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O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO E O RITO SUMÁRIO
(ARTS. 150 A 152 DO RPTA/MG)
VALTER DE SOUZA LOBATO Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFMG
Professor de Graduação e Pós-Graduação em Direito Tributário nas Faculdades Milton Campos
Coordenador-adjunto do curso de especialização em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT)
Advogado
ARNALDO PAIVA Especialista em Gestão Empresarial com ênfase em Negócios, Fundação Dom Cabral (FDC), 2011;
Especialista em Direito Tributário, Centro de Atualização em Direito (CAD), 2003;
Advogado
MARCIO PEDROSA JUNIOR Advogado
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO. ....................................................................................................... 1
2. PARTE GERAL. ....................................................................................................... 2
2.1. O fenômeno processual no plano administrativo tributário. .............................. 2
2.2. A preocupação com o tempo e a sumarização processual. ................................ 5
2.3. A razoável duração do processo no paradigma processual democrático. .......... 6
3. PARTE ESPECÍFICA. .............................................................................................. 7
3.1. O rito sumário no Regulamento do PTA mineiro. ............................................. 7
3.2. A dualidade de cognição e a indissociabilidade das variáveis de tempo e de
qualidade do processo tributário administrativo. .......................................................... 9
3.3. A justificação da sumarização processual rationae materiae e o critério da
“menor complexidade”. .............................................................................................. 10
3.4. Comentários acerca das hipóteses de cabimento do rito sumário. ................... 12
3.5. Crítica à indisponibilidade do rito sumário. ..................................................... 17
4. CONCLUSÕES. ...................................................................................................... 19
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 20
1. INTRODUÇÃO.
O processo administrativo tributário, sobre exprimir uma das mais indispu-
táveis garantias do administrado ante o exercício do Poder de tributar, é corolário do
modelo de Estado adotado pelo legislador constituinte, impondo a democrática partici-
pação do sujeito passivo como requisito de matriz constitucional à derradeira constitui-
ção do crédito tributário. Nesse limiar, o tema da adoção de procedimentos sumários de
tramitação e julgamento é dos mais delicados, trazendo à tona reflexões importantes
2
acerca do fenômeno processual administrativo tributário e do seu papel na concretização
do paradigma processual constitucional.
O presente trabalho buscou situar o processo administrativo tributário em
seu contexto constitucional, destacando o papel da sumarização processual enquanto
técnica voltada à promoção da “razoável duração do processo”. Em vista de tal finalida-
de, buscou fornecer subsídios argumentativos à discussão acerca da adequação constitu-
cional das hipóteses de cabimento rationae materiae do rito sumário em Minas Gerais,
por meio de uma aplicação do princípio estruturada a partir do postulado da igualdade.
Nessa linha, buscou analisar a possibilidade da superação in concreto da regra regula-
mentar que prevê a indisponibilidade do rito sumário, nas hipóteses em que a sumariza-
ção processual se revele inadequada ao correto dimensionamento das controvérsias fis-
cais e à efetivação dos direitos e garantias processuais fundamentais.
2. PARTE GERAL.
2.1. O fenômeno processual no plano administrativo tributário.
Conforme a mais abalizada teoria,1 a concretização no mundo fenomênico
do fato descrito no antecedente da norma tributária inaugura, por força da imputação
normativa, a obrigação tributária principal, com seus três elementos (sujeitos ativo e
passivo e objeto), independentemente de qualquer ato específico de reconhecimento.
A consumação do fato imponível, conquanto marque o surgimento do liame
obrigacional, não confere exigibilidade ao direito creditício da Fazenda.
Com esforço em Derzi,2 pode-se catalogar a obrigação tributária em três ní-
veis, sob o ângulo de sua eficácia: (i) ao tempo do fato imponível, o liame jurídico exis-
te, mas não é exercitável ou exigível (nível de eficácia mínimo); (ii) após, o ato de lan-
1 Sobre a teoria da incidência automática da norma jurídico-tributária, cf.: MIRANDA, Francisco Caval-
canti Pontes de. Tratado de Direito Privado, 2ª ed., tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 4-16; VI-
LANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000,
p. 62; BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2007,
p. 312; ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.
61-4. Em caminho diverso, cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídi-
cos da Incidência. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 132. Para o doutrinador paulista, o nascimento da
relação jurídico-tributária depende da edição de norma individual e concreta para vincular o fato à lei e
documentar a incidência tributária. Nesse mesmo sentido, cf. GAMA, Tácio Lacerda. Obrigação e Crédi-
to Tributário – Anotações à margem da teoria de Paulo de Barros Carvalho. Revista Tributária e de
Finanças Públicas. São Paulo, n. 50, maio/jun. 2003, p. 98-113. 2 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel de Abreu Machado Der-
zi. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 1173-4.
3
çamento tributário confere liquidez, certeza e exigibilidade ao crédito (nível de eficácia
médio); (iii) o momento final da dinâmica e atuação da norma ocorre quando a obriga-
ção é descumprida, dotando o direito subjetivo público do direito de ação (eficácia má-
xima).
No caso dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação - dos quais é
exemplo paradigmático o ICMS de competência dos estados e do distrito federal -, os
níveis de eficácia se desenvolvem em uma dinâmica especial e a obrigação já nasce, por
imposição da lei, exigível. O sujeito passivo, tão logo consumado o fato imponível, tem
o dever de apurar, declarar o montante devido e efetuar o pagamento do tributo, sujei-
tando-se desde logo aos riscos moratórios do inadimplemento. A verificação fiscal a
posteriori pode culminar na homologação (expressa ou implícita, pelo decurso in albis
do prazo decadencial) da atividade do sujeito passivo3, com a consequente extinção do
crédito tributário. De outra forma, no caso de descumprimento pelo sujeito passivo, po-
de culminar na lavratura do competente auto de infração,4 para exigência de eventual
tributo e penalidades materiais ou formais previstas em lei.
