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OS MAGOS EM TRÊS TEMPOS: A CONSTRUÇÃO DA IDEIA DE
REIS MAGOS
Jacqueline Rodrigues Antonio (UTFPR)
A minha pesquisa baseia-se em analisar as representações da passagem bíblica de
Mateus 2, 1-12, em três períodos: na antiguidade, dentro do próprio texto canônico de
origem; entre a Idade Antiga e Medieval por meio de uma representação imagética, um
mosaico em Santo Apolinário, o novo e na Baixa Idade Média através de uma literatura
confeccionada na época O livro dos Reis, de João de Hildesheim. Para este estudo foi
necessário compreender como os Magos foram tornando-se reis, como representada nas
imagens e textos produzidos nos séculos XIII e XIV, período que denota o
fortalecimento do poder monárquico, sendo que, tanto na literatura que originou esta
narrativa, como nas representações imagéticas anteriores ao século X, os mostram como
simples Magos, e até ligados ao místico. Um dos objetivos é perceber a importância dos
eventos próximos ao século X que contribuíram para esta transformação nas
representações dos Magos. Outro objetivo é evidenciar a permanência da atribuição de
Reis aos Magos mateano. Portanto, a pesquisa analisando a construção da ideia de Reis
Magos, traz temas e assuntos além da teologia e relevantes ao campo historiográfico,
em especial, ligada as questões da cultura e do poder da Baixa Idade Média.
Palavras-chave: Magos – Representações – Poder
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OS MAGOS EM TRÊS TEMPOS: A CONSTRUÇÃO DA IDEIA DE
REIS MAGOS
Jacqueline Rodrigues Antonio (UTFPR)
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por base o texto canônico de Mateus 2, 1-12 e a
análise de seus desdobramentos durante os primeiros séculos do cristianismo até o
Baixo Medievo. Para tanto foi necessário investigar os aspectos teológicos, da história
da arte, da literatura e históricos para visualizar o processo de modificação ocorrida
nessas personagens. Dessa maneira, na busca pelo imaginário que foi construído durante
a Idade Média e constituído em seu período final, há diversas fontes que conduzem a
compreensão de tal representação. Porém para que se possa traçar esta trajetória do
imaginário das representações religiosas, faz necessário, o uso de uma variedade de
fontes, aqui neste estudo são imagens e textos escritos, pois assim é possível abalizar as
semelhanças e as diferenças e constatar as intervenções que moldaram o imaginário.
Algumas personalidades ao longo da história tiveram diversas versões, pois
suas memórias foram se modificando com o tempo. Isso aconteceu com os Magos, que a
principio, na história do cristianismo eram vistos apenas como estrangeiros que foram adorar a
Jesus Menino, seguindo a tradição canônica do Evangelho de Mateus e de alguns apócrifos,
como o Protoevangelho de Santiago, Evangelho do Pseudo Mateus e Evangelho Árabe da
Infância. Posteriormente percebe que de simples Magos, passaram a ser Reis Magos, e com a
transladação das supostas relíquias destes homens para a Catedral de Colônia, ficaram
conhecidos como santos. Essas mudanças estilísticas acompanha a mudança de mentalidade da
sociedade medieval, sendo necessário para a análise um estudo interdisciplinar.
Essa transformação dos Magos foi artística, social e política, uma vez
que essa mudança, ora acompanhava o ritmo da sociedade do baixo medievo, ora a
influenciava. Na dinastia Otoniana (919-1024) é visualizada a emergência de exaltar a
representação política sobre o um modelo teológico. A adoração, que eram dos Magos
começa a ser retratada, nas imagens e na literatura, como os Reis Magos. Por essa
associação dos Magos com os reis bárbaros, posteriormente cristianizados, se constitui
em mais um elemento para a construção do poder divino dos reis.
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Apesar da importância do culto aos Magos no universo religioso
cristão, poucos são os estudos realizados por historiadores sobre estas personagens, em
especial quando se refere à intencionalidade das produções artísticas e literárias.
Percebe-se que este assunto, por muitos decênios, pertenceu ao campo das lendas
cristãs, livretos devocionais, livros sobre a vida dos santos ou nas cantigas de folia de
reis e também por teólogos em referência ao nascimento de Jesus e reduzidos a somente
difundir a devoção sobre tais personagens.
