View
6.838
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 1/11
R ob erlo C ard oso d e O liv eira
MWJSN E W TTA' ~KUJJJ l=IElltr&
-k.~/~-
o t rabalho
do an trop 6 lo go
S egunda e d tf ao r ev is ta p e lo a u to r
OporOlelo 15
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 2/11
!. . . . . . ... . ~
"Capitulo 1
o TRABALHO DO ANTROPOLOGO:
OLHAR,O~R,ESCREVER
INTRODu~O
Pareceu-rne que abordar urn terna freqiientemente visitado e revisitado
pOl' membros de nossa comunidade pro fissional nao seria de todo im-
pertinente, posto que sempre valera pelo menos como uma especie de
depoimento de a lguem que, h a varias decadas, vern com ele se preocu-
pando como parte de seu metier de docente e de pesquisador; e, como tal,
ernbora dir ij a-me especialmente aos meus pares , gostar ia de alcancar tam-
bern 0 estudante ou 0 estudioso interessado gener icamente em ciencias
sociais, uma vez que a especificidade do trabalho antropo16gico - pelo
rnenos como 0 vejo e como procurarei mostrar- em nada e incompativel
com 0 trabalho conduzido por colegas de outras disciplinas sociais, particu-
larrnente quando, no exercicio de sua atividade, art iculam a pesquisa empi-
rica com a interpretacac de seus resultados.' Nesse sentido, 0 subtitulo
escolhido - e necesssrio esclarecer - nada tern a vet com 0 recente l ivre de
Claude Levi-Strauss," ainda que, nesse ti tulo, eu possa te l' me inspirado, ao
substituir apenas a lire pelo ecrire, 0 " ler" pelo "escrever" . Porern, aqui, ao
contrario dos ensaios de antropologia esretica de Levi-Strauss, trato de ques-
t ionar algumas daquelas que se poderiam chama! as principai s "faculda-
des do entendimento" socio-cultural que,.acredito, sejam inerenres ao modo
de conheeer das ciencias sociais , Naturalmente, e precise dizer que -
falar, nesse contexte, de faculdades do entendimento - nao estou mais
A primei ra versiio dest e t exto f oi para Ulll2. '~ula Inaugural", do ana academico de
1994, relativa aos CUtsOS do Ins tiru to de Filosofia e Cie .ncias Humanas da Unive rs ida-
de Estadual de Campi nas - Unicamp. A pr esente vc:rsa .o, que agorase pub lica , dev i-
damente rev is ta e ampliada. , foi e laborada para uma confe renc ia na Funda~iio Joaqu im
Nabuco , em Rec if e, em 24 de maio do mesmo an a, em s eu Ins ti ruto de Trop ic olog ia ,
E m. v er si o fol pub licada pela RnifltJ d~Alllropoloia, vo L 39, ri' 1, 1996, pp , 13--37.
2 Claude Levi- Strauss, R e g . u . i 6 r , E ( o ll le r , L i r«
17
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 3/11
/
I( o trabalbo do a l 1 lr o po lt i g o : o l h a r; o l il l ir , t Jm verober t o Gzrr/OJO de Olivdro
do que parafraseando, e com muita liberdade, 0 significado fllos6fico da
expressao "faculdades da alma", como Leibniz assim enrendia a percep-
~ao e 0 pensamenro, Pois sem percepyao e pensamento, como entao po-
demos co.nhecer? De meu lado, ou do ponto d c ; x i s r a de mjoba discjp!in~
- ~a anttopologia -, quero apenas enfatizar 0 carater constitutivo do
~ar, do ouvir e do escrever, na eI3;,boras:ao do conbecimentQ ptORriO
eas disciplinas sociais, isto e , daquelas gue convergem para a elaboradio
do que Giddens, mwto apropriadamente, chama "teoria social", para
sintet izar, com a assoc. ias: io desses dois [ermos, 0 amplo especq;o cggni-
t ivo que envolve as disciplinas que denominamos ciencias sociais.3 Resssl-
t ar rapidamente, porquanto nao pretendo mais do que aflorar alguns pro-
blemas que comumente passam despercebidos, nao apenas para 0 jovem
pesquisador, mas, muitas vezes, para 0 prof issional maduro, quando nao
se debruca para as questoes epistemol6gicas gue condicionam a investiga-
c;ao. empirica tanto quanto a const rucao do texto, resultante da pesquisa.
Desejo, assim, chamar a atencao pa.ra tres maneiras - melhor clitia, tres
etapas - de apreensao dos fen6menos sociais, t emat izando-as- 0 que
signifies dizer: questionando-as - como algo rnerecedor de nossa refle-
xao no exerclcio da pesquisa e da producao de conhecimento. Tenrarei
mOSUa I como 0 o/har, 0 ouvir e 0 estreser podem sec questionados em si
mesmos, embora, em urn prirneiro memento, possam nos patecer tao
famili ares e, por isso, tao triviais, a ponto de sentirmo-nos dispensados de
problematiza-Ios; todavia, em urn segundo momenta - marcado por
nossa inser~ao nas ciencias sociais -, essas "faculdades" ou, melhor di-
zendo, esses at as cognitivos delas decorrentes assumern urn sentido todo
part icular , de natureza episremica, uma vez que e com tais atos que logra-
mos construir nos so saber. Assim, procurarei indicar que enquanto no
olhar e no ouvir "di sciplinados" - a saber, clisciplinados pela disciplina
- real iza-se nossapercep f i iD, sera no escrever que 0 nossopensamenfo exer-citar-se-a da forma mais cabal, como produtor de urn discurso que seja
tao criativo como pr6prio das ciencias voltadas a construcao da teoria
social.
