao processo,
167 LAMY, 2018. n.p. 168 MARINONI, 2018. p. 43. 169 Ibid., p. 48. 170 MONTENEGRO FILHO, 2010. p. 11. 171 Ibid., p.13. 172 AURELLI, Arlete Inês. Tutelas Provisórias de Urgência no CPC: Remanesce a necessidade de distinção entre antecipadas e cautelares? In: BUENO, Cassio Scarpinella, (Coord.). Tutela Provisória no CPC: 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 59.
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garantindo-se um resultado útil”173. Por conseguinte, Theodoro Júnior também
acentua em sua obra aspectos relevantes, ressaltando breve concepção de maneira
íntegra
Continua, porém, relevante a distinção entre tutela cautelar (conservativa) e tutela antecipatória (satisfativa), porque (i) a medida cautelar tem a sua subsistência sempre dependente do procedimento que, afinal, deverá compor o litígio que se pode dizer “principal”, ou “de mérito”; enquanto (ii) a tutela antecipada pode, por conveniência das partes, estabilizar-se, dispensando o prosseguimento do procedimento para alcançar a sentença final de mérito, e, portanto, sem chegar à formação da coisa julgada. Em outros termos: a medida cautelar, por restringir direito, sem dar composição alguma ao litígio, não pode se estabilizar, fora ou independentemente da prestação jurisdicional definitiva; só a medida de antecipação de tutela pode, eventualmente, estabilizar-se, porquanto nela se obtém uma sumária composição da lide, com a qual os litigantes podem se satisfazer. 174
Nota-se, portanto, que a separação mencionada por distintos autores está
estritamente ligada ao objeto que cada espécie compreende, extraindo-se que a
tutela cautelar pretende assegurar o direito material através da imposição de meios
processuais, capazes de obstaculizar o ato a ser praticado contra esta prerrogativa
quando houver a probabilidade do direito sob judice e por outro lado, a antecipada
visa desde o início a satisfatividade do direito, objetivando a antecipação dos efeitos
da decisão de mérito no momento processual em que ela é requerida, ou seja, aqui
o juiz já adianta o mérito com base na sua convicção e verossimilhança no direito.
4.3.1.1 Tutela Cautelar e Tutela Antecipada
Feita as considerações gerais sobre estes institutos, passa-se a um breve
apanhado sobre a tutela cautelar e antecipada. Preliminarmente, ressalta-se que a
tutela cautelar era tratada como uma ação no CPC de 1973, obtendo natureza e
procedimento próprio, não compreendendo qualquer preceito de garantir a tutela de
direitos em seu íntimo. Apenas sob a égide do CPC de 2015 que o legislador atribuiu
índole de proteção e garantia a esta tutela do direito, tornando-se uma técnica do
direito processual civil por excelência, a fim de que haja um procedimento válido e
justo na demanda judicial, como alude Montenegro Filho “embora o novo CPC tenha
173 AURELLI in BUENO, 2018. p. 59. 174 THEODORO Jr, 2018. n.p.
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modificado a natureza jurídica da tutela provisória cautelar, que deixou de ser ação,
para ser pedido, que pode ser formulado em qualquer ação (...)175.
Assim, compreende-se por tutela cautelar aquela em que é revestida por um
instrumento apto a proteger direitos em uma situação de fragilidade, sendo
considerada como uma garantia da efetividade do processo. A sua natureza busca
assegurar e preservar direitos, mas não em caráter meritório, apenas sendo uma
ferramenta na qual se resguarda o direito pretendido até o momento oportuno, isto é,
a fase de julgamento definitivo, em sede de cognição exauriente. A doutrina trata
este assunto como um método, destacando a necessidade de implementação no
processo civil e sua função para efetivar direitos; isso porque, a tutela cautelar
confere estabilidade da prestação jurisdicional, através da sua natureza impositiva.
Sobre este aspecto Marinoni citando Calamandrei destaca a seguinte
concepção “a doutrina clássica afirma que a tutela se destina a dar efetividade à
jurisdição e ao processo”176 ao mesmo passo que Lamy compreende e elucida com
clareza os principais pontos que a tutela cautelar compreende:
A técnica cautelar é aquela que objetiva assegurar o resultado útil da demanda principal a qual é apenas acessória. A noção de cautela liga-se à ideia de garantia do bem jurídico objeto de outra ação. Por isso mesmo, o provimento urgente, oriundo de técnica cautelar propriamente dita, sempre se refere a uma demanda – outra – principal, possuindo as características primordiais da referibilidade e acessoriedade.177
Sobre os aspectos que envolvem essa tutela, Marinoni destaca que “surgiu a
teoria que atribuiu a função cautelar a proteção de um direito aparentemente
submetido a perigo de dano iminente”178, ou seja, havendo ameaça ou risco a um
direito, é plenamente possível a aplicabilidade da tutela de urgência cautelar para
que o direito encontre-se amparado. Lamy alude que a cautelar será empregada
quando “houver probabilidade de procedência do pedido do autor na ação principal,
bem como risco de dano ao bem objeto daquela ação, em razão da demora da
efetivação do provimento jurisdicional final resultante de cognição exauriente” 179.
Isto posto, reforça-se a seguinte acepção: não se trata de uma hipótese de
não perecimento do direito, mas tão somente de uma garantia no meio processual,
175 MONTENEGRO FILHO, 2016. n.p. 176 CALAMANDREI, Piero, 1936 apud MARINONI, 2018. p. 73. 177 LAMY, 2018. n.p. 178 MARINONI, 2018. p. 74. 179 LAMY, 2018, n.p.
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apta a gerar segurança jurídica através de procedimentos idôneos previstos em lei
vigente. Os meios supracitados estão previstos no artigo 301 do Código de Processo
Civil, o qual dispõe “A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada
mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra
alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito” 180
melhor dizendo, as nuances compreendidas neste instituto são consideradas pela
doutrina como providências aptas a buscar a efetividade processual.
Percebe-se que o diploma legal ao prever tais assertivas se atentou para a
concessão de métodos que efetivam a prestação da tutela cautelar, não deixando a
configuração à mercê ou para mera interpretação dos operadores do direito,
trazendo assim uma segurança jurídica eminente. A respeito disto, Marinoni enfatiza
que “esses exemplos constituem genuínas tutelas de segurança da tutela principal,
ou melhor, da tutela do direito”181.
Feita esta breve colocação da tutela cautelar, salienta-se as perspectivas
atualmente introduzidas na tutela de urgência antecipada. O ordenamento jurídico
brasileiro foi pragmático ao clarificar a tutela antecipada, constatando-se a sua
introdução em diplomas legais anteriores, ante a necessidade de uma metodologia
capaz de satisfazer integramente os direitos que eram levados até o Poder Judiciário
e não somente assegurá-lo por meio de técnicas processuais (como é o caso da
tutela cautelar). Assim, a natureza consistente da tutela antecipada, é justamente a
antecipação dos efeitos da decisão de mérito, isto é, do direito próprio almejado.
