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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
O MECANISMO DE COOPERAÇÃO REFORÇADA
– A SOLUÇÃO PARA MEXER A FISCALIDADE NA U.E.? –
Elaborado por:
JOÃO ANDRÉ ARAÚJO MARQUES
TRABALHO NO ÂMBITO DO 3.º CURSO DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO FISCAL
2
Cartoon de Bas Van der Schot, Algemeen Dagblad Holanda
RESUMO
É sabido da importância que a fiscalidade assume na União Europeia e no
Mundo. É um factor económico decisivo. Condicionante e motor de desenvolvimento,
traduz-se num potencial foco de concorrência. Mas será que vinte e sete economias,
potencialmente, ouso até dizer realmente, em concorrência, conseguirão chegar a
consensos que promovam um desenvolvimento da tributação europeia, pelo menos de
forma a esta não se tornar um entrave para o mercado livre?
O passado e o presente dizem que não. Mas não é incontornável. Uma maior
utilização do Mecanismo de Cooperação Reforçada pode levar ao desenvolvimento da
tributação na União Europeia, de forma a que esta venha a ser um factor impulsionador
da economia e, ao mesmo tempo, de maior integração face aos desafios que são as
novas tecnologias e realidades económicas.
3
INDÍCE
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 4
O MECANISMO DE COOPERAÇÃO REFORÇADA .................................................. 6
Abordagem ........................................................................................................... 6
Funcionamento ..................................................................................................... 8
NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO................................................................... 10
A unanimidade.................................................................................................... 10
O interesse comum ............................................................................................. 12
APLICAÇÃO ................................................................................................................. 14
Repartição de matéria colectável ou de receita fiscal ......................................... 14 O caso da fraude carrossel ....................................................................... 16
Experimentação de novas bases tributáveis........................................................ 18 Green Taxation......................................................................................... 18 Impostos sobre movimentos de capitais .................................................. 18 Impostos sobre os fluxos financeiros das sociedades .............................. 19 E-commerce ............................................................................................. 20 A aplicação do De-tax no IVA................................................................. 21
CONCLUSÕES.............................................................................................................. 22
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 24
UNIÃO EUROPEIA........................................................................................... 24
GERAL ............................................................................................................... 25
4
INTRODUÇÃO
O caminho para a integração europeia tem sido pejado de dificuldades.
Por um lado conseguem-se resultados retumbantes como foi a implementação da
União Económica e Monetária, com a liberalização de fronteiras e a consequente
liberdade de circulação e estabelecimento. A criação do Euro foi também um passo
assinalável de integração e, porque não dizê-lo, uma prova inequívoca de vitalidade e de
união de sinergias que pareciam quase inatingíveis em tempo útil.
Por outro lado, também é certo que se esperava ter já uma Europa mais coesa,
que não federalista, e mais competitiva. O cumprimento da estratégia acordada na
Agenda de Lisboa1 de 2000, que continha um conjunto de orientações acerca do
emprego, reforma económica e coesão social, de forma a tornar a União Europeia como
a maior potência económica do mundo até 2010, nunca passou o seu papel de conjunto
de orientações.
O enterro da Constituição Europeia foi também um golpe profundo. Profundo
porque foi inviabilizada na França e na Holanda através de consulta popular em
referendo. Falamos de dois dos países fundadores. Parece evidente um maior
distanciamento entre a União Europeia e os seus cidadãos.
Não é também salutar a imagem que transparece para a opinião pública. A figura
do veto é actualmente inconcebível aos olhos da democracia, mas, compreende-se o
desejo dos Estados o manterem. Mas, o que pensa um cidadão europeu quando vê
Portugal, Alemanha, Malta e Luxemburgo, este de forma irredutível, a impedirem a
alteração da tributação do IVA nos serviços de telecomunicações e Internet2, quando os
restantes vinte e três países estavam de acordo? Pior ainda, é que essa tomada de
posição tem a haver estritamente com questões de concorrência fiscal entre os seus
pares.
1 Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Lisboa, de 23 e 24 de Março de 2000. Em 2 de Fevereiro de 2005, a Comissão efectua uma Comunicação ao Conselho Europeu da Primavera em que anuncia “um novo começo para a Estratégia de Lisboa”, e tendo em conta os resultados da economia europeia face ao objectivo esperado, para além de subsistirem obstáculos ao mercado interno de mercadorias e à criação do mercado interno dos serviços, o objectivo passa a ser a acção e fomento de projectos, deixando a data de concretização de ser uma meta objectiva. 2 A questão levantada tem a haver precisamente com a possibilidade de distorção de concorrência do actual sistema. Actualmente, entre operadores económicos, o imposto é pago à taxa do país de origem, e não à taxa vigente no país de destino. É evidente a vantagem fiscal do Luxemburgo e de Portugal (concretamente na Madeira), que com a taxa de IVA em vigor de 15%, são pólos atractivos para as empresas aí se estabelecerem. A Alemanha tem a partir deste ano a taxa de 19%, que substituiu a taxa de 16% vigente até 2007.
5
O Tratado de Nice veio trazer um conjunto de instrumentos cujo objectivo é
articular o funcionamento das instituições da União Europeia com a realidade dos
alargamentos. São aspectos relativos à forma de decisão, composição das instituições e
distribuição dos direitos de voto, que procuram garantir que a União Europeia não se
torne estática. A reforma do Mecanismo de Cooperação Reforçada3 constitui a
afirmação de que este deve ser um dos instrumentos a ter em conta para a flexibilização
dos sistemas de decisão.
A aplicação deste mecanismo à fiscalidade pode ser, indubitavelmente, uma
forma de ultrapassar eventuais bloqueios, mais ou menos caprichosos, que possam
surgir por parte de um ou alguns países que não se revejam numa qualquer decisão
fiscal proposta por outros países. A própria Comissão Europeia vê neste mecanismo
uma janela para se conseguir mais e melhores progressos no domínio da fiscalidade4.
Podem estar em causa o funcionamento do mercado interno, o crescimento
económico, a criação de emprego, ou mesmo toda a construção europeia.
Não podemos esquecer5:
- A União Europeia tem dois quintos da superfície dos EUA, mas tem uma
população superior em mais de 50%, quedando-se apenas atrás da China e da Índia.
- Ainda que em 2003 representasse apenas 7 % da população mundial, contribuía
com 20% do volume global mundial de importações e exportações.
