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Organização Corporativa da Lavoura em Portugal: recetividade,
dinâmicas e práticas*
Farming Corporate Organization in Portugal: receptivity, dynamics
and practices
Natália Magalhães Pereira
Resumo: A edificação do sistema corporativo português evidenciou-se lenta e
progressiva ao contrário dos objetivos fixados pelos ideólogos e legisladores do regime
Salazarista. A cobertura da malha corporativa rural (Grémios da Lavoura) foi densa,
atingindo-se a quase totalidade do território até 1945. O artigo parte de um estudo de caso
focado no norte do país, uma região marcadamente católica e de minifúndio, sem tradição
expressiva ao nível das práticas associativas, quer no caso das entidades patronais como
dos trabalhadores. Pretende-se assim, através de um estudo, por amostragem dos
Relatórios, Balanço e Contas, analisar a expressividade das práticas destes organismos
da Lavoura.
Palavras-Chave: Estado Novo; Corporativismo; Grémios da Lavoura
Abstract: The construction of the Portuguese corporate system was slow and progressive,
contrary to the objectives set by ideologists and legislators of Salazar’s regime. The
coverage of rural corporate knit (Farmers Guilds) was dense, reaching almost all the
territory until 1945. The article starts from a case study focused on the North of the
country, a region markedly catholic and smallholdings, with no significant tradition of
associative practices, whether in the case of employers or workers. It is intended, through
a study, by sample of reports, balance sheets and accounts, to re-examine the
expressiveness of the practices of these farming organisms.
Keywords: Estado Novo; Corporatism; Farmers Guilds
* O artigo que aqui apresento insere-se numa investigação mais ampla do Projeto de Doutoramento (sob
orientação da Professora Fátima Moura Ferreira) sobre as dinâmicas de corporativização do mundo rural
no Norte do País durante o ciclo autoritário português.
A partir de finais do século XIX, nas mais vulneráveis periferias europeias do
capitalismo ocidental, a crise multimodal do sistema liberal arrastaria consigo dois
perigos para as oligarquias tradicionais e suas elites. De um lado a massificação da
política que decorreria da nova vaga de industrialização/proletarização, de uma moderna
terciarização e da rápida urbanização. A emergência de novos grupos sociais era marcada
pelo surgimento do movimento operariado organizado dos finais de oitocentos. O
discurso corporativo nascia, em Portugal, como fruto de uma dupla urgência para os
grupos sociais dominantes, “[…] a de prevenir a subversão social e a de regular e arbitrar
a vida económica cuja crise fazia perigar a prosperidade e os lucros1”. O novo regime
suprimia os sindicatos livres e proibia a greve, com a legislação criada em setembro de
1933, na qual reprimia as lutas operárias, prendia e deportava os seus dirigentes,
desacreditando o movimento operário organizado.
Assim, em Setembro de 1933, o Estado Novo cria um pacote legislativo-corporativo
pioneiro, com a constituição dos organismos primários da “pirâmide corporativa” tendo
como propósito o da regulação das relações do capital com o trabalho: os Sindicatos
Nacionais como forma de enquadramento dos operários industriais e empregados dos
serviços privados; os Grémios patronais, da indústria, do comércio e da lavoura; as Casas
do Povo e as Casas dos Pescadores para os patrões e trabalhadores do mundo rural e das
pescas. Sobre estes tutelava política e ideologicamente o Instituto Nacional do Trabalho
e Previdência (INTP), órgão do Estado funcionando no âmbito do Subsecretariado de
Estado das Corporações e Previdência Social, também criado no mesmo ano2. A
organização corporativa revelava-se um instrumento central da regulação autoritária e
totalizante do Estado. Não se tratava apenas de um produto temporário que vinha
solucionar e aclamar o eclodir de uma crise, tendo durado para além da estabilidade,
apesar das críticas e das crises.
O presente artigo pretende analisar a dinâmica corporativa no mundo rural a partir
dos Grémios da Lavoura (organismo corporativo primário que representava todos os
produtores agrícolas da sua área, tutelando os seus interesses) tendo por base um estudo
de caso relativo ao norte de Portugal, compactado por uma amostra de seis dos treze
Grémios da Lavoura existentes no distrito de Braga. A escala de observação em análise é
segmentada e incide em três momentos: 1940/1941 como registo dos movimentos iniciais
1 Fernando ROSAS: “O Corporativismo enquanto Regime”. Em Fernando ROSAS e Álvaro GARRIDO
(coords.): Corporativismo, Fascismos, Estado Novo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 26. 2 Fernando ROSAS: “O Corporativismo enquanto Regime…”, pp. 17-47.
da organização corporativa da lavoura, marcado também pela conjuntura da II Guerra
Mundial; o ano de 1947, contextualizado pelo pós-guerra e pelas resistências corporativas
que se fizeram sentir no contexto Europeu; e o ano de 1957, que remete para a conjuntura
económica marcada pela modernização da economia portuguesa assente nos Planos de
Fomento e na opção prioritária pela industrialização (1953/1958).
O corpus documental é composto pelos Relatórios, Balanço e Contas elaborados
pelas Direções dos Grémios da Lavoura e que pretendem aferir sobre a vida agrícola do
concelho, o estado financeiro e atividades dinamizadas pelo organismo. Este texto, mais
do que inferir sobre a organização corporativa da lavoura, visa contribuir para uma análise
(ainda que os resultados se possam entender como provisórios) dos impactos desta
ideologia junto destes organismos e da população que representavam, uma perceção das
práticas adjacentes a toda esta orgânica corporativa.
O artigo está assim dividido em duas partes: na primeira parte, concentramos a
nossa atenção na edificação do sistema corporativo português, acompanhando-se o
progresso da rede organizativa, que começou em 1933; a segunda parte, centra-se no
processo prático da construção deste sistema corporativo, num Distrito do Norte de
Portugal (Braga), considerado um dos focos do poder de influência da Igreja Católica e
um forte aliado do regime salazarista. Importa assim analisar a execução das medidas
governamentais junto dos Grémios da Lavoura.
Os alicerces da organização corporativa da Lavoura
O setor da lavoura foi organizado corporativamente tendo na base, os organismos
primários (Grémios e Casas do Povo), a nível intermédio as respetivas Federações e
Uniões; e no topo, a Corporação da Lavoura, que se integrava na Câmara Corporativa.
Em cada escalão a estrutura organizativa era semelhante: nos grémios, o Conselho-
Geral era constituído pelos produtores, produtores natos e produtores escolhidos, que
elegiam a Mesa do Conselho e a Direção; nas federações, o Conselho-Geral era
constituído por representantes dos grémios federados que elegiam a Mesa do Conselho e
a Direção, esquema que, de resto, era replicado na Corporação da Lavoura. As Casas do
Povo, por sua vez, estavam dotadas de um estatuto especial: ainda que não estivessem
previstas as federações, estas também se formaram e enviaram representantes à
Corporação da Lavoura.
Entrelaçados com este esquema, surgem ainda os Organismos de Coordenação
Económica, que, não pertencendo propriamente à pirâmide corporativa, eram
considerados, pela doutrina oficial, organismos intermédios.
