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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
MARLO ALMEIDA SALVADOR
O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
São José/SC
2012
1
MARLO ALMEIDA SALVADOR
O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
Monografia apresentada à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito
parcial a obtenção do grau em Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Roberto Wöhlke
São José/SC 2012
2
MARLO ALMEIDA SALVADOR
O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS POSITIVISTA: ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Teoria do Direito
São José, 19 de novembro de 2012.
Prof. Roberto Wöhlke
UNIVALI – São José
Prof. MSc. Luiza Cristina Almeida Valente UNIVALI –São José
Membro
Prof. MSc. Nome Instituição Membro
3
Dedico este trabalho ao Professor André Lupi, sem
o qual a idéia de pesquisar o presente tema talvez
não tivesse surgido, haja vista sua base conceitual
já aplicada no primeiro período do Curso, à
professora Daniela Cadermatori, com a qual
aprendi muito acerca da importância da pesquisa
científica, bem como pela atenção e paciência que
sempre teve comigo quando dos nossos bons
debates acadêmicos. Ao professor Marcelo Alves,
o qual contribuiu de forma pontual em seus
encontros em sala de aula e em outros diálogos, e,
finalmente, ao professor Gilberto Callado, o qual
sempre me motivou muito no estudo do Direito,
todos os quais, ao meu sentir, sempre colocaram a
pesquisa científica acima de qualquer ego ou
vaidade.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, principalmente, a Deus, sem o qual as maravilhas do universo
que operam nosso ser não existiriam para nos motivar. Agradeço à minha vó Maria,
a qual sempre acreditou em mim depositando toda sua confiança e seu amor de
mãe insubstituível.
À minha mãe Ester, por me proporcionar a oportunidade de vir ao mundo e
às “demais mães” de minha vida; Tia Tereza, tia Noêmia, Tia Vera, Tia Heloisa, Tia
Maria do Carmo e tia Salomé, que sempre dispensaram suas respectivas
disposições e atenções com verdadeiras dedicações maternas.
Ao meu orientador Roberto Wöhlke, que mais do que um orientador foi um
colaborador na elaboração deste trabalho, tendo participação efetiva, incentivando e
acreditando, sem hesitar, desde o início na proposta apresentada.
Aos meus amigos Hélios e Samuel, com os quais pude aprender lições de
vida que contribuíram de forma relevante para o meu contínuo aprimoramento como
homem, dentre outros que, de certa forma, contribuíram, ainda que em menor
proporção, mas que merecem ser lembrados neste momento.
5
Se alguma coisa divina existe entre os homens, é a
justiça. Nisto se compendiam todas as minhas
crenças políticas. De todas elas essa é o centro.
Mas para que a justiça venha a ser essa força,
esse elemento de pureza, esse princípio de
estabilidade, é preciso que não se misture com as
paixões da rua, ou as paixões dos governos, e seja
a justiça isenta, a justiça impassível, a soberana
justiça, a congênita em nós, entre os sentimentos
sublimes à religião e à verdade. (Rui Barbosa)
6
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 19 de novembro de 2012.
Marlo Almeida Salvador
7
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo principal fazer uma análise jurisprudencial de
um julgado do Supremo tribunal Federal sob as perspectivas das doutrinas
positivista e pós-positivista. Para se atingir este desiderato, partiu-se da indagação a
respeito do que consiste o estudo do direito segundo a doutrina do positivismo
jurídico. O segundo ponto abordado foi acerca das causas que culminaram na
ascensão da doutrina pós-positivista, para então, respondidas tais indagações,
conferir a possibilidade de identificar aspectos hermenêuticos de ambas doutrinas na
arguição de descumprimento de preceito fundamental 132 do Supremo tribunal
Federal. O positivismo jurídico foi uma doutrina calcada na ideia de que o direito é
tão somente aquele produzido pelo soberano por intermédio do legislador, ao passo
que a ascensão pós-positivista decorreu do esgotamento do modelo positivista, bem
como da necessidade de se agregar ao próprio direito positivo o reconhecimento de
certos princípios para dentro do ordenamento jurídico, de maneira que, com a
ascensão do movimento pós-positivista, bem como dos direitos fundamentais, a
arguição de descumprimento de preceito fundamental 132 demonstrou, de forma
inequívoca, aspectos tanto de uma quanto de outra das doutrinas acima enunciadas.
Palavra-chave: Positivismo jurídico - Pós-Positivismo - Jurisprudência.
8
ABSTRACT
This research has as its main goal to do a jurisprudential analysis of a decision from
the Supreme Federal Court under the perspectives of the positivist and post-positivist
doctrines. In order to achieve this goal, this research firstly questioned about what is
the study of law according to the legal positivism doctrine. Secondly, it has been
approached the causes that led to the rising of post-positivist doctrine, and once
answered these questions, confer the possibility of identifying hermeneutical aspects
of both doctrines in the 132 fundamental precept breach arguing from the Supreme
Federal Court. The legal positivism was a doctrine based on the idea that the law is
only what is produced by the sovereign through the legislature, while the post-
positivist rise was due to the exhaustion of positivist model, as well as the need to
add to the positive law the recognition of some principles into the legal system, so
that, with the rise of post-positivist movement, as well as fundamental rights, the 132
fundamental precept breach arguing demonstrated unequivocally, aspects from both
doctrines mentioned above.
Keyword: legal positivism - Post-Positivism - Jurisprudence.
9
ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
CRFB/1988 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
1 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO MÉTODO CIENTÍFICO À LUZ DO
CARTESIANISMO .................................................................................................... 15
1.1. O PAPEL DO CARTESIANISMO PARA O CONHECIMENTO CIENTÍFICO:
BREVES CONSIDERAÇÕES ................................................................................ 18
1.2. O POSITIVISMO JURÍDICO COMO RAMO DO CONHECIMENTO
CIENTÍFICO ........................................................................................................... 22
1.2.1 O dogma da Onipotência do Legislador ................................................ 26
1.2.2 Caráter avalorativo do direito como ciência.......................................... 27
1.3 A TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO .................................................. 30
1.4 A TEORIA IMPERATIVISTA E O CRITÉRIO DE VALIDADE DA NORMA .... 33
1.5 MÉTODO DA CIÊNCIA JURÍDICA E O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO
............................................................................................................................... 37
1.5.1. O Papel da Escola da Exegese para o positivismo jurídico ................ 41
1.6. A TEORIA PURA DO DIREITO ...................................................................... 42
2 A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO: AS TEORIAS
DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E O PÓS-POSITIVISMO ................................... 46
2.1. O RESGATE DA TÓPICA E A NOVA RETÓRICA PÓS 1945: A ERA DOS
VALORES .............................................................................................................. 50
2.2 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA ................................................ 55
2.3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................ 59
2.4 TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM ROBERT ALEXY .......................................... 62
2.5 TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM RONALD DWORKIN .................................... 66
2.6 A TEORIA DA NORMA COMO PRINCÍPIO E REGRA. .................................. 69
2.6.1 Colisão entre princípios e o método da ponderação ............................ 74
2.7 O NEOCONSTITUCIONALISMO .................................................................... 75
3 O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS-POSITIVISTA: ASPECTOS
HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ............. 80
3.1 A FORÇA NORMATIVA E A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ................ 81
3.2. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL .......................................................... 86
3.2.1. Métodos clássicos de interpretação ..................................................... 87
3.2.2. Métodos de interpretação Pós-positivista ............................................ 89
11
3.3 ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPIRMENTO
DE PRECEITO FUNDAMENTAL N. 132 DO STF ................................................. 92
3.3.1 Contexto histórico Processual da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. 132 do Supremo Tribunal Federal. ........................ 94
3.3.2. Analise Metodológica dos Princípios Violados em Relação aos
dispositivos constitucional e legal questionados na arguição .................... 96
3.3.3. Aspectos Hermenêuticos na ADPF 132 .............................................. 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 112
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 116
ANEXO.................................................................................................................... 121
12
INTRODUÇÃO
A presente monografia será dedicada ao estudo da teoria do direito sob as
perspectivas das doutrinas positivista e pós-positivista e buscará, a partir de um
ponto de vista histórico, contextualizar os aspectos hermenêuticos por ventura
aplicados no direito contemporâneo, mais precisamente na jurisprudência
constitucional do Brasil.
Contextualizar a interpretação do direito sob uma visão teórica à luz do
positivismo jurídico e da ascensão pós-positivista demonstra-se de suma importância
para compreender a interpretação e aplicação do Direito na atualidade, pois em
decorrência dos embates que dividiram a doutrina no século XX acerca do
pensamento jurídico ocidental, o direito contemporâneo interpretado pelo Supremo
Tribunal Federal demonstra forte influência de ambas as doutrinas pesquisadas, o
que justifica a sua importância.
Para proceder à investigação partir-se-á, inicialmente, de duas indagações
pontuais acerca do problema que irá orientar a terceira e ultima indagação, sendo a
primeira delas a respeito do que consiste o estudo do direito segundo o positivismo
jurídico e o que representa tal doutrina. A segunda indagação será a respeito de
saber quais as causas que culminaram na ascensão pós-positivista e no que
consiste esta doutrina, ao passo que a terceira e ultima indagação será saber se é
possível identificar aspectos hermenêuticos das escolas positivista e pós-positivista
no âmbito da jurisprudência do Supremo tribunal Federal, mais precisamente na
arguição de descumprimento de preceito fundamental 132 daquela Corte.
A partir das indagações acima formuladas, as respectivas hipóteses são de
que o positivismo jurídico foi uma doutrina calcada na ideia de que o direito é tão
somente o direito produzido pelo legislador, cuja maior influência decorreu da
sistematização do estudo das ciências ocorrida nos séculos XIX e metade do século
XX, apoiada numa ideia de exatidão e objetividade, onde pouco se admitia juízos de
valores.
Já a hipótese relacionada ao estudo da ascensão e no que consistiu a
doutrina pós-positivista foi a de que as causas que culminaram no seu surgimento
estão relacionadas ao esgotamento do modelo positivista, bem como na
13
necessidade de se reconhecer, para dentro da sistemática jurídica, a existência de
determinados princípios que permitiam a interpretação dos casos a partir de valores
como o de ética e justiça, ao passo que a terceira de tais hipóteses, relacionada à
jurisprudência constitucional brasileira, foi a de que a arguição de descumprimento
de preceito fundamental 132 apresenta aspectos hermenêuticos tanto positivista
quanto pós-positivista, na medida em que a Constituição Federativa do Brasil de
1988 adota como base da ordem democrática princípios como o da dignidade da
pessoa humana, da liberdade, dentre outros, o que demonstra de forma clara
aspectos tanto de uma quanto de outra doutrina.
O objetivo principal do trabalho será compreender o pensamento jurídico a
partir dos seus métodos interpretativos calcados nas escolas positivista e pós-
positivista, Investigando as origens e as características de cada uma de tais
doutrinas, bem como identificar aspectos hermenêuticos de tais escolas a partir de
uma análise jurisprudencial do direito contemporâneo brasileiro.
Com a referida pesquisa, tem-se a pretensão de contribuir para uma melhor
análise da própria dogmática jurídica, e por consequência uma análise mais crítica
do próprio direito a fim de se buscar melhores soluções para os conflitos sociais.
O método empregado na elaboração da pesquisa será o dedutivo, na
medida em que buscar-se-á, primeiramente, compreender os estudos da teoria do
direito sob os enfoques positivista e pós-positivista, para então concluir com a
pesquisa na busca de aspectos hermenêuticos de ambos os movimentos a partir de
uma análise jurisprudencial.
Será utilizada a técnica da documentação indireta por intermédio de
pesquisa documental de jurisprudência, Constituição Federal do Brasil de 1988,
Código Civil Brasileiro, pesquisa bibliográfica a diversos livros e artigos relacionados
à temática com vistas a fundamentar o resultado da proposta. Serão utilizadas ainda
a técnica do fichamento e a do referente.
No capítulo primeiro, será abordada a origem e as características do
positivismo jurídico e, sem querer fazer uma revisão histórica, será necessário fazer
este aporte a fim de se compreender a sua estrutura epistemológica e jurídica.
No capitulo segundo, serão analisadas as causas da ascensão pós-
positivista, bem como no que consistiu este movimento e quais foram suas principais
peculiaridades.
14
Finalmente, no terceiro e ultimo capítulo, tratar-se-á da proposta principal,
que é constatar a existência de eventuais aspectos hermenêuticos e influência tanto
do positivismo jurídico quanto do pós-positivismo no julgamento da ADPF 132 do
Supremo Tribunal Federal e os argumentos e valores empreendidos na
fundamentação do julgado.
15
1 O POSITIVISMO JURÍDICO COMO MÉTODO CIENTÍFICO À LUZ DO
CARTESIANISMO
O positivismo jurídico como método científico à luz do cartesianismo
conduziu o estudo da Ciência do Direito a uma sistematização dedutiva
pretensamente perfeita, a partir de premissas tidas como verdadeiras e evidentes
sob influência do paradigma moderno de ciência1.
Como consequência, o cartesianismo, que considera a verdade a
ser alcançada mediante um único método, induziu todos os ramos do saber a adotar
um único método como verdadeiro método científico, fazendo com que todos os
demais ramos do conhecimento que ousassem questionar este método perdessem
sua credibilidade, uma vez que o conhecimento rigoroso que efetivamente
conduziria à verdade seria apenas o científico2.
A filosofia cartesiana foi, antes de tudo, uma grande ambição de
estender ao conhecimento universal o método matemático mediante o uso da razão
na busca da verdade, pois através de regras metodológicas teve por finalidade
descrever o pensamento matemático a partir do espírito humano3.
Esse modo de conceber este pensamento para o âmbito do direito
consistiu numa pretensão de alcançar-se uma filosofia social cientificamente
fundamentada, cujo necessário consistiu na elaboração metodologicamente
calculada de regras de condutas humanas, tendo estas somente um aspecto
material no concernente ao direito positivo4.
Para entendermos o positivismo jurídico como método científico do
cartesianismo, necessário se faz um breve aporte histórico acerca de seu
surgimento, bem como do próprio cartesianismo como método científico.
1 ROESLER, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciências humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para
pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc 2 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 45.
3 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. Ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 13. 4 ROESLER, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciência humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para
pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc.
16
A sociedade medieval foi uma sociedade juridicamente pluralista,
caracterizada por feudos independentes, onde cada qual detinha o seu próprio
direito produzido não pelo estado, mas pela própria sociedade civil. Com a formação
do Estado Moderno, a sociedade passou a assumir uma estrutura monista e
concentradora de todos os poderes em si, dentre os quais o de produzir o direito, o
que podemos denominar de monopólio da produção jurídica por parte do Estado5.
O fim do contraste entre o direito comum civil, típico dos feudos da
idade média e, o direito estatal, foi representado pelas codificações do final do
século XVIII e início do século XIX, contexto o qual o direito estatal centralizou a
produção normativa, dando início à história do positivismo jurídico6. Aqui, podemos
mencionar o Código de Napoleão, que data do início do século XIX como sendo um
dos maiores símbolos da ascensão positivista.
Associado a este raciocínio, o paradigma cartesiano emergiu das
mudanças ocorridas na filosofia moderna ainda no século XVII, cujos resultados
trazidos a partir dos debates de Galileu, Déscartes, Hobbes, dentre outros,
culminaram num novo modelo de ciência7.
Neste contexto, Hobbes buscou deduzir logicamente e a partir de
evidências equivalentes às definições de geometria, suas conclusões acerca da
legitimidade do Estado e do poder soberano, afirmando ser esta a única forma de se
conceber uma verdadeira ciência política apartada de opiniões radicadas nas
paixões humanas8.
Para Bobbio, aquilo que Hobbes diz para justificar sua posição
contra o direito comum é muito importante, tanto que pode ser considerado como o
direito precursor do positivismo jurídico9.
5 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 26-27 6 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 32. 7 LUPI, Andre L. P. B. O papel da Tópica para a hermenêutica jurídica. p. 11.
8 LUPI, Andre L. P. B. apud Hobbes. O papel da Tópica para a hermenêutica jurídica. p. 11.
9 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 34.
17
A partir do raciocínio de Pufendorf, teve-se o fenômeno da
sistematização, que pressupôs um sistema fechado e dedutivo para o direito, o qual
Puchta o assumiu como um todo lógico e piramidalmente estruturado10.
Com efeito, Bobbio afirmou que dois caracteres típicos podiam ser
encontrados na definição positivista do direito, a saber, o formalismo e o
imperativismo11:
Formalismo: Na definição não se faz referência nem ao conteúdo,
nem ao fim do Direito: não se define o direito nem com referência às ações que estão disciplinadas ao conteúdo de tal disciplina (não se diz, por exemplo, que o direito regulamenta as relações externas, ou intersubjetivas), nem com referência aos resultados que o direito deseja conseguir (não se diz que ele é constituído pelas normas postas para realizar a paz, ou a justiça, ou o bonum commune). Vice-
versa, a definição do direito é dada apenas com base na autoridade que põe as normas, e portanto com base num elemento puramente formal.
Imperativismo: O direito é definido como um conjunto de normas
com as quais o soberano ordena ou proíbe dados comportamentos aos seus súditos. O Direito, portanto, é um comando. Também para Hobbes se verifica aquilo que observamos anteriormente, segundo o que a concepção positivista do direito está estreitamente ligada à concepção absolutista do Estado.(grifou-se)
Destarte, constata-se que o positivismo jurídico teve como grande
característica uma evolução histórico cultural que derivou, concomitantemente, da
monopolização da produção normativa por parte dos estados modernos e do
movimento racionalista tipicamente iluminista, o qual, no ramo do saber jurídico,
buscou substituir o acumulo de normas por um direito puramente sistematizado e
deduzido através da razão, cuja legitimação se daria através da Lei e representou o
desenvolvimento extremo do racionalismo mediante o movimento pela codificação12.
Daí resulta, como implicância, os dogmas da onipotência do
legislador e da completitude do ordenamento jurídico, cuja solução adotada pelo
positivismo jurídico é o fato de que o juiz deve sempre encontrar a resposta para
todos os problemas jurídicos no interior da Lei, visto que nela estão contidos aqueles
10 LUPI, Andre L. P. B. O papel da Tópica para a hermenêutica jurídica. p. 15.
11 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37 12
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 55.
18
princípios que, através da interpretação, permitem individualizar uma disciplina
jurídica para cada caso13.
Já ao final do século XIX e início do século XX, Kelsen reivindicou
para a ciência jurídica a semelhança da lógica e da matemática alhures mencionada,
mediante um objeto puramente ideal, restringindo-a ao simples campo do
racionalmente necessário14, onde buscou atribuir ao direito um status puramente
científico e apartado de todo e qualquer outro ramo do conhecimento, consoante
colhe-se do seguinte raciocínio:
Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura, isto é, purificada de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica de seu objeto. (...) elevar a Jurisprudência (...) à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. (...) aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda ciência: objetividade e exatidão15.
Tecidas estas considerações acerca do positivismo jurídico como
método científico do cartesianismo, passamos a analisar suas principais
características jurídicade relevância para a presente pesquisa.
1.1. O PAPEL DO CARTESIANISMO PARA O CONHECIMENTO CIENTÍFICO: BREVES CONSIDERAÇÕES
A consequência do cartesianismo, considerando a verdade como
algo alcançável mediante um único método, fez com que todos os ramos do saber
que destoassem de tal construção perdessem a credibilidade. Com efeito, o
conhecimento rigoroso, aquele que conduz à verdade, é apenas um, qual seja, o
científico16.
Desta premissa, tem-se que o conhecimento matemático, portanto,
nos conduziu a um conhecimento verdadeiramente conclusivo, donde o espírito
deveria extrair todas as providências possíveis para satisfazer plenamente a si
mesmo, de maneira que a filosofia cartesiana teve como base as regras do método,
13 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 74. 14
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 48. 15
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. XI p. 16
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 45.
19
que teve por finalidade descrever a maneira como o espírito pensa e daí estender a
todos os conhecimentos humanos o método matemático17.
Este modelo hegemônico de racionalidade que conduziu e conduz a
ciência moderna emergiu a partir da revolução científica do século XVI, a qual
ganhou, posteriormente, um maior destaque em seu desenvolvimento dentro das
ciências naturais. Uma das pretensões deste método racional científico consistiu
numa ideia de globalidade, porquanto as formas de conhecimento que não se
pautassem pelos seus princípios epistemológicos deveriam ser veementemente
negadas18.
Já no século XIX, este modelo racionalista científico passou a ser
estendido para as ciências sociais emergentes, o qual até admitia variedades
internas de acordo com as peculiaridades, contudo, por intermédio de fronteiras
devidamente policiadas, uma vez que o senso comum e os chamados estudos
humanísticos, dentre eles os jurídicos, eram vistos como potencialmente
perturbadores e intrusos19.
Para Vico, o método cartesiano não poderia ser utilizado em alguns
aspectos da vida humana em decorrência da fundamental importância desta e por
isso recusou veementemente sua extensão para todas as demais ciências20, como
pretendiam os seus entusiastas.
Contudo, cientes de que o pensamento aristotélico e medieval que
dominou o paradigma científico até a revolução do século XVII não primava
unicamente por uma objetividade lógica dos fatos do mundo e da vida, os
protagonistas do novo paradigma passaram a rejeitar todas as formas de
dogmatismo e de autoridade21.
As longas cadeias de razões dedutivas que os geômetras se
utilizavam para chegar às difíceis conclusões levaram os precursores do
cartesianismo a crer que todas as coisas que pudessem incidir no conhecimento
17 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. Ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2009. 13 p. 18
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 21. 19
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 21. 20
ROESLER, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciência humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc . 21
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 23-24
20
humano poderiam ser deduzidos da mesma maneira, uma vez que fazia-se
fundamental observar a ordem necessária das coisas para deduzi-las umas das
outras, pois somente os matemáticos puderam encontrar conclusões dentro de
razões certas e evidentes, raciocínio perfeitamente aplicável aos demais ramos do
saber para se buscar a verdade sem se iludir com falsas razões22.
Com base nestes pressupostos o conhecimento científico avançou
pela observação descomprometida e livre, sistemática e tanto quanto possível
rigorosa dos fenômenos naturais23, posto que, conforme assinala Santos24:
O rigor científico refere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante.
Destaca-se que ao invés da filosofia especulativa ensinada nas
escolas até o contexto da revolução cientifica25, o conhecimento geométrico calcado
no paradigma cartesiano mostrava que era possível se chegar a conhecimentos
mais úteis à vida, uma vez que permitiria se encontrar, mediante o rigoroso
conhecimento dos elementos naturais, uma filosofia prática que poderia ser
empregada aos demais ramos do saber capazes de tornar o homem senhor e
possessor da natureza26.
Claudia Rosane Roesler, ao mencionar Pera, afirma que após uma
série de expressivos sucessos, este componente epistêmico começou a desintegrar-
se sob o peso de sua própria construção, de maneira que as teses que continuaram
sendo defendidas para sustentar o paradigma cartesiano podem ser relacionadas,
esquematicamente, de modo a compreender que existe um universal e preciso
método que demarca a ciência de outras disciplinas intelectuais; que a aplicação
rigorosa desse método garante a realização dos propósitos da ciência e, por fim, que
22 DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 36. 23
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 25. 24
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 27. 25
Aqui, Déscartes referia-se aos ensinamentos proporcionados pela escolástica. 26
DÉSCARTES, René. O discurso do método. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 103-104
21
se a ciência não possuir um método não poderá ser considerada um esforço
cognitivo e racional, ou seja, esta foi a denominada síndrome cartesiana27.
Deste modo, a natureza teórica do conhecimento científico decorreu
dos pressupostos epistemológicos e das regras metodológicas acima referidas, pois
com vistas a prever o comportamento futuro dos fenômenos, segundo estas regras,
o conhecimento causal é que impulsionaria a formulação de Leis conforme as
regularidades objetivas e racionais do cartesianismo28.
Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matéria e dos
fenômenos é uma máquina perfeitamente determinada pelas operações exatas das
leis físicas e matemáticas, tornada cognoscível por intermédio do racionalismo
cartesiano por vias dos elementos que o constituem, do qual decorreu, aliás, a
pretensão de utilitarismo e funcionalismo, que no plano social, podemos mencionar o
estado positivo de Augusto Comte29.
Da mesma forma, assim como foi possível desvendar as Leis da
natureza, igualmente se chegaria à satisfatória descoberta das leis da sociedade,
pois o prestígio mecanicista da ordem das leis converteu a ciência moderna no
modelo de racionalidade hegemônica, que pouco a pouco passou a ser trasladado
do estudo da natureza para as ciências sociais, das quais Bacon, Vico e
Montesquieu foram os grandes precursores, de maneira que este ultimo estabeleceu
a relação entre as leis do sistema jurídico e as leis da natureza, o que
posteriormente veio a condensar-se no positivismo oitocentista30.