- O PIB da União Europeia em 2005, representa 10,8 mil milhões de euros,
ultrapassando pela primeira vez os EUA, com 10 mil milhões, tendo potências como
Japão (3,7), China (1,2) e Rússia (0,4) a uma distância enorme.
Deve-se deixar a fiscalidade duma realidade desta magnitude nas mãos de um só
país?
3 A discussão acerca da integração diferenciada veio a resultar no Mecanismo de Cooperação Reforçada, introduzido no Tratado da União Europeia e no Tratado que institui a União Europeia pelo Tratado de Amesterdão. A simplificação do Tratado de Nice traduziu-se no fim do veto, ou cláusula de salvaguarda, pois anteriormente um só Estado Membro poderia opor-se à criação de uma cooperação reforçada. 4 Já em Novembro de 2003 a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu – Um Mercado Interno sem obstáculos em matéria de fiscalidade das empresas – realizações, iniciativas em curso e desafios a ultrapassar, referia o Mecanismo de Cooperação Reforçada como uma alternativa impulsionadora de evolução da fiscalidade europeia. 5 Dados retirados da secção Factos e números essenciais sobre a Europa e os europeus, do portal da União Europeia http://europa.eu.
6
O MECANISMO DE COOPERAÇÃO REFORÇADA
Abordagem Convém antes de mais perceber que o Mecanismo de Cooperação Reforçada
(MCR)6 é, neste momento, uma solução de recurso, aliás, de último recurso. Só quando
se concluir no Conselho que os seus objectivos não podem ser atingidos pela aplicação
dos Tratados é que se pode avançar para o MCR7. O problema reside na definição de
qual o prazo razoável até à tomada dessa decisão, sem que venha a ser essa decisão
limitadora da oportunidade e obstáculo a uma maior utilização da cooperação reforçada.
Entendo, obviamente, que se deve ser prático. Não se pode nunca esquecer o
essencial. O objectivo da cooperação reforçada é contribuir para que a União Europeia
(UE) consiga evoluir mais rapidamente. Apenas e só!
As próprias instituições europeias tentam promover a utilização da cooperação
reforçada na fiscalidade. A questão da matéria colectável comum consolidada do
imposto sobre as sociedades é uma das áreas onde se abre a porta à utilização do MCR
como forma de desbloquear o impasse criado pelos Estados Membros8.
O MCR está sempre subordinado aos Tratados e só é admissível para concretizar
os objectivos da União9.
Este mecanismo surge sob proposta da França e da Alemanha já para precaver o
impasse. A ideia era simples. Assumia-se tacitamente a hipótese da UE crescer a ritmos
diferentes. E com o alargamento a Leste haveria o risco de surgirem países com
economias de nível inferior em relação ao padrão da União. Falava-se na Europa a duas
velocidades.
Parece um instrumento ao serviço dos países fortes da UE quando se verificar
que os outros países não os querem, ou não podem, acompanhar, sem que esse facto os
impeça de continuarem na sua demanda, sempre com o necessário princípio do superior
6 Ao longo do texto vão sendo efectuadas remissões para os artigos considerados mais relevantes nesta matéria, quer do Tratado da União Europeia (TUE), quer do Tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE), já que permitem uma leitura mais abrangente e conclusiva sobre alguns aspectos aqui mencionados. 7 Artigo 43.º-A do TUE – Condição essencial de aplicação do MCR. 8 A Resolução do Parlamento Europeu 2005/2120 sobre a fiscalidade das empresas na UE para além desta possibilidade, aborda ainda, entre outros, a questão da tributação das PME europeias, os custos de conformidade, a compensação transfronteiriça de lucros e prejuízos, os preços de transferência e os problemas relacionados com a dupla tributação. Ao longo do documento é fácil encontrar reparos à posição que têm alguns Estados Membros têm em relação à estreita cooperação em matéria fiscal que deveria existir. 9 Artigo 43.º do TUE – Objectivos e outras condições necessárias para a implementação do MCR.
7
interesse da União, do mercado interno, da livre concorrência e sempre aberta a todos os
Estados Membros.
Mas é também uma oportunidade extraordinária para países mais distantes do
nível de integração desejado, por dois motivos enormes. Primeiro, podem estes países,
que tenham visões, interesses e abordagens concordantes abraçarem meios comuns para
atingir os seus objectivos de desenvolvimento. Segundo, e a meu ver mais importante, a
colossal vantagem de serem impulsionadores.
A participação dos outros Estados, para além de permitida, deve ser incentivada
quer pelos Estados participantes, quer pela Comissão10. Isto é, caso o projecto seja
realmente interessante pode ser definidor de novos rumos e políticas, que os outros
Estados podem abraçar, assumindo assim os países criadores da cooperação um papel
fulcral na definição da política e orientações da UE11.
Outro aspecto relevante em relação ao MCR é a potencialidade que tem como
um primeiro teste, com fundamentação rigorosa e ponderada, a certas políticas
experimentais. A nível fiscal, e só para dar alguns exemplos, urge tratar da problemática
dos preços de transferência, da transmissibilidade de prejuízos fiscais e as regras de
tributação das pequenas e médias empresas. O que se constata é que os
desenvolvimentos são difíceis e reduzidos. A recente comunicação da Comissão
Europeia, COM (2007) 223, vem mais uma vez enunciar que os países devem ter uma
perspectiva diferente, pois em matérias tão vastas e com tantas especificidades técnicas,
como o estabelecimento de uma matéria colectável comum, terá que haver cedências em
prol do desenvolvimento da UE, sendo inevitável uma maior articulação entre todos os
Estados.
Não se pode ainda esquecer outro problema que tem a haver com o crescente
número de conflitos fiscais a ser julgados no Tribunal de Justiça das Comunidades
Europeias (TJCE). Tantos que se corre o risco de se fazer uma aplicação meramente
casuística dos Tratados conforme o critério do TJCE. Este problema conduz a outro, que
é precisamente a forma que cada um dos Estados Membros usa para cumprir as decisões
do Tribunal. Torna-se por isso essencial criar novas formas de cooperação que
consigam, pelo menos, aumentar a proximidade das legislações, alargando a segurança
jurídica e garantindo uma aplicação uniforme da jurisprudência do TJCE.
10 Artigo 43.º-B do TUE – Abertura a todos os Estados Membros. 11 Artigo 27.º-E do TUE – Entrada de um Estado Membro numa cooperação reforçada já instituída, conjuntamente com o Artigo 40.º-B do TUE e o Artigo 11.º-A do TCE.
