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Antnio Duarte Amaro
O socorro em Portugal
Organizao, formao e cultura de segurana nos
corpos de bombeiros, no quadro da Proteco Civil
Antnio Duarte Amaro
O socorro em Portugal
Organizao, formao e cultura de segurana nos
corpos de bombeiros, no quadro da Proteco Civil
Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios
obteno do grau de Doutor em Geografia Humana, realizada sob a
orientao cientfica de Professora Doutora Fantina Tedim e Professor
Doutor Luciano Loureno.
PORTO, 2009
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Agradecimentos
As primeiras palavras de agradecimento destinam-se Orientadora e Co-orientador
deste trabalho, respectivamente a Professora Doutora Fantina Tedim e Professor Doutor
Luciano Loureno, pelo apoio, fora e incentivo permanentes ao longo desta caminhada, feita,
passo a passo, com persistncia, coerncia e muito esprito de sacrifcio.
Devo a ambos, no s a abertura para a aceitao das mudanas de ambiente
relativamente s temticas em apreo, mas tambm a disponibilidade sistemtica para ouvir,
aconselhar, sugerir, apontar caminhos e exigir rigorosas e pormenorizadas justificaes
cientficas.
Bem hajam, Professora Doutora Fantina Tedim e Professor Doutor Luciano Loureno
a quem devo, inequivocamente, o despertar para o esprito geogrfico nos mais de dez anos
de actividade conjunta na ENB e, nos ltimos anos, na Associao Portuguesa de Preveno
Riscos e Segurana, a cuja direco me orgulho de pertencer, na qualidade de vice-presidente.
A seguir impe-se lembrar, reconhecer e agradecer, na pessoa do Comandante
Operacional Distrital Rui Esteves, toda a colaborao prestada no s por todos os CODIS,
mas tambm pelos Comandantes dos Corpos de Bombeiros, Sapadores, Municipais e
Voluntrios, sem o esforo dos quais no teria sido possvel obter to vasto nmero de
respostas ao inqurito lanado no decurso do ano 2007.
Mas a realizao da parte emprica da tese deve muito ao insubstituvel contributo das
24 comunicaes pessoais escritas, enviadas por individualidades com especial preparao e
reconhecida experincia nas diferentes vertentes da problemtica dos bombeiros e da
Proteco Civil, cujo nome consta, por direito prprio, das referncias bibliogrficas deste
estudo.
Tambm no posso deixar de lembrar o contributo inestimvel das entrevistas gravadas
que me foram concebidas pelo Padre Victor Melcias, na qualidade de primeiro Presidente do
extinto Servio Nacional de Bombeiros, Dr. Antnio Nunes, na qualidade de Presidente do
ex-Servio Nacional de Proteco Civil, General Paiva Monteiro, enquanto Presidente do ex-
Servio Nacional de Bombeiros e Proteco Civil, Coronel Antnio Antunes, ento
Comandante do RSB de Lisboa e Ex-Vice Presidente do Servio Nacional de Bombeiros e
Proteco Civil e, ainda, do Coronel Ribeiro de Almeida, na qualidade de Ex-Inspector
Regional de Bombeiros do Centro.
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Ao Dr. Duarte Caldeira e ao Dr. Amrico Mateus, manifesto o meu profundo apreo e
admirao pelo franquear das portas da ENB, a cujo Conselho Cientfico-Pedaggico tenho a
honra de pertencer desde 1997.
O agradecimento mais profundo no mundo dos Bombeiros destina-se ao Dr. Artur
Gomes, sempre disponvel e paciente para esclarecer dvidas e suscitar novas interrogaes no
binmio: Bombeiros proteco civil, englobando, neste agradecimento, o Engenheiro Pedro
Lopes pelo inestimvel apoio quanto ao binmio Bombeiros-Inem.
A seguir o meu agradecimento estende-se aos meus colegas da Riscos, Associao Nacional
de Riscos, Preveno e Segurana pela fora transmitida destacando o conselho norteador e pleno
de sabedoria, quanto forma e contedo, do Professor Doutor Fernando Rebelo.
Neste agradecimento da maior justia destacar, ainda, o Professor Doutor Romero
Bandeira, Presidente do Conselho Cientfico-Pedaggico da ENB, com quem convivo h
largos anos como membro deste rgo, pela simpatia, fino trato, disponibilidade e eficcia no
apoio a este trabalho nas reas em que reputado especialista.
Registo, tambm, o impulso recebido, em termos especiais de encorajamento, para dar
prioridade realizao da tese, por parte dos Professores Catedrticos jubilados, Joo
Abrantes e Vasco Reis, que comigo colaboram na exigente funo de Director da Escola
Superior de Sade do Alcoito.
Por fim, agradecimento muito especial no s s muitas centenas de bombeiros, de todas as
categorias, quadros, regies e tipologias, a quem tive o privilgio de ministrar formao no mbito
da ENB, mas tambm ao Corpo de Bombeiros de Algueiro Mem Martins com quem partilhei,
no terreno, as preocupaes, associativas e operacionais, nos quatro anos consecutivos em que
desempenhei as funes de Presidente da respectiva Associao.
Para o tratamento do texto contou-se com a preciosa e competente ajuda do tcnico
Cludio Barreira e da Dr.. Paula Costa, aos quais agradeo a disponibilidade e a pacincia.
A formatao final do trabalho deve-se ao inestimvel contributo do gegrafo Dr.
Adriano Nave a quem se presta homenagem pelo empenho, sensibilidade e pacincia na
elaborao da composio final.
As ltimas palavras tm de ser destinadas s pessoas que durante anos suportaram a
realizao deste trabalho, sempre interligado com outras tarefas com ele conexas e associadas.
Mili, minha mulher, e ao meu filho Gonalo, devo desculpas pelo tempo roubado ao
convvio que bem mereciam, em especial, nos ltimos dois anos, por imperativo de
cumprimento de prazos e exigncias cientficas e metodolgicas.
Obrigado aos dois. Bem hajam pelo apoio sem desfalecimentos.
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RESUMO
Em Portugal, a base da organizao do socorro s populaes continua assente nas
Associaes/Corpos de Bombeiros ditos voluntrios.
Este modelo de voluntariado denota enormes fragilidades, quer na componente
associativa designadamente nas reas de gesto, quer na componente operacional, com dfices
acentuados, no s, ao nvel da formao inicial e contnua, mas tambm, ao nvel da cultura
de segurana individual e colectiva.
No estando em causa o valor insubstituvel do voluntariado, o carinho e a simpatia das
comunidades pelos seus bombeiros, impe-se uma mudana organizacional na dinmica do
socorro, assente na afirmao inequvoca do binmio Municpios Bombeiros, no quadro das
responsabilidades de Proteco Civil que a Lei confere s Autarquias.
Nesta lgica, a implementao do Centro Municipal de Operaes de Socorro, constituiria
um passo de gigante para o enquadramento racional, no s dos corpos de bombeiros
existentes nos Municpios, mas tambm da figura do Comandante Operacional Municipal.
Obviamente, em todo este processo de mudana e transformao, em que a formao e o
treino so cruciais para um socorro eficaz e de qualidade, a resposta da Escola Nacional de
Bombeiros, autoridade pedaggica de formao dos bombeiros tem sido manifestamente insuficiente,
face s necessidades sentidas nos CBs, no s quanto formao especializada, especfica e,
sobretudo, de formadores, mas tambm na definio de um modelo pedaggico de
uniformizao da formao bsica.
Ao nvel da anlise da cultura de segurana nos bombeiros, efectuada com base em nove
grandes questes relativas poltica de gesto de SHST, avaliao de riscos, segurana de
instalaes, formao, sade ocupacional, registos, segurana de veculos, treino fsico e
equipamentos de proteco individual, foram comprovados dfices de cultura de segurana em
todas as tipologias de CBs, com destaque para os voluntrios, indicando, claramente, a pouca
importncia que tem sido dada a estas matrias, no obstante o volume assinalvel de feridos e
mortos dos ltimos anos.
Por outro lado, considerando que a misso e os riscos so idnticos, ficou provada a
necessidade de igual formao e de uniformizao das carreiras dos bombeiros sapadores,
municipais e voluntrios.
Em suma, no quadro actual, s a superao do dfice do binmio, formao e cultura de
segurana, poder criar condies para a mudana organizacional dos CBs e construir os
bombeiros do sculo XXI, baseados na convergncia entre desempenhos voluntrios com
verdadeira competncia profissional e desempenhos profissionais com sensibilidade
voluntria.
Palavras-chave: riscos, socorro, bombeiros profissionais, bombeiros voluntrios,
competncia, segurana, corpo de bombeiros, formao, cultura de segurana, proteco civil.
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ABSTRACT
CIVIL PROTECTION AND FIRE-FIGHTERS
Organization, training and safety
In Portugal, the structure of the rescue service is still seating on Fire Brigades composed
mostly of volunteer fire-fighters.
This volunteering model denotes enormous fragilities, both in the associative component
particularly in the areas of management, as well as in the operational component, with
increased flaws, not only, at the level of the initial and on going training, but also in the
context of the culture of the individual and collective safety.
Not being in question the irreplaceable value of volunteering, the affection and
consideration of the community for their firemen an organizational change must be
implemented in the dynamics of rescue operations, based on an unequivocal assertion of the
combination of Municipalities and Fire Departments, under the responsibility of Civil
Protection that the Law gives to Local Authorities.
Following this logic, the implementation of the Municipal Rescue Operations Centre
would be a giant step forward in the rational framework, not only in the existing Fire
Departments in the municipalities, but also of the figure of the Municipal Operational
Commander.
Obviously, in all this process of change and transformation, in which learning and training
are crucial for an efficient and first-rate aid, the response of the Firemens National School,
teaching authority of firemen training has been manifestly insufficient, given the felt needs
in the Fire Departments, not only on specialized and specific training, especially trainers, but
also in the definition of a pedagogical model for the standardization of basic training.
At the level of analysis of the safety culture in firemen, which was based on nine major
issues concerning the "management policy of the SHHW (Safety, Hygiene and Health in the
Workplace), "risk assessment", "Facilities Safety", "training", occupational health", "records",
"vehicle safety", "physical training" and "protective equipment, were confirmed deficits in the
safety culture in all types of Fire Departments, with prominence for the volunteers,, clearly
indicating the low priority that has been given to these matters, despite the remarkable amount
of injured and deaths in recent years.
On the other hand, considering that the mission and the risks are identical it has been
proven the need for equal training and standardization of the careers of all fire-fighters,
professional as well as volunteers.