As Casas do Povo são dos primeiros organismos corporativos a serem criados, por
diploma de 23 setembro de 19333, na qualidade de organismos de cooperação social com
personalidade jurídica. O mesmo diploma apresentava como seus principais objetivos: a
previdência e assistência de forma a assegurar a proteção e auxílio dos seus sócios em
casos de doença, desemprego, inabilidade e velhice; a Instrução de adultos e crianças; o
apoio aos Progressos Locais, nomeadamente em obras de interesse comum
(comunicações, serviço de águas ou higiene pública). Mais tarde4, são acrescentados a
estes objetivos a representação dos trabalhadores inscritos como sócios efetivos e o estudo
e defesa dos interesses morais, económicos e sociais dos associados. Finalmente, em
19695, no quadro da reorganização da orgânica corporativa, são redefinidas as finalidades
destes organismos, no âmbito da cooperação social e da promoção do desenvolvimento
local. Alarga-se, por sua vez, a representação profissional aos trabalhadores agrícolas por
conta de outrem, bem como a previdência e assistência aos trabalhadores residentes na
sua área, mediante o pagamento voluntário de contribuições. Mas não nos vamos alongar
na caracterização6 das Casas do Povo, embora seja importante compreender as dinâmicas
que estão anexas a estes organismos, para nos elucidar em relação à sua ligação com os
Grémios da Lavoura. Havia um laço que unia estes organismos, não só pela presença dos
proprietários em ambos, mas também pelas ligações que acarretava a orgânica
corporativa7.
3 Decreto-Lei n.º 23.051, de 23 de setembro de 1933 – diploma autoriza a criação em todas as freguesias
rurais de organismos de cooperação social, com personalidade jurídica, denominados Casas do Povo,
constituídos nos termos do presente decreto-lei. 4 Decreto-Lei nº. 28.859, de 18 de julho de 1938 – diploma regulamenta o funcionamento das Casas do
Povo e vem a acrescentar que este organismo em cooperação com os Grémios da Lavoura têm como
principal função a procura em solucionar os muitos problemas do trabalho rural, que até então não tinham
possibilidade legal para enfrentar. Mais do que melhorar as condições de vida das populações rurais havia
a necessidade de dotar este organismo de condições para colaborar com os Grémios da Lavoura. 5 Lei nº. 2144, de 29 de junho de 1969. 6 Para uma perspetiva nacional relativa à distribuição das Casas do Povo no continente ver: Manuel
LUCENA: A Evolução do Sistema Corporativo Português, 2 vols, Lisboa: Perspectivas & Realidades,
1976; Dulce FREIRE: “Estado corporativo em acção: sociedade rural e construção na rede de Casas do
Povo”, em Fernando ROSAS e Álvaro GARRIDO (coords.): Corporativismo, Fascismos, Estado Novo,
Coimbra, Almedina, 2012, pp. 273-301. 7 Natália PEREIRA: “Nós, o Povo: As redes das Casas do Povo nos alinhamentos corporativos (1933-
1974)”, Oficina do Historiador, 9, n.º 2, (2016), pp. 99-118.
O Governo teve mais hesitações na organização corporativa dos grémios da
lavoura. Inicialmente o diploma de 19338 não fazia distinção entre os três grandes sectores
da economia nacional, definindo as grandes linhas comuns que teriam de pautar-se de
acordo com os casos: lavradores, comerciantes ou industriais.
Estes organismos obrigatórios não agrupavam o conjunto dos produtores, visando
apenas certas culturas bem precisas: Grémio dos Produtores de Frutos da Região de Vila
Franca (1931); Junta Nacional de Exportação de Fruta (1931); Federação nacional dos
Produtores de Trigo (1932); Federações dos Viticultores do Centro-Sul e do Douro; várias
uniões (Dão, Bucelas, Setúbal) entre 1932 e 1934. Só no quadro dos organismos
facultativos é que viria a dar-se uma nítida distinção entre os Grémios da Lavoura e os
Grémios do Comércio ou da Indústria. Assim, em maio de 19379, um novo diploma de
surge, não para generalizar os grémios especializados, mas para lançar uma nova base à
organização corporativa dos agricultores, indiferenciada, agrupando todos os produtores
de cada região independentemente do que produziam, com carácter, à partida
facultativo10. Mas foi apenas no ano de 193911 que o Estado definiu detalhadamente o
estatuto destes organismos. Uma vez criados estes grémios passavam a ser de inscrição
obrigatória (Decreto n.º 29.494, Art.º 6.º, §1.º). Obrigatoriamente fariam parte deles todos
os produtores da região abrangida, “… quer o queiram quer não”12. Ao contrário do que
sucedeu com as Casas do Povo, e também pela natureza destes organismos, a organização
patronal da lavoura ficou praticamente concluída até 1944, reflexo do interesse do Estado
em regulamentar, controlar e uniformizar a execução da atividade (Cfr. Gráfico 1). Até
porque nos quinze anos seguintes, apenas vêm a ser criados dez Grémios.
8 Decreto-Lei n.º 23.049, de 23 de setembro de 1933 – estabelece as bases a que devem obedecer os grémios,
organismos corporativos das entidades patronais. 9 Lei n.º 1957, de 20 de maio de 1937 - estabelece as bases gerais para a organização corporativa da
agricultura. Cria os grémios da lavoura e as casas da lavoura e enuncia as respetivas organizações,
funcionamento e atribuições. 10 Porém, quando se fala em facultativos apenas diz respeito à sua criação pelos interessados, e nem sempre.
De acordo com a Lei n.º 1957 (base II) confirmada em 1939 pelo Decreto-Lei n.º 29.494 (Art.º 12.º), o
Governo também pode criá-los, se a iniciativa não partir dos interessados e se os mesmos forem necessários
para a defesa da economia nacional e dos próprios produtores. 11 Decreto n.º 29.494, 22 de março de 1939 - regulamenta a constituição dos Grémios e Casas da Lavoura,
dispondo sobre as suas atribuições, orgânicas, funcionamento e competências, e bem assim como sobre os
direitos e deveres dos seus associados e os órgãos dirigentes. 12 Manuel LUCENA: “Relatório sobre a extinção dos Grémios da Lavoura e suas Federações”, Arquivo
História Social do Instituto de Ciências Sociais – Fundo Manuel Lucena, Abril, 1978, Vol. I (a) Parte Geral,
p.27.
Gráfico 1 – Distribuição dos Grémios da Lavoura e Casas do Povo, 1933-1974
(Fonte: Dados elaborados com recurso ao Boletim do Instituto nacional do Trabalho e Previdência, Ano 1,
n.º 1 [30 novembro 1933] a Ano 41, n.º 20 [29 maio 1974]: Lisboa, I.N.T.P, 1933-1974.)
O eclodir da II Guerra Mundial teve também impacto nesta aceleração, pois o
Estado precisou de uma extensa “... rede de antenas locais”13. Sobretudo quando se
previam certas requisições e dificuldades de abastecimento das grandes cidades, mas
também pela distribuição racionada de certos produtos: adubos, sementes, entre outros.