Das constatações acima aludidas, pode se inferir que as bases para
o positivismo jurídico foram lançadas diretamente pela denominada síndrome
cartesiana, que impulsionada pelo movimento racionalista iluminista, impregnou
posteriormente todos os demais ramos do conhecimento, o que no direito viu-se
através da monopolização da produção normativa por parte dos estados modernos,
conforme alhures mencionado.
27 ROESLER, Claudia Rosane. Theodor Viehweg e a ciência do Direito: Tópica, discurso, racionalidade.
Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 35. 28
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 29. 29
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 30-31 30
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. Ed., São Paulo: Cortez, 2008. p. 32-33
22
Montesquieu, considerado o pai da teoria dos três poderes e um dos
maiores expoentes iluministas, estabeleceu um vínculo entre as ciências empíricas e
particularmente com a física newtoniana ao definir a lei como relação necessária que
deriva da natureza das coisas, ou seja, ele fez uma analogia ao sistema de leis
naturais para fundamentar uma uniformidade na variação dos comportamentos e
formas de organizar os homens tal como é possível estabelecer as leis que regem
os corpos físicos, afirmando que igualmente as leis que regem os costumes e as
instituições são relações que derivam da natureza das coisas31.
Mas o principal objeto de Montesquieu foi a lei positiva, pois uma vez
incorporada a teoria política ao campo das ciências, bem como criadas leis e
instituições, diferentemente dos outros seres, os homens teriam a capacidade de se
furtar às leis da razão, as quais deveriam reger suas relações através de leis escritas
e costumes destinados a canalizar os seus próprios comportamentos32.
Portanto, o espírito das leis foi definitivamente o objeto de
Montesquieu, na medida em que buscou aproximar as relações entre as leis
positivas e as diversas coisas da natureza como a dimensão do estado, a
organização da economia, dentre outros, porquanto tentou explicar a permanência e
modificações das instituições humanas a partir das leis da ciência política33.
Tecidas estas considerações acerca da epistemologia científica
cartesiana, mormente voltada para o campo das ciências sociais, passamos a
discorrer acerca do positivismo jurídico como ramo do conhecimento científico
influenciado pelo cartesianismo.
1.2. O POSITIVISMO JURÍDICO COMO RAMO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Para darmos continuidade ao raciocínio tido como premissa nos
itens anteriores e manter a linha de raciocínio até aqui empreendida quanto à
epistemologia do conhecimento científico para o direito, até porque o positivismo
jurídico, por si só, denota uma ampla corrente que extravasa as fronteiras do
31 WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o
federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 115. 32
WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 115. 33
WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 115.
23
meramente científico, e com vistas a não pecar em prolixidade, delimitaremos a
questão positivista, neste item, ao seu caráter científico normativista, destacando as
teorias imperativista da norma e do ordenamento jurídico, ambos corolários lógicos
culminantes no problema da interpretação, conforme adiante veremos.
Segundo Bobbio, o positivismo jurídico como teoria do direito pode
ser dividido em sete partes, quais sejam, como modo de abordar34; como definição
do direito35; fontes do direito; teoria da norma36; teoria do ordenamento jurídico37;
método da ciência jurídica como problema da interpretação e por fim, como teoria da
obediência38.
Partindo-se destas premissas e com vistas a lançar bases para o
debate acerca da teoria científica da interpretação do direito, da divisão de Bobbio
acerca da teoria do direito positivo imitaremos sua análise neste capítulo à teoria da
norma, do ordenamento jurídico e ao método da ciência jurídica como problema da
interpretação, pois muito embora os demais tenham relevante importância e venham
a ser ventilados de forma acessória na pesquisa, na medida do necessário, aqueles
três estão intrinsecamente relacionados com o objeto da mesma.
Com efeito, ao traçar um parâmetro histórico do positivismo jurídico,
Bobbio o precisou, provisoriamente, como sendo aquela doutrina segundo a qual
não existe outro direito se não o positivo, este a ser entendido, de maneira bem
específica, como sendo o direito posto pelo poder soberano do Estado mediante
normas gerais abstratas, o qual decorreu diretamente do impulso histórico para a
exclusividade da lei como fonte exclusiva do direito, a exemplo das grandes
codificações ocorridas entre o fim do século XVIII e o início do século XIX39.
Daí a importância de se conceber este contexto histórico do
positivismo jurídico, posto que uma de suas principais características deriva do
34 Segundo Bobbio, o positivismo jurídico responde ao problema da abordagem ao considerar o direito como um
fato e não como um valor. op cit., p. 131 35
Para o autor, o juspositivismo define o direito em função do elemento da coação, de onde deriva a teoria da coatividade. (BOBBIO, 1995) 36
O positivismo jurídico considera a norma como um comando, formulando a teoria imperativista do direito (BOBBIO 1995) 37
O positivismo jurídico sustenta a teoria da coerência e da completude do ordenamento jurídico. (BOBBIO 1995) 38
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 119. 39
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 119.
24
fenômeno da monopolização da produção jurídica ocorrida na Europa continental a
partir da formação do Estado moderno40, conforme ventilado no primeiro item.
Neste passo, e considerando a impregnação cartesiana, concluiu-se
que assim como a ordem do universo repousava em leis naturais, universais e
imutáveis, a prevalência à lei como fonte do direito o compreendeu como
ordenamento racional da sociedade, cujo nascedouro poderia repousar tão somente
em comandos de normas gerais postas pelo poder soberano da sociedade, pois, se
o homem podia controlar a natureza através da renovação das leis, igualmente seria
capaz de transformar a sociedade mediante leis racionalmente postas pelo próprio
homem41.
Logo, os atos humanos são coordenados como um fim consciente
através das normas jurídicas do mesmo modo o qual as células se subordinam às
leis do organismo, uma vez que o mundo orgânico natural obedece, igualmente, a
um fim42, ao passo que as normas jurídicas surgem necessariamente de um anseio
da sociedade, consoante leciona Miguel Reale43:
Quando uma determinada norma, econômica ou moral, passa a ser considerada essencial “pela massa das consciências individuais”, e se generaliza uma atitude de repulsa contra toda e qualquer violação de uma norma social, então a norma passa a ser norma jurídica. O que distingue a norma jurídica é, pois, a adesão da massa dos espíritos, o consenso do maior número, a convicção de que ela é tão necessária aos fins da solidariedade social que a todos parece natural vê-la munida de proteção coercitiva do Estado
A partir do monopólio da produção jurídica, o direito passou a ser
constituído por um conjunto sistemático de normas racionalmente deduzidas e feitas
valer por intermédio da lei44.
A era denominada de Direito racional (1600 a 1800), contexto o qual
a ciência moderna ascendeu, conforme bem ponderado no item referente ao
40 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 26-27. 41
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 119-120. 42
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 77-78. 43
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 78. 44
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 55.
25
cartesianismo, caracterizou-se pela influência dos sistemas racionais na teoria
jurídica45.
A entrada em vigor do Código Napoleônico de 1804 na França
representou um grande marco para a ciência do direito, uma vez que este Estatuto
teve uma ampla repercussão no pensamento jurídico e produziu uma grande e
fundamental influência no pensamento do direito tanto na era moderna quanto
contemporânea46.
As necessidades práticas da sociedade moderna cada vez tornadas
mais complexas exigiam mais e mais soluções técnicas para os conflitos sociais, os
quais estão na base do desenvolvimento das doutrinas jurídicas47, consoante
assinala Ferraz Júnior48:
É nesse momento que surge o temor que irá obrigar o pensador a indagar como proteger a vida contra a agressão dos outros, o que entreabre a exigência de uma organização racional de ordem social. Daí, consequentemente, o desenvolvimento de um pensamento jurídico capaz de certa neutralidade, como exigem as questões técnicas, conduzindo a uma racionalização e formalização do direito. Esta formalização é que vai ligar o pensamento jurídico ao chamado pensamento sistemático
O termo sistema, considerado por Lambert como mecanismo, partes
ligadas umas às outras independentemente, assim como um organismo,
representou o ideal clássico da ciência moderna e sob esta influência que a teoria
jurídica europeia passou a receber um caráter lógico-demonstrativo de um sistema
fechado, ou seja, numa teoria que devia legitimar-se perante a razão por meio da
exatidão lógica da concatenação de suas proposições, raciocínio este que vem
dominando desde então os códigos e os cabedais jurídicos conferidos por
intermédio de uma metodologia especial atribuída ao direito49.
45 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 41-42. 46
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 63. 47
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 42. 48
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 42. 49
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 42-43.
26
O princípio da certeza do direito consubstanciou-se como corolário
quase lógico do paradigma racionalista instrumental que emergiu da premissa e do
dogma da separação dos poderes, uma vez que limitava a criatividade do interprete
da lei a um mero protagonista da vontade do legislador, o que motivou muitas
gerações de juristas adeptas ao positivismo jurídico50.
No que tange à teoria do ordenamento jurídico, ou sistema jurídico, a
unidade do direito, segundo os positivistas, corresponde uma mera unidade formal,
relativa ao modo pelo qual as normas são postas51, do qual decorrem os dogmas da
coerência e da completitude do ordenamento jurídico, ambos intrinsecamente
ligados entre si52.
1.2.1 O dogma da Onipotência do Legislador
Outra forte característica do positivismo jurídico é relacionada com o
denominado dogma da onipotência do legislador, que aliás, implica igualmente no
dogma da completitude do ordenamento jurídico, este a ser estudado mais adiante
quando da teoria do ordenamento jurídico.
O dogma da onipotência do legislador implica no raciocínio de que o
juiz deve sempre encontrar resposta para todos os problemas no espírito da lei53, ou
seja, os juízes são a boca que pronuncia as palavras da lei54.
Conforme assinalou Montesquieu, a teoria da equipotência, por ele
denominada, consistiu na separação dos três poderes, no qual o mesmo considerou
como condição primordial para a sobrevivência do Estado de Direito, donde a ideia
de equivalência consistia no fato de que as três funções, legislativa, executiva e
judiciária, deveriam ser dotadas de igual poder55.
50 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. O positivismo jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1452, 23 jun.
2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10060>. Acesso em: 14 jan. 2012. 51
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. 199 p. 52
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 202. 53
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 74. 54
WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. 119 p. (nesta passagem, particularmente, citando Montesqueu) 55
WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 119.
27
Montesquieu buscou na estrutura sistemática bicameral do
parlamento britânico a subdivisão dos três poderes, do qual um poder teria que
necessariamente servir de controle para o outro, de forma harmônica e moderada,
sem contrariar um ao outro, afirmando, ainda, que por intermédio da onipotência do
legislador o judiciário seria um poder nulo, ou seja, um mero porta-voz das palavras
do legislador56.
Desta forma, com a codificação mencionada alhures que dominou os
séculos XVIII e XIX, a mentalidade dos juristas contemporâneos passou a ser
dominada pelo princípio da autoridade, onde a vontade do legislador era expressa
de modo seguro e completo aos juristas, os quais bastavam ater-se ao ditado pela
autoridade soberana do legislador para uma satisfatória aplicação do direito57.
1.2.2 Caráter avalorativo do direito como ciência
Outra característica importante que não podia deixar de ser
destacada acerca do positivismo jurídico como ramo do conhecimento científico,
consiste na ideia de que toda a metafísica deveria ser banida do mundo da ciência
jurídica, a qual deveria restringir-se rigorosamente aos fatos e às leis desses fatos
empíricos, porquanto, somente os fatos sensíveis seriam suscetíveis de
conhecimento científico por intermédio da lógica e da matemática devidamente
comprovados pela via da experimentação, assim como e juntamente com as leis58.
Com efeito, o positivismo jurídico como ramo do conhecimento
científico foi levado a um status de verdadeira e adequada ciência, com as mesmas
características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais, donde decorre
como uma das principais características a avaloratividade, que na distinção entre
juízos de fato e juízos de valor, este ultimo deveria ser rigorosamente banido do
56 WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montequieu, Rousseau, “o
federalista”. 13 ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 119. 57
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 79. 58
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 46-47.
28
campo científico, posto que a ciência consiste somente em juízos de fato59,
consoante aponta Larenz60:
Dado que a sua primeira e mais impressiva preocupação era excluir da ciência do direito a questão de um sentido ou de um valor com validade objetiva, o positivismo já foi precisamente classificado como uma orientação espiritual sobretudo negadora, como um negativismo (WELZEL). Todavia, não deve esquecer-se o ethos científico que determinou, frequentemente, a atitude do positivista: do positivista que considera as ideias eternas ou os valores absolutos como inatingíveis racionalmente e, por isso, receia fazer afirmações ou pressuposições indemonstradas. Esta humilde científica do positivista não exclui que ele tenha para si valores ou exigências éticas; só que os remete para o mundo das crenças pessoais e das convicções morais sobre os quais, do seu ponto de vista, não é possível um enunciado científico. Ele não nega, por exemplo, que a exigência de justiça valha para a consciência de cada um, mas é de opinião de que ela não é passível de conhecimento científico e de que, portanto, não constitui um princípio de uma ciência juspositivista. Quando muito, pode reconhecer a vivência da justiça como um fato antropológico que, enquanto tal, não pode nunca ser eliminado do pensamento jurídico (BRUSIIN); mas a ideia de justiça é que não chega a ser para ele um princípio cognitivamente objetivável, um princípio com validade universal e que, deste modo, possa ter relevância para o conhecimento do direito positivo (KELSEN). (grifos no original)
Desta forma, a ciência exclui do seu próprio âmbito os juízos de
valor com vistas a se tornar um conhecimento puramente objetivo, uma vez que
estes não passam de meros juízos subjetivos e pessoais e consequentemente
contrários à exigência da objetividade, na medida em que a ciência estuda o direito
como fato e, portanto, deve ser banida toda qualificação que se funda em definições
do direito como bom ou mau, justo ou injusto61.
Logo, a concepção formal do direito define portanto o direito
exclusivamente em função da sua estrutura formal, prescindindo completamente do
seu conteúdo, ou seja, considera somente o que é produzido e não o que ele
estabelece62.
59 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 135. 60
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 46. 61
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 135-136. 62
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 145.
29
Por fim, com base em tais considerações acerca do positivismo
como ramo da ciência, estava configurado um dos caminhos para uma ciência no
estilo moderno dentro de um espírito empírico-analítico num sentido não tão rigoroso
como o de Déscartes ou Galileu, mas num sentido efetivamente pragmático de que
todas as hipóteses a serem comprovadas pelo crivo da ciência tornar-se-iam viáveis
pelo paradigma da experiência científica63, consoante lição de Ferraz Júnior64:
Com isso, fica aberta a trilha para que as situações sociais ali prescritas, com todas as suas condicionantes racionais, possam ser imaginadas como possíveis de existir como certas condições empíricas. Desse modo, a teoria jurídica consegue transformar o conjunto de regras que compõe o direito em regras técnicas controláveis na comparação das situações vigentes com as situações idealmente desejadas. Modifica-se, assim, seu estatuto teórico. Não é mais nem contemplação, nem manifestação de autoridade, nem exegese à moda medieval, mas capacidade de reprodução artificial (laboratorial) de processos naturais. Ela adquire, assim, um novo critério, que é o critério de todas as técnicas: sua funcionalidade.
Diante deste quadro revolucionário da ciência moderna, conforme
demonstrado, o direito foi igualmente influenciado por este movimento, tendo seu
ponto mais culminante no início do século XX em Kelsen, a ser estudado mais
adiante, quando tal modelo entra numa notória crise que culminará numa contra-
ofensiva dos seus opositores, naquela que ficou conhecida como a chamada
“batalha dos métodos” ou methodenstreit para os alemães65.
Com vistas a incrementar a pesquisa ainda no âmbito positivista,
como forma de bem delimitar sua sistemática, passamos a analisar a teoria do
ordenamento jurídico.
63 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 45 64
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 45. 65
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 133.
30
1.3 A TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
A análise acerca da teoria do ordenamento jurídico será procedida
com vistas a identificar o seu caráter sistemático conforme a teoria do positivismo
jurídico.
Segundo Bobbio, esta teoria como característica do positivismo
jurídico sustenta a teoria da coerência e da completitude, cuja primeira pretendia ver
no sistema somente uma norma válida para cada caso, rejeitando a antinomia, ao
passo que a segunda afirma que das normas do ordenamento, explícita ou
implicitamente, o juiz pode sempre extrair uma regula decidendi para resolver
qualquer caso que lhe seja submetido, excluindo assim a existência de lacunas66.
Vimos da teoria dos três poderes de Montesquieu que pela vontade
do poder legislativo é fixado o direito que deve reger determinada sociedade, poder
este que resulta da expressão da vontade do povo, sendo que, do Poder Judiciário,
verificou-se que este deve somente dizer o direito, mas não elaborá-lo, concepção a
qual nos leva a concluir por uma visão estritamente legalista, onde a passividade do
juiz satisfaz a necessidade social de segurança jurídica, a qual aproxima
logicamente o direito das ciências67.
Para esclarecer bem a questão relacionada às definições de
ordenamento jurídico e seus demais conceitos operacionais, mais uma vez se
recorrerá a Bobbio, o qual afirmou, em sua obra, que Savigny preferiu formular o
termo unidade para indicar coerência e o termo sistema para indicar ordenamento,
uma vez que este ultimo foi melhor elaborado pelo cientista do direito68, conquanto,
ambas serão utilizadas para prosseguimento da pesquisa.
Dito isso, confere-se que da teoria do ordenamento jurídico buscou-
se construir um sistema dedutivo na finalidade de aplicação do direito por intermédio
do juiz mediante uma operação de natureza impessoal, de maneira análoga a um
cálculo algébrico69, consoante leciona Perelman70:
66 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 133. 67
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 32. 68
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 202. 69
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 33.
31
Temos aqui uma tentativa de aproximar o direito quer de um calculo quer de uma pesagem, seja como for de algo cuja tranquilizadora exatidão deveria poder proteger-nos contra os abusos de uma justiça corrompida como a do antigo regime.
[...]
A doutrina devia limitar-se, nesta concepção do direito, a transformar o conjunto da legislação vigente em um sistema de direito, a elaborar a dogmática jurídica que forneceria ao juiz e aos litigantes um instrumento tão perfeito quanto possível, que conteria o conjunto das regras do direito, do que tiraríamos o maior do silogismo judiciário.
A teoria do direito na era moderna tenta aperfeiçoar-se a partir da
qualidade de sistema, que por intermédio de premissas, constrói silogisticamente
sua validade que repousa numa generalidade racional que, em nome de princípios
reconhecidos por esta mesma razão, torna-se um instrumento crítico da realidade
por intermédio do rigor lógico da dedução e o sentido crítico do direito71, uma vez
que:
A ideia de sistema significa o desabrochar de uma unidade numa diversidade, que desse modo se reconhece como algo coeso do ponto de vista do sentido. No entanto, essa unidade que o sistema há-de exprimir pode pensar-se de duas maneiras diferentes e alcançar-se, por conseguinte, por caminhos diferentes. Pode se pensar, antes de tudo, à maneira da unidade de um organismo – como uma totalidade significa que habita a diversidade e que só nela e com ela se manifesta. O Caráter orgânico do instituto jurídico e da sua unidade, de que Savigny fala no sistema, também só assim pode ser compreendido. A outra maneira em que a unidade pode pensar-se é a do conceito geral abstracto, limpo de tudo que haja de particular, sendo a este tipo de unidade que conduz a lógica formal72. (grifos no original)
Portanto, para se constituir em um instrumento perfeito, o sistema
jurídico deveria ter todas as propriedades exigidas de um sistema formal, a um só
tempo completo e coerente73.
Com efeito, para que um sistema axiomático formalizado fosse
definitivamente isento de qualquer ambiguidade, ou seja, coerente, a linguagem
artificial elaborada em lógica formal exigiria uma certa univocidade de seus signos,
bem como de seus processos, posto que se o sistema efetivamente é completo, ele
70 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 33.
71 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 44. 72
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 22. 73
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 33.
32
deve oferecer condições de formular cada proposição em sua linguagem e se é
coerente, deve ser impossível demonstrar dentro dele a negação de uma
proposição74.
Conforme bem ponderou Carnelutti, a relação entre coerência e
completitude do ordenamento jurídico pode apresentar dois vícios para o direito,
quais sejam, um por excesso de normas, o que culmina na antinomia da qual
somente uma pode permanecer no sistema e que resulta, consequentemente, na
incoerência, e o outro por deficiência ou falta de normas, o que acaba por culminar
na lacuna, sendo que no primeiro caso o trabalho do jurista consiste na purgação do
ordenamento jurídico e no segundo em colmatar o próprio sistema75.
Não obstante, o sistema não deixa de ser comparável a um círculo
que acaba por se assemelhar a uma pirâmide conceitual determinada pelos
princípios da lógica formal, sendo que o ideal deste sistema lógico é atingido quando
no vértice se coloca o conceito mais geral possível, de maneira que todos os demais
conceitos definidos como espécies e subespécies venham a subsumirem-se entre si,
sempre do geral para o particular76.
Conforme a denominada geneologia dos conceitos, o conceito
supremo codetermina os demais conceitos por intermédio do seu conteúdo mediante
uma cadeia de que se deduzem todos os outros conceitos, conquanto, o problema é
saber de onde se procede o conteúdo desse conceito supremo, que para Puchta,
procederia da filosofia do direito77.
Ao indagar acerca da legitimidade e autorização do poder para por
as normas como forma de fechar o sistema, Bobbio responde afirmando que este só
pode ser fechado por intermédio de uma norma fundamental que venha a ocupar a
base do ordenamento jurídico, de maneira a conferi-lo unidade formal78.
Desta feita, verificou-se que a teoria do ordenamento jurídico como
característica do positivismo jurídico repousa na teoria da coerência da completitude,
74 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 33.
75 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 202. 76
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 22. 77
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 25. 78
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 202.
33
onde o primeiro culmina diretamente no problema da antinomia, e o segundo no
problema das lacunas do direito, que agregados ao problema do conteúdo da norma
fundamental como forma de fechar o sistema, demonstram os problemas com os
quais positivismo jurídico deparou-se diante da pretensão de alcançar-se uma
verdadeira ciência aos moldes da ciência moderna.
De qualquer forma, Puchta foi quem induziu a ciência jurídica do seu
tempo a seguir as diretrizes de um sistema lógico dedutivo aos moldes de uma
pirâmide conceitual formal79, o que mais tarde foi aprimorado por Hans kelsen.
1.4 A TEORIA IMPERATIVISTA E O CRITÉRIO DE VALIDADE DA NORMA
Vimos, a propósito do início deste capítulo, que uma das principais
caracteres típicas encontrados na definição positivista do direito seria o
imperativismo da norma, uma vez que o direito é definido como um conjunto de
normas com as quais o soberano ordena e proíbe dados comportamentos aos
destinatários desta norma80, a qual está intrinsecamente relacionada à teoria do
ordenamento jurídico, estudada no item anteiror.
Pois bem, uma grande dificuldade que o positivismo jurídico
encontrou decorreu em grande parte de uma confusão entre dois estudos da
realidade social, quais sejam, da realidade como é e realidade como deve ser, bem
como da inadequada redução do fato à norma ou vice-versa e, por fim, da confusão
entre juízos de fato e juízos de valor81.
A mencionar Stammler, Reale aduz que este autor se manteve fiel à
Escola de Marburgo ao afirmar que o dever ser deveria ser entendido como uma
forma e conceitos lógicos que integram o máximo possível de multiplicidade de
relações sociais, sem nenhum dado efetivamente representativo da experiência, ou
seja, meramente abstrato e tipicamente positivista82.
79 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 23.
80 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37. 81
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 135. 82
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 143.
34
Dentre as várias tentativas empreendidas no sentido de caracterizar
o direito por meio de um elemento jurídico normativista, Bobbio considerou quatro
critérios essenciais, quais sejam, o critério formal, material, critério do sujeito que
põe a norma e por fim, o critério do sujeito ao qual a norma se destina83.
A questão da estrutura da norma jurídica está diretamente
relacionada com a função do direito, que é ordenar a vida em sociedade e assim
orientar a conduta de seus membros e o funcionamento de suas instituições e é por
intermédio da norma que procura garantir-lhe eficácia ao atribuir-lhe consequências
negativas ou punitivas à sua violação ou, ainda, positivas com relação a seu
cumprimento84.
Neste sentido, Bobbio afirma que a teoria imperativista da norma
jurídica está estreitamente vinculada à concepção legalista estatal do direito, cuja
expressão maior é a que considera o estado como única fonte do direito por
intermédio do poder normativo da lei como única expressão do direito, esta por sua
vez, positivada mediante a estrutura de um comando85.
Com efeito, afirma que o imperativismo da norma se subdivide em
positivo mediante comando e negativo mediante proibição, porquanto, ambos
relacionam-se diretamente com a razão de obedecer ao comando pelo seu valor
formal como manifestação da vontade do superior, diferentemente, por exemplo, de
um conselho, o qual possui um mero valor substancial86.