Recentemente este tema tem despertado a atenção de historiadores, em
especial pela folia de reis. Os estudos sobre os Magos tem enfoque no recurso
imagético, dadas às formas de expressão devocional e da comunicação no universo do
período medieval ser fundamentalmente visuais.
Para a análise dos três tempos citados no título, que seriam a
Antiguidade Tardia, Ata Idade Média e Baixa Idade Média, foi utilizadas como fonte
imagética uma pintura na catacumba de Santa Priscilla, em Roma, no século III, que
retrata três Magos com Maria e Jesus, um mosaico na Igreja de Santo Apolinário, o
novo, em Ravena, do século VI, que mostra três Magos com nomes e um afresco do
Giotto di Bondone, na Capela Arena, em Pádua, confeccionado no século XIV, do qual
apresenta os Magos como reis e santos. Já como fonte escrita foi selecionada uma que
mostra a questão dos Magos enquanto reis, O Livro dos Reis, escrito por João de
Hildesheim, durante o papado de Avinhão, que evidencia a origem real dos magos e sua
relação com os nobres medievais.
OS MAGOS NA ANTIGUIDADE
Na antiguidade, a primeira análise a ser feita é na literatura que deu
origem a história. Assim nota-se que sua história tive várias visões na sociedade durante
os séculos, e tais memórias foram se modificando com o tempo, que a principio, na
história do cristianismo eram vistos apenas como estrangeiros que foram adorar a Jesus
menino, seguindo a tradição bíblica do Evangelho de Mateus e de alguns apócrifos,
como o Protoevangelho de Santiago, Evangelho do Pseudo Mateus e Evangelho Árabe
da Infância. Posteriormente vemos que de simples Magos, passaram a ser Reis Magos, e
com a transladação das supostas relíquias destes homens para a Catedral de Colônia,
ficaram conhecidos como santos. Também analisamos as hipóteses sobre essas figuras
emblemáticas para a história do cristianismo.
Num ponto de vista teológico, os Magos representam os gentios que
aderem à fé a Cristo mesmo sem saber sobre as profecias que predizem a vinda do
Messias. Estes gentios aderem a fé cristã após a ressurreição de Jesus, pois, todos os
escritos sobre o Messias foram produzidos posteriormente à sua Paixão. A
contraposição aos Magos, na literatura cristã, é Herodes, que mesmo conhecendo as
Escrituras e as profecias sobre o Messias, trama contra a vida do Cristo, enquanto os
Magos que não tiveram esse conhecimento prestaram homenagens ao rei dos judeus.
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Em outras palavras, os Magos representam o mundo que vem adorar o Filho de Deus
(BROWN, 2005).
O Evangelho de Mateus foi escrito provavelmente entre os anos de 80
e 90 da era cristã, sendo o segundo evangelho canônico a ser escrito. O texto desse
Evangelho é de uma comunidade de judeus que se tornaram cristãos e o trecho dos
magos em Mateus, vem mostrar o universalismo da mensagem cristã. Este evangelista é
o único, dentre os demais evangelistas canônicos, que tem no seu corpo textual a
narração acerca dos Magos, que decorre da seguinte forma:
Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que
vieram magos do Oriente a Jerusalém, perguntando: “Onde está o rei dos
judeus recém-nascido? Com efeito, vimos sua estrela no seu surgir e viemos
homenageá-lo”. Ouvindo isso, o rei Herodes ficou alarmado e com ele toda
Jerusalém. E, convocando todos os chefes dos sacerdotes e os escribas do
povo, procurou saber deles onde havia de nascer o Cristo. Eles
responderam: “Em Belém da Judéia, pois é isto que foi escrito pelo profeta:
E tu Belém, terra de Judá, de modo algum és menor entre os clãs de Judá,
pois de ti sairá um chefe que apascentará Israel, o meu povo”. Então
Herodes mandou chamar secretamente os magos e procurou certificar-se
com eles a respeito do tempo em que a estrela tinha aparecido. E, enviando-
os a Belém, disse-lhes: “Ide e procurai obter informações exatas a respeito
do menino e, ao encontrá-lo, avisai-me, para que também eu vá homenageá-
lo”. A essas palavras do rei, eles partiram. E eis que a estrela que eles
tinham visto no céu surgir ia a frente deles até que parou sobre o lugar onde
se encontrava o menino. Eles, revendo a estrela, alegraram-se imensamente.
Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o
homenagearam. Em seguida, abriram seus cofres e ofereceram-lhe
presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonho que não voltassem a
Herodes, regressaram por outro caminho para a sua região. (Mateus 2, 1-
12)
Nessa narração temos o princípio da participação dos Magos na
história do cristianismo. Sua participação começa com eles seguindo uma estrela e
perguntando ao rei Herodes onde nasceu o rei dos judeus. Temos também dados sobre a
origem dos mesmos, quando cita que vieram do Oriente e os presentes por eles trazidos,
que são ouro, incenso e mirra. A participação encerra quando são avisados em sonho
para não retornar a Herodes e voltam para a sua região por outro caminho.
Em textos apócrifos também temos narrações sobre os Magos. O
Protoevangelho de Santiago, o Evangelho Árabe da Infância e o Evangelho do Pseudo
Mateus, são exemplos dessas narrativas.
O Protoevangelho de Santiago foi escrito provavelmente entre o
século II e o século V, sendo mais utilizado pelas igrejas gregas e também por artistas
gregos e bizantinos (CARTER, 2003). O texto sobre os Magos, neste apócrifo, discorre
da seguinte maneira:
Dispunha-se já José a voltar para a Judéia quando se produziu um grande
tumulto em Belém da Judéia, uns magos chegaram dizendo: “Onde está o rei
dos judeus que acaba de nascer? Porque vimos uma estrela no Oriente e
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viemos adorá-lo.” E Herodes, ao ouvir isso, inquieu-se e enviou seus
escravos aos magos; e fez vir os príncipes e os sacerdotes e lhes perguntou:
“Que é o está escrito à respeito de Cristo? Aonde tem que nascer?” Eles
responderam: “Em Belém da Judéia, pois assim está escrito.” E Herodes os
fez sair. Então fez chamar os magos e lhes perguntou: “que sinal viste sobre
o nascimento desse novo rei?” E os magos responderam: “Vimos uma
estrela muito brilhante, e de um resplendor tão grande que empana o brilho
do resto dos outras estrelas, deixando-as visíveis. E assim ficamos sabendo
que um rei de Israel tinha nascido e viemos adorá-lo.” E Herodes lhes disse:
“Ide e o trazei, e se o encontrais fazei-me saber para eu também possa
adorá-lo.” E os magos se foram. E a estrela, que tinham visto no Oriente,
precedeu-os até que chegaram na gruta, e a estrela pairou acima da gruta. E
os magos viram o menino com a sua mãe Maria e tiraram os seus presentes,
ouro, incenso e mirra. E prevenidos pelo anjo de que não entrassem na
Judéia, voltaram , ao seu país por outro caminho. (Protoevangelho de
Santiago XXI, 1-4 apud CARTER, 2003, p. 22)
Notamos que, em comparação com o texto mateano, há muitas
semelhanças. O seu início procede da mesma maneira, com os Magos chegando e
perguntando pelo rei dos judeus. Temos os mesmos dados, sem novidades sobre tais e
do mesmo modo termina com os Magos partirem por outro caminho.
Já na arte, tem uma pintura na Catacumba de Santa Priscilla, em
Roma, no século III, que revela uma quantidade especifica de Magos, pois nas leitura
primeiras não citam número definido, e nesta imagem mostram como três, assim como
se perpetuou.
Figura 1 – Três Magos (com Maria e Jesus), Catacumba de Santa Priscilla.
Fonte: (HILDESHEIM, 2004, p. 1)
Com esta imagem observamos que desde os primórdios do
cristianismo já havia a tradição dos magos serem três, o que denota a associação da
quantidade de presentes citadas no evangelho canônico de Mateus, com o número que
seria de Magos. A constatação disso está em cada um carregar um presente, estando
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com os braços estendidos, um gesto de entrega. Nesta cena também vemos Maria
sentada com o menino Jesus nos seus braços, sendo estes o destino dos presentes.
OS MAGOS NA PASSAGEM DA ANTIGUIDADE PARA O MEDIEVO
A partir deste período tem várias imagens que retratam os Magos e
revelaram outros aspectos sobre eles, o que denota que a sociedade buscava conhecer
mais sobre eles. Assim as imagens mostram isto. Há vários outros ícones23 que
retratam os Magos. Um exemplo é o mosaico de Santo Apolinario, o Novo, em Ravena.