o OLHAR
Talvez a primeira experiencia do pesquisador de campo - ou no cam-
po - esteja na domesticacao te6rica de seu olhar, Is50 porque, a partir do
momenta em que nos sentimos preparados para a investigacfo ernpirica,
o objeto, sobre 0 guaI dir igimos a nosso olhar, ia foi previamente alterado
pelo proprio modo de visualiza-lo, Seja qual for esse objeto, ele nio esca-pa de ser apreendido pelo esquema conceitual da di scipline formadora de
nossa maneira de ver a realidade. Esse esquema conceitual- disciplinada-
mente apreendido durante 0 nosso itinerario academico, dai 0 termo dis-
ciplina para as rnaterias que estudamos -, funciona como umaespecie de
prisma por meio do qual a realidade observada sofre urn processo de
refracao - se me e permitida a imagem. E cerro que 1S50nao e exclusive
do olhar, uma vez que esta presente em todo processo de conhecimento,
envolvendo, portanto, todos os atos cognitivos, que mencionei, em seu
conjunto. Contudo, e certamente no olhar que essa refracao pode ser me-
lhor compreendida. A propria imagem otica - refracao - chama a aten-
<;aopara isso,1maginemos urn antropologo no inicio de uma pesquisa junto a urn
determinado grupo indigena e entrando em uma maloca, uma rnoradia
de uma ou mais de zenas de individuos, sem ainda conhecer uma palavra
do idioma nativo. Essa moradia de tao amplas proporcoes e de estilo tao
pecul iar, como, por exemplo, as tradicionai s casas colerivas dos antigos
Ti ikUna, do alto r io Solimoes, no Amazonas, ter iarn 0 seu interior imedi-
atamente vasculhado pelo "olhar etnografico", pot meio do qual toda a
teoria que a disciplina disp6e relativamente a s residencias indigenas passaria a
ser instrumentalizada pelo pesquisador •.isto e, por ele referida. Nesse sentido,
o interior da maloca nao seria visto com ingenuidade, como uma rnera
cur ios idade diante do exotico, porem com urn olhar devidamente sensibi-
lizado pela teoria disponivel. Ao basear-se nessa teoria, 0 observador bern
preparado, como etn61ogo, iri a olha-la como objeto de invest igacso pre-
viamente construido por ele, pelo menos em uma primeira pre£guras:ao:
passara, enta~, a contar os fogos - pequenas cozinhas primitivas -, cujos
residuos de cinza e carvao irao indicar que, em torno de cada urn, est iveram
reunidos nao apenas individuos, porem p e s s o a s , ponanto se re s sada i s , mem-
bras de um unico "gropo domestico"; 0 que lhe dara a informacso sub-3 C£ Anthony Giddens, "Hermeneutics and social theory", in Gary Schapiro e Ahn
Sica (orgs), Hm'11ene$Jl ics:QIlm;OIfJ an d p r~1 } taJ .
18 19
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 4/11
R o bm o C a nW Jo d e O l iv ei ra o f r ab a lh o d o a f lt r rp o l li g o: o / h ar , ollvir, esrrever
sidiaria que pelo menos nessa maloca, de conformidade com a rnirnero
de fogos, estaria abrigada uma certa porcao de grupos domesticos, for-
mados por uma au mais familiae elementares e, eventualmente, de indivl-
duos "agregados" - originarios de outro grupo tr ibal. Conhecera, igual-
mente, 0nurnero total de moradores - au quase - contando as redes
dependuradas nos mouroes da maloca dos membros de cada gropo do-
mestico, Observara , tambern , as caracter is ticas arqui te tonicas da rnaloca,
c lassificando-a segundo uma tipo logia de alcance planetar io sobre est ilos
de residencias, ensinada pela literaturaetno16gica existente,
Ao se tomar, ainda, os mesmos Tukuna, mas em sua fei<;io modems,
o etn61ogo que visitasse suas malocas observari a de pronto que elas dife-
renciavam-se radica lmente daquelas descr itas por cron istas au viajan tes
que, no passado, navegaram pelos iga tapes po t eles habi tados. Veri ficaria
que as amplas rnalocas, entao dotadas deuma cobertura em forma de
semi-arco descendo suas Iaterais ate ao solo e fechando a casa a toda e
qualquer entrada de at - e do olhar externo -, salvo POt portas remo-
viveis , acham-se agora totalmente remodeladas. A maloca ja se apresenta
amplarnente aberta, constirufda por uma cobertura de duas aguas, sem
paredes -_- au com paredes precarias -, e,internamente, impondo-se ao
olhar exrerno, veem-se redes penduradas nos mouroes , com seus respec-
t ivos mosqui te iros - urn elemento da cul tu ra material ind igena desconhe-
cido antes do contata interetnico e desnecessario para as casas antigas,
uma vez que seu fechamento impedia a entrada de qualquer tipo de inseto,
Nesse sent ido, para esse etn6logo moderno , ji tendo ao seu alcance uma
documentacao hist6rica, a primeira conclusdo sera sobre a existencia de
uma rnudanca cultural de tal monta que, se, de urn lado, facilitou a cons-
tru~ao das casas indigenas, uma vez que a ant iga residencia exigia urn gran-
de dispendio de trabalho, dada sua complexidade atquitetonica, par ou-
tro, afetou as relacoes de trabalho, por nao ser mais necessaria a mobiliza-<;aode todo 0 eli para a edifica~ao da maloca, ao mesmo tempo em que
tornava a gropo residencia l mais vulneravel aos insetos, posto que os mos-
quiteiros somente poderiam ser uteis nas redes, ficando a familia amerce
desses insetos durante todo 0 dia. Observava-se, assim., literalmente, 0 que
o saudoso Herbert Baldus chamava de urna especie de "natureza morta"
da acul ruracao, Como toraa-la viva, senao pda penetracao na natureza das
relacoes sodais?
Retomemos nosso exemplo para vermes que para dar-se coma da
natureza das relacoes socia is mant idas entre as pessoas da unidade residen-
cial- e ddas entre si, em se tratando de uma pluralidade de malocas de
uma rnes rna aldeia ou "grupo local" -, 0 olhar por si 56 nao seria sufi-
ciente, Como alcancar, apenas pelo olhar, 0 significado dessas relacoes
socia is sem conhecerrnos a nomencla tura do parentesco , por meio ciaqual
poderernos ter acesso a urn dos sis temas simbolicos mais importantes das
sociedades agrafas e sern 0 qual nao nos sera possive l prossegu ir em ncssa
caminhada? 0 dominic das teorias de parentesco pelo pesqui sador torna-
se, eatao, indispensavel. Para se chegar, entretanto, a estrutura dessas rela-
c;:5essocials, 0 etnologo devers se valet , prel iminarmente , de outro recur -
so de obtencao dos dados. Vamos nos deter urn poueo no ouvir.
o OUVIR
Creio necessario rnencionar que 0 exemplo indigena - tornado como
ilustracao do olhar etnografico - nio pede set considerado incapaz de
gerar analogias com outras situacoes de pesqu isa, com outros objetos con-
cretos de invest igacao , 0 sociologo au 0 polirologo, por cerro, tera exern-
plos tan to ou rnais i lustra tivos para mostrar 0 quanto a teoria social pre-
est rutura a nos so o lhar e sofist ica a nossa capacidade de observacao. J u l -
guei , entre tanto, que exemplos bern simples sao geralmente as mais intel i-
g fveis, e como a antropologia e minha disc ip lina , con tinuare i a valer-me de
seus ensinamentos e de minha pr6pria experiencia, na esperance de pro-
porcionar uma boa no~ao dessas etapas aparenternente corriqueiras da
investigacao cientifica. Portanto, se 0 olhar possui uma significac;:ao especl-
f ica para urn cient is ta socia l, 0 ouvir tambem goza des sa propriedade.
Evidentemente tanto 0 ouvir como 0 olhar nao podem set tornados
como faculdades totalmente independentes no exercicio da irrvest igacso .