Cavalcanti, por sua vez, afirma que a norma jurídica depende
sempre da existência de disposições no sentido de impor alguma ação ou abstenção
para o seu destinatário, ou seja, aquele a quem a ação ou abstenção é imposta87.
Para Bobbio, os destinatários da norma podem ser denominados de
sujeitos passivos, o que implica logicamente em afirmar a existência de um sujeito
ativo, sendo o ativo aquele que dá o comando por intermédio da autoridade, que lhe
é delegada, a constranger o sujeito passivo à obediência, ao passo que este
83 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. São Paulo: Edipro, 2011. p. 22.
84 MONTORO, André Franco, Estudos de filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 206.
85 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37. 86
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 184-187. 87
CAVALCANTI, Arthur José Faveret. A estrutura lógica do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 11.
35
consiste no sujeito destinatário da norma, que encontra-se em posição de obrigação
em relação ao comando normativo, cuja razão de obedecer decorre estritamente do
seu valor formal decorrente da manifestação da vontade do superior88.
Neste ponto, Tércio Sampaio Ferraz Junior afirma que do ponto de
vista prescritivo, as normas são imperativos ou comandos de uma vontade
institucionalizada apta a comandar, porquanto, encontra-se numa relação de
vontades no sentido de obrigar ou proibir através do poder coercitivo daquela que é
vontade mais forte89.
Com efeito, comandar é caracteristicamente exercer autoridade
sobre homens mediante o respeito pela autoridade suprema por parte dos
destinatários da norma, pois sempre que houver um sistema jurídico, deverá haver
homens ou um corpo de homens que emitam essa ordens, cuja obediência deverá
ser observada coercitivamente90, consoante leciona Hans Kelsen91:
Se a coerção, no sentido descritivo, é um elemento essencial do direito, então as normas que formam uma ordem jurídica devem ser normas que estipulam um ato coercitivo, uma sanção. Em particular, as normas gerais devem ser normas nas quais certa sanção é tornada dependente de certas condições, sendo esta dependência expressada pelo conceito dever ser.
Neste sentido, o conceito de dever jurídico refere-se exclusivamente
a uma ordem jurídica positiva e não tem qualquer espécie de implicação moral92.
Não obstante, as normas não só prescrevem ou proíbem uma
determinada conduta, não só a autorizam, como também atribuem competência
mediante delegação ao emprestar competência a um determinado órgão ou
indivíduo para produzir o direito93, dentre outras ramificações deônticas que formam
o sistema, mas que não constituem objeto da pesquisa.
88 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 183-184. 89
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 74-75. 90
HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 4. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005. p. 31. 91
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado e do Direito. 4. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 62. 92
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 131. 93
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 132.
36
Contudo, um dos principais aspectos da norma consiste no seu
critério de validade, o qual é de suma importância para a pesquisa, uma vez que
com o critério de validade foi que o positivismo jurídico buscou determinar os limites
do direito em relação à moral e à política94.
Ademais, para que a coerência autoprodutiva-normativa do sistema
seja mantida, é necessário que o topo do sistema seja ocupado por uma norma
suprema cuja validade das demais normas dela dependam, pois para que se forneça
um efetivo conceito autônomo do direito, ou seja, apartado da moral e da política95, a
validade assume a seguinte noção:
Para isso, assume como uma categoria central a noção de validade, que lhe permite excluir a justiça e a eficácia, como critérios identificadores do jurídico. Pelo recurso à noção de validade, o direito é reconduzido a si mesmo, dado que a validade é uma qualidade jurídica, determinada pelo próprio direito positivo96.
Neste sentido, a norma fundamental ganha relevo como sendo uma
condição lógico-transcendental do conhecimento jurídico, porquanto, Kelsen
empreende este raciocínio na preocupação com a constituição de uma ciência do
direito e epistemologia jurídica97, consoante assinala Barzotto:
Quando a categoria da validade é utilizada para os ordenamentos estatais modernos, dizer que uma norma é válida é afirmar que ela foi produzida em conformidade com uma norma do sistema. A validade, tomada como existência jurídica da norma, é irredutível à eficácia (plano dos fatos) e à justiça (plano dos valores). A validade de uma norma depende somente da conformidade com a norma que regula sua produção. Remontando de norma a norma, atingimos uma norma suprema (norma fundamental em Kelsen, norma básica em Ross, regra de conhecimento em Hart), que dá início a todas as séries normativas que compõem o sistema.
Ou seja, o que dá validade à norma jurídica é a relação de criação
entre a norma superior e a norma inferior, esta regulada diretamente por intermédio
daquela mediante uma relação de hierarquia, o que constitui unidade ao sistema
mediante o processo de criação, cujo caráter Kelsen definiu como sendo de caráter
94 BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart.
São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 21. 95
BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 22. 96
BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 24. 97
BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 27.
37
dinâmico, sendo este finalizado por uma norma fundamental e mais superior, cuja
supremacia do fundamento de validade da ordem jurídica integral constitui sua
unidade98.
Por fim, vale mencionar que a norma fundamental como um dos
mais importantes conceitos em Kelsen coexiste mediante uma dupla função, quais
sejam, a de ordem epistemológica e a de ordem ontológica, sendo que a pesquisa
neste capítulo restringir-se-á à ordem epistemológica, a qual busca a condição
lógico transcendental de possibilidade do conhecimento jurídico99, o que será mais
detalhado adiante em Kelsen.
1.5 MÉTODO DA CIÊNCIA JURÍDICA E O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO
De modo a compreender a atividade científica do jurista, o método
da ciência jurídica ou problema da interpretação, aqui a ser concebido mediante a
interpretação, integração, construção e criação do sistema, encontrou grandes
dificuldades dentro da teoria positivista, uma vez que este método, que sustenta
uma teoria da interpretação mecanicista mediante a prevalência do elemento
declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito, foi o ponto escolhido pelos
adversários do positivismo para desencadear uma verdadeira contra-ofensiva ao
modelo positivista100.
Logo, empregando uma imagem moderna, poderíamos dizer que o
juspositivismo considera o jurista uma espécie de robô ou calculadora eletrônica101.
Kelsen buscou definir os limites da interpretação dentro do
positivismo jurídico subdividindo-a em interpretação autêntica e doutrinária, sendo
aquela a interpretação dada ao texto da lei por autoridades competentes, e esta
98 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado e do Direito. 4. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p. 181. 99
BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. p. 41. 100
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 133. 101
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 133.
38
desenvolvida pela doutrina alienígena à legitimidade estatal, que tem por
característica, por exemplo, opinar, ou, emitir um parecer acerca do direito102.
O debate que é colocado em cheque por Kelsen consiste na
possibilidade em se obter uma teoria cientifica da interpretação jurídica que permita
falar essencialmente em verdade, não em fantasia ou falácia, pois ao emitir uma
sentença o juiz deverá determinar o sentido e o alcance da norma jurídica e assim
produzir um enunciado normativo mediante o ato de decidir, diferentemente da
interpretação doutrinária, cuja opinião não tem força vinculante como a do órgão
competente103.
Para Bobbio, na atividade relativa ao direito podem ser distinguidas
duas etapas, quais sejam, um momento ativo ou criativo do direito e um momento
teórico ou cognoscitivo, tendo este sua principal manifestação na própria ciência do
direito ou jurisprudência e aquele sua manifestação tipicamente na legislação 104.
É no segundo de tais momentos que reside o ponto mais atacado
pelos antipositivistas, visto que os positivistas defendem a ideia de que a atividade
cognoscitiva consiste numa atividade meramente declarativa, reprodutiva, passiva e
contemplativa de um direito preexistente e posto pelo legislador como objeto já
dado, ao passo que os antipositivistas defendiam uma atividade criativa e produtiva
de um novo direito mediante um conhecimento ativo do objeto que o próprio
interprete contribui para produzir105, consoante bem elucida Bobbio106:
O positivismo jurídico é, realmente, acusado de sustentar uma concepção estática da interpretação, que deveria consistir somente na reconstrução pontual da vontade subjetiva do legislador que pôs as normas, sem se preocupar em adaptar estas ultimas às condições e exigências histórico-sociais variadas, como faz, ao contrário, a interpretação evolutiva sustentada pela corrente antipositivista
102 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado e do Direito. 4. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p. 387-388. 103
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 227-228. 104
Aqui, o conceito de jurisprudência deve ser entendida como sinônimo de ciência do direito, decorrem de uma assimilação historicamente produzida e refletem uma generalizada aceitação da ideia de que aquilo que o jurista faz é ciência [...](ROESLER, 2004) 105
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 211. 106
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 213-214.
39
Neste ponto, a questão consiste em determinar o sentido das
normas, bem como o correto significado dos seus textos e intenções, tendo como
finalidade a decidibilidade prática dos conflitos no sentido de não apenas conhecer o
texto, mas também definir-lhe a força e o seu alcance em conformidade com os
dados atuais do problema com base na norma enquanto diretivo para o
comportamento107.
Neste sentido, assinala Larenz108:
A interpretação da lei é um processo de duplo sentido, em cujo decurso se conforma a situação de facto definitiva enquanto enunciado, a partir da situação de fato em bruto, atendendo às proposições jurídicas potencialmente aplicáveis, e se precisa o conteúdo das normas a aplicar, atendendo mais uma vez à situação de facto, tanto quanto seja necessário. Interpretar é uma atividade de mediação, pela qual o interprete traz à compreensão o sentido de um texto que se lhe torna problemático.(grifos no original)
No que tange à questão da plurivocidade dos sentidos a que podem
ser atribuídos à norma, Kelsen afirma que esta questão foge da questão
epistemológica do direito, porquanto a interpretação científica é pura determinação
cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, visto que a interpretação jurídico
científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer possíveis significações de
uma norma jurídica e, por estas razões, deve deixar a decisão entre as
possibilidades por si mesmas reveladas ao órgão competente para aplicar o
direito109:
Na medida em que, na aplicação da lei, para além da necessária fixação da moldura dentro da qual se tem de manter o ato a pôr, possa ter ainda lugar uma atividade cognoscitiva do órgão aplicador do direito, não se tratará de um conhecimento do Direito positivo, mas de outras normas que, aqui, no processo da criação jurídica, podem ter sua incidência: normas de moral, normas de justiça, juízos de valor sociais que costumamos designar por expressões correntes como bem comum, interesse do Estado, progresso, etc. Do ponto de vista do direito positivo, nada se pode dizer sobre a sua validade e verificabilidade. [...] São determinações que não resultam do próprio
Direito positivo110.
107 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 221. 108
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 22. 109
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 395-396. 110
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 393.
40
Ao questionar os métodos procedimentais racionais do positivismo
jurídico no que tange à equivocidade (vagues e ambiguidade da norma) da
plurivocidade dos sentidos normativos, Ferraz Junior acusa os positivistas,
especialmente Kelsen, de falsearem resultados e ultrapassarem as fronteiras da
ciência em nome de uma pretensa cientificidade, porquanto cabe à ciência jurídica
descrever o fenômeno da interpretação em seus devidos limites, e neste ponto é que
os positivistas deveriam admitir a hipótese de que o doutrinador não pode,
efetivamente, chegar a uma conclusão verdadeira mediante o método lógico-
dedutivo111.
Neste ponto, o autor menciona que Kelsen mediante uma analogia a
um texto final de um de seus contemporâneos de Viena, afirmou que o que não se
pode falar, deve-se calar, e que desta declaração pode se inferir que o que a ciência
jurídica não pode descrever, deve omitir112.
Destarte, resta evidente, outrossim, que o juspositivismo possui uma
concepção formalista da ciência jurídica, pois prima pelas formas mediante
conceitos jurídicos abstratos e a deduções puramente lógicas que se possam fazer
com base nestes conceitos, mascarando a verdadeira realidade social dos conflitos
que o direito regula, os quais deveriam, segundo os antipositivistas, guiar o jurista na
sua atividade113.
Esta ciência construtiva e dedutiva do direito recebeu usualmente o
nome de dogmática do direito, que consistia na elaboração de conceitos
fundamentais, extraídos da base do próprio ordenamento jurídico, não sujeitos à
revisão ou discussão114.
111 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 229. 112
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 229. 113
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 221. 114
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 220.
41
1.5.1. O Papel da Escola da Exegese para o positivismo jurídico
Importante esclarecer, que o presente capítulo restringe-se ao
positivismo jurídico como ramo do conhecimento científico e, não obstante este
fenômeno ter sido estudado por doutrinadores do mundo inteiro, a exemplo da
Escola Analítica na Inglaterra e outras escolas, nos restringiremos a expor o
positivismo jurídico europeu-continental. É neste particular que a escola da exegese
assume grande relevo, na medida em que a França foi considerada o berço do
positivismo jurídico115.
A Escola da exegese se propôs a realizar os objetivos inerentes aos
ideais da revolução francesa, no sentido de reduzir o direito à lei de um modo mais
particular por intermédio do Código de Napoleão116, consoante Norberto Bobbio117:
A escola da exegese deve seu nome à técnica adotada pelos seus primeiros expoentes no estudo e exposição do código de Napoleão, técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo por artigo, do próprio Código.
Esta concepção foi fiel à doutrina da separação dos três poderes e
identificava o direito estritamente com a lei, confiando aos tribunais a missão de
aplicar a lei aos fatos numa relação de causa e efeito como consequência jurídica
em conformidade com o sistema de direito em vigor, porquanto uma vez
estabelecidos os fatos, bastava formular o silogismo judiciário donde a premissa
maior deveria ser fornecida pela regra de direito respectiva e premissa menor nas
condições diretamente subsumíveis à premissa maior, sendo a decisão dada pela
conclusão do silogismo118, concepção esta da escola, aliás, intrinsecamente
relacionada com o formalismo científico:
Entende-se por formalismo científico a concepção da ciência jurídica que dá relevo predominantemente à interpretação lógico sistemática de preferência teleológica; segundo a concepção formalista da interpretação (característica da escola da exegese), as concretas regula decidendi são extraídas da norma legislativa,
desconsiderando a finalidade perseguida por esta, o conflito de
115 MAGALHÃES, Oscar José Echenique. O positivismo jurídico no século XIX na França e na Inglaterra.
Pelotas: Revista do Direito. 27-57, 2000. p. 27. 116
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 31. 117
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 83. 118
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 32-33.
42
interesses que se deve dirimir e assim por diante, mas essencialmente com base numa operação de caráter lógico119.
Para Norberto Bobbio, os fundamentos que justificam o advento da
escola da exegese e que, igualmente, legitimam suas características são cinco,
quais sejam, pelo fato da codificação, que serve de parâmetro para resolver as
controvérsias; a mentalidade dos juristas, dominados pelo princípio da autoridade; a
terceira, que aliás, pode ser considerada como justificativa jurídica à fidelidade ao
código é a doutrina da separação dos poderes; princípio da certeza do direito,
segundo o qual somente com o exato conhecimento prévio das consequências de
seu comportamento pode o direito ter um critério seguro de conduta e, por fim, um
denominado de natureza política decorrente das pressões exercidas pelo regime
napoleônico120.
A Escola da exegese foi, portanto, uma das forças mais influentes do
positivismo jurídico, na medida em que buscou estabelecer uma diretriz global para
a interpretação do Código de Napoleão mediante todas as propriedades exigidas de
um sistema formal, a um tempo só, completo e coerente121, porquanto o princípio da
autoridade é contemplado e pronunciado pelo absoluto respeito que os expoentes
tem pela lei122.
1.6. A TEORIA PURA DO DIREITO
Kelsen inicia sua obra a Teoria Pura do Direito estabelecendo um
limite acerca do objeto da ciência do direito, afirmando que seu objetivo não é fazer
política jurídica, mas sim aproximar tanto quanto possível os seus resultados do
ideal de toda ciência: objetividade e exatidão123.
Desta forma, Kelsen reivindica para a ciência jurídica, à semelhança
da lógica e da matemática, um objeto puramente ideal, restringindo-a ao simples
campo do racionalmente necessário124.
119 BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 146. 120
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 78-81 121
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 31-33. 122
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 89 123
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. XI. 124
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 23.
43
A primeira metade do século XX foi dividida por um debate que
discutiu o status científico da ciência jurídica, onde de um lado encontrava-se a
corrente positivista mais radical, a qual afirmava a cientificidade, sistematicidade,
bem como a presença exclusiva dos métodos da ciência moderna calcada modelo
axiomático dedutivo ao direito e, de outro lado, aqueles que procuravam atribuir ao
direito um caráter mais aberto com base no denominado modelo retórico125, o que
será objeto do próximo capítulo.
Com efeito, a teoria pura do direito buscou apartar o direito de todo e
qualquer campo estranho à ciência jurídica, como a ética, a sociologia, a psicologia,
pois seria uma teoria verdadeiramente do direito positivo e não de uma ordem
jurídica em especial e, por esta razão, quer única e exclusivamente e tão somente
conhecer o seu objeto respondendo a seguinte indagação: o que é e como é o
direito?126
Kelsen procura responder a esta questão afirmando
categoricamente127:
Na definição evidente de que o objeto da ciência jurídica é o direito, esta contida a firmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou consequência, ou – por outras palavras – na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas. Pelo que respeita à questão de saber se as relações inter-humanas são objeto da ciência jurídica, importa dizer que elas também só são objeto de um conhecimento jurídico enquanto relações jurídicas, isto é, como relações que são constituídas através de normas jurídicas.
Kelsen declara que o direito para ser entendido como Direito Positivo
deve pertencer a um domínio do dever ser como produto normativo, o que vale, por
si só, sem nenhuma orientação prática da conduta, ou seja, trata-se de uma lógica
apartada do eticamente finalista128.
Afirma ser a teoria jurídica científica subdivida em estática e em
dinâmica, onde esta tem por objeto o processo jurídico em que o direito é produzido
125 ROESLE, Cláudia Rosane. A caracterização das Ciência humanas para Vico e Hobbes: Subsídios para
pensar o saber jurídico. Disponível em: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/vico.doc. 126
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 1. 127
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 79. 128
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 154.
44
e aplicado em seu literal movimento, ao passo que aquela tem por objeto o direito
como um sistema de normas em vigor, ou seja, no seu momento estático129.
Por outro lado, ao fazer uma analogia entre a relação de causa das
ciências naturais e a ciência jurídica, Kelsen define como princípio da imputação
aquele determinado pela ordem jurídica ao destinatário da norma, porquanto na
ciência jurídica o princípio da imputação obedece a uma proposição normativa, ao
passo que na natural obedece a uma causa descritiva do objeto, sendo que ambas
ligam entre si dois objetos, cuja ordem jurídica repousa no universo do dever ser
mediante uma proposição jurídica a ser produzida através de uma norma
estabelecida pela autoridade jurídica130.
Todavia, para Miguel Reale este dever ser não se refere a uma
ordem de realidade, tampouco a uma ordem de valores concretos, uma vez que,
assim como as figuras geométricas são concebidas prescindivelmente à uma exata
correspondência no plano físico, as regras de direito se assemelham a figuras
geométricas limitadas ao âmbito da idealidade normativa, sem nenhuma
correspondência com os atos e as atitudes antrópicas, quedando-se exagerada a
doutrina de Kelsen neste sentido131.
Desta forma, observa-se que Kelsen, ao buscar definir o objeto da
ciência pura do direito, afasta como metajurídica toda a consideração sobre o justo,
social, político, etc. e, com esta sua ambição em definir o objeto da ciência jurídica,
acaba por marcar um apogeu da corrente positivista, atingindo seu ponto extremo de
generalidade conceitual e da abstração sistemática, o que, inequivocamente, passa
exigir deste modelo uma revisão de seus próprios pressupostos conceituais132.
De qualquer forma, a relação entre proposição do dever ser jurídico
direcionado ao destinatário da norma mediante o princípio da imputação pode ser
assim resumido:
Na medida em que a ciência jurídica em geral tem de dar resposta à questão de saber se uma conduta concreta é conforme ou é contrária
129 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
p. 79. 130
KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 85-87. 131
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 155. 132
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 155.
45
ao Direito, a sua resposta apenas pode ser uma afirmação sobre se essa conduta é prescrita ou proibida, cabe ou não a competência de quem a realiza, é ou não permitida, independentemente de merecer a sua aprovação ou desaprovação133
Para Kelsen, como vimos, o Direito está todo no domínio do dever
ser e entre ser e dever ser ele não vê ponto de contato134.
Outro crítica importante tecida ao raciocínio de Kelsen reside no
ponto em que o autor busca fundamentar a validade das normas jurídicas através de
uma técnica que está de acordo com a totalidade do sistema, que culmina mediante
sucessivas referibilidades numa normal fundamental hipotética, a qual,
diferentemente das demais normas do sistema, não é posta, mas sim pressuposta135.
Segundo Reale, com essa teoria da norma hipotética fundamental,
de que esta é pressuposta, Kelsen busca mascarar duas orientações divergentes
que o induziriam à quebra de sua coerência tecnicista, quais sejam, a de recorrer a
um princípio de direito natural (ser), e de fundamentar a ordem jurídica sobre um
puro fato sociológico, psicológico ou econômico, uma vez que admitir tal
questionamento seria abandonar o positivismo jurídico e admitir um critério
metafísico para o âmbito do Direito136.
Dentre os positivistas, Kelsen foi quem mais buscou um conceito
autônomo de direito de modo mais explícito, pois como fenômeno social, o direito
delimitar-se-ia mediante o conceito de validade da norma, que ocupando o topo da
pirâmide normativa, subsidia todas as demais normas de forma concatenada dentro
do sistema, de forma a direcionar, tecnicamente, ao destinatário da norma a sua
conduta por intermédio da máxima axiomática do dever ser137.
133 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
p. 89. 134
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 168. 135
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 168/169 p. 136
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 170 p. 137
BARZOTTO, Luís Fernando. O positivismo Jurídico Contemporâneo; uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unissinos, 1999. 21 p.
46
2 A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO: AS TEORIAS
DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E O PÓS-POSITIVISMO
Como visto no capítulo anterior, o positivismo jurídico como ramo do
conhecimento científico tem como fortes características o formalismo e o
imperativismo normativo, pois em decorrência da influência do modelo moderno de
ciência para dentro das ciências sociais buscou-se identificar as peculiaridades do
comportamento humano para daí deduzir regras de conduta postas unicamente pelo
poder soberano estatal no que tange à ciência do direito.
O positivismo jurídico, apresentado segundo o raciocínio de Hans
Kelsen mediante um sistema hierarquizado de normas, se opunha a qualquer teoria
do direito natural ao negar qualquer filosofia dos valores e buscava eliminar do
direito qualquer referência à ideia de justiça, ideologia dominante até o fim da
Segunda Guerra Mundial138.
A teoria pura do direito, portanto, demonstrou-se incapaz de fornecer
qualquer diretriz no sentido de orientar o intérprete no momento de escolha do
sentido a ser dado à norma na aplicação ao caso particular, ou seja, não existe
razão prática, pois a interpretação kelseniana resume-se a um processo decisório
por meio do qual o intérprete, mediante um ato de vontade, escolhe os sentidos
possíveis conforme o texto normativo (método subsuntivo) o que impede o jurista de
ver além da descoberta dos sentidos literais possíveis para o texto legal139.
Segundo Miguel Reale, a partir da Segunda Grande Guerra Mundial
os sistemas jurídicos modernos passaram a apresentar como característica uma
grande e crescente luta contra o formalismo jurídico, pois a partir de um repúdio às
soluções puramente abstratas, a tendência que se percebe é de cada vez mais
correlacionar as soluções jurídicas com a realidade social concreta na qual vive os
indivíduos e grupos140, conforme pode-se conferir da seguinte lição:
138 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 91.
139 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na
argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais. ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100. 140
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. XVIII.
47
Não resta dúvida que, enquanto perdurou o primado da filosofia positiva, como atitude geral englobante de várias orientações afins, como as de Comte, Spence ou Stuart Mill, houve certa correlação ou correspondência entre as idéias dominantes e a atitude do jurista, o qual, na esfera particular de sua ciência, procurava obedecer aos critérios metodológicos vigentes nos demais ramos do conhecimento; mas não é menos certo que a atividade positivista, no seu afã de objetividade estrita, levava o jurista a exacerbar o culto dos textos legais, com progressiva perda de contato com a realidade e os valores ideais141.
Segundo Perelman, as concepções modernas do direito e do
raciocínio judiciário desenvolvidas após o contexto da ultima guerra mundial,
constituem uma forte reação contra o positivismo jurídico, principalmente pelos
aspectos da escola da exegese, vista alhures, que interpretava os textos legais
consoante a vontade do legislador, e da concepção analítica dedutiva do direito142,
sendo oportuno mencionar o professor Técio Sampaio Ferraz Jr. neste ponto no que
tange à plasticidade de que são dotadas as normas, diferente do que propunha à
escola da exegese:
A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. Ou seja, a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de decidibilidade de conflitos com base na norma enquanto diretivo para o comportamento143.