Não se fala aqui em uma hipótese remota e sim na efetiva tutela buscada. Diante
disso necessário de faz a explanação do conceito de tutela antecipada conforme
Montenegro Filho conceitua de maneira célere e cristalina em sua obra:
Podemos conceituar a tutela antecipada como o instrumento processual que confere ao autor, desde que se encontrem presentes nos autos requisitos de natureza objetiva, parte ou a totalidade da prestação jurisdicional que lhe seria apenas conferida por ocasião da sentença, mediante requerimento expresso ou interessado, a ser externado em qualquer fase do processo (na petição inicial ou por meio de petição avulsa). 182
180 BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto .gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 15 mar. 2019. 181 MARINONI, 2018, p. 69. 182 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: medidas de urgência, tutela antecipada e ação cautelar, procedimentos especiais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 20.
81
Ou seja, pode-se afirmar que esta técnica processual não pode ser
considerada como um meio para garantir a efetividade do processo ou outra
interpretação em sentido diverso, como a hipótese que de uma ação autônoma com
procedimento diferenciado. Tem-se que a tutela antecipada consiste em um pedido
com aspectos de urgência, incorporado no processo de conhecimento comum, que
demonstre necessariamente clareza e transparência, a fim de que o juiz antecipe os
efeitos do mérito tanto no começo ou no curso do processo. Para a compreensão
desta nota introdutória, Arlete Inês Aurelli faz importante acentuação:
(...) para se entender, de forma mais simplificada, que tipo de tutela é prestada na tutela antecipada, basta lembrar que na inicial o autor promove dois tipos de pedido: imediato e mediato. O primeiro representa o tipo de providência jurisdicional que será proporcionada pelo juiz e o segundo representa o bem da vida, a vantagem prática pleiteada. Ocorre que na tutela antecipada o órgão julgador entrega o bem da vida, a vantagem prática, ou seja, apenas o pedido mediato. Jamais haverá a entrega do pedido imediato, pois, nesse caso, o juiz já proferira a sentença, o julgamento antecipado da lide. 183
Partindo desta análise, considera-se que a concessão da tutela antecipada é
coberta pela cognição sumária, haja vista que a natureza da decisão se pauta na
convicção e verossimilhança das alegações autorais, assim como nos requisitos
objetivos, que logo será demonstrado neste trabalho. Conforme Marinoni afirma “a
tutela satisfativa de cognição sumária realiza o direito material afirmado pelo autor
ou, em outras palavras, dá satisfação ao direito material afirmado” 184 e por fim
concluí que “a realização de um direito mediante a técnica antecipatória é realização
de um direito que preexiste à sentença de cognição exauriente”185. Sob análise da
cognição sumária, Montenegro Filho enfatiza a consistência da decisão:
O magistrado não antecipa o julgamento final do processo ao apreciar o pedido de tutela, ou seja, não textualiza de forma peremptória que a ação será julgada em favor do autor. Não é feito um prejulgamento do processo, razão pela qual o magistrado pode julgar a ação pela improcedência dos seus pedidos, mesmo tendo deferido tutela antecipada em favor do autor em instante anterior ao da sentença de mérito, de modo que o juiz não fica vinculado ao convencimento inicial, que é apenas superficial e provisório. 186
183 AURELLI, Arlete Inês. Tutelas Provisórias de Urgência no CPC: Remanesce a necessidade de distinção entre antecipadas e cautelares? In: BUENO, Cassio Scarpinella, (Coord.). Tutela Provisória no CPC: 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 59. 184 MARINONI, 2018. p. 109. 185 MARINONI, loc. cit. 186 MONTENEGRO FILHO, 2010. p. 22.
82
Diante deste fragmento, extrai-se que a decisão com efeitos antecipatórios é
dotada de provisoriedade, podendo o juiz a qualquer momento mudar a sua
concepção inicial se no decorrer do processo surgir evidências concretas que o seu
convencimento não estava correto e então julgará pelo não prosseguimento dos
efeitos da tutela antecipada, com a consequente improcedência dos pedidos iniciais.
Feita estas considerações preliminares, passa-se a evidenciar importante
aspecto que tanto a doutrina como o diploma legal que consolida a matéria da tutela
provisória, se manifestam sobre o momento do requerimento da tutela antecipada e
cautelar. Pois bem, o pedido pode ter caráter antecedente ou incidental, conforme o
parágrafo único187 do artigo 294 do Código de Processo Civil informa. Assim, na
forma antecedente, o pedido inicial será externado anteriormente à ação principal,
por mera petição, indicando os motivos de urgência aptos a antecipar os efeitos da
decisão de mérito e, posteriormente, havendo deferimento ou indeferimento da
medida, pleiteara pela emenda à inicial, a fim de elucidar aspectos integrais
atinentes da lide. Theodoro Junior entende este feito processual no seguinte sentido
“considera-se antecedente toda medida urgente pleiteada antes da dedução em
juízo do pedido principal, seja ela cautelar ou satisfativa”188.
Quanto ao requerimento na forma incidental, o pedido poderá ser feito no
curso do processo ou em qualquer momento posterior, podendo ser requerido
diretamente no processo principal. Tal possibilidade é assegurada no processo civil,
pois a urgência pode surgir em qualquer fase do processo, não se limitando pura e
simplesmente pela concessão no início da ação, tendo em vista que uma situação
imprevisível poderá ocorrer, independente da fase em que se encontra a demanda.
Para a melhor compreensão deste instituto, vem a calhar a passagem de Theodoro
Júnior “será feito por simples petição nos autos, sem necessidade sequer de
pagamento de custas (NCPC, art. 295). É claro, porém, que o requerente deverá
comprovar a existência dos requisitos legais: fumus boni iuris e periculum in mora”189
Por fim, ainda na linha de pensamento de Theodoro Júnior, ressalta-se breve
apanhado no qual o autor elucida aspectos relevantes inseridos no CPC: 187 Art. 294, parágrafo único “Tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.” BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 18 mar. 2019. 188 THEODORO JR., 2018, n.p. 189 THEODORO JR., loc. cit.
83
O art. 294, parágrafo único, do novo Código, dispõe que a tutela provisória, de natureza cautelar ou satisfativa, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Já o art. 303 autoriza a parte, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a peticionar ao juízo requerendo apenas a tutela provisória, com indicação sumária da lide, do direito que se busca realizar e do perigo da demora e, posteriormente, aditar a inicial com o pedido principal, se for o caso. E o art. 305 e seguintes preveem o procedimento para a concessão da tutela conservativa (cautelar) de forma antecedente. Em qualquer caso, não há uma ação sumária distinta da ação dita principal. A pretensão de medida urgente se apresenta como parcela eventual da ação que objetiva solucionar o litígio, quer quando a antecede e a prepara, quer quando a complementa já em seu curso.190
Demonstrado até aqui as espécies que compreendem a tutela provisória
fundada na urgência e a distinção do momento processual adequado em que a parte
poderá pleitear o pedido, interessante ressaltar os pressupostos necessários para a
sua concessão, sendo aplicado para ambas as espécies concomitantemente.
4.3.1.2 Requisitos da Tutela de Urgência
O artigo 300 do Código de Processo Civil assim alude que “a tutela de
urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade
do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”191 em outras
palavras, o artigo supracitado se refere aos pressupostos do periculum in mora e
fumus boni iuris, que embora sejam tratados expressamente em latim, ambos são
reconhecidos e admitidos no ordenamento jurídico sob este viés. Em que pese
assim seja considerado no CPC de 2015, ora vigente, o CPC de 1973 não oferecia
estas nuances, conforme Montenegro Filho explana em sua obra:
Diferentemente do CPC/73, que exigia a demonstração da coexistência do fumus boni juris e do periculum in mora para a concessão da medida liminar (nas ações cautelares) e da prova inequívoca da verossimilhança das alegações e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou da caracterização do abuso de direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório do réu, para a concessão da tutela antecipada, o novo CPC padronizou os requisitos, exigindo a demonstração da probabilidade do direito e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo tanto para a concessão da tutela provisória de urgência como da tutela provisória antecipada.192
190 THEODORO JR., 2018, n.p. 191 BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 25 mar. 2019. 192 MONTENEGRO FILHO, 2016, n.p.