Ambas complementam-se e servem para 0 pesquisador como duas rnu-letas - que nao nos percamos com essa metifora tao negativa - que lhe
permitern caminhar, ainda que tropegarnente, 03. estrada do conhecimen-
to. A metafora, propositalmente utilizada, permite lembr~ que a carni-
nhada da pesquisa e sempre difici l, sujei ta a muitas quedas. E nesse Impeto
de conhecer que 0ouvir, complementando 0olhar, participa das mesrnas
precondicoes desse Ultimo, na medida em que esta preparado para elimi-
nar todos os midas que lhe parec;am insignifican tes, isto e , que nao £a<;am
20 21
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 5/11
· .I
ii
I '
III
, I
! I
I
Ro bm o C t rr M JO d 6 Olivt ira o l ra ba lh o d o t rn t ro p ol O go : o lh ar , o u vi r, umller
nenhum sentido no corpl ls te6rico de sua discipline ou para 0paradigma
no interior do qual 0 pesquisador foi treinado. Nilo quero discutir aqui a
questso dos paradigmas; pude faze-Io em meu livro Sobre 0 pensamento
antropoldgico e .nao penso ser indispensavelaborda-la aqui , Bastaria eaten-
dermos que as disciplinas e seus paradigmas sio condicionantes tanto de
nosso olhar como de nosso ouvir,
Imaginemos uma ent revista par meio da qual ° pesquisador pode obter
informacoes nso alcancaveis pela estri ta observacso. Sabernos que autores
como Radcliffe-Brown sempre recomendaram a observacao de riruais
para estudarmos si stemas reli giosos . Para ele, "no empenho de compre-
ender uma religiao, devemos primeiro concentrar at en<;io mais nos ritos
que nas crencas" .' 0 que sign if ica dizer que a rel igiao podia set mais r igoro-
samente observavel na conduta ritual. pOI ser essa "0 elemento mais estavel e
duradouro", se a compararmos com as crencas , Porem, is so nao quer dizer
que mesmo essa conduta, sem as ideias que a sustentam, jamais poderia ser
inteiramenre compreendida. Descrito 0 ritual, por meio do olhar e do
ouvir - suas musicas e seus cantos-, faltava-lhe a. plena compreensao
de seu jen t ido para 0 povo que 0 rea lizava e sua signi j ict1faO para 0 antrop6-
logo que 0observava em toda sua exteri oridade.' Por isso, a obtencao de
explicacdes fomeeidas pelos pr6prios membros da comunidade investigada
pennitiria obter aquilo que os antropologos chamam de "modele nati-
vo", materia-prima para 0 entendimento antropoI6gico. Tais explicacoes
nativas 56 poderiam ser obtidas por rneio da en tmds t a , portanto, de um
ouvir todo especial, Contudo, para isso, ha de se saber ouvir,
Se, aparentemente, a entrevista tendea ser encarada como algo sern
maiores d if iculdades, salvo, natu ra lmente, a l imitacao l iog ii is tica- isto e ,
o fraco dominic do idiorna nativo pelo etn61ogo -, ela torna-se muito
rnais complexaquando consideramos que a maier dificuldade es ta na di-
ferenca entre "idiornas culrurais" , a saber, entre 0mundo do pesquisador
e 0 do nativo, esse mundo estranho no qual desejamos penetrar. De resto,
h a de se entender 0nosso mundo, 0do pesquisador, como sendo Oci-
dental , consti tuido minimamente pela sobreposicao de duas subcu lturas: a
brasi le ira, pe lo menos no case da maior ia do publico lei te r; e a antropo lo-
gica, no caso particular daqueles que forarn treinados para se tornarern
profissionais da disciplina. E e 0 confronto entre esses dois mundos que
constitui 0contex te no qual ocor re a entrev ista . E, portanto, em urn con-
texto essencialmente problematico que tern lugar 0 nosso ouvir, Como
poderemos, entao, questionar as possibi lidades da entrevista nessas condi-
<;:6estao delicadas?
Penso que esse questionamento comeca com a pergunta sobre qual a
natureza cia relacao ent re entrevis tador e entrevistado. Sabemos que hi
uma longa e arraigada tradicao, na literature etno16gica, sobre a relac;: ao
"pesquisador/informante". Se tomarmos a classica obra de Malinowski
como referenda, vemos como essa trad icao se consol ida e , p ra ticamente,
t rivial iza-se na real izacao da entrevista, No ato de ouvir 0 "informante", 0
etn61ogo exerce umpode r extraordinario sobre 0rnesmo, ainda que pre-
tenda posicionar-se como observador 0 mais neut ro possfvel, como pre-
tende 0 objeti vismo mais radical. Esse poder, subjacente as relacces hu-
manas - que autores como Foucault j amais se cansaram de denunciar-,
j i na relacao pesqu isador/ informante desempenhara uma func; :io profun-
damente ernpobrecedora do ate cognitive: as perguntas feiras em busca
de respostas pontuais lade a lade da autoridade de quem as faz - com
ou sem auroritarismo -, criam um campo ilusorio de interacao, A rigor,
nao ha verdadeira interacao entre nativo e pesqu isador, porquanto naut i-
lizaciio daque1e como informante, 0 etn61ogo nao cr ia condicoes de efe ti -
vo d i t i l o g o . A relacso nao e dial6gica. AD passo que transformando esse
: in formaote em "inter locutor", uma nova modalidade de relacionamentopode - e deve - ter lugar.6
4 Cf. R:addiffe-Brown, "Religi io e sociedade", in E.1tnI'ura e o n f a O no Jo r :i edad eprimiliva.,
p.194.
5 Aqui f:llj:ouma distinlj:iioentre "sentido" e "significa~ao". 0 primeiro termo consa-
gra-se ao horizonte semdntico do "native" - como no exernplo de que estou me
valendo -, eoquanto 0 segundo termo serve para designar 0 horizonre do antropolo-
go - que e constiruido por suadisciplina, Essa distinlj:aoap6ia-sc:em E. D. Hirsch Jr.
- Va Iid i!J iT t I nl up r rt al io n , apedice 1 - que,par sua vez,apoia-se na logica fregeana.
6 Esse e urn tema que tenho explorado seguidamente em diferentes publicacdes. Indi-
caria especislmente a conferencia, intitulada .~ a.ntropologia e a 'crise' des moddos
explicativos", reproduzida neste volume como seu capitulo 3.
22 23
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 6/11
i
I '
i I
i
II I
I
I!! .