In short, in todays framework, only the overcoming of the deficit of the current
combination between training and safety culture, can create conditions for structural change in
Fire Departments and create the firemen of the XXI century, based on the convergence
between volunteer performances with real professional competence and professional
performances with a volunteers sensitivity.
Key Words: Hazards, Rescue, Professional Fire-fighter, Volunteer Fire-fighter,
Competence, Security, Training, Safety Culture, Civil Protection.
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Sumrio
Introduo
Captulo I Organizao do Socorro em Portugal: Incongruncias do Sistema
1. Evoluo Histrica
2. Novo Ordenamento Jurdico, Funcional e Operacional
3. Atribuies, Competncias e Responsabilidades dos Agentes de Proteco Civil no
Socorro
Captulo II Formao nos Bombeiros Portugueses
1. Organizao de Formao
2. O Papel da Escola Nacional de Bombeiros na Certificao e na Formao
Contnua dos Bombeiros
Captulo III Cultura de Segurana nos Bombeiros Portugueses
1. Enquadramento
2. Perfil de Risco dos Bombeiros Portugueses
3. Poltica de Preveno e Gesto de Segurana e Sade no Trabalho, nos Corpos de
Bombeiros
Captulo IV Perspectivas de Mudana na Organizao do Socorro
1. Anlise do Dfice de Instruo/Formao nos Corpos de Bombeiros
2. Anlise do Dfice de Cultura de Segurana nos Corpos de Bombeiros
3. Mudana de Paradigma na Organizao do Socorro
Concluso
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ndice de Abreviaturas
ACT Autoridade para as Condies do Trabalho
AETL Aerotanques Ligeiros
AFN Autoridade Florestal Nacional
AETM Aerotanques Mdios
AETP Aerotanques Pesados
AHBV Associaes Humanitrias de Bombeiros Voluntrios
AFOCELCA Agrupamento complementar de empresas, constitudo pelo
Grupo Portocel, Soporcel, Celbi e Celulose do Caima para a Preveno e
Combate dos Incndios Florestais.
AGRIS Programa de apoio ao desenvolvimento agrcola e florestal
ANMP Associao Nacional dos Municpios Portugueses
ANPC Autoridade Nacional de Proteco Civil
ANTEPH Associao Nacional de Tcnicos de Emergncia Mdica Pr-Hospitalar
APC Agentes de Proteco Civil
APIF Agncia para a Preveno de Incndios Florestais
BBSF Brigadas de Bombeiros Sapadores Florestais
BCIN Brigadas de Combate a Incndios
BHATI Brigada Helitransportada de Ataque Inicial
BHV Brigada Helitransportada de Voluntrios
BI Brigada de Incndio
BM Bombeiro Mergulhador
BPH Bases Permanentes de Helicpteros
CAP Certificado de Aptido Profissional
CB Corpo de Bombeiros
CBM- Curso de Bombeiro Mergulhador
CBs Corpos de Bombeiros
CCO Centro de Coordenao Operacional
CCOD - Centro de Coordenao Operacional Distrital
CCOM Centro de Coordenao Operacional Municipal
CCON - Centro de Coordenao Operacional Nacional
CDOS Comando Distrital de Operaes de Socorro
CFGR Centro de Formao Geral Regional
CI Combate a Incndios
CIF Coordenador de Incndios Florestais
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CIUI Combate a Incndios Urbanos e Industriais
CNEC Centro Nacional Especializado Coordenador
CNPC Comisso Nacional de Proteco Civil
CDPC Comisso Distrital de Proteco Civil
CEB Companhia Especial de Bombeiros
CES Conduo de Embarcao de Socorro
CMPC Comisso Municipal de Proteco Civil
CM Cmara Municipal
CMA Centro de Meios Areos
CMOS Centro Municipal de Operaes de Socorro
CMDFCI Comisso Municipal de Defesa da Floresta Contra Incndios
CNIF Coluna Nacional de Interveno Florestal
CNOS Comando Nacional de Operaes de Socorro
CNPV- Comisso Nacional para a Promoo do Voluntariado
CODIS Comandante Operacional Distrital
CODU Centro de Orientao de Doentes Urgentes
COFA Comando Operacional da Fora Area
COM Comandante Operacional Municipal
COMTE - Comandante
COS Comandante de Operaes de Socorro
CPE Comunicao Pessoal Escrita
CTT Conduo Todo Terreno
CVP Cruz Vermelha Portuguesa
DAE Desfibrilhao Automtica Externa
DECIF Dispositivo Especial de Combate a Incndios
DFCI Defesa da Floresta contra Incndios
DGAM Direco-Geral de Autoridade Martima
DGRF Direco Geral de Recursos Florestais
DISP. - Disponibilidade
DON Directiva Operacional Nacional
ECIN Equipa de Combate a Incndios
ECF Equipas de Contra-Fogo
EF Educao Fsica
EFTS - Equipas de Fogos Tcticos de Supresso
EHATI Equipa Helitransportada de Ataque Inicial
EHV Equipa Helitransportada de Voluntrios
EI Equipas de Interveno
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EIP Equipa de Interveno Permanente
ELAC Equipas Logsticas de Apoio ao Combate
EMAC Equipas Mveis de Apoio ao Combate
EMGFA Estado-Maior General das Foras Armadas
ENB Escola Nacional de Bombeiros
EPI Equipamento de Proteco Individual
EPIs Equipamentos de Proteco Individual
ERAS Equipas de Reconhecimento e Avaliao de Situao
ESF Equipas de Sapadores Florestais
FA Foras Armadas
FAP Fora Area Portuguesa
FEB Fora Especial de Bombeiros
FOCON Fora Operacional Conjunta
FP Formao Pedaggica
GIPS / GNR Grupo de Interveno de Proteco e Socorro/GNR
GCIF Grupo Combate Incndios Florestais
GLOR Grupo Logstico de Reforo
GNR Guarda Nacional Republicana
GRIF Grupo de Reforo Incndios Florestais
GTF Gabinete Tcnico Florestal
HEBL Helicpteros Bombardeiros Ligeiros
HEBM Helicpteros Bombardeiros Mdios
HEBP Helicpteros Bombardeiros Pesados
HEATI - Helicpteros de Ataque Inicial
HEATA - Helicpteros de Ataque Ampliado
ICNB Instituto da Conservao da Natureza e Biodiversidade
IDICT Instituto de Desenvolvimento e Inspeco das Condies do Trabalho
IF Incndios Florestais
IM Instituto de Meteorologia
INAG Instituto Nacional da gua
INEM Instituto Nacional de Emergncia Mdica
IU Incndios Urbanos
IUI Incndios Urbanos e Industriais
ISHST Instituto para a Segurana, Higiene e Sade no Trabalho
LBP Liga dos Bombeiros Portugueses
LBPC Lei de Bases de Proteco Civil
LMF Laboratrio Mvel de Fogo
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MAI Ministrio da Administrao Interna
MD Ministrio da Defesa
MER - Mergulhador
MJ Ministrio da Justia
MNE Ministrio dos Negcios Estrangeiros
MP Matrias Perigosas
MRCC Centro Coordenador de Busca e Salvamento Maritimo
NP Norma Portuguesa
NRBQ (Nucleares, Radiolgicos, Biolgicos e Qumicos)
NS Nadador Salvador
OHSAS Occupational Health and Safety Management Systems
PAI Programa de Apoio s Infra-estruturas.
PAL Pessoal Apoio Logstico
PEM Posto de Emergncia Mdica
PCO Posto de Comando Operacional
PCOC Posto de Comando Operacional Conjunto
PJ Polcia Judiciria
PM Primeiro-Ministro
PMDFCI Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incndios
PNDFCI Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incndios
PEM Posto de Emergncia (Posto INEM, sedeado nos Corpos de Bombeiros)
POM Plano Operacional Municipal
PSP Polcia de Segurana Pblica
PV Posto de Vigia
RCC Rescue Coordination Center da Fora Area Portuguesa
REN Rede Elctrica Nacional
RES Reserva INEM
RNPV Rede Nacional de Postos de Vigia
SAP Servio de Atendimento Permanente
SAV Suporte Avanado de Vida (ambulncia SAV)
SBV Suporte Bsico de Vida (ambulncia SVB)
SD Salvamento e desencarceramento
SE Segurana Externa
SEPNA / GNR Servio da Proteco da Natureza e do Ambiente da GNR
SF Sapadores Florestais
SGA Salvamento em Grande ngulo
SGO Sistema de Gesto de Operaes
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SHST Segurana, Higiene e Sade no Trabalho
SHT Segurana e Higiene no Trabalho
SI Segurana Interna
SIEM Sistema Integrado de Emergncia Mdica
SIG Sistema de Informao Geogrfica
SIOPS Sistema Integrado de Operaes de Proteco e Socorro
SISI - Sistema Integrado de Segurana Interna
SITREP Situation Report
SIV Suporte Imediato de Vida (ambulncia SIV)
SMPC Servio Municipal de Proteco Civil
SNA Servio Nacional de Ambulncias
SNB Servio Nacional de Bombeiros
SNBPC Servio Nacional de Bombeiros e Proteco Civil
SOE Sector Operacional Especial
SST Segurana e Sade no Trabalho
SSLI Sistema de Socorro e Luta contra Incndios
SWOT Anlise dos pontos Fortes (Strenghs) e Fracos (Weaknesses) de uma organizao
com as Oportunidades (Opportunities) e Ameaas (Threats) do meio envolvente.
TAE Tcnico de Ambulncia de Emergncia (pertencente ao INEM)
TAS Tripulante de Ambulncia de Socorro (pertencente aos CBs)
TAT Tripulante de Ambulncia de Transporte (pertencente aos CBs)
TO Teatro de Operaes
UI Urbanos e Industriais
VMER Viatura Mdica de Emergncia e Reanimao
ZA Zona Apoio
ZCR Zona Concentrao e Reserva
ZS Zona de Sinistro
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19
Introduo
1.
20
21
1. Segurana e Socorro: Novo Paradigma
No mbito da segurana e proteco civil, a anlise de riscos, o socorro e a gesto das
crises tm assumido importncia crescente, sobretudo a partir do final do ltimo quartel do
sculo passado, com o objectivo de dar uma resposta imediata e eficaz aos desastres sejam
acidentes graves ou catstrofes, que, entretanto, passaram a ocorrer com maior frequncia, ou
talvez melhor, passaram a ser objecto de muito maior divulgao meditica.
