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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
RAFAEL DOS SANTOS NUNES
A FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO DO NEGRO PELO TEATRO
EXPERIMENTAL DO NEGRO (TEN) – UM ESTUDO A PARTIR DAS
PÁGINAS DO JORNAL “QUILOMBO”
(1948-1950)
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
SÃO PAULO - SP
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
RAFAEL DOS SANTOS NUNES
A FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO DO NEGRO PELO TEATRO
EXPERIMENTAL DO NEGRO (TEN) – UM ESTUDO A PARTIR
DAS PÁGINAS DO JORNAL “QUILOMBO”
(1948-1950)
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
mestre em Educação pelo Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: História, Política,
Sociedade. Orientador: Prof. Doutor José Geraldo
Silveira Bueno
SÃO PAULO - SP
2012
RAFAEL DOS SANTOS NUNES Dissertação de Mestrado: A formação e educação do negro pelo Teatro Experimental do Negro (TEN) – um estudo a partir das páginas do jornal “Quilombo” (1948‐1950) São Paulo, PUC/SP, 2012
ERRATA Página 14 Onde se lê: “industrialização promoveu, tal como afirmou Chalhoub, uma concentração de trabalhadores” Leia‐se: “industrialização promoveu, tal como afirmou Chalhoub (1986), uma concentração de trabalhadores” Página 16 Onde se lê: “O período do populismo intensifica a presença das massas” Leia‐se: “O período do populismo de Getúlio Vargas intensifica a presença das massas” Página 18 Onde se lê: “Junto a essas reivindicações estavam também o acesso ao voto pelo analfabeto” Leia‐se: “Junto a essas reivindicações estavam também o acesso ao voto do analfabeto” Página 21 Onde se lê: “surgiu o Teatro Experimental do Negro (tem)” Leia‐se: “surgiu o Teatro Experimental do Negro (TEN)” Página 47 Onde se lê: “especificamente contra os que negam os nossos direitos, sinão em especial para fazer lembrar” Leia‐se: “especificamente contra os que negam os nossos direitos, sinão (sic) em especial para fazer lembrar” Página 58 Onde se lê: “Péricles Leal traça a trajetória do tem” Leia‐se: “Péricles Leal traça a trajetória do TEN” Página 66 Onde se lê: “A educação pensada e feita pelo tem” Leia‐se: “A educação pensada e feita pelo TEN”
Banca examinadora:
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Dedicatória
A Bruna Rosa Barreto Fonseca Dias Nunes, minha
companheira, amada, cúmplice e responsável por segurar
a minha “onda” nos momentos mais difíceis desta
trajetória, sem ela nada disso seria possível, à nossa linda
filha, Maria Rosa;
À minha mãe, Dona Lió, e a meu pai, Seu Antônio, que
verdadeiramente acreditaram em meu potencial e
testemunharam esta caminhada tão “correria” desde o
início, assim como minha irmã, Mada, e meus irmãos:
Aurino, in memoriam, Zé Botafogo, Afonso, Pedro
(Cocada), Antônio (Boca), João(Bode) e Tião;
À minha sogra e mãe, Dona Ligia, às minhas cunhadas e
irmãs, Bibi e Brenda, ao meu sogro e companheiro,
Maurício Dias, agradeço pelo apoio, incentivo e
compreensão;
À equipe da Fundação Carlos Chagas, responsável, no
Brasil, pelo IFP: International Fellowships Program –
Ford Fundation, em nome de Fúlvia Rosemberg.
Agradecimentos
Agradeço a Deus pela força por não me deixar fraquejar frente às
dificuldades.
Agradeço a todos os familiares e amigos que colaboraram direta e
indiretamente para a realização desta pesquisa acadêmica. Certo de que a
dedicação a este trabalho foi um empreendimento familiar, agradeço a
todos e todas que possibilitaram que eu dissertasse sobre esta temática.
À Fundação Ford e Fundação Carlos Chagas, pelo apoio sem o
qual seria difícil ter vivido a experiência de cursar o mestrado na PUC-
São Paulo;
Ao meu orientador, o prof. José Geraldo Silveira Bueno, pela
dedicação na leitura de meus escritos;
A todos e todas bolsistas da Ford, especialmente a Mazé e o José
Carlos;
Ao meu amigo Marquinhos;
A Kely Lud e ao Flávio pelo apoio;
A Lia Maria dos Santos de Deus, irmã-companheira crucial neste
momento;
Aos EnegreSeres pela parceria e base para a construção desta
trajetória acadêmica, em especial Dilmar Durães, Ana Luiza Flauzina,
Wilton Santos e Silvio Rangel.
Ao meu querido Lunde, responsável por me apresentar o
Quilombo e por comparecer neste momento tão crucial desta empreitada.
Sumário
Introdução ....................................................................................................... 11
Capítulo I
Contexto Social do Brasil e do Rio de Janeiro nas décadas de1940/1950........ 13
1.1. O contexto brasileiro ................................................................................. 13
1.2. O desenvolvimento do Rio de Janeiro na 1ª. metade do Século XX... 14
1.3. A educação na época.................................................................................. 16
1.3.1. A educação da população negra........................................................... 18
Capítulo II
O Teatro Experimental do Negro como expressão localizada da efervescência
cultural do pós guerra......................................................................................... 22
2.1. A literatura.................................................................................................... 22
2.2. O rádio.......................................................................................................... 23
2.3. O cinema....................................................................................................... 26
2.4. O teatro......................................................................................................... 27
2.5. O surgimento do Teatro Experimental do Negro......................................... 29
2.6. Os objetivos e atuação do Teatro Experimental do Negro............................ 33
Capítulo III
A imprensa e a educação do negro: O Jornal Quilombo....................................... 43
3.1. A imprensa negra no Brasil: os antecedentes do jornal Quilombo................. 44
3.2. O jornal Quilombo.......................................................................................... 45
Considerações finais.............................................................................................. 66
Referências bibliográficas.................................................................................... 67
A FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO DO NEGRO PELO TEATRO
EXPERIMENTAL DO NEGRO (TEN) – UM ESTUDO A PARTIR DAS
PÁGINAS DO JORNAL “QUILOMBO”
(1948-1950)
RESUMO
As décadas de 1940 e 1950 foram marcadas por profundas transformações políticas e
socioeconômicas no Brasil, com a Era Vargas e o final da segunda Guerra Mundial.
Através desses acontecimentos surge uma gama de movimentos sociais na luta por
democracia e melhores condições de vida. Em razão de a cidade do Rio de Janeiro ser a
Capital Federal à época, tornou-se o principal foco das transformações no período. No
ano de 1944, surge o Teatro Experimental do Negro (TEN), um movimento social de
negros que constituiu um legado de lutas que semearam e promoveram transformações
para a população negra através das representações artísticas, dos estudos sobre o negro e
pela inclusão dos negros e da valorização de sua identidade. O TEN desenvolveu suas
ações em meio a uma nova configuração de sociedade, que propiciou profundas
mudanças nos movimentos sociais, sobretudo em período de tantas turbulências. Neste
trabalho, a atuação do TEN é analisada por meio de pesquisa empírica do jornal
Quilombo, vida, problemas e aspirações do negro, produzido pelo próprio TEN, e que
representa a fonte primária para essa empreitada. Iniciando pelo contexto histórico do
Rio de Janeiro do período, as condições que vivia o Brasil, enfocando a participação dos
negros e suas condições sociais e posteriormente apresentando aspectos da história do
TEN e seus desdobramentos principalmente nos aspectos ligados a educação, o presente
trabalho procura analisar e a apresentar as relações com educação presentes nos textos
escritos do jornal Quilombo, descortinadas através de exame do conteúdo do
jornal,com foco nas relações com a formação pela educação e escolaridade, valorização
da cultura e do esclarecimento da população em geral em meio às particularidades da
população negra.
Palavras chaves: Educação, Cultura Negra, Política, Memória Coletiva.
TRAINING AND EDUCATION OF THE BLACK PEOPLE BY THE
EXPERIMENTAL THEATER OF BLACK PEOPLE (TEN) - A STUDY FROM THE
PAGES OF NEWSPAPER "QUILOMBO"
(From 1949 up to 1950)
ABSTRACT
The 1940’s and 1950’s were target by deep political and socioeconomic transformations
in Brazil, with the Vargas Era and the end of the II World War. Through these events
emerges a social movements in the struggle for democracy and better living conditions.
As the city of Rio de Janeiro was the Federal Capital at the time, became the main focus
of the changes in the period. In 1944, the Teatro Experimental do Negro (TEN) started,
a social movement of black people that was a legacy of struggles they have sown and
promoted changes to the black population through artistic representations, the studies on
the blackness and the inclusion of black poblation and recovery of your identity. TEN
developed their actions in the midst of a new configuration of society, which led to
profound changes in social movements, especially in times of turmoil. In this paper, the
performance of the TEN is analyzed by means of empirical research journal Quilombo,
life, problems and aspirations of blackness in Brazil, produced by the TEN and
represents of the primary source for this action. Beginning by the historical context of
the Rio de Janeiro period, the living conditions in Brazil, focusing on the participation
of blacks people and their social conditions and presents aspects of the history of TEN
and its consequences especially in aspects related to education, this paper seeks to
analyze and present relations with education found in texts written at the newspaper
Quilombo, unveiled by examination of newspaper content, focusing on relations with
the training and education for education, appreciation of culture and enlightenment of
the general population among the peculiarities of the black population.
Keywords: Education, Black Culture, Politics, Collective Memory.
Lista de Siglas e Abreviaturas
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INN – Instituto Nacional do Negro
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PUC – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
TBC – Teatro Brasileiro da Comédia
TEN – Teatro Experimental do Negro
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
11
INTRODUÇÃO
A escolha desse tema surgiu devido a minha relação com as artes cênicas.
Minha predileção por essa temática começou com a inserção ainda na adolescência, no
teatro, e que desembocaria em aprovação no curso de artes cênicas na Universidade de
Brasília, onde concluí a graduação no ano de 2006 com monografia Contribuições
Negras para as artes cênicas e para a luta contra o racismo na escola: uma
experiência impossível de ser ocultada.
Desde a graduação, constatei a pouca produção sobre o teatro negro no Brasil,
consciente do valoroso arcabouço teórico e histórico que esta ceara aporta para a memória
coletiva brasileira enquanto reflexão ao sistematizar um instrumento de intervenção
educacional, a escolha por esta temática tornar-se-á uma verve que conflui nesta dissertação.
Importa ressaltar que, ao longo do curso, não foi oferecida nenhuma matéria que debatesse o
Teatro Experimental do Negro. Entretanto, imerso em buscas intelectuais paralelas ás ofertas
acadêmicas, ao longo da graduação, descobri a existência do Teatro Experimental do Negro
(TEN), as quais subsidiam pesquisas a partir das quais pude desenvolver a minha
monografia, destacando aspectos do TEN, sobretudo de sua trajetória artística e educativa.
No ano de 2009, fui selecionado pelo programa internacional de bolsas da fundação
Ford, no qual desenvolvi essa pesquisa no programa de pós-graduação em Educação:
História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Como desdobramento das ideias lançadas na monografia e particularizando a influência
educativa do TEN, podemos considerá-lo como um coletivo que mobilizou várias instâncias
sociais e políticas, que realizou atividades nas áreas de teatro, artes plásticas, educação de
adultos, imprensa, congressos políticos, seminários de formação e organizações de mulheres
negras, no tocante à educação para a promoção social da população negra brasileira. Assim,
retomo a pesquisa aprofundando a problemática na qual se insere o TEN, procurando
desvendar as estratégias de educação presentes neste movimento e que são referendadas no
jornal Quilombo.
No primeiro capitulo da presente pesquisa, apresento os aspectos gerais da situação
educacional, da composição populacional e das relações sociais e culturais que marcaram as
décadas de 1940 e 1950na cidade do Rio de Janeiro. Esse período escolhido compreende os
anos em que foi criado o jornal Quilombo, que utilizo como fonte primária na pesquisa.
12
A população brasileira é destacada no primeiro capítulo, que apresenta dados
demográficos e a sua participação nos aspectos destacados na educação, com foco na
população negra.
O segundo capítulo traça um panorama da vida política e cultural brasileira. Nesse período a
antiga Capital Federal concentra as principais transformações sociais, assiste a uma
crescente participação popular, e conhece a ascensão da cultura de massa, representada pela
popularização do rádio, cinema e teatro, aqui abordados de forma a pontuá-los como ícones
da modernidade no Brasil .
É também abordada a história do Teatro Experimental do Negro, identificando
elementos da sua organização, seus objetivos e motivação em luta contra a discriminação
racial e pela formação cultural e educacional do negro.
O terceiro capítulo apresenta a análise documental dos números 1 a 10 do jornal Quilombo.