Em regra, o iter tributário administrativo não se esgota com o lançamento
tributário, que é apenas um de seus momentos.5 Diz-se, nesse caminhar, que o lança-
mento é o divisor entre o procedimento e o processo administrativos.6 De um lado, o
lançamento (ou auto de infração) é o ponto culminante da sequência de atos preparató-
rios voltados à extração do conceito dos fatos para enquadramento nos conceitos abstra-
3 Controverte-se acerca do objeto do lançamento por homologação, com repercussão na definição do dies
a quo do prazo decadencial quinquenal do direito do fisco de lançar. Conquanto a jurisprudência do STJ
tenha acolhido a tese do pagamento como objeto da homologação (REsp 973.733/SC, Rel. Min. Luiz
Fux, Primeira Seção, DJe 18.09.2009, submetido ao regime do art. 543-C, do CPC), concordamos com
Souto Maior Borges, que defende a tese da homologação de todas as atividades realizadas pelo sujeito
passivo na apuração do tributo. Cf. BORGES, Souto Maior. Lançamento Tributário. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1999, p. 397. Nesse sentido, cf. também FONSECA, Fernando Moura e LESSA, Donovan
Mazza. A homologação das bases tributáveis pelo decurso do prazo decadencial nos tributos sujeitos ao
lançamento por homologação. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 174, mar. 2010. Dialética,
2010. 4 Como anota Derzi, o auto de infração distingue-se do lançamento em razão da natureza de seu pressu-
posto factual: “[o] auto de infração tem sempre e necessariamente como pressuposto a prática de um
ilícito. O motivo que leva à realização de um auto de infração reside, assim, na existência de uma relação
jurídica sancionatória, o que não acontece no lançamento”. BALEEIRO, Aliomar. ob. cit., p. 1187 (notas
de atualização). 5 O lançamento tributário é adotado, nesse trabalho, como ato, norma individual e concreta, resultado da
atividade desenvolvida no curso do procedimento fiscalizatório. Cf. nesse mesmo sentido: BALEEIRO,
Aliomar. ob. cit., p. 1181.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Sa-
raiva, 2013, p. 359-78. Em sentido contrário, a opinião daqueles que defendem que a sua natureza é a de
procedimento administrativo. Cf. e.g.: BECKER, Alfredo Augusto. ob. cit., p. 380. 6 Cf. MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (administrativo e judicial). 6ª ed. São
Paulo: Dialética, 2012, p. 141-43.
4
tos da norma. Esse procedimento é manifestação do “poder de polícia fiscal”7, visando
assegurar a efetividade do fluxo de recursos tributários ao erário. De outro, o lançamen-
to pode ser sucedido pelo processo tributário, onde é oportunizada ao contribuinte a
possibilidade de manifestar a sua oposição à pretensão estatal. É manifestação do poder-
dever de autotutela da Administração no controle de legalidade de seus atos, mas uma
“autotutela processsualizada”, que tem o contraditório como pré-requisito formal de
matriz constitucional ao seu exercício.
Modernamente, o dualismo procedimento-processo é explicado na forma de
uma relação de inclusão, sendo apontado o processo como uma espécie do gênero pro-
cedimento. Com esteio na teoria desenvolvida na Itália por Elio Fazzalari, a característi-
ca que especifica o processo como espécie de procedimento seria precisamente o con-
traditório. O processo é procedimento, enquanto uma estrutura normativa sequencial de
atos, fatos e posições subjetivas para a formação do provimento, mas não é qualquer
procedimento; é procedimento do qual participam, em contraditório, todos aqueles em
cuja esfera particular o ato está destinado a produzir efeitos.
A ilação é perfeitamente aplicável ao processo administrativo tributário. Um
provimento é um ato de Estado, de caráter imperativo, produzido por seus órgãos no
âmbito das respectivas competências, no exercício das funções estatais. O procedimento
é a atividade preparatória do provimento, condição de sua validade, e o processo, o pro-
cedimento realizado em contraditório.8 Com Odete Medauar,9 pode-se se falar em um
“núcleo comum da processualidade”, não guardado aos estritos limites do processo ju-
risdicional. Afinal, qualquer exercício de poder, no paradigma do Estado Democrático
de Direito, para além de sua vinculação às normas de índole material, impõe respeito às
garantias de natureza processual, a fim de tornar seu exercício transparente e passível de
controle pela sociedade.
A fase processual, no iter tributário, irrompe-se a partir do momento em que
o contribuinte pode manifestar sua oposição à pretensão tributária, depois de realizado o
lançamento. A partir daí, modifica-se a natureza do atuar administrativo, instaurando-se
verdadeiro processo, informado pelo contraditório e por todos os consectários imanentes
7 Cf. BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O poder de polícia fiscal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001. 8Segundo GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro:
AIDE Editora, 1992, p. 115, “a espécie de procedimento denominada processo se subdivide, também, em
subclasses, e pode-se falar em espécies de processos: processo administrativo, em que se desenvolve
atividade da Administração, processo legislativo, em que se desenvolve a atividade legislativa, processo
jurisdicional, em que se desenvolve a atividade do Estado de fazer a Justiça, por meio de seus juízes”. 9 MEDAUAR, Odete. Processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993, p. 23.
5
à cláusula do due process of law. É a configuração administrativa da litigiosidade entre
a Administração Pública e o administrado que dispara o mecanismo de natureza proces-
sual, alterando a natureza jurídica da relação, que transmuda de procedimento para pro-
cesso (fenômeno nominado por Marins10 de “alamorfia procedimento-processo”). O
modus operandi da Administração, que, no exercício da função fiscalizatória é atividade
ex officio marcada pelo princípio da inquisitoriedade, passa a governar-se pelo regime
do Direito Processual Tributário.
2.2. A preocupação com o tempo e a sumarização processual.
Como anota Passo Cabral,11 a alteração dos referenciais de tempo nas co-
munidades humanas a partir da segunda metade do século XX despertou profundos de-
bates acerca da realidade procedimental e estrutural dos órgãos estatais de julgamento.
O desenvolvimento tecnológico e a derrocada das fronteiras de comunicação impulsio-
naram a sociedade em um caminhar mais acelerado, com a normalização do “instantâ-
neo” e do “urgente”. Como uma das facetas desse dinamismo da vida contemporânea,
abreviou-se o tempo das relações jurídicas, que nascem, modificam-se e extinguem-se
com vertiginosa velocidade, em descompasso, todavia, com o vagaroso caminhar dos
mecanismos estatais de solução de controvérsias moldados a partir de formatos anacrô-
nicos e plenos de deficiências estruturais. A constatação dessa realidade fez exsurgir a
preocupação com a “morosidade processual”, suscitando reflexões acerca dos trâmites
processuais em face da premência de tempo exigida pela sociedade.