De facto, as sociedades modernas, nomeadamente as mais desenvolvidas, debatem-se
hoje com problemas que, no sendo novos, assumem, por vezes, uma dimenso redobrada,
porque os riscos cresceram com o acelerado desenvolvimento tecnolgico e com a expanso
dum urbanismo desenfreado. Paralelamente os cidados, mais evoludos, mais informados e
da naturalmente mais sensveis, esto tambm psicologicamente menos preparados para os
aceitar.
O Tsunami de Dezembro de 2004 que vitimou mais de 250 mil pessoas, o furaco
Katrina que arrasou a cidade de Nova Orlees e matou perto de 2000 pessoas, o sismo do
Paquisto no qual faleceram perto de 60 mil pessoas, ou o tufo de Myanmar (s para citar
alguns dos mais recentes e devastadores) alertaram-nos para uma nova realidade a que os
Estados modernos no podem fechar os olhos. As grandes variaes demogrficas e as
mudanas climticas criaram muitas e novas preocupaes que remetem para atitudes de
contnua preveno, anlise e gesto de risco.
Os atentados de Nova Iorque de Setembro de 2001, de Madrid em 2004 ou de Londres
em 2005, confrontam os Estados com a necessidade de rapidamente agirem concretizando
respostas integradas e profissionais.
Em Portugal, a gravidade e dimenso dos incndios florestais, em especial os de 2003 e
2005 contriburam para uma sbita tomada de conscincia, quer pela populao, quer pelo
poder poltico, de uma nova realidade que ps a nu as deficincias do sistema de preveno e
socorro.
Foram ento suscitadas srias interrogaes ao nvel poltico e social quanto
adequao da Organizao de Proteco Civil e, sobretudo, do principal agente, corpos de
bombeiros, de matriz predominantemente voluntria, para assegurar, em tempo til e em
situao de emergncia, uma resposta de socorro bem articulada, por um lado, e, por outro, a
necessria proteco de pessoas e bens.
Neste quadro de ameaas segurana humana em sociedades com um elevado grau de
complexidade e risco, como a nossa, os Corpos de Bombeiros profissionais, mistos, ou
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voluntrios constituem, entre ns, a base da resposta para o socorro das populaes e
salvaguarda do patrimnio, ao nvel local, distrital ou nacional. No prembulo do Decreto-Lei
n. 247/2007 de 27 de Junho, tambm designado Regime Jurdico dos Corpos de Bombeiros (CBs)
claramente referido que em Portugal, o socorro s populaes assenta nos corpos de bombeiros e assim
continuar a ser mesmo que, entretanto, se tenham criado brigadas de sapadores ou o grupo de interveno de
proteco e socorro (GIPS da Guarda Nacional Republicana - GNR) que colaboram no mbito da primeira
interveno em incndios florestais, ou se venham a formar mais agentes e constituam outras foras.
Porm, a componente operacional do sistema so os bombeiros voluntrios, so a espinha dorsal.
Eles cumprem mais de 90% das misses de proteco civil e tendem a ser profissionais na sua aco. So
voluntrios, mas tm de tender a estar disponveis para receber uma formao cada vez mais abrangente e
qualificada. No me parece que exista o risco de o sistema soobrar por estar assente em voluntrios. Eles
dependem de ns sobre o ponto de vista operacional e isso decorre de uma situao em que, at hoje, no tem
havido quebras de solidariedade. (Arnaldo Cruz, 2007: 34).
Considerando o volume, diversidade e complexidade dos servios prestados, (Quadro I),
interrogamo-nos se os mesmos poderiam ser desempenhados, em larga medida, por
bombeiros verdadeiramente voluntrios, mormente ao nvel do socorro pr-hospitalar,
conhecidas que so as faltas de disponibilidade de pessoal voluntrio, sobretudo ao nvel da
primeira interveno.
Quadro I: Bombeiros em Misso de Proteco Civil.
Fonte: ANPC/2007.
a) Inclui incndios rurais, urbanos e industriais.
b) Mais de 84% dos acidentes envolvem viaturas;
c) No est includo o transporte de doentes, mas 43154 so transportes Inter-Hospital.
d) Inclui maioritariamente conflitos legais (agresso/violao), danos vrios em infra-estruturas e vias de comunicao
(inundaes/infiltraes).
a) Incndios 47 502
b) Acidentes 40 510
c) Pr-Hospitalar 772 237
d) Ocorrncias Diversas 32 810
e) Servios de Apoio 112 372
f) Actividades de Formao 11 724
g) Falsos Alertas (Alarmes) 11 511
h) Transporte de Doentes 7 956
Total 1 059 015
SERVIOS PRESTADOS - 2007
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e) Inclui limpeza de via, patrulhamento, participao em actividades desportivas, espectculos, servios variados a empresas, e
outros.
f) Inclui 1685 exerccios/simulacros.
g) Inclui servios gerais de apoio populao, actividades de evacuao terrestre, entre outros.
h) No SITREP (Situation Report) nacional para 2007 apenas esto registados estes nmeros.
A falta de meios e os atrasos no socorro, prendem-se com o facto de nem todas as
associaes de voluntrios tm condies financeiras e humanas para prestar um bom servio de socorro, como
alis ficou visvel em Alij, onde no havia tripulao para levar a ambulncia at vtima de acidente que
veio a morrer. (Caldeira, 2008:11).
Por outro lado, a circunstncia da maioria dos Corpos de Bombeiros Voluntrios possuir pessoal
profissionalizado para assegurar a prestao de servios ambulatrios de transporte de doentes e de, muitas
vezes, este pessoal ser utilizado para ocorrer a emergncias com prejuzo dos doentes a transportar para
consultas ou tratamentos (misso que no exclusiva dos CBs) suficiente para demonstrar a extrema
dificuldade de mobilizao de recursos humanos voluntrios, em especial nos dias de semana, no perodo das 7
s 20 horas, para fazer face s solicitaes dos servios. Esta debilidade impede tambm uma maior
rentabilizao dos investimentos de formao, uma vez que o voluntrio tem cada vez mais dificuldade em
dispor de tempo para frequentar aces de formao e a sua assiduidade ao Corpo de Bombeiros cada vez
mais reduzida. A soluo para este grave problema a institucionalizao em todos os corpos de bombeiros
voluntrios de grupos da interveno permanente para garantir uma primeira e qualificada resposta s
emergncias que tendero a ser mais frequentes e complexas. (LBP, 2003: 8-9).
Ora, seguindo de perto Caldeira (CPE, 2008:1), tal estrutura permanente j existe
ainda que mitigada, na medida que os funcionrios bombeiros e no bombeiros que tm uma relao
contratual com as Associaes ascendem a 5200 no Pas, segundo dados de 2003. Desagregando os
dados, tais funcionrios dividem-se em:
- Administrativos (no bombeiros): 15%;
- Outras funes (no bombeiros): 10%;
- Bombeiros com vrias funes (nos CBs): 75%.
Estes nmeros permitem-nos inferir que a maioria dos servios assinalados no quadro I
foi executado por 75% dos 5200 elementos contratados nas respectivas Associaes, ou seja,
por 3900 bombeiros permanentes ligados sobretudo urgncia pr-hospitalar.
Obviamente o voluntariado em si mesmo, enquanto doao solidria e esprito altrusta,
no est em causa, bem pelo contrrio. Todavia, a segurana e o socorro enquanto direitos de
cidadania constitucionalmente consagrados, exigem nveis de prontido, qualidade e eficcia
na aco que o modelo vigente j no pode satisfazer, no quotidiano da sociedade de risco em
que vivemos.
24
Hoje em dia, s dedicao e boa vontade j no so suficientes para se ser um bom bombeiro, embora
continuem a ser atributos essenciais para um voluntariado consciente. Nos dias de hoje so necessrias, no
mnimo trs condies para se ser um bom bombeiro voluntrio. So elas: querer, poder e saber. A primeira o
querer porque, sendo o bombeiro um ente solidrio e altrusta, gosta de ajudar aqueles que, por qualquer razo
momentnea, carecem de auxlio. O segundo pressuposto poder, o que significa ter disponibilidade, no s
para colaborar regularmente nas misses de socorro, mas tambm para receber a formao adequada para o
desempenho da sua nobre misso de bombeiro. O terceiro predicado, e no menos importante, saber, o que
implica no s ter a formao adequada, mas tambm possuir formao actualizada. Nos dias de hoje, a
formao adequada comprova-se atravs da certificao, a qual garante a aquisio de competncias para o
desempenho de determinadas funes, ao passo que a formao actualizada se obtm atravs de recertificaes
regulares, cada uma das quais comprova a manuteno de determinada competncia antes adquirida.
(Loureno, 2006:65).
Neste quadro, podemos interrogar-nos, como alis fez Loureno (2006: 65) ser que
todos os bombeiros, voluntrios ou no, que participam no socorro em geral e no combate a
incndios em particular, cumprem as trs condies atrs referenciadas?
E ser que, nos dias de hoje, continua o mesmo autor, face s situaes de manifestao
de riscos a que qualquer bombeiro possa ser chamado a dar resposta, o conceito de bombeiro
voluntrio mantm o mesmo significado de h mais de cinquenta anos, quando foi publicado
o paradigmtico Regulamento dos Corpos de Bombeiros pelo Decreto-Lei n. 38439/51, de
17 de Setembro?
Ser bombeiro voluntrio ou profissional uma actividade ocupacional de elevado risco.
Para se ser bombeiro necessrio passar por um conjunto de patamares e adquirir um
conjunto de saberes: de saber conhecimento, de saber fazer e de saber ser. Esses saberes esto
relacionados, no s com conhecimentos gerais sobre os riscos e perigos com que tm de lidar no
quotidiano das aces de socorro e salvamento, mas tambm saberes fazer/executar e saberes
ser/estar fundamentais para uma actuao tecnicamente eficiente e eficaz.
Por outro lado, tratando-se de uma actividade de alto risco, para alm da formao e
medidas de proteco e segurana, exigida ao bombeiro robustez fsica adequada para
transportar equipamentos e percorrer distncias at locais de difcil acessibilidade e ainda para
resistir a prolongados perodos de esforo, seja para transportar sinistrados, seja para demolir,
cortar, escalar ou escavar.
Necessita de boa capacidade visual e auditiva e capacidade de resistncia a odores fortes
e poeiras.
25
Exige-se ainda ao bombeiro desembarao e rapidez de movimentos, agilidade fsica
elevada e rapidez de reaco face ao perigo.
A gesto dos riscos em presena exige tambm resistncia psquica, equilbrio emocional
e mesmo ateno dispersa para apreciar e equacionar os factores presentes nos sinistros e agir
em conformidade.