84
A uniformização dos requisitos para a concessão da tutela de urgência foi
deveras necessária, tendo em vista que alguns pressupostos exigidos não se
enquadravam no conceito da provisoriedade da tutela de urgência, pois exigiam que
provas robustas e de índole satisfativa viessem a embasar o convencimento do juiz,
como é o exemplo sinalizado na exigência da prova inequívoca. A melhor doutrina
clarifica que a prova inequívoca continha elementos de cognição exauriente, pois
não apenas o direito, mas também formulava um juiz de certeza, pois como os fatos
estavam provados, o deferimento da tutela era o que se estabelecia, não havendo
quaisquer elementos que demonstrassem que o direito não era incontestável.
Assim, com a generalização que o Código de Processo Civil trouxe a sua
redação e a sua sistematização, os elementos impostos se tornaram adequados
para a concessão da tutela e pertinentes para as duas espécies, haja vista que a
tutela cautelar e a tutela antecipada não devem ser consideradas distintas ou com
requisitos próprios, não contendo qualquer vínculo. O que se prevaleceu foi na
verdade a natureza de cada uma, mas com requisitos equivalentes para ambas,
tendo em que vista que decorrem do mesmo instituto processual que é a tutela
provisória com fundamento na urgência. Assim, ressalta a seguinte passagem que
Souza alude em sua obra “uma vez unificadas e sistematizadas, pelo novo C.P.C.,
as tutelas provisórias antecipadas/satisfativas e cautelar com base na urgência, os
requisitos para a sua concessão também passaram a ser os mesmos”193.
Com esta breve explanação, percebe-se que a tutela provisória fundada na
urgência se pauta na cognição vertical sumária, não sendo concedida com base nas
provas produzidas ou nas alegações da parte contrária para formar a sua convicção.
Aqui, o critério é formado pela verossimilhança das alegações autorais, não se
orientando na prova inequívoca, pois esta será objeto da cognição exauriente
empregada no julgamento final da demanda, em que será analisado todos os
aspectos presentes no decorrer da demanda para formar o seu convencimento final.
Desta forma, o juízo de certeza ainda não está presente, posto que a concretude
ainda não foi abordada, mas as alegações são verossímeis e fundadas, a ponto de
formar o entendimento favorável do juiz, a fim de se conceder a tutela de urgência.
Consoante a este ponto, Souza compreende de forma clara que
193 SOUZA, 2017. p. 170.
85
Tendo em vista que a cognição vertical realizada no âmbito de apreciação das tutelas provisórias de urgência, sejam elas de natureza satisfativa ou cautelar, é eminentemente sumária, a parte não necessita comprovar de plano a inequivocidade do direito material alegado. O juiz, ao conceder a tutela de urgência (satisfativa ou cautelar) com base na cognição sumária, nada declara em relação ao direito material, limitando-se a afirmar a probabilidade da existência do direito, de modo que, aprofundada a cognição, nada impeça que o juiz assevere que o direito que supôs existir na verdade nunca existiu. No âmbito da análise do pedido da tutela de urgência, a cognição não tem por função declarar o direito, mas apenas uma função de formulação de hipóteses.194
Assim, o Código de Processo Civil foi objetivo em aplicar ambos os requisitos
do fumus boni iuris e periculum in mora tanto para a tutela cautelar, quanto para a
tutela antecipada. De todo modo, isto se tornou algo acessível e inteligível para os
operadores do direito ao evidenciar os elementos no caso concreto sem delongas ou
dificuldades. Em síntese, Theodoro Jr. elucida em sua obra breves considerações
acerca desses pressupostos:
Os requisitos, portanto, para alcançar-se uma providência de urgência de natureza cautelar ou satisfativa são, basicamente, dois: (a) Um dano potencial, um risco que corre o processo de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora, risco esse que deve ser objetivamente apurável. (b) A probabilidade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança, ou seja, o fumus boni iuris.195
Desta forma, passa-se a elucidar cada requisito nos seus ulteriores termos.
Por seu turno, a probabilidade do direito ou fumus boni iuris se mostra a chave
imponente para se angariar a tutela provisória com base na urgência, tendo em vista
que seu íntimo compreende a veracidade, a plausividade ou até mesmo a
autenticidade do direito, de modo que, com suporte nesta alegação perante o juízo
competente, a concessão da medida antecipatória se torna exequível e realizável,
pois um dos requisitos já está sob o enfoque do julgador, dependendo somente do
último requisito, periculum in mora, que posteriormente será de fato abordado.
Nesta breve síntese, para compreender as primeiras nuances que o requisito
transparece, necessário se faz destacar a sua conceituação no meio jurídico.
Marinoni ao expor este conceito, assim alude de maneira sagaz que “probabilidade
relacionada à conhecida locução “fumaça do bom direito” ou fumus boni iuris. Para
194 SOUZA, 2017. p. 170. 195 THEODORO JR., 2018. n.p.
86
obter a tutela de urgência (...) o autor deve convencer o juiz de que a tutela final
provavelmente lhe será concedida”196. Souza por sua vez, aborda que “agora, o
novo C.P.C., unificando os critérios de verossimilhança, plausividade e da fumaça do
bom direito, utiliza-se da expressão probabilidade do direito”197. Assim, o autor
supracitado unifica tais expressões para que o conceito de probabilidade seja
deveras refletido, não havendo a confusão entre ambos.
A preocupação da doutrina como um todo é a interpretação errônea do
conceito deste requisito ao formular o pedido, isto porque, a probabilidade é vista
num viés, enquanto a verossimilhança é tratada sobre outro. Nesta concepção,
Souza citando Antônio Carrata, foi estupendo ao distinguir tais conceitos, como se
vê na seguinte passagem:
Deve-se registrar, em termos gerais, que os dois conceitos ‘verossimilhança’ e ‘probabilidade’ são considerados distintos, seja no plano jurídico, seja no plano epistemológico, pressupondo, em cada um deles, operações gnosiológicas bem diversas entre eles. É pacífico, de fato, que na valoração de ‘verossimilhança’ falta aquele procedimento lógico-inferencial que caracteriza o convencimento fundado na ‘probabilidade’. Inserida no contexto processual, esta consideração leva a conclusão de que o juiz pode considerar verossímil uma determinada alegação factual sem passar pela concreta verificação probatória, mas simplesmente avaliando se a alegação ingressa ou não na área de operatividade de uma determinada máxima de experiência. Com isso exclui-se que verossimilhança e probabilidade possam ser inseridas no mesmo plano, ainda quando se afronta o problema da qualidade da cognição sumária.198
Assim, verifica-se que a probabilidade não se revela uma simples alegação
verosímil, mas uma viabilidade do direito, por ser dotada de razoabilidade diante da
situação em que se encontra. Isto se justifica porque será sob o enfoque da
cognição sumária que a probabilidade irá se pautar, pois as alegações ou aparência
do próprio direito, já são suficientes para se almejar o fim pretendido, ou seja, o
convencimento do juiz para conceder a tutela provisória com base na urgência.