Órgão oficial do TEN, o jornal Quilombo, produzido de julho de 1948 a dezembro de 1950,
apresenta as demandas e as aspirações do povo negro daquele período. O foco desta
pesquisa foi a análise das dez edições do jornal Quilombo, visando identificar aspectos
formativos e educacionais da população negra.
13
CAPITULO I
CONTEXTO SOCIAL DO BRASIL E DO RIO DE JANEIRO NAS
DÉCADAS DE 1940 E 1950
1.1. O Contexto Brasileiro
As décadas de 1940 e 1950 foram marcadas por transições significativas na história
brasileira, pois apresentaram mudanças no cenário político, cultural, social e
econômico que marcaram a transição para modernidade no país, iniciada no século
XX, com acelerado processo de industrialização e crescimento demográfico das áreas
urbanas, principalmente no centro-sul, mais precisamente nos estados do Rio de
Janeiro e de São Paulo.
Essas transformações pontuam a presença de classes sociais que surgem no bojo do
capitalismo no Brasil e que dão as bases para a transformação do país, onde surge um
projeto de modernização que marcaria toda a sociedade. Segundo Ortiz,
A partir das primeiras décadas do século XX, o Brasil sofre mudanças
profundas. O processo de urbanização e de industrialização se acelera, uma
classe média se desenvolve, surge um proletariado urbano. Se o
modernismo é considerado por muitos um ponto de referência, é porque
este movimento cultural trouxe consigo uma consciência histórica que até
então se encontrava esparsa na sociedade (1994, p.39-40).
A nova configuração da referida modernidade levou à construção de uma ideia de
nacionalização de toda a sociedade brasileira, tal projeto fez emergir sujeitos que até
então não eram legitimados como brasileiros; trata-se da presença dos negros, dos
oriundos das classes rurais que passam a pertencer como autênticos cidadãos desse
país moderno.
Com a revolução de 1930, que marca o inicio da Era Vargas até o final da
segunda guerra mundial, em 1945, o país viveu sob a égide da ascensão do
imperialismo norte americano e declínio do britânico e por uma política interna
expressada na explosão do populismo e dos regimes de exceção, reflexo do que
aconteceu também na esfera mundial:
A primeira fase de 1930 a 1945 fica marcada por grande efervescência
política e por uma luta ideológica intensa. Começa em ambiente de relativa
liberdade, para desembocar, em 1935, em medidas de exceção, e culminar,
14
em 1937, com o estabelecimento do Estado Novo; essa evolução assinala o
clima de controvérsias. É reflexo, também, do que ocorre no mundo, com
ascensão fascista, já anterior, em Portugal e na Itália, e a nazista, de 1933,
na Alemanha, para não falar no militarismo japonês (SODRÈ, 1974, p. 69).
Essa fase marcou também o posicionamento dos intelectuais frente ao contexto
mundial e local, e, nesse sentido, a cidade do Rio de Janeiro era um celeiro das
atividades intelectuais naquele momento. Sobre este assunto, Sodré escreve: “É, pois,
uma fase em que os intelectuais são chamados a assumir posições políticas e a levar
para as suas criações tudo o que essa participação revela ou impõe” (1974, p. 69).
Com a queda do Estado Novo, que culminou com a convocação da Assembleia
Constituinte e a consequente promulgação da Constituição Federal de 1946, iniciou-se
um período de grande participação política, com ações de movimentos e partidos
político na busca de um regime democrático e com a intervenção de segmentos que
almejavam transformações na educação e na cultura.
Se esse processo de urbanização e industrialização promoveu, tal como afirmou
Chalhoub, uma concentração de trabalhadores vivendo em precárias condições, fruto
da concentração de riqueza inerente ao capitalismo, por outro lado, fez surgir
movimentos acadêmicos e populares que visavam à construção de um país em que
sujeitos até então marginalizados pelas forças das oligarquias assumissem o papel de
protagonistas da cidadania, ainda que formal.
Pontua-se aí o surgimento de uma sociologia que vai pensar o negro no contexto
da urbanização e da modernização; também nesse bojo há uma construção cultural que
visa analisar o Brasil conforme suas tradições, suas múltiplas identidades, na qual a
presença negra tem expressão e contribuição na formação da cultura brasileira, bem
como é expressivo que esse projeto de nação surja da mistura racial que semeia traços
peculiares na formação do país.
1.2. O desenvolvimento do Rio de Janeiro na primeira metade do
século XX
A cidade do Rio de Janeiro, como capital federal, concentrava grande fluxo
migratório, já que na época era a maior cidade do país. Por esse motivo, esboço um
15
pequeno panorama da Capital do País, enfocando sua posição frente ao processo de
urbanização e das relações sociais que ali se desenvolveram.
Suas condições geográficas e econômicas definiam a sua importância como
capital federal:
Um dos elementos essenciais, numa sociedade política, é o estabelecimento
da sua capital, isto é, do centro não só de seu pensamento político, mas
também o arsenal de suas forças defensivas e ofensivas. Pela sua origem,
uma capital pode ser natural como Paris, Londres ou Rio de Janeiro, ou
artificial como Petrogado foi, como são Madrid e Washington. A fundação
do Rio de Janeiro é posterior à descoberta do Brasil de mais de meio século;
a sua escolha como capital é também muito posterior à sua fundação. Isto é,
antes de ser apreciada a sua posição no mapa, como centro político, já eram
aproveitadas as vantagens da sua situação topográfica, como cidade capaz
de desenvolvimento (CARVALHO, 1994, p. 107).
Como capital federal, além de reunir um grande contingente de funcionários
públicos de todas as categorias, possuía uma imensa massa de trabalhadores, na
medida em que, além de ser o centro político da nação, congregavas grandes setores
industriais da construção civil, meios de transportes e grande comércio de importação,
bem como de uma imensa gama de pequenos comerciantes do setor varejista que se
espalhavam por toda a cidade. Toda esta concentração de atividades produtivas
redundou em número significativo de habitações coletivas, que ofereciam condições
precárias de vida (CHALHOUB, 1986).
A constituição da população do Rio de Janeiro do final do século XIX até a década
de 1950 sofreu grandes transformações, com aceleração populacional devido ao
desenvolvimento industrial e expansão do capitalismo:
A demografia da cidade testemunha transformações importantes em sua
estrutura populacional nas ultimas décadas do século XIX e na primeira
década do século XX. Em 1872 moravam na capital 274 972 pessoas; em
1890 este número cresce para 522 651, atingindo a 811 443 em 1906. A
densidade populacional era de cerca de 247 habitantes por km² em 1872,
passou a 409 em 1890 e a 722 em 1906. Neste ultimo ano, o Rio de Janeiro
era a única cidade do Brasil com mais de 500 mil habitantes, e abaixo dela
vinham São Paulo e Salvador, com apenas um pouco mais de 200 mil
habitantes cada uma (CHALHOUB, 1986, p. 24-25).
O mesmo autor argumenta que tal crescimento tem ligações com as migrações
de escravos para a zona urbana desde o final do século:
Este crescimento populacional acelerado está estreitamente vinculado à
migração de escravos libertos da zona rural para a urbana, à intensificação
da imigração e as melhorias nas condições de saneamento. Os dois
primeiros fatores explicam algumas características peculiares da
demografia da cidade nos últimos anos do Império e nos primórdios do
período republicano. O Rio de Janeiro concentrava um grande contingente
16
de negros e mulatos– o maior de todo o Sudeste (CHALHOUB,
1986,p.225).
Já em 1940, de acordo com o censo do IBGE deste mesmo ano, a população
brasileira era composta por 41,2 milhões de habitantes, sendo 35,8% negros ou pardos.
Por esse mesmo censo, verifica-se que a população total da cidade do Rio de Janeiro
era de 1,8 milhões. Embora não tivéssemos a oportunidade de acesso aos dados sobre
a composição racial da população da cidade, aplicando-se o percentual nacional
teríamos, aproximadamente, 645 mil habitantes negros ou pardos.
No censo de 1950, o IBGE indicou a existência de 54 milhões de habitantes no
Brasil, com um percentual de 11% de negros e 27% de pardos, ou seja, quase três por
cento a mais que os dados da década anterior. Se a população do Rio de Janeiro atingia
o total de 2,3 milhões de habitantes, aplicando-se o percentual nacional, teríamos uma
população negra e parda da ordem de 874 mil habitantes.
1.3. A educação na época
A educação no período final do Império e início da República se organizou
respondendo aos interesses da classe dominante: de um lado uma escola que formava
as elites, com ensino primário e secundário que desembocava no ensino superior e, de
outro, o ensino profissional, destinado a formação da força de trabalho para crianças
órfãs, abandonadas ou miseráveis. Mas, mesmo assim, a maior parte da população não
tinha acesso à escola, ainda que de cunho profissional (CUNHA, 1991).
O período do populismo intensifica a presença das massas na escola. As escolas
de elite são subproduto, que incorpora as massas de imigrantes que se deslocam das
áreas rurais para urbanas.
Esse momento mostra que a educação escolar teve pequeno efeito sobre a grande
massa, mesmo com a intervenção do Estado, em sua característica populista e
extremismo patriótico, não se avançou na distribuição de educação efetiva, ou seja,à
massa trabalhadora. O máximo a ser oferecido era uma escola primária precária e, de
outro lado, uma escola de qualidade para a elite, primordialmente oferecida pela
iniciativa privada.
Entretanto, com o crescimento dos processos de industrialização:
17
As exigências de uma sociedade em evolução para o capitalismo, nela já
entrada– não discutindo as formas e as deformações dessa evolução– não
se colocam apenas no terreno da instrução, isto é, da aquisição dos
instrumentos de cultura, no plano da redução ou liquidação do
analfabetismo; vão mais longe, colocando a necessidade de fornecer
conhecimentos a camadas mais numerosas, pois o mercado de trabalho dito
qualificado e de trabalho intelectual amplia-se a cada passo. Trata-se assim
de formar, número crescente de pessoas dotadas de dimensão intelectual
compatível com as exigências e complexidade da nova sociedade (SODRÉ,
1974, p. 72).
Se estas transformações se espraiaram pelo País, não se pode negar a
importância do papel que a cidade do Rio de Janeiro exerceu no campo da educação:
“A importância da experiência do Distrito Federal é bastante grande não apenas no que
concerne a educação de adultos, mas ao movimento educativo de modo geral”
(PAIVA, 1983,p.171).
A educação foi nesse período motivo de intervenção ideológica onde, por um
lado, grupos revolucionários pensavam a educação como fomento para a formação das
massas pobres, na tentativa de programar a participação popular, entre esses grupos
estava o Partido Comunista Brasileiro que voltava à legalidade. Por outro lado, o
Governo também utilizava a educação como meio de divulgar o seu poder e controle
através do sistema educativo.
Através da educação, sobretudo da educação de adultos, tanto as esquerdas
como o Estado passaram a intervir no sentido de ampliar as oportunidades de educação
para adultos bem como a difundir a cultura com foco na formação das massas; nesse
período surgem os Centros de Cultura Popular e as Universidades Populares onde fica
nítido a valorização da cultura popular e da arte e a ênfase na educação das massas
(PAIVA, 1983, p.176).
Importa ressaltar que, oficialmente, a preocupação do Estado com a educação
de adultos vem desde os anos de 1920, mas a partir dos anos de 1940 intensificou-se,
com a participação dos setores populares, com a volta do Partido Comunista à
legalidade, que gerou a construção dos Comitês Democráticos onde havia participação
das bases através dos bairros e municípios das grandes cidades. Segundo Paiva,
No Distrito Federal os Comitês Democráticos começaram a estudar a
situação educativa dos bairros, reivindicando do poder publico não somente
a ampliação das verbas destinadas à educação como também uma melhor
aplicação das mesmas e a coordenação da iniciativa privada e do estado, a
fim de tornar possível o atendimento educativo e a assistência as camadas
mais pobres (PAIVA, p.173).
18
Junto a essas reivindicações estavam também o acesso ao voto pelo analfabeto e a
intensificação de movimentos de alfabetização visando à formação consciente dos
setores populares, propostas de campanhas para criação de bibliotecas populares e
espaços escolares que permitissem a difusão da cultura e do interesse político através
da formação das classes menos favorecidas.
No meio rural também houve iniciativas educacionais através de missões
culturais voltadas para a “difusão do ensino rural” (PAIVA, 1983, p.198), que
lograram êxito nos anos de 1950, mas que, vale problematizar, tinham um objetivo de
inibir a migração rural-urbana.
Entre as iniciativas pela educação, da parte oficial, encontram-se campanhas
pela educação de jovens e adultos, a instituição do supletivo com alargamento das
escolas para intensificação do ensino, a I Conferencia Nacional de Educação, em 3 de
novembro de 1941.
No tocante à situação educacional, o IBGE mostrou que nos anos de 1940 32,24%
da população brasileira sabiam ler e escrever, um total de 13.292.605; e 67,26% não
sabiam nem ler nem escrever, um total de 27.735.140; e que não declararam o nível de
instrução 208.570, ou seja, 0.50% da população.