8
Caso não seja possível a unanimidade, pode um número razoável de Estados
Membros, no mínimo de oito, garantir, através do MCR, que o caminho é efectivamente
um maior grau de integração, com menos obstáculos ao mercado interno, demonstrativo
de confiança na UE.
Por isso, talvez seja altura de se testar o estabelecimento de uma matéria
colectável comum e um mecanismo de repartição da matéria colectável consolidada
entre os Estados Membros. São ideias muito discutidas na UE, mas entre apelos da
Comissão Europeia e impasses sucessivos dos Estados Membros, nunca se chegou a
qualquer consenso. E são todas matérias susceptíveis de minar princípios fulcrais da
UE, como sejam a livre concorrência e a neutralidade que a fiscalidade deve ter quando
se tratam de questões puramente económicas, como deveria ser, por exemplo, a decisão
de localização de uma sociedade.
Funcionamento A cooperação reforçada permite, aos Estados Membros que a instituem, a
possibilidade de recorrer às instituições, processos e mecanismos previstos no Tratado
da União Europeia e no Tratado que institui a Comunidade Europeia.
Os países interessados fazem o pedido à Comissão que pode ou não apresentar
uma proposta ao Conselho12. Casos há em que é ainda necessário um parecer favorável
do Parlamento Europeu, ou até a discussão no Conselho Europeu, caso qualquer
membro do Conselho assim o deseje.
Existe aqui um factor determinante. A aprovação de implementação do MCR é
dada pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada. É precisamente esta janela
que se pode aproveitar. A necessidade de unanimidade para as matérias fiscais pode ser
assim ultrapassada sendo possível introduzir factores fiscais como motor de
desenvolvimento da UE, esbatendo as premissas concorrenciais que normalmente
assistem a acordos desta natureza. Não será por aqui, pelo menos em primeira instância,
que passarão as grandes decisões e reformas fiscais da UE, mas existem assuntos
importantes que podem começar a ser resolvidos desta forma.
Já instituído o MCR, e no seu seio, também a adopção de actos e decisões segue
a forma dos Tratados, pelo que em matéria fiscal seria necessária a unanimidade dos
Estados Membros participantes13. Contudo, nesta fase, e para o nível de crescimento 12 Artigo 11.º do TCE – Forma de instituição de uma cooperação reforçada. 13 Artigo 44.º do TUE – Forma de decisão numa cooperação reforçada.
9
político da UE, é compreensível que assim seja, pois garante a participação, em
exclusivo, de países determinados em conseguir os objectivos comuns, e permite que os
países que pretendam aderir a posteriori tenham que seguir os princípios já definidos,
garantindo, em caso de sucesso, o alargamento destas políticas a toda a UE, sem que se
corra o risco desta cooperação vir a ser desvirtuada pelos novos eventuais interessados.
Contudo, creio que seria vantajoso que essa unanimidade fosse apenas necessária
aquando do estabelecimento dos objectivos chave a atingir, sendo as outras medidas
tomadas por maioria qualificada, pois garantia a fixação de interesses comuns reduzindo
as possibilidades de impasse na sua concretização. Daqui, não é difícil apercebermo-nos
do potencial que tem a utilização destas formas de simplificação. Para os pequenos e
médios países pode ser a forma de afirmarem dentro da UE, podendo em cooperação,
ser também eles um foco de decisão importante.
É à Comissão e ao Conselho14, em cooperação, que cabe a análise da proposta de
modo a que esta cumpra todos os requisitos previstos, a fim de garantir que o projecto é
coerente, não só com ele mesmo, mas também com as políticas e objectivos da União e
da Comunidade. Esta visão, da parte contribuir para o todo, pode parecer meramente
académica. A realidade é que o pelotão da frente aproxima-se do limiar no que concerne
às políticas de incentivos, financiamento e contribuições para integração, já que cada
vez mais se resguardam e se procuram distanciar do papel de líderes financeiros, que
não políticos15. Certamente, o dinamismo a demonstrar pelos outros Estados Membros
tem que ser maior. Têm que se assumir como partes importantes e obrigatoriamente
contribuir para o todo. A assumpção do risco de inovação pode ser uma contribuição tão
importante como a contribuição financeira.
14 Artigo 45.º do TUE – Cooperação entre Conselho e Comissão, como garante de coerência entre acções e políticas na UE. 15 Por exemplo, a resolução do Parlamento Europeu, de 29 de Março de 2007, sobre o futuro dos recursos próprios da UE, 2006/2205(INI), que aponta o ano de 2014 como sendo o de implementação de um novo sistema de recursos próprio da UE. A proposta do eurodeputado francês Alain Lamassoure assenta numa primeira fase de transição, mantendo-se o sistema actual mas procurando um tratamento igualitária entre os Estados Membros, sem qualquer privilégio orçamental, como vigora agora para o Reino Unido. Seguidamente entrava em funcionamento, em 2014, um sistema totalmente novo ainda a definir. Como facilmente se adivinha, surgirão nos próximos anos questões vitais acerca do funcionamento da UE.
10
NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO
A unanimidade Em matéria de fiscalidade directa o papel da UE é garantir que as disposições
fiscais adoptadas pelos Estados Membros não colidam com os objectivos primordiais do
mercado livre, emprego, competitividade e a livre circulação de capitais. Cumprida esta
premissa, é competência exclusiva dos governos dos Estados Membros a definição das
suas políticas fiscais, numa aplicação rigorosa do princípio da subsidiariedade. Em
contraponto, caso as medidas adoptadas pelos governos violem aquelas condições, a
Comissão Europeia, ou outros que se considerem prejudicados, pode recorrer ao TJCE
que se pronunciará acerca dessa disposição legal.
Acresce ainda a responsabilidade dos governos terem de apresentar finanças
públicas sólidas. A batalha contra o défice público não é um exclusivo português16. É
imperiosa a selecção do tipo e forma de aplicação da despesa pública, e
consequentemente a angariação de receita para a financiar. Daqui ser tão difícil
prescindir da unanimidade para as decisões em matéria fiscal. A figura do interesse
nacional vital está ainda presente.
As disposições fiscais dos Tratados abarcam apenas a tributação indirecta.
Também aqui é necessária a unanimidade17, mas falamos duma área onde o nível de
harmonização é enorme podendo por isso ser mais fácil entender esta exigência18. No
projecto do Tratado Constitucional aparecia a possibilidade de adopção de medidas
harmonizadoras nos impostos indirectos quando estivesse em causa evitar distorções na
concorrência, o que era relevante para regulação da concorrência fiscal prejudicial entre
os Estados Membros.