Paralelamente, o crescente na complexidade das interações sociais propiciou
uma explosão na demanda por respostas estatais, com a exacerbação das taxas de con-
gestionamento dos órgãos estatais de julgamento. Delineou-se, nessa ordem, uma forte
preocupação com a criação de mecanismos capazes de oferecer uma solução mais célere
às controvérsias. Como anota Silva,12 o modelo de funcionamento artesanal preconizado
nos primórdios da ciência processual foi suplantado, no século XXI, pela ideia de um
modelo de “linha de produção”, mais adequado a uma maior exigência de produtividade
10 MARINS, James. ob. cit., p. 21-2. 11 CABRAL, Antônio do Passo. A Duração Razoável do Processo e a Gestão do Tempo no Projeto de
Novo Código de Processo Civil. Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o Projeto do Novo
Código de Processo Civil. Org.: Alexandre Freire et al. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 73-4. 12 SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Gerenciamento de Processos Judiciais. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 28-9.
6
dos órgãos estatais prolatores de provimentos, sob o influxo de uma visão utilitarista
focada nos resultados práticos do processo.
Decerto, um prolongamento injustificado do trâmite processual traz “danos
marginais” aos litigantes, independentemente do resultado obtido ao final do processo.
Como esclarece Passo Cabral,13 a pendência de uma solução à crise de direito material
gera incerteza sobre como a relação jurídica será desenhada, “quais os contornos da
responsabilidade das partes a respeito, a repercussão patrimonial ou pessoal que uma
solução futura terá, dentre outras considerações que podem influenciar decisões de vida
sobre mudança de domicílio, fazer uma viagem, comprar um imóvel, pagar uma dívida,
etc.” A resposta estatal, quando não condizente com os anseios de quem dela necessita,
periclita verter-se em mera prestação formal. Nesse limiar, o processo deve ser célere,
para que a tutela de direitos seja efetiva e em tempo útil.
Com efeito, uma das muitas formas de conferir celeridade ao processo, com
a redução dos “danos marginais” que a litigância impõe às partes, é a sua sumarização,
por meio da redução da atividade processual mediante a concentração e a simplificação
das formas do processo.
2.3. A razoável duração do processo no paradigma processual democrático.
A emenda constitucional nº 45/04 inseriu no art. 5º da Constituição o inciso
LXXVII, que assegura “a todos, no âmbito judicial e administrativo”, “a razoável dura-
ção do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Destaque-se,
do preceito, além da elevação do princípio ao status constitucional, a adoção do concei-
to nuclear de processo, dirigindo-se a norma a regular tanto a atuação do Poder Judiciá-
rio quanto da Administração Pública.
A exacerbação do valor celeridade, com prejuízo à qualidade da discussão,
consubstancia uma visão distorcida do princípio. Como assinala Passo Cabral, “um pro-
cesso apressado, que, a pretexto de servir à celeridade, termine por violar outros direitos
fundamentais (...) será tão ou mais deletério que um processo moroso”14. No paradigma
constitucional democrático, a duração “razoável” do processo é aquela que permita um
contraditório efetivo, sem que as formas do processo representem um fator de prolon-
gamento imotivado da crise de direito material deduzida pelas partes. Como arremata
13 CABRAL, Antônio de Passo. Ob. cit., p. 75. 14 CABRAL, Antônio do Passo. ob. cit., p. 80-1.
7
Marins, “o princípio da razoável duração do processo é dúplice, pois tanto a abreviação
indevida quanto o alongamento excessivo são potencialmente danosos ao indivíduo”.15
O princípio da duração razoável do processo, em intepretação adequada ao
seu contexto constitucional, busca promover efetividade na atuação da norma de Direito
material, abrangendo as buscas tanto por legitimidade quanto por eficiência na aplicação
do Direito. Essa “concepção garantística” consubstancia a visão do processo não como
um mal ou um entrave para a atuação do sistema jurídico, mas como uma estrutura fo-
mentadora do jogo democrático, que viabiliza o controle intersubjetivo do exercício do
Poder estatal.16
Assim, ao buscar o equilíbrio entre as dimensões temporal e qualitativa dos
processos, o princípio da razoável duração do processo oferece condicionamentos mate-
riais ao legislador em sua liberdade de configuração dos mecanismos estatais de solução
de controvérsias. No que respeita à busca por celeridade mediante a simplificação e a
concentração do procedimento, o princípio tem função eficácial bloqueadora, impedin-
do a sumarização processual quando esta redunde em déficits de legitimidade aos pro-
vimentos estatais.
3. PARTE ESPECÍFICA.
3.1. O rito sumário no Regulamento do PTA mineiro.
O rito sumário de tramitação e julgamento do processo administrativo tribu-
tário em Minas Gerais é regido pelas disposições da Seção VII (do Rito Sumário) – arts.
150 a 152 – do Capítulo VIII (do Contencioso Administrativo Fiscal) do Regulamento
do PTA/MG, sendo-lhe aplicável, no que couber, a disciplina do rito ordinário (art. 152,
do RPTA/MG). À semelhança do procedimento comum sumário na antiga lei processu-
al civil (art. 275, do CPC/73), o RPTA/MG elencou as causas sujeitas ao rito sumário a
partir dos critérios do valor (art. 150, I) e da matéria (art. 150, II), adotando, para o rito
ordinário, o critério de exclusão.
Na disciplina regulamentar, o contencioso administrativo tributário é instau-
rado pela provocação do sujeito passivo. A irresignação poderá ser manifestada, por
15 MARINS, James. ob. cit., p. 173. 16 NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do Processo Contemporâneo: Por um processualismo constitucio-
nal democrático. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, v. 26, 13-29, p. 14-5.
8
meio de impugnação, contra ato administrativo de lançamento tributário ou, ainda, con-
tra ato de indeferimento de pedido de restituição de indébito tributário (art. 106, II). Há
a previsão também da apresentação de reclamação contra a decisão negativa de admis-
sibilidade da impugnação (art. 106, I). Os arts. 114 e 123 do RPTA trazem as hipóteses
em que a repartição fazendária poderá negar seguimento à impugnação do sujeito passi-
vo, a saber, a intempestividade do protocolo, a ilegitimidade ad causam da impugnante,
a irregularidade na representação processual ou, ainda, a falta com o recolhimento da
taxa de expediente devida.