Já em 1950, 49,31% sabiam ler e escrever, um total de 14.916. 779; 50,49% não
sabiam nem ler e nem escrever, um total de 15.272.632 de habitantes; e 0.20%, um
total de 60.012, não declararam o nível de instrução.
1.3.1. A educação da população negra
O pós-abolição não garantiu ao negro as condições para que a sua educação
fosse abonada, nem nos primeiros anos de República tal acesso foi garantido; ao
contrário, manteve-se a ideologia imperial de dominação e subjugação dos
descendentes de escravos:
A educação escolar brasileira é herdeira direta do sistema discriminatório
da sociedade escravagista sob dominação imperial. Mesmo tendo deixado
de existir, o escravagismo deixou marcas persistentes na escola atual,
apesar do avanço do capitalismo no Brasil e de alguns períodos de maior
abertura do sistema político(CUNHA,1991,p. 31).
19
Apesar de a educação em geral tentar atingir as massas excluídas, tal acesso à
educação era ainda marcado pela discriminação racial. Esse era um traço forte da
formação brasileira, estando a educação, quando permitida, voltada para a formação de
mão-de-obra.
Outra relação que importa ressaltar é que a presença da população negra na
educação nem sempre foi colocada nas fontes oficiais da história da educação. Essa
condição é ressaltada por Cruz (2005). Para ela,
À margem desse processo têm sido esquecidos os temas e as fontes
históricas que poderiam nos ensinar sobre as experiências educativas,
escolares ou não, dos indígenas e dos afro-brasileiros. O estudo, por
exemplo, da conquista da alfabetização por esse grupo; dos detalhes sobre a
exclusão desses setores das instituições escolares oficiais; dos mecanismos
criados para alcançar a escolarização oficial; da educação nos quilombos;
da criação de escolas alternativas; da emergência de uma classe média
negra escolarizada no Brasil; ou das vivências escolares nas primeiras
escolas oficiais que aceitaram negros são temas que, além de terem sido
desconsiderados nos relatos da história oficial da educação, estão sujeitos
ao desaparecimento (CRUZ, 2005, p.22-23).
Cruz (2005) pondera que os estudos sobre a educação dos negros só ganharam
visibilidade a partir da década de 1960,sendo relegados os períodos anteriores onde
essa vivência poderia ser relatada, haja vista que foi um momento de considerada
ampliação das escolas no Brasil. Para a autora,
Há cerca de 43 anos a história da educação brasileira tem seu espaço no
currículo de formação do educador como uma disciplina especifica. Porém
observando-se a bibliografia nesta área, teremos a nítida impressão da
inexistência de experiências escolares dos negros em período anterior à
década de 1960, quando a rede publica de ensino sofre vasta expanção do
numero de vagas (CRUZ, 2005, p.21).
Em se tratando da escola oficial, as condições para a participação dos negros eram
bastante difíceis, mas é importante ressaltar que, ainda assim, eles estiveram sempre
presentes, embora sob a descrença em relação a sua capacidade intelectual, cujos
resultados não poderiam ultrapassar a ascensão intelectual de uma pequena parcela,
desde o início do período republicano (BARBOSA, 1997 apud CRUZ, 2005, p. 29).
Importa ressaltar que a ideia de uma educação que visa formar e oferecer
melhores condições de vida na sociedade daquele período foi almejada pelos grupos
negros organizados, como foi o caso da Frente Negra Brasileira (1931-1937), em São
Paulo, que mobilizou e organizou milhares de negros sobre o lema: Congregar, Educar
e Orientar (NASCIMENTO, 2003; ROMÃO,2005; PEREIRA, 2008).
20
Em 1945, no fim da Segunda Guerra, já surge o Teatro Experimental do Negro, em
momento de grandes mudanças, com o final do Estado Novo decorrente de lutas pela
redemocratização, que culminariam com a promulgação da Constituição em 1946,
através da Assembleia Nacional Constituinte.
Do ponto de vista cultural, a década de 1940 revela um período de forte presença
de atividades ligadas a uma cultura popular e de massa, quando também se
intensificam os apelos por uma identidade nacional de cultura brasileira, ainda que
reflexo do início da construção de uma sociedade de massas oriundas da zona rural e
que desencadeou o processo de urbanização acelerada.
O período marca a ascensão do rádio, televisão, cinema, música, e o
crescimento do teatro, motivado por forte ascensão capitalista e avassaladora
comunicação de massa, mas também por um conjunto de iniciativas voltadas para a
disseminação da cultura para as camadas populares.
Esse crescimento populacional, com elevada proporção de habitantes negros,
propiciou o surgimento de organizações negras, a exemplo da Associação Nacional
para o Progresso dos Homens de Cor (1909), a Liga Urbana (1911), os sindicatos
negros, A Confraria dos Carregadores dos Vagões-Leitos (1925), entre outras que
neste período aspiravam aos anseios por liberdade e integração (Cf. LARKIN
NASCIMENTO, 2003; TAVARES, 1988).
Outro ponto importante relacionado ao período foi o momento internacional de
movimentos sociais na luta pela valorização do negro, sobretudo das organizações
negras nos Estados Unidos que floresceram durante o pós-guerra. As lutas pela
descolonização lançavam as bases da discussão racial, que futuramente redundariam
no aprofundamento da consciência negra e da disseminação dos movimentos pelos
direitos civis.
No Brasil desenvolveu-se um processo político no período da década de 40, que
favoreceu o surgimento do TEN e das forças sociais de caráter reivindicatório.
Para Tavares, após os vinte anos de existência do TEN, sua atuação reflete que o
teatro soube utilizar com qualidade o momento crítico vivido pelo Brasil:
No plano interno, o TEN nasceu numa conjuntura altamente critica, pois
com a crise do Estado Novo é apresentado um leque de novas questões,
21
permitindo que os fluxos ideológicos e sociais se encarregassem de nutrir
os caminhos da redemocratização, com um novo pensamento e com novas
propostas para explicação do que vinha ser o Brasil. O contexto nacional da
década de 1940 é bastante significativo para o estudo do debate travado no
período subsequente, especialmente quanto ao problema do negro
(TAVARES, 1988,p. 82).
Essa problemática levantada sobre a condição do negro foi motivo da organização
de grupos negros em movimentos políticos, e de alguns pensadores não negros, como
Florestan Fernandes, Roger Bastide e Costa Pinto, passarem, ainda neste período, a
produzir estudos sobre as relações raciais no Brasil.
Nesse panorama, a trajetória dos grupos negros procurou unir as lutas
culturais e políticas, privilegiando a educação, ainda que de forma não escolar,
como prioridade em suas ações, e visando oferecer ao povo negro
possibilidades de formação. Com o reconhecimento cultural e valorização da
escolarização do povo negro surgiu o Teatro Experimental do Negro (tem),no
Rio de Janeiro, que será estudado no próximo capitulo .
22
CAPÍTULO II
O TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO COMO EXPRESSÃO
LOCALIZADA DA EFERVESCÊNCIA CULTURAL DO PÓS-
GUERRA
As décadas de 1940 e 1950têm nas manifestações culturais um momento de
desenvolvimento, sobretudo nos grandes centros brasileiros, onde as expressões
culturais e a imprensa ocupam espaços na vida cotidiana da população do Brasil, num
primeiro momento, motivadas pela luta ideológica que começa com a efervescência
política nos cenários local e internacional a partir dos anos de 1930 até 1945, com a
incorporação das técnicas de cultura de massa decorrentes do desenvolvimento do
capitalismo (SODRÉ, 1976).
Do ponto de vista cultural, as décadas de 1940 e 1950 revelaram um período de
forte presença de atividades ligadas a uma cultura popular e de massa, quando também
se intensificam os apelos por uma identidade nacional de cultura brasileira, ainda que
reflexo do início da construção de uma sociedade de massas que tinha a população, em
sua maioria, oriunda da zona rural, passando para a urbanização acelerada, sobretudo
nos grandes centros das regiões centro-sul do país.
Tal período marca também a ascensão dos meios de comunicação –imprensa,
rádio, televisão –, e das manifestações culturais que se intensificam, por exemplo, no
cinema, na música e no teatro; de um lado, impulsionados por uma nova fase do
capitalismo brasileiro, com avassaladora comunicação de massa e, de outro, por um
conjunto de iniciativas voltadas para a disseminação da cultura para as camadas
populares.
2.1. A Literatura
Na literatura surge a ficção nordestina de caráter documentário, com Jorge
Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, que contribuíram para a formação de
leitores nesse período, e que têm, em comum com as outras manifestações artísticas, a
relação com o público da pequena burguesia (SODRÉ,1976)
23
2.2. O Rádio
O rádio na década de 1920 começava a atuar no Brasil de forma inibida, mas a
partir da revolução de 1930, a publicidade representou um dos principais pilares do
desenvolvimento desse veículo de comunicação, que até 1935 era não comercial. Com
a publicidade foi se constituindo num promissor instrumento comercial, sobretudo,
tornando-se em pouco tempo o mais importante veículo de difusão da cultura de massa
do país:
A radiodifusão no Brasil, após um período de infância nos anos vinte,
desenvolveu-se rapidamente, depois da revolução de 1930, vindo a superar
de longe o cinema como instrumento de cultura de massa. O
desenvolvimento das relações capitalistas, no Brasil, afetou o
desenvolvimento do rádio particularmente através da publicidade
comercial. Em pouco tempo, o rádio superou a imprensa, como veículo
publicitário. O impulso que levou o rádio a essa posição de vanguarda
alicerçou-se, em nosso caso, na sua associação a dois grandes motivos, já
capazes de mobilizar multidões: o futebol e a musica popular (SODRÈ,
1974, p. 92).
A expansão da publicidade fez com que o rádio atingisse os grandes grupos
populacionais daquele momento e, praticamente, tudo o que era transmitido pelas
ondas do rádio alcançava bastante popularidade:
Com o rádio surgem espetáculos como os programas de auditórios, músicas
variadas e especialmente a radionovela, introduzida no Brasil em 1941. Esta
última logo se constituindo produto típico do sistema radiofônico da época;
entre 1943 e 1945, a Radio Nacional chegou a produzir 116 novelas num
total de 2985 capítulos ( ORTIZ, 1991,p.40).
Nesse sentido, o rádio esteve ligado a interesses muito mais comerciais do que
culturais, pois na prática era como um negócio, não como instrumento de cultura
(SODRÈ, 1974, p.93).
24
Ortiz reflete que a ligação entre rádio e publicidade era orgânica e que eles se
estruturavam através de processo de comercialização. E que era comum o trânsito
entre publicitários e radialistas:
Quando se observa o trajeto de vários profissionais dos meios de
comunicação, damos conta da intensidade com que se realizava a corrente
entre a esfera da produção radiofônica-televisava e os meios publicitários.
Walter Clark inicia sua carreira como escritor de rádio, trabalha na agência
Interamericana e só depois se desloca para a TV Rio, onde se transforma
em diretor de vendas. Boni trabalhava na parte de criação da Lintas, esteve
na TV Rio e na Rádio Bandeirantes antes de se fixar na Rede Globo de
Televisão. O itinerário de uma pessoa como Arquimedes Messina é
revelador: cantor, ator de rádio-teatro, galã de radionovela, compositor de
musica de carnaval, termina sua carreira como publicitário, especializando-
se em jingles. Os exemplos poderiam ser multiplicados. Eles certamente
expressam uma vivência única, pessoal, mas a trama dessas lembranças
aponta para esse traço social mais amplo, o da mobilidade entre as áreas da
publicidade e da produção cultural (1991, p. 85-86).
Ao mesmo tempo em que servia aos interesses comerciais, o rádio foi o meio
pelo qual a produção cultural de membros não oriundos da elite social passou a ser
divulgada:
Foi a música popular que avançou consideravelmente, no Brasil,
acompanhando a rápida urbanização de nossas populações. A urbanização,
pois, foi seu primeiro fator de desenvolvimento; o segundo esteve, sem
dúvida, na existência e prestígio crescente de uma festa popular e urbana,
fundada particularmente na música e na dança, que foi o carnaval (SODRÈ,
1974, p. 100-101).
Verifica-se, portanto, o quanto o rádio torna-se o mais importante veículo de
comunicações de massa nesse período, e que, posteriormente, seria substituído pela
televisão que só surgiria nos grandes centros urbanos do país: em São Paulo, no ano de
1950, e no Rio de Janeiro, em 1951.