Os associados estavam obrigados ao pagamento de quotas estabelecidas para os
proprietários, com base nas coletas da contribuição predial rústica. No caso dos rendeiros,
meeiros e parceiros passam a uma soma fixa, admitindo-se a sua divisão em duas classes.
Nos primeiros anos o valor das quotas oscilou entre um e dez escudos (escalões mínimo
e máximo, respetivamente), mas havia a possibilidade desses valores serem alterados sob
proposta da direção14. Eram direitos dos sócios tomar parte na eleição dos procuradores
ao conselho geral e usufruir as vantagens e regalias assegurados nos estatutos, leis e
regulamentos. Como deveres competia-lhes: obedecer às resoluções do concelho geral e
da direção; o pagamento das quotas; cumprir os contratos coletivos pelo grémio; e prestar
todas as informações que lhes fossem legalmente ou regularmente pedidas15.
13Manuel LUCENA: “Relatório sobre a extinção dos Grémios da Lavoura e suas Federações”, Arquivo
História Social do Instituto de Ciências Sociais – Fundo Manuel Lucena, Abril, 1978, Vol. I (a) Parte Geral,
p.15. 14 Art.º 22 e Art.º 23.º do Decreto n.º 29.494, de 22 de março de 1939. 15 Art.º 21 e 24.º do Decreto n.º 29.494.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
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500
1933-34 1935-39 1940-44 1945-49 1950-54 1955-59 1960-64 1965-69 1970-74
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Grémios
Casas do Povo
Resta-nos explicitar quais as funções que cabia a estes organismos. Todos os
grémios tinham uma dupla função. Por um lado, no plano politico-representativo/político-
social, já que representavam e defendiam os interesses dos seus membros perante o
Governo e outras autoridades e agências estatais, mas também face aos organismos
representativos de outras categorias socioprofissionais. Por outro lado, no plano
económico deviam fomentar e orientar a produção, disciplinando-a, e colaborar com o
Estado para maior prosperidade e glória dos respetivos setores da economia nacional. Foi
neste ponto, que na opinião de Lucena, o Estado, inicialmente, tinha a crença de que a
economia portuguesa acabaria por se autodirigir16.
Mas quais eram, mais concretamente, as funções dos Grémios da Lavoura? O artigo
15.º do Decreto n.º 29.494 enumera onze atribuições e fins, que podemos, à semelhança
do parágrafo anterior, dividir em duas partes: as político-representativas/político-sociais
e as económicas.
No caso das primeiras referimo-nos: ao exercício, por vezes através de organismos
de grau superior, das funções políticas conferidas pela Constituição; o desenvolvimento
da cooperação e solidariedade de todos os elementos da produção (capital, técnica e
trabalho); e, em colaboração, com as Casas do Povo, a melhoria das condições materiais
e morais das populações agrícolas, a regulamentação da disciplina do trabalho rural e o
desenvolvimento das suas instituições de Previdência e Assistência.
As atribuições no plano económico, de forma genérica, previam a orientação e
disciplinação da atividade dos produtores agrícolas; contribuir para o desenvolvimento
económico e progresso técnico da produção agrícola; e ainda acatar e fazer cumprir, na
sua área, as disposições emanadas das corporações, organismos corporativos de grau
superior e de coordenação económica. Resta ainda a colaboração com os organismos
oficiais de índole agrícola ou pecuária para o desenvolvimento e progresso, formação
profissional dos agricultores e trabalhadores rurais. Num sentido mais preciso, o auxílio
aos associados na colocação e venda dos seus produtos, facultando-lhes a aquisição de
matérias ou artefactos necessários às explorações agrícolas e a posse de armazéns,
celeiros, adegas ou máquinas para usufruto dos associados17.
16 Manuel LUCENA: “Relatório sobre a extinção dos Grémios da Lavoura e suas Federações”, Arquivo
História Social do Instituto de Ciências Sociais – Fundo Manuel Lucena, Abril, 1978, Vol. I (a) Parte Geral,
p. 31. 17 Art.º 15.º do Decreto n.º 29.494.
Foi precisamente no plano económico que o papel dos grémios se afigurou
importante. As suas diretrizes coincidiam com o que era desenvolvido relativamente aos
grémios do comércio e indústria. No entanto, os grémios da lavoura podiam intervir
diretamente em certas atividades económicas. Podiam “por incumbência dos produtores”
organizar a venda dos produtos ou ajudá-los doutro modo, na sua colocação, como
podiam também adquirir matérias e artefactos necessários à exploração agrícola ou
pecuária. Estes grémios não se focavam apenas nas tarefas normais de coordenação ou
disciplina da concorrência, convertendo-se em verdadeiros “agentes económicos”18,
angariando para os seus grémios pequenos lucros, que contribuíam diretamente para o
crescimento do património desses organismos. Com a mesma finalidade de apoio aos
associados, os grémios podiam ainda, possuir armazéns, celeiros, máquinas agrícolas,
animais, entre outros, e montar serviços administrativos de interesse comum. Tudo isto
devia ser posto à disposição de todos – pelo menos assim o consagrava a Lei – mas, como
afirma Manuel Lucena, a prática seria menos santa. E a utilização dos parques de
máquinas, por exemplo, originou frequentes protestos19.
A organização corporativa da lavoura ficaria completa com as Federações e a
Corporação, estas últimas que nunca desempenharam as amplas funções que lhes estavam
consagradas na teoria corporativa20. Depois da publicação do Decreto-Lei n.º 36.681, em
19 de dezembro de 1947, que regulamentou as federações, ainda foi preciso esperar cerca
de 10 anos para que se registasse o advento oficial e devidamente legalizado das primeiras
federações dos grémios da lavoura. Advento que se deu no ano de 1956, ano em que quase
todas as federações obtiveram o seu alvará (para mais tarde ficaram a de Vila Real e Alto
Douro e a do Nordeste transmontano, que só são criadas quatro anos depois, em 1960),
como é visível no Gráfico 2.
18 Manuel LUCENA: A Evolução do Sistema Corporativo Português, 2 vols, Lisboa, Perspectivas &
Realidades, 1976, p.295. 19 Manuel LUCENA: “Relatório sobre a extinção dos Grémios da Lavoura e suas Federações”, Arquivo
História Social do Instituto de Ciências Sociais – Fundo Manuel Lucena, Abril, 1978, Vol. I (a) Parte Geral,
p. 35. 20 Dulce FREIRE, Nuno ESTÊVÃO FERREIRA e Dulce RODRIGUES: Corporativismo e Estado Novo.
Contributo para um roteiro de arquivos das instituições corporativas (1933-1974), Lisboa, ICS Working
Papers, 2014, p. 13.
Gráfico 2 – Distribuição dos Grémios e Federações da Lavoura por períodos quinquenais,
1935-1974
(Fonte: Dados elaborados com recurso ao Boletim do Instituto nacional do Trabalho e Previdência, Ano 1,
n.º 1 [30 novembro 1933] a Ano 41, n.º 20 [29 maio 1974]: Lisboa, I.N.T.P, 1933-1974.)
