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O QUE ESTA PARA VIRPOR FERNANDA CACHÃO FOTOS MARILINE ALVES
'O Olhar do Outro - Estrangeiros emPortugal: do século XVIII ao século XX',
de Maria Filomena Mónica
"Ouvi-osa todos
e procureiser isenta!"
lustres desconhecidos ou cele-brados famosos passaram porPortugal, e do País tiveram opi-nião. A socióloga Maria Filome-na Mónica fez a sua seleção e a
partir da leitura do livro que es -creveu, editado pela Relógio
d'Agua, sabemos mais da bio-grafia e do tempo dessa gente;temos uma visão de nós mesmosatravés do olhar do outro. O es-critor americano Mark Twain,que passou pelos Açores, noFaial, em 1867, observou, satíri-co, que "qualquer português quese preze benze- se e reza a Deus
para que o livre de qualquer de-sejo blasfemo para saber mais do
que o seu pai". Já Simone deBeauvoir, autora de 'O segundosexo' e companheira de umavida de Sartre, que veio em 1945a Portugal para dar conferên-cias, foi tratada "como uma rai-nha pelo regime" e regressou a
França com guaida-roupa novo,conforme notaram os jornaisgauleses de então.
Por que é que resolveu escrever'O Olhar do Outro?Por duas razões: a primeira, pordesde há muito desejar percebercomo os estrangeiros nos"viam". Quando fui para Uni-versidade de Oxford em 1971,apercebi-me logo dos precon-ceitos ingleses em relação aos la-tinos. Tornou-se-me então claro
que o facto de eu ser loira, de sa-ber ler e escrever e de não comercom as mãos os espantara. Emsegundo lugar, porque, a deter-minada altura, percebi que mui-tos dos meus colegas que escre-viam sobre a História de Portugal- até eu! - usavam algumas frasesretiradas das obras dos visitantesestrangeiros como se estes fos-sem observadores neutros. Ora,
o que nos legaram tem de serpassado por uma lupa crítica.
Como escolheu os estrangeiros?Selecionei os que melhor escre-viam - eu desejava que o livrofosse de leitura agradável - e ain-da aqueles sobre quem existiambiografias. Para perceber o quetinham escrito era necessário sa -ber o que estava nas suas cabeçasantes de terem vindo a Portugal.
Na perspetiva do sociólogoqual o valor da visão do estran-geiro sobre um povo?Na de um sociólogo, como na de
qualquer pessoa educada, a visãodo estrangeiro é uma fonte comoqualquer outra, ou seja, tem deser entendida no contexto emque foi apresentada.
Por que é que destaca o diárioda inglesa Dora WordsworthQuillinan?Foi porque, ao contrário damaio-ria dos visitantes estrangeiros, per-correu Portugal de lés a lés
. Porqueera culta, inteligente e indomável,como se viu quando se opôs àvontade do pai, o mais famoso
poeta do seu tempo, quando estetentou condicionar apublicação dolivro. Aliás, a l s edição(delB47)do'Journal of a FewMontns' Residen-ce in Portugal and Glimpses of theSouthof Spain' surgiu sem identifi-
cação de autor. E ainda porque"olhou" oqueiavendodeumafor-ma mais inocente da usual entre os
seus compatriotas.
Indignou-se alguma vez com os
estrangeiros deste seu livro?Por vezes sim, quando os seus es-critos eram demasiado caricatu -
rais.Mais do que me indignar, ri-
-me. Claro que gosto mais de al-guns deles - deH. F. Link, deH.C. Andersen e de Mary McCarthy- do que doutros, mas isso é na-tural. "Ouviu-os" atodos, pro-curando ser isenta.
Um dos estrangeiros foi Jean-¦Paul Sartre que em 1975. de-pois de falar com oficiais, diziaque estes concebiam um tipode socialismo ou comunismo "à
portuguesa" - "e aí já não en-tendo o que queriam dizer".Nunca gostei de J. P. Sartre e,
depois de ler o que ele escre-veu sobre o Portugal da Revo-lução dos Cravos, ainda me-nos. A sua exibição numa fotoda altura, empunhando umametralhadora G 3a fim demostrar o quão revolucionárioera, irritou-me para além do
que é possível dizer. Estariasenil, mas não totalmente. Se
não entendeu o que se passavaa culpa foi sua e não dos capi-tães de Abril. Sartre era vaido-so, o que ficou patente quandofalou numa sala de conferên-cias na Universidade do Porto :
o parvo irritou-se porque os
alunos não lhe faziam tantasperguntas quando ele imagi-nava que lhe eram devidas.Curiosamente, depois de terlido o que a sua 'companheira'Simone de Beauvoir escreveusobre Portugal (ela estivera cáantes da visita com ele) fiquei a
apreciá-la mais do que ante-riormente.
Em Portugal, as leis aindaestão de um lado e os costu-mes de outro como dizia aprincesa Rattazzi?Infelizmente, é verdade. E o
povo encolhe os ombros, o queme entristece.
Ainda somos 'barbaroi' comode nós diziam os gregos?Na medida em que não reco-nhecemos legitimidade às leis- para mais agora que são
aprovadas no Parlamento -somos. Gostaria de viver numpais em que existisse um ver-dadeiro Estado de Direito.
Na sua opinião qual foi o es-trangeiro que melhor definiuPortugal e os portugueses?Para mim, um dos relatos maislúcidos, cultos e isentos, paramais escrito quando o Paísatravessava um período de
grande instabilidade política,é da autoria de um grandearistocrata inglês, Lord Por-chester (Earl of Carnavon de-pois da morte do pai) . Não en-tendo o motivo pelo qual ne-nhuma das suas obras foi até
hoje traduzida. Aqui ficam os
seus títulos: 'The Last Days ofthe Portuguese Constitution'(1830) e 'Portugal and Galiciawith a Review of the Social
and Political State of the Bas-
ques Provinces' (a l s edição é
1836 e a mais completa, a 3-,de 1848). Esta família aindahoje é ilustre. A título de cu-riosidade, foi na sua mansãode Highclere Castle que a sériede televisão 'Dowton Abbey'foi filmada.
É em momentos como esteque temos de agradecera existência do SNS. Se nãoacreditam, olhem parao que se passa nos EUA
Pedia ã socióloga Maria Filo-mena Mónica, imaginandoque era uma estrangeira queaqui chegava, um parágrafosobre os portugueses destetempo que atravessamos.Sou pouco dada a generaliza-ções. Mas há um aspeto queme tem chamado a atençãopela positiva: areação à atualpandemia. Basta olhar parao que se passa em Espanhapara verificarmos que, atéagora, deste lado da fronteiraconseguimos evitar o pior.Apesar das anteriores críticasàs listas de espera do SNS, os
médicos, enfermeiros e, nãoos esqueçamos, o pessoal au-
xiliar, têm-se comportadode forma exemplar. Sei que o
meu testemunho pouco vale.E dele não pretendo retirar ge -
neralizações. Mas quero con-tar o que me aconteceu hádias. Tive de ir fazer o teste daCovid-19e fiquei estarrecida:no hospital requisitado paraeste serviço, tudoestavalim-po. o pessoal andava commáscaras e o resultado da aná-
lise veio em menos de 24 ho-ras. Pode ser que o facto de tersido negativo esteja a influen-ciar o que escrevo - não fui euque declarei não existirem"olhares" neutros?), mas nãoestou a falar de sentimentosmas de factos. É emmomentoscomo este que temos de agra-decer a existência de um SNS:
se não acreditam, olhem parao que se passa nos EUA.
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