Recebida e autuada a impugnação, a repartição fazendária de origem provi-
denciará a manifestação do agente fiscal autuante, que se posicionará acerca da matéria
alegada na impugnação, podendo, ainda na fase postulatória, acatar parcial ou integral-
mente as alegações do sujeito passivo, com os consequentes cancelamento ou restituição
do crédito tributário (art. 120). Durante a fase de instrução, poderá ocorrer a juntada de
documentos, sendo garantido o direito de manifestação da parte contrária (art. 140). Em
subsistindo as exigências fiscais, os autos administrativos serão então encaminhados ao
Conselho de Contribuintes.
No rito ordinário, a Assessoria do Conselho poderá proferir despacho inter-
locutório, determinando a realização de diligência, quando reputá-la necessária ao cor-
reto dimensionamento dos fatos (art. 146, I); devendo posteriormente, em regra, emitir
parecer conclusivo sobre as questões preliminares e de mérito suscitadas pelo sujeito
passivo. Evidencie-se, aqui, a primeira diferença entre os ritos sumário e ordinário: no
rito sumário, conforme o art. 151 do RPTA, não haverá “saneamento, instrução e pare-
cer de mérito pela Assessoria do Conselho de Contribuintes”. Nesse caso, o processo
passa diretamente à fase de julgamento, sendo encaminhado a uma das Câmaras do
Conselho (art. 153). Poderá ser determinada a descida dos autos à origem para esclare-
cimentos ou para a realização de diligência ou perícia eventualmente requerida pelo
impugnante (arts. 140 e 157). De outra forma, estando o mérito pronto para julgamento,
será proferido acórdão pela procedência ou improcedência, total ou parcial, do pedido
do contribuinte (art. 156).
Das decisões das Câmaras de Julgamento cabe Recurso de Revisão para a
Câmara Especial, (i) quando a decisão da câmara de julgamento resultar de voto de qua-
lidade proferido pelo seu Presidente, ou, (ii) quando a decisão recorrida seja divergente,
quanto à aplicação da legislação tributária, de outra decisão proferida por câmara do
Conselho de Contribuintes (art. 163). No caso do rito sumário, a única hipótese de ca-
9
bimento recursal é a de decisão proferida por voto de qualidade, não sendo cabível o
recurso de revisão em razão de dissídio interpretativo (art. 151, III). Neste rito, é irrecor-
rível a decisão unânime ou por maioria de votos proferida pelas Câmaras de Julgamento
(art. 170, V). Antes de os autos serem encaminhados para julgamento, a Assessoria do
Conselho de Contribuintes deverá manifestar-se, nos processos submetidos ao rito ordi-
nário, no caso de recurso fundado em dissídio interpretativo, podendo determinar a rea-
lização de diligência ou emitir parecer de mérito. Após, caso recebido o recurso, será
proferido acórdão pela Câmara Especial, com a manutenção ou a reforma da decisão
objurgada.
3.2. A dualidade de cognição e a indissociabilidade das variáveis de tempo e de
qualidade do processo tributário administrativo.
No contencioso tributário estadual, a supressão da participação da Assesso-
ria do Conselho de Contribuintes e a limitação das possibilidades recursais do sujeito
passivo marcam a simplificação e a concentração procedimental ínsitas à sumarização
processual. O traçado do quadro procedimental diferenciado, acompanhado da minucio-
sa definição das causas a serem processadas nesse rito, busca promover a razoável dura-
ção do processo, com ganhos de eficiência ao iter formalizador tributário.
Sob o aspecto estritamente quantitativo, a introdução do rito sumário na dis-
ciplina do RPTA tem trazido resultados positivos. Conforme dados fornecidos pelo sítio
eletrônico do Conselho de Contribuintes, é possível observar que, nos processos subme-
tidos ao rito sumário, o prazo médio entre a entrada no Conselho e a sua saída após a
publicação da decisão definitiva é substancialmente inferior em comparação ao mesmo
prazo no rito ordinário. Confira o comparativo relativo ao período de janeiro de 2014 a
janeiro de 2015:
10
Período 01.01.2014 a 31.03.2015.
*: Excluídos os dias referentes a saídas em diligência, interlocutório, perícia, etc.
FIGURA 1: Prazo Médio de Tramitação Processual por Rito (gráfico).
Fonte: http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/conselho_contribuintes/resultado/prazos.html.
Acesso em 01 de jun. 2015.
Os resultados apontados são importantes, mas não conclusivos. As observa-
ções acerca da variável de tempo do iter administrativo tributário deve levar em conta o
princípio da “dualidade de cognição” da lide administrativa em matéria tributária, de-
corrência da afirmação constitucional do direito ao devido processo administrativo (art.
5º, LIV e LV) e, ao mesmo tempo, da inafastabilidade do controle jurisdicional dos atos
administrativos (art. 5º, XXXV).
É preciso considerar que, não raro, a fase processual do iter tributário é des-
dobrada entre o exercício da autotutela pela Administração e o exercício da jurisdição
pelo Judiciário. A celeridade, assim, ainda que sob uma perspectiva utilitarista focada
nos resultados práticos do processo, não pode descurar da variável qualitativa das deci-
sões, atentando-se para que a cognição realizada no âmbito administrativo, ao invés de
desaguar automaticamente na satisfação do crédito tributário, amiúde terá de subsidiar o
exercício da atividade jurisdicional. Decerto, de nada adianta o encurtamento do tempo
processual administrativo se isso redundar em prejuízo à qualidade das decisões profe-
ridas e, possivelmente, em um alargamento do tempo processual total decorrido desde a
impugnação administrativa até o trânsito em julgado no Judiciário. A assertiva ganha
relevo quando se depara com um Judiciário congestionado, pleno de deficiências proce-
dimentais e estruturais.
A fim de contribuir para o debate da questão, o presente trabalho parte do
pressuposto teórico da indissociabilidade das variáveis de tempo e de qualidade do pro-
cesso administrativo para indagar acerca da adequação constitucional das hipóteses de
cabimento do rito processual sumário na disciplina do contencioso administrativo tribu-
tário em Minas Gerais. O que se pretende problematizar, sob a vertente estritamente
dogmática, é se essas hipóteses de cabimento eleitas pelo legislador mineiro são ade-
quadas à sumarização processual, enquanto técnica de concretização da “razoável dura-
ção do processo” e da eficiência da Administração.