Fala-se aqui do projecto do Tratado Constitucional porque este continha uma
particularidade interessante. Determinava que o Conselho de Ministros, apesar de estar
sujeito à unanimidade, poderia ver esta ser derrogada em prol da deliberação por
16 Segundo dados do Eurostat, no ano de 2006, Hungria (9,2%), Itália (4,4%), Polónia (3,9%), Portugal (3,9%) e Eslováquia (3,4%), foram os países com défice das finanças públicas superior a 3%, num total de 16 Estados Membros com finanças públicas deficitárias, sendo o défice médio da União de 1,7%. Em 2005 existiam 9 países com défice superior a 3% e outros 11 com défice, sendo o défice médio da europeia de 2,4%. 17 Artigo 93.º do TCE – A necessidade de unanimidade na tributação indirecta. 18 Mas surgem sempre novas áreas em que se pode sugerir a utilização do MCR, como sejam a energia e o ambiente, referidos já em 2001 na Comunicação da Comissão acerca das prioridades a ter em conta na política fiscal da UE (COM(2001)260).
11
maioria qualificada, desde que o Conselho Europeu o determinasse, por sua própria
iniciativa e por unanimidade, através de uma decisão europeia.
É reconhecida por todos a necessidade de agilizar o processo legislativo em
matéria fiscal, sendo também certo que todos os ténues passos que se vão dando são
inevitavelmente duros. Por vezes, mesmo esses pequenos avanços, parecem
inalcançáveis. Aliás, os objectivos para a tributação directa passam pela aproximação
das disposições legislativas entre cada um dos Estados Membros, não sendo sequer
tratadas no capítulo das disposições fiscais19. E mais, se a generalidade das políticas
destinadas a implementar o mercado interno são deliberadas por maioria qualificada,
essa possibilidade está expressamente vedada às disposições fiscais20.
Existe sempre a salvaguarda dada pelo papel regulador da Comissão Europeia a
fim de garantir que a disparidade entre as legislações dos Estados Membros não falseie
as condições de concorrência do mercado interno21. Caso tal aconteça, consulta os
Estados Membros em causa intervindo de forma a procurar um acordo. Não resultando
acordo que elimine a distorção cabe ao Conselho, sob proposta da Comissão, a adopção
de directivas para o efeito, sendo que aqui a deliberação é por maioria qualificada. No
caso em que seja o Estado Membro a tomar uma medida legislativa, regulamentar ou
administrativa, susceptível de provocar uma distorção na concorrência do mercado
interno, deve esse Estado consultar a Comissão que emitirá uma recomendação22.
A fiscalidade é um aspecto muito relevante da soberania das nações, não só pela
angariação de receita, mas também, e visto a existência da União Monetária e a
concentração das políticas económicas em sede de Comissão Europeia, pelo seu aspecto
regulador da economia, capaz de influenciar o consumo, a decisão de poupança e o
tecido empresarial. Mas é certo que qualquer medida fiscal, em qualquer Estado
Membro, terá repercussões em toda a UE, via a existência do mercado interno. O que se
tem procurado conseguir é que as políticas fiscais individuais de cada Estado Membro
não tenham efeitos negativos na UE, mormente que estas não importem a introdução de
obstáculos à livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais, nem assumam
aspectos capazes de causar concorrência fiscal prejudicial.
19 Artigo 94.º do TCE – Aproximação das diversas legislações dos Estados Membros que tenham incidência no mercado comum. 20 Artigo 95.º do TCE – Deliberação do Conselho. Votação por maioria qualificada. 21 Artigo 96.º do TCE – Papel fiscalizador da Comissão Europeia. 22 Artigo 97.º do TCE – Actuação preventiva da Comissão Europeia na adopção ou alteração de legislação pelos Estados Membros.
12
A unanimidade tem impedido a UE de ter uma visão fiscal que contribua para o
seu desenvolvimento como um todo, parecendo ser suficiente que as diferentes
legislações não criem um grande distanciamento de medidas entre os Estado Membros.
O interesse comum Torna-se assim evidente que existem dois aspectos em confronto. Por um lado, o
interesse comum da UE, isto é, em última análise, a própria essência da União, do
trabalho conjunto de todos os países servir para o todo. Por outro, o interesse individual
de cada país. Esta temática é puramente política. Transportando analogamente as ideias
de Jane Mansbridge23, em que esta determina que em situações de deliberação que
misturam o interesse comum e interesses passíveis de causar conflito se podem
distinguir três fases, temos:
A fase de pré-deliberação ou “caucus of the likeminded”, em que os indivíduos
que partilham ou podem vir a partilhar os mesmos interesses, isto é, que têm um
interesse comum, devem encontrar-se para desenvolver e compreender as suas ideias e
interesses. A segunda fase é de deliberação em larga escala, em que se juntam os
indivíduos com interesses comuns e interesses que podem causar conflitos com os
outros, tentando-se clarificar quais os pontos que partilham e quais os pontos em que
divergem. Nesta fase de clarificação, é o próprio conflito que permite descobrir o
porquê e de que forma os outros se opõem, sendo assim possível descortinar formas de
aproximação ou analisar até que ponto os interesses são antagónicos. Esta discussão
leva a que haja uma melhor compreensão quer dos interesses individuais, quer dos
interesses comuns. Naturalmente, se entenderem que os benefícios que retiram duma
posição comum é superior às diferenças que os separam, pode-se então chegar a acordo.
Caso não seja possível resolver os pontos em conflito de forma abrangente, nem se
consiga estabelecer uma nova base de acordo, diferente da inicial mas que reúna um
consenso, teremos que entrar na terceira fase.
A fase de negociação verifica-se quando as partes interessadas tentam chegar a
um acordo, que ainda que não seja o óptimo, seja uma alternativa de entendimento. Isto
é, não sendo a melhor solução, é a solução possível para que haja um certo consenso.
23 Jane Mansbridge, professora na John F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, dedica-se a estudos sobre democracia, na sua vertente prática e teórica, em particular à posição dos grupos minoritários, ou em desvantagem, em diferentes sistemas democráticos.
13
Esta terceira fase confunde-se necessariamente com a fase de deliberação em larga
escala, e muitas vezes acontece durante essa segunda fase, depois de se clarificarem
quais os pontos comum e os pontos de desacordo, conseguindo-se uma base de
entendimento para o acordo final. Esta negociação, que pode assumir a forma de
regateio, assume assim um papel decisivo na clarificação dos interesses de cada parte e
do todo, de forma a que se concretize uma compreensão mútua que produza algum
resultado.