Nesta esteira, já no fim do século XIX começou-se a perceber a
existência de um conflito entre os fatos e os códigos, pois pode-se dizer que cessou,
como por encanto, “o sono dogmático” dos “técnicos do direito” e as cogitações
filosófico-jurídicas reconquistaram a perdida autonomia144.
Desta forma, a crise do direito demonstrou-se como um aspecto
relevante decorrente da crise geral da civilização contemporânea, de maneira que os
141 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. 2-3.
142 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 91.
143 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 221. 144
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. 5.
48
fenômenos ideológicos e o violento impacto das ciências sobre a sociedade
discreparam ainda mais o significado problemático e contingente das estruturas
jurídico-formais145.
Os fatos que sucederam na Alemanha a partir de 1933,
demonstraram que não há como identificar o direito com a lei, porquanto não há
como desprezar certos princípios que, muito embora não estejam positivados
expressamente na lei, impunham-se a todos aqueles de modo a compreender que o
direito é também a expressão de valores, dentre os quais figura o primeiro plano de
justiça146.
No embalo desta contra ofensiva ao positivismo jurídico, constatou-
se que na aplicação do direito é necessário observa-se a existência de valores e
princípios pré e pós-legislador, ou seja, antes, durante e após a criação da lei, esta,
por sua vez, que acaba por atingir uma maturidade na interpretação com a prática
judiciária, deixando de ser, o raciocínio jurídico, uma simples dedução silogística,
mas também, uma constante busca por parte do juiz de uma solução equitativa para
o caso concreto em conformidade com o direito justo e socialmente aceito147.
Neste ponto, é importante destacar que o movimento que se inicia a
partir do contexto do pós-guerra como forma de repudiar as meras técnicas de
resultados científicos para o direito, irá também primar por aquele que Giambattista
Vico denominou, ainda no século XVIII, de o saber dos antigos, cuja sua
recomendação, a retórica, guarda em si as verdades ricas em consequências
práticas que requerem do consenso sabiamente obtido um parecer verdadeiro do
senso comum dos cidadãos que debatem publicamente148.
Outro ponto importante a ser destacado no contexto pós positivista,
é justamente os crescentes movimentos sociais de camadas mais abastadas da
sociedade até então, porquanto sindicatos, associações, dentre outros seguimentos
passaram igualmente a revindicar direitos daqueles que, de certa forma, vinham
sendo renegados pela sistemática liberal positivista, culminando num pluralismo de
145 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 1994. p. 6.
146 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 95.
147 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 113-114.
148 ROESLER, Cláudia Rosane. Theodor Viehweg e a Ciência do Direito: Tópica, discurso, racionalidade.
Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 22.
49
forças sociais que passaram a integrar as fontes da produção normativa, seja por
intermédio de seus representantes nos parlamentos, seja até mesmo por
movimentos extra parlamentares149, o que pode ser compreendido, inclusive, como
direito de terceira dimensão segundo definição de Bobbio.
Logo, tornou-se necessário resgatar a substância da lei, bem como
encontrar instrumentos capazes de permitir sua limitação e conformação aos
princípios de justiça e mais do que isso, colocar esta lei substancial num patamar
hierárquico superior, a teor do que passaram a ocupar as constituições modernas150,
o que será objeto do próximo capítulo.
Antes porém, de adentrar no papel que as constituições passaram a
exercer no contexto pós-positivista, necessário se faz um breve cotejo dos
movimentos que impulsionaram a ascensão pós positivista e consequentemente a
denominada força normativa das constituições modernas, a teor, inclusive, do que
igualmente foi denominado de neoconstiucionalismo, conforme veremos.
Neste contexto, a revolução pós positivista também implicou em uma
nova quebra de paradigma, substituindo o velho princípio da legalidade formal pelo
princípio da estrita legalidade ou da legalidade substancial151, o que passa a ser
demonstrado mediante alguns expoentes do movimento pós positivista.
A partir do declínio do positivismo jurídico e do contexto jurídico
metodológico até aqui demonstrado, é que, com fundamento na retórica aristotélica,
o conceito de racionalidade prática passa a ser resgatado, mormente por intermédio
de dois autores que tiveram papel marcante nessa virada, quais sejam, Theodor
Viehweg e Chaim Perelman, os quais consideravam que o direito possui uma
estrutura tópica, uma vez que o método lógico sistemático quedou-se insuficiente
149 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. p. 44. 150
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 46. 151
FERRAJOLI, Luigi. Derechos Fundamentales. Los fundamentos de lós derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2001. p. 53.
50
para descrever o processo de descoberta de uma decisão juridicamente adequada a
partir de um caso prático152, o que passa ser verificado.
2.1. O RESGATE DA TÓPICA E A NOVA RETÓRICA PÓS 1945: A ERA DOS
VALORES
Viehweg inicia sua única obra, Tópica e Jurisprudência, partindo da
seguinte indagação acerca do método científico para o direito: Qual melhor e mais
correto método de estudo? O modelo calcado na física moderna ou a retórica dos
antigos? Partindo desta indagação, o autor busca extrair as ideias fundamentais da
obra de Giambattista Vico denominada de De nostre temporis studiorum ratione,
traduzida de “O caráter dos estudos do nosso tempo”, para daí demonstrar a
estrutura dos dois pensamentos, bem como analisar qual o papel da tópica para a
ciência do direito153.
Viehweg buscará refutar a dinâmica cartesiana para dentro direito ao
afirmar que o raciocínio do jurista partiria do problema para o sistema, não o inverso,
conforme a lógica formal dedutiva proposta pelo modelo positivista, uma vez que o
direito não estaria fadado a uma lógica que dependesse tão somente da máxima
axiomática de um sistema fechado e completo154.
Este modelo mostrou-se insuficiente para atender as peculiaridades
dos casos concretos, os quais inevitavelmente demandam uma justificação
discursiva que necessita partir de certos topoi (“pontos de vista” geralmente aceitos
por todas as pessoas razoáveis que lidam com o direito) úteis para garantir sua
plausibilidade155.
Para Viehweg, a tópica pode ser caracterizada por três elementos
aparentemente ligados entre si, quais sejam, do ponto de vista do seu objeto uma
152 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na
argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100. 153
ROESLER, Claudia Rosane. Theodor Viehweg e a ciência do Direito: Tópica, discurso, racionalidade. Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 15-16. 154
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100. 155
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100.
51
técnica de pensamento problemático, do ponto de vista do instrumento com que
opera a posição central da noção de topos ou lugar- comum e, por fim, do ponto de
vista do tipo de atividade, que consiste em uma busca e exame de premissas, estas
por sua vez detentoras de um maior grau de ênfase do que as próprias
conclusões156.
Vico foi quem chamou atenção de Viehweg para o problema das
consequências do modelo moderno de ciência para dentro do direito, bem como do
abandono da tópica na estrutura do direito, pois analisando os métodos, estilo e
instrumentos da ciência, destacou que Vico afirmara que a tópica, herança dos
antigos, partiria do verossímil e provável, ao passo que o método cartesiano visara
uma sistematização dedutiva perfeita a partir de premissas verdadeiras e
evidentes157, que não poderia ser aplicado no campo do direito158.
A denominada retórica dos antigos foi uma disciplina que ficou
consagrada durante o período Greco-romano por intermédio de notórias obras como
as de Cícero, Arístoteles e Quintiniano, cujo declínio foi fortemente impulsionado no
século XVI, desaparecendo totalmente dos estudos e programas de ensino
secundário. Para Aristóteles, a retórica caracteriza-se por ser a arte de procurar, em
qualquer situação, os meios de persuasão disponíveis, ou seja, seu objeto é o
estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou aumentar a adesão das
massas às teses apresentadas a seu assentimento159
A tópica representa um estilo de linguagem da qual parte de
pensamentos e pontos de vista em comum para o debate problemático, ou seja, ela
é a balizadora do exercício comunicacional na medida em que representa um
recurso linguístico pela via dos lugares comuns, de ideias e pensamentos
consensualmente aceitos e admitidos pelos integrantes do debate e da comunidade
jurídica160, consoante se extrai da lição de Ferraz Jr161:
156 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 51.
157 ROESLER, Claudia Rosane. Theodor Viehweg e a ciência do Direito: Tópica, discurso, racionalidade.
Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 16-17. 158
ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 51. 159
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 142. 160
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 458. 161
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 304.
52
Os pontos de vista referidos, chamados loci, topoi, lugares comuns,
constituem pontos de partida de séries argumentativas, em que a razoabilidade das opiniões é fortalecida. Como se trata de séries argumentativas, o pensamento tópico não pressupõe nem objetiva uma totalidade sistematizada. Parte de conhecimentos fragmentários ou de problemas, entendidos como alternativas para as quais se buscam soluções. O problema é assumido como um dado, como algo que dirige e orienta argumentação, que culmina numa solução possível entre outras.
A tópica aristotélica, que Viehweg pretende reabilitar no direito, trata-
se de um hábito de produzir uma decisão razoável de forma justa e prudente, tendo
como fio condutor o caso concreto e os pontos de vista socialmente aceitos, a teor
de valores como o de justiça, não se tratando de uma mera episteme ou hábito
demonstrativo vinculado exclusivamente à relação de causa e efeito162.
A tópica, portanto, representa uma prudência a ser desenvolvida
dialeticamente pelos protagonistas do debate jurídico, pois ponderando os
argumentos diversos das partes o juiz deverá levá-los em conta e decidir-se pelo
mais adequado ao caso de modo a fundamentar sua sentença, de sorte que a tópica
oferece uma forma de pensar o problema, caso a caso, e não uma absoluta resposta
científica163.
Para Perelman, a lógica formal mediante a prova demonstrativa é
mais que persuasiva, pois é convincente na medida em que a validade da
demonstração só garantirá a verdade da conclusão desde que se reconheça a
verdade da premissa que se parte, a respeito das quais nenhum debate era possível
em se tratando de lógica formal dedutiva164.
Com efeito, uma das principais e declaradas finalidades de
Perelman foi a de combater o pensamento e o modelo axiomático dedutivo e assim
declarar guerra ao positivismo, pois muito embora admitisse a importância e a
necessidade do desenrolar dedutivo para as decisões judiciárias, fez questão de
destacar que a necessidade de se verificar a atividade de definição do conteúdo das
premissas do raciocínio jurídico, demonstra-se uma atividade complexa para o juiz,
162 VIEHWEG, Theodor Tópica e jurisprudência, p. 53-54. apud BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o
conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 99-100. 163
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 460. 164
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 142.
53
de sorte que não há como a lógica do direito resumir-se à mera técnica subsuntiva
ou dedutiva165.
Como salienta Atienza, a tópica toma como ponto de partida não um
primum verum, e sim o verossímil, o sentido comum, e o desenvolve mediante um
tecido de silogismos e não mediante longas deduções em cadeia166.
Logo, ao decidir mediante o caso concreto, o juiz deve observar
critérios não só estabelecidos na lei, mas como também critérios políticos,
econômicos e sociais, mediante sensos humanos socialmente institucionalizados,
sobretudo calcados em experiências, valores, provas e discursos167.
Desta forma, a problemática de Viehweg resume-se ao denominado
caso difícil, o qual é representado por toda questão que aparentemente permite mais
de uma resposta, mas que sempre exigirá um entendimento preliminar que
fundamentará uma única resposta como solução, a depender de sua plausibilidade
na resolução da questão, ou seja, parte-se do problema para uma seleção de
sistemas, o qual neste contexto guarda uma característica de sistema aberto, onde o
núcleo da solução dependerá do próprio problema168, o que acaba por tornar a
interpretação, a ser desenvolvida dentro do estilo tópico, indispensável para o
pensamento jurídico de modo a garantir a permanência de uma ordem jurídica,
garantindo-se uma evolução na interpretação169.
A respeito, assinala Técio Sampaio Ferraz jr.170:
Como técnica de pensamento, a tópica (material e formal) leva a argumentação judicial a um jogo eminentemente assistemático, em que se tem observado ausência de rigor lógico, impossibilidade de redução das decisões a silogismos etc. Ressalta-se, ao contrário, o uso abundante das distinções, das redefinições de velhos conceitos, das analogias, das interpretações extensivas, das retorsões, das ironias, da exploração técnicas das ambiguidades, das vaguezas, das presunções, tudo conforme a boa retórica.
165 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 466.
166 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 48.
167 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 467.
168 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 50.
169 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 305. 170
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 306.
54
Perelman afirma que a pretensa distinção e clareza das evidências
lógico-racionais impossibilitava qualquer discussão ou debate dentro do âmbito das
ciências, inibindo assim o manejo da linguagem171, o que define bem o problema em
relação à pretensão positivista do direito, consoante pode se inferir da seguinte
afirmação172:
Mas, assim que uma palavra pode ser tomada em vários sentidos, assim que se trata de aclarar uma noção vaga ou confusa, surge um problema de escolha e de decisão, que a lógica formal é incapaz de resolver; cumpre fornecer as razões da escolha para obter a adesão à solução proposta, e o estudo dos argumentos depende da retórica.
É neste ponto que podemos dizer que entra a importância dos
valores, os quais são objetos de acordo preferível na medida em que pressupõe
uma atitude sobre a realidade173, pois pretender que o julgador seja um mero tradutor
da verdade seria o mesmo que transformá-lo numa maquina silogística, posição esta
irreal, posto que onde existir fato e norma174, haverá instrumentos de maleabilidade
retórica, já que a verdade existente em controvérsias judiciais é inexistente e decorre
da apreciação de fatos expostos e retoricamente sustentados dentro da sistemática
normativa aceita pela comunidade jurídica175
O que caracteriza, portanto, uma forma de justificar uma hierarquia
de valores é o recurso a premissas de ordem geral consensualmente aceita
denominada de tópica, a qual pode servir de premissa para a argumentação e
constitui um aspecto da retórica176.
O problema consiste nas noções obscuras atribuídas aos valores
universais, estes por sua vez considerados por Perelman instrumentos de persuasão
por excelência, pois as noções valorativas buscadas fora do sistema formal são
relativamente obscuras, a exemplo do conceito de justiça, o qual é um dos valores
mais indefinido e confuso177, dentre muitos outros178
171 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 142.
172 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 142.
173 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 64.
174 Ver Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale.
175 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 468.
176 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 64.
177 Neste aspecto, ver “O que é Justiça” e “O Problema da Justiça” de Hans Kelsen.
178 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 65.
55
Percebe-se, portanto, que a preocupação de Perelman volta-se mais
para a prática jurídica, na medida em que procurou aproximar a teoria da prática e
assim distanciar o pretenso pensamento objetivo e puro da lógica formal, que como
visto alhures, por influência dos positivistas, foi trasladado para o campo do direito179,
conforme leciona Bittar180:
A nova retórica, portanto, abala os tradicionais conceitos insculpidos ao longo dos anos por uma forte tendência positivista que se instalou nos meios jurídicos. A anarquia da nova retórica provoca o jurista a não pensar em fatos dentro dos ditames da lei, mas a pensar os fatos como ocorrências suscetíveis de valoração, ao lado de normas suscetíveis de valoração... que se aconcheguem em argumentos favoráveis ou contrários aos interesses em jogo em determinada causa, mas que, de qualquer forma, se revelam por meio do discurso e da prática judiciária.
Uma crítica dirigida à obra de Viehweg Tópica e Jurisprudência,
dentre outras, que não foi objeto do trabalho, mas que dada a pertinência contextual
merece ser mencionada, consiste no fato de que a mesma trazia um cunho
demasiadamente impreciso e equivocado, uma vez que, tratando-se da noção de
problema, sua proposta quedou-se excessivamente vaga, pois a mera remissão a
problemas não bastaria para caracterizar de forma firme uma metodologia ou teoria
do direito181.
Do mesmo modo, outras críticas direcionadas ao modelo proposto
por Perelman, muito comum nesse campo movediço da Ciência do Direito, foram em
relação a falta de clareza com a qual buscou definir os conceitos centrais de sua
concepção retórica, visto que em razão da necessidade de se dar uma resposta ao
limite da obscuridade por ele apontada, se poderia criar uma verdadeira anarquia
retórica para dentro do campo jurídico182.
2.2 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
A propósito do que foi estudado nos itens anteriores, verificou-se
que a partir do contexto do pós guerra buscou-se atribuir ao pensamento do direito
179 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 469.
180 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 473.
181 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 53.
182 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 78.
56
um caráter mais aberto, mais passível de flexibilização normativa à argumentação
dos juristas, conforme o que foi verificado em Viehweg e Perelman.
A prática do direito inexoravelmente depende de argumentações e
da capacidade do jurista em construir bons argumentos, bem como de manejá-los
com habilidade183.
O ponto de partida da teoria da argumentação jurídica pode ser
definida como o tratamento dado às questões práticas pela ciência do direito a teor
do que dispõe seus comandos deontológicos como ordenar, proibir, permitir, o que
permite enquadrá-la como uma espécie do gênero argumentação prática geral, uma
vez que vinculada a uma série de instituições como a Lei, ao precedente, à
dogmática, conquanto, o que não representa necessariamente que tais vínculos
levam precisamente a um resultado em cada caso, e isso refere-se tanto a regras
quanto princípios184.
Para Atienza, a teoria da argumentação jurídica tem como objeto de
reflexão as argumentações produzidas em contextos jurídicos, os quais podem ser
distinguidos em três diferentes Campos, quais sejam, o da produção ou
estabelecimento de normas jurídicas, o da aplicação das normas jurídicas e o da
dogmática jurídica185.
O primeiro de tais campos, a diferenciação na argumentação,
acontece numa fase pré-legislativa e outra no momento propriamente legislativo, ao
passo que o segundo campo mencionado é levada a cabo pelos próprios juízes em
sentido estrito ou, ainda, por órgãos administrativos em sentido mais amplo numa
espécie de eficácia horizontal, entre particulares186.
Já o terceiro de tais campos, o da dogmática, sem dúvida resume-se
como sendo a atividade mais complexa do direito, uma vez que busca distinguir as
funções essenciais como: fornecer critérios para a produção do direito nas diversas
183 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 17.
184 CEZNE, Andréa Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: Uma análise comparativa das perspectivas de
Ronald Dworkin e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. p. 66. 185
ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 18-19. 186
ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 18-19.
57
instâncias em que ele ocorre; oferecer critérios para sua aplicação; ordenar e
sistematizar um setor do ordenamento jurídico, sendo que a teoria comum da
argumentação se ocupa igualmente das argumentações que a dogmática
desenvolve para cumprir a aplicação do direito187.
Trata-se de sistema de controle da decisão judicial, cuja produção
decorre do meio circundante da aplicação do direito e de qualquer forma repercute
no sistema, sendo neste ponto que a retórica desenvolve um papel fundamental
para o direito e teoria da argumentação, pois não há como construir o direito sem a
tomada de decisões por aqueles que decidem e raciocinam de modo a dar uma
resposta, a exemplo de um juiz numa sentença, que deve ser socialmente aceitável
e racionalmente justificada por intermédio da argumentação, independentemente do
grupo aderente à esta fundamentação188.
Para ser racional, o discurso decisório tem de está aberto à
possibilidade de questionamento189.
Para Atienza, existem dois momentos na filosofia da ciência, os
quais podem ser definidos em contexto de descoberta e contexto de justificação,
sendo o primeiro consistente na descoberta ou enunciado de uma teoria, que para a
opinião geral não é uma análise de tipo lógico e constitui tarefa para o sociólogo e
historiador da ciência, ao passo que o procedimento de justificativa consiste em
validar a teoria, ou seja, confrontá-la com os fatos a fim de mostrar sua validade
efetiva, procedimento este que tem como fio condutor a argumentação jurídica190,
consoante se infere do seguinte raciocínio191:
Em todo caso a distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação nos permite, por sua vez, distinguir duas perspectivas de análise das argumentações: a primeira seria a perspectiva de algumas ciências sociais, como a psicologia social, que esboçaram diversos modelos para explicar o processo de tomada de decisões a que se chega, em parte, mediante o uso dos argumentos.
187 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 19
188 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. 298 p. 189
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 299. 190
ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 20 191
ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 21
58
Com efeito, argumentar no direito tem o papel fundamental para o
desfecho das decisões, pois mediante técnicas persuasivas em consonância com o
contexto fático real que envolve a situação concreta, é dentro dos argumentos,
jurídicos e políticos, que a tese mais plausível encontrará sua validade, restringindo-
se ao contexto situacional do debate192.
O modelo de pensar sistemático, visto no capítulo anterior, baseia-se
numa ideia de totalidade e predominância, ao passo que o modo de pensar
problemático regula-se por problemas, não que deixe de existir o sistema, mas o
ponto central do debate tem como premissa o próprio problema, que passa a ser o
núcleo de seleção da pluralidade de sistemas existentes193.
A questão existente entre problema e sistema corresponde, como
reiteradamente mencionamos, no ponto da tomada de decisões mais aceitáveis em
conformidade com a justiça, e ai que o recurso às técnicas argumentativas mostram-
se fundamentais como fator motivacional da decisão, desde que em conformidade
com o direito em vigor de maneira a mostrar de que modo a lei se concilia melhor
como a solução dos casos particulares194.
Dentre as teorias que mais foram difundidas nas ultimas décadas
estão as de Neil MacCormick e Robert Alexy, sendo que a teoria do segundo, a ser
estudada mais adiante guarda maior conexão com o objeto da pesquisa, uma vez
que cuidaremos de princípios constitucionais mais adiante e, embora MacCormick
provenha do padrão jurídico anglo saxão, a sua teoria guarda semelhança com a de
Alexy, porquanto ambas, de certo modo, ficaram conhecidas como teoria padrão da
argumentação195.
Para MacCormick, a argumentação prática em geral, bem como
argumentação jurídica em particular, guardam uma função de justificação, inclusive
quando se fala em persuasão, ou seja, a questão é saber se os fatos em exame
estão em conformidade com as normas vigentes, pois pelo menos algumas
justificações que os juízes articulam são de caráter estritamente dedutivos e esta
192 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 300. 193
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 301. 194
PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 185-186. 195
ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118.
59
decisão prática terá que está sempre referida à premissas normativas, não
necessariamente que estas premissas estejam vinculadas tão somente a uma
cadeia de raciocínio lógico, mas também à norma como princípio196, consoante
Perelman:
Na concepção atual do direito, menos formalista, porque preocupada com a maneira pela qual o direito é aceito pelo meio regido por ele e que, por isso mesmo, se interessa pelo modo como uma legislação funciona na sociedade, é impossível identificar pura e simplesmente o direito positivo com o conjunto de leis e regulamentos, voltados e promulgados em conformidade com critérios que lhes garantem a validade formal. Pois pode haver divergências consideráveis entre letras dos textos, sua interpretação e sua aplicação; quando falamos da vida do direito, referimo-nos ao modo como um mesmo texto pôde ocasionar interpretações variáveis conforme as épocas197.
As concepções relativas à teoria da argumentação jurídica
apresentam uma grande relevância para a dogmática jurídica, muito embora as
teorias apresentadas até aqui sejam complexas o bastante ao ponto de deixarem a
desejar quanto ao seu desenvolvimento, contudo, resta inegável o seu papel
fundamental na abertura de um novo, ou relativamente novo, campo de
investigação, na medida em que foram as precussoras das atuais teorias da
argumentação jurídica198, a exemplo da de Robert Alexy.
De qualquer modo, vale destacar que os estudos sobre a teoria da
argumentação tiveram grande desenvolvimento nas ultimas décadas, na medida em
que passaram a constituir principais interesse da teoria e filosofia do direito
contemporâneas, podendo ser resumida, a atual teoria da argumentação, como a
versão contemporânea da velha questão metodológica do direito199 que há séculos
causam debates desta natureza.
2.3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O estudo acerca dos direitos fundamentais é de pontual importância
para a pesquisa, na medida em que grande parte da teoria dos princípios, a ser
estudada mais adiante, está diretamente relacionada à teoria dos direitos
196 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118.
197 PERELMAN, Chain. Lógica jurídica. Trad. Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, 142 p.
198 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118
199 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Madri: Landy, 2003. p. 118
60
fundamentais, as quais, conjuntamente com a teoria da argumentação, representam
elementos principais da escola pós-positivista, conforme se buscará demonstrar.
Em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, Robert Alexy inicia
afirmando que é possível formular as mais variadas teorias a respeito da temática,
desde históricas, as quais explicam o desenvolvimento dos direitos fundamentais,
passando pela sociológica e filosófica, esta por sua vez que se empenha em
esclarecer os fundamentos de tal direito. O autor busca desenvolver em sua obra
uma teoria jurídica geral dos direitos fundamentais200, o que se buscará resumir
neste item com ênfase ao contexto da pesquisa.
Ao mencionar a teoria dos direitos fundamentais na Constituição
Alemã, Alexy a define como sendo um catálogo de direitos fundamentais positivos
vigentes, donde decorre a distinção da teoria jurídica geral dos direitos fundamentais
das demais teorias desenvolvidas201.