3.3. A justificação da sumarização processual rationae materiae e o critério da
“menor complexidade”.
11
A pretexto de privilegiar a celeridade do processo, não se pode descurar das
questões atreladas à legitimidade do mesmo, enquanto mecanismo de formação compar-
ticipada dos provimentos, no paradigma do processualismo constitucional democrático.
O estado ideal de coisas visado pelo princípio da “razoável duração do processo” não
pode ser resumido à redução do tempo de tramitação e julgamento nos órgãos estatais
prolatores dos provimentos, devendo sempre preservar a dialeticidade do processo en-
quanto metodologia normativa de garantia de direitos fundamentais.
É desse contexto que deve ser extraída a finalidade visada pela instituição
de um rito sumário de tramitação e julgamento, diferente do rito ordinário, na disciplina
do processo administrativo tributário. Essa finalidade não pode ser outra senão a de con-
ferir solução mais célere às controvérsias de natureza tributária instaladas entre o Fisco
e o contribuinte, viabilizando a satisfação mais rápida do direito público subjetivo de
crédito, sem demoras injustificadas, com integral respeito ao modelo constitucional de
processo, e sem descurar do “dualismo de cognição” que caracteriza o processo tributá-
rio.
Posta a finalidade da sumarização do iter procedimental, cumpre indagar do
critério de comparação (standard of measurement) que permite a eleição de suas hipóte-
ses de cabimento. Sendo certo que o nosso ordenamento constitucional não se compagi-
na com as diferenciações injustificadas, a medida de comparação entre os sujeitos, cuja
verificação permite a aplicação do rito processual simplificado, deverá ser relevante e
ter pertinência com a finalidade alvejada pela norma. A questão ora posta é a seguinte:
qual é a medida de comparação entre os sujeitos que permite aplicar a uns, sim, e a ou-
tros, não, o rito simplificado, para conferir celeridade ao processo sem soçobrar garanti-
as processuais fundamentais dos administrados? Trata-se, nesta proposta, de buscar o
critério unificador por detrás das várias hipóteses de cabimento rationae materiae trazi-
das pela legislação.
A resposta está contida no próprio RPTA mineiro que, em seu art. 107, § 1º,
prevê a sumarização processual em razão “da menor complexidade da matéria discuti-
da”. O raciocínio é o de que a menor complexidade da matéria possibilita um abrevia-
mento do tempo processual despendido para o seu dimensionamento. As hipóteses de
cabimento do rito sumário previstas na legislação, porquanto elementos indicativos des-
ta medida de comparação, devem ser aptas a traduzi-la, consubstanciando questões de
fato e de direito de menor complexidade e que dispensem um contraditório mais amplo.
A sumarização processual na discussão de matérias que não traduzam essa medida de
12
comparação implicará, invariavelmente, em violação ao devido processo legal, estrutu-
rada a sua aplicação sob o postulado da igualdade.17
Inexistentes estudos empíricos demonstrativos da menor complexidade das
matérias trazidas pelo legislador para justificar o cabimento da sumarização processual,
cumpre tecer nas próximas linhas breves comentários, hauridos da praxis do Conselho
de Contribuintes e dos órgãos do Judiciário, a fim de pôr em questão a adequação cons-
titucional das hipóteses de cabimento rationae materiae do rito sumário na disciplina do
processo tributário administrativo em Minas Gerais. A questão que se pretende proble-
matizar (sem responder, em definitivo) é a de se as hipóteses positivadas pelo legislador
mineiro atendem ao critério da “menor complexidade” posto para justificar a simplifica-
ção procedimental.
Decerto, a possibilidade da determinação a priori da inadequação de alguma
das hipóteses de cabimento previstas na legislação esbarra tanto na indeterminação con-
ceitual do termo “complexidade”, quanto no caráter plurifacético da realidade fenomê-
nica, que inviabilizam a obtenção de uma resposta única aplicável a todos os casos den-
tro da amplitude de cada hipótese de cabimento. Diante dessas limitações, o que se pre-
tende é tão somente fornecer pistas ou indícios capazes de nortear o desenvolvimento da
argumentação em cada caso concreto, no sentido da superação da regra regulamentar
que prevê a impossibilidade da conversão do rito sumário em ordinário.
3.4. Comentários acerca das hipóteses de cabimento do rito sumário.
A primeira hipótese de cabimento rationae materiae trazida pelo RPTA é a
de “aproveitamento, a título de crédito, do imposto destacado em documento fiscal de-
clarado falso, ideologicamente falso ou inidôneo” (art. 150, II, a). A tipificação da in-
fração encontra supedâneo no art. 70, V, do Regulamento do ICMS, que veda expres-
samente o creditamento do imposto lastreado em documento fiscal falso, ideologica-
mente falso ou inidôneo,18 salvo prova concludente do integral recolhimento do imposto
na origem.
17 A análise proposta segue o marco teórico da análise dos elementos e da estrutura relacional do postula-
do da igualdade trazida por Humberto Ávila (ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2009). 18 Os conceitos de falsidade, falsidade ideológica e inidoneidade constam da legislação nos arts. 133, 133-
A e 134, do RPTA, respectivamente.
13
Por suposto, a inclusão da matéria no rol das hipóteses de cabimento do rito
sumário poderia ser justificada em termos da relativa simplicidade do seu dimensiona-
mento, sendo bastantes, para configurar a tipicidade da conduta, a existência de ato ad-
ministrativo declaratório do vício documental e a prova do creditamento do imposto
respectivo, restando ao contribuinte a possibilidade de ilidir a presunção fiscal apenas
mediante prova inequívoca do efetivo pagamento do imposto pelo fornecedor-emitente
dos documentos. A evolução discursiva da matéria nos tribunais tem suscitado, contudo,
a consideração de outros elementos, como a eventual boa-fé do contribuinte adquirente
das mercadorias ou serviços.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça publicou a Súmula nº 509, se-
gundo a qual a declaração de inidoneidade documental posterior à consumação das ope-
rações não pode engendrar o estorno dos créditos escriturais de ICMS, desde que de-
monstrada a veracidade da operação de compra e venda efetuada. O pronunciamento
sumular cristalizou as razões de decidir adotadas pela Primeira Seção do STJ no julga-
mento do REsp nº 1.148.444/MG (submetido ao rito do art. 543-C, do CPC), de relato-
ria do Min. Luiz Fux: “uma vez caracterizada a boa-fé do adquirente em relação às no-
tas fiscais declaradas inidôneas após a celebração do negócio jurídico (o qual fora efeti-
vamente realizado), revela-se legítimo o aproveitamento dos créditos de ICMS”.