A qualidade das relaes interpessoais a estabelecer, seja com colegas de servio seja
com o pblico, mormente com pessoas em estado de choque, exige do bombeiro flexibilidade
e abertura na relao.
ainda confrontado com marcadas exigncias a nvel de controlo e estabilidade
emocionais para exercer as suas actividades, em situaes em que tanto a prpria vida como a
de outrem podem correr perigo. Alm disso, pode ser sujeito a intenso e prolongado esforo
susceptvel de provocar stress e desconforto emocional.
Saliente-se, ainda, o esprito de iniciativa, coragem e arrojo que lhe so pedidos em
situaes limite que se lhes so deparadas.
Muito embora o risco esteja presente em qualquer profisso, a pluralidade de actividades
de socorro que os bombeiros desempenham em condies e ambientes hostis sujeita-os, de
forma muito singular, a riscos biolgicos, fsicos, qumicos, ergonmicos e psicolgicos que
lesam a sua sade e podem causar a morte.
Na sociedade de risco em que vivemos, o novo quadro de ameaas segurana dos
cidados, configura-se com a rapidez e a sofisticao das comunicaes na sociedade
globalizada, com indstrias agressivas para o ambiente, inovaes tecnolgicas geradoras de
perigos acrescidos, possibilidades de acesso a armas letais e, em especial, a armas de destruio
massiva (nucleares, radiolgicas, biolgicas e qumicas), fazendo sobressair associaes
criminosas e o terrorismo internacional, em parte pelo recrudescimento de antagonismos
nacionalistas e religiosos, em que a concepo tradicional da segurana do Estado, associada
manuteno da ordem pblica e ao controlo da criminalidade, tende a estar ultrapassada.
A sociedade parece revelar, inclusivamente, uma hipersensibilidade ao risco, tomando
conscincia de que os recursos que constituem a base da riqueza das sociedades esto cada vez
mais poludos e de que crescem as foras destrutivas. Deixa, assim, de se preocupar, cada vez
mais, com as consequncias gravosas do prprio desenvolvimento urbano-industrial, e do
sistema produtivo que o suporta, ou seja, alm de socialmente reflexivos, os riscos e as suas
consequncias tornam-se tambm politicamente reflexivos, obrigando os Estados a novas
formas de regulao pblica (Gonalves, 2002:94).
26
Neste quadro de instabilidade e certezas, a segurana assume um novo conceito,
abrangendo no s a segurana individual ou nacional: o risco social tornou-se numa inevitabilidade
suportada quotidianamente pelas massas (Sennett, 2001:125), mas tambm a segurana global,
motivando a redefinio dos sistemas de informao e o papel das foras de segurana e das
foras de socorro e assistncia s populaes.
Estaro os estados impotentes perante as vulnerabilidades globais? Podero super-las
ou preveni-las, sem uma efectiva cooperao transnacional?
Como bem assinala Pereira (2006:44), os fundamentos estruturais e reguladores da
ordem mundial, parecem cada vez mais incapazes de oferecer um mnimo de segurana a
muitos povos do planeta.
Em resumo, el Estado est siendo sutilmente deformado, en cuanto a instrumento de bienestar
humano, por la dinmica de la globalizacin que lo impulsa, en diferentes grados, hacia una relacin de
subordinacin respecto a las fuerzas globales del mercado. En parte como repuesta a esto y en parte como
resultado de las deficiencias del secularismo como fuente de realizacin humana, en muchos terrenos el Estado
est perdiendo tambin su capacidad para procurar los componentes sociales, econmicos y materiales de la
seguridad dentro de sus proprias fronteras.(Falk, 2002:72).
Estas transformaes que afectam toda a conceptualizao sobre os entendimentos
anteriores sobre a segurana esto a deixar sem significado o que tradicionalmente se vinha
entendendo por segurana interna e segurana externa (Pereira, 2006:147).
No quadro do conceito de segurana humana, as pessoas, os cidados exprimem e
experimentam hoje outras preocupaes e sentimentos de insegurana e incerteza da sua vida
quotidiana, seja a nvel do trabalho, da sade ou do meio ambiente. Estamos perante
demandas da mais variada ordem no quadro dos direitos da cidadania.
Nalguns casos, estamos a falar de segurana poltica frente a abusos e violaes de
direitos humanos; de segurana pessoal e individual face criminalidade, violncia contra as
mulheres, ou ao terrorismo; noutros trata-se de segurana ambiental face degradao do ar,
gua, solo e florestas; ou ainda segurana alimentar frente escassez de alimentos ou aos
riscos derivados de produtos perigosos para a sade humana; tambm a segurana frente a
doenas e enfermidades novas, transmissveis por contgio, inalao e secrees; segurana
econmica frente ao trabalho precrio e desigualdade de rendimentos e, finalmente, a
segurana financeira com as crises bolsistas, como por exemplo o subprime.
Em suma, estamos perante um conceito integrador da segurana humana,
humanocntrico que tem a sua gnese na luta pelos direitos humanos, e por uma vida digna e
plena para todos, ao nvel ambiental, industrial, alimentar, sanitrio, segurana ante novos
27
riscos sociais, tecnolgicos, novas formas de trabalho, e no unicamente o fundamento da ordem,
ou seja a perspectiva estatocntrica, a qual deve ceder passo perspectiva humanocntrica,
introduzindo a segurana humana como eixo integrador das polticas pblicas de proteco e
socorro perante as inmeras vulnerabilidades sociais. (Pereira, 2006: 143-176).
Fundamentalmente, a segurana humana implica proteger as liberdades vitais, socorrer
as pessoas expostas a ameaas e a situaes difceis, de tal modo que possam criar-se sistemas
com dispositivos operacionais de sobrevivncia, dignidade e meios de vida, apelando no s
proteco, mas tambm preveno e habilitao das pessoas para valer-se a si mesmas em
situao de vulnerabilidade.
Os novos riscos so qualitativamente diferentes dos riscos da sociedade industrial.
Embora reconhecendo que os pases pobres so naturalmente mais vulnerveis aos riscos do
que os pases ricos, Beck considera que os riscos tendem a ser globais no sentido de que
transcendem as fronteiras nacionais, afectando potencialmente toda a humanidade e todas as
formas de vida animal e vegetal (Beck, 1992:21,22). Este entendimento no indiferente ao
facto de os riscos serem indissociveis dos processos de globalizao econmica e social,
escapando, do mesmo passo, s instituies de controlo e proteco da sociedade industrial e
dos Estados.
Efectivamente, os novos riscos so, em grande parte, riscos globais, por exemplo, os riscos
ambientais e de sade pblica mais em foco nos ltimos tempos transcendem as fronteiras
nacionais. A propagao de doenas emergentes como a Sida, a pneumonia atpica ou a
disseminao de produtos alimentares contaminados acompanham o comrcio de
mercadorias, a mobilidade de pessoas e a circulao das tecnologias. A omnipresena do risco
na sociedade contempornea encontra-se, assim, estreitamente associada sua globalizao
(Gonalves, 2003:6).
Uma outra ideia central a de que os cidados se tornam cada vez mais socialmente
reflexivos, deixando de aceitar sem discusso novas tecnologias ou novos modelos produtivos.
Os riscos tendem a dominar o debate pblico, dando origem a novos tipos de conflitos e
controvrsias, numa sociedade cada vez mais mediatizada. As imagens que nos entram em
casa todos os dias, tal como as leituras da imprensa e os discursos mediticos, tendem a gerar
um estranho sentido de risco permanente, como se a vida estivesse continuamente no arame
(Silveirinha, 2007:11).
No tendo o nosso Pas sido atingido, at agora, pelos graves atentados que tm
assolado a humanidade, Leandro (2007: 16) interroga-se se estaramos preparados para
responder bem, como aconteceu em Nova Iorque e Madrid. A resposta s pode ser um rotundo
28
No. E com vergonha que o reconheo, bastando recordar o que se passou em 2002 com o desastre da Ponte
de Entre-os-Rios em Castelo de Paiva, quer o modo amador, assustado e improvisado como essa crise foi
gerida. No mundo actual no se pode funcionar naqueles moldes (Leandro, 2007: 16).
Mais recentemente ocorreu um desastre com a embarcao Luz do Sameiro na Nazar,
vitimando seis vidas humanas, tragdia perante a qual o Chefe do Estado Maior das Foras
Armadas assumiu com enorme dignidade toda a responsabilidade (), constatando-se que a origem
das falhas deve encontrar a sua explicao no sistema em vigor que histrico e tradicional, burocratizado,
estando desfasado das ameaas actualmente existentes e do armamento, da sua frequncia e ritmo (Leandro,
2007: 16).
Por outro lado, todos os anos somos vtimas das consequncias de graves situaes
meteorolgicas traduzidas em incndios florestais durante o tempo quente, como durante o
perodo frio atravs de grandes chuvadas e consequentes inundaes ou da aco erosiva do
mar, no estando s em causa o nosso interior e as florestas, mas tambm a nossa costa que,
se bem tratada, uma das reas que mais receitas pode proporcionar e que tem vindo a ser
progressivamente destruda. E tudo se repete anualmente sem grandes melhorias significativas, indiciando
que parte dos desastres que tm afectado os nossos ecossistemas consequncia da falta de um correcto,
devidamente cumprido e acompanhado ordenamento territorial (Leandro, 2007:16).
Hoje a questo relativa s ameaas provenientes das rpidas mudanas climticas deve
ser encarada do mesmo modo que uma verdadeira guerra, que no podemos perder, em
termos de planeamento, coordenao e execuo (Leandro, 2007: 16).
No fundo, a segurana s uma, devendo ser concebida no topo do Estado e sendo
responsvel pela sua concepo o chefe do Governo, a fim de que haja um Planeamento Integrado
que procure ultrapassar nas questes de Segurana, as histricas barreiras entre Ministrios, percebendo que
cada vez mais h zonas de sobreposio que devem ser trabalhadas em conjunto, coordenadas e ganhando
sinergias, o que vir a beneficiar toda a Comunidade Nacional (Leandro, 2007: 28).
Os Ministrios da Soberania (Negcios Estrangeiros, Defesa, Administrao Interna e
Justia) tm reas de sobreposio e da que no se possa continuar a trabalhar no modelo de
cilindros estanques e numa relao apenas verticalizada (Leandro, 2007: 30). Por outro lado,
para que possa haver segurana deve existir coordenao entre os sistemas e necessrio dar
queles que se encontram no terreno todas as informaes necessrias, de um modo
transversal. O mesmo deve ocorrer na rea operacional executiva, ou seja, em matrias como a
proteco e o socorro, temos de responder de um modo coordenado, integrado em rede, sem
preocupao de protagonismos desnecessrios da parte de quem quer que seja, dos cilindros
estanques, sejam ministrios ou corporaes (fig. 1).
