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O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM DOCÊNCIA COMO ELEMENTO
FUNDANTE PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
Noeli Prestes Padilha RivasResumo
A docência universitária enfrenta desafios no contexto contemporâneo e, nas últimas décadas, se depara com situações que colocam em crise a identidade profissional dos professores. Ocupar a função de docente, por vezes, se torna de importância secundária, bastando o conhecimento específico e o “dom” em lecionar para ser considerado um
professor universitário. Os conhecimentos pedagógicos, constituintes da docência, tardiamente estão alcançando certa legitimação científica, como é o caso dos programas de formação pedagógica nos cursos de pós-graduação (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005; TARDIF; LESSARD, 2008; LUCARELLI, 2009; CUNHA, 2010; ALMEIDA; PIMENTA, 2011;). O presente texto apresenta recorte da pesquisa, de cunho qualitativo, em uma universidade pública de São Paulo, desenvolvida no período de 2009 a 2011, que tem por objetivo investigar como a Etapa de Estágio Supervisionado do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino – PAE tem se constituído em espaço formativo para a docência no ensino superior, buscando ressignificar o conceito de docência superior por meio do diálogo com a legislação, referencial teórico e com os protagonistas do Programa. A questão problematizadora se expressa da seguinte forma: “O Estágio Supervisionado em Docência se constitui em um eixo fundante na
profissionalidade do professor universitário”? Utilizam-se várias técnicas de pesquisa para coleta e análise de dados (análise documental, entrevistas e análise de conteúdo). Os dados revelam que os alunos atribuem à docência universitária elementos importantes e inovadores às práticas pedagógicas, tais como: a valorização dos aspectos afetivos e emocionais sobre os profissionais, questões relacionadas aos saberes pedagógicos, e apontam a necessidade de ampliar os conteúdos formativos da disciplina em questão.
Palavras-chave: Professor Universitário; Estágio Supervisionado; Saberes Pedagógicos; Programa de Aperfeiçoamento do Ensino.
Introdução
No contexto universitário se entrecruzam múltiplas dimensões (política, social,
econômica e cultural), bem como influências internas e externas, revelando um cenário
complexo e multidimensional. Políticas de educação superior, o mundo do trabalho, os
avanços da ciência, da cultura, da pesquisa, o coletivo de docentes, de estudantes, o
currículo, enfim, incidem no espaço universitário. Investigar a docência universitária
pressupõe estudá-la neste quadro de referência. Zabalza (2009, p.14) assinala que a
docência universitária se encontra no centro de quatro fontes de influência, ou seja: “o
contexto institucional, o mundo do trabalho com a dimensão das carreiras profissionais,
os docentes e os estudantes”. A formação dos professores universitários é um dos
fatores básicos para a qualidade da universidade e requer um conjunto de saberes que
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vão desde o conhecimento acerca do processo de mundialização da economia, onde o
campo da educação superior é uma parte significativa do sistema de ensino que sofre
intensamente o processo de subordinação ao sistema econômico e aos interesses
políticos expressos por meio de programas, projetos e ações governamentais
(SGUISSARDI, 2009; OLIVEIRA; CATANI, 2011), bem como uma preparação sólida
nos conteúdos científicos e educacionais de cada área científica, e aspectos relacionados
à prática docente. Quando os docentes começam a ensinar na universidade trazem
consigo concepções sobre o que é ser um professor, muitas vezes baseadas nos modelos
de professores que tiveram durante o seu processo de formação inicial.
Nesse aspecto, a docência universitária enfrenta desafios no contexto
contemporâneo e, nas últimas décadas, se depara com situações que colocam em crise a
identidade profissional dos professores. Ocupar a função de docente, por vezes, se torna
de importância secundária, bastando o conhecimento específico e o “dom” em lecionar
para ser considerado um professor universitário. A legislação brasileira (LDB 9394/96,
art. 52) exige a formação no nível de pós-graduação stricto sensu para exercer a
docência na Educação Superior, o que representa preparação e não formação. A
consequência desta normativa contribui por proporcionar uma fragilidade
epistemológica e cultural no campo da pedagogia universitária, implicando no não
reconhecimento da sua importância para o exercício da docência na educação superior.