A seguir o entendimento do STJ, seria possível o reconhecimento da legiti-
midade dos créditos de ICMS lastreados em documentação fiscal falsa ou inidônea, ain-
da quando faltante a demonstração do efetivo pagamento do imposto na origem, desde
que comprovada a efetividade das operações. Sob o influxo da teoria da aparência, a
responsabilidade do adquirente de boa-fé estaria limitada à exigência, no momento da
celebração do negócio jurídico, da documentação pertinente à assunção da regularidade
do alienante. Isto feito, e demonstrada a efetividade da operação, a publicação do ato
declaratório de falsidade ou inidoneidade só poderia apresentar efeitos prospectivos, não
podendo ser invocado para efeitos de anular os créditos escriturais tomados de boa-fé
pelo adquirente das mercadorias.
O posicionamento jurisprudencial privilegia o perfil constitucional do im-
posto, nascido para onerar o consumo e nunca a produção ou o comércio. O estorno dos
créditos de ICMS tirados de suas aquisições, já tendo sido comprovados a efetividade
das operações e o traslado do tributo correspondente (destacado nas notas fiscais e em-
butido no preço pago ao fornecedor), implicaria em negativa de eficácia ao princípio da
não cumulatividade, tributando o contribuinte não apenas pelo valor agregado na res-
14
pectiva etapa da cadeia de circulação econômica, mas também pelo valor de seus inputs
(efeito cascata).
No seu estado atual, as controvérsias que gravitam em torno da matéria tra-
zem questionamentos que não encontram respostas simples. O próprio Conselho de
Contribuintes tem divergido no tratamento da matéria em suas decisões, ora acatando o
entendimento do STJ, ora decidindo por manter as exigências fiscais. Pode-se apontar,
e.g., o Acórdão 4.269/14/CE, em que a Câmara Especial do Conselho acatou a aplicabi-
lidade da “teoria da aparência”, para cancelar as exigências fiscais. Na contrapartida,
tome-se o Acórdão 4.316/14/CE, em que a Câmara Especial decidiu, em maioria, por
negar provimento ao recurso de revisão do contribuinte, por falta de prova concludente
do recolhimento do imposto na origem. Nesse caso, conquanto tenha a Câmara noticia-
do a existência de entendimento em sentido contrário no STJ, decidiu-se por privilegiar
a literalidade do regulamento do ICMS, aferrando-se os julgadores em suposta ausência
de competência para negar aplicação a ato normativo da Administração.
A nosso sentir, a hipótese distancia-se, em seu movimento evolutivo, do cri-
tério de menor complexidade gizado pelo legislador estadual para fixar o cabimento do
rito sumário. Carente o suporte factual da distinção, afigura-se carente, por lógica impli-
cação, a justificativa para a sua imposição. Haveria, neste espeque, violação ao princípio
do tratamento isonômico, por falta de razoabilidade na eleição das hipóteses de cabi-
mento do rito simplificado. A avaliação é matizada por considerações concretas acerca
da forma como a matéria se apresenta à discussão no espaço do contencioso tributário.
Notadamente, em ambos os casos acima citados, o rito adotado pelo Conselho foi o rito
ordinário, não obstante a previsão da matéria no rol do art. 150, II, do RPTA/MG.
Adiante, a segunda hipótese de cabimento do rito sumário é a de “emissão
de documento fiscal consignando valores diferentes nas respectivas vias” (art. 150, II,
b). Geralmente, os documentos fiscais são emitidos simultaneamente e com as mesmas
indicações em várias vias, sendo a destinação das mesmas definida pela legislação tribu-
tária. O “calçamento” consiste na anotação de valores divergentes nas vias dos docu-
mentos fiscais, com a anotação de valor menor no documento que serve de base à escri-
turação fiscal. Em regra, a discussão da matéria não enseja grandes disceptações, bas-
tando a apresentação das vias do documento fiscal para a comprovação da materialidade
da infração.
A terceira hipótese de cabimento é a de “realização de operação de circula-
ção de mercadoria ou prestação de serviço de transporte desacobertada de documento
15
fiscal, constatada no exercício do trânsito de mercadoria e prestações de serviço de
transporte, exceto quando se tratar de desclassificação de documento fiscal” (art. 150,
II, c). É obrigação do contribuinte emitir e entregar ao destinatário o documento fiscal
correspondente às operações ou prestações realizadas, prescrevendo a lei que a movi-
mentação de bens ou mercadorias deve, obrigatoriamente, ser acobertada por documen-
to fiscal. Na hipótese, cuida-se das hipóteses de entradas e saídas de mercadorias desa-
cobertadas ou de prestações desacobertadas, as quais, para ensejarem o cabimento do
rito sumário, devem ser constatadas no exercício do trânsito da mercadoria ou prestação
do serviço. Outros procedimentos fiscalizatórios que conduzam à identificação da con-
duta infracional, e.g., o levantamento quantitativo de estoques, sobre envolverem maior
complexidade e imporem maior ônus argumentativo na demonstração da materialidade
da conduta, excluem a possibilidade da sumarização processual.
São várias as hipóteses que ensejam a desclassificação documental, poden-
do-se citar, com amparo no art. 149 do RICMS/02, os casos (i) de documento falso ou
ideologicamente falso (inciso I); (ii) de documento fiscal já utilizado em outra prestação
ou operação (inciso II); (iii) de documento com informações que não correspondam à
real operação ou prestação (incisos III e IV), e; (iv) de documento fiscal sem a aposição
de selo ou carimbo administrativo, quando exigido (inciso V). Trata-se de uma presun-
ção legal, a verificação de alguma dessas hipóteses (presuntivas) conduzindo à conclu-
são da falta de documento fiscal hábil para acompanhar o trânsito das mercadorias ou a
prestação dos serviços. Sobre serem distintas das hipóteses de trânsito ou prestação de-
sacompanhados de qualquer documento fiscal, as hipóteses de desclassificação carecem
de um espaço discursivo mais amplo, razão por que o RPTA, por igual, as excluiu do
rito sumário.