29
Fonte: Adaptado de Leandro, 2007.
Fig. 1 - Paradigma Tradicional das Responsabilidades de Segurana e Defesa.
Parece claro que em questes de Segurana Humana ou Grande Segurana, a de que
ningum suficiente e, muito menos auto-suficiente, ningum pode ficar de fora, nem ningum
deve actuar de modo isolado, porque, no demais diz-lo, o objectivo final da segurana o
cidado (modelo humanocntrico) e no apenas o Estado (modelo estatocntrico), cabendo a este
organizar, com a sociedade civil, a segurana colectiva, onde todos e cada um dos sistemas e
subsistemas de defesa, proteco e socorro devero ter o seu quinho de responsabilidade na
execuo, coordenada, de planos de segurana e socorro das populaes em risco.
E se as Autarquias tm sido responsveis por grande parte do desenvolvimento do Pas, reconhecimento
que deve ser feito so, em muitos casos, as grandes responsveis, no s pelos gravssimos atentados ambientais
que tm ocorrido e que esto vista de todos, como tambm pela falta de prontido da Proteco Civil nas suas
reas de responsabilidade. Estamos, como sociedade nacional, j a pagar o preo de omisses e de decises
desastradas, o que se pode agravar no futuro (Leandro, 2007:16).
Quanto a propostas para obviar situao actual, Garcia Leandro, aponta a juno da
Segurana e da Defesa, asseverando que para efeitos de segurana, as Autarquias e a Proteco Civil
(incluindo os bombeiros) deviam depender deste Ministrio (diga-se Ministrio da Segurana e Defesa) que teria
um Secretrio de Estado para a Segurana do Territrio Nacional; os Bombeiros, tendencialmente, tero que
ser profissionalizados e sujeitos a uma estrutura hierarquizada (Leandro, 2007:18).
Parece-nos hoje claro que se no passado e em termos histricos, se poderia separar a segurana
militar (ameaas externas) da segurana interna e da segurana (proteco) civil, hoje a situao
completamente diferente, as reas sobrepem-se e tudo deve ser concebido, estruturado e planeado de modo
integrado ao nvel da Estratgia Total (topo do Estado) at chegar, para o planeamento e execuo,
autarquia, empresa, aos servios, escola, ao hospital, s estradas, portos e aeroportos, aos complexos
desportivos, etc., at ao cidado, de modo a que ningum fique de fora. o nico modo de conseguirmos os
resultados de que precisamos, dando segurana e tranquilidade nossa populao e investimentos. (Leandro,
2007: 16-17).
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ci
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Sa
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30
, no fundo, o novo conceito que a realidade e a dinmica social da sociedade
globalizada nos impe no s transformando o cidado e os povos no ponto fulcral de toda a
segurana e da chamada democratizao dos riscos, mas tambm como participantes activos e
responsveis pela prpria segurana, pois ningum pode ser dispensado do seu contributo
comunitrio. A Segurana Humana no algo que as pessoas possam esperar e receber passivamente das
instituies sociais. parte substancial delas a sua participao activa e a sua capacidade para assumir riscos
(Pereira, 2006: 183).
Em sntese, seja nos grandes desastres naturais, que se tm verificado um pouco por
todo o mundo, seja em grandes acidentes provocados pelo terrorismo internacional e ou
outras situaes de catstrofe humanitria, resultante da actividade e dos movimentos
populacionais, uma das constataes mais relevantes e tambm mais preocupantes a
deficiente articulao entre foras ou servios de segurana e estruturas ou servios de
proteco e socorro e das foras armadas, bem patente, entre ns, nos incndios de 2003
(Livro Branco, 2003: 75-89).
Os novos conceitos de segurana interna (pelo menos ao nvel legislativo) vo, pois, no
sentido de promover a articulao permanente entre todas estas foras e servios na
planificao, organizao operacional e execuo, no obstante, na Constituio Portuguesa,
os conceitos de Segurana Interna e Defesa ainda surgirem diferenciados.
Em sntese, na figura seguinte (fig. 2), tenta mostrar-se uma compreenso integrada e
indivisvel da Segurana englobando trs linhas fundamentais: Segurana Externa, Segurana
Interna e Proteco Civil.
Fig. 2 Novo Paradigma de Segurana (adaptado de Leandro, 2007).
PM
SIS
Proteco Civil
MNE MD MAI MJ
SE SI
31
Todo o processo legislativo nesta matria , ainda, muito recente. O problema est na
aceitao pelos diferentes sistemas (foras, servios de segurana, de interveno e socorro),
com culturas muito prprias, do processo de coordenao, direco, controlo e comando
operacional, por parte da figura do Secretrio-Geral do Sistema de Segurana Interna, nos
termos previstos nos artigos 16 ao 19 da Lei de Segurana Interna, Lei n 53/2008, de 29 de
Agosto.
Resumindo, com a globalizao do risco, os conceitos e paradigmas da segurana que
perduraram desde a Segunda Guerra Mundial entraram em crise, conduzindo s situaes
seguintes:
Fim da segurana garantida;
Diluio dos conceitos de segurana interna/segurana externa, dando assim
origem ao conceito alargado de segurana, ou grande segurana como diria
Garcia Leandro (2007:24-30);
Estados a no garantirem, por si ss, a segurana, a proteco e o socorro,
constatando-se, no s a necessidade da forte interdependncia no seu
funcionamento, mas tambm numa forte dependncia da participao social e
privada e da dinmica da cooperao internacional (fig. 3).
Fig. 3 - Os Pilares da Segurana Humana na Sociedade da
Globalizao do Risco (Adaptado de Isabel Pais, 2008).
ES
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DO
SE
CT
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IVA
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INT
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SE
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CIA
L
Optimizao
da Segurana
SEGURANA
Encontrar motivaes em conjunto
Compatibilizar valores e intenes
Sectores:
Estado
Privado
Social/Cooperativo
32
Por outro lado, cada vez mais o aumento do nvel de proteco e segurana das
populaes vai depender da promoo e fomento de campanhas de sensibilizao e de
comunicao de uma cultura de segurana, explicitamente orientadas para as comunidades e
grupos mais vulnerveis, sendo crucial potenciar a participao desses cidados e das suas
estruturas associativas de mbito local em tarefas ligadas preveno, socorro e reabilitao.
Considerando a distribuio geogrfica de proximidade (fig. 4), os CBs ditos
voluntrios (pese embora as dificuldades de prontido para a primeira interveno) so
indiscutivelmente os primeiros guardies das comunidades, a quem os cidados recorrem
quando sujeitos aos mais variados e diferentes tipos de riscos, cumprindo, como atrs referido, mais
de 90% das misses de proteco civil (Cruz, 2007:34).
Fig. 4 - Distribuio geogrfica dos corpos de bombeiros portugueses.
De facto, no quadro dos modelos de organizao do socorro, Portugal o caso nico na
Europa, e provavelmente no mundo, em que o mbito de interveno dos bombeiros est dependente, na sua
esmagadora maioria, da mobilizao da sociedade civil em torno das associaes. Em todos os pases, a
estrutura profissional o principal pilar e que no final de contas orienta e enquadra toda a estrutura voluntria
que tem um nobre papel, mas que no pode de forma alguma subverter o sistema, at pelos nveis de
responsabilizao que a cada um cabe (Curto, CPE, 2007:2).
33
A questo central que est colocada ao actual modelo de socorro baseado nos CBs
voluntrios que, mesmo havendo voluntrios, h uma crescente crise de disponibilidade dos
voluntrios, pelo que o modelo de voluntariado existente enquanto alicerce da resposta dos Corpos de Bombeiros
s exigncias do socorro quotidiano, regista grandes fragilidades em quase todo o territrio nacional. (LBP,
2003:9).
Por outro lado, h dfices de preparao fsica, profissional e de cultura de segurana
que colocam em risco a integridade dos bombeiros em geral e dos ditos voluntrios em
particular.
No Portugal de hoje, as pessoas querem uma resposta rpida e eficaz, que resolva o
problema no mais curto espao de tempo possvel e com o mnimo de consequncias. Ora,
esta resposta no se compadece com tempos de espera e de disponibilidade dos bombeiros.
A primeira interveno do socorro uma questo de tempo e deve ser profissionalizada. (Costa,
2008:39). Ou seja, a vertente da eficcia que a aco da primeira interveno tem que ter, deve
estar sustentada por bombeiros que possam treinar-se todos os dias e com formao contnua
permanente. esta a perspectiva da profissionalizao da primeira interveno, sem prejuzo
da prestimosa e insubstituvel contribuio complementar do voluntariado. Nesta linha, a
questo central da tese saber at que ponto vivel continuar a manter um sistema de
socorro baseado em CBs voluntrios, com falta de disponibilidade, formao e segurana.
2. Objectivos e estrutura do trabalho
Discutida a problemtica, este trabalho procurar responder, seguinte
hiptese/interrogao principal:
No quadro da proteco civil, o modelo de voluntariado existente, enquanto
alicerce de resposta dos corpos de bombeiros, s exigncias do socorro quotidiano,
registar dfices quanto disponibilidade, formao e segurana dos agentes?
E s seguintes sub-hipteses/interrogaes:
A. Nos corpos de bombeiros, os resultados em sade ocupacional e segurana
estaro associados cultura organizacional e de segurana neles existente?
B. As melhores performances ao nvel da formao e segurana dos bombeiros
estaro associadas ao respectivo estatuto profissional?
Subsequentemente, dar-se- resposta a outras interrogaes complementares e
confinantes com a hiptese principal, como sejam:
34
Quanto formao ministrada nos CBs
1. Os corpos de bombeiros garantem aos recrutas/aspirantes (ora chamados
estagirios) instruo/formao mnima de 280h, aprovada pelo SNB em 1 de
Agosto de 2001, conforme consta do Manual de Formao Inicial de Bombeiros?
2. Que diferenas existem e como se explicam as disparidades, ao nvel da formao
entre profissionais e voluntrios?
Quanto formao ministrada na Escola Nacional de Bombeiros (ENB)
3. Qual a responsabilidade da ENB no panorama geral e actual da formao dos
bombeiros?
4. A ENB garante a formao especializada e especfica e a formao de
formadores necessrios aos 413 CBs de Portugal Continental?
5. A ENB descentralizada seria uma boa soluo para aumentar a formao dos
bombeiros?