I,
I II •
: I
II II I
i
I iII
I
Robn1o Carr /Of 0 d t Q l i vr i ro Q / ro b a/ ho d o a l l l 7 ' o p o r o g u ; a / h ar, oS / vi r , e s eme r
Essa rdar, :ao dial6gica - cujas conseqiiencias epistemologicas, todavia,
nao cabem aqui deseovolver - guarda pelo menos urna grande superiori-
dade sobre os procedimentos tradicionais de entrevi sta. Faz com que os ho-
montes semanticos em coofronto - 0 do pesquisador e 0 do native -
abram-se urn ao outro, de maneira a ttansformar urn tal conjronto em urn
verdadeiro "encontro emograf ico". Cria urn espaco semintico par ti lhado por
ambos inter locutores, grac;:asao qual pode ocorrer aquela "fusio de horizon-
tes" - como os hermeneutas chamariam esse espac;:o - , desde que 0 pes-
qui sador tenha a habi lidade de ouvi r 0 nativo e por ele ser igualmente ouvi-
do, ence tando formalmente urn dia logo entre "iguai s", sem receio de esta r,
assim, eontaminando 0 discurso do nativo com elementos de seu proprio
discurso, Mesmo porque, acreditar ser possivel a neutralidade idealizada pelos
defensores da objerividade absoluta, e apenas viver em uma doce ilusao, Ao
trocarem ideias e informar, :oes entre si , etnologo e nativo, ambos igualmen-
te guindados a interlocutores, abrern-se a urn diilogo em tudo e por tudo
superior, metodologicamente falando, a antiga relac;:aopesquisador/informante.
o ouvi r ganha em qua lidade e alt ers uma re la~o, qual est rada de mao unica,
em uma out ra de mao dupla, portanro, uma verdadeira interacao.
Tal interac;:ao na realizacao de uma etnografia, envolve, em regra, aquilo
que os anrropologos chamam de "observacso parti cipante", a que signi-
f ica dizer que 0 pesquisador assume urn papel perfeitamente diger ivel pela
sociedade observada, a ponto de viabilizar urna aceitacao senao 6tima
peIos membros daquela sociedade, pelo menos afiveI, de modo a nao
impedir a necessaria interacao, Mas essa observacao par ticipante nem sem-
pre tern sido eonsiderada como geradora de conhecimento efetivo, sen-
do-Ihe freqii entemente a tribu1da a funcao de g c ra d or a d e h ip t it es es , a serem
restadas pOI procedimentos norno16gicos - esses sim, explicativos POt
excelencia , capazes de assegurar urn conhec imento proposidona l e posi ti-
va da realidade estudada. No rneu entender, hi urn certo equ1voco na
reduc;:ao cia observacao participante e na empatia que ela ge.ra a urn mere
processo de construcao de hipoteses, Entendo que tal. modal idade de ob-
servacao realiza urn inegavel ato cognitive, desde que a ccmpreensac -
V e1 " 1 te hm - que the e subj acente capta aquilo que urn hermeneuta chama-
ria de "excedente de sent ido", i sto e as signi ficacoes - por eonseguinte ,
as dados - que escapam a quaisquer metodologias de pretensjio
nomo16gica . Voltarei ao tema da observacdo parti cipante na conc lusao,
o ESCREVER
Se 0 olhar e 0 ouv ir podem ser considerados como os a tos cognit ivos
mais preliminares no trabalho de campo - atividade que os antropolo-
gos des ignam pela expressao inglesa ftel.dwork-, e, seguramente, no ate
de escrever, ponanto na configuracao final do produto desse trabalbo,
que a questao do conhecimento torna-se tanto ou mais c riti ca. Urn inte res-sante livro de Cli fford Geertz - T r ab al bo se . vi da s: 0 an t ro p 61ogo como oo to r -
oferece importantes pistas para 0 desenvolvimento desse terna" Geertz
parte c ia ideia de separar e, naruralmente, avaliar duas etapas bern dis tintas
na investigacao empfrica: a primeira, que procura qualificar como a do
anttop6logo"estando Ia" - being t h er e - , isto e , vivendo a situacao de
estar no campo; e a segunda, que seguiria a essa, corresponderia a expe-
dencia de viver , melhor clizendo, trabalhar "es tando aqui" - being h e re - , a
saber, be rn instalado em seu gabinete urbane , gozando 0 convivio com
seus colegas e usufruindo tudo 0 que as inst ituicoes universita rias e de
pesquisa podem ofereeer. Nesses termos, a olhar e 0 ouvir ser iam parte
da prirneira etapa, enquanto 0 escrever ser ia par te da segunda.Devernos entender, ass im, por escrever 0 ate exercitado por excelen-
cia no gabinete, cujas caracterist icas 0 singularizam de forma marc ante,
sobretudo quando 0 compararmos com 0 que se escreve no campo, seja
ao fazermos nos so diario, seja nas anotacoes que rabiscarnos em nossas
cadernetas. E se tomarmos ainda Geertz por referenda, vemos que na
maneira pela qual ele encaminha suas reflexoes, e 0 escrever "estando aqui",
portaoto fora da situacao de campo, que cumpre sua mais alta func;:ao
cognitiva. Par que? Devido ao faro de iniciarmos propriamente no gabi-
nete 0 processo de texrualizacio dos fen6menos socio-culturais observa-
dos "estando Ia".]i as condicoes de textualizacao, isro e , de trazer os fatos
observados - vistos e ouvidos - para0
plano do discurso, nao deixamde ser muito parti culates e exercem, por sua vez , urn papeI defini tive tanto
no processo de comunicacao i nt er p ar es - isto e , no seio da comunidade
profissional -, como no de conhecimento propdamente dito. Mesmo
7 0 titulo da edicso original e Worh an d ! i / J U : T b « t m t h rq p o lc g i J l a s a u t b or . Hi uma t radu-
p-o espanhola, publicada em Barcelona,
24 25
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 7/11
,
If
I '
I
I!
I
I
! '
Roberto C a r d o s » M OIiPl iro o / ro b ai ho d o t m tr o po li go : o lh o r, O N v i r , tJ&rtl!er
porque hi UlXl2. rela~ao dialetica entre 0 comunica r e 0 conhecer, pais
ambos part ilham. de uma mesma condicao : ague e dada pela linguagem.
Embora a linguagem, como te rna de reflexao, sej a importante em si mes-
rna, nesse movimento que poderiamos chamar "guinada }ingii fst ica" -
au I in g ll iJ t ic s t u rn - , que perpassa amalmente tanto a filosofia como as
ciencia socials, 0aspecro CJuedesejo tratar aqui, me sma se rnuito sucinta-mente, e 0 da disciplina e de seu proprio idioma, par meio dos quais os
que exercitam a antropologia - au outra ciencia social - pensam e co-
municam-se, Alguem ja escreveu que a homem nao pensa sozinho, em
urn monologo solitario, mas ° faz socia lmente , no inte rior de uma "co-
munidade de comunicacao" e "de argumentacao"." Ele esra, portanto,
cont ido no espar; :o interne de urn horizonte socialmente construIdo - 0
de sua propria. scc iedade e de sua comunidade profissiona l, Desculpan-
do-me pela imprecisio da analogia, dina que de se pensa no interior de
uma "representacao coletiva": expressao essa, afinal, bern familiar ao cien-
tista social e que, de cerro modo, da uma ideia aproximada daquilo que
entendo par "idioma" de uma discipl ina . Como podemos inte rpreta r isso
em conexao com os exemplos etnogrHicos? .