Se é certo que a política fiscal na UE passa impreterivelmente por estas três
fases, sendo que mesmo assim o acordo pode demorar décadas, é também curioso que
aplicando o MCR todo o processo deliberativo se resumiria à primeira fase. Com a
ressalva do MCR estar sempre aberto a todos os Estados Membros, e garantidas as
condições para a sua aplicação, é evidente o ganho que se poderia retirar de uma
utilização, senão generalizada, pelo menos mais aprofundada, deste mecanismo.
Isto porque, concretizando a cooperação reforçada na fase descrita como pré-
deliberação, o que requer apenas oito dos Estados Membros, a expansão desta
cooperação aos outros Estados, ainda que passasse pela segunda e terceira fase, não
constituiria nunca um obstáculo para o desenvolvimento comum dos interesses
individuais dos Estados Membros originários. Sem nunca esquecer que por definição e
obrigação legal, a cooperação reforçada tem sempre subjacente a prossecução do
superior interesse que é o bem comum e desenvolvimento da UE.
14
APLICAÇÃO
Temos que ter em atenção que a dinamização do processo legislativo europeu
em matéria de fiscalidade é uma necessidade. Não o podendo fazer em unanimidade,
urge ultrapassar este problema doutra forma. Façamos apenas a análise de alguns dos
imensos problemas que assolam, ou ameaçam assolar, a fiscalidade na União Europeia.
Repartição de matéria colectável ou de receita fiscal Actualmente debate-se acerca da necessidade de implementar uma matéria
colectável comum consolidada do imposto sobre as sociedades. Procura-se por esta via
harmonizar as legislações fiscais dos Estados Membros, para garantir o funcionamento
do mercado interno, que se pretende mais dinâmico e livre de concorrência fiscal
prejudicial. Diz a Comissão que “esses objectivos permanecem válidos, porquanto
poucos avanços decisivos se verificaram”24. É uma matéria de difícil consenso, mas que
é necessária aprofundar se efectivamente se pretende um mercado interno livre de
barreiras fiscais. Existem dois aspectos essenciais, que são de que forma se estabelece a
base da matéria colectável comum e a forma de repartição da matéria colectável por
cada um dos Estados Membros. Não me proponho aqui a debater qual a melhor forma
de actuação para cada um desses dois aspectos, mas sim a forma de chegar a uma
solução mais rápida e possivelmente mais eficaz.
Com a existência de sistemas fiscais díspares entre os Estados Membros da UE
não faltarão focos de discussão, mas trata-se aqui de uma questão que transcende a
própria soberania fiscal dos Estados. Estão em causa os superiores interesses da União,
e se o objectivo for a União terão que haver concessões25. Partindo para o MCR seria
mais fácil coordenar um grupo de países com interesses comuns, que se repercutiriam
no interesse da globalidade da UE, a trabalhar certos aspectos que poderiam, depois de
testada a sua implementação prática, alargar-se a toda a UE. A utilização do MCR já foi
aventada quer pela Comissão Europeia, quer pelo Parlamento Europeu.
24 COM (2007) 223, que avalia os progressos realizados e próximos passos a tomar tendo em vista a obtenção de um entendimento para uma matéria colectável comum consolidada do imposto sobre as sociedades. 25 São muitos os pontos que podem trazer discórdia que vão desde a definição de grupo de sociedades, as operações intragrupos, a dedutibilidade de impostos e taxas locais, a territorialidade, a problemática da dupla tributação, isto para além de todas as questões contabilísticas que se colocam.
15
Para as sociedades, a tónica é o alargamento da base tributável e sua
simplificação, na busca de uma uniformidade assente numa matéria colectável ampla e
com baixas taxas de tributação, sendo que estas permanecem da responsabilidade de
cada Estado. Fomenta-se a ideia de um sistema de balcão único, para que os grupos de
sociedades possam tratar da sua vida fiscal apenas com uma Administração Fiscal.
Ainda que o tema das “Flat Taxes” seja tabu, nota-se que existem alguns pontos
que tocam nesta realidade, seja o alargamento da base tributável quer a diminuição de
taxas. Longe de ser pacífico, foi alvo de reservas por parte de autores do FMI26, que
entendem este tipo de tributação como uma tendência actual mas sem créditos firmados.
Mas na UE já existem países com este sistema implementado (Estónia, Letónia,
Lituânia e Eslováquia). Países como a Bulgária, Grécia e Hungria debatem essa
possibilidade. Também a Grã-Bretanha, a Polónia e a República Checa. A actual
chancelerina Angela Merkel fez desta questão uma marca na campanha eleitoral, ainda
que não tenha sido concretizada. Mesmo que não passe por essa ideia, julgo haver um
grande conjunto de países cujos interesses comuns podem ser limados de forma a
conseguir um consenso que viabilize uma cooperação reforçada, que venha a
estabelecer raízes fortes que possam ser a base do futuro fiscal da UE.
Ultrapassando-se as questões da transmissibilidade de prejuízos fiscais, fomenta-
-se o investimento nesses países. Não só para os grandes grupos. As pequenas e médias
empresas, com maior ênfase nas transfronteiriças, deparavam-se com uma verdadeira
abertura do mercado interno sem barreiras fiscais, já que o investimento realizado
potenciador de prejuízos a curto prazo, seria afecto a toda a sociedade desonerando-a
assim do peso fiscal desse investimento. Também urge responder ao problema dos
preços de transferência. A possibilidade do balcão único tem o condão de evidenciar a
modernidade, a evolução e o dinamismo dos seus impulsionadores.
Porém, destaco uma possível cooperação reforçada para a repartição da matéria
colectável comum, e mais uma vez, independentemente da forma que venha a assumir27.
Um acordo teria consequências muito positivas para a UE. Seria demonstrativo da
26 Nomeadamente Michael Keen, Yatie Kim e Ricardo Varsano, no trabalho para o FMI, The Flat Tax(es): Principles and Evidence” 27 Na COM (2003) 726, que abordava as realizações, iniciativas e desafios a ultrapassar para um mercado interno livre de obstáculos em matéria de fiscalidade das empresas, aceitava-se quer a possibilidade macroeconómica – a nível dos Estados Membros, quer a microeconómica – a nível das empresas, centrando-se neste especial atenção, adiantando-se a hipótese de repartição quer em função do valor acrescentado, devido à existência do IVA, ou uma repartição proporcional, já utilizada em alguns países, como os EUA.
