O Gaúcho, Jorge Luis Borges

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Borges

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  • o GAcruo

    O ginete, o homem que v a terra de cima do cavalo e queo goverrra, suscitou em todas as pocas uma consideraqo ins-tintiva, cujo smbolo mais notrio a esttua eqestre. Romaj havia aplicado este adjetivo a uma ordem militar e socal;ningum ignora a etimologia anloga do vocbulo cnaaleiroe dos vocbulos Ritter ftaro) e cheaalier. Nas Ilhas Britnicas, acrtica sublinhou na poesia de Yeats o peso e o valor da pala-vra rider, ginete. Esse homem, nestas terras, foi o gacho. Quehavia perdido tudo, menos o prestgio antigo que exaltaram aaspereza e a solido.

    Sarnuel ]ohnson disse que as profisses de marinheiro esoldado tm a dignidade do perigo. Teve-a nosso gacho, queconheceu no pampa e nas coxilhas a luta com a intemprie,com uma geografia desconhecida e com o gado bravio. Intildefini-lo etnicmente; filho casual de esquecidos conquistado-res e povoadores, foi mestiqo de ndio, s vezes de negro, oufoi branco. Ser gacho foi um destino. Aprendeu a arte dod.eserto e de seus rigores; seus inimigos foram os ataques dosndios que espreitavarn atrs do horizonte incerto, a sede, dsferas, a seca, os campos incendiados. Depois vieram as campa-nhas da liberdade e da anarquia. No fo, como seu remotoirmo do Far West, um aventureiro, um buscador de vastasterras virgens ou de files de ouro, mas as guerras o levarammuito longe, e deu estoicamente a vida, em estranhas regiesd.o continenter por abstraqes que talvezno tenha conseguidoentender

    - a liberdade, a ptria

    - ou Por uma divisa ou Por

    um chefe. Nas trguas do risco cuidava do cio; suas prefe-rncias foram a guitatra, que dedilhava com lentido, o esti-1o menos cantado que falado, atava, as corridas de cavalos, dred onda roda do mate ao p do fogo de lenha e o truco feito

    O GacHo

    de tempo, no de cobiqa. Foi, sem suspeit-lo, famoso; em'1,856, Whitman escreveu:

    Vejo o gacho que atraaessa os lhanos, aejo o incomparaelginete de caualos atirando o IaEo,

    aejo sobre o pampa n caQa ao gado brauio.

    Meio sculo depois, Ricardo Giraldes repetiria com umtom retrico a mesma figura de nmade:

    Smbolo pampiano e homem aerdadeiro,generoso guerreiro,amorl cornSemSelaagem!

    Gacho, oLt melhor,roupagem solta de aento,protagonista de um contoaencedor.

    Coragode afirmago,aontadede lealdade,corpo "morrLtdo" de galhardia,peregrina correriaque aai tranqueando os campos,com a aida entre as mospotentes de aalentia.'

    Sua pobreza teve um luxo: a coragem. Criou ou herdou -

    Csar j sabia dessas coisas -

    uma esgrima da arma curta; obraqo esquerdo envolto no poncho maneira de escudo, pron-to o punhal para a estocada para cima, lutava em duelo singu-

    1 Os tempos finais de Dom Segundo Sombra tm sua graqa. Por um lado, visita-vam-no figuras internacionais (Keyserling, Reyes); por outro, procuravam-no paraafront-lo os homens da faca mais afamados de Areco: o Toro, seu filho Torito eAndrs Soto, incomodados com sua glria literria. O velho Dom Segundo erahomem cle paz e morreu entre a fama e a justificada afliqo.

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