Dina inicialmente que a textuaiizacao da cultura, ou de nossas observa-
r;:6essobre ela, e urn empreendimento bas tante complexo. Exige a despo-
j o de a lguns hsb itos no escrever, v :il idos para diversos generos de escri ta
mas que para a const rucso de urn diSCUISOdisc ipl inado par aquilo que se
poderia chamar de "(meta )r,eoria social" nem sempre parecem adequa-
dos, E , pottanto, urn discurso que se funda em uma ati tude toda par ticular
CJuepoder iarnos def inir como antropologica ou sodo16gica. Para Geertz,
por exemplo, poder-se-ia entender toda etnografia - au sociografia, se
pre feri rem - nao apenas como tecnicamente di flc il, uma vez que co loca-
mos vidas alheias em "nossos" textos, mas, sobretudo, por esse trabalho
sec "moral , poli tica e epistemologicamente del icado", ? Embora Geertznio desenvolva essa afirmac; :iio, como seria de se deseja r, sempre pode-
mas faze-Io a parti r de urn conj unto de quest6es.
Pense, nesse sentido, na quesrao da au t onom ia do autor /pesquisador no
exercicio de seu mit ie r . Quais as implicacoes des sa auronomia na conversao
dos dados observados - portanto, da vida tribal, para ficarrnos com
nossos exemplos - no discurso c ia disciplina? Ternes de admitir que mais
do que uma traducao da "cultura nativa" na "cultura antropo16gica" -
isto e, no idioma de minha disciplina -, realizamos uma in t erprelaf t lo gue,por sua vez, est i balizada pelas caregorias ou pelos conceitos bas icos cons-
titutivos da disciplina. Porern, essa auronornia epistemica nao esta de modo
a lgum desvinculada dos dados - quer de sua aparencia externa, propici-
ada peIo olhar ; quer de seus s ignificados Intimos ou do "rnodelo native" ,
p roporcionados pe lo ouvir, Est3 fundada nesses c lados, com re lacao aos
quais te rn de prestar contas em algum memento do escrever. 0 que signi-
f ica dizer CJueha de se permit ir sempre oconrrole dos dados pe la cornu-
nidade de pares, isto e, pe la comunidade profi ssionaI. Portan to, sistema
conceitual, de urn lade, e, de outre, as dados - nunca pures, pais, ja em
uma primeira ins tancia, construidos pelo observador desde 0momento
de sua descr is :ao, lO gua.rdam entre s i uma relacao dialetica, Sao inter-in-fluenciaveis. O momento do escrever, marcado por uma interpretacao d e
e no gabinete, faz com que aque les dados sofram urna nova "refracao",
uma vez que todo 0processo de escrever, ou de inscmer as observacoes
no discurso da disciplina, esra contaminado pelo contexte do being h er e -
a.saber, pelas conversas de co[red~r au de res taurante, pelos debates rea-
l izados em congressos, pels atividade docente, peJa pesguisa de biblioreca
ou l ibrary f ielJwork , como, jocosamenre, se costurna chams-la, entre muitas
outras atividades, enfim pelo ambiente academico,
Examinemos urn pouco rna is de perto esse processo de rexrualizacao,
tao diferenre do trabalho de campo. No dizer de Geerts, ser ia perguntar 0
que acontece com a realidade observada no campo quando ela e ernbar-
cada para fora? - ' Wh a t h a pp e ns t o r ea li ty w h e n it i s s h ip p e d a b r o ad ?" - Essa
pergunta tem sido constante na cbamada "antropologia pos-moderna" ,
B C[ KW-Ott o Apd, ''La comunidad de comunic.aci6n como presupuesto trasceadental
de las cieocias soeiales", inLa t ra tujormoain d 4 1 0 foso/ia. t omo II .
Clifford Geeru, W D 7 ' k r I J I Id I i" , ! : Tb« on t b ru p oMl , i! 1 Of I J J I t b D 7 ' . p. 130.
10 Mcyu Fortes, ja 0.05 anol 1950, chamava esse processo - quaSI!ptimi tivo de investi -
V~o etnograIica no ambito c ia anttopologia social- ''ollo!Jti(O/d m ri pt io ll ". C E. M.
Fortes, '~Anllysisand description in social anthropology", in Tb e odl/dll{~mtfllo f Iaellu,
v oL X . pp.190-201.
26 27
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 8/11
i
I
I ·•
I
o trabalho d o an t r opo f o go: o l h ar , o H l l i r , e!(rtIJtr
movimento que vern conquistando lugar na disciplina, a partir dos anos
1960, e que, malgrado seus muitos equivocos - sendo, talvez, 0principal,
a identi ficacao que faz da obje tividade com a sua modalidade perversa, 0
ob/etivismo- conta a seu favor a faro de trazer a questao do texto etnogra-
fico como tema de reflexao sistematica, como alga que DaO pode ser
tornado tac itamente, como tende a ocorre r em nossa comunidade profis-
sional ." Apesar de Geertz ser considerado como 0grande inspirador des-
se movimento, que reline urn extenso grupo de antropologos, seus mem-
bros nao participam de uma posicao univoca eventualmente ditada pelo
mesrre.'! A rigor, a grande ideia que os une, afora 0 fato de possufrem
uma orientacao de base hermeneutica, inspirada em pensadores como
Dil they, Heidegger, Gadarner ou Ricoeur, essa ideia e a de se colocarem
contra 0que considerarn ser 0modo tradicional de se fazer antropologia
e isso, ao que parece, corn 0 intui to de rejuvenescerem a.antropologia
cultura l norte-americana, 6rIa de um grande teorico desde Franz Boas.