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confiança não só na UE, mas acima de tudo neles próprios, na sua capacidade de criar,
gerir e controlar um sistema com base na cooperação e fiscalização mútuas.
O caso da fraude carrossel Existem outras vertentes e formas de aplicação no caso de se conseguir uma
forma de repartição da matéria colectável e da receita fiscal. A fraude carrossel é talvez
o maior problema que afecta a fiscalidade indirecta em termos de IVA28. Existem várias
soluções não sendo nenhuma considerada como definitiva ou óptima.
Laszlo Kovács29, em entrevista ao canal European Affairs Channel, apresentou
três alternativas a discutir: a manutenção do sistema com reforço da cooperação; o
sistema actual, mas nas transmissões intracomunitárias o reverse charge apenas se
aplicava à primeira transmissão; e outra que passa pela alteração do local de tributação
para a origem nas transmissões intracomunitárias. Considera que é nesta última que se
perspectivava um maior sucesso no combate à fraude, ainda que com um custo
administrativo tremendo. Não seria mais que a adopção da forma inicialmente prevista,
em contraponto com o sistema provisório que foi ficando a vigorar paulatinamente. A
alteração de local de tributação praticamente eliminava o risco de fraude carrossel, já
que seria o próprio fornecedor do bem a ser tributado e com a obrigação de liquidar e
pagar o IVA junto da autoridade fiscal do Estado Membro da sua residência.
A aplicação do MCR não passaria nunca directamente por estas questões. Note-
-se que o nível de harmonização do IVA é tal, que a utilização do MCR neste domínio,
excepto em questões de coordenação e cooperação, além de ser improvável, poderia
também ser contraproducente.
A questão que se levanta é simples. Porque é que não se altera então a forma de
cobrança do IVA? Para além da problemática que seria modificar toda a estrutura já
instalada e enraizada, sobra aquela que é talvez a verdadeira questão. Como se iria
repartir a receita cobrada pelos Estados? É que seria o Estado de origem a cobrar IVA
que pertenceria ao Estado de destino dos bens. 28 Não existe um valor oficial acerca da dimensão da fraude fiscal na UE. Estima-se que poderá atingir anualmente 2,5% do PIB, ou seja, sensivelmente 250 mil milhões de euros. Em termos de IVA a fraude atingiria 10% do valor da receita. A Alemanha estima as perdas totais de IVA em 17 mil milhões de euros. O Reino Unido aponta para 2,5% das receitas de IVA, 3 mil milhões de euros, como o montante perdido apenas em resultado da fraude carrossel. 29 Comissário Europeu dos Assuntos Fiscais, sendo a citada entrevista, de 26 de Maio de 2006, dada em véspera da apresentação da Comunicação da Comissão ao Conselho, COM (2006) 254, sobre medidas de combate à fraude no IVA.
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No fundo falamos de confiança. E é aqui que a utilização do MCR pode dar
frutos, ainda que de forma indirecta, parecendo que conseguindo acordar a um método
de repartição da matéria colectável nos impostos directos, se pode depois adaptar esse
método para uma repartição da receita do IVA. Não que tenham muitos aspectos
técnicos comuns, mas se se conseguir um modelo de sucesso é muito mais fácil partir
para uma situação de unanimidade, exigida para fazer face a este tipo de mudanças tão
profundas no sistema do IVA.
Por sua vez, o IFO Institute for Economic Research apresenta um modelo em
que a concessão do direito à dedução depende do pagamento prévio do imposto por
parte de quem o recebe30. Se o pagamento for efectuado com intermediação bancária,
incluindo pagamento com cartões, fica esta responsável pela cobrança e entrega do IVA
ao Estado. Sendo feito em dinheiro aponta-se para a utilização do sistema da estampilha
electrónica ou do selo fiscal. Isto, ou utilizando uma espécie de crédito pré-pago, que
será utilizado cada vez que esse sujeito passivo cobre o IVA mencionado na factura, ou
então, e referindo modelo italiano de Scontrino em que o comprador, não sujeito
passivo, tem de manter obrigatoriamente o recibo do pagamento até sair da loja, num
sistema que automaticamente se regista o IVA recebido, não fazendo a entrega do
imposto ao Estado em simultâneo, apurando o imposto nos moldes actuais.
Uma ideia pertinente, sem a radicalidade da que a antecede, e onde também se
poderia beneficiar do MCR. As alterações legislativas seriam pontuais, com alguns
acertos, nomeadamente a nível do momento da exigibilidade e do facto gerador, sendo
que o grande benefício seria a implementação conjunta de uma medida que resolve
certos problemas relacionadas com fraude e com as falências. Contudo, a entrega
imediata do imposto ao Estado obrigaria a um maior esforço financeiro dos sujeitos
passivos. Uma experimentação deste sistema num conjunto grande de países permite
obter um conjunto do experiências em simultâneo, sendo que o nível de coordenação e
colaboração exigido para que se pudesse estender a toda a UE, teria que ser muito
estreito, o que é sem dúvida um dos pontos em que se é preciso melhorar muito em
termos de fiscalidade na UE.
30 Trabalho realizado em 2004 por Hans-Werner Sinn, Andrea Gebauer e Rüdiger Parshe. O IFO faz parte, conjuntamente com o Center for Economic Research (CES) e o CESifo GnbH (Munich Society for the Promotion of Economic Reseach), do CESifo Group dedicado à investigação em economia.
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Experimentação de novas bases tributáveis Green Taxation – Quando é implementado um regime de comércio de licenças
de emissão de gases com efeito de estufa na UE, é avançada a possibilidade que os
Estados utilizarem a tributação, como complemento para o regime transitório,
contribuindo para a limitação das emissões por parte das instalações temporariamente
excluídas31. O ACBE32 entende que a tributação pode ter um papel importante nesta
área e que deve ser vista, preferencialmente numa lógica internacional, mas sem deixar
de assinalar que esta cooperação internacional é difícil, apelando ao Governo do Reino
Unido para a mesmo assim avançar. Existem muitas áreas e caminhos, a tributação
diferenciada dos combustíveis consoante o nível de poluição, a utilização de taxas de
IVA mais baixas em produtos ou serviços mais ecológicos ou a utilização de um
imposto sobre a criação de desperdícios similar ao Landfill Tax do Reino Unido. Ou
então utilizar um sistema de imposto sobre as sociedades híbrido com uma componente
sobre o rendimento e outra com base no nível de poluição admissível determinado para
cada sector económico. Os impostos verdes podem contribuir de uma forma positiva, se
virmos a sua aplicação não como factor de atrofiamento da economia, mas sim como a
criação de uma nova economia mais limpa, competitiva e moderna. Certamente que
uma abordagem concertada traria um nível de experimentação e de audácia, que de uma
forma legalmente mais ágil, poderia conduzir a UE para um compromisso efectivo de
crescimento sustentável.