Este é datado do século VI e já consta os nomes pelo os quais os Magos ficaram
conhecidos: Baltazar, Belchior (ou Melchior) e Gaspar.
Figura 2 – Adoração dos Magos, Santo Apolinário, o Novo.
Fonte: (HILDESHEIM, 2004, p. 74)
Neste mosaico percebemos que os Magos estão trajando roupas
exóticas, muito coloridas e tem em suas cabeças gorros. Os recipientes que se
encontram cada presente são bem ornamentados, ao fundo há uma paisagem cheia de
cores e, ao alto, vemos a estrela da qual eles estão seguindo. Também é posto que cada
Mago tenha uma idade diferente, sendo o mais idoso o Gaspar, o mais jovem Melchior e
na idade adulta, Baltazar.
Outro dado sobre esta cultura acerca dos Magos é começar a
referenciá-los como reis. Os Magos como Reis, indicados pelo uso de coroas, são
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próprios do reinado de Otto II, imperador do Sacro Império Romano, próximo ao século
IX. Coroas passaram a ser adotadas para retratar os Magos a partir do reinado de Otto II
com seu Sacro Império Romano. A cena da adoração dos Reis Magos foi propícia para
elevar o seu poder. O pintor de Pericopes de Egbert ilustra a cena com Magos-Reis, com
suas coroas de aro de ferro, que se prostram diante da sagrada família, que estão de
frente do seu “estábulo”, que tem a arquitetura de uma pequena igreja, e humildemente
entregam suas oferendas (RUSSO, 1996).
Figura 3 – Os Magos diante de Herodes, Basílica de São Marcos.
Fonte: (HILDESHEIM, 2004, p. 59)
Notamos na imagem acima há a necessidade de evidenciar a realeza,
tanto nos Magos como em Herodes. As coroas de ambos são enormes, o que reforça
essa ideia de reis. Esta evidência à realeza também é vista nas obras de Giotto, no século
XIV.
OS MAGOS NO BAIXO MEDIEVO
Neste período os Magos já se consolidava como Reis e sempre sendo
referenciado somente assim, sem citar sua ligação com a magia. Aqui é evidenciado a
ligação com a sacralidade e colocam eles lado a lado com a realeza medieval e
justificando posses de terras a esta aproximação.
A próxima cena é “Adoração dos Magos” de Giotto di Bondone, os
Magos são retratados como Reis, representados com coroa, como vemos abaixo.
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Figura 4: Adoração dos Magos, Giotto, Capela Arena.
Fonte: http://www.mystudios.com/gallery/giotto/17a.html Acessado em: 31 jan. 2010.
Essa cena se aproxima à descrição de Mateus feita a respeito dos
Magos. Ao observar este afresco, há figuras humanas e animais exóticos para a região
em que o pintor viveu, tendo como centro dessa imagem um bebê que é segurado por
uma figura feminina. Há também figuras aladas que participam ativamente da cena.
Temos três personagens que trazem presentes ao recém-nascido. O cenário compõe-se
de um solo montanhoso, há ao fundo um astro, ou estrela, com cauda luminosa que
parece estar tocando uma montanha que está atrás dos personagens, e também há um
abrigo de madeira que acolhe as personagens centrais.
Ao analisar junto com a leitura do Livro dos Magos, nota-se que essa
imagem estava presente no imaginário medieval e influenciou o João de Hildesheim.