Quais os pontes que poderiarnos assinala r como condutores a questao
central do texto etnografico? Texto, alias, que bern poder ia ser sociografico,
se pudermos estender, por analogi a, para aqueles mesmos resultados a
quechegam os cientis tas sociais, nao importando sua vinculacao discipliner,
Talvez 0 que tome 0 texto etnogcifico mais singular. quando 0 compararnos
com outros devotsdos a t eoria soc ial, seja a articulacao que busca ent re 0
trabalho de campo e a construcao do texto. George Marcus e Dick
Cushman," chegam a considerar que a etnografia poderia ser de£inida
como "a representacao do trabalho de campo em textos"." Todavia, isso
tern varios compl icadores, como eles mesmos reconhecem. Tenta rei indi-
car a lguns. seguindo esses mesmos autores, alem de outros que, como eles -
e, de certo modo, muitos de nos, atualmente - re flete rn sobre a peculia -
r idade do escrever um texto que seja controlavel pelo lei tor e isso na medida
em que distioguimos tal texto da narrativa merarnente literaria, Ji mencionei,
momentosatras, 0diario e a cademeta de aunpo como modos de escrever
que se diferenciam claramente do texto etnogrifico final. Poderia acrescentar,
seguindo os mesmos autores, que tambem as artigos e as reses academicas
devem ser consideradas como "versoes escri tas interrnediarias", uma vez
que, na elaboracao cia monografia - essa sim, 0 texto final-, exigencias
especificas devem ou dever iam ser fei tas. Mencionarei s implesrnente algu-
mas. preocupado em nao me alongar muito nestas consideracoes,
Desde logo, cabe uma distincao entre as monografias clsssicas e as
modernas. Enquanto as primeiras foram concebidas de conformidade
com uma "estrutura narrativa norrnativa" que se pode aferir a partir de
uma disposicao decapftulos quase canonica - territorio, econornia, orga-
nizacao social e parentesco, rel igiao, mitologia, culrura e personalidade,
entre outros -, as segundas priorizam urn terna, por meio do qual toda a
sociedade ou cultura pass a a ser descrita, analisada e interpretada. Urn
born exemplo de monografias desse segundo tipo e a de Victor Turner,
"Cisma e continuidade em uma sociedade africana", gue manifests com
muita fel icidade as poss ibil idades de uma apreensso holis tica, porem con-
centrada em urn unico grande terna, capaz de proporcionar uma ideia
dessa sociedade como entidade extraordinariamente viva. Essa vi sao ho-
listi ca, todavia , nao signi fica retratar a total idade de uma cultura , mas so-
mente ter em conta que a cul tura, sendo total izadora , mesmo que parcia l-
mente descrit a, sempre deve ser tomada por re fe renda.
Urn te rceiro tipo se ria 0 das chamadas "monografias experimeatais"
au p6s-modemas, como defendidas por Marcus e Cushman, mas que,
nes te memento, nao gostaria de trata-las sem urn exarne cri tico preliminar
que me parece indispensavel, pa is ida envolver preci samente minhas res-tri<;6es ao que considero como caracterist ica dessas monograf ias: 0 des-
prezoque seus autores demonstram em rdas;ao inecessidade de controle
dos dados etnogrHicos, tema, alias, sabre 0 qual tenho me referido par
divers as vezes, quando procure mostrar que a lguns desenvolvimentos da
antropologia p6s-moderna result am em uma perversao do pr6prio para-
digma hermeneutico, Essas monografias chegam a ser quase intimistas,
impondo ao leitor a constante presenc;:a do auto! no texto. E urn tema
11 Cf. meu art igo, "Acategorla de (desjordem e apos-modernidsde daantropologia", inAnl l i r ioAnt ropoMgro , na 86,1988, pp.57·73; tambemno livro S oh n o p m J amm J o anlropo-
Mg r o ,Capitilo 4.
12 Para uma boa ide ia sobre a var iedade deposicoes no inter ior do movimento herme-
neutico, ~e consultar 0 volume Writing .r1IlllIre: Th ~ po~ t i( J a l ldpo i ln , ! oj e thnograp*"
james Clifford e George E. Marcus (orgs).
13 Cf. George E. Marcus e Dick Cushman, ''Ethnographies as t extes " tin Annllal Rtli~
o f A1I1hropqIoD. n' II, 1982, pp . 25-69.
14 Idem,p. 27.
28 29
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 9/11
,
j I
I
I I
I ,j
I,:
R o bmo Cardoso d t o . li ~ ra o t rabalho do an t rop o /Qg o:o l h ar , o l l v ir , . umv t r
sobre 0 qual tern havido muita controvers ia, mas nio penso que seja aqui
o rnelhor lugar para' aprofunda-lo."
Porern, 0 fato de se escrever na primeira pessoa do singular - como
parecem recomendar os defensores desse t erceiro ripo de monografia -
nio signifies, necessariamente, que 0 tex to deva ser int imista, Deve sign ifi -
car, simplesmente - e quanta a isso creio que todos os pesquisadores
podem estar de acordo -, que 0 autor n io deve se esconder sis tematica-
mente sob a capa de urn observador impessoal, coletivo, onipresente e
onisc iente, va lendo-se da pr imeira pessoa do plural : nor . E clare que sem-
pre havera s ituacoes em que esse no ! pode ou deve ser evoeado pelo autor,
Nao deve, contudo, ser 0 padrao na retorica do texto. Isso me pareee
importante porgue corn 0 crescente reconhecimento da pluralidade de
vozes que cornp6em a ceria de invest igacao etnografica, essas vozes tern
de ser dist inguidas e jarnais caladas pelo tom imperial e rnu itas vezes auto-
ritario de urn autor esquivo, escondido no interior dessa primeira pessoa
do plural. No meu enteadimento, a chamada antropologia polif6nica -
na qual teoricarnent e se oferece espac; ,o para as vozes de todos os atores
do cenario emogrsfico - remere, sobrerudo, para a responsabilidade es-pecifica da voz do antropologo, autor do discurso proprio da discipl ine,
que nio pode ficar obscurecido ou substitufdo pelas transcricoes das falas
dos entrevistados . Mesmo porque, sabernos , urn bom reporter pode usar
tais transcricoes com muito mais arte.
E importan te tambern reavivar urn outro aspecto do processo de cons-
trucao do texto: apesar das criticas, 0 terceiro tipo de rnonografia traz
uma inegavel contribui cao para a teoria social. Marcus e Cushman obser-
yam, relativamente a i nfluencia de Geertz na antropologia, que, com ele,
a c:tnografia tornou-se urn rneio de falar sabre teoria, filosofia e epistemolo-
gia simultaneamente no cumprimento de sua tarefa tradicional de interpretar
diferentes modos de vida."
Evidentemente que, ao elevar a producso do texto em nivel de reflexao
sobre 0 escrever, a discipline est:i orientando sua caminhada para as instdn-
cias rneta-teoricas que poucos alcanc;aram. Talvez 0 exemplo mais conhe-
cido, entre os antrop6Iogos vivos, sejao de Levi-Strauss no ambito do
est rutura lismo, de reduzida eficacia na pesquisa e tnognif ica. Com Geer tz e
sua antropologia interpretativa, verifica-se 0 surgimento de urna prat ica
rnet a-teorica em processo de padronizacao, em que pesem alguns escor-
regoes de seus adeptos para 0 intimismo, como mencionado ha pouco.
Entendo que para se elaborar 0 born tex to etnografico, deve-se pensar as
condicoes de sua producao a partir das etapas iniciais da obtencso dos
dados - 0 olhar e 0 ouvir -, 0 que nao quer dizer que ele deva emara-
nhar-se na subjet iv idade do autor /pesqu isador. Antes, 0 que esta em jogo
e a "intersubjetividade"- esta de carater episremico -, gra<;as a qual se
ar ticu lam, em urn mesmo h o n' zo n te t eo n c o, os mernbros de sua comunidade
pro fissional. E e 0 reconhecirnento dessa intersubjet iv idade que torna 0
antrop6 logo rnoderno urn cient is ta social menos ingenue, Tenbo para mim
que t alvez seja essa uma das mais fortes contribuicces do paradigms her-
meneutico para a disciplina.