A iniciativa da criação das federações partiu do Norte do país, zona mais penalizada
pela política agrícola. O primeiro passo foi dado pelos grémios da região de Entre-Douro-
e-Minho. O requerimento para a constituição da Federação de Entre-Douro-e-Minho foi
entregue em 1948, no seguimento da publicação do Decreto-Lei n.º 36.681, que definia o
regime jurídico dos organismos corporativos de segundo grau (igual pedido foi acionado
pelos grémios de Beira Litoral em 1949)21. Não tendo a aprovação do Governo, estes
Grémios passaram a funcionar como se a Federação existisse de facto. Finalmente, em
1956, o Governo cedeu às pressões e concedeu alvarás a quase todas as federações do
País.
Estas federações nasceram assim sob o signo de uma “luta social” que não podia
deixar de questionar outros setores do regime, em segundo lugar pelo temor do próprio
governo perante o aparecimento de vastas frentes de lavradores, num período em que a
política de fomento industrial e de fomento das exportações ia precisar da contenção dos
preços agrícolas; mas também pela concorrência de lavradores que o movimento
21 Manuel LUCENA: “Sobre as federações de grémios da lavoura (breve resumo sobre que fizeram e
deixaram de fazer)”, Análise Social, vol. XVI (64), (1980), pp.713-744.
1935-39 1940-44 1945-49 1950-54 1955-59 1960-64 1965-69 1970-74
Grémios 26 200 7 2 1 0 0 0
Federações 0 0 0 0 9 4 0 0
0
50
100
150
200
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federativo encontrou22. Distribuídas por todo o país as Federações vieram a unir num só
organismo vários Grémios com propósitos e interesses comuns (Cfr. Mapa 1).
Mapa 1 – Distribuição das Federações dos Grémios da Lavoura
(Fonte: Dados elaborados com recurso ao Boletim do Instituto nacional do Trabalho e Previdência, Ano 1,
n.º 1 [30 novembro 1933] a Ano 41, n.º 20 [29 maio 1974]: Lisboa, I.N.T.P, 1933-1974.)
“Bem servir a Lavoura do Concelho para bem servir a Nação” – os Grémios da
Lavoura do distrito de Braga
Em termos económicos, o distrito de Braga, apresentava características que o tornavam
muito semelhante ao resto do país à época (à exceção dos dois grandes centros urbanos, a capital,
Lisboa e Porto). O distrito bracarense era predominantemente agrícola, com uma estrutura da
pequena propriedade, caracterizada por uma rede de agricultores de diversas condições sociais,
22 Laura Larcher GRAÇA. Propriedade e agricultura: evolução do modelo dominante de sindicalismo
agrário em Portugal. Conselho Económico e Social, Lisboa, 1999, p.177.
com uma forte presença de pequenos agricultores e outros que combinavam trabalho agrícola com
trabalho industrial. Tradicionalmente, a emigração representava uma válvula de escape do
empobrecimento da região, agravada pelo crescimento populacional ocorrido nas últimas décadas
de 800. Mais uma vez, a década de 1960 encontrou na emigração para a Europa Ocidental
(principalmente França, Alemanha e Suíça) uma solução para o atraso económico da região, entre
os caminhos de modernização que se seguiram, em escala nacional e regional, particularmente no
campo da industrialização.
Mapa 2 – Distribuição dos organismos corporativos no distrito de Braga (1933-
1974)
(Fonte: Dados elaborados com recurso ao Boletim do Instituto nacional do Trabalho e Previdência, Ano 1,
n.º 1 [30 novembro 1933] a Ano 41, n.º 20 [29 maio 1974]: Lisboa, I.N.T.P, 1933-1974, e Arquivo Histórico
da Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do
Trabalho – ACT])
No que toca à rede de organismos corporativos à escala distrital constata-se, como
revela o Mapa 2, um claro predomínio dos organismos ligados ao mundo rural – Casas
do Povo e Grémios da Lavoura – seguidos a uma distância considerável, pelos Grémios
do Comércio, organismos primários, de vertente patronal, com o objetivo de regulação
das relações entre capital e trabalho no respetivo setor23. Estes distribuíam-se pelos
23 Jorge TORRES: Os comerciantes e o Grémio do Comércio de Guimarães. Dinâmicas associativas,
corporativas e comerciais (1939-1969), Dissertação de Mestrado em História. Instituto de Ciências Sociais,
Universidade do Minho, Braga, 2013, p. 23.
concelhos de Braga, Fafe (grémios pluriconcelhios), Barcelos, Esposende, Guimarães e
Vila Nova de Famalicão (grémios concelhios). Os demais organismos corporativos
apresentavam uma representação residual. É o caso dos Sindicatos, em número de 21,
sedeados nos concelhos de Braga, Guimarães e Barcelos, em razão do tecido industrial
existente, com uma estrutura dominantemente tradicional. No que toca aos Grémios da
Indústria registam-se apenas dois casos, com sede na cidade de Braga, um sinal
inequívoco da fraca representação dos industriais, á semelhança, aliás, das demais regiões
de província de então24.
O estabelecimento da rede de grémios da lavoura no distrito de Braga estava
praticamente concluída no final de 1940, de acordo com as diretrizes legais produzidas
pelo Governo. Os 13 grémios da lavoura que foram criados expressavam a dinâmica de
crescimento que havia sido registada, seguindo o forte impulso observado nos primeiros
meses do ano (entre janeiro e abril). Somente os Grémios da Lavoura de Esposende e de
Vila Verde chegariam no ano seguinte, em março e agosto, respetivamente. A
organização corporativa da agricultura tinha dominado a unidade do município-distrito.
A única exceção foi o caso do Grémio da Lavoura de Celorico de Basto e Mondim de
Basto resultante da agregação de dois conselhos pertencentes, respetivamente, aos
distritos de Braga e Vila Real (Cfr. Mapa 3).
24 Natália PEREIRA: “Nós, o Povo…”, p. 104.
Mapa 3 – Distribuição dos Grémios da Lavoura (1933-1974)
(Fonte: Dados elaborados com recurso ao Boletim do Instituto nacional do Trabalho e Previdência, Ano 1,
n.º 1 [30 novembro 1933] a Ano 41, n.º 20 [29 maio 1974]: Lisboa, I.N.T.P, 1933-1974, e Arquivo Histórico
da Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do
Trabalho – ACT])
Depois de analisarmos a distribuição destes grémios, passamos à observação das
dinâmicas que estiveram por de trás de todo o impacto da ideologia corporativista. Como
foi mencionado na introdução deste artigo, os dados aqui analisados, devem ser
entendidos como provisórios, por duas razões: primeiro porque a amostra contempla
apenas os Relatórios, Balanço e Contas da Gerência de seis dos treze grémios da lavoura
(Barcelos, Braga, Celorico e Mondim de Basto, Fafe, Guimarães, e Vila Nova de
Famalicão); e, em segundo lugar, porque se prende diretamente com a documentação
trabalhada, os Relatórios, Balanço e Contas que deverão, necessariamente, ser cruzados
com a correspondência tecida entre os vários organismos envolventes, e que neste
momento ainda não pode ser trabalhada, pelo número tão volumoso a que diz respeito.
Assim sendo, e perante a fonte privilegiada selecionada, a análise elaborada foi dividida
em três marcos temporais: 1940/1941; 1947; 1957.