A importância do rádio foi o da popularização da música, do futebol e da
política para as massas. Sobre este assunto, escreve Sodré:
25
Futebol e música colocados pelo rádio junto as multidões e por elas
consagrados, constituíram, desde logo, além de tudo, na divisão do trabalho
cada vez mais ampla e complexa que o capitalismo em desenvolvimento
alimentava, no Brasil, espetáculos que permitiram notoriedade e
enriquecimento a elementos oriundos de camadas populares, muitos deles
provindo mesmo do proletariado (1976, p. 94)
Sodré também ressalta que o rádio proporcionou o enriquecimento de um
pequeno grupo de negros e mulatos que se transformaram em artistas de renomada
notoriedade e de prestígio econômico, passando a ideia de que a grande massa também
podia passar portal mobilidade:
Note-se: a notoriedade e o enriquecimento de negros e mulatos,
transformados em estrelas, privilegiou alguns, não a massa dos que
praticavam o futebol ou se dedicavam a música popular. Privilegiando
alguns, entretanto,– antes sem possibilidade de alcançar tais formas de
sucesso– o rádio dava a ideia de que podia fazer o mesmo com todos
(SODRÉ,1976,p. 95).
Essa colocacão sugere o poder de inserção do rádio junto a classes populares,
pois se ele oferecia possibilidades de mobilidade social de um número ínfimo de
pessoas oriundas de classes sociais menos favorecidas que até então não viam essa
probabilidade, através da radiodifusão a grande maioria das pessoas pensava que podia
alcançar o mesmo patamar(SODRÉ,p.95).
Do ponto de vista do controle do estado através da utilização dos meios de
comunicação de massa, a radiodifusão ocupou aí um lugar muito específico pois
através do rádio o estado divulgava sua proposta de educação e transmitia a sua
“palavra oficial”, mas que convivia ao mesmo tempo com a radiodifusão privada de
interesse comercial, apesar de se tratar de um estado centralizador ele se tornava
flexível à proposta do capital privado que dominava a radiodifusão(ORTIZ,1988).
Essa contradição era explicada pelo fato de que o interesse do governo se fazia em
um entendimento de que havia rádios comerciais e rádios oficiais, sendo que as
primeiras, por sua importância econômica, não inviabilizavam os interesses
26
educacionais das rádios oficiais. Em palavras de Ortiz: “O governo federal, permitindo
que o rádio fosse utilizado como veículo publicitário, conseguiu, sem encargos para o
erário publico, uma inteligente e rápida solução para o problema da radiodifusão no
Brasil”(1988,p. 53).
O próprio modelo de rádio estatal desse período era igual ao modelo privado e a
proposta educativa e de transmissão de cultura também seguia o mesmo padrão das
emissoras privadas, o que demonstra os verdadeiros interesses ou pelo menos a fácil
adaptação do governo Vargas ao modelo de rádios privadas:
Não deixa de ser sugestivo observar que a própria Rádio Nacional,
encampada pelo governo Vargas em 1940, praticamente funcionava nos
moldes de uma empresa privada. Seus programas (música popular,
radioteatro, programas de auditório) em nada diferem dos outros levados ao
ar pelas emissoras privadas. Se é verdade que o Estado utiliza e controla a
Nacional através de sua superintendência, quando se olha a percentagem da
programação dedicada aos chamados “programas culturais” observa-se que
eles não ultrapassam 4,5%. Por outro lado, entre 1940 e 1946, o
faturamento da emissora, graças a publicidade, é multiplicado por sete. Ao
que tudo indica, a acomodação dos interesses privados e estatais se realiza
no seio de uma mesma instituição sem que ocorram maiores problemas
(ORTIZ, 1988, p.53).
2.3. O Cinema
Nos anos de 1940 e 1950, o cinema tem uma ascensão como cultura de massa
principalmente os filmes norte-americanos que com o pós guerra passaram a dominar
o mercado cinematográfico, um caso mundial que atingiu em peso a sociedade
brasileira, pois também nesse período dar-se-ia a aproximação política dos Estados
Unidos da América com a América Latina, em sua expansão imperialista na qual o
cinema exerce papel importante na ampliação dos interesses políticos e econômicos
dos EUA.
Para Werneck (1988), a dificuldade de desenvolvimento do cinema brasileiro
se deu porque há muito tempo o país sofreu o efeito de influências culturais
estrangeiras, com o cinema sendo um dos mais antigos produtos culturais de massa. E
que desde os anos de 1920 existiram empenhos para o desenvolvimento de um cinema
27
brasileiro: “Até a Primeira Guerra Mundial, quando o cinema estava na infância,
consumimos preponderantemente filmes europeus; daí por diante, passamos a
constituir um dos grandes mercados da indústria cinematográfica norte-americana”
(1976,p.80).
O cinema brasileiro, anteriormente muito incipiente, passou por processo de
grande expansão no período Pós-Guerra, com o surgimento da Atlântida em 1941,
produtora das chanchadas que marcaram a existência de um cinema nacional e, em
1949, em São Paulo, da Cia. Cinematográfica Vera Cruz, consideradas, ambas, como
os marcos iniciais da industrialização do cinema brasileiro (ORTIZ, 1998).
Na Atlântida a opção por um cinema baseado no humor repetitivo visando
alcançar um público popular, buscou explorar as formas do teatro ligeiro e da comédia
de costumes. O seu caráter popular não significou um contraponto à burguesia mas
uma adequação na construção de um cinema que visava o lucro e o enriquecimento
dos artistas nos moldes do que já acontecia no rádio(ORTIZ,1998).
A Vera Cruz, por sua vez, inspirou-se no modelo do cinema americano, o da
construção de uma verdadeira indústria cinematográfica voltada para classe média
urbana. Seus objetivos assentavam no cinema como empresa, na utilização de
tecnologias e na produção industrial (ORTIZ, 1998).
2.4. O Teatro
Nessa época as atividades teatrais sofreram grandes transformações que
expressaram a transição do profissionalismo de um teatro comercial que perdeu espaço
graças ao impacto do cinema. Essas atividades estavam mais voltadas para o
amadorismo, e comprometidas com a qualidade desta manifestação artística,
provocando a renovação do teatro no Brasil.
Somente a partir de 1940 é que o amadorismo começa a ganhar consistência, à
medida que a prática, mais do que a reflexão teórica, obrigou-o a delimitar com
precisão os seus objetivos. Essa difícil passagem do velho para o novo obedeceu à
orientação de um pequeno número de pioneiros, homens nascidos entre 1900 e 1910,
acostumados, portanto a enfrentar quase sozinhos o pior adversário daquele momento,
o descrédito em que havia caído o teatro (PRADO, 2001, p. 39).
28
Esse período marca a ascensão do teatro no cenário cultural do país, sobretudo.
no eixo Rio-São Paulo, onde surgiram expoentes da história do teatro como o Grupo
de Teatro Experimental (São Paulo), a Escola de Arte Dramática (São Paulo), o Teatro
do Estudante do Brasil (Rio de Janeiro), Os Comediantes (Rio de Janeiro), Os Artistas
Unidos e o Teatro Brasileiro de Comédia – TBC (São Paulo) (PRADO, 2007).
Entre todas essas iniciativas, a que mais perdurou foi a do TBC, que merece ser
destacada, pois, desenvolvida em São Paulo, significou um deslocamento da cena
teatral que tinha como principal eixo o Rio de Janeiro:
A consolidação do que poderíamos chamar de novo profissionalismo veio
em 1948, com a criação do Teatro Brasileiro de Comédia. Até aquele
instante o centro da criatividade dramática havia sido o Rio de Janeiro, não
faltando motivos para que assim acontecesse (PRADO, 2007, p. 43).
Um modelo de teatro que se aplicava no Rio de Janeiro, foi também utilizado
pelo TBC, que foi o da utilização de encenadores estrangeiros e a utilização de textos
já consagrados – e a visão empresarial na administração do trabalho teatral:
O TBC – sigla que logo se populariza no meio teatral – deslocou a
iniciativa para São Paulo. É que um engenheiro industrial, Franco Zampari
(1898-1966), nascido na Itália, mas radicado desde a mocidade no Brasil,
dispusera-se a colocar a sua não pequena experiência de homem de
negócios a serviço do palco, dando-lhe uma estrutura administrativa como
ele nunca tivera (PRADO, 2007, p. 43).
O TBC permaneceu em atividades durante 15 anos e representou juntamente
com os outros grupos, os pilares do teatro que foi se disseminando cada vez mais pelo
país, pois marcaram a profissionalização da área, marcada pela utilização de textos
consagrados e a direção de encenadores europeus. Os encenadores que passaram pelo
TBC foram: “seis italianos: Adolfo Celi, Luciano Salce, Flaminio Bollini, Gianni
Ratto, Alberto D’Aversa e Rugero Jacobbi; um belga: Maurice Veneau; e um polonês:
Zbigniew Ziembinski” (PRADO, 2007, p.44).
Grandes atores e atrizes do teatro brasileiro passaram pelo TBC, tais como:
“Cacilda Becker, Maria Della Costa, Tônia Carrero, Cleide Yaconis, Nydia Licia,
29
Sérgio Cardoso, Paulo Autran, Jardel Filho, Fernanda Montenegro, Natália Timberg,
Teresa Raquel, Fernando Torres, Walmor Chagas, Leonardo Vilar, Juca de Oliveira,
Gianfrancesco Guarnieri, Raul Cortez, entre outros” (PRADO, 2007).
Nesse cenário cultural de valorização da cena teatral brasileira, desenvolveu-se
o Teatro Experimental do Negro (TEN), na cidade do Rio de Janeiro. O fato de ser a
Capital Federal, importante centro produtivo do país e uma das principais cidades
brasileiras, permitiu a construção de um teatro negro que apesar de sua qualidade
cênica tinha como principal objetivo dar notoriedade para as demandas políticas,
artísticas e de valorizar o negro desde a sua origem.
2.5. O surgimento do Teatro Experimental do Negro - TEN
O TEN teve como os seus fundadores Abdias do Nascimento, Arinda Serafim,
Marina Gonçalves, Aguinaldo Camargo, dentre outros protagonistas. Fundado em 13
de outubro de 1944, e idealizado por Abdias do Nascimento – o seu principal
incentivador – constituiu um marco de referência para a luta negra brasileira, na
medida em que possibilitou a presença negra no teatro como protagonista e também
por colocar a defesa de dignidade para o seu povo, no combate aos preconceitos e
discriminações presentes no cotidiano das pessoas negras, além do papel educador no
sentido de conscientizar os outros grupos étnicos.
Abdias Nascimento, intelectual e militante antirracista desde os anos 1930,
nascido em Franca, São Paulo, em 1914, formou-se em contabilidade, em 1929,
mudando-se para São Paulo no ano seguinte onde militou na Frente Negra Brasileira;
tendo se transferido para o Rio de Janeiro, concluiu o curso de Ciências Econômicas
na Universidade do Rio de Janeiro, no ano de 1938. Em 1944, criou o TEN que durou
até 1968, quando Abdias foi para o exílio nos Estados Unidos. Foi professor, artista
plástico, dramaturgo, militante da causa negra, deputado federal em 1983 e,
posteriormente, senador em 1991, tendo falecido aos 97 anos, no dia 24 de maio de
2011.
Segundo seu idealizador, o TEN constituiu-se como herdeiro da história da
lutados negros, sobretudo em sua ação cultural e educativa:
30
O Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado no Rio de Janeiro em
1944, foi a primeira entidade do movimento afro-brasileiro a ligar, na teoria
e na prática, a afirmação e o resgate da cultura brasileira de origem africana
com a atuação política. Assim introduzia uma nova abordagem à luta negra
do século (NASCIMENTO, 2003, p. 251).
Oliveira (2008) considera que o TEN surgiu com a proposta de lutar para o povo
negro assumir o seu lugar como protagonista da sua própria história, no sentido de ter
garantida a sua qualidade de vida, aliada à sua formação, utilizando o teatro como
uma ferramenta para desenvolver uma política de inserção do negro na sociedade
brasileira:
O Teatro Experimental do Negro foi fundado em 1944 por iniciativa de
Abdias do Nascimento, seu principal dirigente e porta voz. Seu objetivo era
incentivar um “teatro negro brasileiro” e sensibilizar o público para os
problemas enfrentados pela população negra no Brasil. Desejava
transformar a mentalidade do povo negro despertando-lhe a consciência de
seu valor e cultura, inculcando a dignidade perdida. Sua proposta era
ressaltar e positivar os valores negros, junto a negros, quebrar preconceitos
e conseguir o reconhecimento da cidadania negra (OLIVEIRA, 2008,
p.244).
Nesse sentido, esses analistas apresentam o TEN como um grupo que
desenvolveu várias atividades, constituindo um coletivo que buscou atuar de forma
plural e dinâmica, oferecendo a sua contribuição na formação do povo negro. Oliveira
(2008) ressalta que o legado do TEN “seria um novo momento de inflexão, no qual as
estratégias e as ações estariam diretamente relacionadas aos estudos científicos
desenvolvidos sobre o problema racial brasileiro” (OLIVEIRA, p. 135).