Assim, os conhecimentos pedagógicos se constituíram distantes do espaço universitário
e só tardiamente alcançaram certa legitimação científica.
O presente texto apresenta recorte da pesquisa desenvolvida em uma universidade
pública de São Paulo desenvolvida no período de 2009 a 2011, que tem por objetivo
investigar como a Etapa de Estágio Docente do Programa de Aperfeiçoamento de
Ensino – PAE tem se constituído em espaço formativo para a docência no ensino
superior, buscando ressignificar o conceito de docência superior por meio do diálogo
com a legislação, referencial teórico e com os protagonistas do Programa, que
participaram da etapa “Estágio em Docência”. A questão problematizadora se expressa
da seguinte forma: “O Estágio Supervisionado em Docência se constitui em um eixo
fundante na profissionalidade do professor universitário”? O percurso metodológico da
pesquisa se pautou na técnica de análise documental e análise do conteúdo,
constituindo-se como corpus os documentos relacionados ao Programa PAE, disciplinas
curriculares do Programa PAE, Etapa de Preparação Pedagógica, ofertados pelos cursos
de Pós-Graduação (stricto sensu) das áreas exatas, humanas e biológicas, e entrevistas
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com coordenadores e estudantes pós-graduandos. Entre os autores que investigam a
formação de professores e currículo, destacam-se: Gimeno Sacristán (2002), Pimenta e
Anastasiou (2005), Tardif e Lessard (2008), Cunha (2009, 2010); Lucarelli (2009);
Nóvoa (2009); Zabalza (2009); Almeida e Pimenta (2011).
A docência universitária tem compromissos que vão muito além da mecânica
transmissão de conteúdos disciplinares. Suas dimensões “científica, técnica, estética,
ética e política se inserem em um campo social cuja formação tem relação radical com a
vida pública e com o melhoramento do modelo da sociedade nacional e da sociedade
universal” (DIAS SOBRINHO, 2009, p. 25). Portanto, ser professor ultrapassa o
domínio de conteúdo, incorporando características que só podem ser alcançadas
mediante uma reflexão e atuação intencional da atividade pedagógica. O desafio
encontrado atualmente e explicitado em Cunha (2009) pressupõe a superação do
pensamento de que o conhecimento válido é apenas o que passou pelo crivo do método
científico, supervalorizado pela modernidade, no qual a teoria se estabeleceu como
referente da prática.
Dilemas de Atuação: Docente e/ou Pesquisador
A universidade é um espaço em que se articulam – ou deveriam se articular – o
ensino, a pesquisa e a extensão, com a finalidade de “formar profissionais críticos e
criativos, capazes de construir, com seu trabalho, uma sociedade democrática e
solidária” (RIOS, 2009, p. 119). Se partirmos do pressuposto de que a legitimação
acadêmica é atributo da universidade, não há, portanto, como imaginar que se questione
sua condição de espaço de formação de seus docentes. As experiências que dão à
universidade a condição de lugar de formação reconhecem nela a condição de lócus
cultural que traz intermediações de significados com os sujeitos em formação. Nessa
perspectiva constrói-se uma teia de relações que torna possível a produção de sentidos,
perpassadas pelas relações de poder que se estabelecem na relação espaço-lugar da
formação (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005; CUNHA, 2009).
No modelo que permeia a universidade brasileira, a formação de professores
ocupa um lugar secundário. Nele, as prioridades são concentradas nas funções de
pesquisa e elaboração do conhecimento científico, em geral considerado com
exclusividade nos programas de pós-graduação. Tudo o que não se enquadra dentro
dessas atividades passa, em geral, para um quadro inferior, como são as atividades de
ensino e de formação de professores (LÜDKE, 2009).
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Pesquisar e produzir conhecimentos são objetivos da pós-graduação. “Os
docentes, quando participam dos programas de pós-graduação, sistematizam e
desenvolvem habilidades próprias ao método de pesquisar” (PIMENTA, 2009b, p. 37).