O processo de criação dos grémios implicava trinta fundadores25, sendo que todos
teriam que ter a categoria de contribuintes26, pagando uma quota de mais de 100 escudos
de imposto por ano (este valor pode não parecer muito elevado, mas como afirma Manuel
Lucena, acabava por restringir o acesso a muita gente27).
A Direção dos grémios era composta por um presidente, dois vogais e respetivos
substitutos eleitos pelo Conselho Geral, reservado aos sócios contribuintes (só podiam
ser eleitos os cidadãos portugueses, no pleno gozo dos direitos civis e políticos, com
domicilio na área do Grémio), não podendo exercer conjuntamente a função de diretores
os indivíduos que tivessem entre si parentesco até segundo grau, segundo o direito civil28.
O Conselho Geral era formado pelos vinte maiores produtores agrícolas residentes
na área do Grémio e que nele exercessem os seus direitos sociais, como Procuradores
Natos e por vinte Procuradores escolhidos, de três em três anos, pelos restantes associados
contribuintes. A escolha dos últimos era realizada por freguesias ou grupos de freguesias
em reunião dos respetivos produtores agrícolas, obrigatoriamente associados
contribuintes. Competia à Direção elaborar anualmente a relação dos procuradores natos,
da qual podiam reclamar os interessados ou terceiros. O número era fixado nos estatutos,
até um limite de quarenta, cabendo a cada freguesia ou grupo de freguesias um número
proporcional ao dos respetivos produtores, sendo a escolha realizada em reunião dos
produtores de cada freguesia escolhidos por acordo da maioria dos presentes ou por
escrutínio secreto, se assim fosse deliberado29.
De acordo com a legislação (Decreto n.º 29.494), competia à Direção de cada
grémio, entre outras funções30, a elaboração e apresentação, ao Conselho Geral, dos
orçamentos, relatórios e contas de gerência31. Por sua vez, cabia ao Conselho Geral: a
discussão e votação desses documentos; indicar a necessidade de constituir, extinguir, ou
25 Os fundadores não poderiam ser assalariados, sendo numerosos os pequenos produtores abrangidos por
esta disposição. 26 Todos os produtores agrícolas que nos termos do Decreto n.º 29.494, teriam de pagar ao Grémio uma
quota mensal estabelecida nos respetivos estatutos. 27 Manuel LUCENA: A Evolução do Sistema..., p.289. 28 Artigo n.º 25 do Decreto n.º 29.494, de 22 de março de 1939. 29 Artigo n.º 31 do Decreto n.º 29.494, de 22 de março de 1939. 30 Das funções da Direção constavam-se: representar o grémio; organizar os serviços, contratar e assalariar
o pessoal indispensável à sua execução; elaborar anualmente os orçamentos, relatórios e contas de gerência
e apresenta-los ao Conselho Geral; arrecadar as receitas e efetuar as despesas; executar e fazer cumprir as
disposições legais, regulamentares, estatutárias ou emanadas por organismos corporativos de grau superior;
nomear os representantes dos Grémios nas corporações; propor a criação das Casas da Lavoura; assinar
contratos e acordos coletivos de trabalho; representar os agremiados nas negociações; praticar os atos e
efetuar os contratos previstos na lei – Artigo n.º 29 do Decreto n.º 29.494. 31 Artigo n.º 29 do Decreto n.º 29.494, de 22 de março de 1939.
remodelar serviços, e prenunciar sobre os que estivessem em funções; a deliberação sobre
questões de interesse coletivo dos agremiados; fiscalizar os atos da Direção e apreciar as
reclamações apresentadas que iam contra as suas decisões; decidir a aplicação de sanções;
e eleger o presidente, vice-presidente e secretário32.
Os relatórios estavam divididos em três grandes secções: a primeira correspondia a
um balanço geral do panorama financeiro e cultural do próprio organismo; em seguida
eram descritas as atividades, os problemas e as soluções encontradas por estes grémios
para os contratempos ocorridos durante a sua gerência, acompanhados em alguns casos
pelo relatório dos Serviços Técnico-Agrícolas; por último, eram apresentados os valores
correspondentes ao desenvolvimento da sua vida financeira, especificando as suas
receitas e despesas no decorrer do ano em exercício.
Vejamos o que foi na prática a vida associativa, as decisões, impulsos, crescimentos
e quebras destes organismos, enquadrados com as medidas das políticas agrárias
introduzidas durante o período em análise.
Aparentemente, todos os relatórios do ano 1940/1941 davam votos de louvor ao
Governo pela iniciativa da organização corporativa da lavoura, demonstrando a ânsia em
estar orientados, embora houvesse a consciência de que o tempo seria longo até se
atingirem os objetivos desejados:
“[…] resolveu o Governo da Nação prestar auxílio à Lavoura, instituindo para
esse fim os Grémios da Lavoura, [...] único capaz de submeter a Agricultura,
a todas as modificações resultantes de uma Agricultura disciplinada,
adiantada e nova, chegando assim, a um grau de perfeição, que possa
solucionar, embora lenta, mas progressivamente, as causas atrofiantes da falta
de produtividade dos nossos solos aráveis”33.
Mas previam-se contratempos que retardavam os objetivos que estes organismos
tinham idealizado, disso eram exemplo as linhas finais do relatório do Grémio da Lavoura
de Barcelos: “[…] a nossa consciência diz-nos que fizemos tanto quanto possível dentro
do organismo em início, a cada passo despertado por circulares e ordens que procuramos
32 Artigo n.º 32, do Decreto n.º 29.494, de 22 de março de 1939. 33 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Celorico e Mondim de Basto, Arquivo Histórico
da Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do
Trabalho – ACT], 1940.
metodizar e ordenar, mas que vinham retardar a marcha que nós julgávamos seguir no
ritmo próprio”34.
Ainda no mesmo ano, é curiosa a expressão encontrada no Relatório do Grémio da
Lavoura de Braga: “[…] ao menos de agora em diante, em que o Governo de Salazar
olhou para nós, se fique a saber que a lavoura não é qualquer coisa que impressiona a
pituitária, mas é a mais nobre de entre as mais nobres profissões, porque sem ela não há
vida, e não há preço que pague a vida”35. Uma corroboração exacerbada da importância
que deveria ser dada à lavoura, confirmando, por outro lado, a hesitação do Governo na
sua organização.
Pese embora nem todos os associados expressassem a mesma satisfação, como é
visível nos relatórios dos Grémios da Lavoura de Barcelos e de Vila Nova de Famalicão:
“[…] com certeza, apenas meia dúzia poderá discordar, uns por ignorância e outros pelo
espírito rotineiro, não compreendendo que a única salvação da lavoura está na sua
organização[…]”36; ou mesmo “[…] é licito esperar que a desconfiança e incompreensão
cedam em breve o lugar à adopção dos métodos de cultura e emprego de maquinismos
agrícolas por que vimos persistentemente pugnando […]”37.