Para Gilmar Ferreira Mendes, antes de se querer criar um status
normativo aos direitos fundamentais é necessário identificar seus contornos e limites
e a verdadeira dimensão do seu âmbito de proteção, porquanto não somente ao
legislador, mas também aos demais órgãos com poderes normativos, sejam judiciais
ou administrativos, cumpre a tarefa de realizar os direitos fundamentais202.
Os direitos fundamentais são, portanto, a um só tempo, direitos
subjetivos e objetivos, pois enquanto subjetivos outorgam a seu titular um direito de
exigir do soberano seu cumprimento na maior medida possível, ao passo que em
seu caráter objetivo representam um elemento fundamental da ordem constitucional
objetiva, elementos estes que, agregados às garantias individuais de ordem
subjetiva, formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de
Direito203, mormente em se tratando do contexto pós-positivista.
200 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2011. p. 31. 201
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 32. 202
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1. 203
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 3.
61
Para Dimoulis, os direitos fundamentais encontram-se no centro dos
interesses jurídico e político, sendo que tal teoria pode ser abordada sob três
enfoques, a saber, o retórico, o qual se observa uma forte tendência ao discurso
referente aos direitos fundamentais, mormente em tempos de totalitarismo, discurso
este que perde a utilidade após consolidação das estruturas liberais democráticas, o
segundo denominado de superficialmente democrático, na medida em que é
impossível satisfazer simultaneamente todos os direitos positivados pela
constituição, que muita das vezes ficam a mercê da legislação ordinária, e
finalmente enfoque jurídico constitucional, que para o autor parece ser o mais
adequado204.
Analisado, portanto, sob o seu prisma jurídico como oferecedora de
instrumento para resolver conflitos, o estudo dos direitos fundamentais pode ser
divido em três partes, quais sejam, da dogmática geral, a qual define os conceitos
básicos e a elaboração de métodos de harmonização dos direitos conflitantes, da
dogmática especial, que por sua vez analisa as dimensões de cada direito
constitucionalmente garantido, e por fim a própria teoria dos direitos fundamentais205,
já vistas nos dois primeiros parágrafos deste item.
Os direitos fundamentais, portanto, representam, de forma analítica,
um elemento integrativo do próprio direito, na medida que sua dogmática, enquanto
disciplina prática, visa uma fundamentação racional de juízos concretos a partir de
premissas normativas no próprio âmbito dos direitos fundamentais, o que vem a
exigir que o percurso entre normatividade e direitos fundamentais seja maximamente
acessível, na maior medida possível, a controle intersubjetivos206.
No mais, a teoria dos direitos fundamentais se ramifica por meio de
varias espécies de direitos subjetivos, como direitos de defesa, que visa assegurar a
esfera de liberdade individual do cidadão contra interferência ilegítima ou ilegal por
parte do Estado, como normas de proteção de institutos jurídicos como a liberdade,
204 DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. Jurisdição e Direitos
Fundamentais: Escola Superior da Magistratura, ano 2004-2005, vol I. . Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 71 205
DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In Jurisdição e Direitos Fundamentais: Escola Superior da Magistratura, ano 2004/2005, vol I. . Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 71-2 206
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 43.
62
a propriedade, a herança, o casamento, a igualdade, ambos institutos, dentre muitos
outros, tutelados, por exemplo, pela Constituição Brasileira de 1988207, ou ainda
mediante ações positivas, categoria esta que engloba direitos que permitem ao
indivíduo exigir do Estado sua atuação visando melhorar a sua condição de vida,
dentre outros direitos subjetivos208.
Deste modo, os direitos fundamentais podem ser espelhados
mediante quatro polos a serem considerados dentro de um ordenamento jurídico,
quais sejam, o status passivo, negativo, positivo e ativo, naquela que ficou
conhecida como teoria do status dos direitos fundamentais de Jellinek209
No status passivo o indivíduo é encontrado em razão de sua
sujeição ao Estado, no negativo tem a plena faculdade de discernir se quer ou não
exercer algum direito subjetivo, no positivo aquele direito que o indivíduo tem em
face do estado de fazê-lo cumprir com seus fins sociais mediante procedimento
jurídico formal e, por fim, o status ativo, que atribui ao cidadão uma séria de
obrigações civis para com o Estado, a exemplo do voto210.
2.4 TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM ROBERT ALEXY
A partir deste item será estudada a teoria dos princípios a partir da
teoria da argumentação desenvolvida por Robert Alexy, vista alhures, a qual tem um
papel fundamental dentro da doutrina pós-positivista, porquanto diretamente
interligada com a teoria dos direitos fundamentais, pois contribuiu diretamente no
sentido de corresponder a uma verdadeira busca na efetividade prática destes
direitos211, consoante leciona Atienza212:
207 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 3-5 208
DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In Jurisdição e Direitos Fundamentais: Escola Superior da Magistratura, ano 2004/2005, vol I. . Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 74. 209
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 255-268. 210
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 255-268. 211
AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, jan-mar de 2005, n. 165. p. 124.
63
Na verdade, a teoria de Robert Alexy acaba por influenciar toda a ciência do direito, fazendo uma verdadeira “viragem metodológica”, modificando os conceitos até então postos como verdadeiros, como por exemplo: a teoria das normas jurídicas, do sistema jurídico (acima), das fontes normativas, dos métodos hermenêuticos, das antinomias entre normas, e sua consequente forma de resolução de conflitos, da relação entre direito e moral, entre outras contribuições, sendo Alexy um dos maiores expoentes da escola pós positivista.
Ao atribuir valor normativo aos princípios, Alexy acaba por derrubar
as teorias positivistas que consideravam os princípios meros colmatadores de
lacunas a partir de uma posição secundária e os define como verdadeiros detentores
de mandamentos deônticos fundamentais, de maneira a resgatar-se a razão prática
por intermédio de argumentos que possam dar respostas efetivas e socialmente
aceitas para aqueles denominados hard cases ou colisão de princípios, repelindo,
defintivamente, as teorias decisionistas do positivismo jurídico213.
Princípios são mandados de otimização em face de possibilidades
jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja,
exigência de sopesamento decorre da relativização das possibilidades jurídicas214.
Deste modo, Alexy acaba por definir à estas normas uma estrutura
teleológica que atribuiria um novo sentido à validez normativa até então vista no
positivismo jurídico, na medida em que, partindo-se do raciocínio de Habermas,
vislumbrar-se-ia uma independência nas pretensões jurídicas individuais, que
passariam a protagonizar um verdadeiro jogo subjetivo no manejo dos princípios
onde os fins coletivos seriam a máxima argumentativa a ser observada215.
Via de regra, os princípios estão divorciados dos casos fáticos
normativos, descansando num certo grau de abstratividade e generalidade,
conquanto, a partir do momento em que se verificam hipóteses fáticas passíveis de
incidência de um princípio, cria-se um diferenciado sistema de regras, as quais
212 AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de
informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 124. 213
AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 124. 214
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 117. 215
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de apud Habermas. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 84.
64
dependerão, para sua incidência, do sopesamento dos princípios, na medida em que
um simples enunciado normativo pode dar margem para uma série de problemas
exegéticos, a depender de cada contexto fático216.
Não obstante a necessidade de se observar o conceito de princípios
dentro de uma teoria dos direitos fundamentais, Alexy menciona a importância de
três objeções frequentemente levantadas à teoria dos princípios, quais sejam, a
primeira que sustenta que na hipótese de colisão de princípios um deles pode ser
declarado inválido, a segunda de que existem princípios absolutos que não podem
ser colocados em relação de preferência numa eventual colisão e, por fim, a
terceira, que afirma ser o conceito de princípio muito amplo e inútil, na medida em
que representaria uma carta em branco para o preenchimento de qualquer interesse
introduzido num processo de ponderação217.
O problema surge quando este caráter teleológico das normas como
princípios extrapola a fronteira do universal e objetivamente desejável nas decisões,
uma vez que ao manejar-se os princípios acaba-se por adentrar num inevitável “jogo
valorativo” onde a validade originalmente incondicional destes princípios acaba por
ser usurpada por uma incontrolável relação de preferência, a qual não é limitada por
nenhuma premissa que venha a estabelecer limites para os critérios de uma
esperada escolha racional218.
Contudo, princípio pode ser referir a interesses coletivos e
individuais, cabendo ressalvar que há a existência de princípios absolutos que não
são passíveis de ponderação por seu grau de importância, a exemplo de princípios
que se referem a interesses coletivos, os quais não podem ter seus limites jurídicos
estabelecidos nem mesmo por normas de direitos fundamentais, ou seja, os direitos
fundamentais estão limitados aos princípios de interesses coletivos219.
216 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2011. p. 108-109. 217
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 109-110. 218
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 84. 219
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 111.
65
Porém, há uma importante ressalva que Alexy faz acerca deste
raciocínio, porquanto ao mencionar o art. 1°, § 1°, 1 da Constituição Alemã, ressalta
que a dignidade humana é inviolável, o que desperta um sentido de absolutez a tal
princípio na medida em que o mesmo é enfrentado dentro de um ordenamento
jurídico tanto como regra quanto como princípio, sendo que tal princípio traz um
amplo grau de precedência face os demais, o que lhe confere um altíssimo grau de
certeza de que deve prevalecer sobre os demais princípios eventualmente
colidentes220.
Já para Habermas, em virtude do sentido deontológico de sua
validez, os princípios acabam por pretender uma obrigatoriedade geral e não uma
preferibilidade particular ou especial, o que lhes dá uma capacidade de justificação
muito maior, em termos universais, do que os valores, por exemplo, que encontram-
se divorciados do caráter de validez na medida em que tem o condão somente de
aproximar princípios de casos concretos221.
Princípios, portanto, podem se referir tanto a direitos individuais
quanto a interesses coletivos, pois como standards, podem representar interesses
exemplificados desde a saúde da população, fornecimento de energia elétrica,
segurança alimentar, combate ao desemprego, estrutura interna das forças armadas
até à proteção da ordem democrática, dentre outros222.
A otimização dos princípios, portanto, pode ser considerada como
uma consequência natural da possibilidade de seu cumprimento entrelaçado
diretamente com a dimensão do seu peso, o que será o fator preponderante para
sua aplicação mediante o caso concreto dentro das possibilidades fáticas e jurídicas,
inclusive no que tange a eventuais restrições de direitos fundamentais223.
220 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2011. p. 109-110. 221
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. apud Habermas. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 84-85. 222
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 114-115. 223
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-seembro de 2005, n. 171. p. 87.
66
2.5 TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM RONALD DWORKIN
A teoria de Ronald Dworkin, muito embora guarde semelhança com
a de Robert Alexy, encontra uma grande diferença na definição de princípios, posto
que o autor propõe uma interpretação construtiva a partir do princípio da integridade
em cadeia224.
O autor irá afirmar que um grande problema que se observa no
Direito é que seus operadores estão constantemente divergindo das próprias fontes
e fundamentos do Direito, pois a partir do momento em que o juiz decide, o
problema será saber quando a declaração do direito é inventada ou descoberta225.
Dworkin afirma que um processo judicial sempre suscita três
questões fundamentais, a saber, questão de fato, questão de direito e questões
interligadas de moralidade política e fidelidade226.
Com efeito, afirma não haver criação do direito por parte dos
magistrados, mas sim declaração a partir dos conflitos e interesses mediante
princípios em jogo, teoria esta totalmente divorciada das perspectivas teóricas,
técnicas e conceituais das regras defendidas pelo positivismo jurídico227.
O papel dos magistrados, portanto, estaria limitado a revelar um
direito preexistente das partes, de sorte que estaria fora de cogitação qualquer poder
que permita criar direito novo ao caso concreto, sob pena atentar-se à própria
democracia, visto que os juízes não integram o poder legislativo e que ao criar
direito diante de um caso concreto estariam criando uma nova lei retroativa, o que
faria da aplicação do direito um procedimento extremamente injusto e inseguro228.
Ao admitir a discricionariedade do juiz na hipótese de decisões face
lacuna, antinomia, ou ainda na tarefa de colmatar o direito já existente, se estaria
224 COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-
dezembro de 2011, n. 55. p. 93. 225
DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 8-9. 226
DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 5-6. 227
COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 93. 228
SOUZA, Wagner Mota Alves de. A polêmica entre Hart e Dworkin a respeito da textura aberta do direito. In Processo e Direito Material. Salvador: 2009. p. 315.
67
marchando para um além direito já produzido e os direitos das pessoas ficariam a
mercê das opções subjetivas dos magistrados229.
Ao direcionar suas críticas às perspectivas positivistas de Herbert
Hart, Dworkin irá afirmar que o Direito é muito mais do que um emaranhado de
regras positivadas a partir de comandos legislativos, na medida em que a praxe
judiciária é fundamental na definição de rumos a serem decididos à luz do caso
concreto pelo juiz a partir de argumentos dirigidos pelas partes, que tem legitimidade
para questionar, inclusive, a letra da lei230.
Na verdade, a preocupação de Dworkin foi justamente afastar as
amarras estritamente formais do positivismo e, de igual modo, limitar a atuação do
juiz no seu contexto decisório, o que nos leva a compreender que o poder político
não será a célula criadora dos princípios e da moralidade, mas sim tem o dever de
assumi-los por intermédio da positivação, uma vez que em face do poder
discricionário do juiz deve haver uma função garantidora do órgão jurisdicional231.
Com efeito, os princípios normativos são padrões a serem
observados à luz dos critérios de justiça, equidade ou alguma outra dimensão de
eticidade e que devem ser reconhecidos não só por costume, mas principalmente
pela força normativa, ao passo que as diretrizes políticas são tipos de standard que
tem por finalidade uma melhoria em fatores como o socioeconômico ou político da
comunidade232.
Dworkin irá denominar de hard cases, ou casos difíceis, aqueles
casos que não são passíveis de serem resolvidos pelo convencionalismo positivista,
mormente quando a compreensão do texto normativo mostra-se insuficiente ou até
mesmo contraditória para a solução do caso, o que inevitavelmente remeterá o
229 MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin.
In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 99. 230
COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 93. 231
MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin. In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 99. 232
MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin. In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 100.
68
jurista ao princípio da integridade, a qual pressupõe equidade, equanimidade, justiça
e devido processo legal adjetivo233.
A integridade constitui um ideal político quando se exige da
comunidade ou do Estado que ajam como agentes morais, ainda que os cidadãos
não tenham um consenso acerca do conceito dos princípios de justiça e
equanimidade. A integridade ainda possui mais duas subdivisões principiológicas na
visão do autor, quais sejam, a do princípio da integridade na legislação, que
determina aos legisladores que se atentem à coerência quanto aos demais
princípios, e o princípio da integridade no julgamento ou aplicação do direito
mediante um caso concreto234.
Dworkin acredita que a integridade na legislação e na aplicação do
direito são mecanismos que fundamentam e limitam a atuação do estado em uma
determinada sociedade e por isso entende que a comunidade ideal é a comunidade
formada por princípios235.
Afirma que em uma determinada sociedade existe uma
complexidade de virtudes e que o seu cidadão está constantemente sendo posto a
escolher quais programas políticos a apoiar, por exemplo, e que nem sempre a
decisão tomada por uma maioria é a decisão mais justa, o que deve ser visto com
delicadeza à luz dos direitos individuais, uma vez que essas difíceis questões se
apresentam quando a equidade e a justiça entram em conflito, sendo este o aspecto
central que a integridade se mostra como sendo o caminho mais viável e que deve,
inclusive, sacrificar tanto justiça quanto equidade, quando exigido236.
Deste modo, os juízes estão vinculados a padrões obrigatórios
estruturados por princípios, os quais irão definir o alcance dos interesses políticos
que mais interessam à coletividade, não podendo invocar qualquer princípio para
justificar uma mudança, mas sim observar a existência de princípios mais
importantes na ordem de escolha, pois somente diante de uma situação jurídica
233 DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
2007. p. 203-205 234
DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 203 235
COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-dezembro de 2011, n. 55. p. 96. 236
DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 215.
69
concreta é que se saberá qual princípio que melhor se adequará à solução do caso,
o qual servirá de base para as instituições e leis da comunidade237, consoante
leciona Dworkin238:
A comunidade de princípios coaduna com a sociedade pluralista esculpida pelo paradigma do Estado democrático de Direito em que cada cidadão respeita os princípios vigentes na sua comunidade. Na política estamos juntos para melhor ou pior, ou seja, a política é mantida pela legislação que rege a prestação jurisdicional e sua aplicação.
Por fim, verifica-se que a teoria de Dworkin afirma que na prática
jurisprudencial deve prevalecer a supremacia dos direitos em relação aos fins
sociais, restando superada a questão de que o juiz deve ser a boca que pronuncia a
lei, conforme afirmara Montequieu, na medida em que um argumento e uma
justificação de princípios é que definirão o caminho a ser dado ao direito de uma
pessoa ou coletividade, contudo, sem se abandonar os textos legais, mas sim
redimensionar o papel desempenhado pela lei por intermédio da adequação pelos
Tribunais239.
2.6 A TEORIA DA NORMA COMO PRINCÍPIO E REGRA.
A propósito do que foi estudado no primeiro capítulo acerca da
norma jurídica, mormente no itens 1.4 e 1.6, vimos que Bobbio considerou quatro
critérios essenciais na tentativa de caracterizar o direito por meio de um elemento
jurídico normativista, que foram o critério formal, material, critério do sujeito que põe
a norma e por fim, o critério do sujeito ao qual a norma se destina e, igualmente, que
a questão da estrutura da norma jurídica está diretamente relacionada com a função
do direito, que é ordenar a vida em sociedade e assim orientar a conduta de seus
membros e o funcionamento de suas instituições.
Já do raciocínio de Hans Kelsen acerca do dever jurídico de
obediência à norma, restou consignado que a ordem jurídica positiva não tem
237 COSTA, Carlos Henrique Generoso. A interpretação em Ronald Dworking. In Revista CEJ, ano XV, outubro-
dezembro de 2011, n. 55. p. 96. 238
DWORKIN. Ronald. O império do Direito. 2. ed. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 257. 239
MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin. In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 104.
70
qualquer espécie de explicação moral240 e que a primeira metade do século XX foi
dividida por um debate que discutiu o status científico da ciência jurídica onde de um
lado encontrava-se a corrente positivista mais radical calcada na cientificidade
axiomático dedutiva do direito e de outro aqueles que procuravam atribuir ao direito
um caráter mais aberto com base no denominado modelo retórico, visto nos itens
anteriores.
Para Alexy, o conceito de norma é um dos conceitos fundamentais
da Ciência do Direito, talvez o mais fundamental de todos, conquanto, isso não
significa que o uso do termo “norma” deva se restringir à Ciência do Direito, pois em
vários outros âmbitos do conhecimento científico observa-se o uso de tal termo, de
maneira que a polêmica acerca do conceito de norma está longe de ser resolvida,
não obstante aqueles critérios deônticos vistos no primeiro capítulo241.
Pois bem, partindo-se do conceito de norma de direito fundamental,
Alexy afirma que para se estudar sua estrutura é possível se utilizar de diversas
diferenciações teorético-estruturais, dentre as quais, a mais importante delas é a
distinção entre regras e princípios242, consoante afirma o autor243:
Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições de direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico. Essa distinção constitui um elemento fundamental não somente da dogmática dos direitos de liberdade e de igualdade, mas também dos direitos à proteção, a organização e procedimento e prestações em sentido estrito.
Deste modo, de acordo com Alexy, a distinção entre regras e
princípios demonstra-se de extrema importância na medida em que constitui a
denominada base jusfundamental, de sorte que sem tal distinção não pode existir
uma teoria suficiente no que tange ao papel traçado pelos direitos fundamentais,
240 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
p. 131. 241
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 52. 242
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 85. 243
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 85.
71
nem uma teoria satisfatória da colisão entre os princípios, tampouco uma teoria
adequada dos limites no sistema jurídico244.
Uma das principais características dos princípios resulta de sua
qualidade ao exibirem, muitas das vezes, um notório conteúdo moral, o que vem a
exigir, na sua aplicação, necessárias e inafastáveis valorações245. Neste ponto,
observa-se uma pontual divergência entre as escolas positivistas e pós-positivistas,
pois, como visto no primeiro capítulo o positivismo buscava banir da ciência jurídica
toda metafísica ou interpretação moral eventualmente a ser dada ao direito.
Para Alexy, o ponto decisivo para a distinção entre regras e
princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes246.
Por estas razões, os princípios são mandados de otimização, que
caracterizam-se pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus,
porquanto a proporção de seu cumprimento depende de possibilidades reais e
jurídicas, sendo que princípios e regras opostas é que vão determinar o âmbito do
juridicamente possível247.
Já as regras, espécie do gênero norma, trazem como características
seu cumprimento ou não, ou seja, se é valida há de ser realizado exatamente o que
ela exige e ponto final, contendo elas determinações no âmbito do fático e
juridicamente possível248.
Da distinção entre regras e princípios, muitos autores concluem que
enquanto para a aplicação de uma regra é possível se recorrer ao método
subsuntivo, para a aplicação de um princípio é necessário se recorrer a outros
244 AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de
informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 125. 245
CEZNE, Andréa Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: Uma análise comparativa das perspectivas de Ronald Dworkin e Robert Alexy – Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais ano 13, n. 52, 2005. 66 p. 246
AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 126. 247
AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 126. 248
AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 126.
72
métodos hermenêuticos, porquanto o método subsuntivo é inadequado para sua
aplicação249.
Um dos critérios clássicos mais pontuais que distinguem regras e
princípios é aquele que condiciona à regra ao fundamento e à razão dos princípios,
ou seja, a regra seria um mero meio para a efetivação dos princípios, sendo que,
partindo-se desta premissa, poderia se chegar à conclusão de que os princípios não
podem ser razões imediatas para resolução de casos concretos mediante aplicação
de normas individuais, o que acaba por ser um raciocínio equivocado na medida em
que as regras também podem ser razões para as próprias regras e os princípios
razões para juízos concretos dentro do dever ser250.
Para Salomão leite, a distinção entre regras e princípios consiste no
fato de que estes possuem um maior grau de abstração, não se reportando
diretamente a hipóteses fáticas diretas, mas sim elevados a um plano de máxima
abstratividade251.
Ronald Dworkin já havia assinalado que a distinção entre regras e
princípios nem sempre é tão clara, posto que muita das vezes, em face de conceitos
vagos e indeterminados de uma norma, a aplicação das regras estará
intrinsecamente vinculada a fins encontrados somente nos princípios, o que acaba
por tornar muito tênue a linha entre regra e princípio252. A respeito, advertiu Robert
Alexy253:
A distinção entre regras e princípios não é nova. Mas, a despeito de sua longevidade e de sua utilização frequente, a seu respeito imperam falta de clareza e polêmica. Há uma pluralidade desconcertante de critérios distintivos, a delimitação em relação a outras coisas - como os valores - é obscura e a terminologia vacilante.
249 AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de
informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 126. 250
AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 129. 251
LEITE, George Salomão. Dos Princípios Constitucionais: Considerações em Torno das Normas Principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 34 252
AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 130. 253
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 86-87.
73
Deste modo, somente as regras trazem em seu bojo um caráter
hipotético condicional de modo a permitir a subsunção a partir de uma hipótese de
incidência no plano fático através do método subsuntivo, ao passo que os princípios,
conforme alhures, por serem definidos como mandados de otimização, possuem um
caráter ideal que os possibilitam de serem cumpridos em diferentes graus, e que a
medida devida de seu cumprimento resta condicionada a possibilidades fáticas e
jurídicas254.
Outro critério de distinção e também um dos principais entre regras e
princípios é o critério da generalidade, posto que o grau de generalidade dos
princípios é consideravelmente alto, ao passo que o das regras é relativamente
baixo255.
Afora estes critérios de distinção entre regras e princípios, ainda há
a coexistência de outros critérios com a denominada determinabilidade dos casos de
aplicação, a forma do surgimento da norma por intermédio da diferenciação entre
normas criadas e normas desenvolvidas, o caráter explícito de seu conteúdo
axiológico, bem como suas referências à ideia de direito, ou supremacia da Lei, bem
como a importância de cada enunciado para a ordem jurídica256.
Muito embora a tese de Alexy tenha sido acolhida por vários
ordenamentos jurídicos no que tange à sua distinção estrutural entre regras e
princípios, inevitavelmente esta tese vem sofrendo as mais variadas críticas, as
quais negam por completo a existência de tal distinção, porquanto a diferença
estaria somente no uso e aplicações de normas jurídicas, discordando, igualmente,
da existência de uma estrutura lógica dos comandos normativos ao afirmarem que a
única distinção observada entre regras e princípios seria o grau de generalidade257.
254 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das
críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 82. 255
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 89. 256
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 89. 257
AMORIN, Letícia Balsamão. (apud Bustamente) A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 130.