Quanto existncia de uma carreira nica para todos os bombeiros
6. Sendo idnticas as funes e os riscos, porque no existe uma carreira nica para
Bombeiros voluntrios e profissionais baseadas em competncias bsicas
comuns?
Quanto cultura de segurana existente nos CBs
7. ministrada formao no domnio da Segurana e Preveno de riscos
profissionais nos CBs?
8. Qual a periodicidade dos exames mdicos nos CBs?
9. Considerando o grau de exigncia da funo do bombeiro qual a periodicidade
do treino e recuperao fsica nos CBs voluntrios e profissionais?
10. Quem fiscaliza a aptido fsica, tcnica e psicolgica dos bombeiros para o
desempenho da sua misso?
Quanto organizao interna dos CBs
11. Considerando a centralidade da figura do comandante na dinmica dos Corpos
de Bombeiros, qual o perfil dominante nos CBs voluntrios e profissionais?
12. Quais as razes da falta de homogeneidade na distribuio dos meios de socorro
bsico e nos equipamentos de proteco individual, em CBs da mesma espcie?
13. Como se justifica, a nvel operacional, a reduzida utilizao de ferramentas de
sapador nas aces de combate a incndios florestais?
Quanto organizao do socorro
14. Qual a lgica de distribuio geogrfica dos CBs?
35
15. Quais as vantagens e inconvenientes da nomeao dos comandos dos CBs ditos
voluntrios pelas direces das respectivas associaes?
16. Quais as vantagens e inconvenientes da criao da figura de Comandante
Operacional Municipal?
17. Quem manda nas Associaes Humanitrias de Bombeiros e a quem prestam
contas?
18. Haver Corpos de Bombeiros a mais em alguns Distritos ou Concelhos?
A resposta a estas interrogaes que constituem o cerne dos objectivos deste estudo,
visa permitir uma anlise das principais fragilidades e dfices do actual sistema organizacional
de socorro, estribado nos CBs ditos voluntrios, sobretudo ao nvel da primeira interveno,
comparando-a com a realidade dos CBs profissionais, de molde apresentao de propostas
concretas para ultrapassagem das actuais vulnerabilidades e estrangulamentos organizacionais
de uns e de outros.
Quanto estrutura do trabalho propriamente dita, no primeiro captulo, comeamos
por analisar a evoluo histrica da organizao do socorro em Portugal at aos nossos dias,
com especial enfoque na nova legislao decorrente da Lei de Bases da Proteco Civil,
enunciando as incongruncias do sistema.
No segundo captulo, aborda-se a problemtica das competncias e da formao dos
bombeiros, no s quanto formao inicial, mas tambm quanto formao especializada e
especfica e as disparidades existentes nos diferentes tipos de CBs (voluntrios e profissionais).
Analisa-se o papel da Escola Nacional de Bombeiros enquanto autoridade pedaggica de
formao dos Bombeiros Portugueses, aludindo-se sua oferta e eficcia formativa,
problemtica da Carreira nica e ao Ensino Superior em Bombeiros e Proteco Civil.
No terceiro captulo, define-se o perfil de riscos profissionais dos bombeiros
portugueses e espelha-se a crua realidade da cultura de Segurana e Sade Ocupacional nos
CBs. Por outro lado, traduzem-se as diferenas entre bombeiros profissionais e voluntrios,
no s quanto a equipamentos de proteco individual, mas tambm quanto ao controlo de
riscos profissionais.
No quarto captulo, so analisadas as vulnerabilidades, dfices e fragilidades dos CBs e
do sistema de socorro nas vertentes associativa e operacional. Espelha-se o dfice de
qualificao dos recursos humanos, as disparidades formativas e as debilidades dos meios de
preveno dos riscos profissionais, apontando-se caminhos, modelos e perspectivas de
superao dos problemas, de organizao do socorro, formao e cultura de segurana dos
CBs, no quadro da proteco civil.
36
Por fim, retomam-se, sinteticamente, numa perspectiva de conjunto, as principais
concluses relativas problemtica em estudo, centrada nas insuficincias do sistema de
socorro, assente no modelo de voluntariado existente em Portugal.
3. Metodologia
O processo de investigao desenvolveu-se em funo das questes levantadas em
torno da problemtica atrs exposta (que assumem, naturalmente, um papel orientador) e
operacionaliza-se numa estratgia de pesquisa integrada, a qual privilegia uma combinao
entre uma abordagem qualitativa e uma abordagem quantitativa. Existe, alis, uma
efectiva distino entre estes dois tipos de abordagem metodolgica na pesquisa social
(Tavares, 2007:65). Contudo, tambm existe a conscincia de que a fronteira que as separa
nem sempre rigorosamente delimitvel e, por vezes, artificial. Basta referir o facto das
chamadas tcnicas quantitativas incorporarem elementos qualitativos e ser cada vez mais
comum as chamadas tcnicas qualitativas terem elementos quantitativos, sobretudo quando
se procede anlise de contedo da informao (Tavares, 2007:65).
Tais abordagens metodolgicas assentam na utilizao de um conjunto diversificado de
tcnicas de investigao, chegar realidade por partes (Machado Pais, 2002:72), cuja articulao
permite obter resultados complementares entre si e sucessivamente inter-relacionados, numa
perspectiva global.
Desde logo, foi essencial o recurso no s s tcnicas no documentais do processo de
pesquisa (entrevistas, observao directa e inquritos), mas tambm s tcnicas documentais
(recolha e anlise bibliogrfica, recolha e anlise documental), com vista a produzir um
conjunto amplo e variado de informao subjacente ao aprofundamento dos temas.
A hierarquizao interna e a definio do posicionamento relativo das tcnicas de
investigao aplicadas, quanto ao grau de importncia que desempenham no processo de
pesquisa, parece um exerccio desnecessrio, pois a funo de cada uma delas especfica e
complementar face aos objectivos globais. Alis, como bem assinala Tavares (2007:67), a
investigao e as diferentes formas de produo do conhecimento nas vrias reas cientficas
tm um carcter cumulativo.
Este trabalho no podia, pois, deixar de ser, como j foi assinalado, no s o produto
acumulado da reflexo acerca da minha participao activa, ao longo de mais de dezasseis
anos, de bombeiro sem farda, mas tambm, da investigao emprica sobre o objecto em estudo.
37
Considerando, apesar de tudo, a escassa produo cientfica sobre a problemtica da
proteco civil e dos bombeiros portugueses, a primeira etapa de desenvolvimento do projecto de
investigao, iniciado em finais de 2005, cingiu-se muito recolha, anlise bibliogrfica e
documental tcnicas, alis, aplicadas ao longo de todo o processo de pesquisa com vista a
dissecar intensivamente a informao disponvel relativa ao quadro terico e ao objecto emprico1.
A natureza dos documentos recolhidos e analisados muito distinta e varivel. Nela se
incluem documentos utilitrios, de carcter meramente informativo (jornais e revistas dos
bombeiros), textos escritos de diferentes tipos, desde os que revelam preocupaes cientficas e
tcnicas (manuais), at aos que so redigidos com objectivos instrumentais, normalmente
caracterizados por terem uma carga ideolgica e por serem pouco rigorosos. Sobretudo, nestes
casos, a anlise dos documentos submete-se a um estado de contnua tenso entre texto e
contexto, cada um definindo e redefinindo o outro (Tavares, 2007:79), ou seja, os documentos
contribuem para contextualizar a realidade em estudo e, por outro lado, toda a sua anlise
determinada pela necessidade de identificar e interpretar o contexto que lhe est subjacente, e
simultaneamente, a necessidade de considerar o contexto dos discursos a produzidos, para
avaliar os significados presentes no seu contedo e, eventualmente, a sua credibilidade.
Ainda, nesta fase, comeou a pr-se em prtica a tcnica da entrevista presencial (com
recurso a gravador) e ao envio de questionrios com questes abertas via correio electrnico, a
informantes privilegiados face ao tema em estudo, prtica essa que foi utilizada ao longo de
todo o trabalho de campo, para preciso de afirmaes, textos e contextos.
A opo metodolgica pela entrevista, desde o incio do trabalho, revelou-se essencial
para o desenvolvimento da pesquisa, posto que, atravs da recolha, anlise, sistematizao e
interpretao das concepes explcitas e implcitas, nos discursos produzidos por
protagonistas no activo e, mais posteriormente, por personalidades que j desempenharam
funes centrais na vida das organizaes de Proteco Civil e Bombeiros potencializaram o
aprofundamento nas vrias vertentes da problemtica em estudo.
De todo este trabalho de campo, obtiveram-se um total de 30 entrevistas aprofundadas,
das quais, 24, recepcionadas, por via postal e por e-mail (a larga maioria) constituindo
verdadeiras comunicaes pessoais escritas com o mnimo de trs e o mximo de vinte pginas e
as restantes seis, obtidas atravs de entrevista presencial e registadas em suporte gravado.
1 Quer a pesquisa documental, quer a pesquisa bibliogrfica so fundamentais em qualquer trabalho de
investigao. No entanto, a nosso ver, a primeira mais vasta do que a segunda, que se cinge, em regra, a
publicaes na forma de livro e revistas, enquanto a pesquisa documental, alm destes, inclui sries estatsticas,
cartografia, suportes audiovisuais e informticos.
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As entrevistas, subordinaram-se a um questionrio previamente testado (ANEXO I),
com perguntas abertas e de grande amplitude, divididas em seis blocos, que enquadravam as
seguintes temticas:
- lgica de organizao e distribuio geogrfica dos corpos de bombeiros;
- voluntariado versus profissionalizao dos bombeiros enquanto agentes de Proteco
Civil;
- carreira nica;
- disparidades de instruo/formao nos corpos de bombeiros;
- competncias estratgicas dos bombeiros;
- cultura de segurana e sade ocupacional nos corpos de bombeiros.
A escolha dos entrevistados tomou como ponto de partida a convico de que se trata
efectivamente de actores que esto, ou j estiveram, envolvidos em funo de destaque e
poder de deciso no mbito do sistema de proteco e socorro e, portanto, excepcionalmente
posicionados para oferecer uma informao privilegiada sobre a problemtica em anlise.
Obedeceu, ainda, a critrios de seleco centrados na tentativa de garantir a diversidade dos
mesmos, no sentido de assegurar a constituio de um conjunto heterogneo e plural, que
abarque as vrias vertentes/sensibilidades da problemtica da Proteco Civil e dos Bombeiros.