Além desta explanação, ressalta-se a crítica que a provisoriedade recebe,
indagando-se a seguinte suposição: qual seria a necessidade deste instituto se em
todos os casos, necessariamente, se exigisse uma prova vigorosa, para daí então se
reconhecer o direito ora existente? Não há uma justificação para uma tese em
sentido contrário, haja vista que em uma situação de extrema necessidade, não será
196 MARINONI, 2018. p. 130. 197 SOUZA, 2017. p. 171. 198 CARRATA, Antônio., 2002. p. 30. apud SOUZA, 2017, p. 171-172.
87
possível carrear aos autos todos os elementos que evidenciem o direito pleiteado,
sendo apenas relevante demonstrar de plano tal prerrogativa, para que a sua
concessão seja de fato permitida, pois o juiz deve fundamentar a sua decisão, tão
somente na plausividade do direito, ainda que não haja provas robustas.
Posto isto, a probabilidade será a orientação para o julgamento final baseado
na cognição exauriente. Isto porque, será o primeiro fundamento que o juiz se
pautará para manter ou não a tutela concedida, pois verificará se o direito alegado
ainda subsiste e que não houve o seu perecimento. Assim, é possível verificar essa
alegação nas palavras de Marinoni:
Mas se é indiscutível que a probabilidade é suficiente para a tutela de urgência, é indispensável perceber que a probabilidade se relaciona com os pressupostos da tutela que se pretende obter no final. Ou seja, tanto para a tutela cautelar quanto para a tutela antecipada é imprescindível ter em consideração os verdadeiros pressupostos da tutela final – dano, inadimplemento, probabilidade de ilícito, ilícito já praticado etc. Embora isso seja óbvio, o certo é que as decisões judiciais costumam apenas afirmar que há probabilidade ou fumus boni iuris – sem invocar quaisquer pressupostos da tutela final.199
Assim, o juiz, ao evidenciar que o pressuposto da probabilidade está presente
no caso concreto, exigirá outro requisito, qual seja, o perigo de dano ou risco ao
resultado útil do processo. Sobre este requisito, a doutrina também o trata como
‘perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional’, que está vinculada a
morosidade judicial, mas apesar disso, seja qual for a expressão empregada, é certo
que o segundo requisito para concessão da tutela de urgência se pauta no perigo de
dano, seja ele qual for. Em verdade, a parte contrária teme pelo dano ao direito
material que está prestes a sofrer por um terceiro ou que venha a se manifestar
durante o processo.
Desta forma, o requisito de perigo de dano existe para um propósito: abster a
lesão ou o perecimento ao direito tutelado, diante da demora da prestação
jurisdicional ou um ato arbitrário de um terceiro que tenha o propósito de danificar a
prerrogativa de outrem. Marinoni alude que a tutela antecipada é apta a proteger o
direito em que é tutelado, a fim de que o dano não se prepondere e de fato se
alcance a pretensão que se almeja perante o judiciário, ressaltando que:
199 MARINONI, 2018. p. 131.
88
O perigo de dano também pode legitimar a tutela antecipada. Assim, admite-se a antecipação da tutela para evitar dano ao bem que se pretende ver entregue ao final do processo. Porém, a tutela antecipada é imprescindível sobretudo para evitar dano a direito conexo ao direito objeto da tutela final e, ainda, para evitar a prática de ato contrário ao direito ou a prorrogação dos efeitos concretos de uma conduta ilícita. Nesta última hipótese, como obviamente não há perigo de dano, mas da prática de ato contrário ao direito ou da prorrogação dos seus efeitos concretos, cabe aludir a risco ao resultado útil do processo – embora se saiba que o legislador, referindo-se a perigo de dano, certamente não quis excluir o perigo de ilícito. 200
Ou seja, o autor supracitado salienta com primor a função da tutela
antecipada, reforçando que tal instituto se presta a impossibilitar que o perigo de
modo geral atinja a prerrogativa tutelada, sendo o método mais correto para
assegurar o que se almeja. Mas o que se entende por perigo de dano? Em verdade,
tem-se que a expressão em latim periculum in mora se refere literalmente ao perigo
na demora, se remetendo aos riscos que o direito poderá sofrer, se por acaso não
venha a ser atendido, tutelado ou assegurado em tempo correto, estando vulnerável
a quaisquer lesões que terceiros ou até mesmo a morosidade judicial poderá trazer.
Além disto, Montenegro Filho realça a seguinte suposição em que se pode
conceder a tutela provisória com base na urgência, com base nos requisitos
demonstrados e “diante de uma situação de urgência, a justificar a pretendida
concessão da tutela provisória, o que nos permite dizer que esta só pode ser
deferida numa situação de urgência, devidamente demonstrada pela parte”201. À
vista disso, a tutela provisória proporciona ao direito que se encontra em perigo
eminente, diante de uma situação de urgência, a garantia da antecipação dos efeitos
da tutela final.
Isto posto, quanto ao perigo na prestação da tutela jurisdicional, é certo dizer
que a parte pleiteia a tutela antecipada com base neste requisito, pois teme que
algum fator venha a desconstituir todo o aparato em que se pauta. Em outras
palavras, a parte tem receios de que a prestação jurisdicional não seja efetiva e o
seu direito se dissipe na hipótese em que optar pela via comum, abarcada pelo
processo de conhecimento. Desta maneira, a tutela provisória com base na urgência
restitui ao processo a característica da efetiva tutela jurisdicional, pois os seus
efeitos ensejam a garantia e a salvaguarda de um processo integro e sem a
ocorrência de toda a morosidade que permeia o judiciário. Sobre todos estes fatores,
200 MARINONI, 2018. p. 127/128. 201 MONTENEGRO FILHO, 2016. n.p.
89
Souza alude de um modo geral este requisito com base nas espécies de tutela de
urgência, destacando que:
O perigo na demora pode decorrer tanto do dano marginal da mora processual, o que justifica a concessão da tutela provisória de urgência satisfativa, quanto eventual dano que pudesse acarretar à efetividade da tutela jurisdicional em razão de atos ou circunstâncias praticadas pelo requerido, o que ensejaria uma tutela provisória de segurança de natureza cautelar. Assim, em regra, a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação para as tutelas de urgência satisfativa está mais relacionada à mora processual em si, enquanto que esse mesmo risco, desta vez provocado por algum ato especifico do requerido, em regra, gera fundamento para a concessão de tutela de urgência cautelar. É evidente que a atitude do requerido também poderá ensejar a necessidade de uma tutela provisória de urgência de caráter satisfativo, dependendo do caso concreto. 202
Por fim, com fundamento em todas essas premissas destacadas, depreende-
se que a tutela de urgência necessita de requisitos próprios para sua concessão,
com o intuito de não se banalizar tal instituto ou generaliza-lo por inteiro, no sentido
de que qualquer pedido seja hábil a utilizar-se do instrumento processual da
antecipação da tutela. Sabe-se que o pedido, necessariamente, deve estar pautado
na probabilidade do direito e ao mesmo tempo no perigo de dano proveniente de
atos ilícitos praticados por terceiros ou pela demora da prestação da tutela
jurisdicional. Ou seja, via de regra, somente será concedida a tutela de urgência se
estes requisitos simultaneamente estiverem presentes no caso concreto, podendo, a
depender do entendimento do juiz, eventuais outros requisitos serem exigidos
conforme o caso, exemplo este que está previsto no §1º 203 do artigo 300 do CPC.