74
2.6.1 Colisão entre princípios e o método da ponderação
A diferença entre regras e princípios mostra-se com maior clareza
nos casos de colisões entre princípios e de conflitos entre regras258, na medida em
que estes respectivos conflitos levariam a resultados contraditórios entre si, ao
passo que a distinção somente será observada pela forma de solução do conflito259.
Alexy afirma que o conflito entre regras pode ser solucionado
mediante a introdução de uma cláusula de exceção em uma destas regras, a fim de
eliminar o conflito, de modo a tornar somente uma válida, o que remete à uma
decisão acerca do critério de validade formal no que tange à permanência daquela
norma no sistema260, a propósito, aliás, do critério de coerência do ordenamento
jurídico, estudado no capítulo anterior, quando a tarefa do jurista consiste em
expurgar uma norma do sistema nas hipóteses de antinomia261.
Já no caso de colisão de princípios, diferentemente, um deles
deverá ceder ao outro, porém, sem que o princípio afastado seja declarado inválido
ou tenha de ser criada uma cláusula de exceção262.
O problema da colisão de princípios, com efeito, há de ser verificado
mediante as circunstâncias de cada caso concreto, pois poderá vir a prevalecer um
ou outro princípio e vice-versa, ou seja, os conflitos não se dão diretamente na
dimensão do peso, mas mediante o método da ponderação é que se verificará o
peso dos princípios em conflito, o que resultará numa regra a partir da otimização e
condições de prioridade para a resolução daquele caso concreto263.
Em regra, os princípios tem o mesmo valor e peso e somente a partir
do caso concreto é que se determinará qual princípio irá prevalecer naquela
hipótese, o que resulta na denominada lei de colisão que pode ser enunciada da
258 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2011. p. 91. 259
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 92. 260
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 92-93. 261
A respeito, ver item 1.4 do capítulo primeiro 262
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 92-93. 263
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83.
75
seguinte forma: as condições das quais um princípio precede a outro constituem um
suposto de fato de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio
precedente264.
Na ponderação entre dois princípios, de mesma categoria abstrata,
deve-se observar qual dos princípios possui maior peso no caso concreto, não
necessariamente que um principio terá uma prioridade absoluta265
De acordo com Alexy, os direitos fundamentais tem a estrutura de
mandados de otimização, o que o leva a colocar o princípio da proporcionalidade “no
centro da dogmática dos direitos fundamentais”266.
A máxima jurídico-metodológica da proporcionalidade, portanto,
estaria implícita na própria definição de princípio, a qual trás em seu bojo mais dois
subprincípios, quais sejam, o da adequação e o da proporcionalidade, os quais
orbitam paralelamente a máxima da proporcionalidade e referem-se, estes dois, à
otimização do faticamente possível, ao passo que a proporcionalidade, aqui
entendida como subprincípio, qualifica-se como um medidor que irá ponderar as
possibilidades jurídicas de cada caso, sendo que o princípio da adequação irá
excluir qualquer medida que eventualmente obste a realização de pelo menos um
princípio sem promover ao menos um dos fins ao qual foi adotado267.
2.7 O NEOCONSTITUCIONALISMO
Dada a pertinência do tema voltado para a constatação de aspectos
hermenêuticos a partir de uma análise jurisprudencial da Corte Constitucional
brasileira, bem como o contexto o qual o denominado neoconstitucionalismo está
264 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das
críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83. 265
AMORIN, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 42, janeiro-março de 2005, n. 165. p. 127. 266
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de (apud Alexy). Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembr0o de 2005, n. 171. p. 83. 267
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de (apud Alexy). Sobre a justificação e a aplicação de normas jurídicas: Análise das críticas de Klaus Günther e Jürgen Habermas à teoria dos princípios de Robert Alexy. In Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 43, julho-setembro de 2005, n. 171. p. 83.
76
inserido dentro da doutrina pós-positivista, necessário se faz um breve cotejo acerca
de sua influência no constitucionalismo moderno a partir do enfoque pós positivista.
A teor do que vem sedo pesquisado no presente trabalho, verificou-
se que o positivismo jurídico, no seu afã de objetividade e cientificidade, buscou
apartar do direito toda e qualquer influência moral ou ética, o que culminou numa
notória crise paradigmática, de modo que a partir da segunda guerra mundial
percebe-se um retorno do direito às questões ético morais no contexto pós-
positivista, quando o direito passa a ser compreendido sob o enfoque de uma nova
hermenêutica onde assumem especial destaque as relações entre valores,
princípios e regras268.
Com vistas a proteger a integridade moral e a dignidade do homem,
a teoria dos direitos fundamentais emerge como cerne deste novo paradigma, onde
princípios e valores deixam de ser meros colmatadores de lacunas secundários e
adquirem uma normatividade de vanguarda, na medida em que a nova sistemática
jurídica deixa de ser vista somente por parâmetros formais de validade ou
exclusivamente pela mera técnica subsuntiva, típica do positivismo269.
Com isso, tem-se que o neoconstitucionalismo implica numa
verdadeira fusão que une os princípios às regras dentro de uma constitucionalização
do direito, configurando uma miscelânea de elementos tanto deontológico quanto
axiológico dentro de um só sistema270, consoante assinala Krell271:
A principal diferença entre as duas categorias é que valores possuem caráter axiológico (juízos de valor), enquanto princípios situam-se no nível deontológico (do dever ser). Por isso, não é necessário invocar o Direito suprapositivo, pois a ‘carga ética’ já está nos princípios Constitucionais que ‘excedem o conceito positivista do Direito na medida em que elevam a obrigação jurídica a realização aproximativa de um ideal moral
268 DO ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas. O Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético-
moral do Direito. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 47,abril-junho de 2010, n. 186. p. 246. 269
DO ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas. O Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético-moral do Direito. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 47,abril-junho de 2010, n. 186. p. 246. 270
DO ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas. O Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético-moral do Direito. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 47,abril-junho de 2010, n. 186. p. 246. 271
KRELL, Andreas J.. Direitos Sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Rio Grande do Sul: Sergio Antônio Fabris, 2001. p. 82.
77
Deste modo, o neoconstitucionalismo traz uma concepção de que a
constituição não mais deve ser considerada tão somente como a origem de onde
emanam comandos políticos, mas um fim para o qual todos os esforços de
interpretação devem convergir272
Com efeito, o neoconstitucionalismo representa um novo paradigma
dentro do denominado constitucionalismo moderno, cuja metodologia de aplicação
do direito volta-se para a construção de uma hierarquia de princípios que passa a
ser acolhida pela constituição, ocupando assim, o topo da pirâmide normativa,
tutelando os direitos fundamentais especialmente a partir de um tratamento
diferenciada que lhe é dado por intermédio do principio da supremacia
constitucional273.
Neste passo, partindo-se de novos paradigmas de interpretação, o
judiciário assume papel de relevo na decisão dos novos conflitos, na medida em que
busca assegurar a eficácia dos direitos fundamentais a partir da posição central que
assume a constituição como fonte formal e material dos valores e princípios que
circundam toda ordem jurídica274, não que a técnica subsuntiva, própria do
positivismo, tenha sido totalmente abandonada, mas sim que a hermenêutica
constitucional voltada para os fins constitucionais passa a ter uma maior primazia na
resolução dos conflitos, consoante leciona Luiz Roberto Barroso275:
Por muito tempo, a subsunção foi o raciocínio padrão da aplicação do Direito. Como se sabe, ela se desenvolve por via de um raciocínio silogístico, no qual a premissa maior – a norma – incide sobre a premissa menor – os fatos -, produzindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto. Como já assinalado, esse tipo de raciocínio jurídico continua a ser fundamental para a dinâmica do direito. Mas não é suficiente para lidar com as situações que envolvam colisões de princípios ou de direitos fundamentais.
Destarte, percebe-se uma inversão na ordem interpretativa e
analítica do direito, posto que até metade do século XX o paradigma dominante era
o do positivismo legalista e com esta visão a constituição ocupava uma posição
272 LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a
aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 25. 273
ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 489. 274
ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 491. 275
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 333.
78
secundária em face da primazia da lei no ordenamento jurídico, sendo a constituição
uma mera carta política até aquele contexto, donde o juiz era tão somente uma
reprodução das palavras por ela escritas em decorrência de uma passividade
judiciária calcada na influência não interventiva nas liberdades individuais276.
Logo, a constituição se submetia, dentro da visão positivista,
somente aos métodos clássicos de interpretação, posto que era vista pelos
operadores do direito como uma mera lei formal que tinha como principal função dar
validade às demais leis infraconstitucionais de modo a fechar o sistema com um
notório culto formal à lei, de modo a permitir, que observados tão somente os
critérios formais de validade através da legislação, poder-se-ia sustentar, inclusive,
ideologias que afrontassem direitos humanos até mesmo em nome de uma dita
soberania popular277.
O Neoconstitucionalismo, portanto, representa muito mais do que a
mera superação do constitucionalismo tradicional ou legalista, na medida em que a
constituição passa a assumir o hipocentro do sistema jurídico não mais pensada
como um sistema homogêneo de uma classe dominante, mas como um esquema
heterogêneo de uma sociedade plural e democrática, a exemplo do que assumiram
as constituições alemã de 1949, a italiana de 1947, dentre outras, com as
respectivas criações de cortes constitucionais278.
Contudo, uma das maiores críticas, bem como a preocupação que
são dirigidas a este método acolhido pelas constituições modernas, principalmente a
partir da segunda metade do século XX, resume-se ao fato de que com base na
constitucionalização dos princípios e a nova hermenêutica, pode-se vir a caracterizar
um indesejável subjetivismo ou decisionismo para dentro do sistema jurídico,
consoante externou Andreas Krell279:
É de ressaltar também que o postulado de uma interpretação material valorativa do Direito não significa um retorno do mundo
276 ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da
Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 492. 277
ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 493-494. 278
ALBUQUERQUE MELLO, Sebastian Borges. Ensaio sobre o Neoconstitucionalismo. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: outubro de 2011 a janeiro de 2012. N. 101. p. 495. 279
KRELL, Andreas J.. Direitos Sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Rio Grande do Sul: Sergio Antônio Fabris, 2001. p. 82-83.
79
jurídico aos conceitos vagos do Jusnaturalismo ou à afirmação de um número indefinido de valores abstratos acima da ordem jurídica, o que certamente levaria ao subjetivismo e a uma imprevisibilidade dos resultados (...) A referida interpretação valorativa funciona através da flexibilização da literalidade normativa para uma recriação que conduza lograr a justiça em concreto, ou objetivamente justo do caso. Essa valoração, contudo, não deve ser subjetiva no sentido de se basear, sobretudo, na subjetividade do operador, mas objetiva enquanto confira prevalência aos valores que o sistema jurídico integra.
Feitas estas observações acerca do Neoconstitucionalismo,
percebeu-se que esta denominação esboça uma técnica hermenêutica voltada para
os valores, princípios e regras positivados na constituição e que devem ser
observados ao máximo pelo aplicador do direito mediante uma interpretação aberta
para os anseios, sobretudo, de uma sociedade pluralista.
O problema a que se chega, na visão de Peter Häberle, é que a
interpretação da Constituição, que deveria ter uma interpretação aberta e plural, tem
sido coisa de uma sociedade fechada, da qual participam tão somente interpretes
jurídicos integrantes de corporações e aqueles de certa forma participantes do
processo formal constitucional280.
Contudo, tem se percebido a adoção de uma sistemática por parte
do Supremo Tribunal Federal que consiste em, antes de algum julgamento de ampla
repercussão, realizar audiência pública com segmentos de interesse da sociedade
como classe de advogados, juristas, especialistas, a fim de formar uma sólida
posição para se chegar a um resultado que atenda a todos os interesses281.
280 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. De Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2002. p. 13. 281
GONÇALVES. Antônio Baptista. A nova Hermenêutica ante o Neoconstitucionalismo. In Revista de Direito Constitucional e internacional. São Paulo: revista dos Tribunais. ano 19, vol. 77, out. a dez. 2011. p. 29.
80
3 O POSITIVISMO JURÍDICO E A ASCENSÃO PÓS-POSITIVISTA: ASPECTOS
HERMENÊUTICOS NA ADPF 132 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Assentadas as premissas acerca do debate relacionado aos critérios
de definição da teoria do direito entre as escolas positivista e pós-positivista,
passemos a analisar neste capítulo conclusivo os aspectos e a influência
hermenêutica destas escolas no âmbito de interpretação do Supremo Tribunal
Federal, mais precisamente na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental julgada pela Corte Constitucional brasileira, que nos termos do artigo
102282 da Constituição Federativa do Brasil de 1988, tem o dever de guarda da
Constituição.
A tensão entre normatividade e facticidade, assim como a
incorporação dos valores à hermenêutica jurídica, produziram modificações
profundas do modo como o Direito é pensado e praticado e redefiniram o papel da
interpretação jurídica, especialmente em matéria constitucional283.
Como consequência, a interpretação constitucional viu-se na
contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de
racionalidade e de controlabilidade diante de normas que por ventura entrem em
rota de colisão284.
Ainda no quadro da dogmática tradicional já haviam sido
sistematizados diversos princípios específicos de interpretação constitucional, aptos
a superar as limitações da interpretação jurídica convencional, concebida,
sobretudo, em função da legislação infraconstitucional calcada no modelo
subsuntivo, com maior destaque dentro do direito civil285, conforme verificado no item
relacionado ao Neoconstitucionalismo.
Luiz Roberto Barroso definiu como a grande virada na interpretação
constitucional a que se deu a partir da difusão de uma constatação de que não era
282 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
283 BARROSO, Luis Roberto. os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva,
2009. p. 126. 284
BARROSO, Luis Roberto. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 334. 285
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 331.
81
verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as normas
constitucionais em particular – traziam sempre em si um sentido único, objetivo e
válido para todas as situações sobre as quais poderiam incidir286, conforme
pretendiam os entusiastas adeptos do positivismo jurídico, analisados no primeiro
capítulo.
Com efeito, na hipótese de colisão de normas e de direitos
constitucionais, não será possível colher no sistema, em tese, a solução adequada,
uma vez que esta somente poderá ser formulada à vista dos elementos do caso
concreto que permitirão afirmar qual desfecho corresponderá à vontade
constitucional287.
Deste modo, necessário se faz um breve aporte contextual acerca
do papel e da relação que as constituições modernas possuem com as escolas
positivista e, principalmente com a pós positivista, na medida em que esta ultima
definição acaba por se confundir com o denominado neoconstitucionalismo, visto no
capítulo anterior, pois ambos correspondem ao fenômeno emergente no período
denominado pós guerra e consistem na resolução de casos concretos a partir da
adoção de critérios hermenêuticos que utilizam diversos instrumentos jurídicos de
interpretação, a exemplo dos princípios, contudo, revestidos de uma “blindagem”
constitucional a partir do dogma da força normativa formulado por Konrad Hesse288 e
que passa a ser verificado.
3.1 A FORÇA NORMATIVA E A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
Para entendermos o papel que a Constituição exerce dentro do
sistema jurídico, necessário se faz uma breve incursão ao raciocínio de Korad Hesse
no que tange ao critério de validade da constituição dentro dos sistemas
constitucionais modernos, para podermos entender, do mesmo modo, de onde
exsurge o princípio da supremacia da Constituição.
286 BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações
privadas. 2. ed. rev. e atual. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 331 p. 287
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 332 p. 288
LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1. p. 24-31.
82
Para Lassalle, entre a tensão existente entre os fatos e forças
políticas e as normas constitucionais devem prevalecer os primeiros, uma vez que
segundo o autor as forças políticas dos grupos dominantes afiguram-se sempre
superiores às forças jurídicas positivadas na Constituição, pois entre a norma
fundamentalmente estática e racional e a realidade irracional existe uma tensão
constante difícil de ser eliminada289.
Segundo Hesse, a força normativa da Constituição é verificada a
partir de uma identificação entre a Constituição e os seus destinatários, pois uma
Constituição que é divorciada da realidade cultural, econômica e política da
sociedade, anda na contramão da sua finalidade e não pode ser considerada
efetiva290.
Com efeito, afirma que todas as diretrizes racionais estabelecidas e
positivadas na Constituição devem ter conexão com a cultura e identidade do povo,
pois a mola de propulsão e efetividade da constituição decorre do amadurecimento
histórico do povo, o qual cria a constituição a partir de um contexto de necessidade
histórica, donde decorre sua maior rigidez291.
Logo, entender a força normativa da Constituição significa emprestar-
lhe uma visão ampla da realidade político-social e suas inevitáveis interferências na
produção legislativa292.
Deste modo, não há como compreender de forma isolada os
fenômenos entre Constituição e realidade, pois, segundo Hesse, admitir este
raciocínio seria limitar a vigência e a efetividade da Constituição, bem como sua
resposta e significado em torno do ordenamento jurídico293, que nada mais do que
uma miscelânea de ser e dever ser294, consoante leciona o autor295:
289 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabris Editor, 1991. 290
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991. 291
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991. 292
LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 26. 293
LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 26. 294
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.
83
A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia (geltungsanspruch) não pode ser separada das
condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem se desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômicas, e sociais. A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas condições. Há de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas.
Para que seja efetiva toda a produção legislativa a Constituição deve
ter uma relação íntima com a realidade, que é para onde toda e qualquer produção
normativa deve convergir com vistas a conferir plena eficácia à norma, pois
conforme afirmado por Hesse, para cumprir a função do dever ser e desenvolver a
produção legislativa conforme os anseios sociais, necessariamente deverá haver o
vínculo entre situação histórica concreta com suas condicionantes296.
Ademais, há de ser observada aquela que o autor denominou de
vontade da constituição, a qual decorre da natureza das coisas e é o que a
impulsiona, a transforma e conduz a sua força ativa, inclusive sua adaptação a
eventuais mudanças que exijam seu cumprimento, que é quando verificar-se-á, de
fato, sua força normativa297.
No que tange à existência de um escalonamento normativo, esta
relação hierárquica é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois,
ocupando a Constituição a hierarquia do sistema normativo, é nela que o legislador
encontrará a forma de elaboração legislativa e seu conteúdo298.
Para José Afonso da Silva, a supremacia da Constituição impõe que
todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da
Constituição, consoante colhe-se de sua doutrina:
295 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabris Editor, 1991. 296
LOURES, Sérgio Lopes. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: Uma visão normativa do Direito a aplicação da legística. In Revista Jurídica da Presidência. Brasília: Senado federal, jul. 2009, n. 1, p. 27. 297
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991. 298
MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais; garantia suprema da constituição. 2.ed, São Paulo: Atlas, 2003. p. 30.
84
Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e
só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas299.
O Estado Democrático de direito, portanto, destina-se a assegurar o
exercício de determinados valores supremos no sentido funcional a partir de uma
garantia dogmático-constitucional, de seu pleno exercício, desempenho este que
corresponde à função pragmática, pois como objetivo de “assegurar” tem o efeito
imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos
valores em direção (função diretiva) de destinatários das normas constitucionais que
dão a esses valores conteúdos específicos300.
O princípio da supremacia da Constituição, portanto, além de
corresponder a um princípio instrumental de interpretação constitucional, se traduz
na ideia de que as normas constitucionais, em especial aqueles que trazem em seu
bojo direitos fundamentais, se coloquem no topo hierárquico em relação a toda e
qualquer outra norma infraconstitucional, de maneira que todos os demais
seguimentos do direito devem se conformar com os comandos constitucionais301.
Deste modo, a Constituição deve prevalecer sobre todas as outras
normas do poder constituído, bem como sobre a vontade do legislador, na medida
em que nenhum ato jurídico deverá subsistir se for incompatível com a constituição,
cujas normas condicionam a validade do sistema por intermédio do poder
constituinte, que por meio da constituição, legitima a supremacia constitucional a
partir da soberania popular302.
299 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 47
300 SILVA, José Afonso da, Comentário Contextual à Constituição. 4ª Ed. Malheiros. São Paulo : 2007. p. 23.
301 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 215. 302
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 299.
85
3.1.1 A Estabilidade e a Rigidez Constitucional
Como corolário lógico do princípio da supremacia da constituição, a
estabilidade dela igualmente decorre de sua força normativa, a qual lhe confere
rigidez no que tange à possibilidade de sua alteração, se não vejamos.
A estabilidade constitucional refere-se à uma classificação que é
atribuída à constituição no que diz respeito à consistência de suas normas,
verificadas a partir do processo constitucional de sua modificação que possibilita
auferir sua rigidez ou flexibilidade303.
Nas constituições rígidas, verifica-se a superioridade da norma
magna em relação às produzidas pelo Poder Legislativo no exercício da função
legiferante ordinária, pois em tal forma, o fundamento do controle de
constitucionalidade é o de que nenhum ato normativo, que lógica e necessariamente
dela decorre, poderá contrariá-la, modificá-la ou suprimi-la304.
Para Alexandre de Morais, são imutáveis as constituições onde se
veda qualquer alteração em decorrência de sua consolidação histórica, ao passo
que rígidas são as constituições escritas que dependem de um processo formal,
solene e dificultoso para sua alteração, sendo a Constituição Federal Brasileira de
1988 considerada super-rígida, uma vez que só pode ser alterada mediante
processo diferenciado, inclusive, imutável em alguns pontos, a exemplo das
cláusulas pétreas305, que por sua vez tutelam direitos fundamentais.
Com efeito, possui maior dificuldade para a sua modificação do que
para a alteração das demais normas jurídicas e é desta rigidez constitucional que
surge o princípio da supremacia da constituição306.
As constituições rígidas, em sentido formal, requerem processo
especial de revisão. É deste processo que emana a estabilidade ou rigidez maior
303 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 109-110.
304 MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais; garantia suprema da
constituição. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 30. 305
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed, São Paulo: Atlas, 2006. p. 5. 306
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 47
86
que a das leis ordinárias, resultando na supremacia incontrastável da Lei
constitucional sobre as demais regras do ordenamento jurídico307.
Para Plínio Melgaré, é o escalonamento hierarquizado de normas
que permite definir se uma lei ou ato normativo está ou não em conformidade com a
sua “linhagem” de leis superiores, a partir de uma análise de validade, de modo a
conferir se a lei inferior possui um nexo com aquela que é o referencial supremo de
validade e que irradia todo o sistema que é a Constituição, que se encontra no topo
do escalão normativo, encerrando a cadeia de validade do sistema308.
Aliás, aqui caberia uma indagação: seria esta a norma fundamental
hipotética idealizada por Hans Kelsen, cuja validade do sistema todas as demais
normas dependam? Independente da resposta, percebe-se que a validade das
normas infraconstitucionais está condicionada não só à validade formal em relação à
Constituição, mas também em relação à sua validade material quando observada a
partir da tutela de direitos fundamentais.
3.2. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
Tecidas considerações acerca dos critérios balizadores do
neoconstitucionalismo no que tange à rigidez e supremacia da Constituição,
passemos a analisar os aspectos diretamente voltados à hermenêutica
constitucional, bem como aos métodos de interpretação desenvolvidos tanto pela
escola positivista quanto pela pós-positivista, para concluirmos o trabalho com a
incursão na ADPF 132 do Supremo Tribunal Federal.
O termo hermenêutica tem sua origem no estudo geral de
interpretação bíblica, a qual consistia no descobrimento de sentidos e verdades dos
valores contidos nas escrituras sagradas, sendo que da religião o termo, igualmente,
migrou para filosofia, da filosofia para as ciências e depois para o direito309.
307 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 47
308 MELGARÉ, Plínio. Princípios, regras e a tese dos direitos. Apontamentos à luz da teoria de Ronald Dworkin.
In Revista de informação legislativa, ano 41, julho-setembro de 2004, n. 163. p. 101. 309
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 269.
87
A interpretação jurídica consiste, portanto, na atividade de revelar os
sentidos dos textos ou outros aspectos literários do direito como princípios,
costumes, precedentes, sempre com a finalidade precípua de resolver os problemas,
e que conta com instrumentos, métodos, técnicas de racionalidade como forma de
orientar as decisões, porquanto a aplicação da norma sobre os fatos consiste no
processo final de interpretação310.
Desde o surgimento das primeiras constituições escritas em meados
do século XVIII, a interpretação atribuída à constituição era a mesma dada aos
demais ramos do direito civil, até porque a constituição era, nada mais nada menos,
do que mais um ramo do direito. A partir do século XX, após o declínio do
positivismo legalista, visto no capítulo primeiro, a interpretação constitucional viu-se
na contingência de adotar novos métodos hermenêuticos em face da sua posição
hierárquica assumida em razão de sua supremacia, bem como em face da posição a
qual os direitos fundamentais passaram a assumir dentro do contexto constitucional
onde adquiriram status normativo311.
Deste modo, uma vez tratando-se de aspectos hermenêuticos tanto
positivista quanto pós-positivista a partir de uma análise jurisprudencial, necessário
se faz um breve cotejo dos métodos clássicos de interpretação, típicos do
positivismo jurídico, bem como dos métodos hermenêuticos contemporâneos,
trazidos pela hermenêutica constitucional e que constituem métodos relacionados à
escola pós-positivista, para finalmente, analisarmos tais aspectos no julgamento da
ADPF 132.