Por outro lado, o facto do investigador conhecer, previamente, a maioria dos
entrevistados, e algumas das suas caractersticas, constituiu uma vantagem importante, no s
no sentido da segurana e proficuidade dos depoimentos recolhidos, mas tambm porque
permitiu ao investigador suscitar interrogaes e receber, nalguns casos, novas comunicaes
pessoais, complementares, de reforo ou esclarecimento de posies. Estas novas comunicaes
pessoais, complementares, encontram-se devidamente agrupadas, por data e autor, nas
referncias bibliogrficas.
Um dos aspectos mais importantes, por motivos tcnicos e por motivos ticos, prendia-
se, desde o incio, com a necessidade de garantir aos entrevistados o anonimato e,
consequentemente, a confidencialidade, muito embora a maioria deles, sobretudo os 24 que
enviaram comunicaes pessoais escritas via e-mail e que, em regra, j no se encontram no
activo, no tenham levantado qualquer bice identificao e publicao das suas opinies
escritas. Trata-se de um factor tcnico, pois a garantia de anonimato confere potencialmente
maior fiabilidade e qualidade s entrevistas, ao contribuir para aumentar a relao de confiana
estabelecida entre o entrevistador e os entrevistados, aspecto que assume um carcter decisivo
na aplicao desta tcnica.
39
A anlise das comunicaes pessoais escritas recepcionadas via e-mail, ou por correio, foi
efectuada por anlise de contedo simples e categorizao muito aberta. Assim, utilizando os
procedimentos de estruturao do significado das representaes presentes nos discursos dos
entrevistados, ou seja, durante a dissertao da problemtica em estudo, construda com base
na discusso dos resultados da pesquisa emprica realizada, so utilizados excertos de discursos
escritos emitidos nas entrevistas. Este constitui um dos procedimentos mais abertos da
anlise de dados provenientes da aplicao desta tcnica, o que potencializa ainda mais a sua
funo tpica de explorao, aprofundamento, complementaridade e reforo da informao. O
investigador tem uma margem de liberdade muito maior, na medida em que escolhe os seus
dados para fins ilustrativos mais do que para fins demonstrativos (Dubet, 1994:255).
Por outro lado, o facto desta forma de anlise das entrevistas reduzir a funo de verificao,
sobretudo quando se procede a formas de categorizao mais fechadas da anlise de contedo, no significa,
naturalmente, que a categorizao esteja ausente, visto que todas as formas de observao sociolgica, em sentido
lato, supem necessariamente a categorizao do que observado a orientao do racional para o real.2
(Almeida e Pinto, 1986:62).
Na segunda etapa do desenvolvimento do processo de investigao, ultrapassada a fase
mais exploratria, foram aplicadas a observao directa e o inqurito, com objectivos e
funes diferentes: se a primeira dessas tcnicas visa a explorao qualitativa de informao
(a exemplo da entrevista) e, simultaneamente, a verificao de hipteses ao assentar num guio
orientador no totalmente aberto, o inqurito, por sua vez, uma tcnica quantitativa por
definio e, sobretudo quando a sua estrutura se configura a partir de um formulrio
composto basicamente por questes fechadas, potencializa essencialmente a verificao de
hipteses.3
Em suma, a observao directa e continuada foi aplicada no contexto de uma estratgia
de pesquisa integrada, em complementaridade com um conjunto diversificado de outras
tcnicas, de natureza documental (pesquisa e anlise bibliogrfica, pesquisa e anlise documental) e no
2 Na tcnica de entrevista, e muito particularmente quando se utilizam os seus procedimentos mais abertos, a
exemplo da observao directa, os resultados so potencialmente mais subjectivos. Tal no constitui
propriamente uma preocupao, porque a existncia de algum grau de subjectividade inerente a todas as formas
de conhecimento cientfico, mas obriga o investigador a tentar diminuir ao mnimo as margens de erro, ou seja,
tentar, dentro do possvel, objectivar a subjectividade (Tavares, 2007: 74).
3 De forma rigorosa, a observao directa existiu, com maior ou menor intensidade, ao longo de todo o trabalho,
dado que o investigador est dentro do sistema, na qualidade de membro do Conselho Cientifico - Pedaggico
da Escola Nacional de Bombeiros, mas que, nesta fase, se focalizou de forma particularmente relevante e
intensiva na internalidade funcional dos corpos de Bombeiros enquanto agentes da proteco civil e na ligao
s estruturas de proteco civil recm criadas.
40
documental (entrevista e inqurito). Deste modo, consubstancia-se como uma tcnica e no como
um mtodo de investigao, pois um dos instrumentos de recolha de informao em
paridade com outros de natureza qualitativa e quantitativa e no o mtodo em que assenta
todo o processo de pesquisa.4
Para alm disso, uma especificidade assinalvel reside no facto do principal instrumento
de investigao ser o prprio investigador, ele uma fonte de dados (atravs da observao
participante, da interaco), instrumento da sua recolha (atravs da escuta, da interrogao, dos registos) e do
seu tratamento (Fernandes, 2002: 27). Nesta perspectiva, observa os locais, os objectos e os smbolos,
observa as pessoas, as actividades, os comportamentos, as interaces verbais, as maneiras de fazer, de estar e de
dizer, observa as situaes, os ritmos e os acontecimentos. Participa duma maneira ou doutra no quotidiano
desses contextos e dessas pessoas (Tavares, 2007: 76).
Por outro lado, circulando com relativo vontade nos contextos de investigao (corpos
de bombeiros, alguns CODIS e ENB principalmente), bastante frequente encontrar
informantes privilegiados, interlocutores preferenciais com quem contacta mais intensamente ou de
quem obtm informaes sobre aspectos a que no pode ter acesso directo (Costa, 1986: 132), podendo
envolv-los, caso se justifique, com cunho mais formalista. De qualquer modo, a observao
directa permite desvendar outras dimenses da realidade que no se atinge ao nvel da reflexo
de gabinete, da documentao disponvel ou at das simples respostas a perguntas. No
havendo necessidade de um guio estruturado, a observao directa permite
fundamentalmente esclarecimentos pontuais e alguns realinhamentos das dimenses e das
categorias em estudo, no que concerne sobretudo a pormenores no previstos inicialmente.
Se o processo de pesquisa documental e o trabalho de campo visaram a explorao e o
aprofundamento da informao terica, de carcter mais qualitativo, o inqurito visou, atravs
da obteno de dados de natureza quantitativa, a procura de generalizaes, singularidades e
de regularidades que permitem verificar as tendncias predominantes e a sua comparabilidade.
Considerando a intercomplementaridade entre as diferentes tcnicas de investigao
emprica aplicadas, com o inqurito pretende-se saber essencialmente quais so as opinies
dos comandantes (ou outros elementos do comando) dos Corpos de Bombeiros, voluntrios
(associativos) e profissionais (sapadores) e municipais (puros e mistos) representativos do
4 No se trata, portanto, de um estudo etnogrfico, embora a observao directa realizada, de natureza mais
aberta e qualitativa, no deixe de constituir, de certa forma, uma aproximao aos estudos etnogrficos,
tendo como denominador comum os procedimentos subjacentes sua aplicao.
41
universo em estudo, relativamente s variveis utilizadas que se reportam a factores cujo
conhecimento, j obtido atravs de outras tcnicas, era, nesta fase, ainda insuficiente5.
Assim, para alm das questes enunciadas na folha de rosto do inqurito, relativas
tipologia do Corpo de Bombeiros e ao perfil do comando, as questes que compem o
formulrio do inqurito (ANEXO II) reportam-se, em larga medida, cultura de segurana e
sade ocupacional dos bombeiros voluntrios e profissionais, s competncias estratgicas
detidas pelos bombeiros, conforme definidas pelo Instituto do Emprego e Formao
Profissional (IEFP-2004), formao inicial ministrada nos CBs e oferta formativa da ENB
ao nvel da formao especializada, especifica e de formao de formadores. Fazem ainda
parte do inqurito questes ligadas criao de uma carreira nica nos bombeiros portugueses
e s vantagens e inconvenientes da criao da figura do Comandante Operacional Municipal e
s funes e competncias da Escola Nacional de Bombeiros.
A estruturao do questionrio, construdo naturalmente em funo dos objectivos
inerentes ao contedo, forma e tipo de perguntas, favorece as questes fechadas, visando
fins essenciais da aplicao desta tcnica relacionados com a verificao (quantitativa) de
tendncias predominantes. Deste modo, a maioria das questes que o compem so
fechadas ou semi-fechadas, sob a forma dicotmica, de escala ou de escolha exclusiva
entre hipteses mltiplas de resposta e apenas uma questo aberta, relativa questo da
carreira nica.
Importa salientar que a elaborao das questes constitui sempre um exerccio intensivo
de aperfeioamento metodolgico na procura da maior reduo possvel da margem de erro
do instrumento utilizado e, consequentemente, dos resultados obtidos. Seria, porventura,
suprflua a explicitao total dos pormenores relativos aos mltiplos procedimentos,
mobilizados na construo definitiva do formulrio de inqurito, no obstante o carcter
decisivo para a maior ou menor fiabilidade dos resultados da provenientes.
No obstante, alguns dos cuidados necessrios para a elaborao do formulrio do
inqurito prendem-se, em grande parte, com o suporte lingustico, ou seja, foi fundamental
cuidar da linguagem utilizada, ou, mais precisamente, do sentido, evitando questes de
semntica, de modo a obviar as ratoeiras provenientes das possibilidades de leitura mltipla de
uma mensagem (Tavares, 2007: 84).
5 A informao produzida por qualquer inqurito visa conhecer essencialmente as opinies dos inquiridos.
Mesmo quando as questes a colocadas se relacionam com prticas, profissionais ou de outro tipo, as respostas
no traduzem directamente essas prticas mas apenas aquilo que os inquiridos afirmam serem as suas prticas
(Tavares, 2007: 82).
42
Efectivamente, de entre os erros mais usuais da formulao de inquritos, procurou-se evitar:
Existncia de determinados termos (particularmente os qualificativos e/ou os de
cariz afirmativo), que influenciam e induzem de diversas maneiras (consciente ou
sobretudo inconscientemente) as respostas;
O uso de termos ambguos, cujo significado no percepcionado da mesma forma
por todos os inquiridos;
As questes duplas, que pretensamente mediriam duas variveis em simultneo,
mas, na prtica, no medem uma nem a outra, e tambm as perguntas de linguagem
tcnica dificilmente descodificveis (ou, pior ainda, descodificadas de maneira
diferente por quem concebeu o inqurito e pelos inquiridos) (Carmo e Ferreira,
1998:138).