Diante de todo o exposto, a partir deste cotejo acerca do conteúdo das tutelas
de urgência, necessário de faz ressaltar neste momento, as nuances que o Código
de Processo Civil imputa a este instituto, para que de fato seja atendida a sua
finalidade, isto é, dispõe de meios para se alcançar a efetiva tutela de urgência.
4.3.1.3 Efetivação da Tutela de Urgência
202 SOUZA, 2017. p. 176. 203 Art. 300, §1º “Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.” BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 25 mar. 2019.
90
Feita estas considerações acerca da tutela provisória fundada na urgência e
seus principais aspectos para a sua concessão, passa-se a elucidar a fase peculiar
de efetivação do provimento jurisdicional, isto é, o cumprimento da decisão que
concedeu a tutela de urgência ao sujeito de direito apto a esta prerrogativa
processual. Por sua vez, ressalta-se o artigo 297 do Código de Processo Civil “o juiz
poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela
provisória”204. Com a leitura deste dispositivo, extrai-se que o magistrado poderá,
para o cumprimento da tutela provisória, adotar critérios necessários para a
efetividade da decisão, não ultrapassando, contudo, o seu poder de coerção.
Observando tal dispositivo, ressalta-se o seguinte entendimento na doutrina, ante a
expressão utilizada. Deste modo, importante destacar o entendimento de Marinoni:
Embora o art. 297 do código de 2015 utilize a expressão “efetivação” – inclusive para a tutela de evidência –, o que realmente importa é ter claro que o direito objeto da tutela antecipada deve ser realizado através de meios executivos adequados à sua natureza e à situação de urgência em que se encontra inserido. Na decisão que concede a tutela urgente, o juiz deve desde logo estabelecer os meios executivos a ser utilizados para que a decisão seja observada – caso não seja voluntariamente adimplida. Com a atuação da tutela urgente não pode se subordinar ao princípio da tipicidade das formas executivas, atribui-se ao juiz um amplo poder destinado à determinação dos meios executivos. 205
Diante disso, o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil leciona tal
assertiva ao dispor sobre os poderes do juiz, sendo sua incumbência prevista em lei
“determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive
nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”206. Observando tal
direcionamento, verifica-se que o magistrado pode e deve impor tais medidas, visto
que ele exerce a jurisdição e ao mesmo tempo tem o condão de efetiva-la.
Se assim não fosse, de nada adiantaria proferir uma decisão de caráter
impositivo que não provocasse efeitos entre as partes litigantes. Haveria uma
verdadeira desordem se todos aqueles optassem pelo não cumprimento de tal
determinação, gerando por consequência, o desequilíbrio nas relações jurídicas. O
processo em si perderia o seu objeto, e a parte em que pleiteia tal requerimento se 204 BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 25 mar. 2019. 205 MARINONI, 2018. p. 168. 206 BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03 /_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 25 mar. 2019.
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veria em uma situação de extrema vulnerabilidade, não sendo protegida pela
segurança jurídica, que, via de regra, é o meio legítimo e fundamentado da mais
inteira justiça para conseguir que o bem da vida seja de fato protegido.
De todo modo, o descumprimento da determinação que ordena a garantia ou
a realização do direito é por infortúnio corriqueira no atual cenário jurídico, haja vista
que os litigantes cada vez mais se abstêm ao acatamento da decisão provisória,
pois muitos entendem que esta não gera consequências desde logo, motivando o
inadimplemento das decisões judiciais. Apesar disto, o juiz terá o poder-dever de
impor medidas assecuratórias para salvaguardar o direito sob judice, devendo optar
por parâmetros íntegros e adequados, não ultrapassando preceitos legais
constitucionais, como, por exemplo, a liberdade de ir e vir dos sujeitos de direito.
Neste diapasão, Misael Montenegro Filho expõe em sua obra com excelência as
medidas previstas “como a imposição de multa diária (medida que reputamos ser a
principal e mais eficaz), a busca e apreensão, a remoção de pessoas ou coisas, o
desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva”.207 Deste mesmo
modo, Marinoni realça que:
(...) em caso de tutela antecipada que determina fazer ou não fazer, são aplicáveis, entre outras, as várias modalidades executivas exemplificadas no § 1º do art. 536, enquanto que, na hipótese de tutela antecipada que impõe a entrega de coisa, além de aplicáveis a busca e apreensão e a imissão na posse (art. 538, CPC), igualmente é possível utilizar a multa (art. 538, § 3º, CPC). 208
Como se percebe, é certo que o alcance de ponderação do juiz atingirá
medidas de diversas naturezas, mas o que se revela em caráter de maior efetividade
é a prestação pecuniária, pois estabelece apreensão do patrimônio do violador.
Sobre isto, o entendimento majoritário contido na doutrina sobre o meio mais eficaz
para o cumprimento da decisão é indubitavelmente a multa pecuniária aplicada
diariamente, isto porque, o poder de coerção que paira sobre essa determinação
está intimamente ligado com o direito da outra parte, que necessariamente precisa
que os efeitos da decisão de mérito sejam cumpridos, para que prejuízos futuros não
sobrevenham ou que o objeto da decisão não se perca. Assim, a multa diária é
considerada um tanto quanto efetiva por inibir aquele que pretende descumprir a
207 MONTENEGRO FILHO, 2016. n.p. 208 MARINONI, 2018. p. 170.
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medida sem uma justificação relevante, fazendo com que a decisão seja
efetivamente cumprida com a mesma carga de coerção de uma decisão definitiva.
Sob este viés, Montenegro Filho alude em sua obra que “A fixação de multa
diária, que depende de requerimento da parte, sem sombra de dúvidas é a medida
mais eficiente, por atemorizar a parte contrária (...)” 209 e ainda complementa que
“como destaca parte da doutrina: adimplir a obrigação específica (de dar, de fazer ou
de não fazer) ou suportar as consequências no bolso. Ao fixar a multa diária, o
magistrado deve observar a proporção entre o seu valor e o da obrigação (...)”. 210
Conforme se extrai do fragmento acima, o poder de quantificar a multa é de
caráter pleno do juiz, não havendo limitações, exceto a adequação do valor com a
possibilidade de adimplemento pelo transgressor, pois outra vez frisa-se: de nada
adianta impor uma multa estrondosa se o destinatário final não obter meios
eficientes para o cumprimento desta obrigação. Por isso, o Juiz deve, para todos os
efeitos, analisar cada caso e a extensão do eventual dano para que a parte adversa
não tenha a dilapidação do seu patrimônio de forma excessiva, ou seja, a decisão
que determina a imposição de multa vai além do que a legislação vigente admite.
A partir de todo este enredo, observa-se que a tutela provisória fundada na
urgência pode ser utilizada em diversas situações do cotidiano, em especial aquelas
em que houver limitação no exercício de um direito. Assim, conforme tratado
anteriormente, a sua aplicação só poderá ser exercida se requisitos estiverem
presentes e o contexto em que está inserido, alcance o Poder Judiciário, a fim de
que a garantia ou a satisfação ocorra no plano concreto. Sem mais delongas,
reputa-se aqui, a seguinte indagação: a tutela de urgência pode ser aplicada nos
casos de negativa de cobertura de procedimentos médicos em contratos de plano de
saúde com prazo de carência? Diante disso, passa-se a elucidação de pontos
cruciais relacionados ao tema, para de fato se constatar tal suposição.