Resumidamente, o “Bem servir a Lavoura e o Bem servir a Nação” eram
sublinhados constantemente nestes primeiros relatórios. E outra coisa não seria de
esperar, já que eram os grandes proprietários que estavam na Direção destes organismos,
e seria de crer que as suas conquistas visassem a satisfação dos seus interesses. Pelo
menos assim o idealizavam, ainda que na prática, nem sempre esse desiderato se tenha
confirmado.
A conjuntura internacional da época, marcada pelo conflito que então grassava,
refletiu-se na economia portuguesa e nas políticas produtivas: em face da menor produção
de carnes, grémios há que aconselham os seus associados a concentrar-se no cultivo dos
legumes secos (como o feijão ou a fava), substitutos para a proteína animal em escassez;
34 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Barcelos, Arquivo Histórico da Delegação do
Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT],
1940. 35 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Braga, Arquivo Histórico da Delegação do
Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT],
1940. 36 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Barcelos, Arquivo Histórico da Delegação do
Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT],
1940. 37 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Vila Nova de Famalicão, Arquivo Histórico da
Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do
Trabalho – ACT], 1940.
ao passo que outros se lamentam pela escassez de produtos essenciais à lavoura, como o
sulfato de cobre.
Neste período, uma das prioridades dos grémios era a criação de uma polícia rural,
com o objetivo de patrulhar os terrenos agrícolas, vigiando-os de dia e sobretudo de noite,
deixando antever problemas de segurança das populações rurais que, claramente,
mereciam a atenção destes organismos. Entre os grémios do distrito, aqueles que mais se
manifestavam a favor dessa medida estavam os grémios de Braga e Fafe, apesar da
questão ter vindo a ser debatida em reuniões conjuntas dos grémios do distrito. O
problema estendia-se, pelo menos, ao distrito vizinho do Porto, tendo-se inclusive
realizado uma reunião de grémios de ambos os distritos em Felgueiras, onde a questão do
policiamento rural foi mais uma vez debatida. No entanto, não foi possível apurar o
resultado dessas pretensões.
Ainda dentro desta ótica, merece destaque a união dos Grémios de Guimarães,
Braga e Barcelos na procura em solucionar o problema da avalanche de multas de que
estavam a ser alvo os lavradores, devido à condução dos produtos nos carros de lavoura
para casa dos compradores. Na tentativa de conseguir uma resposta ao problema que
estava a originar “[...] uma fonte de graves dissabores para todos os agricultores do país
[...]”38, estes grémios, vão diretamente ao Sub-Secretário de Estado da Agricultura
interceder a favor dos mesmos. A resposta positiva veio sobre diploma de 14 de abril de
1941, através da publicação do Decreto-Lei n.º 31.173, estabelecendo-se os títulos de
isenção concedidos aos proprietários e rendeiros. Estava assim “[...] lançada a semente
para a reunião dos Grémios da Lavoura do Distrito em Federação, [que procurava
funcionar] eficientemente embora formada a título particular”39. É curioso vermos já o
interesse destes grémios em se federarem, com a pretensão de estarem presentes junto do
poder nacional. Mas sabermos que a resposta legislativa foi tardia, com uma espera de
dezasseis anos até que o Estado assumisse a necessidade da constituição deste organismo.
Mas seria nos moldes que estes grémios pretendiam?
Cada grémio tinha as suas particularidades em termos de atividades, soluções ou
motivações, e que seriam tratadas exclusivamente sobre o seu domínio interno, pelo
38 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Guimarães, Arquivo Histórico da Delegação do
Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT],
1940. 39 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Guimarães, Arquivo Histórico da Delegação do
Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT],
1940.
menos assim o tentavam fazer (como exemplos: problemas de fornecimento de produtos;
soluções para a plantação de vides; o cultivo do milho; a comercialização do leite; a
procura em aumentar a produção agrária através do emprego racional dos adubos
químicos, entre outros aspetos), e que tinham como objetivo a solução de determinados
problemas, proporcionando uma vida ativa ao organismo.
Neste período existe uma tentativa em instruir os associados, presentes nas
orientações que são espelhadas em diversos relatórios. Há uma constante procura em
estudar as distintas condições do meio agrícola, para que se possam orientar os trabalhos
a executar, mas em “[...] conformidade com as exigências dominantes [...]”40. Alguns
agremiados recorriam ao grémio como espaço de orientação e de aconselhamento, fosse
para os regulamentos, para as disposições legais que o Governo emitia, e que pouco se
preocuparia se os mesmos seriam compreendidos pelos principais interessados, ou até se
se aplicariam a todas as zonas agrícolas. Disso serve de exemplo o relatório do Grémio
da Lavoura de Barcelos aquando do Regulamento sobre a plantação de vides, “[...]
procura este Grémio obter melhor e mais racional ajustamento da legislação sobre plantio
às condições da região do Minho, a facilitar o que é dificultado e que não é adaptável ao
Minho”41. A teoria nem sempre corresponderia à prática.
Importa também transmitir algumas experiências culturais que estes organismos
promoveram ao longo deste período, nomeadamente, através dos Concursos Pecuários
realizados nos Grémios de Barcelos e Braga, e da promoção de cursos de especialização
técnica, com os Cursos de Vinificação, e de Podadores de Oliveiras promovidos pelo
Grémio de Celorico e Mondim de Basto (mas dirigidos pelo Diretor do Posto Agrário do
Distrito de Braga).
A construção das ligações e colaborações com outros organismos e serviços
públicos, iniciou-se neste período, através de relações com a Comissão Reguladora dos
Produtos Químicos e Farmacêuticos, aquando do problema da falta de sulfato; ou com a
Comissão de Viticultura na resolução da questão das despesas com a produção de vinho,
conclusões que foram apresentadas pelos grémios, através deste organismo, e que foram
aprovadas. Em colaboração com a Federação Nacional dos Produtores de Trigo foram
40 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Celorico e Mondim de Basto, Arquivo Histórico
da Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições
do Trabalho – ACT], 1940. 41 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Barcelos, Arquivo Histórico da Delegação do
Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT],
1940.
desenvolvidas diligências para o alargamento do prazo para o manifesto do centeio.
Assiste-se também à colaboração prestada às ações desencadeadas, no âmbito do
Ministério da Agricultura, pelas respetivas Direções-Gerais e as suas agências (estações
agrárias, brigadas técnicas, Posto Central do Fomento Apícola, o Posto Agrário, entre
outros).
Quando nos deparamos com o ano de 1947, os relatórios espelham uma nova
realidade, com o alargamento a outros organismos. Nomeadamente, com os postos
agrários, juntas, comissões reguladores e outros organismos congéneres.
Com o Posto Agrário de Braga, o Grémio da Lavoura de Barcelos explana a sua
visita mensal de modo a trocar impressões e orientações no estudo de alguns problemas
da lavoura regional; com o Posto Agrário do Porto na promoção do Curso de podadores
de árvores de fruto e videiras.
Realizaram-se diligências com a Junta Nacional das Frutas para o estudo do
escoamento da batata, de modo a diminuir o preço de venda e com a Junta de Colonização
Interna, na prestação de assistência financeira e técnica na execução dos melhoramentos
agrícolas na propriedade privada.