15 De uma perspectiva critica, ainda que simp:i.ticaa essas monogra£ias experimentais,
leia-se 0 a.rtigo da antrop61oga Teresa Caldeira, .intitulado "A pcesen"a do autor e a
pos-modernidsde da antropologia", em N o vo ! E rl N do J . Cebrap, n" 21, ju l . 1988, pp.
133-157. J : i . de urna perspectiva menos favoravel. d., por exernplo, 0 artigo-resenha
de Wilson Trajano Filho, "Que barulho e esse. 0 dos p6s -modemos" code Car los
Fausto, "A antropologia xamanistica de Michael Taussig eas desventuras da etnogra-
fia", ambos publicados no M ud r io A 1 It ro p o lO g i (( ), nQ86, 1988, respectivamente is pp.
133-151 e pp. 183-198; e 0 de Mliriza Peirano, "0 encontro emogeifico eo diaIogo
reorico", inserido em sua coletanea de ensaios U m a a n tr op o lo g ia n o p b t ra l, como seu
Capitulo 4. Para uma IIpreciac;aornais generica dessa antropologia pos-moderna, na
qualse procura apontar tanto seus aspectos posit ives - no que serefere a contribui-
~o do paradigma hermeneutico para 0 enriquecimento da matriz discipliner ci a an-
tropologia -, como osaspectos negatives daquilo que considero see 0 "desenvolvi-
mento perverse" desse paradigms, con ferir rneu artigo - versao final de conferencias
pcoferidas em 1986 - indicado na nota 11.
CONCLUSAO
Examinados 0 olhar, 0 ouvir e 0 escrever, a que conclusoes podemos
megar? Como procurei mostrar desde 0 inlcio, es sas "faculdades" do
espirito tern carac ter is ticas bem precisas quando exerc itadas na 6rb lta das
c iencias socia is e ,de urn modo todo especial , na da antropo logia. Se0 olhar e
o ouvir consti ruem a nossa percepcao da real .idade focal izada na pesqu isa
empirica, 0 escrever passa a ser parte quase indissociavel do nosso peosa-
16 George E. Marcus e Dick Cushman, "Ethnographies as totes", P:37.
30 31
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 10/11
*.
Rohm~ GmioJo d e O l i vei r a o t ra h al b o d o a n tr o po l6 g o : o lb a r; o l lm r , e s cr e oe r
memo, uma vez que 0 ato de escrever e s imultsnec ao ato de pensar.
Quero chamar a atencao sobre isso, de modo a tornar clare que - pelo
menos no rneu modo de ver - e no precesso de redacao de urn texto
que nosso pensarnento carninha, encontrando solucoes que dificilrnente
aparecerao antes da rexrualizacao dos dados provenientes da observacao
sistematica. Assim sendo, seria urn equivoco imaginar que, primeiro, che-
gamos a conclusoes relativas a esses mesmos dados, para, em seguida,
podermos inscrever essas conclusdes no texto. Portanto, dissociando-se 0
pensar do escrever. Pelo menos rninha exper iencia indica que 0 ato de
escrever e 0 de pensar sao de tal forma solidarios entre si que, juntos,
formam praticamente um mesmo ato cognitivo. Isso significa que, nesse
caso, 0 texto nao espera que seu autor tenha prirneiro todas as respostas
para, s6 entao, poder ser iniciado. Entendo que na elaboracao de uma boa
narrativa, 0pesquisador, de posse de suas observacoes devidamente or-
ganizadas, inicia 0processo de texrualizacao - uma vez que essa nao eapenas uma forma escrita de simples exposicao, pois hi tambem a forma
oral -, concornitante ao processo de producao do conhecimento. Nao
obstante, sendo 0 ato de escrever urn ato igualmente cognitivo, esse atetende a ser repetido quantas vezes for necessario; portaoto, ele e escrito e
reescrito repetidamente, nao apenas para aperfeicoar 0 texto do ponto de
vista formal, quanto para melhorar a veracidade das desericoes e da narra-
tiva, aprofundar a analise e consolidar argumentos.
1S50, por siso, nao caracteriza 0 olhar, 0 ouvir e 0 escrever antropolo-
gicos, pois esta presente em toda e qualquer escrita no interior das ciencias
sociais Contudo, no que range a antropologia, como procurei mostrar,
esses atos estao previamente comprometidos com 0 pr6prio horizonte
ciadisciplina, em que olhar, ouvir e escrever estao desde sempre sintoniza-
dos com 0 s i s tema d e i d ii a s e v ak m s que sao pr6prios da disciplina. 0 quadro
conceitual da antropologia abriga, nesse sentido, ideias e valores de diflcil
separacao, Louis Dumont, esse excelente antrop6Iogo frances, chama iS50
de "ideia-valor"," unindo assim, em uma unica expressao, ideias que pos-
suern uma carga valorativa extremamente grande. Ao trazer essa questao
para a pratica da disciplina, diriamos que peIo menos duas dessas "ideias-
valor" marcarn ° fazer anrropolcgico: "a observacao par ticipante" e a
"relativizacao". Entre nos , Roberto Da Matta chamou a atencao sobre a
relativizacao em seu livro R e la t iv iz a n do : Uma i n tr o du f t1 o a an t r opo l o g ia Joda /, 17
rnostrando ern que medida 0 relativizar e constiruinte do proprio conhe-
cimento antropol6gico. Pessoalrnente, entendo por relativizar uma atirude
epistemica, eminentemente antropologica, grac;as a qual 0 pesquisador 10 -
gra escapar da ameac;:ado etnocentr ismo - essa forma habitual de ver 0
mundo que circunda 0 leigo, cuja rnaneira de olhar e de ouvir nao foram
disciplinadas pela antropologia. E se poderia estender iS50 ao escrever, na
medida em que, para faIarmos com Crapanzano," "0 escrever ernografia
e urna continuacao do confronto" intercultural, porranto entre pesquisa-
dor e pesquisado, PO! conseguinte, uma continuidade do olhar e do ouvir
no escrever, esse Ultimoigualmente rnarcado pela atitude relativists."
17 Editado pela Vozes, em 1981, 0 volume e urna boa introducao it antropologia social
que :recornendo ao leiter i n rer ess ado na di scipl ina, preci samen re por n ao se t rat ar de
urn manual , po rern d e urn l ivr e de ref lex ao s obre 0 fazer antropolcgico, apo iada na
rica experienc ia de pesqu isa do auto! .] :i em urna d ire'1i io urn pouco d iferenre , pos ic io -
nando- se con tr a cer to s exag eros ant i- rel at ivi st as, Cl if ford Geer tz escreve seu ' 'Ant i
anti-relativismo", tradczido para 0 portugues na R e v is ta B r as ik i ra d e C i in r it ls S o da i" vol.