Diferentemente dos outros níveis de ensino, ser professor se constituiu, historicamente,
tendo como base a profissão paralela que exerce ou exercia no mundo do trabalho. De
acordo com Cunha (2009, p.121), “os conhecimentos que fazem parte de sua estrutura
são pouco valorizados, em decorrência da condição histórica da docência, baseada em
saberes do senso comum”, pois os institutos/departamentos/cursos, via de regra,
desenvolvem os conteúdos específicos das áreas, ignorando a docência como atividade
profissional, bem como a importância dos conhecimentos pedagógicos/educacionais
necessários à mediação profissional dos especialistas em atividades de ensinar. Lucarelli
(2009, p.67) argumenta que “poder e prestígio não provêm da docência universitária
como saber pedagógico, mas do domínio de um campo científico, tecnológico ou
humanístico determinado”. Evidencia-se, portanto, extraordinário desafio nessa área no
sentido de transpor as posições que oscilam entre dois polos: um que concebe a
profissão acadêmica como um espaço construído para além das disciplinas de origem, e
outro que considera os conhecimentos específicos como o fator determinante da
identificação ocupacional.
Nesta ótica, Nóvoa (2009) traz contribuições na medida em que aponta cinco
disposições que são essenciais para a definição da profissionalidade docente: “(...) o
conhecimento, a cultura profissional, o tacto pedagógico, o trabalho em equipa e o
compromisso social” (p.30-31). Na perspectiva de Tardif e Lessard (2008), os saberes
que servem de base para o ensino, tais como são vistos pelos professores, não se
limitam a conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento
especializado. Eles abrangem uma diversidade de objetos, de questões, de problemas
que estão relacionados com seu trabalho. Neste sentido, os saberes profissionais seguem
uma definição epistemológica (temporais, plurais, heterogêneos, cognitivos), refletem
cultura, pensamentos e carregam as marcas do contexto nos quais se inserem. Bédard
(2009) aponta três tendências pedagógicas que alicerçam atualmente o ensino
universitário e que de alguma forma repercute no contexto formativo destes
profissionais. O autor salienta que há estudos para avaliar os impactos destas tendências
no ensino e na pesquisa, tendo em vista a situação atual do ensino superior e a tradição
do corpo docente, que possui ao longo do tempo sua liberdade acadêmica.
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Tendo em vista o exposto, a profissão docente se reveste de complexidade que
deve perpassar os cursos de formação stricto sensu no sentido de compreender a
interrelação entre o ensino e a pesquisa, implicados no exercício da docência
universitária.
O Estágio Docente: a relação teoria e prática
A educação é uma prática social, mas exige uma relação teórica com ela. A
Pedagogia, enquanto ciência (teoria), ao investigar a educação enquanto prática social
coloca os “ingredientes teóricos” necessários ao conhecimento e intervenção na
educação (prática social) (PIMENTA, 2009a, p. 93-94). É decorrente deste sentido a
importância da formação pedagógica para o docente que atua em sala de aula com
estudantes e conhecimento. Vásquez (1968) explicita que toda práxis é atividade, mas
nem toda atividade é práxis. “Não há práxis como atividade puramente material, isto é,
sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica”
(VÁSQUEZ, 1968, p.89 apud Pimenta, 2009a, p.9). O autor, ainda argumenta que toda
práxis, seja produtiva ou criadora, é práxis social, na medida em que pode ser
concretizada pelo homem num contexto complexo de determinadas relações sociais, as
quais influenciam o processo de socialização do próprio homem. O desafio que se coloca
para os cursos de pós-graduação é como formar um docente na perspectiva de superar a
concepção de que ninguém se tornará profissional apenas porque “conhece sobre” os
problemas da profissão, por ter estudado algumas teorias a respeito da docência, mas na
perspectiva que este profissional se torne um construtor de uma práxis que o forma, que
o identifica.
Experiência como o “Estágio em Docência” se constitui em arcabouço para a
profissão de professor universitário. Lima e Pimenta (2004, p.29) argumentam que o
“estágio pode ser considerado como campo de conhecimento” e, nesse sentido, “significa
atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supere sua tradicional redução à atividade
prática instrumental”, ou como imitação de modelos. Vislumbra-se, nessa perspectiva, a
compreensão que o estágio é uma atividade teórica instrumentalizadora da práxis do
docente, que envolve conhecimento, fundamentação e diálogo. A intervenção no
contexto da sala de aula, da instituição escolar, do sistema de ensino e da sociedade se
constitui no objeto da práxis.