No sentido de apresentar as ações do TEN e as demandas as quais vivenciou,
tendo o teatro como precursor de sua saga frente às relações raciais no Brasil,
apresento um breve histórico da participação do negro no teatro brasileiro até a
chegada do TEN.
Segundo relato de Abdias do Nascimento, em depoimento à revista Dionysos,
mais de 40 anos depois da fundação do TEN, a ideia da construção do grupo nasceu de
uma viagem que fez pela América do Sul, acompanhando o Santa Irmandad Orquídea,
31
grupo de artistas e poetas brasileiros e argentinos. Nessa viagem, em 1941, assistiu em
Lima, no Peru, uma montagem de “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neal, em que o
ator Hugo D’Heviéri designado para fazer o papel principal (o imperador Jones)
aparece em cena pintado de preto.
O ato de pintar o artista branco de preto foi uma herança do modelo racista
desenvolvido na dramaturgia estadunidense nos anos 20, em que os personagens
negros eram interpretados por atores e atrizes brancos com seus rostos pintados de
preto, era a black face. De forma caricaturada, esses personagens eram geralmente
empregados domésticos servis ao extremo, mulheres obesas e de pouca inteligência,
homens bêbados idiotizados, moleques estúpidos e, além disso, os personagens
apresentavam forte tendência a perversões sexuais.
No regresso da referida viagem, Abdias foi preso em São Paulo, juntamente com
um grupo de universitários, por denunciar a ditadura do presidente Getúlio Vargas:
Em dezembro de 1937 fui preso juntamente com um grupo de estudantes
universitários quando distribuíamos panfletos denunciando a ditadura
Vargas e o imperialismo norte–americano. Condenado pelo famigerado
Tribunal de Segurança Nacional, fui mantido na penitenciária do Rio de
Janeiro até abril do ano seguinte (NASCIMENTO, 1976, p. 30).
Segundo o próprio Abdias, foi aí que se deu a sua primeira investida no campo da
dramaturgia, o “Teatro do Sentenciado”:
Ao regressar dessa viagem pela América do Sul, fui logo preso em São
Paulo, pois havia sido condenado à revelia. Na penitenciária de São Paulo,
a famosa Carandiru, fundei o Teatro do Sentenciado. Foi a minha primeira
experiência como dramaturgo. Escrevi uma peça, mas saí, antes de ela ser
montada. Nos dois anos que fiquei por lá chegamos a representar várias
peças, com tudo feito lá dentro – cenários, figurinos etc. Como o destino de
negro era sempre polícia em cima, parece até simbólico que nessa questão
do teatro eu tenha começado exatamente dentro da prisão (NASCIMENTO,
1988, p. 108).
Ainda, segundo seu depoimento à revista Dyonisos, ao sair da prisão Abdias
tentou organizar o Teatro Negro em São Paulo, buscando o apoio de Mário de
Andrade. Como não obteve sucesso, transferiu-se para o Rio de Janeiro, no final de
32
1943, onde junto com Agnaldo Camargo, Teodorico dos Santos, José Herbel e outros,
começaram a traçar os planos para a construção do TEN, segundo o depoimento à
revista.
Contaram com o apoio também da União Nacional dos Estudantes (UNE), por
intermédio do escritor Aníbal Machado, como aponta Abdias:
Aníbal Machado nos ajudou muito em nosso contato com a UNE. Por seu
intermédio, conseguimos o empréstimo dos salões e do restaurante da UNE.
O restaurante funcionava até umas oito horas da noite, depois a gente
limpava tudo e ali virava o palco. Lá foi o nosso começo (NASCIMENTO
1998, p.109).
O espaço cedido pela UNE era dividido em dois andares, mais o restaurante na
parte de cima, como explica Abdias:
No salão de cima Ironides Rodrigues dava aulas de alfabetização; no salão
nobre Aguinaldo Camargo dava aulas de iniciação cultural e no espaço do
restaurante já começavam os testes de ator pensando na montagem de nossa
peça de estréia (NASCIMENTO, 1998, p. 109).
Nesse espaço, o TEN oferecia aulas de alfabetização de adultos para empregadas
domésticas e operários, instituídas por Ironides Rodrigues, cursos de formação sobre a
iniciação cultural e o trabalho de oficina teatral, de onde surgiram talentosos artistas
negros.
A importância da participação das camadas populares ofereceu novos horizontes
para a dramaturgia e um contraponto ao teatro da elite, pois, segundo o principal
idealizador do TEN, trouxe pessoas até então excluídas para os palcos demonstrando
todo o seu potencial dramático, até então, sufocado pelo racismo e a opressão,
começando pela educação, através da alfabetização de adultos:
O Teatro Experimental do Negro – TEN – iniciou sua tarefa histórica e
revolucionária convocando para seus quadros pessoas originárias das
classes mais sofridas pela discriminação: os favelados, as empregadas
domésticas, os operários desqualificados, os frequentadores dos terreiros.
Com essa riqueza humana, o TEN educou, formou e apresentou os
33
primeiros intérpretes dramáticos da raça negra- atores e atrizes – do teatro
brasileiro (NASCIMENTO, 2002, p.73).
A partir daí nasceu uma poética legitimamente afrodescendente, com a sua
história contada por eles: “O TEN inspirou e estimulou a criação de uma leitura
dramática baseada na experiência afro-brasileira, dando ao negro a oportunidade de
surgir como personagem-herói” (NASCIMENTO, 2002, p.74).
Desse modo, o TEN buscou superar a perspectiva opressora da grande maioria das
obras teatrais, ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, em que se
visualizava a presença negra de forma pejorativa.
2.6. Os objetivos e atuação do TEN
Para Muller (1988), os objetivos do TEN dialogavam com as questões sociais,
sem perder de vista o trabalho teatral. Tinha um formato onde o real interesse visava a
melhoria da qualidade de vida das pessoas negras, tentando trazê-las para o centro dos
interesses sociais e com o reconhecimento dos seus valores socioculturais, e para a
população branca, a noção de responsabilidade pela atual desvalorização da população
negra e de seus valores estéticos:
Parece ressaltar aí como o eixo intencional mais importante dessa iniciativa:
transformar a mentalidade do povo negro, despertando-lhe a consciência de
seu valor próprio, de sua cultura particular, inculcar-lhe uma dignidade
perdida, reabilitá-lo antes de mais nada de si mesmo. Para os brancos
enfatizar sua responsabilidade na produção e reprodução desse problema.
Convocá-los a partilhar do esforço na mudança de padrões de
relacionamento inter-étnico, mas, sobretudo desfazer a ideologia racista
cristalizada entre eles, mesmo entre os “bem-intencionados” (Revista
Dionysos, 1988 p. 37).
Fiel à luta contra o racismo, juntando-se a outras experiências anteriores de
organização negra, o TEN imprimiu na história brasileira um momento especial para o
entendimento do racismo, tanto da perspectiva epistemológica, quanto de combatê-lo
na forma de políticas, denunciado a exclusão social de que padece o negro, propondo
34
aos negros e aos brancos uma forma de educação em que o negro seja valorizado.
Segundo seu idealizador, o TEN teve a sua atuação apoiada nos seguintes objetivos:
a) resgatar os valores da cultura africana, marginalizados por preconceitos à
mera condição folclórica, pitoresca e insignificante; b) através de uma
pedagogia estruturada no trabalho de arte e cultura e cultura, tentar educar a
classe dominante “branca”, recuperando-a da perversão etnocentrista de se
auto considerar superiormente européia, cristã, branca, latina e ocidental; c)
erradicar dos palcos brasileiros o ator branco maquilado de preto, norma
tradicional quando o personagem negro exigia qualidade dramática do
interprete; d) tornar impossível o costume de usar o ator negro em papeis
grotescos ou estereotipados: como moleques levando cascudos ou
carregando bandeiras, negras lavando roupas ou esfregando o chão,
mulatinhas se requebrando, domesticados Pais Joões e lacrimogêneas Mães
Pretas; e) desmascarar como inautênticas e absolutamente inútil a pseudo
cientifica literatura que a pretexto de estudo sério focaliza o negro, salvo
raríssimas exceções, como um exercício esteticista ou diversionista: eram
ensaios apenas acadêmicos, puramente descritivos, tratando de história,
etnografia, antropologia, sociologia, psiquiatria, e assim por diante, cujos
interesses estavam muitos distantes dos problemas dinâmicos que emergiam
do contexto racista da nossa sociedade. (NASCIMENTO, 1978, p. 187-
188).
Tais objetivos traçaram a existência do TEN e fizeram o grande êxito dos seus
espetáculos que ultrapassaram os limites da dramaturgia. O TEN realizou movimentos
de cunho político-sociais focados na emancipação dos brasileiros afrodescendentes:
“Não separávamos nossa atuação no palco dos acontecimentos político-sociais de
interesse para os descendentes de africanos” (NASCIMENTO, 2002, p.88)
Oliveira (2008, p.162) descreve a trajetória do TEN destacando a importância das
suas ações, em especial o papel político impresso pelo grupo, com destaque para o
papel do sociólogo Guerreiro Ramos junto ao TEN.
As ações políticas contra o racismo e pela promoção da população negra e da
igualdade realizadas pelo TEN entre 1944 e 1968 serão apresentadasaqui de forma
cronológica, oferecendo a percepção de que as atividades realizadas pelo grupo foram
intensas e calcadas, sobretudo, na formação e na valorização do negro e de suas raízes.
Tais ações foram documentadas na revista Dyonisos (1988), que sendo um
periódico especializado na história do teatro brasileiro dedicou à história do TEN uma
edição especial. Dentre as ações, podemos destacar: a) Organização do Comitê
35
Democrático Afro-Brasileiro (Março de 1945); 1ª Convenção Nacional do Negro
(novembro de 1945); 2ª Convenção Nacional do Negro (maio de 1946); 1º Concurso
Rainha das Mulatas (junho/setembro de 1947); 2ª Concurso Rainha das Mulatas (julho
de 1948); Publicação do Jornal Quilombo (dezembro de 1948 a julho de 1950);
Fundação do Instituto Nacional do Negro (janeiro de 1949); 1ª Conferência Nacional
do Negro (janeiro de 1949); Unificação dos Concursos Rainha das Mulatas e Boneca
de Piche (junho/setembro de 1949); 1º Congresso do Negro Brasileiro (agosto e
setembro de 1950).
Interessa ressaltar que tais eventos assentavam o TEN na discussão com a
sociologia e a antropologia e, ao mesmo tempo, proporcionavam visibilidade para as
causas negras com o objetivo de resgatar e valorizar a memória do negro brasileiro,
para instrumentalizá-lo através do reconhecimento de sua identidade, o que lhe daria
capacitação para poder assumir ações sociais que transformassem a sua realidade.
O caráter educativo desses eventos foi um fator relevante, pois eles também
ofereciam uma oportunidade de provocar o indivíduo branco com a intenção de educá-
lo contra o seu próprio preconceito (MULLER, 1988; OLIVEIRA, 2008). Em palavras
de Nascimento:
Muita importância também dedicou o TEN à criação de uma pedagogia
para educar o branco de seus complexos, sentimentos disfarçados de
superioridade. Mostrar ao branco – ao brasileiro de pele mais clara– a
impossibilidade de o país progredir socialmente enquanto ele insistir no
monopólio de privilégios coloniais (NASCIMENTO, 1988, p.84).
Acompanhando de modo panorâmico a proposta desse capítulo e seguindo os
passos da trajetória pedagógica do TEN, faz-se necessário discutir o embate com a
sociologia brasileira, sobretudo porque o TEN e os seus colaboradores ampliaram as
pesquisas sobre o negro, destacando-o como protagonista para além do teatro. A
imagem do negro é exposta, tornando-o capaz de falar por si próprio, de representar
seus direitos, de denunciar os problemas sofridos pelo seu povo, em contraponto com
os alguns estudos que só viam o negro como objeto, especialmente determinados
cientistas sociais. Oliveira (2008) ressalta também a posição de Guerreiro Ramos
36
frente ao TEN, em que o sociólogo reafirma a importância do teatro negro na
transformação dos estudos sobre o negro.
Oliveira (2008) destaca a presença de Guerreiro Ramos junto ao TEN, defendendo
a sua importância na instituição, destacando o seu trabalho intelectual:
O TEN inicia as suas atividades como um grupo de teatro e, embora tenha
ampliado esse objetivo inicial, permaneceu utilizando a dramatização como
uma das principais estratégias em prol da “descomplexificação” dos negros
brasileiros. De todos os envolvidos nesta atividade, foi Guerreiro Ramos o
responsável por fazer da dramatização mais do que uma manifestação
artística, mas, primordialmente, um processo terapêutico. Ao lado de
Abdias Nascimento, foi o principal mentor intelectual do TEN, assumindo
um papel decisivo na elaboração e na condução das principais atividades do
grupo (OLIVEIRA, 2008, p. 158).