Impostos sobre movimentos de capitais – James Tobin33 advogou a ideia da
criação de um imposto sobre as transacções cambiais, até como um factor de
regulamentação dos mercados de capitais contra movimentos especulativos.
Confrontados actualmente com um quadro de liberdade total de circulação de capitais,
esses mesmos movimentos especulativos podem contribuir para uma certa
imprevisibilidade dos mercados financeiros e, consequentemente, da economia
europeia. Esse imposto seria residual entre 0,1% e 0,25%. Existem adaptações como o
Spahn34 Tax, em que existem duas vertentes do imposto. Uma taxa nula ou muito baixa
31 Considerando 24 da Directiva 2003/87/CE, de 13 de Outubro de 2003 32 O ACBE (The Advisory Committee on Business and the Environment) é um orgão que procura fomentar o diálogo entre o Governo Britânico e o poder económico acerca das questões ambientais, procurando incentivar a boa prática ambiental. 33 Prémio Nobel da Economia em 1981, defensor das visões keynesianas que defendem que o Estado deve ter um papel interventivo na economia. Sugeriu que a receita deste imposto fosse canalizada para as Nações Unidas para benefício dos países do terceiro mundo. 34 O economista alemão Paul Bernd Spahn é professor de Finanças Públicas na Universidade de Frankfurt, tendo já desempenhado funções de consultor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI.
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para as operações cambiais normais e uma sobretaxa sobre os lucros das operações de
muito curto prazo de índole especulativa, adaptável ao nível de volatilidade dos
mercados. São taxadas as operações no mercado de derivados, ainda que a taxa menor,
para evitar deslocalização de movimentos para este mercado. O objectivo destes
impostos é garantir a estabilidade dos mercados, combatendo a especulação financeira.
São sempre projectos à escala global, pois só assim se podem estabelecer condições
reais de aplicabilidade. E face aos problemas de não prejudicar o sistema financeiro
normal e simultaneamente travar eficientemente a especulação, existe a tentação de uma
receita incomensurável. Em 1 de Julho de 2004, a Bélgica aprovou a aplicação deste
tipo de taxa, desde que todos os países da zona euro adoptassem o mesmo sistema.
Quando interpelada35 pelo deputado do Parlamento Europeu, Belet Ivo, a Comissão
Europeia disse liminarmente não a esta possibilidade, pelo menos nesta fase, invocando
os Tratados Europeus relativamente à livre circulação e tratamento discriminatório.
Objectivamente, é uma fonte de receita que pode ajudar a resolver graves problemas
mundiais. De um forma ambiciosa, através do MCR, garantindo que nenhum parceiro
europeu seria tratado de forma diferenciada, poderiam ser produzidos formas de
estabelecimento de bases tributáveis, níveis de taxação e formas de utilização e/ou
repartição da receita, que constituiriam uma base de trabalho para uma implantação do
sistema, não só a nível europeu, como, nem que por arrastamento, a nível mundial.
Impostos sobre os fluxos financeiros das sociedades – Esta forma de
tributação é vista por alguns economistas como sendo melhor em relação à tributação do
rendimento, aliás, o Tesouro neozelandês manifestou, em 1999, o seu entusiasmo
perante este sistema, sem contudo deixar de concluir que a sua aplicabilidade era ainda
impensável36. Zee37 entende que a abordagem correcta passaria por um imposto híbrido,
fazendo uma abordagem a diversas formas de tributação, senão podendo ser feitas de
forma independente, são vistas como uma forma de complemento à tradicional
tributação do rendimento, analisando uma série de alternativas. Um imposto deste estilo
pode assumir diversas formas, tal como a isenção para juros e dividendos, aplicação do
imposto cash-flow nos incrementos de investimento e manutenção do imposto sobre o
rendimento para o capital já instalado. A base pode ser a diferença entre as entradas e
saídas de fluxos financeiros ou a diferença entre compras e vendas de bens e serviços. É
35 Pergunta ao Parlamento Europeu, E-2699/2004, de 29 de Outubro de 2004, com resposta da Comissão em 23 de Dezembro. 36 Trabalho de Dieter Katz , aceite pelo Tesouro da Nova Zelândia como a sua posição oficial. 37 Pertence ao Departamento dos Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional.
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também variável o número e tipo de operações financeiras a monotorizar. Também o
local de tributação é importante, como dissecam Bond e Devereux38. O aparecimento
desta discussão tem muito a haver com o problema da erosão tributária que os impostos
sobre o rendimento têm vindo a sofrer, já que as bases tributárias têm dificuldades em
expandirem-se enquanto o volume de imposto vem sofrendo sinais de retracção. O
grande problema situa-se na transição entre tipos de imposto.
E-commerce – A realidade da sociedade da informação vem trazer novas
questões para a fiscalidade. Nunca antes o risco de erosão tributária esteve tão
descoberto com a desmaterialização das prestações de serviços e transmissões de bens.
Existem várias abordagens. O Bit Tax funciona como uma espécie de portagem e
incidiria sobre a contagem de bites em tráfego nas redes de telecomunicações. Isto é,
mediante a taxação do tráfego electrónico tentasse minorar os efeitos da facilidade de
fuga de operações tributáveis, quando praticadas por via electrónica, trazendo ainda a
vantagem de confrontar um problema, que é já alvo de preocupações, que tem a haver
precisamente com o lixo electrónico produzido na Internet, e sobre se este se pode
acumular de forma eterna. Desta forma, serviria também como uma medida reguladora,
que não controladora, do volume de tráfego electrónico. Basu39 contrapunha que apesar
de uma perda de receita fiscal para 2011 estimada em mais de 54 mil milhões de dólares
americanos, existiam grandes problemas a ultrapassar. De facto responder a questões de
como, quem e o quê tributar, numa formulação similar ao Bit Tax, não é tarefa fácil.
Desde logo como e quem controlaria o sistema. Será este fiável? Poder-se-iam aferir
quais as operações comerciais e as não comerciais? Como cobrar e redistribuir a
receita? Não poderia ser um entrave à massificação da sociedade da informação? A
OCDE entende que o comércio electrónico deve ter um tratamento igual ao comércio
tradicional, rejeitando assim este tipo de tributação. Relatório, aliás, que mereceu a
participação da União Europeia e da Organização Mundial do Comércio.