A Universidade Pública, objeto de nossa investigação, institui, em 1991, o
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Programa de Aperfeiçoamento do Ensino (PAE), com o objetivo de aprimorar a
formação dos alunos de pós-graduação nas atividades de docência universitária. Este
Programa consta de duas etapas: a preliminar, denominada Preparação Pedagógica, e
uma posterior de Estágio Docente em Disciplinas de Graduação (seis horas semanais);
ambas com duração de um semestre letivo cada. Posteriormente, esse modelo de estágio
em docência foi considerado como obrigatório pela CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo meio da Circular nº 028/1999 que
apresenta diretrizes para sua implementação. A Portaria nº 129, de 13 de dezembro de
2006, assinala em seu artigo 19, que o “estágio de docência é parte integrante da
formação do pós-graduando, objetivando a preparação para a docência, a qualificação do
ensino de graduação e será obrigatório para todos os bolsistas do PROUSP”.
O Programa PAE é desenvolvido em todas as Unidades de Ensino e Pesquisa da
Universidade (40), sendo nelas coordenado pelos Programas de Pós-Graduação. A etapa
de Preparação Pedagógica assume diferentes características dependendo da forma que a
Comissão do PAE de cada Unidade a estrutura. A Etapa de Estágio Supervisionado em
Docência, objeto de nossa investigação, caracteriza-se por participação em seminários,
experimentos de laboratório, estudos dirigidos e discussão de tópicos em pequenos
grupos, bem como organização e participação em plantões para elucidar dúvidas e
aplicação de provas e exercícios. O referido programa tem como objetivo preparar o pós-
graduando para a docência no Ensino Superior e, de certa forma, proporcionar melhorias
na qualidade do ensino universitário, criando um espaço de formação pedagógica e
reflexão sobre a prática docente enfatizando e demonstrando a necessária união entre
teoria e prática na profissão docente.
Este trabalho investigativo interpela os sujeitos que se constituem protagonistas
do PAE, permitindo uma aproximação do Programa com estes sujeitos, na tentativa de
refletir acerca da formação do futuro professor universitário. Apesar, de a legislação
específica sugerir articulação permanece o peso da cultura escolar, ou seja, a eterna
desvinculação entre teoria e prática. Os documentos revelam características importantes
sobre o Estágio Supervisionado em Docência, que podem contribuir para que
compreendamos como esta Etapa tem se configurado como espaço formativo para os
estudantes.
Construindo o Percurso Metodológico
Esta pesquisa de cunho qualitativo (BOGDAN; BIKLEN, 1997) abrange três
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fases complementares, nas quais descrevemos brevemente. Concomitantemente às três
fases, foi enviado ao Comitê de Ética o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
para aprovação; elaborou-se instrumentos para coleta de dados (entrevistas),
estabelecidas pelo objetivo do projeto e pela literatura consultada. A primeira fase
contemplou o levantamento bibliográfico, estudo da literatura a respeito da docência
universitária e suas determinações políticas, econômicas, culturais, sociais e
pedagógicas. Na segunda etapa, realizou-se a análise documental do corpus dessa
pesquisa (legislações, regulamentações, Programas de disciplinas) na perspectiva de
Cellard (2008). Explorou-se o material, codificando os dados brutos em núcleos de
compreensão de texto e por grandes áreas (humanas, biológicas e exatas), oriundos dos
documentos analisados e das entrevistas (POUPART et al, 2008) realizadas. A
apreciação crítica dos mesmos foi realizada por meio da Análise de Conteúdo
(BARDIN, 2002; FRANCO, 2005). A terceira fase constituiu-se pela triangulação do
referencial teórico, análise de documentos e análise dos relatórios tendo como eixo
fundante a preparação para a docência universitária.
Os sujeitos de pesquisa foram assim constituídos: três coordenadores e três
professores (áreas: biológica, humanas e exatas), um educador da área biológica e seis
estudantes, também das áreas acima citadas. As categorias emergiram da fala do discurso
do conteúdo, das respostas obtidas, o que implicou nas constantes idas e vindas ao
material de análise a teoria. Ressalta-se que as análises podem contribuir para a
temática investigada, mas não podem ser generalizadas, tendo em vista sua
especificidade e abrangência. Construiu-se uma série de categorias para facilitar as
análises. Neste texto apresentamos duas categorias “Concepção do Programa PAE” e
“Estágio Docente” na perspectiva dos Coordenadores, Docentes formadores e estudantes
pós-graduandos que tinham realizado o estágio docente.