A quarta hipótese de cabimento é reservada para “o aproveitamento indevi-
do de crédito de ICMS relativo à correção monetária de valores decorrentes de opera-
ções e prestações de serviços de transporte e de comunicação quando não escriturados
tempestivamente, bem como de valores decorrentes de atualização monetária de saldo
credor” (art. 150, II, d). A redação do texto regulamentar traz em seu bojo a distinção
entre os créditos “não escriturados tempestivamente” e o “saldo credor” do imposto. Os
créditos “não escriturados tempestivamente” são os créditos escrituráveis que, surgidos
das aquisições do estabelecimento no período de apuração, não foram escriturados den-
tro desse mesmo período, vindo a ser escriturados apenas posteriormente, i.e., extempo-
raneamente (respeitado o lustro decadencial do art. 23, para. único, da LC nº 87/96). Já
16
o “saldo credor” é o montante do crédito do sujeito passivo perante o sujeito ativo que
sobeja na conta gráfica do contribuinte após o cotejo de débitos e créditos em cada perí-
odo de apuração.
A tipificação das infrações encontra respaldo no entendimento cristalizado
pelo Conselho de Contribuintes na Súmula 01, divulgada pela Portaria nº 06, de 02 de
maio de 2001, que dispõe que: “o crédito de ICMS aproveitado extemporaneamente e o
saldo credor da conta gráfica do ICMS não podem ser corrigidos monetariamente por
falta de previsão na legislação tributária mineira”. Nesse sentido, não havendo qualquer
autorização legislativa ou administrativa para a apropriação de créditos a título de atua-
lização monetária, seria devido o estorno dos créditos irregularmente apropriados na
escrita fiscal do contribuinte.
A matéria não é isenta de controvérsias. Como o decurso do tempo tem efei-
to sobre o valor da moeda, manter-se o valor nominal do crédito, sem atualização do seu
valor monetário, é o mesmo que admitir um aproveitamento apenas parcial desse crédito
(perda inflacionária). Parece-nos jurídica a atualização monetária desses créditos, pena
de enriquecimento sem causa da Fazenda Pública (art. 884, do CC/02) e quebra do prin-
cípio constitucional da não cumulatividade. Quanto à atualização dos saldos credores, o
mesmo argumento se afigura aplicável, sendo possível acrescer o argumento fundado na
isonomia. Ora, se a lei autoriza a incidência de atualização monetária sobre os débitos
decorrentes do não recolhimento de tributo e multa (art. 212 e 213, do RPTA), qual é a
razão para que o mesmo não seja autorizado relativamente aos créditos do sujeito ativo
perante o ente estatal?
A quinta hipótese de cabimento está vertida na alínea ‘e’, do inciso II, do
art. 150, do RPTA: “aproveitamento indevido de crédito de ICMS, equivalente ao mon-
tante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de
incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da
Constituição Federal”. A lei exige o estorno dos créditos de ICMS em face da apropria-
ção de parcela do imposto não cobrado e não pago ao estado de origem destacado em
notas fiscais dos fornecedores de outras unidades da Federação beneficiados com incen-
tivos fiscais em seus estados de origem sem amparo em convênios celebrados no âmbito
do CONFAZ (art. 62, § 1º, do RICMS/02 e Resolução nº 3.166/01). Trata-se de meca-
nismo criado pelos estados para compensar incentivos ou benefícios fiscais ilegalmente
concedidos em outros estados para atração de investimentos.
17
Cuida-se de matéria tormentosa, discutida à exaustão pela doutrina e juris-
prudência nacionais. De um lado, os estados invocam o preceito contido no art. 8º, I, da
Lei Complementar nº 24/75, segundo o qual a concessão unilateral de benefícios fiscais
implica na nulidade do ato concessivo e na “ineficácia do crédito fiscal atribuído ao
estabelecimento recebedor da mercadoria”. De outro, os contribuintes invocam o princí-
pio constitucional da não cumulatividade para justificar o aproveitamento dos créditos
de ICMS destacados nos documentos fiscais e embutido no preço das mercadorias e dos
serviços.
A sexta e última hipótese de cabimento cuida do “descumprimento de obri-
gação acessória, exceto na hipótese de aproveitamento indevido de crédito de ICMS
cujo estorno não resulte saldo devedor do imposto” (art. 150, II, ‘f’). Trata-se, em ver-
dade, de uma pluralidade inenarrável de hipóteses de cabimento, tão numerosas quanto
são as obrigações acessórias impostas ao contribuinte do ICMS no estado de Minas Ge-
rais, com a única exceção da hipótese de aproveitamento creditício indevido que não
resulte na conta gráfica em saldo devedor a pagar. Decerto, a abertura da hipótese da
norma não permite afirmar a priori a adequação de todos os casos no programa da nor-
ma ao critério distintivo da “menor complexidade” que, vinculado ao princípio da razo-
ável duração do processo, justifica a sumarização processual.
3.5. Crítica à indisponibilidade do rito sumário.
As reflexões do tópico anterior, se não logram demonstrar a inadequação
das hipóteses de cabimento rationae materiae do rito sumário (no plano abstrato da va-
lidade), acabam por revelar que a discussão das matérias nelas encerradas pode conduzir
concretamente a indagações incompatíveis com a afirmação de sua “menor complexida-
de”, demandando para a sua adequada resolução um tempo e um espaço discursivo mais
amplos, não condizentes com a sumarização processual.
A ausência da relação de congruência entre as hipóteses de cabimento do ri-
to (elementos indicativos) e a medida de comparação prejudica a realização da finalida-
de que justifica a adoção do rito simplificado. Com efeito, para promover a “razoável
duração do processo”, entendida essa no contexto do paradigma processual contempo-
râneo, a definição das causas sujeitas ao rito sumário deve necessariamente observar o
critério da “menor complexidade”. Se, por um lado, as causas “menos complexas” po-
dem ser resolvidas em menor tempo, sem prejuízo de garantias fundamentais, por outro,
18
não se afigura razoável restringir o contraditório no dimensionamento de causas destitu-
ídas desse atributo. Nesses casos, a distinção dos ritos de tramitação e julgamento perde
vinculação com sua razão de ser (raison d’etre). É distinção arbitrária, com a qual não
se compagina nosso ordenamento jurídico-constitucional.