O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas40, em 1999, avançava
algumas ideias como tributar o envio de e-mails ou a criação de uma tarifa digital
calculada tendo em conta as grandes disparidades de utilização do tráfico da Internet,
comparando os países. Naturalmente não acolheu grandes adeptos. Existem outras
possibilidades para bases tributáveis: o envio de SMS, a aquisição de harware e material
38 Investigadores do Institute for Fiscal Studies de Londres. 39 Subhajit Basu lecciona na Queen´s University Belfast, desenvolvendo investigação na área do comércio electrónico, nomeadamente nos seus aspectos fiscais. 40 Human Development Report, 1999 do United Nations Development Program
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de gravação ou suporte, como as unidades USB e discos amovíveis, Cd´s e outras
formas de armazenamento de informação
Mantém-se a posição por parte da Organização Mundial do Comércio de manter
o mesmo tratamento para as duas formas de comércio. Parece-me inevitável aceitar-se a
diferença entre as realidades e encontrar uma forma de melhor lidar com essa situação.
Mais uma vez a UE pode ajudar a definir a nova ordem internacional, sendo que os
primeiros passos podem ser dados sob a forma da cooperação reforçada.
A aplicação do De-tax no IVA – Um dos problemas principais dos países
latinos e mediterrânicos passa pela responsabilização cívica dos seus contribuintes.
Mais do que a obrigação de pedir factura, deve haver uma maior consciencialização e
motivação para esse efeito. A sensibilização deve passar também pela cabal
demonstração que os impostos são bem gastos, pois é também assim que trazem para o
sistema contribuintes que prescindem de colaborar os governos no correcto
funcionamento de cobrança de imposto, nomeadamente impostos em cadeia como o
IVA. Permitindo que um consumidor final apresente o seu número de contribuinte para
a emissão de factura, com uma estrutura de facturação em rede, e havendo o
compromisso de que uma percentagem desse imposto seria consignado para causas
sociais como a saúde e pobreza, necessariamente visíveis e eficazes, mantendo as taxas
de imposto, conseguiria-se que houvesse uma motivação superior para o cumprimento
da obrigação de facturação, cuja amplitude poderia ser enorme. Seria curioso verificar
se, por exemplo, com a consignação de 1% da receita não se conseguiria compensá-la,
ou até ultrapassá-la, com a quantidade de contribuintes aportados para o sistema. Com o
desenvolvimento do sistema, o próprio contribuinte poderia escolher qual a causa que
mais o motivaria a contribuir. Poder-se-ia até pensar em oferecer um reembolso ou
crédito de IVA, meramente moralizador e limitado, de forma a abarcar uma nova vaga
de contribuintes que de outra forma desprezam o dever de pedir factura. Como já foi
visto, perante os sistemas actuais e a sua periclitância face às novas realidades, é
fundamental optimizar todas as suas fases e garantir que abrangem, e são cumpridas,
por todos os sujeito participantes. Com uma aplicação alargada e consequente
experiência de cooperação, pode ser a oportunidade para o início de cooperações mais
estreitas e incisivas na fiscalidade europeia. Nas Nações Unidas é ciclicamente falada a
necessidade da contribuição mundial, mormente do chamado mundo desenvolvido, para
resolver os problemas globais e esta é uma das soluções possíveis. Poderia pois uma
cooperação reforçada dar um contributo forte.
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CONCLUSÕES
Foi feita uma análise “pré-direito” quer ao Mecanismo de Cooperação
Reforçada, quer a aplicações que possa ter, isto porque, sem desprezo das obrigatórias
condições dos Tratados, pretendeu-se aqui demonstrar que existe um sem número de
questões em debate, de extrema pertinência, mas ao mesmo tempo não parece existir
uma capacidade de resposta, pronta e eficaz, de forma a utilizar a tributação como fonte
de dinamismo e desenvolvimento social.
O acordo a vinte e sete, em questões de risco de índole fiscal, é completamente
utópico. A Comissão Europeia faz recorrentes apelos a uma maior celeridade, não só de
processos, mas na tomada de medidas. O risco de uma Europa a duas velocidades pode
ser agora o risco da inacção. As grandes vantagens do Mecanismo de Cooperação
Reforçada são a maior agilização dos processos, já que envolve um menor número de
países; o seu contributo para a dinamização dos países participantes, sempre com vista
ao bem comum da União Europeia e estreito acompanhamento da Comissão; a
possibilidade de experimentação de novos sistemas de tributação, sob o tecto de uma
organização mais ampla que esse conjunto de países; e permitir aos países
empreendedores do Mecanismo, caso sejam apostas de sucesso, um papel de liderança,
que em condições normais estaria circunscrito aos países fortes.
Um mecanismo de repartição de receita poderia trazer grandes desenvolvimentos
para a União Europeia. Poderia abrir uma nova vaga de soluções e alternativas,
aplicáveis em diversas áreas económicas, para além da fiscal.
A implementação de medidas mais ousadas no combate à fraude é também vital,
não só para as receitas fiscais dos Estados, mas principalmente para a própria
estabilidade do mercado interno, medidas que podem, numa primeira fase, ser testadas
em sede de cooperação reforçada.
Questões, que se poderão chamar de básicas, como políticas de preços de
transferência e comunicabilidade de prejuízos encontram-se, há anos, sem solução.
Quando se procura fazer a aplicação do Mecanismo de Cooperação Reforçada
para a criação de novas bases tributáveis, procura-se evidenciar uma forma de tentar
avançar de encontro a realidades unanimemente conhecidas e reconhecidas, que ainda
que sejam boas ideias não encontram aplicação prática. As aplicações apresentadas têm
todas grandes custos de implementação, pois implicam mudanças profundas. As
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soluções são muitas e diferenciadas mas existe um ponto em comum, que é a urgência
em tomar medidas para não se correr o risco de estagnar.
Este mecanismo tem o mérito incontestável de constituir uma ferramenta de
utilização mais fácil em relação à unanimidade a vinte e sete, com a imagem de marca
da União Europeia, sendo importante testar esta figura legal nestas questões de grande
importância. Para além do mais, cabe aos países de menor dimensão fazerem a sua
própria afirmação e desta forma contribuírem, e beneficiarem, para o desenvolvimento
da União Europeia, e este instrumento da cooperação reforçada abre a janela para estes
países se assumirem como fomentadores da prosperidade.
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