Discutindo alguns achados e perspectivas
1. O Programa PAE, pela visão de seus protagonistas
a) Concepção do Programa PAE
O Programa de Aperfeiçoamento de Ensino ainda é visto pelos professores
envolvidos como insuficiente para atender às necessidades de formação docente. A falta
de formação pedagógica dos próprios professores faz com que eles próprios utilizem
termos que expressam um entendimento do Programa como um “treinamento didático”,
a ser dado e finalizado em determinado momento, quando na realidade, a formação
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docente é contínua e permanente. (...) Não sei precisar a data, todo aluno que tinha bolsa obrigatoriamente tinha que fazer esse treinamento didático. (Sujeito Professor-Áreas Biológicas)
Este fragmento revela que o docente, coordenador PAE, considera um processo
formativo pedagógico como treinamento, sem ponderar as complexidades que envolvem
a formação e atuação docente. Cunha (2010, p.25) chama atenção para esta tarefa
complexa, que é a docência, argumentando que o exercício desta exige múltiplos saberes
que precisam ser apropriados e compreendidos em suas relações e correspondem a uma
matriz, que se relaciona com o campo pedagógico, explicitada a partir dos saberes
próprios da docência, quais sejam: “saberes relacionados com o contexto da prática
pedagógica; saberes referentes à dimensão relacional e coletiva das situações de
trabalho e dos processos de formação; saberes relacionados com a ambiência da
aprendizagem; saberes relacionados com o contexto sócio histórico dos alunos;
saberes relacionados com o planejamento das atividades de ensino; saberes
relacionados com a condução da aula nas suas múltiplas possibilidades; e, saberes
relacionados com a avaliação da aprendizagem”.
Por outro lado, as falas também revelam um descrédito pela formação pedagógica
oferecida pelo Programa PAE, como relatos:
Se ele quiser uma coisa melhor de didática então ele procura outro campo. (Sujeito Professor- Áreas Biológicas) (...) o que cultiva os alunos a quererem o PAE, não tenho certeza disso, é a bolsa de estudos que eles podem ganhar no programa de Aperfeiçoamento”. (Sujeito Professor- Áreas Exatas)
Não há uma clareza por parte dos docentes da importância ou necessidade do
Programa PAE. Alguns demonstram um desapontamento com relação à eficácia do
programa, outros consideram necessários e apostam em “alguns benefícios”. Mesmo
diante do exposto nas falas, não notamos um processo de avaliação e nem mesmo uma
tentativa de aperfeiçoamento por parte dos docentes.
Estágio Docente
Evidencia-se, na fala dos professores formadores, a importância do Estágio
Docente, apesar das críticas formuladas. Acho que uma oportunidade de se estar muito perto do que é a docência, apesar de só estar na sala de aula, mas ela vê, por exemplo, que não é tão simples uma outra atividade que não seja uma aula expositivo-dialogada (...) isso ajuda no dia em que ela precisar
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organizar uma disciplina (Sujeito Professor- Áreas Biológicas)
Os docentes revelam o Estágio como um momento de se aproximar da prática
docente na Universidade, prática esta compreendida não como um “estar na docência”,
mas estar próximo da sala de aula.
Quanto aos estudantes: tendo em vista a diversidade de atividades que podem ser
desenvolvidas nesse estágio, nos deparamos com muitas contradições, que vão desde a
vivência de prática instrumental até atividades que visam à problematização e à
mobilização.