Guerreiro Ramos participou também de outras realizações do TEN, onde atuou nos
concursos de beleza, nos congressos e por meio de artigos escritos no jornal
Quilombo. Ramos também foi orientador da tese de Abdias Nascimento concluída no
curso no Departamento de Sociologia no Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB). Sobre tal experiência o idealizador do TEN assim falou:
Dentro desse conjunto de atividades mais “políticas”, freqüentei a primeira
turma do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). E minha tese de
conclusão de curso no Departamento de Sociologia, dirigido por Guerreiro
Ramos, foi: “O valor sociológico do Teatro Experimental do Negro”. Trata-
se da análise das principais experiências desenvolvidas pelo TEN,
demonstrando seu significado na reformulação da sociologia sobre o negro.
Os vários depoimentos que apresento confirmam que, antes do TEN, o
negro era sempre tratado como objeto, como matéria-prima para estudo. E
nós procuramos modificar essa situação, transformar o negro em
protagonista de sua própria história. Daí a luta do TEN para que o negro
representasse seu próprio heroísmo. Foi uma tese que me pareceu muito
válida na época, tendo sido aprovada por Guerreiro Ramos
(NASCIMENTO, 1988, p.115).
Nesse sentido, para Nascimento em seu depoimento à revista Dionysos, os
estudiosos só passaram a rever suas posições em relação ao povo negro a partir da
intervenção do próprio TEN. Importa destacar que os pesquisadores, principalmente
37
sociólogos, contribuíram no auge das ações do TEN com os debates acerca das
relações raciais. Nascimento relata que:
A partir de nossos seminários e congressos, muitos daqueles estudiosos
começaram a rever suas posições e a se reciclarem. Roger Bastide
reconheceu que devia mudar sua posição sobre o negro, reciclou-se logo e
passou a ser um colaborador extraordinário até o fim da sua vida. Artur
Ramos nem teve muito tempo de reciclar. Morreu assim que chegou a Paris,
para assumir um cargo de direção da UNESCO. Sua última colaboração
junto ao TEN foi a Conferência Nacional do Negro, em 1949, que ajudou a
coordenar (NASCIMENTO, 1988, p. 15).
O fato é que no início dos anos de 1950 surgem duas obras sociológicas que
significaram um divisor de águas ante os estudos anteriores, a obra de Roger Bastide e
Florestan Fernandes intitulada Brancos e Negros em São Paulo, em 1955, e a de L. A.
da Costa Pinto, O Negro no Rio de Janeiro, em 1953.
Parece que a atuação do TEN em relação à incorporação de estudiosos brancos
na causa negra teve resultados satisfatórios, como indica Gonzalez (1982 p. 24-25):
Vale notar que é também a partir do período 1945-1948 em diante que
vamos encontrar a presença de representantes dos setores progressistas
brancos junto às entidades negras, efetivando um tipo de aliança que se
prolongaria, de maneira mais ou menos constante, aos dias atuais. E nesse
ponto, a gente se pergunta sobre a importância do papel desempenhado pelo
TEN para além dos limites da comunidade negra; estamos nos referindo ao
movimento de renovação do teatro brasileiro, a partir dos anos cinqüenta.
Além disso, não se pode deixar de recordar que não foi por acaso que um
Florestan Fernandes, por exemplo, tenha iniciado suas pesquisas sobre o
negro nesse período (GONZALES, 1982, p. 24-25).
Fernandes, então, passou a ter um papel fundamental, na medida em que
contribuiu com trabalhos sobre a população negra, analisando os efeitos da escravidão
e dos seus desdobramentos na sociedade brasileira. Em análise da desigualdade racial
escreve que:
38
O dilema racial brasileiro, na forma em que ele se manifesta na cidade de
São Paulo, lança suas raízes em fenômenos de estratificação social tendo
em vista a estrutura social como um todo, pode-se afirmar que, desde o
último quartel do século XIX até hoje, as grandes transformações histórico-
sociais não produziram os mesmos proventos para todos os setores da
população. De fato, o conjunto das transformações que deu origem à
“revolução burguesa”, fomentando a universalização, a consolidação e a
expansão da ordem social competitiva, apenas beneficiou, coletivamente, os
segmentos brancos da sociedade. (FERNANDES, 2007, p.105-106).
O próprio Fernandes analisou o teatro negro, ressaltando a importância de tal
iniciativa:
A idéia de um teatro experimental nasce de uma formulação moderna e
positiva: a questão está em saber como manejá-la. A rigor, o teatro que
possuímos (excetuando-se certas manifestações de teor folclórico ou
popularesco e a presença deformada ou autentica do negro no antigo teatro
erudito brasileiro), como as demais manifestações intelectuais, era de
brancos e para brancos. Engendrar um teatro negro significa dar
oportunidade de formação e de afirmação artísticas ao negro – algo em si
mesmo revolucionário, que implicava revisões de estereótipos negativos
para o negro e na eliminação progressiva de barreiras que proscreviam o
negro na nossa vida intelectual produtiva e criadora (FERNANDES, 2007,
p.222).
O processo de visibilização do negro preconizado pelo TEN e o seu ineditismo
nas frentes em que agiu, a exemplo dos embates junto às Ciências Sociais,
caracterizaram a importância desse movimento e endossaram a participação da gente
negra nas demandas mais estruturais daquela sociedade em permanente mudança
(OLIVEIRA, 2008, p.163).
Além disso, o papel e a atuação feminina afrodescendente no TEN foram
destacados por Romão, que constata a presença das mulheres negras no TEN
argumentado que ela se deu desde a sua fundação:
Além da presença de empregadas domésticas nos cursos de alfabetização,
como já foi destacado, a presença de mulheres no TEN era significativa,
estando elas nas peças de teatro, nas conferências como debatedoras e na
organização da entidade. (ROMÃO, 2005, p. 130-131).
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Romão destaca o papel de duas mulheres, Arinda Serafim e Maria Nascimento, a
primeira na organização das empregadas domésticas, a segunda como mobilizadora
para o mundo do trabalho e como articulista e secretária do jornal Quilombo:
As idéias de Maria Nascimento, assistente social de profissão, são bastante
visibilizadas pelo jornal. De 1948 a 1950, localizamos oito artigos
assinados por ela, que abordam temas relacionadas às crianças; aos jovens e
idosos; às mulheres negras; ás trabalhadoras domésticas; à participação
política e ao voto das mulheres negras; a importância da escola; à
discriminação racial na infância e no trabalho doméstico,etc. (ROMÃO,
2005, p.131).
A organização de mulheres negras no interior do TEN foi marcada,
especialmente, pela criação da Associação de Empregadas Domésticas, além de
revelar grandes atrizes. A presença das mulheres foi expressiva na Educação de
Adultos e na produção do jornal Quilombo, com destaque para Maria de Lourdes Vale
Nascimento, responsável pela coluna “Fala Mulher”, diretora secretária e depois
diretora gerente do jornal.
Dentre essas mulheres destacam-se Ruth de Souza e Lea Garcia brilhantes
atrizes no teatro, na TV e no cinema. Em testemunho à revista Dyonisos, Ruth de
Souza escreve:
Tínhamos contato com todo mundo, com outros grupos de teatros. O Café
Vermelhinho – defronte da ABI– era o ponto de encontro dos artistas e
intelectuais da época. Era uma coisa tão linda que hoje eu fico pensando no
documento incrível que teríamos se contássemos com um vídeo naquela
época. À tarde, das quatro horas em diante, você encontrava todo mundo ali
– o pessoal do TEN, do Teatro do Estudante, e ali a gente batia papo com
Portinari, Nelson Rodrigues (...) Ali conheci Santa Rosa, Sérgio Cardoso,
Sérgio Brito, Di Cavalcante, Aldemir Martins. E dali saiáamos muitas vezes
para a casa de Aníbal Machado, onde havia reuniões todas as quintas-feiras
(SOUZA, 1988, p.125).
A atriz também destaca o crescimento do TEN que evidenciava a extrapolação de
um simples movimento teatral:
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A partir da estréia de O Imperador Jones (os direitos autorais da peça foram
cedidos graciosamente a Abdias pelo autor, Eugene O’Neill, que lhe
escreveu uma carta), recomeçou a luta, para montar outras peças. Abdias
escolhia o repertório. Encenaríamos “Todos os filhos de Deus tem asas” e
“O filho pródigo”. Não havia local para os ensaios. A UNE já não podia
ceder seus espaços, pois o TEN começava a crescer: de repente, havia lá
umas 300 pessoas – aulas de alfabetização, conferências – um movimento
incrível. Os negros estavam fazendo mais movimento do que os próprios
alunos da UNE. O curso de alfabetização fazia parte do projeto do TEN.
Acho que foi o primeiro MOBRAL existente no Brasil (SOUZA, 1988,
p.124).
Toda essa arregimentação feminina redundou na fundação do Conselho Nacional
de Mulheres Negras, em 18 de maio de 1950, cujo objetivo era o de oferecer às
mulheres negras melhores condições de vida:
Entre os objetivos dessa organização estava o de oferecer serviços sociais à
comunidade negra, ajudando na solução de problemas com direitos básicos
de cidadania, como a obtenção de certidões de nascimento, carteiras de
trabalho e serviços jurídicos. Suas metas também incluíam cursos de
alfabetização e de educação primaria para crianças e adultos em
colaboração com o Centro de Recuperação e Habilitação do Rio de Janeiro.
Havia, ainda, os projetos de teatro infantil e teatro de bonecos, curso de
orientação às mães, assistência jurídica, orientação sociológica, cursos
profissionalizantes (corte e costura, bordados, tricô, datilografia), de
educação física e natação (LARKIN NASCIMENTO, 2003, p.308).
O desafio vivido pelo TEN no tocante à educação constituiu parte importante
de sua experiência política e cultural, pois vinculava a alfabetização de adultos à
proposta do teatro e da formação artística. O seu elenco era composto de pessoas
analfabetas que iniciaram as suas atividades teatrais nos cursos de alfabetização, seus
objetivos não estavam necessariamente atrelados a uma proposta de escolarização,
propriamente dita, e sim de possibilidade de formação de artistas que percebessem a
importância da presença negra na cena teatral, e para isso a formação de consciência
da negritude era fundamental:
A educação no Teatro Experimental do Negro não encontra relação
simplesmente com a escolarização. A educação do Teatro Negro incorporou
ao projeto: a perspectiva emancipatória do negro no seu percurso político e
consciente de inserção do mercado de trabalho (na medida em que
41
pretendia formar profissionais no campo artístico do teatro); na dimensão
da educação educativa e política e, na dimensão política, uma vez que o
sentido de ser negro foi colocado na perspectiva da negação da suposta
inferioridade natural dos negros (ROMÃO, 2005).
A prática de educação exercida pelo TEN estava presente em todas as suas frentes
de atuação, conforme já abordado por alguns autores, conforme o seu criador Abdias
do Nascimento:
Quando fundamos o Teatro do Negro, ficou desde logo estabelecido que o
espetáculo, a pura representação, seria coisa secundária. O principal para
nós, era a educação, e esclarecimento do povo. Pretendíamos dar ocasião
aos negros de alfabetizar-se com conhecimentos gerais sobre história,
geografia, matemática, línguas, literatura etc.(NASCIMENTO, 1946, apud
LARKIN NASCIMENTO, 2003, p. 74).
A visão pedagógica e o processo de alfabetização no TEN seguiam a
compreensão de que a educação para o negro constituía uma forma de socialização e
de possibilidade de uma melhor inserção na sociedade combatendo o estado de
marginalidade em que vivia o negro.
As pessoas que ingressavam nos cursos de alfabetização vinham de origem
popular e buscavam no TEN possibilidades de aprender a ler e escrever. Como escreve
o seu fundador:
A preliminar da Fundação do Teatro Experimental do Negro foi a
compreensão de que o processo de libertação da massa dos homens de cor
do seu estado de marginalismo social devia se assentar na educação e na
criação de condições sociais e econômicas para que essa educação para a
vida livre se efetivasse. Partimos do marco zero: organizamos inicialmente
cursos de alfabetização onde operários, empregados domésticos, favelados
sem profissão definida, modestos funcionários públicos, etc., se reuniam à
noite, depois do trabalho diário para aprender a ler e escrever
(NASCIMENTO, 1966, p.123).
O projeto educacional do TEN, além do ensino da leitura e escrita, visava à
construção da dignidade do negro aviltada pelo racismo, e, para isso, era necessário
intervenção política e cultural, partindo da valorização da população negra:
42
A alfabetização inseria-se no objetivo geral de “valorização da gente de
cor” ao possibilitar o exercício do direito ao voto e o domínio do
instrumental mínimo necessário para se defender no mercado de trabalho e
na sociedade em geral. Além disso, porém, havia a proposta de formar
pessoas conhecedoras de sua matriz cultural e capazes de articular sua
concepção crítica da sociedade e do meio cultural em que iriam atuar
(LARKIN NASCIMENTO, 2003, p.290).