Nesta linha, exige-se ao investigador um cuidado meticuloso na formulao das
questes, de molde a que as mesmas signifiquem o mesmo para todos os inquiridos. (Judith
Bell, 1997: 27).
Por outro lado, a ordenao das questes constitui tambm um procedimento essencial na
construo do formulrio de inqurito, na medida em que a incluso de cada pergunta e a
posterior interpretao do resultado de cada resposta no , de forma alguma, independente
da sua posio no (conjunto do) formulrio, podendo a mesma questo assumir resultados
bem distintos consoante o local em que est colocada. A ordenao das questes obedeceu
essencialmente a critrios assentes em procedimentos tcnicos conhecidos, colocando no fim
as mais polmicas e/ou de natureza pessoal e procurando evitar-se o chamado efeito de halo, ou
seja, garantindo uma determinada sequncia, de modo a no permitir que determinadas
questes influenciem as respostas das seguintes (Tavares, 2007: 84).
Foi tambm considerado como factor relevante a dimenso dos formulrios de
inqurito, ou seja, o nmero de questes a introduzir, posto que, se fossem em nmero
excessivamente reduzido, no abrangeriam toda a problemtica que se pretendia inquirir; se,
pelo contrrio, fossem demasiado numerosas, no s se arriscaria a ser de anlise impraticvel,
no tempo disponvel para investigao, mas tambm teria um efeito dissuasor sobre os
inquiridos, aumentando a probabilidade de no resposta. O nmero de perguntas do
questionrio foi, por isso, o adequado pesquisa em presena e no mais do que esse quanto
baste (Carmo e Ferreira, 1998:141).
As desvantagens tpicas dos inquritos por questionrio de auto-preenchimento (a nossa
opo) relacionadas com o menor controlo global do seu processo, podem ser mais facilmente
ultrapassadas quando o formulrio se estrutura em torno de questes de (relativamente) fcil
43
resposta, entendidas uniformemente e sem equvocos pelos inquiridos. Tal aspecto, alis, foi
previamente aferido em virtude da realizao do pr-teste, cujo objectivo geral, em termos
procedimentais, foi o de obter indicaes acerca da forma como as perguntas eram
compreendidas, ainda numa fase reversvel anterior ao lanamento do inqurito. Por outro
lado, compreendeu tambm a aferio de factores relativos, por exemplo, ordem sequencial
das perguntas, ao facto das questes fechadas cobrirem todo o leque de possibilidades de
resposta, s recusas ou hesitaes nas respostas a determinadas perguntas, ou reaco geral
ao questionrio.
Com efeito, para que a eficcia terica do inqurito seja potenciada, haver que diminuir a
delegao de funes [] de modo a diminuir a cadeia de filtragem entre a resposta e o dado e o
aprofundamento da uniformizao controlada das decises que dirigem o processo de produo de dados
(Virgnia Ferreira, 1986: 193).
O universo de estudo a que se reporta o inqurito constitudo por todos os Corpos de
Bombeiros de Portugal Continental, num total de 437, divididos por, 413 Corpos de
Bombeiros Voluntrios/Associativos, 18 Corpos de Bombeiros Municipais Mistos e 6 Corpos
de Bombeiros Municipais Sapadores.
A estratgia de lanamento do inqurito visou a cobertura mxima possvel do universo
de estudo, tendo sido enviados inquritos, repetidas vezes, com envelopes pr-comprados e pr-
endereados a todos os 437 corpos de bombeiros de Portugal Continental, acompanhados,
simultaneamente, por largas centenas de telefonemas de recomendao.
Ainda assim, no foi possvel vencer a resistncia de alguns elementos de comando que,
por receios infundados, criaram a convico de que o preenchimento do inqurito se poderia
inserir numa estratgia para descobrir fragilidades de funcionamento do respectivo corpo de
bombeiros ou pr em causa o comando e o sistema de voluntariado.
Aps a recepo dos questionrios, foram validadas 332 respostas, correspondentes a
74,6% do total do universo em estudo (437 CBs a nvel de Portugal Continental), amostra
indubitavelmente representativa do universo em estudo.
Independentemente da tipologia dos CBs, do total dos 278 concelhos existentes em
Portugal continental, apenas 10 no se encontram representados (fig. 5), um deles, no distrito
de Faro, Castro Marim, por ser o nico concelho do continente que no possui Corpo de
Bombeiros. Os restantes nove correspondem aos distritos de Bragana (3), Carrazeda de
Ansies, Alfndega da F, Freixo de Espada Cinta, distrito de Viseu (2), Moimenta da Beira
e Mortgua, distrito de Setbal (2), Montijo e Sines, no distrito de Aveiro (1), Murtosa e no
distrito de Lisboa (1), Odivelas.
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Fig. 5 - Incidncia geogrfica do inqurito, por municpio.
Ainda no domnio da elevada representatividade da amostra, face ao universo das
hipteses, de salientar a incidncia, ao nvel distrital, onde foram obtidas respostas de 100%,
respectivamente nos distritos de Beja, Castelo Branco, vora, Faro e Portalegre (fig. 6).
Por outro lado, no cmputo geral, apenas o distrito do Porto fica abaixo dos 50% de
respostas (fig. 6). Todavia, nos 46,7% de respostas, esto representados CBs de todos os
concelhos deste distrito (fig. 5).
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Fig. 6 - Amostragem do Inqurito dos Corpos de B.V., por distrito.
Como nota final, importa salientar que a obteno deste enorme volume de respostas,
nesta rea difcil e problemtica, fica a dever-se no s, insistncia sistemtica do envio do
inqurito (quer pelo correio, quer por e-mail), mas tambm ao esforo suplementar do
investigador, traduzido em muitas dezenas de deslocaes e contactos pessoais, utilizando
toda a margem de manobra decorrente do conhecimento de muitos dos interlocutores do
sistema de socorro, em especial, dos elementos de comando dos Centros Distritais de
Operaes de Socorro (CDOS).
4. Definies e Conceitos
A definio de conceitos essencial numa rea de estudo ainda recente, como a
problemtica da proteco civil e socorro, de modo a tornar o texto mais conciso, explicativo
e consistente. Alguns conceitos bsicos, desta rea, como por exemplo, o conceito de risco,
tm sido utilizados, ao longo do tempo, com diversos significados, quer em sentido lato, quer
em sentido restrito, no s devido sua interdisciplinaridade, mas tambm consoante a sua
utilizao em linguagem de uso comum ou tcnico-cientfica.
Para efeitos deste trabalho, interessa-nos no s a utilizao tcnico-cientfica, mas
tambm a legislao oficial pertinente, sobre os conceitos mais utilizados e de maior
significncia no quadro referencial do sistema de proteco e socorro.
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Vulnerabilidade
Em primeiro lugar, uma aluso ao termo vulnerabilidade que, no mbito da proteco
civil, pode definir-se como a condio resultante de factores fsicos, sociais, ambientais e econmicos que
aumentam a susceptibilidade de uma comunidade ao impacto de um perigo (ANPC/Glossrio, 2007:46)
ou seja, a vulnerabilidade, ao nvel da proteco civil resulta de falhas em preveno como o ordenamento do
territrio, a falta de aplicao de normas de conteno e a falta de fiscalizao, podendo, tambm, aludir-se
vulnerabilidade urbana, em que, a aco do homem altera permanentemente a vulnerabilidade de um local que
assim vai variando no espao e no tempo. (ANPC/Glossrio, 2007:46).
Por outro lado, a heterogeneidade e a interactividade da vulnerabilidade social, as
polticas pblicas, no caso da proteco civil, devem assumir uma dimenso multiescalar e
atender aos factores de diferenciao espacial mesmo em territrios contguos. Isto implica
uma reviso dos paradigmas dominantes de preparao, de mitigao e de anlise dos
acidentes, enfatizando o planeamento pr-evento e a cartografia das populaes vulnerveis, procedendo-se
tambm a um rigoroso inventrio das redes sociais e do potencial de resistncia e de resilincia dos indivduos e
dos grupos mais vulnerveis (Mendes, 2007:41).
Sabemos que, quanto maior for a vulnerabilidade de uma comunidade/lugar, mais
exposta estar a sofrer perdas e danos em caso de acidente grave ou catstrofe. Nesta linha, o
Estado no pode dispensar a proteco civil de proximidade que as Associaes Humanitrias de
Bombeiros, de emanao popular local representam, mesmo com dificuldades.
Risco
Na obra The Risk Society (A Sociedade do Risco) 1992, Ulrick Beck, autor a quem
atribuda a paternidade do conceito, os riscos so uma entidade omnipresente em qualquer
actividade humana, embora apenas possam ser imaginados parcialmente, visto que ningum
consegue identificar todas as situaes de risco possveis (Areosa, 2007:1234)
Contudo, o tipo de riscos que temos nas sociedades de hoje difere dos do passado, na medida em que
hoje eles so potencialmente ilimitados, seja geograficamente (na medida em que os perigos so globalizados, no
se limitando ao seu espao de origem a sociedade de risco mundial), seja em termos de tempo, seja ainda no
alcance dos seus danos que se podem perpetuar para as prximas geraes. O risco atinge todos, sem distino
de classe, democrtico, invisvel, imprevisvel, incalculvel (as consequncias desconhecidas indesejadas
tornam-se uma fora dominante na historia e na sociedade). (Silveirinha, 2007:13).
Os perigos so reais mas os riscos so construes sociais. Por outro lado, as incertezas
que so o que constitui um risco, podem tornar-se visveis quando so socialmente definidas
pelo conhecimento ou por formas de processamento de conhecimento como a cincia, o
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sistema legal e os media. O que escapa percepo sensria s se torna socialmente disponvel
experincia nas imagens e relatos dos media. As imagens de esqueletos de rvores, de peixes infestados de
vermes, de focas mortas (cujas imagens vivas ficaram gravadas nos coraes humanos) condensam e concretizam
o que no se compreende de outra forma na vida quotidiana (Beck, 1995:100).
Vejamos de seguida algumas definies, em termos de enquadramento legal, do
conceito de risco:
a probabilidade de que um efeito especfico ocorra dentro de um perodo, determinado ou em
circunstncias determinadas. (Decreto-Lei n 164/2001 de 23 de Maio);
a combinao da probabilidade e da(s) consequncia(s) da ocorrncia de um determinado
acontecimento perigoso (Norma Portuguesa 4379, 2001:7);
a probabilidade do potencial danificador ser atingido nas condies de uso e/ou exposio,
bem como a possvel amplitude do dano (Comisso Europeia; 1996:11);
sistema complexo de processos cuja modificao de funcionamento susceptvel de acarretar
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