(...) Ali surgiam situações inesperadas, você tinha que saber conduzir os alunos. Era uma coisa muito nova para eles, o campo de estágio, colocando em prática o conhecimento, principalmente lidando com os pacientes, com todas as limitações que eles tinham. (Estudante pós-graduando- Áreas Humanas) Ela (a professora) precisava de alguém que ajudasse na elaboração de listas de exercício, que desse um atendimento fora do horário de aula para os alunos. (Estudante pós-graduando- Áreas Exatas)
Podemos inferir por meio dos fragmentos dos estudantes, que a segunda fase do
Programa se configura muito distante das necessidades e das vontades dos professores
que recebem o estagiário PAE, nem sempre se constituindo em um espaço de reflexão e
intersecção entre a teoria e a prática. Este pensamento está expresso neste depoimento: Olha o professor... o problema o seguinte: eu acredito que pelo menos na minha área, biologia, a maioria dos professores que estão aqui eles não estão com este... eles não querem ser professores... estão aqui porque é um emprego e eles querem pesquisar. Então assim, como o Brasil tem poucos institutos de pesquisa, sobram as universidades. (Estudante pós-graduando - Áreas Biológicas)
A estrutura da Universidade gira quase sempre em torno do eixo individual
(turma, pesquisa, publicações, formação, etc.), definindo o papel da docência. Portanto, a
iniciativa da Universidade ao propor nos cursos de pós-graduação, disciplinas que tratam
da formação pedagógica ainda são consideradas tímidas tendo em vista a problemática
da construção da identidade do professor universitário no qual a formação em pesquisa é
considerada fundamental para o exercício da docência, mas quase sempre fica
secundarizada diante da priorização da pesquisa. Observa-se, também, nos depoimentos
uma secundarização do oficio de ser “professor”, em que o Estágio em Docência
contribui para esta representação (ZABALZA, 2009).
Considerações finais
O Estágio Supervisionado em Docência representa um espaço onde os estudantes
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pós-graduandos têm a chance de estabelecerem uma relação entre a teoria e a prática,
sendo constante a ressignificação e a reflexão. A questão que nos propusemos a
responder se refere a como esta Etapa II do Programa, a experiência de entrar na sala de
aula se constitui como espaço formativo dos estudantes do Programa de
Aperfeiçoamento do Ensino. Observamos que a grande maioria das Unidades segue as
Diretrizes e Portarias do Programa, garantindo que o estudante não assumirá a sala de
aula sem a presença do professor responsável, mas que acompanhará as atividades de
planejamento, atendimento aos alunos e avaliação. Os depoimentos dos Coordenadores e
Professores evidenciam que o Programa PAE deve passar por reformulações. Apesar da
fragilidade organizacional e epistemológica do Programa, alguns estudantes atribuem à
docência universitária elementos importantes e inovadores para o desenvolvimento de
suas práticas pedagógicas. A concepção de professor, para a maioria dos entrevistados,
está ligada aos aspectos afetivos e emocionais (relacionamento, atenção aos seus alunos),
sobrepondo-se aos aspectos relacionados ao conhecimento.
As características levantadas pelos estudantes como relevantes para sua formação
são exemplos de saberes que contribuem para a construção da identidade docente do pós-
graduando, no qual a pesquisa, a extensão e ensino constituem um tripé de ações
basilares para a docência universitária, perpassado por um intenso e crítico processo de
ressignificação e reflexão sobre a teoria e a prática pedagógica.
Quanto ao Estágio Docente fica evidente nos depoimentos dos estudantes que ele
precisa ser redimensionado, pois, em sua maioria, o estudante pós-graduando se sente um
auxiliar e mais do que um parceiro. É atribuída a eles uma série de tarefas, as quais
secundarizam a docência como profissão e atuação pedagógica. Não estamos aqui
afirmando que o pós-graduando deva substituir o professor nos cursos de graduação, mas
que ele tenha uma participação mais efetiva nesta fase do estágio. Esta participação
passa pela questão do processo de concepção, acompanhamento, decisões curriculares
juntamente com o docente responsável pela disciplina. Evidencia-se nos depoimentos
dos Coordenadores a premência de avaliação do Programa PAE, no que diz respeito às
disciplinas oferecidas, organização das duas Etapas, bem como necessidade de se criar
uma identidade para o Programa superando a cultura institucional que a formação
pedagógica não é necessária. Para tanto, sugerem-se avaliações internas dos Programas,
visibilidade das ações, fóruns de discussão com participação de estudantes bolsistas (pós-
graduandos), orientadores e docentes que oferecem disciplinas e/ou estágios oferecem
disciplinas e/ou estágios.
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