O Grémio de Lavoura de Barcelos colaborou ainda com o seu congénere de Vila
Nova de Famalicão e com a Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e
Farmacêuticos para a atribuição justa e equitativa aos revendedores da área do grémio
destes adubos. Para o problema do arame galvanizado a colaboração com a Comissão
Reguladora do Comércio de Metais, serviu para se conseguir a maior quantidade deste
material. Na fiscalização dos vinhos das áreas de produção dos grémios foram tomadas
medidas em ligação com a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes.
O Grémio da Lavoura de Braga dá-nos ainda conta da construção da organização
intermédia que vem tornar-se um interlocutor entre as petições locais e o poder central.
Enquanto que em 1940 assistimos a uma reunião entre os grémios e o Governo, em 1947,
assistimos a uma transmissão de informações a uma Comissão que por sua vez seria a
intermediária entre o poder local e o poder central, transmitindo as considerações que
estariam previstas.
Em contraponto, assistíamos a um ciclo financeiramente conturbado para alguns
destes organismos: o Grémio de Braga chegou mesmo a apresentar saldo negativo,
explicado pela desvalorização das mercadorias, e, apesar das máquinas não darem
prejuízo, “[...] o seu rendimento foi absorvido pelas reparações [...]”42. O Grémio de Fafe
apresentava também um saldo diminuto explicado no seio da conjuntura agrícola do
concelho, pela epidemia que vitimou os animais da raça bovina e a diminuição do
rendimento da exploração agrícola (baixa do preço da batata, gados e vinhos). Na mesma
corrente apresentava-se o Grémio de Famalicão, “[...] porque as receitas, na sua maior
parte, se encontravam já arrecadadas, e se mostravam, em contrapartida, por satisfazer
vultuosas despesas [...]”43.
Mais sintéticos, estes relatórios começam a apresentar uma síntese elaborada pela
Assistência Técnica, de modo a demonstrar as atividades desenvolvidas e as deliberações
tomadas sob orientação do Posto Agrário. Durante o exercício a que se refere este
relatório, vieram à sede do Grémio da Lavoura de Braga, duzentos e setenta e oito
consulentes, cujas consultas, muito embora não restritas a uma só matéria, versavam
principalmente: Agricultura Geral; Tecnologia agrícola; Arboricultura e viticultura;
Entomologia e patologia agrícolas; e Orientação Geral. Foi ainda requisitada, no mesmo
período, assistência técnica local a cento e quarenta e dois associados para serviços ou
consultas que incidiram principalmente sobre as mesmas matérias referidas
anteriormente. Predominaram quer nas visitas, quer nas consultas, assuntos de
Agricultura Geral, Patologia e Entomologia Agrícolas, na primeira as adubações e nesta
última a referência aos tratamentos. Marcos visíveis do que defendiam os agrónomos, na
primeira metade de 50, do acento da modernização da agricultura em três pilares:
alargamento das áreas regadas; reestruturação fundiária como meio de criação de
explorações agrícolas capazes de garantir uma eficiente utilização de maquinaria e da
mão-de-obra disponíveis; e, por fim, a assistência técnica para difusão das novas
tecnologias e não só 44.
A nível cultural, estes organismos continuaram a proporcionar aos seus associados
a realização dos Concursos Pecuários, nos Grémios da Lavoura de Barcelos e de Braga.
Neste último caso, e para estímulo do lavrador, tinham como objetivo, no ano seguinte, o
42 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Braga, Arquivo Histórico da Delegação do
Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT],
1947. 43 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Vila Nova de Famalicão, Arquivo Histórico da
Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do
Trabalho – ACT], 1947. 44 Dulce FREIRE: Portugal e a terra. Itinerários de modernização da agricultura na segunda metade do
século XX. Tese de doutoramento em História, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade
Nova de Lisboa, 2007, p. 564.
aumento do valor dos prémios a concurso. Em colaboração com a Estação Agrária do
Porto, o Grémio da Lavoura de Vila Nova de Famalicão, promoveu ainda a realização de
um Curso de Podadores de Árvores e fruto de videiras, numa preocupação em promover
a instrução aos seus associados, conforme previsto na legislação, mas que nem todos os
organismos cumpriam.
Continuava-se a assistir a uma procura, por parte dos grémios, no encontro de
soluções para os problemas que a lavoura se deparava, ou das decisões emanadas por grau
superior. Mas deixamos de assistir ao cuidado em expor as medidas que deveriam ser
tomadas para cultivo e para melhoramento da produção.
Nos anos 50 a agricultura tinha chegado ao limite da exploração extensiva do solo:
as zonas incultas tinham desaparecido e o espaço rural estava sobrepovoado. Passado o
ciclo da guerra os agrónomos, estimulados pelo que vinha a acontecer noutros países
europeus, começam a tornar mais percetível junto do governo as suas pretensões da
exploração extensiva do solo através da energia fóssil.45
Os relatórios do ano de 1957 lançavam a perspetiva da chegada de melhores tempos
para a Lavoura, a partir de um conjunto de legislação46 que viria a reforçar a organização
corporativa, estabelecer uma harmonia entre o capital e o trabalho, e a reorganizar o
ensino elementar agrícola. Dando assim numerosos sinais de dinamização do movimento
Federativo – reuniões plenárias de representantes dos Grémios, publicação de boletins e
jornais.
«A Mensagem dos Campos» foi o título da revista que promoveu a constituição da
Federação de Agricultores de Entre Douro e Minho, criada em 1954, um ano após uma
iniciativa semelhante, a «Pela Terra», um boletim que promoveu os interesses da
Federação da Beira Litoral47. A assinatura de uma reorganização da Lavoura que já estava
em grande expectativa em ser alcançada, “[...] a consecução daquele equilíbrio por que
45 Dulce FREIRE: Portugal e a terra..., p. 328. 46 Nomeadamente: o Decreto-Lei n.º 41.286- regula a constituição, atribuições e funcionamentos das
Federações das Casas do Povo; Decreto n.º 41.287 - institui a Corporação da Lavoura; Decreto-Lei n.º
41.380 - reorganiza os serviços da Direção Geral dos Serviços Pecuários; Decreto-Lei n.º 41.381 - institui
no Ensino Profissional Agrícola os Cursos de Complementares de Aprendizagem, Elementar de
Aperfeiçoamentos, e Formação Profissional; Decreto-Lei n.º 41.382 - promulga o Regulamento das Escolas
Práticas de Agricultura; Decreto-Lei n.º 41.473 - promulga o regime para a intensificação da Assistência
Técnica à Lavoura – restabelece o Conselho Superior de Agricultura e revoga o § 2.º do Art.º 12.º e o Art.º
31.º e seu § Único do Decreto-Lei n.º 35.422. 47 Manuel LUCENA: “Sobre as federações de grémios da lavoura (breve resumo sobre o que fizeram e
deixaram de fazer)”, Análise Social, n.º 64, (1980), p. 720-721;
vinha ansiando e prometendo [...]”48. O governo formalizaria a criação dessas Federações,
em 1956, um fator que se traduziria numa política de captação de fundos estaduais
voltados para a modernização tecnológica e sanitária da pecuária e a compra coordenada
de fatores de produção (sementes, equipamentos agrícolas e pecuários, especialmente os
relacionados com a produção de leite), sintoma da coordenação e defesa dos interesses
agrícolas nas estruturas governamentais centrais.