Isso posto, é de interesse evidenciar a regra contida no art. 107, § 2º, do
RPTA/MG, a qual preceitua ser “vedada a mudança de rito, salvo nas hipóteses previs-
tas no art. 150, § 3º”. O art. 150, § 3º, completa o sentido da regra, admitindo a possibi-
lidade da conversão ao rito sumário do processo que, antes da primeira decisão de méri-
to, vier a enquadrar-se nas suas hipóteses de cabimento (incisos do art. 150). Noutro
giro, o regulamento veda expressamente a utilização do rito ordinário nos casos em que
for previsto o cabimento do rito sumário, admitindo, excepcionalmente, a conversão do
rito ordinário em sumário. A leitura da regra não se afigura constitucionalmente ade-
quada, sendo certo que a manutenção do rito sumário nos casos desprovidos do atributo
da “menor complexidade” encerra formalismo inconsequente, desvinculado da finalida-
de que preside a diferenciação procedimental, com prejuízo à realização da justiça indi-
vidual.
Nesse sentido, afigura-se cabível restringir a hipótese da regra, mantendo-se
a vedação à conversão do rito sumário em ordinário apenas nos casos em que a matéria
discutida atenda ao critério distintivo da “menor complexidade”. Naturalmente, a possi-
bilidade da superação do conteúdo preliminar da regra envolve um relevante ônus ar-
gumentativo, matizado pelo postulado da proporcionalidade. Como assinala Humberto
Ávila,19 as regras são instrumentos de justiça geral, estando o seu grau de resistência à
superação vinculado não somente à promoção de seu valor substancial específico, mas
também à realização do valor formal da segurança jurídica. A superação da regra da
indisponibilidade do rito sumário depende, assim, não apenas da demonstração da in-
compatibilidade concreta da sumarização processual com a finalidade específica que
reside a sua previsão, i.e., a promoção do princípio da razoável duração do processo,
mas também da demonstração de que o seu afastamento não provocará expressiva inse-
gurança jurídica.
Há, na espécie, um entrecruzamento horizontal entre os princípios subjacen-
tes à regra: de um lado, os princípios da igualdade e da razoável duração do processo e,
de outro, o princípio da segurança jurídica. Na fundamentação da conversão do rito su-
19 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2014, p. 144-4.
19
mário em ordinário, esse entrecruzamento deve ser resolvido pela aplicação do postula-
do da proporcionalidade, no seu triplo exame: (i) a medida concreta contribui para a
realização gradual de sua finalidade, i.e., da promoção da igualdade e da duração da
razoável duração do processo? (adequação)20; (ii) a medida, dentre as alternativas dis-
poníveis, é a que menos dano causa à segurança jurídica? (necessidade), e; (iii) as van-
tagens causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas pela
adoção da medida? (proporcionalidade em sentido estrito). Sendo positivas as respostas
às perguntas, forçoso reconhecer a obrigatoriedade da conversão do rito de julgamento,
pena de violação ao devido processo constitucional.
4. CONCLUSÕES.
4.1. A fase processual, no iter tributário, irrompe-se a partir do momento em
que o contribuinte pode manifestar sua oposição à pretensão tributária, depois de reali-
zado o lançamento. A partir daí, modifica-se a natureza do atuar administrativo, instau-
rando-se verdadeiro processo, informado pelo contraditório.
4.2. O princípio da “razoável duração do processo”, em interpretação ade-
quada ao paradigma processual contemporâneo, não importa na exacerbação do valor
celeridade, impondo, antes, a busca da realização de um contraditório efetivo, sem que
as formas do processo representem um fator de prolongamento imotivado da situação de
incerteza deduzida pelas partes.
4.3. O processo tributário caracteriza-se pela dualidade de cognição. Nada
obstante, o processo administrativo, caracterizado pela especialização das matérias sob
julgamento e pelo caráter técnico dos órgãos julgadores, desempenha importante papel
na preparação da cognição da lide pelos órgãos judiciais. Nesse espeque, a melhoria da
qualidade da discussão na fase administrativa pode redundar, senão em uma redução da
taxa de acionamento do Judiciário para o dimensionamento das controvérsias fiscais, em
uma melhor preparação da cognição na esfera judicial, com a redução do prazo total
decorrido entre o lançamento e a efetiva satisfação do direito de crédito da Fazenda.
4.4. A finalidade da sumarização do processo administrativo é a consecução
do tempo “razoável” do processo. Essa consideração impõe condicionamentos materiais
20 A resposta a essa pergunta prescinde da verificação do atendimento ao critério comparativo da “menor
complexidade”, sendo certo que a adoção do rito ordinário apenas contribui para a realização da razoável
duração do processo caso as particularidades da causa sujeita a julgamento não se compatibilizem com a
sumarização processual, exigindo a ampliação do tempo e do espaço discursivo.
20
à escolha do critério de comparação entre os sujeitos e de seus elementos indicativos, os
quais devem necessariamente estar vinculados à realização daquela finalidade, pena de
afronta ao devido processo constitucional, estruturada a sua aplicação por meio do pos-
tulado da igualdade.
4.5. Na disciplina do rito sumário no processo tributário administrativo em
Minas Gerais, o critério de comparação rationae materiae eleito foi o da “menor com-
plexidade” das causas sob julgamento, sob a premissa de que causas menos complexas
admitem um espaço discursivo menos amplo para o seu adequado dimensionamento,
sem prejuízo de garantias fundamentais.
4.6. As hipóteses de cabimento do rito sumário encerradas no inciso II do
art. 150 do RPTA nem sempre guardam vinculação com o critério comparativo da me-
nor complexidade, não raro demandando, para a sua resolução conforme o princípio, um
tempo e um espaço discursivo mais amplos, não condizentes com a sumarização proces-
sual.
4.7. A adoção do rito sumário nos casos desprovidos do atributo da “menor
complexidade” encerra formalismo inconsequente, desvirtuando a finalidade que presi-
de a diferenciação procedimental, com prejuízo à realização da justiça individual. Assim
sendo, impõe-se a superação da regra de indisponibilidade contida no art. 107, § 2º, do
RPTA.
4.8. A superação da regra enseja forte ônus argumentativo, matizado pelo
postulado da proporcionalidade, sua possibilidade dependendo da demonstração não
apenas da incompatibilidade concreta da sumarização processual com a finalidade espe-
cífica que reside a sua previsão, i.e., a promoção do princípio da razoável duração do
processo, mas também da demonstração de que o seu afastamento não provocará ex-
pressiva insegurança jurídica.
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