O curso de alfabetização de adultos organizado pelo TEN foi desenvolvido entre
os anos de 1944 e 1945 e frequentado por mais 600 pessoas (ROMÃO, 2005;
DIONYSOS, 1998). Utilizando as dependências da União Nacional dos Estudantes o
curso teve curta duração, pelo fato de que a UNE precisou utilizar os espaços cedidos
para as ações do teatro negro.
Percebe-se que em suas ações o TEN preocupou-se em formar o contingente
negro, pela valorização da cultura e da ancestralidade e, sobretudo, por emergir em um
cenário em que as vozes populares passam a ocupar espaço devido há uma dinâmica
cultural que facilitou a construção de uma identidade negra na diversidade brasileira.
Todas essas atividades, segundo seus idealizadores, mereciam ser conhecidas por um
público maior, o que motivou seus dirigentes a produzirem um jornal, o Quilombo,
(que circulou entre o mês de dezembro 1948 ao mês de julho 1950), mas que, apesar
de sua curta existência, merece uma análise, na medida em que se constituiu no mais
importante meio de divulgação das atividades do TEN e que será objeto de análise do
próximo capítulo.
43
CAPÍTULO III
A IMPRENSA E A EDUCAÇÃO DO NEGRO: O JORNAL
QUILOMBO
Desde 1930, com a ascensão da burguesia urbana, a imprensa brasileira tal como
aconteceu com o rádio e outros meios de comunicação foi afetada pela expansão do
mercado publicitário e do controle do imperialismo americano. Ao traçar uma linha
cronológica que caracteriza a imprensa ainda antes de 1930, Ortiz (1986) nos oferece
uma consideração importante sobre a ascensão da imprensa no Brasil. Em suas
palavras,
No Brasil antes de 1930, os jornais sentiam muito a influência da pequena
burguesia urbana, que constituía o mundo reduzido de seus leitores: é uma
fase liberal, em que a maioria da imprensa defende reformas e coloca-se na
oposição; a publicidade fornecida diretamente pelo comércio e pela
indústria nacional. Depois de 1930, a situação muda: passa a preponderar a
publicidade de grandes empresas e de monopólios estrangeiros, canalizada
por agencias especializadas, também estrangeiras; a posição da maioria da
imprensa é conservadora ou mesmo reacionária (1986, p.131).
A imprensa naquele período dividia-se, grosso modo, em imprensa liberal e
imprensa popular. A pequena imprensa, marginalizadas e reduzida em suas
publicações, devido aos poucos recursos, ainda assim sobrevivia de forma a
desenvolver e divulgar seus trabalhos.
Nesse contexto pode-se dizer que os modelos de jornais que apresentavam seus
interesses particulares ou de classe expressavam a existência de uma imprensa de
caráter popular e que representava as legitimas demandas dessas classes, como os
jornais operários, ou aqueles voltados para o público feminino ou das pessoas negras,
conforme veremos na imprensa negra, e em particular, no jornal Quilombo.
44
3.1. A imprensa negra no Brasil: os antecedentes do jornal Quilombo
Entre as formas de denúncia e resistência à discriminação racial, os grupos negros
organizados criaram e difundiram veículos de imprensa negra, que podem ser
encontrados desde o século XIX, conforme a pesquisadora Ana Flavia Magalhães
Pinto (2010), que pesquisou o assunto e lançou um livro sobre a “Imprensa Negra no
Século IX”.
Para efeito de entrosamento com a proposta da imprensa negra abordada neste
capítulo, pode-se inferir que a experiência do século XIX foi um pilar para os
experimentos do século XX, pois representava uma das formas de protesto contra a
situação vivida pelo negro. Para exemplificar a produção de impressos negros no
século XIX, veja-se uma lista dos jornais daquele período, organizada em ordem
cronológica:
O Homem de Cor ou o Mulato, Brasileiro Pardo, O Cabrito e o Lafuente,
no Rio de Janeiro (RJ) em 1833; O Homem: Realidade Constitucional ou
Dissolução Social, de Recife (PE), em 1876; A Pátria – Órgão dos Homens
de Cor de São Paulo(SP), em 1889; O Exemplo, de Porto Alegre(RS),de
1892; e o Progresso – Órgão dos homens de Cor, também de São
Paulo(SP), em 1899 (PINTO, 2010,p. 17-18).
Essas publicações levam ao entendimento de que essa forma de expressão já fazia
parte do repertório dos grupos negros ,o que podemos deduzir que tais experiências já
apontavam para a necessidade de formação e de construção de conhecimento para essa
parcela da população (PINTO, 2010).
Também no século XX assinala-se uma grande produção de jornais negros,
sobretudo nas décadas iniciais, em São Paulo, os quais foram dinamizados pelaa
atuação de Associações Sociais e Recreativas de negros com destacado foco na
educação. Segundo Nascimento (2003, p.225):
Em geral, a ação e o discurso dessas organizações e de sua imprensa
almejavam alcançar para a coletividade dos ex-escravizados uma
participação efetiva na sociedade vigente da qual era excluída. Para isso, a
educação destacava-se como meio por excelência e, portanto, o objetivo
45
maior da prática dessas entidades, muitas das quais abriam escolas
noturnas. Além de denunciar o “preconceito” e incentivar a comunidade a
se unir para lutar contra ele, os periódicos da imprensa negra se propunham
e cumpriam, eles mesmos, um papel educativo.
Com a finalidade de destacar a imprensa negra paulista do início do século XX,
veja-se uma lista de nomes de jornais que dão a ideia de quão produtivo foi esse
período para a imprensa negra no interior e na capital desse estado:
O Bandeirante (1910), A União (1918), A Protectora (1919), O Getulino (
1919), Escravos (1935), O Patrocínio (1925), O Menelike (1915), O
Alfinete (1918), A Liberdade (1919), O Kosmos (1924), O Elite (1924), O
Auriverde (1928), O Clarim (1923), que se tornou depois O Clarim d’
Alvorada (NASCIMENTO, 2003,p.226).
Com base nas informações apresentadas acima, pode-se inferir que há uma
ampliação acentuada de publicações da imprensa negra, pois, se Pinto (2010) arrola
oito jornais publicados pelo país (ainda que possam ter existido mais), Nascimento
(2003) especifica um rol de 13 impressos, somente no Estado de São Paulo. Constata-
se desta maneira que o incremento da produção da imprensa negra vem a corroborar
registros e manifestações da memória coletiva em prol de uma proposta educativa por
intermédio do aumento das organizações negras.
Esses periódicos publicados nas primeiras décadas do século passado
antecederam o jornal Quilombo, periódico do TEN, e foram importantes para a difusão
das experiências dos negros e da luta contra a discriminação racial.
3.2. O jornal Quilombo
O jornal Quilombo, órgão oficial do TEN, circulou na cidade do Rio de
Janeiro, entre dezembro de 1948 e julho de 1950, sob a direção de Abdias do
Nascimento, tendo como subtítulo “Vida, Problemas e Aspirações do Negro”.
Registre-se que em todos os seus números foi exibido o programa do Quilombo,
transcrito integralmente a seguir, porque os pontos nele incluídos justificam a relação
do jornal com a formação do negro:
46
NOSSO PROGRAMA
Trabalhar pela valorização e valoração do negro brasileiro em todos os
setores: social, cultural, educacional, político, econômico e artístico.
Para atingir esses objetivos QUILOMBO, propõe-se:
1. Colaborar na formação da consciência de que não existem raças
superiores e nem servidão natural, conforme nos ensina a teologia, a
filosofia e a ciência;
2. Esclarecer ao negro que a escravidão significa um fenômeno histórico
completamente superado, não devendo, por isso, constituir motivo para
ódios ou ressentimentos e nem para inibições motivadas pela côr da
epiderme que lhe recorda sempre o passado ignominioso;
3. Lutar para que, enquanto não for tornado gratuito o ensino em todos os
graus, sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do
Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino
secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares;
4. Combater os preconceitos de côr e de raça e as discriminações que por
esses motivos se praticam, atentando contra a civilização cristã, as leis
e a nossa constituição;
5. Pleitear para que seja previsto e definido o crime de discriminação
racial e de côr em nossos códigos, tal como se fez em alguns estados da
Norte- América e na Constituição Cubana de 1940 (NASCIMENTO,
2003, p. 253).
Esse programa deixa claro a preocupação do Quilombo com a formação do negro
através da educação, pois apresenta em seus pontos a importância do ensino, da
consciência, da autovalorização para transformação do negro através de integração a
uma sociedade onde é marginalizado e que só pode ser transformada a seu favor
através da educação.
Ao longo do curto período de dois anos, o jornal Quilombo divulgou os feitos do
TEN e promoveu debates sobre as relações raciais, com participação de intelectuais da
época, mediante a publicação de artigos originais de Arthur Ramos, Gilberto Freyre,
Di Cavalcanti, Murilo Mendes, Roger Bastide, Raquel de Queiroz, Nelson Rodrigues,
entre outros.
Visando descortinar o projeto educacional do Quilombo, procuramos analisar as
dez edições do jornal, uma a uma, objetivando, ao final, fazer uma síntese articulada
de conjunto de todas elas.
Número 1. No primeiro número do jornal, de 9 de dezembro de 1948, Abdias
Nascimento apresenta em seu editorial uma reflexão acerca dos verdadeiros objetivos
do Quilombo, em defende que o foco principal é a formação do negro: “Porém a luta
47
de QUILOMBO não é especificamente contra os que negam os nossos direitos, sinão
em especial para fazer lembrar ou conhecer ao próprio negro os seus direitos a vida e a
cultura” (QUILOMBO, p.19, 2003). Vê-se aí uma preocupação com a formação dos
negros no sentido de reconhecimento do seu valor e direito.
Uma das principais tônicas do jornal também focaliza as diferenças raciais
provocadas pelo racismo contra o negro que se revelam na forma de exclusão do negro
em determinados espaços sociais, como aparece em artigo assinado por Raquel de
Queiroz denominado “Linha de Cor” (QUILOMBO, 2003, p.20), no qual a escritora
pontua a existência do preconceito no Brasil, contrapondo-se a um escritor que afirma
não existir esse problema. Destacam-se no referido artigo fragmentos sobre o
preconceito em espaços escolares:
“E que os colégios grã-finos não aceitam alunos ou alunas de côr?”
“Recorda o caso denunciado pela minha cara amiga e grande escritora Lia
Correia Dutra, a respeito de dois alunos seus que não foram admitidos em
certa escola oficial – porque eram mulatos?”.
“E por falar em escolas, sabe, o meu distinto confrade, que a Fundação Rio
Branco, escola de preparação de rapazes para a carreira diplomática,
igualmente recusa alunos de cor?”(QUILOMBO, 2003, p.20)
Na página 4 do jornal também se encontra uma discussão sobre educação escolar
em artigo assinada por Haroldo Costa, apresentado como ex-vice-presidente da
Associação Metropolitana de Estudantes Secundários, denominado “Queremos
Estudar”. Costa reflete sobre a ausência dos negros nos espaços escolares,
problematizando que a questão não está somente relacionada a problemas econômicos
e que parte dessas escolas pertencem à igreja:
É comum, quando se diz que em determinados educandários não é
permitido ao jovem de cor se matricular, surgirem os acomodados dizendo
enfaticamente: “ – A questão é simplesmente econômica. Se o negro tiver
dinheiro poderá estudar onde aprouver”. No entanto a questão
verdadeiramente não se reduz a isto. Aí está o colégio Notre Dame de Sion,
que não aceita alunas negras, mesmo que elas se sujeitem a pagar as
pesadas mensalidades. No mesmo caso se encontram os colégios Andrews
Benett, Santo Inácio, N.S de Lourdes e tantos outros, para citar apenas
estabelecimentos secundários. O mais estranhável é que determinados
educandários dirigidos por padres católicos e freiras também se destaquem
48
nessa frente constituída para impedir a formação intelectual da gente de cor
(QUILOMBO, 2003, p.22).
No mesmo artigo, Costa também discutiu o problema da exclusão do negro no
ensino em instituições oficiais e militares, discorrendo sobre a dificuldade dos negros
em ingressar no Instituto Rio Branco e nas escolas de oficiais militares.
Ainda na mesma página, aparece matéria sobre a Escola de samba “Sem Você eu
Vivo Bem”, cujo presidente Rodrigues Alves cogita em criar aulas de alfabetização no
âmbito da associação, iniciativa enaltecida pelo jornal:
O programa de Rodrigues Alves precisa ser executado apesar das
dificuldades inerentes a realizações dessa natureza. Os poderes públicos, a
Secretaria de Educação da Prefeitura deviam colaborar na iniciativa dessa
Escola de Samba. Mas desde que não o façam, o Rodrigues Alves não deve
esmorecer. Seu trabalho ficará como um exemplo a ser seguido pelas
demais escolas de samba que mantendo também um curso de alfabetização
só estarão aumentando seu credito diante do publico e aos olhos do governo
(QUILOMBO, 2003, p.22).