Dessa maneira o Monge Carmelita João de Hildesheim, no século
XIV, mostra uma necessidade de ter uma história dos Magos mateanos e ligar os Magos
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à uma linhagem real com a realeza da Baixa Idade Média. Trecho abaixo evidência esta
questão:
Assim dispostas e ordenadas as coisas, os Três Reis deram e atribuíram
perpetuamente terras e ilhas e alguns príncipes de sangue real, seus
familiares, com a condição de estes usarem, para eterna memória, o nome de
Vaus. E esta estirpe é a mais poderosa que jamais existiu na Índia e no
Oriente até aos nossos dias. Esta família, como nos referimos, construiu um
castelo em Acre, e muitos outros príncipes que dela descenderam tomaram,
devido à sua nobreza, mulheres de várias regiões. E no ano do Senhor de
1351, alguns príncipes valorosos, seus descendentes, exerceram ainda o
cargo de embaixadores junto da Cúria romana. (HILDESHEIM, 2004,
p.141-144)
Este documento também mostra mais um pouco sobre as relíquias
atribuídas aos Magos, narrando tempos mais antigos. Cita que a princípio os Magos
foram enterrados num mesmo lugar, e que depois de conflitos e o esquecimento da sua
devoção, foram transladados cada um para sua terra. Após, apresenta Helena, a mãe de
Constantino, expondo-a como uma pessoa muito piedosa, tendo ido procurar os corpos
dos Magos, e que, ao reuni-los, levou-os para Constantinopla, e depositou-os na Igreja
de Santa Sofia. Depois, ao ficar sobre domínio da Igreja Ortodoxa e os milaneses os
transladaram para sua cidade. Após 1144, Milão quando se rebelou contra o imperador
Frederico I, o arcebispo Reinaldo levou as relíquias para Colônia, os depositando na
igreja de São Pedro. Vemos no mapa abaixo a distância percorrida pelas supostas
relíquias dos Magos, de Milão, no norte da Itália, até Colônia, ao norte da Alemanha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi visto, no imaginário geralmente os Magos são mostrados
como três, porém a sua representação mudou no decorrer da Idade Média. Como
motivos pode-se identificar a encomenda (LE GOFF, 1989), dessa maneira é
visualizada a intenção de quem encomendou as obras, que no caso é criar uma áurea de
santidade e realeza aos Magos mateano.
No entanto a fixação do imaginário acerca dos Magos não se produziu
somente com as representações visuais, mas também através de uma tradição que foi
ganhando corpo e se fortalecendo pelas as tradições, que são narradas em obras como a
Legenda Aurea, de Jacopo de Varezze.
Nesta obra é verificada por sua narrativa que a santificação dada aos
Magos ocorreu durante os séculos VI-XII, através de longas peregrinações motivadas
pelo culto das supostas relíquias atribuídas aos Magos, até sua chegada à Colônia, norte
da Alemanha. Em meados do século XIII, Varazze expõe o seguinte sobre este culto:
Seus corpos repousavam em Milão, numa igreja que é agora da Ordem dos
Irmãos Pregadores, mas foram depois levados a Colônia. Anteriormente
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esses corpos tinham sido trasladados para Constantinopla por Helena, mãe
de Constantino, depois foram transferidos para Milão pelo santo bispo
Eutórgio, por fim o imperador Henrique transportou-os de Milão para
Colônia, às margens do Reno, onde são objeto da devoção e da reverência
do povo. (2006, p. 156)
Na edição de 2006 do livro Legenda Áurea, Franco Júnior, abre uma
nota para esclarecer alguns pontos sobre o que foi exposto por Varazze:
Escrevendo cerca de cem anos depois desses fatos, Jacopo engana-se quanto
a sua cronologia. Na verdade as relíquias dos Reis Magos foram transferidas
de Milão para Colônia pelo arcebispo Reinaldo de Dassel, chanceler do
imperador Frederico Barba Ruiva, em junho e julho de 1164, provavelmente
como punição pela insubordinação daquela cidade italiana ao poder
imperial. (2006, p. 156)
A nota demonstra que Varazze escreveu diante da oralidade acerca da
devoção. Em Colônia, as relíquias estão coroadas, afirmando mais uma vez de maneira
visual a realeza de tais personagens.
Portanto, com estas fontes, imagéticas e escritas, é possível perceber
nas representações dos Magos-Reis uma intencionalidade de formar um imaginário
acerca desses personagens, seja o sacralizando, seja os relacionando com os “poderosos
da terra”.
REFERÊNCIAS
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte italiana: de Giotto a Leonardo. v.2. São Paulo: Cosac
& Naify, 2003.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
IMPELLUSO, Lucia. Metropolitan: Museum of Art Nova York. São Paulo: Folha de São
Paulo, 2009.
HILDESHEIM, João de. O livro dos Magos. Milão: Lucerna, 2004.
LE GOFF, Jacques. (sob direção de). O Homem Medieval. Lisboa: Presença, 1989.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2011.
RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.
RUSSO, Daniel. Les représentations mariales dans l’art d’Occident Essai sur la formation d’une
tradition iconographique. In: IOGNA-PRAT, Dominique; PALAZZO, Éric; RUSSO, Daniel.
Marie: le culte de la vierge dans la sociétóe médiévale. Paris: Beauchesne, 1996.
STARN, Randolph. Vendo a cultura numa sala para um príncipe renascentista. In: HUNT,
Lynn. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
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