Conforme se depreende, a negativa de procedimentos médicos provenientes
dos contratos de planos de saúde poderá, em certas circunstancias, caracterizar-se
uma verdadeira limitação ao direito à saúde. Isto pode ser compreendido através de
uma simples constatação: o direito à saúde é uma prerrogativa plena, assegurado e
garantido constitucionalmente, considerado como um verdadeiro direito fundamental
que está inserido num plano de maior relevância e necessidade a todos os sujeitos
209 MONTENEGRO FILHO, 2016. n.p. 210 MONTENEGRO FILHO, op. cit.
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de direitos. Assim, torna-se fácil perceber que qualquer limitação a este exercício
levaria a uma verdadeira violação ao Estado Democrático de Direito. Ora, as leis
atinentes ao sistema são criadas e elaboradas para serem cumpridas e no caso de
qualquer limitação ou violação, sucederá um verdadeiro desrespeito e ofensa à
dignidade da pessoa humana. Portanto, entende-se que o exercício arbitrário que
afronta preceitos constitucionais não deve prevalecer no meio social, pois esboça
verdadeiro ultraje às garantias previstas pela Lei Maior, atingindo preceitos sociais já
estabelecidos.
Por oportuno, ressalta-se que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável
aos contratos de planos de saúde. Isto porque, a lei específica dos planos de saúde
prevê tal assertiva, abrangendo efetivamente o direito à saúde no rol de proteção,
em especial ao fornecimento de serviços que contribuem ou não para a promoção
desta prerrogativa. Assim, revela-se um fim especifico: proteger os consumidores de
práticas abusivas intentadas para desfavorecer aquele que não tem a devida
informação no momento da contratação dos serviços. Essa proteção também se
justifica pelo fato de que o contrato de plano de saúde é de adesão e,
consequentemente, as cláusulas no instrumento contratual são instituídas
unilateralmente pelo fornecedor, como é o caso da clausula de carência. Assim, o
CDC é um grande instrumento aos consumidores, na medida em que protege
aqueles que não foram informados sobre qualquer cláusula limitativa de direitos,
como ocorre na problemática do presente trabalho.
Outro ponto relevante que se ressalta é a imposição de cláusulas de carência
nos contratos de planos de saúde. Conforme já explanado no presente trabalho, o
prazo de carência tem relação com o risco – evento imprevisível que nenhuma das
partes contratantes tem o condão de prever –, pois impõe certa limitação para os
contratantes que ainda não realizaram as contraprestações devidas, para que no
caso de infortúnios, a cobertura de eventual procedimento ou cirurgia neste sentido
não seja devida. Sendo assim, os contratantes devem esperar por certo período
previsto e regulado pela entidade reguladora, para que de fato usufruam das
benesses que o plano de saúde tem a oferecer e para que a onerosidade não
intervenha em desfavor dos fornecedores. Assim, a cláusula de carência prevê
diversos prazos, para inúmeras situações, não sendo considerada, via de regra,
inconstitucional ou limitadora de direitos, por ser pleno exercício da atividade
94
empresarial, não constituindo aí, qualquer ato ilícito ou abusividade perante o CDC,
visto que a ANS regulamentou e aprovou tais imposições contratuais.
Entretanto, ressalta-se a hipótese de urgência e a utilização ou não do prazo
de carência nesses casos. Aqui se abre uma importante explanação: ainda que o
prazo de carência esteja vigente, retratando a suspensão da eficácia dos benefícios
do contrato, poderá o plano limitar esta situação? Mesmo que o plano esteja em seu
pleno exercício de direito ao impor tal cláusula, o entendimento majoritário que se
extrai da doutrina e na jurisprudência é no sentido de que este prazo não deverá
prevalecer, tendo em vista que se está diante de uma situação de extrema
vulnerabilidade, não havendo justificativa plausível para a não cobertura dos
procedimentos médicos, sejam eles quais forem.
Conforme já aludido no presente trabalho, ainda que o artigo 12, inciso V,
alínea “c” da Lei 9.655 assim elucide “prazo máximo de vinte e quatro horas para a
cobertura dos casos de urgência e emergência”211, verifica-se que nos inúmeros
casos que se apresentam rotineiramente, não tem como se limitar uma situação de
urgência por vinte e quatro horas, visto que neste meio tempo, o agravamento da
situação poderá sobrevir e as consequências desta negativa serão questionadas
perante a operadora de plano de saúde. Como se sabe, o Sistema Único de Saúde -
SUS não comporta atendimento para todos os casos que apresentarem extrema
urgência, ainda mais quando o atendimento está fora do seu alcance.
Assim, aquele que contratou o plano, com a expectativa de cobertura para
todos os inconvenientes que pudessem lhe acometer, terá que procurar atendimento
diverso do que fora contratado, certamente junto ao sistema público de saúde, tendo
em vista que em momento de extrema vulnerabilidade, o plano se abstêm de cobrir
quaisquer gastos de procedimentos em caráter de urgência.
Percebe-se que sujeito de direitos correrá riscos com a sua saúde, ante ao
não atendimento do plano de saúde, o que por consequência, além do agravamento
de eventual doença ou enfermidades, o evento morte poderá acontecer. Assim,
reputa-se que o prazo de 24 (vinte e quatro) não é adequado nestes extremos
casos, devendo o plano cobrir qualquer procedimento e gasto necessário, não
havendo o que se falar em onerosidade excessiva, uma vez que os bens jurídicos
211 BRASIL. Lei nº 9.656 de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9656.htm>. Acesso em: 24 mar. 2019.
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devem ser ponderados, isto é: qual bem da vida deverá receber o devido auxílio e
amparo? A saúde, o bem-estar, a vida do sujeito de direitos ou o patrimônio daquele
em que se obrigou a pagar eventuais procedimentos? A par disto, os tribunais
pátrios entendem no seguinte sentido: Primeiramente, ressalta-se o julgado da
apelação nº 37218/2017, proveniente da Quarta Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que foi exarado pela Relatora
Desembargadora Serly Marcondes Alves, com data de julgamento em 07.06.2017,
que diante de uma situação de urgência para a realização de procedimento
cirúrgico, aludiu o seguinte entendimento:
No momento em que o julgador analisa as cláusulas contratuais constante em contratos de planos de saúde, é possível que, em situações excepcionais, quando em conflito interesse maior a ser preservado, qual seja o direito à saúde e a preservação da vida, os parâmetros acordados sejam compreendidos de maneira mais favorável ao consumidor, principalmente em casos de evidente urgência e/ou emergência. (...) 212
E ao final, proferiu decisão consoante premissa já pacificada no STJ
“comprovado o caráter urgente/emergente do procedimento ou tratamento requerido
pelo usuário, mostra-se abusiva e ilegal a negativa da operadora de plano de saúde
com fundamento unicamente no cumprimento do período de carência contratual.”213
Deste mesmo modo, o Supremo Tribunal de Justiça - STJ entendeu da seguinte
forma ao julgar o Recurso Especial sob nº 1718432 CE 2018/0009357-1, proferido
pelo Ministro Luis Felipe Salomão em:
A interpretação de cláusula de carência estabelecida em contrato de plano de saúde deve, em circunstâncias excepcionais, como a necessidade de tratamento de urgência decorrente de doença grave, ser ponderada a fim de assegurar o eficiente amparo à vida e a saúde 214
212 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. 4ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível nº 37218/2017. Apelante: Unimed Cuiabá – Cooperativa de Trabalho Médico. Apelado: Ana Maria Barboza de Campos Silva e Outros. Relator: Des. Serly Marcondes Alves. 2017. Disponível em: <https://tj-mt.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/468097781/apelacao-apl-433738720148110041-37218-2017?ref=serp>. Acesso em: 24 mar. 2019. 213 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. 4ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível nº 37218/2017. Apelante: Unimed Cuiabá – Cooperativa de Trabalho Médico. Apelado: Ana Maria Barboza de Campos Silva e Outros. Relator: Des. Serly Marcondes Alves. 2017. Disponível em: <https://tj-mt.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/468097781/apelacao-apl-433738720148110041-37218-2017?ref=serp>. Acesso em: 24 mar. 2019. 214 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1718432 CE 2018/0009357-1. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. 2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia /553314270/recurso-especial-resp-1718432-ce-20180009357-1>. Acesso em: 24 mar. 2019.