A exemplo disso temos o Grémio da Lavoura de Barcelos. Dando conta como tinha
sido árduo o trabalho de cooperação dentro da Organização Leiteira dos Grémios da
Lavoura de Entre Minho e Cávado (SOLEITE), tendo o Diretor da mesma despendido
extraordinário esforço, tomando intransigentes posições de defesa dos interesses da
produção (ainda que não estivesse finalizada a rede de postos dentro da área do conselho,
expectando-se que no ano seguinte o objetivo estaria ultimado).
A mesma ansiedade era partilhada pelo Grémio da Lavoura de Braga que também
aguardava a aprovação superior da rede de postos de recolha de leite. Braga ansiava
também pelo funcionamento da Adega Cooperativa de Entre-Braga e Cávado que estaria
em adiantado estado de construção, sinal do programa idealizado pelo Governo, através
do Ministério da Economia, quando entre 1953 e 1955 lançou a Promoção de Adegas
Cooperativas.
Para beneficio dos seus agremiados, e apoiado pela Junta Nacional dos Produtos
Pecuários, o Grémio da Lavoura de Celorico e Mondim de Basto instalou um posto
reprodutor da raça turina, em colaboração com um dos seus associados. Já o Grémio da
Lavoura de Vila Nova de Famalicão tinha como pretensão, em estrita colaboração com a
Estação Agrária do Porto, a construção de silos e nitreiras.
À semelhança do que já era habitual, os Grémios de Barcelos e Celorico
promoveram, a nível cultural, os Concursos Pecuários, e para enriquecimento da mão-de-
obra e sua especialização, os Grémios de Vila Nova de Famalicão e de Guimarães,
promoveram também, um Curso de Podadores (tendo o Grémio de Famalicão
acrescentando mais dois cursos de habilitação das práticas fitossanitárias).
Importa ainda traçar breves considerações sobre a terceira parte dos relatórios, a
qual diz respeito às receitas e despesas decorrentes da atividade destes organismos. A
legislação previa como receitas: as quotas dos agremiados; comissões, percentagens ou
48 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Vila Nova de Famalicão, Arquivo Histórico da
Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do
Trabalho – ACT], 1957.
taxas provenientes; e outros rendimentos, procedentes de lucros de serviços explorados
em benefício comum dos associados; rendimentos de serviços de interesse público; e o
produto de multas e apreensões e subsídios49, e assim se especificava nos respetivos
relatórios. As quotas seriam o critério com valores mais elevados e distribuíam-se com
tendência crescente pelos períodos traçados. O Grémio de Celorico e Mondim de Basto
apresentava os valores mais elevados neste ponto, sucedido pelos Grémios de Barcelos,
Braga, Fafe e Guimarães (apenas no ano de 1957), apresentando valores a rondar os
100.000$00 anuais. Com saldo inferior restava o Grémio de Vila Nova de Famalicão,
com cerca de 80.000$00/ano. As diferenças podem ser entendidas por duas ordens de
ideias: por um lado pelo número de sócios inscritos; e por outro, pela variação dos valores
de quotas pagos entre os vários grémios.
Quanto às despesas estas resultavam: da gratificação fixa dada ao Presidente e
Tesoureiro; do pagamento ao Pessoal contratado (Regente Agrícola, ou Empregados de
Escritório); de renumerações acidentais; outras despesas com o pessoal (suplementos e
subsídios de 30 % dos empregados); de material de consumo corrente (expediente de
Secretaria); das despesas de comunicação (correios, telefones e transportes); das rendas
da Casa (rendas dos Escritórios da Sede, ou Armazéns); das despesas de higiene, saúde e
conforto (luz, água, lenha, carvão, entre outros); das despesas de publicidade e
propaganda (publicações de relatórios, anúncios e programas de propaganda); dos
subsídios (Concursos Pecuários e Casas do Povo); dos encargos administrativos (prémio
de cheque, descontos aos Organismos Corporativos); das outras despesas (Encarregado
da Escrita, Advogados, Notários, entre outros) e conservação e aproveitamento de matéria
(reparações no mobiliário e diversos). Em termos de despesas, apresentavam valores mais
elevados os Grémios da Lavoura de Barcelos, Braga e Guimarães, atingindo, no ano de
1957, valores superiores a 200.000$00. Nos restantes Grémios o valor da despesa variava
entre os 120.000$00 e os 180.000$00, de acordo com os gastos envolventes da sua
atividade.
Linhas Finais
Poderíamos continuar a enumerar as práticas desenvolvidas e debatidas por estes
Grémios, mas importa também observá-las com recurso a outras fontes, e importa, ao
mesmo tempo, acompanhar o crescimento das relações com os outros organismos e o
Estado. E se na década de 1940 assistíamos a um contacto mais direto com o Estado, a
49 Artigo 37.º do Decreto n.º 29.494, de 22 de março de 1939.
partir de 1947 são identificados um conjunto de organismos que vêm como que
intermediar esse contacto, dando a impressão de que o Estado estava simplesmente a
descurar a agricultura.
A organização corporativa da lavoura lançada em 1933 começa pela base (Casas do
Povo) onde os alicerces são mais frágeis, e onde o controlo deveria começar de imediato.
Assim entendia o Governo, mas desta visão não partilhavam os trabalhadores rurais, que
encaravam estes organismos como mais um imposto e uma forma de controlo.
Os Grémios da Lavoura, por sua vez, promoviam a atividade agrícola dos
associados, sobretudo através da intermediação na aquisição coletiva de inputs
(fertilizantes, sementes, fitossanitários, alfaias, entre outros) e nos contactos com
instituições de crédito ou seguros, contribuindo ainda para facilitar a colocação dos
produtos agrícolas nos mercados. Sob direção dos grandes proprietários acabavam por
procurar solucionar os problemas que a Lavoura atravessava, embora nem sempre o
Estado tomasse as medidas mais adequadas em relação a cada região, descurando o Norte
do país. As politicas agrícolas que atravessaram o período em estudo refletiram-se nos
relatórios expostos, algumas vezes com respostas e soluções, noutras apenas com um
levantamento e exploração mais precisa se conseguirão identificar as suas repercussões.
Deixo então este artigo em aberto e tomarei como próximas etapas, o que já nos lançava
nas entrelinhas, o Grémio da Lavoura de Braga: “[...] é preciso não esquecer que a terra
é uma dama caprichosa exigindo que dia a dia, hora a hora a tratemos com todo o cuidado,
com toda a atenção, como todo o carinho; do contrário amua; não dá”50. Falta ainda
perceber quando essa “terra” amua, o cruzamento de fontes que permitirá ler nas
entrelinhas.
Referências Bibliográficas:
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Dulce FREIRE: Portugal e a terra. Itinerários de modernização da agricultura na
segunda metade do século XX, Tese de doutoramento em História, Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2007.
50 Relatório Balanço e Contas do Grémio da Lavoura de Braga, Arquivo Histórico da Delegação do
Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Braga [Autoridade para as Condições do Trabalho –
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