3.2.1. Métodos clássicos de interpretação
Nos países de tradição romano-germânica as fontes principais do
direito são os enunciados normativos e as normas escritas, de modo que as normas
se subsumem aos casos concretos a partir das respectivas hipóteses de incidência,
310 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a
construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 269. 311
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 151.
88
sendo que os métodos clássicos de interpretação resumem-se ao gramatical,
histórico, sistemático e teleológico312.
A interpretação gramatical funda-se no alcance semântico o qual
pode ser atribuído à norma jurídica e que não exige maior complexidade em sua
interpretação, ou seja, o limite da interpretação está contido nas próprias
possibilidades semânticas da norma313.
Já o método histórico tem como principal característica o
desenvolvimento de um papel secundário na busca do sentido da norma segundo a
vontade do legislador, pois busca resgatar e adequar essa vontade ao caso sub
judice, podendo assumir maior destaque em situações específicas, a depender da
exigência do caso concreto314.
Por sua vez, a denominada interpretação sistemática consiste na
observância da unidade e globalidade do ordenamento jurídico no momento da
aplicação da norma, pois considerando o todo unitário o qual corresponde o direito,
há de coexistir uma harmonia entre o sistema principal, abarcado pela Constituição,
e os subsistemas que integram o ordenamento jurídico, de modo que exista o
mínimo possível, ou até mesmo não exista, antinomia em face da coerência que
deve ter o sistema315.
No que concerne à interpretação teleológica, esta é verificada a
partir do conceito finalístico do próprio direito em si mesmo, pois o direito existe para
assegurar determinados fins como justiça, bem-estar social, dentre outros, que
devem ser observados na interpretação, de forma a prevalecer a interpretação mais
coerente com a finalidade a qual deve ser observada na resolução do caso
concreto316.
312 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a
construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 291. 313
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 291. 314
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 292-293. 315
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 294. 316
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 295.
89
Finalmente, ainda cabe mencionar que no ordenamento jurídico
brasileiro vigora Lei n. 4.657/1942, denominada inicialmente de Lei de Introdução ao
Código Civil e modificada, pela Lei n. 12.376/2010, sua definição jurídica para Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a qual em seu art. 4º dispõe que:
Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito317.
Ou seja, partindo-se do que foi pesquisado até este momento, da
análise do dispositivo pode se inferir uma forte influência do positivismo jurídico na
edição da referida norma, primeiro, porque a sua nomenclatura inicial dispunha
sobre a introdução ao Código Civil Brasileiro, segundo, porque observa-se o caráter
secundário o qual os princípios ocupavam na ordem de aplicação do direito na
época que a Lei foi editada em 1942.
3.2.2. Métodos de interpretação Pós-positivista
A teor do que foi estudado no capítulo anterior no que tange ao pós
positivismo, verificou-se que este movimento teve como grande característica
promover uma contraofensiva aos métodos tradicionais e até mesmo ideológicos de
interpretação do positivismo jurídico, o qual admitia tão somente uma interpretação
restrita calcada no modelo axiomático dedutivo, repelindo qualquer espécie de
interpretação valorativa ou metafísica na interpretação do direito.
Os métodos de interpretação pós-positivistas emergem a partir das
críticas feitas ao método estritamente formal do positivismo jurídico, mormente a
partir do seu declínio no período denominado de pós-guerra. Uma das fortes
influências no denominado método concretista para uma “Constituição aberta”
decorreu do resgate da tópica, trazida por Theodor Viehweg e debatida no segundo
capítulo, bem como do alargamento da sociedade de intérpretes a partir de um
pluralismo democrático, o que culminou, de certa forma, num considerável
“afrouxamento” da normatividade e juridicidade das constituições318.
317 BRASIL, Dec. Lei n. 4.657 de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm 318
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 509.
90
Nesse novo quadro metodológico, assume relevo a proposta de
Peter Häberle, que, de forma radical e dissolvente, acentua que a doutrina
tradicional padece de um grande déficit319.
Com efeito, além da ponderação de princípios observada no
segundo capitulo, a qual implica necessariamente no sopesamento de princípios
como o da proporcionalidade na efetivação de direitos fundamentais, que aliás, vale
dizer, é bastante criticada em face do seu irracionalismo e subjetivismo em razão de
uma suposta ausência de racionalidade objetiva320, métodos como o da interpretação
conforme a Constituição e da denominada hermenêutica construtiva, esta, por sua
vez utilizada como parâmetro no julgamento da ADPF 132 do Supremo Tribunal
Federal, obrigatoriamente deverão ser ventilados neste item.
Deste modo, para evitar-se tautologia e manter-se a coerência até
aqui empreendida, far-se-á uma mera remissão ao item 2.6.1, o qual fez o cotejo do
método da ponderação e que serve como razão de fundamento neste item.
O princípio da interpretação conforme a Constituição, por sua vez,
pressupõe que as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas de modo a se
conferir eficácia máxima ao texto constitucional, mormente em se tratando dos
valores constitucionalmente tutelados que, via de regra, encontram-se revestidos de
princípios constitucionais, tratando-se, concomitantemente, de uma técnica de
interpretação e de um mecanismo de controle de constitucionalidade321.
Trata-se de uma interpretação das leis como forma de compatibilizá-
las com os fins constitucionais na hipótese de dúvida acerca de sua conformidade
ou não com a constituição, de modo a conferir maior efetividade aos direitos
fundamentais quando estes eventualmente encontrem-se ameaçados ou impedidos
de ser efetivados por outra, dentre várias, interpretações atribuídas à uma norma
319 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 463. 320
ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luiz Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 155-156. 321
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 301.
91
infraconstitucional, resumindo-se a uma opção pela alternativa mais viável ao
dispositivo que lhe atribua um sentido mais compatível com a constituição322.
Outro princípio interpretativo de pontual importância é o princípio da
unidade da Constituição, o qual consiste na observância necessária à unidade do
sistema jurídico a partir de uma leitura sistemática da constituição, de forma a
harmonizar ao máximo as tensões e as contradições existentes no texto
constitucional com vistas a lhe atribuir o máximo de coerência323, conforme pode se
conferir da lição de Canotilho324:
O princípio da unidade da Constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que o Direito Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas e, sobretudo, entre os princípios jurídicos-políticos constitucionalmente estruturantes. Como ‘ponto de orientação’, ‘guia de discussão’ e ‘factor hermenêutico de decisão’ o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão [...] existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios
Portanto, o princípio da unidade da constituição impõe ao intérprete
o dever de harmonização das tensões e contradições existentes, in abstracto, entre
as normas de uma constituição325.
No que concerne à interpretação construtiva como método de
interpretação pós-positivista, esta se confunde com a própria análise da ADPF 132
do Supremo Tribunal Federal, de sorte que será analisada oportunamente quando
do estudo da referida arguição.
Feitas estas considerações chega-se a um quadro comparativo
acerca dos métodos interpretativos condizentes tanto com a escola positivista
quanto pós-positivista.
322 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 216-217. 323
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 302-303. 324
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, 5 ed, Coimbra: Almedina, 1991. pág. 162. 325
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 168.
92
QUADRO DE ANALISE
Método Clássico - Positivismo Jurídico
Métodos Hermenêuticos - Pós-positivismo
GRAMATICAL INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
HISTÓRICO PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS
SISTEMÁTICO HERMENÊUTICA CONSTRUTIVA
TELEOLÓGICO SUPREMACIA DA CONSTITIÇÃO
ANALÓGICO UNIDADE DA CONSTIUIÇÃO
(SALVADOR, 2012) 3.3 ASPECTOS HERMENÊUTICOS NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPIRMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL N. 132 DO STF
Feito o quadro comparativo no item anterior acerca dos principais
métodos de interpretação do direito no que tange às escolas positivista e pós-
positivista, passa-se a analisar a partir de agora os principais aspectos e
peculiaridades até aqui estudados a partir do julgamento da ADPF 132 do Supremo
Tribunal Federal.
De início, cabe fazer algumas considerações acerca do próprio
instrumento da ADPF, para então fazermos a conclusão do trabalho com a análise
jurisprudencial do julgado na referida ADPF.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental é um
mecanismo de controle de constitucionalidade que na Constituição Federativa do
Brasil de 1988 está prevista no art. 102 § 1°326, que por sua vez é regulada pela Lei
9.882 de 3 de dezembro de 1999327.
Ao regular a referida arguição, a Lei 9.882/1999 dispõe, já em seu
art. 1°, que A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será
326 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...]
A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. 327
BRASIL. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1
o do art. 102 da Constituição Federal. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9882.htm
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proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar
lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público328.(grifou-se)
Por sua vez, o inciso primeiro do parágrafo único ainda do referido
artigo 1° da Lei 9.882/1999, dispõe que:
Parágrafo único329. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (grifou-se)
Esta ação portanto, tem o condão de conferir um maior controle de
constitucionalidade às leis ou atos normativos decorrentes do poder público,
possuindo relevante função diante do direito pré-constitucional de forma a adequar
as normas estaduais ou municipais, por ventura editadas antes da promulgação da
Constituição, em conformidade com o direito nesta positivado330.
A referida ação é subdividida, ainda, em autônoma e incidental,
sendo que esta pode ser manejada por qualquer particular no curso de uma ação a
luz de um caso concreto que, uma vez levada ao STF, restará suspensa a ação que
lhe deu origem até o pronunciamento final da referida Corte331.
Já a ação autônoma, que é objeto do trabalho, é procedida mediante
um controle de constitucionalidade concentrado abstrato e é dirigida diretamente ao
Supremo Tribunal Federal mediante os seus legitimados ativos332 que, nos termos do
art. 103333, inc. I a IX da CRFB/1988 são: o Presidente da República; a Mesa do
Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia
328 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1.127. 329
BRASIL. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1
o do art. 102 da Constituição Federal. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9882.htm 330
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1.127. 331
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1.128. 332
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed, São Paulo: Atlas, 2006. p. 708. 333
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
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Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou
do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional
e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional334.
3.3.1 Contexto histórico Processual da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Supremo Tribunal Federal.
Aludidas as considerações necessárias acerca do instrumento da
arguição de descumprimento de preceito fundamental, propriamente dita, no
ordenamento jurídico brasileiro para prosseguimento e conclusão do trabalho,
analisar-se-á, a partir de agora, o contexto histórico da ADPF 132 para que
possamos dissecá-la a partir da proposta apresentada.
Inicialmente, a ADPF 132 foi manejada, com pedido de liminar, pelo
Governador do Estado do Rio de Janeiro, o qual suscitou, em síntese,
descumprimento do preceito fundamental resultante da interpretação dada aos
incisos II e V do art. 19335 e aos incisos I a X do art. 33336, todos do Decreto-Lei
334 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed, São Paulo: Atlas, 2006. p. 708.
335 Art. 19 - Conceder-se-á licença:
II - por motivo de doença em pessoa da família, com vencimento e vantagens integrais nos primeiros 12 (doze) meses; e, com dois terços, por outros 12 (doze) meses, no máximo; V - sem vencimento, para acompanhar o cônjuge eleito para o Congresso Nacional ou mandado servir em outras localidades se militar, servidor público ou com vínculo empregatício em empresa estadual ou particular; 336
Art. 33 - O Poder Executivo disciplinará a previdência e a assistência ao funcionário e à sua família, compreendendo: I - salário-família; II - auxílio-doença; III - assistência médica, farmacêutica, dentária e hospitalar; IV - financiamento imobiliário; V - auxílio-moradia; VI - auxílio para a educação dos dependentes; VII - tratamento por acidente em serviço, doença profissional ou internação compulsória para tratamento psiquiátrico; VIII - auxílio-funeral, com base no vencimento, remuneração ou provento; IX - pensão em caso de morte por acidente em serviço ou doença profissional; X - plano de seguro compulsório para complementação de proventos e pensões. Parágrafo único - A família do funcionário constitui-se dos dependentes que, necessária e comprovadamente, vivam a suas expensas.
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Estadual n. 220/1975337, que segundo o requerente, estavam implicando em efetiva
redução dos direitos às pessoas de preferência homossexual338.
Sustentou que as decisões proferidas no Estado do Rio de Janeiro,
em relação a outras unidades da federação, vinham negando às uniões
homoafetivas estáveis o rol de direitos reconhecidos aos casais denominados como
“heterossexuais”339, consoante destaca-se da passagem do relatório, que aponta, de
plano, os preceitos fundamentais ditos violados:
Nessa linha de clara irresignação quanto ao modo juridicamente reducionista com que são tratados os segmentos sociais dos homoafetivos, argui o autor que têm sido ininterruptamente violados os preceitos fundamentais da igualdade, da segurança jurídica (ambos topograficamente situados no caput do art. 5º), da liberdade (inciso II do art. 5º) e da dignidade da pessoa humana (inciso IV do art. 1º). Donde ponderar que a homossexualidade constitui “fato da vida [...] que não viola
qualquer norma jurídica, nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros”. Cabendo lembrar que o “papel do Estado e do Direito em uma sociedade democrática, é o de assegurar o desenvolvimento
da personalidade de todos os indivíduos, permitindo que cada um realize os seus projetos pessoais lícitos340. (grifou-se).
Dentre outros argumentos levantados, afirmou o requerente que é
parte perfeitamente legítima para promover a presente demanda, porquanto
representante de toda a sociedade fluminense, incluindo casais homoafetivos, pois
considerando o fato que o decreto ora questionado foi editado bem antes da
promulgação da Constituição Federal de 1988, a única ação objetiva que pode ser
manejada com vista a cessar inúmeras controvérsias no âmbito administrativo e
judicial, bem como de afastar a lesão em caráter geral é a presente ADPF, que
poderá por fim ao estado de inconstitucionalidade decorrente da discriminação
contra os homossexuais341.
337 Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro
338 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 339
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 340
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 341
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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Estas são as principais razões preliminares suscitadas pelo arguente
no sentido de requerer o conhecimento da arguição, pois a fim de demonstrar os
requisitos iniciais para conhecimento da demanda, afirmou haver descumprimento
de preceito fundamental em face do Decreto-Lei n. 220/1975 do Estado do Rio de
Janeiro, o qual regula a questão previdenciária para os servidores civis e que não
estava sendo aplicada em favor de “famílias homoafetivas”.
A arguição foi conhecida como ação direta de inconstitucionalidade,
pois já estava em trâmite a ação direta de número 4.277, a qual tinha o mesmo
objeto da ADPF 132, sendo ambas julgadas em conjunto342.
Por fim, vale consignar que inúmeras entidades de classes
integraram a lide na condição de amicus curiae como partes interessadas em uma
decisão favorável à pretensão do aguente343.
3.3.2. Analise Metodológica dos Princípios Violados em Relação aos dispositivos constitucional e legal questionados na arguição
A questão posta no mérito pelo arguente foi a possibilidade de se
atribuir uma interpretação conforme a constituição a partir de uma principiologia
constitucional, tendo como razão do pedido os seguintes princípios e respectivos
fundamentos344:
I - Princípio da Igualdade: o legislador e o intérprete não podem
conferir tratamento diferenciado a pessoas e a situações substancialmente iguais, sendo-lhes constitucionalmente vedadas quaisquer diferenciações baseadas na origem, no gênero e na cor da pele (inciso IV do art. 3º);
II - Princípio da Liberdade: a autonomia privada em sua dimensão
existencial manifesta-se na possibilidade de orientar-se sexualmente e em todos os desdobramentos decorrentes de tal orientação;
III - Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: todos os projetos
pessoais e coletivos de vida, quando razoáveis, são merecedores de respeito, consideração e reconhecimento;
342 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 343
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 344
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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IV - Princípio da Segurança Jurídica: a atual incerteza quanto ao
reconhecimento da união homoafetiva e suas conseqüências jurídicas acarreta insegurança jurídica tanto para os partícipes da relação homoafetiva, quanto para a própria sociedade;
V - Princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade: a
imposição de restrições é de ser justificada pela promoção de outros bens jurídicos da mesma hierarquia. Caso contrário, estar-se-ia diante de um mero preconceito ou de um autoritarismo moral.
Com base nestes princípios, o arguente, segundo destacado pelo
relator, postulou a aplicação do método analógico de integração do direito com
vistas a equiparar as uniões homoafetivas às uniões estáveis que se dão entre
pessoas heterossexuais, pois há de incidir a norma prevista no art. 1.723345 do
Código Civil Brasileiro.
Por sua vez, outro aparente óbice quanto ao reconhecimento da
união homoafetiva entre casais do mesmo sexo seria a falta de Lei específica
regulando a matéria, visto que o art. 226346, § 3° da Constituição Federal de 1988,
que tutela a família, dispõe que: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento.(grifou-se).
Contudo, a este respeito foi destacado na ementa o seguinte
excerto347:
O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial
proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como
345 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família 346
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 347
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
[...]
A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos
heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Deste modo, restou consignado já na ementa do acórdão que era
possível, a partir de uma interpretação principiológica, reconhecer-se a união estável
entre casais do mesmo sexo ainda que na ausência de previsão legal.
A Advocacia Geral da União, por sua vez, manifestou-se a respeito
de tal possibilidade com a seguinte ementa348:
Direitos Fundamentais. Uniões homoafetivas. Servidor Público. Normas estaduais que impedem a equiparação do companheiro de relação homoafetiva como familiar. Preliminares. Conhecimento parcial da ação. Falta de pertinência temática e de interesse processual. Mérito: observância dos direitos fundamentais à igualdade e à liberdade. Exigências do bem comum. Direito comparado Decisões dos Tribunais Superiores. Manifestação pelo conhecimento parcial da ADPF para que, nessa parte, seja julgado procedente, sem pronúncia de nulidade, com interpretação conforme a Constituição [somente dos dispositivos
do Decreto-lei estadual n° 200/75), a fim de contemplar os parceiros da união homoafetiva no conceito de família. (grifou-se)
Como forma de assentar os principais elementos e fundamentos do
julgado, para então precisar os aspectos hermenêuticos relacionados ao objeto do
348 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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trabalho, destaca-se, de forma resumida, o parecer da Procuradoria Geral da
República da lavra da Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira349:
a) o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar pela ordem infraconstitucional brasileira priva os parceiros destas entidades de uma série de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais, e revela também a falta de reconhecimento estatal do igual valor e respeito devidos à identidade da pessoa homossexual;
b) este não reconhecimento importa em lesão a preceitos fundamentais da Constituição, notadamente aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da vedação à discriminação odiosa (art. 3º, inciso IV), e da igualdade (art. 5º, caput), da liberdade (art. 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica;
c) é cabível in casu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, uma vez que a apontada lesão decorre de atos omissivos e comissivos dos Poderes Públicos que não reconhecem esta união, dentre os quais se destaca o posicionamento dominante do Judiciário brasileiro, e inexiste qualquer outro meio processual idôneo para sanar a lesividade;
d) a redação do art. 226, § 3º, da Constituição, não é óbice intransponível para o reconhecimento destas entidades familiares, já que não contém qualquer vedação a isto;
e) a interpretação deste artigo deve ser realizada à luz dos princípios fundamentais da República, o que exclui qualquer exegese que aprofunde o preconceito e a exclusão sexual do homossexual;
f) este dispositivo, ao conferir tutela constitucional a formações familiares informais antes desprotegidas, surgiu como instrumento de inclusão social. Seria um contra-senso injustificável interpretá-lo como cláusula de exclusão, na contramão da sua teleologia.
g) é cabível uma interpretação analógica do art. 226, §3º, pautada pelos princípios constitucionais acima referidos, para tutelar como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo;
h) diante da falta de norma regulamentadora, esta união deve ser regida pelas regras que disciplinam a união estável entre homem e mulher, aplicadas por analogia.”
Como pode se ver, do parecer da Procuradoria Geral da República,
especialmente a partir dos itens d) e e ), a representante do Ministério Público afirma
categoricamente que o disposto no art. 226, § 3° da Constituição Federal de 1988
não é óbice para o reconhecimento de entidades familiares e que a interpretação do
349 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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referido artigo deve ser dada à luz dos princípios fundamentais da República, ainda
que na ausência de Lei específica.
Destacados os principais elementos que compõe o mérito do
julgado, passa-se a verificar as relações dos princípios mencionados no acórdão,
quais sejam, princípio da igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa humana,
da segurança jurídica, razoabilidade e proporcionalidade, com a interpretação que
lhes foi dada no caso em exame.
Ao compulsar o acórdão a partir de uma perspectiva hermenêutica
atribuída a cada um dos bens jurídicos em exame, percebeu-se que em virtude da
ausência de previsão legal que regule a união homoafetiva, ficou assentado que o §
3° do art. 226 da Constituição Federal de 1988 deve ser interpretado em conjunto
com os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e
com o da segurança jurídica, de modo a conferir-se interpretação conforme à
constituição ao art. 1.723 do Código Civil Brasileiro350 a luz do princípio da
supremacia da constituição351.
Outra premissa assentada como fundamento da interpretação dada
ao caso, foi a de que há incompatibilidade material entre os preceitos fundamentais
ditos violados e as decisões administrativas e judiciais proferidas, as quais eram
divergentes em vários estados da Federação352.
Ainda como razão de decidir, o ministro relator, Ayres Britto, fez
questão de destacar a importância do reconhecimento de uma sociedade plural,
uma sociedade sem preconceitos e que deve repudiar toda e qualquer discriminação
350 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 351
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BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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odiosa em razão do que assenta a própria constituição quando alberga os princípios
fraternos como o da igualdade, fraternidade e não discriminação353.
Prosseguindo, destacou que a posição de direito fundamental que
ocupa o direito da personalidade, da preferência sexual, se põe como direta
inferência do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1°, inc. III da
CRFB/1988354
Destarte, dada o silêncio da Constituição quanto à possibilidade de
se reconhecer a união homoafetiva, destacou-se que com o aporte da regra da auto-
aplicabilidade possível das normas consubstanciadas nos direitos e garantias
fundamentais, conclui-se logicamente que a liberdade sexual do ser humano
somente deixaria de ter a observância de tais direitos se houvesse enunciado, na
própria constituição, em sentido diverso, o que não existe, segundo afirmado355:
IV – essa liberdade para dispor da própria sexualidade insere-se no rol dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é de autonomia de vontade, direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e até mesmo “cláusula pétrea”, nos termos do
inciso IV do §4º do art. 60 da CF (cláusula que abrange “os direitos e garantias individuais” de berço diretamente constitucional) VI – enfim, assim como não se pode separar as pessoas naturais do sistema de órgãos que lhes timbra a anatomia e funcionalidade sexuais, também não se pode excluir do direito à intimidade e à vida privada dos indivíduos a dimensão sexual do seu telúrico existir. Dimensão que, de tão natural e até mesmo instintiva, só pode vir a lume assim por modo predominantemente natural e instintivo mesmo, respeitada a mencionada liberdade do concreto uso da sexualidade alheia. Salvo se a nossa Constituição lavrasse no campo da explícita proibição (o que seria tão obscurantista quanto factualmente inútil), ou do levantamento de diques para o fluir da sexuada imaginação das pessoas (o que também seria tão empiricamente ineficaz quanto ingênuo até, pra não dizer ridículo). Despautério a que não se permitiu a nossa Lei das Leis. Por conseqüência, homens e mulheres: a) não
podem ser discriminados em função do sexo com que nasceram; b) também não podem ser alvo de discriminação pelo empírico uso que
353 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 354
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 355
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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vierem a fazer da própria sexualidade; c) mais que isso, todo espécime feminino ou masculino goza da fundamental liberdade de dispor sobre o respectivo potencial de sexualidade, fazendo-o como expressão do direito à intimidade, ou então à privacidade (nunca é demais repetir). O que significa o óbvio reconhecimento de que todos são iguais em razão da espécie humana de que façam parte e das tendências ou preferências sexuais que lhes ditar, com exclusividade, a própria natureza, qualificada pela nossa Constituição como autonomia de vontade. Iguais para suportar
deveres, ônus e obrigações de caráter jurídico positivo, iguais para titularizar direitos, bônus e interesses também juridicamente positivados. (grifos no original)
A partir destes elementos, o Supremo entendeu por bem aplicar uma
interpretação não-reducionista ao conceito de família e, de modo a aplicar
interpretação conforme à constituição ao art. 1.723 do Código Civil356 à luz dos
princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da segurança jurídica,
que por serem revestidos de status de direito fundamental, entendeu que estes
devem ser ponderados no sentido de permitir uma interpretação convergente em
favor dos casais homoafetivos357.