96
Deste modo, infere-se que em todas as jurisprudências colacionadas, o
entendimento é pacífico quando se trata de urgência ou emergência na cobertura de
serviços em contratos de planos de saúde, isto é, a cláusula de carência não deve
preponderar no caso concreto, ainda que prevista no instrumento contratual, pois se
está diante de uma situação inteiramente vulnerável em que um direito fundamental
está sendo limitado ou restringido, devendo as normas do direito do consumidor
imperar no caso concreto. Logo, a medida mais adequada é a cobertura integral dos
serviços contratados pelas operadoras de saúde, tanto nos gastos quanto nos
procedimentos. Entretanto, se isto ainda não for atendido, deve-se buscar proteção,
preservação e salvaguarda desta prerrogativa através da tutela jurisdicional do
Estado, que dispõe de meios processuais capazes de amparar tal prerrogativa.
Ora, havendo a inobservância do dever de cuidado dos direitos inerentes ao
homem, o ordenamento jurídico permite certa proteção através da tutela estatal, isto
é, aquela que detêm o condão de efetivar direitos que estão sob ameaça, posto que
é garantia constitucional prevista na Lei Maior, onde todos os cidadãos poderão
pleitear a salvaguarda dos seus direitos. Em outras palavras, a tutela jurisdicional
pode ser entendida como função do Estado capaz de solucionar controvérsias
através da aplicação da lei, para que o equilíbrio social seja efetivo a ponto de
garantir através da justiça, a correta solução para um litígio. Assim, a devida
assistência se dará por meio de um processo, entendida como a verdadeira
instrumentalização do direito.
Por conseguinte, tem-se que o ordenamento jurídico possuí ferramentas
precisas para enfrentar este tipo de situação, visto que os sujeitos de direitos se
veem constantemente em condições de extrema urgência – seja pelo risco de dano
evidente do direito almejado ou por uma limitação advinda de terceiros – e as
possibilidades para solucionar esta iminência estão fora de seu alcance. Nestas
circunstâncias, nota-se que as tutelas provisórias podem ser plenamente utilizadas,
na medida em que tem caráter acelerado para defender um direito que necessita
deste suporte, pois não suportariam o trâmite comum das ações que permeiam o
judiciário. Assim, com base no que fora mencionado neste trabalho e no caso
exposto, sobrevém a seguinte indagação: qual seria a espécie da tutela provisória
que seria capaz de permitir a concessão deste direito por meio do Poder Judiciário?
Em meio a morosidade que atine o Poder Judiciário, percebe-se que a tutela
provisória fundada na urgência, ou simplesmente tutela de urgência, é o meio
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processual que certamente efetivará o direito à cobertura de procedimento médicos
quando se estiver diante do prazo de carência, pois esta estritamente internalizado
no direito à saúde. Assim, por ser entendida como medida processual que antecipa
a concessão de um direito em caráter de urgência, isto é, a antecipação dos efeitos
da decisão de mérito, revestida na preservação do direito material ante os
inconvenientes que a delonga do processo de conhecimento acentua, nota-se
cabalmente que tal instituto poderá amparar a problemática do presente trabalho.
Também, pode-se afirmar que cabe a natureza antecipada na hipótese
levantada no presente trabalho, pois tem por objetivo satisfazer o direito e não
somente assegurar o risco que poderá sobrepor, porque visa a concretização do
pedido formulado na petição inicial. O momento oportuno para seu requerimento é
por certo a forma antecedente, visto que poderá ser feito por simples petição,
elucidando os elementos da urgência aptos a antecipar os efeitos da tutela, para que
posteriormente a sua concessão, apresente a emenda à inicial, com todos os
documentos que o juiz entender necessário para o aprofundamento da demanda. No
mais, percebe-se que os requisitos para a sua concessão estão presentes, isto é, a
probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo na demora (periculum in mora),
visto que o direito é clarividente em grau de probabilidade, devendo o juiz averiguar
as circunstâncias do caso concreto. Já perigo na demora é por certo um pressuposto
presente, visto que a urgência é peça chave e a eventual lentidão na concessão da
tutela poderia acarretar em prejuízo e dano efetivo ao direito pleiteado.
E para assentar a problemática do presente trabalho, cabe destacar o julgado
da Apelação Cível nº 0420742-51.2015.8.19.001, proferido pelo Relator
Desembargador Antônio Carlos dos Santos Bitencourt da 27ª Câmara
Cível/Consumidor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a seguir transcrito:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. DIREITO DO CONSUMIDOR. OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. PARTE AUTORA QUE NECESSITOU DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR DE URGÊNCIA, SENDO QUE A OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE NEGOU A AUTORIZAÇÃO, O QUE SOMENTE FOI POSSÍVEL COM A CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. 215
215 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 27ª Câmara Cível/ Consumidor. Apelação Cível nº 0420742-51.2015.8.19.0001. Apelante: Notredame Intermédia Saúde S/A. Apelado: Roberto Ramires de Farias. Relator: Des. Antonio Carlos dos Santos Bitencourt. 2018. Disponível em: <https://tj-mt.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/468097781/apelacao-apl-4337387201481 10041-372182017?ref=serp>. Acesso em: 24 mar. 2019.
98
Assim, para a concessão da tutela de urgência, o juiz deverá observar o caso
concreto para verificar os argumentos lançados e expor seu convencimento, isto é,
exercer a cognição processual. Tem-se que a cognição é produzida através das
alegações constantes no processo, devendo o magistrado se ater aos fatos
concretos para então proferir uma decisão justa e equilibrada. Conforme se verifica
na problemática apresentada, a cognição mais adequada seria a cognição
horizontal, pois como se trata de uma situação de urgência, o magistrado não terá
como base um vasto banco de dados probatórios, mas sim, somente o que a parte
apresentou no ajuizamento da ação, não devendo exigir outros elementos, quiçá em
momento oportuno. Portanto, resta evidente que a sua convicção se pautará em
meras alegações e ínfimas provas que diante da urgência, é plenamente justificável.