3 , n~ 8, OUt. 1988, pp . 5-19, que vale a pena consu ltar .
18 C f. Vincent C rap anzs no, "00the writing of ethnography", in Ditl/ffliraIAnthropology,
nn2 ,1977, p p. 69 -73. Mui tas ve zes, po r r azoes e st il is ti ca s - o bserva Crapanz ano c
"isola-se 0 l ito de escrever, e seu produto fi nal [0 texto], da propria confrontacao,
Qua lque r que seja a razao para essa d is sociacao , permanece 0 f aro de que a c onf ron-
t a'1 ii .o nao t ermina an tes d a etnograf ia mas, se se pode dizer 30 f im de rude, e que e la
terrnina (o m a etnografia" [p, 70].
19 Eu faco uma distincao entre "atirude relat ivist a" - que consi dero ser mer eme a pos-
tura a nt ropoleg ica - e " rel at ivi srno ", uma ide olog ia ci en df ic a. E sse rel at iv isrno, po r
seu ca rat er r ad ical e ab solur ist a, n ao conse gue vi sual iz ar adequad ameme quesroe s de
moral idade e de e tiddade, sobrepondo, por exe rnplo, bObi to a no rma mor a ! e justifican-
do e st a p or aqu el e, T ive a o casi ao de t rat ar dess e t erna ma is d et alhadamen re em meu
"Emicidad y las possibilidades de la etica planetaria", in AlI trupoiogic t1 I: RtviIIa d e D i f o si 6 t r
de/ In1 ti tuto de I t rm t il f 1r i ot r t .I A n t r opo lOg ic t l I, MEXlCO: UNAM, n' 8, OUt 1993, pp. 20-33;
um a segunda versao Eo i publicada na R l vi ll a B r as il ei ra d e C i ln r ia s S o ri ai s, ANPOCS, an o
9,0° 24, 1994, pp . 110 -121 , com 0 t it ulo "Ant ro pologi a e moral idade ", i nser ida o a
coletanea Ensaios t l n tr o p%g i c o s J o h n m o ra l e i f ic a , de Robe rto Cardo so de 0 liveira e Luis
R. Cardoso de Oliveira, Capitulo 3 .
16 Cf. Louis Dumont, "La val eur che z l es modernes e t chez les au tr es ", i n EIIaiS sur
i 'm d U ti .d 1 la /i Jm e : U n « pm p t ct i~ e a lf fh r op o lo g iq u t s u r I 'i di o lo g ie mo dm l t , Capitulo 7. Hi ur na
uadus:ao brasileira.
32 33
5/7/2018 OLIVEIRA - O trabalho do antropólogo - olhar, ouvir, escrever (1) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/oliveira-o-trabalho-do-antropologo-olhar-ouvir-escrever-1 11/11
I
1
II 'I
I
I
I
II
!
l\D.7I!nO Camoso at UUlJtlrO o t r o b a J h o d o t In tr o p ol og o : o l ha r ; a t /v ir ; e s tr e ue r
Uma outra ideia-valor a se t destacada como constituinte do oflc io
antropol.6gico e a "observacao participante", que ji mencionei momentos
atras, Permito-rne dizer que talvez seja ela a responsive! pela caracteriza-
c;:aodo trabalho de campo antropo16gico, distinguindo-a, enquanto disci-
plina, de suas irmas nas ciencias sociais. Apesar dessa observacao partici-
pante ter alcancado sua forma mais consolidada na investigacao etnologi-
ca, junto a populacces agrafas e de pequena escala, isso nao signif ica que
ela nao ocorra no exerdcio da pesquisa com segmentos urbanos ou rurais
da sociedade a que pertence 0 proprio antropclogo. Dessa observacao
participante, sobre a qual muito ainda se poderia dizer, nao acrescentarei
mais do que umas poucas palavras; apenas para chamar a atencao para
urna modalidade de observacao que ganhou, ao longo do desenvolvi-
mento da disciplina, urn s ta tus elevado na hierarquia das ideias-valor que a
marcam emblemaricamenre. Nesse sentido, os a tos de olhar e de ouvir
sao, a r igor , funcoes de urn genero de observacao muito pecul iar - isto e ,peculiar a antropologia -,. por rneio da qual 0 pesquisador buses inter-
pretar - ou compreender - a sociedade e a cultura do outro "de den-
tro" , em sua verdadeira interior idade. Ao tentar penetrar em forrnas de
vida que !he sao estranhas, a vivencia que delas passa a ter cumpre umafuncao estrategica no aro de elaboracao do texro, uma vez que essa viven-
c ia - so assegurada pela observacao participante "estando la" - passa a
ser evocada durante toda a inrerpretacao do mater ial etnogrifico no pro-
cesso de sua iascr icao no discurso da disciplina. Costumo dizer aos meus
alunos que os dados contidos no diario e nas .cadernetas de campo ga-
nham em inteligibilidade sempre que rememorados pdo pesquisador; 0
que equivale dizer, que a memoria const itui provavelmente a elemento
mais rico na redas:ao de um texto, contendo ela rnesma uma massa de
dados cuja significa's:aoe melhor alcancavel quando a pesquisador a traz
de volta do passado, tornando-a presente no ato de escrever. Seria uma
especie de presenti ficacao do passado, com tudo que isso possa implicardo ponte de vista hermeneutico, OU, em outras palavras, com toda a influ-
encia que 0"estando aqui" pode trazer para a compreensao - Vers tehen
- e interpretacao dos dados entao obtidos no campo.
Paremos por aqui. Emresumo, vimos, por intermedio da experiencia
anttopol6gica, como a discipline ccndiciona as possibilidades de observa-
'Taoe de textualizacao sempre de conformidade com urn horizonte que
lhe e proprio. E, por analogia, poder-se-ia dizer gue isso ocorre tarnbem
em outras ciencias socials, em maier ou em menor grau. Is50 significa que
o olhar, 0 ouvir e 0 escrever devern ser sempre tematizados OU,em outras
palavras, questionados enquanto etapas de constiruicao do conhecimento
pela pesquisa empir ica - essa Ult imavista como 0 programa prioritario
das ciencias sociais, Trazer esse tema a consideracao, pareceu-rne, enfim,
apropr iado porgue entendo que talvez venha a contr ibuir ao estimulo de
reflexoes de cararer interdisciplinar, uma vez gue os diferentes atos cogni-
rivos examinados nao sao estranhos a s dernais ciencias sociais.0que torna
qualguer experiencia antropologica - e nao apenas a minha- objeto de
interesses que transcendem a.disciplina. E foi com esse intuito que escolhi
o presente topico - e me darei por satisfei to sehouver conseguido trans-
formar atos aparentemente tao banais, como os aqui examinados, em
remas de reflexao e de questionamento.
34 35
Recommended