Em conformidade com o destacado pelo Ministro Luiz Fux, os
direitos fundamentais também importam em parâmetros para criação e constituição
de organizações e instituições estatais, ou seja, os deveres de proteção do Estado
podem concretizar-se também por intermédio de órgãos ou procedimentos
estabelecidos para a efetivação dos direitos fundamentais358, conforme bem
destacou no seguinte excerto359:
O processo jurisdicional é, por excelência, o locus da proteção dos
direitos fundamentais. A jurisdição, como função primordial do Estado, precisa estar dirigida à consagração dos direitos fundamentais, como, de resto, a atividade estatal como um todo – do contrário, perde-se a própria razão de ser do Estado. Quando o processo resulta em flagrante e disseminada violação dos direitos fundamentais – sobretudo aqueles que dizem com os direitos da
356 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 357
BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 358
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BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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personalidade, como os de que ora se cuida –, o Estado tem o dever de operar os instrumentos de fiscalização de constitucionalidade aptos a derrotar o abuso.
Como pode se ver, a maior preocupação em voga no julgamento foi
justamente preservar os direitos fundamentais da minoria homossexual, que buscou,
junto ao Supremo, o reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo,
de maneira que mediante uma interpretação ponderativa dos valores até aqui
destacados, permitiu-se reconhecer a pretensão do requerente no sentido de se
reconhecer a união estável entre casais do mesmo sexo.
No que tange à aplicação dos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, vale aqui fazer uma remissão ao item 2.6.1, o qual discorreu
acerca da ponderação de princípios, oportunidade em que se destacou o papel que
os princípios ora em comento exercem no desenvolvimento da técnica da
ponderação, ou seja, como vetores dos princípios sopesados como critérios de
decisão, conforme aliás, faz destaque o Ministro Luiz Fux ao mencionar o termo
razoável como forma de medir uma hierarquia entre entidades, que dada a
pertinência, transcreve-se o excerto:
Existe razoável consenso na ideia de que não há hierarquia entre entidades. Portanto, entre o casamento e a união estável heterossexual não existe, em princípio, distinção ontológica; o tratamento legal distinto se dá apenas em virtude da solenidade de que o ato jurídico do casamento – rectius, o matrimônio – se reveste, da qual decorre a segurança jurídica absoluta para as relações dele resultantes, patrimoniais (como, v.g., o regime de bens ou os
negócios jurídicos praticados com terceiros) e extrapatrimoniais.
Aprofundando, ainda, a questão de se responder à indagação
acerca da existência de aspectos hermenêuticos relacionados às escolas positivista
e pós-positivista, o excerto extraído do corpo do acórdão na passagem do voto do
ministro Ayres Britto, destacado abaixo, pode apontar uma eventual resposta,
porquanto justifica, inclusive, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade numa direta crítica à Hans Kelsen:
Nada obstante, sendo o Direito uma técnica de controle social (a mais engenhosa de todas), busca submeter, nos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, as relações deflagradas a partir dos sentimentos e dos próprios instintos humanos às normas que lhe servem de repertório e essência. Ora por efeito de uma “norma geral positiva” (Hans Kelsen), ora por efeito de uma “norma geral negativa” (ainda segundo Kelsen, para cunhar as regras de clausura ou fechamento do Sistema Jurídico, doutrinariamente concebido como realidade normativa que se
104
dota dos atributos da plenitude, unidade e coerência).
Precisamente como, em parte, faz a nossa Constituição acerca das funções sexuais das pessoas360. (grifou-se)
Vale apontar ainda, que em diversas passagens do acórdão foi
mencionado o critério da analogia como forma de colmatar a lacuna existente no
ordenamento jurídico, mormente na aplicação do art. 1.723 do Código Civil
Brasileiro, que pelo Ministro Luiz Fux, restou evidenciado que: Como é de
conhecimento geral, o Judiciário brasileiro, em seus diversos níveis, vem,
paulatinamente, firmando o devido reconhecimento dos direitos decorrentes dessas
uniões, invocando e adotando, por analogia, o art. 1.723 do Código
Civil361.(grifou-se)
Ou seja, a analogia foi amplamente utilizada para a aplicação do art.
1.723 do Código civil Brasileiro, conforme destacou o Ministro Ricardo
Lewandowski362:
Como se sabe, ante a ausência de regramento legal específico, pode o intérprete empregar a técnica da integração, mediante o emprego da analogia, com o fim de colmatar as lacunas porventura existentes no ordenamento legal, aplicando, no que couber, a disciplina normativa mais próxima à espécie que lhe cabe examinar, mesmo porque o Direito, como é curial, não convive com a anomia.
Outros métodos aplicados como forma de decidir a questão foram os
métodos sistemático e teleológico, na medida em que o § 3º do art. 226 da
CRFB/1988 era visto como óbice ao reconhecimento da união entre pessoas do
mesmo sexo, mas que a partir de uma interpretação principiológica sistemática
permitiu o reconhecimento de valores sociais como o da igualdade, não
descriminação e dignidade da pessoa humana, operabilidade como eficácia social e
sobretudo o afeto, ao ponto de se atribuir tutela estatal às minorias homossexuais363.
360 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 361
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A partir desta perspectiva possibilitou-se à extensão às uniões
homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas
ditas heterossexuais, a partir de uma incidência direta dos princípios constitucionais
da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica, bem como do
postulado de que todo ser humano tem o direito, intransponível, da busca da
felicidade, e que todos estes princípios devem ser interpretados num sentido
inclusivo mediante um perspectiva de coerência constitucional364.
Feita esta análise a partir dos princípios e em relação aos métodos
aplicados na interpretação atribuída ao caso, bem como em relação às normas que
regem a questão no ordenamento jurídico brasileiro, chegou-se a construção do
seguinte quadro comparativo descrito no item seguinte.
3.3.3. Aspectos Hermenêuticos na ADPF 132
PRINCÍPIO / BEM JURÍDICO
MÉTODO INTERPRETATIVO
ESCOLA
Dignidade Humana Ponderação
Sistemático
Teleológico
Pós-Positivismo
Positivismo
Igualdade Ponderação
Teleológico
Pós-Positivismo
Positivismo
Liberdade Ponderação Pós-Positivismo
Segurança Jurídica Teleológico Sistemático
Analógico
Conforme à Constituição
Positivismo
Pós-positivismo
Razoabilidade Ponderação Pós-positivismo
Proporcionalidade Ponderação Pós positivismo
364 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
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A partir da análise do julgado feita em relação à proposta inicial
do trabalho, percebeu-se a aplicação de diversos métodos tanto da escola positivista
quanto pós-positivista, que ora aplicados isoladamente, ora em conjunto com outros
métodos, conforme mencionado no quadro anterior, bem como na transcrição dos
excertos, nos leva a inferência de que, muito embora exista uma divergência
histórica acerca dos critérios e métodos de abordagem do direito, seja como ciência,
seja a partir de um enfoque hermenêutico, resta evidente a existência de uma norma
fundamental que erradia uma gama principiológica por todo o sistema e que a partir
desta reflexão deve se alcançar ao máximo a efetividade da Constituição.
No que tange ao princípio da dignidade da pessoa humana,
verificou-se que este é um dos princípios que devem ser mais observados na
aplicação do direito, confirmando a afirmação de Alexy, pois tal princípio constitui um
dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e na Constituição Federativa do
Brasil de 1988 vem positivada em seu art. 1º inciso III365, de onde, segundo se infere
do acórdão, deve ser irradiado ao máximo para as relações jurídicas.
Com efeito, na busca da maior efetividade deste princípio, levou-se
em consideração o peso dele face aos demais bens jurídicos em análise, uma vez
que, conforme já ventilado no capitulo segundo, Robert Alexy já assinalava que este
princípio desperta um sentido de absolutez, na medida em que o mesmo é
enfrentado dentro de um ordenamento jurídico tanto como regra quanto como
princípio.
No presente julgado, o princípio da dignidade humana foi
relacionado diversas vezes com outros bens jurídicos que devem ser interpretados
com o fim de se otimizar ao máximo a eficácia deste princípio, a exemplo do direito à
auto-estima e da consciência do indivíduo, e até mesmo do direito à vida.
365 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
107
A partir deste entendimento, é que se conclui que o método
teleológico, a ponderação de princípios, bem como a interpretação sistemática,
considerando ainda o princípio da unidade da constituição, já visto neste capítulo,
foram aplicados no julgamento a fim de se efetivar o princípio da dignidade humana.
Ademais, inevitavelmente teve que se operar, para a melhor
efetivação do princípio da dignidade humana, o método da ponderação, o qual
atraiu, inevitavelmente, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, conforme
visto alhures.
Já o princípio da igualdade, igualmente destacado na tabela como
sendo manejado por meio dos métodos da ponderação e interpretação teleológica,
restou amplamente cotejado como fundamento da decisão, porquanto em diversos
trechos do acórdão este princípio é invocado, inclusive na sua denominada forma
material, a qual tem por fim igualar os desiguais como forma de combater as
discriminações odiosas366.
Atribuir, portanto, a interpretação deste princípio pela via dos
métodos da ponderação ao método teleológico é constatar, a partir do julgamento,
que o principio da igualdade deve ser acolhido como valor supremo de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, conforme menção feita pelo
Ministro Luiz Fux à obra “A Virtude Soberana: a teoria e prática da igualdade” de
Dworkin, que muito bem demonstra, segundo o Ministro, a preocupação com a
questão da igualdade ao afirmar que um dos princípios que deve nortear sua
efetivação requer que o governo crie instrumentos para que seus cidadãos, seja qual
for a raça, etnia, orientação sexual, tenham garantidos um destino digno367.
Em razão desta finalidade, ou seja, desta interpretação teleológica, é
que se permitiu, novamente, ponderar os bens jurídicos em exame a fim de se
chegar a uma decisão justa e coerente com a gama principiológica albergada pela
Constituição e que deve ser interpretada harmonicamente, ainda, repita-se, que na
366 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 . 367
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ausência de previsão legal, o que acaba por nos remeter ao problema do positivismo
jurídico.
Do princípio da liberdade constatou-se que na sua aplicação foram
sopesados outros bens jurídicos, do mesmo modo, em conformidade com a
Constituição, pois esta definição principiológica abrange uma série de outros direitos
individuais como o direito à liberdade de escolha da orientação sexual, intimidade,
vida priva, que por isso deve ser, do mesmo modo, acolhido pela Constituição no
seu rol de liberdades individuais, merecendo igualmente a proteção do Estado.
Daí a ponderação aplicada no âmbito das liberdades individuais,
posto que em face deste método, o qual implica necessariamente na adequação
social dada a este princípio, que deve ser estendida para a liberdade de escolha dos
cidadãos acerca de suas relações afetivas, conclui-se pela necessidade de se
atribuir uma interpretação conforme a Constituição.
Finalmente, no que concerne aos princípios da unidade da
constituição e a denominada hermenêutica construtiva, métodos estes estritamente
pós-positivista, percebeu-se que ambos são espécies do gênero interpretação pós
positivista até aqui destacadas, porquanto decorrem da própria ideia de
neoconstitucionalismo e força normativa da Constituição, mormente no que
resguarda ao princípio da supremacia da constituição, sendo que da denominada
hermenêutica construtiva, como forma de resumir a análise feita do julgado,
transcreve-se a citação extraída do corpo do acórdão368
Com este julgamento, o Brasil dá um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que têm marginalizado grupos minoritários em nosso País, o que torna imperioso acolher novos valores e consagrar uma nova concepção de Direito fundada em nova visão de mundo, superando os desafios impostos pela necessidade de mudança de paradigmas, em ordem a viabilizar, como política de Estado, a instauração e a consolidação de uma ordem jurídica genuinamente inclusiva.
É por tal razão que o magistério da doutrina - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) – tem
368 BRASIL. Supremo tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 do Estado
do Rio de Janeiro, Relator Ministro Ayres Britto. Brasília, DF. 5 de maio de 2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598238 .
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revelado admirável percepção quanto ao significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. (grifos no original)
Além dos aspectos hermenêuticos destacados neste capítulo, o
acórdão ora em exame alude outras nunces acerca da denominada hermenêutica
construtiva aplicada ao caso, onde destacam-se com maior detalhes os aspectos
hermenêuticos empreendidos no julgamento da questão, como no voto mais
detalhado dos Ministros, mas que por questão de metodologia e para evitar-se
prolixidade neste capítulo, dar-se-á remissão ao próprio acórdão para
aprofundamento dos detalhes.
De qualquer forma, os principais aspectos pesquisados neste
capítulo foram apontados, não com uma riqueza de detalhes necessária, mas de
forma suficiente a perceber que os métodos hermenêuticos empreendidos no
julgamento guardam fortes relações com os debates especificados tanto no primeiro
quanto no segundo capítulo no que tange aos métodos de criação e aplicação do
direito.
A arguição ao final foi julgada procedente, com efeito vinculante,
conforme colhe-se o extrato da ata369, no sentido de declarar a obrigatoriedade do
reconhecimento como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo.
369 Decisão: Chamadas, para julgamento em conjunto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e a Argüição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, após o voto do Senhor Ministro Ayres Britto (Relator), que julgava parcialmente prejudicada a ADPF, recebendo o pedido residual como ação direta de inconstitucionalidade, e procedentes ambas as ações, foi o julgamento suspenso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Falaram, pela requerente da ADI 4.277, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República; pelo requerente da ADPF 132, o Professor Luís Roberto Barroso; pela Advocacia-Geral da União, o Ministro Luís Inácio Lucena Adams; pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos; Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM; Grupo Arco-íris de Conscientização Homossexual; Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT; Grupo de Estudos em Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais - GEDI-UFMG e Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Minas Gerais - Centro de Referência GLBTTT; ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero; Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e a Associação Eduardo Banks, falaram, respectivamente, o Professor Oscar Vilhena; a Dra. Maria Berenice Dias; o Dr. Thiago Bottino do Amaral; o Dr. Roberto Augusto Lopes Gonçale; o Dr. Diego Valadares Vasconcelos Neto; o Dr. Eduardo Mendonça; o Dr. Paulo Roberto lotti Vecchiatti; o Dr. Hugo José Sarubbi Cysneiros de Oliveira e o Dr. Ralph Anzolin Lichote. Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.05.2011. Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal conheceu da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de inconstitucionalidade, por votação unânime. Prejudicado o primeiro
110
Todavia, em que pese os argumentos empreendidos na exegese
aplicada ao caso concreto, bem como a importância a qual, sem dúvidas, deve ser
dada aos direitos fundamentais, a preocupação demonstrada nos dois primeiros
capítulos acerca de quais métodos sãos os mais adequados para se ter uma ciência
do direito são identificados a partir de críticas que foram feitas aos critérios adotados
no julgamento para se permitir, ainda que na ausência de legislação específica, a
regulamentação por parte do judiciário de uma situação não prevista em Lei.
Ao discorrer sobre o julgamento da referida ADPF 132, Lênio Strek,
juntamente com Rogério Montai de Lima, publicaram um artigo intitulado de O
Direito de Conversão da União Estável em Casamento nas Relações Homoafetivas,
onde iniciam tecendo uma crítica acerca das consequências da decisão dada
mediante interpretação conforme a Constituição, consoante colhe-se do trecho:
Despiciendo referir que o presente texto – e a posição nele expressa – não significa reconhecer que a decisão do STF, no julgamento da ADPF 132, tenha sido correta e/ou adequada à Constituição. Na verdade, a decisão do STF – como já ficou explicitado no texto “Ulisses e o canto das sereias. Sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um terceiro turno da constituinte” – revelou-se desbordante da Constituição, mormente ao fazer uma interpretação conforme de um dispositivo do Código Civil que diz a mesma coisa que a Lei Maior. Ou seja, ao assim proceder, o STF fez uma verfassungskonforme Auslegung bem à brasileira. Entretanto, e levando em conta que, em um sistema democrático, a suprema Corte tem o “direito” de errar por ultimo, cabe, a partir daí, traçar os horizontes que se abrem (ou que se fecham) com a novel decisão370.
De qualquer modo, muitas são as críticas feitas até mesmo ao
paradigma da ponderação, uma vez que este aniquilaria até mesmo com as regras e
com o exercício regular do princípio democrático por intermédio da função
legiferante legitimada ao Congresso, porquanto ao se admitir o uso de princípios
constitucionais, ainda nas hipóteses de lacuna, estar-se-ia consentindo com uma
pedido originariamente formulado na ADPF, por votação unânime. Rejeitadas todas as preliminares, por votação unânime. Em seguida, o Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão, independentemente da publicação do acórdão. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Plenário, 05.05.2011. 370
STRECK, Lênio Luiz; DE LIMA, Rogério Montai. O direito de Conversão da União Estável em Casamento nas Relações Homoafetivas. In Revista Síntese Direito de Família. V. 13, n. 67, ago./set. São Paulo: 2011. p. 101.
111
desvalorização da função legislativa, que é para quem é outorgada função
legislativa371.
Por outro lado, os debates acerca de um método adequado para o
direito a partir de uma perspectiva positivista e pós-positivista, ao que parece,
continua em voga, pois com a ascensão dos direitos fundamentais, bem como de
uma interpretação principiológica, resta admissível a ideia de que o direito deve levar
em conta valores que circundam a ordem natural das coisas, sem contudo, deixar de
lado a premissa de que é necessário um método objetivo e linear como ponto de
partida para que as decisões guardem entre si uma singularidade legítima e ao
mesmo tempo coerente, mormente a partir daquele dogma que sem dúvidas é um
dos que mais representa os Estado Democrático de Direito, que é o da tripartição
dos poderes.
371 ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. In Revista
Brasileira de Direito Público. Ano 1. abr. a jun. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 18.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da análise da pesquisa empreendida na elaboração do trabalho, foi possível
constatar-se que o positivismo jurídico foi uma doutrina aprimorada na Europa
Continental principalmente a partir do movimento iluminista e da revolução científica,
esta por sua vez impulsionada a partir do desenvolvimento da geometria e das
ciências exatas, como a matemática e a física.
Este movimento ganhou força principalmente a partir da Revolução
Francesa, que como formar de impor limites aos abusos cometidos pelo soberano,
buscou, através da razão, criar mecanismos de controle social a partir de normas
pré-estabelecidas e codificadas como forma de se obter segurança jurídica entre os
cidadãos.
Com o desenvolvimento da teoria dos sistemas a partir do apogeu do
cartesianismo, buscou-se estender os métodos aplicados para as ciências exatas
aos demais ramos do conhecimento, de maneira que com o movimento pela
codificação na Europa e a pretensão de se obter um método universal para os
estudos das ciências, o Direito foi abarcado por esta doutrina pretensamente
universal, adquirindo, desde o Código de Napoleão, uma pretensa objetividade e
exatidão que visara banir toda e qualquer metafísica ou outros juízos calcados em
valores, sob pena de não ser uma verdadeira ciência.
Foram destacados alguns aspectos normativos a fim de se justificar a
relação do direito como ciência, a exemplo dos modais deônticos da norma, onde
constatou-se que esta possui a estrutura de um comando e que, segundo a doutrina
do positivismo jurídico, o judiciário seria uma mera boca pronunciadora da lei, esta
por sua vez, emitida unicamente pelo poder legislativo, o seu verdadeiro e legítimo
legislador, consoante se constatou da teoria dos três poderes elaboradas por
Montesquieu.
Já no início do século XX, Hans Kelsen idealizou a Teoria Pura do Direito, a
qual buscou, definitivamente, atribuir um status científico para dentro do Direito,
sobretudo a partir de uma visão exata e objetiva semelhante à lógica e à
matemática, que tinha como característica ser uma pirâmide hierárquica de normas,
cuja validade das demais dela dependeria em razão de sua superioridade
113
hierárquica, sem, contudo, qualificar e precisar com clareza o conteúdo desta norma
hipotética fundamental.
Com o esgotamento desta metodologia aplicada ao Direito após os fatos que
ocorreram na Europa durante a segunda Guerra Mundial, os quais muitos autores
atribuam, em parte, responsabilidade à estrita legalidade a qual foi empreendida na
sistemática dos governos, passou-se a revindicar para o Direito uma metodologia
que se pautasse, igualmente, pela observância de valores na interpretação do
direito, e não só numa base conceitual fria e mecânica, conforme pretendiam os
entusiastas do positivismo jurídico.
A partir destas críticas dirigidas ao modelo axiomático dedutivo típico do
positivismo jurídico, é que Theodor Viehweg e Chaim Perelman trazem uma nova
perspectiva para a teoria do Direito baseada na dialética dos antigos, na medida em
que afirmam ser a retórica e a tópica necessárias para se garantir um juízo de
aceitação das decisões judiciárias, as quais devem ser calcadas na persuasão
através da argumentação jurídica voltada para o ponto de vista do público comum, o
que inevitavelmente exige da prática judiciária uma adequação de suas decisões
com os anseios sociais.
Com efeito, com finalidade de promover uma contraofensiva ao positivismo
jurídico, surge o movimento denominado de pós-positivismo, que apoiado nos ideais
de Viehweg e Perelman, busca desenvolver a partir da segunda metade do século
XX uma teoria da argumentação jurídica calcada, sobretudo, na ideia de que o
Direito deve ser concebido a partir de uma visão principiológica e ética que deve
nortear as decisões judiciárias.
A partir desta contraofensiva ao positivismo jurídico, os sistemas jurídicos
modernos passaram a adotar uma nova sistemática Constitucional voltada para
aqueles que ficaram conhecidos como direitos fundamentais, os quais passaram a
ser positivados nas constituições modernas e mais do que isso, a ocupar o topo da
pirâmide normativa desenvolvida por Kelsen, conquanto, atribuindo à validade do
sistema mais que um caráter meramente formal, mas principalmente material.
Neste contexto, ganha relevo o denominado neoconstitucionalismo, o qual,
ainda que não precisamente definido pela doutrina, representou uma espécie do
gênero pós-positivismo, onde buscou atribuir caráter normativo aos princípios
constitucionais que, diferentemente das normas infraconstitucionais, possuem o
114
mesmo valor e peso e devem ser sopesadas mediante o método da ponderação
quando da resolução do caso concreto.
A partir disso, a constituição passa a adquirir uma força normativa que
transcende a mera divisão hierárquica das demais normas infraconstitucionais e
permite que o judiciário tenha uma maior atuação a partir de um critério prático-
racional de controle de suas decisões, onde a Constituição, e bem assim seus
princípios, devem ser protegidos e, mais do que isso, devem ser efetivados pelo
julgador, ainda que na ausência de lei específica.
A Constituição Federativa do Brasil de 1988 trouxe um forte espírito pós-
positivista, na medida em que alberga um catálogo de direitos e garantias
fundamentais e os perpetua no ordenamento jurídico como cláusulas pétreas, as
quais não podem ser removidas nem pelo Congresso, salvo nas hipóteses
excepcionais por ela mesma regulada.
Além de uma forte gama principiológica, a Constituição Federativa do Brasil
de 1988 dispõe instrumentos para que seus cidadãos possam questionar a validade
de leis ou atos normativos que por ventura ameacem a efetivação de direitos
fundamentais, dentre eles a arguição de descumprimento de preceito fundamental, a
qual foi objeto do trabalho.
Com efeito, a partir de sua análise à luz da proposta inicial do trabalho,
constatou-se a existência de aspectos hermenêuticos tanto relacionados ao
positivismo jurídico, quanto ao pós-positivismo, confirmando, em parte, as hipóteses
inicialmente formuladas, haja vista que no julgamento da ADPF 132 do Supremo
Tribunal Federal, a Corte Constitucional foi instada a se manifestar acerca da
possibilidade de se atribuir uma interpretação conforme a constituição aos artigos do
Decreto-Lei n. 220/1975, que regula os direitos previdenciários aos servidores civis
do estado do Rio de Janeiro.
Ao atribuir a aludida interpretação, a luz de recursos hermenêuticos como a
analogia, a ponderação, o método sistemático, teleológico, dentre outros, a Corte
reconheceu a extensão dos direitos previstos no art. 1.723 do Código Civil aos
casais homoafetivos, ainda que na ausência de autorização legislativa, porquanto os
direitos fundamentais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade,
dentre outros, no entendimento da Corte, permitem que se reconheça mediante
valiosa hermenêutica construtiva os direitos civis previstos aos casais ditos
heterossexuais.
115
Deste modo, a pesquisa demonstrou que o embate doutrinário
acerca do positivismo jurídico, sob o enfoque da estrita legalidade, bem como do
pós-positivismo, a luz do constitucionalismo moderno, permanecem vivos em nossos
Tribunais, na medida em que uma interpretação aberta da Constituição demonstra
uma invasão do espaço legislativo, a qual deve ser imposta limites a cada caso, sob
pena de se ter um indesejável ativismo judicial.
Por outro lado, parece razoável a exegese pós-positivista calcada na
ponderação e nos princípios, uma vez que certos valores fundamentais não podem
ficar à mercê da edição de uma lei quando a questão se manifestar ofensiva a
direitos fundamentais protegidos pela Constituição, ou seja, quando pesar mais o
comprometimento de uma garantia constitucional, a interpretação aberta pode ser
uma alternativa satisfatória ao cumprimento dos próprios fins constitucionais.
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ANEXO
EMENTA - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL N. 132 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
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