De outro modo, a cognição além de horizontal será sumária, pois como não
haverá inúmeros elementos para que o juiz paute a sua convicção, a técnica
utilizada será rasa, haja vista que se analisará as provas apresentadas até o
momento oportuno de forma sucinta e básica, através da probabilidade do direito. A
sumarização permite que a decisão venha a ocorrer de imediato, por se tratar de
direitos com caráter de probabilidade, fundamentados em indícios contundentes
para o deferimento de uma decisão prematura ao mérito, ou seja, que não tem
caráter de formar a coisa julgada, consistindo apenas na declaração e proteção da
tutela de direitos em momento processual oportuno, não permitindo que isto ocorra
exclusivamente na análise definitiva do mérito da causa.
Diante de todo o exposto, destaca-se que a aplicação da tutela de urgência
na negativa de cobertura de procedimentos médicos em contratos de plano de
saúde com prazo de carência, é deveras, a medida mais adequada, pois consiste
em um método processual dotado de celeridade e proteção, promovendo em seu
íntimo a garantia do direito almejado. Assim, a eventual limitação advinda dos
prazos de carência não poderá ser exercida, na medida em que se trata de um
direito fundamental constitucional abrangido pelo direito à saúde, em que não admite
restrição ou limitação, tendo em vista que tal pratica efetivamente refletirá na
integridade e na dignidade da pessoa humana. Portanto, a tutela de urgência é a
medida que se impõe, sendo um instrumento apto e capaz de efetivar a tutela de
direitos.
99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todas as considerações expostas no estudo, constata-se que a
problemática se insere em diferentes contextos, diante da amplitude dos temas
abordados, podendo ser considerada uma grande contribuição para o direito
material e processual civil, na medida em que o desfecho da presente pesquisa
ponderou as seguintes afirmações que serão analisadas detidamente abaixo.
Primeiramente, restou confirmado que o direito à saúde é um direito
fundamental social por excelência e de grande relevância jurídica, posto que objetiva
uma proteção individual, assim como de toda uma coletividade, atribuindo
efetividade a esta prerrogativa no plano de garantias constitucionais, isto é, no rol de
direitos fundamentais do homem previstos na Constituição Federal de 1988. Além
disto, constatou-se que o direito à saúde deve ser preservado pelo Estado, pois este
tem o condão de garantir direitos, sendo seu dever atribuir a devida efetividade e
segurança jurídica a essa prerrogativa.
Por conta disso, a pesquisa direcionou tal efetividade através da assistência à
saúde, que foi implementada por políticas públicas capazes de fornecer o devido
amparo. É possível perceber referida assertiva por meio do Sistema Único de
Saúde, o qual tem por finalidade atender os anseios dos sujeitos de direitos que
necessitam dos serviços a título gratuito, concedendo o devido bem-estar social.
Todavia, ainda que o papel do Estado seja a garantia e assistência à saúde, este
descentralizou o seu poder para entidades privadas, em caráter suplementar,
conforme dispõe o artigo 199 da CF/1988, consagrando que a assistência à saúde
poderá ser realizada através da iniciativa privada, com a finalidade específica de
garantir a qualidade na prestação dos serviços, posto que o Estado não poderá
custear todos os procedimentos médicos, por ser intangível e excessivamente
oneroso em relação as verbas públicas.
Neste segmento, não há o que se falar em inconstitucionalidade, na medida
em que está se tratando da preservação dos direitos fundamentais do homem,
podendo ser atribuída a competência deste serviço para aqueles que efetivamente
tenham competência para tanto. Deste modo, surgiram as operadoras privadas de
assistência à saúde, que de fato são aptas a dar a efetiva assistência, pois detêm
aparato robusto e integro para a prestação deste serviço.
100
Para dar continuidade no assunto, passou-se a analisar os contratos de
assistência privada à saúde, destacando por oportuno a lei específica que
regulamenta tal instituto, isto é, a Lei nº 9.656/98. Além disto, asseverou-se a figura
da Agência Nacional de Saúde (ANS), que tem por finalidade especifica
regulamentar esta atividade privada e fiscalizar quaisquer limitações que
eventualmente contrariem os preceitos fundamentais inseridos na Lei Maior.
Verificou-se também que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável a esta
espécie, na medida em que é possível encontrar disposições neste sentido, quando
se trata da vulnerabilidade do consumidor ante as cláusulas abusivas contidas no
instrumento contratual, visto que os contratos de planos de saúde são considerados
contratos de adesão. Ou seja, tal código visa a preservação efetiva dos direitos
inerentes ao consumidor, para que o devido equilíbrio entre as partes seja de fato
estabelecido.
Por fim, destacou-se as nuances que compreendem o prazo de carência e se
de fato pode ser considerada uma premissa limitativa ou restritiva ao direito à saúde.
Verificou-se com todas as cautelas devidas, que o prazo de carência não é
considerado inconstitucional ou abusivo, desde que não imponha limitações a
cobertura de procedimentos médicos diante de uma situação de urgência ou
emergência. É possível compreender que, quando há uma limitação ou restrição à
cobertura de procedimentos médicos, a cláusula é reputada abusiva, sendo
portando, nula e sem eficácia jurídica, posto que é contrária aos preceitos
fundamentais, refletindo diretamente no direito à saúde, dano e lesão a integridade
física e ainda, ofensa a dignidade da pessoa humana.
Por conta desta limitação existente, a sequência da pesquisa foi exatamente
compreender os meios processuais capazes de combater esta mácula, a fim de
buscar a efetividade que o Estado, na sua função jurisdicional, é capaz de conceder
aos sujeitos de direitos que se vêem em uma situação de extrema vulnerabilidade,
sem o devido amparo, podendo correr o risco de lesão ou dano grave ao direito
pleiteado. Sendo assim, verificou-se que a tutela provisória é aplicável, pelo seu
caráter de celeridade da prestação jurisdicional e por antecipar os efeitos da decisão
de mérito. Ressaltou-se que a tutela provisória fundada na urgência, é a que se
adequa na situação estudada, ou seja, nos casos de negativa de cobertura de
procedimentos médicos em contratos de plano de saúde com prazo de carência
para situações de urgência ou emergência médica. Constatou-se que em situações
101
como tais, os requisitos para concessão da tutela de urgência mostram-se
presentes, quais sejam, a probabilidade do direito (fumus boni iuris), enquadrada na
limitação ao direito à saúde e no perigo da demora (periculum in mora), que pode
ser de fato evidenciado, pois havendo qualquer demora, tanto na concessão do
procedimento médico, quando na análise de todas as provas constantes no
processo de conhecimento, poderá sobrevir dano efetivo ao direito.
Deste modo, concluiu-se que a tutela de urgência pode ser perfeitamente
aplicada na negativa de cobertura de procedimentos médicos em contratos de plano
de saúde com prazo de carência, pois efetivamente há a necessidade de concessão
imediata, para que a cobertura seja de fato atendida, ante a evidente situação de
urgência. Deve-se lembrar que, em casos como tais, em que pese a advertência
legal de que o juiz não poderá conceder tutela cujos efeitos possam tornar-se
irreversíveis, deverá sempre haver um sopesamento dos bens jurídicos que estão
em discussão. No caso em estudo, não há dúvida que o direito à saúde e à vida é
bem jurídico mais relevante que o direito patrimonial do plano de saúde, de modo
que a regra do §3º do artigo 300 pode ser relativizada.
102
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