Estes artigos sobre educação escolar mostram que as relações da educação formal
do negro nas matérias do jornal Quilombo eram de certo distanciamento em relação ao
ensino público, haja vista que as matérias que retrataram tal assunto não abordaram as
relações de educação formal pungentes neste período.
Sobre a educação e a formação do negro, a primeira edição de Quilombo relata
também a história do TEN, valorizando as suas iniciativas tanto na educação através
da alfabetização de adultos, quanto as da dramaturgia.
É Iiportante observar que no número inicial do Quilombo, as demais matérias
procuram enfatizar a valorização da cultura negra através das manifestações culturais,
nas formas de arte e religião e do enaltecimento de sujeitos negros em suas áreas de
atuação, como as matérias sobre os escritores Lima Barreto e Cruz e Souza (p.2 e 3); a
poesia negra, na análise de Efrain Tomás Bó (p. 5); a valorização religiosa, no artigo
“Como se desenrola uma festa de Candomblé”, assinado por Edson Carneiro (p. 4 e 5);
a orquestra Afro-brasileira e seu destaque na musica (p. 6); assim como o destaque
dado ao cantor e radialista Blackout (p. 6) e à atriz Ruth de Souza (p.6).
49
Na página 8 encontra-se uma coluna permanente, cujo nome é “Fala a Mulher”,
assinada por Maria Nascimento, uma das principais colaboradoras do TEN , que em
todas as edições do Quilombo está presente, dando voz às mulheres negras. Na matéria
deste primeiro número do jornal, que recebe o título de “Crianças Racistas”, vale
destacar um trecho em que Nascimento convida as mulheres para escrever para a sua
coluna: “Solicito a minhas amigas que me escrevam. Sem se importar com os erros de
gramática, que isto aqui não é Academia de Letras e sim uma tribuna democrática para
a discussão de ideias e problemas nossos” (QUILOMBO,2003, p.26).
Vê-se nessa chamada proferida por Nascimento o perfil ao qual é destinada essa
parte do jornal, direcionada a mulheres que de uma forma ou de outra estão inseridas
no mundo da escrita e da leitura, logo, com alguma formação educacional.
A primeira edição do jornal teve 8 páginas.
Número 2. O segundo número do jornal, de 9 maio de 1949, ressalta o heroísmo negro
em relação à luta pela abolição, evocada por Abdias Nascimento no editorial que
lembra as ações de Luiz Gama, um ícone negro abolicionista. Destaca-se o seu espírito
guerreiro por liberdade, assim como de outros sujeitos que igualmente lutaram contra a
escravidão, estabelece-se uma ponte entre aquela luta e a da época, salientando formas
perversas e subreptícias de subjugação da população negra:
Pela permanência desse sentimento de liberdade e dignidade nos nossos
negros encaminhamos nossa luta e nos colocamos contra aqueles que ainda
hoje conservam o escravagismo psicológico e procuram impedi-los de
ocupar o lugar que moral e humanamente lhes corresponde no seio da
sociedade brasileira (QUILOMBO, 2003, p.27).
Essa ponderação reflete o potencial do jornal, no aspecto de o seu caráter
educativo procurar ter um caráter formativo para o negro, que precisa reconhecer o seu
valor a partir de suas referências históricas.
A exemplo do primeiro número do jornal, este dá amplo destaque à importância
da contribuição cultural do negro em relação a manifestações culturais como o teatro e
o cinema, além de promover o debate político a respeito da participação negra e da sua
dignidade até então negada.
50
Entretanto, não foram encontradas nas oito paginas desse número matérias que
se relacionassem mais diretamente à educação, motivo da presente pesquisa.
Número 3. Na edição de número, de junho de 1949, na página 2 encontra-se uma
seção intitulada “Sociais” que apresenta matéria sobre a Sociedade Recreativa Floresta
Aurora, entidade negra de Porto Alegre. Transcreve-se a fala de seu representante,
Heitor Nunes Fraga, no subtítulo “O negro gaúcho quer estudar e progredir”, que
destaca a necessidade de formação escolar dos negros gaúchos:
– A sociedade que tenho a honra de, neste momento, representar, – iniciou
o snr Heitor Nunes Fraga – atravessa atualmente uma fase de grandes
empreendimentos, o que aliás, vem se fazendo sentir desde algumas
administrações passadas. Seu quadro social congrega elevado numero de
homens de cor e suas respectivas famílias todos procurando,
harmoniosamente, trabalhar pelo melhoramento do nível cultural de nossa
gente. A Floresta Aurora, consciente do seu papel, procurou e procura
sempre viver em boas relações com as sociedades co-irmãs. Sempre
entendeu suas diretorias que somente com a aproximação e
restabelecimentos de fortes vínculos entre os homens de cor, poderemos ver
frutificados nossos ideais de progresso e valorização. O esclarecimento, a
inteligência e a cultura de uns aliada à solidariedade, ao estimulo e esforço
de outros, conseguirão os frutos desejados. Convem destacar – e isso faço
com satisfação – que o negro de Porto Alegre está sendo atacado de uma
sede de elevação cultural que muito nos anima. Não é muito raro encontrar-
se jovens pretos cursando as escolas superiores. E isso é indicio muito
significativo, uma recomendação para os negros da cidade (QUILOMBO,
2003, p.36).
Esse posicionamento do representante da Sociedade Recreativa Floresta Aurora,
do Rio Grande do Sul, contribui para uma ideia recorrente no jornal Quilombo que é a
de conceber o progresso dos negros através da sua formação cultural e intelectual,
adquirida pela formação escolar e do reconhecimento da possibilidade que ela oferece
como forma de mobilidade social.
Na página 5 do jornal, em matéria intitulada “1º Congresso do Negro Brasileiro
de 1949”, o jornal apresenta o temário aprovado na Conferência Nacional do Negro,
que se desenrolou entre os dias 9e 13 de maio de 1949, sob a coordenação de Abdias
Nascimento, Guerreiro Ramos e Edson Carneiro, cuja chamada tinha como proposta
preparar o referido Congresso, dando as bases para os temas que seriam discutidos:
51
A Conferência Nacional do Negro convida os escritores, os historiadores,
os antropólogos, os folcloristas, os musicistas, os sociólogos e os
intelectuais em geral a prestigiar, com a sua colaboração, a realização do
Congresso, e pede a cooperação de negros e mulatos, homens do povo, para
que o Congresso possa ser representativo das aspirações e tendências gerais
da população de cor (QUILOMBO, 2003, p.39).
O temário do 1º Congresso do Negro foi aprovado no encerramento da
Conferência Nacional do Negro, no dia 13 de maio, e ficou dividido nos seguintes
temas:
– “História”, que contemplaria as referencias históricas da presença negra no
Brasil desde a escravidão, a formação de quilombos, as lutas por abolição, a
participação do negro nas lutas em defesa do Brasil e os sujeitos históricos negros;
– “Vida Social”, que congregaria temas as “condições gerais de vida da
população de cor”;
– “Sobrevivências Religiosas”, que reuniria trabalhos sobre as religiões de matiz
africana na sua forma espiritual e cultural;
– “Sobrevivências Folclóricas”, que englobaria as referências da cultura popular
construídas pelos negros;
– “Línguas”, em que se discutiria a contribuição das línguas trazidas pelos
negros para o português do Brasil; e o ultimo tema.
– “Estética”, em que se abordaria a relação do negro com as artes e a filosofia.
Segundo o jornal, esses temas mostrariam um avanço nos estudos sobre o negro
no Brasil, pois permitiriam uma inserção profícua no debate sobre a presença negra no
país.
Nas páginas 6 e 7, o Quilombo apresenta um panorama da Conferência Nacional
do Negro e oferece um resumo dos debates e discussões por ela levantadas.
Na página 11, o jornal apresenta o discurso de abertura da Conferência Nacional,
no qual Abdias traça a história do TEN e focaliza principalmente a característica
formativa do coletivo, para além da atividade teatral. No discurso, intitulado “Espirito
e Fisionomia do Teatro Experimental do Negro”, afirma:
52
O Teatro Experimental do Negro não é, apesar do nome, apenas uma
entidade de objetivos artísticos. A necessidade da fundação deste
movimento foi inspirada pelo imperativo da organização social da gente de
cor, tendo em vista a elevação de seu nível cultural e seus valores
individuais. Entretanto, o espírito associativo é atributo da massa
esclarecida e de elevado padrão cultural. Daí ser quase impossível, como se
pode depreender da observação da vida brasileira, associar homens e
mulheres em função, apenas, de objetivos sociais (QUILOMBO, 2003,
p.45).
A última página do terceiro número do Quilombo é dedicada a uma coluna social
voltada para o concurso “Rainha das Mulatas” e “Boneca de Piche”, que segundo os
seus organizadores é uma forma de elevação das mulheres negras, Pela qual “as
garotas bonitas, côr de canela ou de jaboticaba madura, terão assim uma oportunidade
única de mostrar seus dotes de beleza, elegância, “charme” e distinção social”
(QUILOMBO, 2003, p.46).
Número 4. O Quilombo de número quatro, de julho de 1949, foi o mais voltado para
as questões políticas e culturais de valorização dos negros, apresentando referências a
ícones negros na poesia, como o poeta Solano Trindade (QUILOMBO, 2003, p.46);
na música, como o musico Padre José Mauricio (QUILOMBO, 2003, p.47); e no
cinema, onde homenageia-se a atriz Ruth de Souza (QUILOMBO, 2003, p.47).
Na coluna “Fala a Mulher”, Maria Nascimento faz uma reflexão sobre o Congresso
Nacional de Mulheres, em matéria intitulada “O Congresso Nacional de Mulheres e a
regulamentação do trabalho doméstico” (QUILOMBO, 2003, p.47). Ela enfatiza a
importância do Congresso:
Merece toda atenção as resoluções votadas em maio ultimo pelas mulheres
do Brasil inteiro que aqui se reuniram em congresso nacional. Todos os
itens abordados pelas congressistas são de importância básica para a
existência, a felicidade e o progresso da mulher, e, consequentemente do
povo brasileiro da qual ela é mãe dedicada e sacrificada...).
É inacreditável que numa época em que tanto se fala em justiça social possa
existir milhares de trabalhadoras como as empregadas domésticas, sem
horário de entrar e sair no serviço, sem amparo na doença e na velhice, sem
proteção no período de gestação e post-parto sem maternidade, sem creche
53
para abrigar seus filhos durante as horas de trabalho QUILOMBO, 2003,
p.47
Nascimento também reflete sobre como as mulheres negras estão reagindo contra a
opressão que historicamente sofrem. Em suas palavras:
Acontece porém, que a mulher negra está abrindo os olhos. Durante a
escravidão e mesmo agora na Republica, ela existiu passiva, amamentando
“sinhosinhos” e aos filhos do “seu dotô”. Subjugada diminuída, refugiava-
se na sua doçura e mansidão natural, sem armas para lutar e resistir aos
mais vis assaltos a sua honra e dignidade pessoal. Felizmente esse tempo
está passando. Empregada doméstica funcionaria pública, comerciária,
industriária, médica, advogada ou mãe de família, a mulher negra está
aprendendo a andar de cabeça erguida e impor a sua personalidade
(QUILOMBO, 2003, p.47).
Nas frases de Nascimento, percebe-se que há uma transformação nas vidas das
mulheres, ocasionada pela inserção no mercado de trabalho, e que isso decorre da
formação pela educação, que faz com que elas ocupem vários postos na sociedade.
Na página 4, encontra-se uma matéria sobre o lançamento de uma revista voltada
para a cultura afro-brasileira, publicada em Porto Alegre, mostrando que as
informações sobre o negro estão se difundindo, o que sugere uma relação de formação
pela educação, a partir da língua escrita. Intitulada de “Letras –uma revista Afro-
Brasileira”, a matéria refere-se a esse empreendimento, onde se lê:
A fundação do “Centro Literário de Estudos Afro-Brasileiros” em janeiro
deste ano em Porto Alegre, é por si só motivo de satisfação entre negros e
brancos interessados no conhecimento da cultura que os prêtos trouxeram
da África para o Brasil. Partindo dêsse conhecimento vem a compreensão
do Homem Negro e de seus problemas, base de onde se assenta um trabalho
objeto, sincero e patriótico para o melhoramento das condições sociais
desfrutadas pelo grupo mais pigmentado da nossa etnia. Centros com essa
finalidade deveriam se multiplicar por todas as cidades brasileiras, levando
até aos nossos mais humildes pretos das vilas e fazendas o esclarecimento
indispensável á sua evolução e progresso (QUILOMBO,2003, p.50).
Nesta citação outra vez se desdobra o tema da necessidade da formação para o
negro, visando o seu progresso e melhoria de vida.
54
À pagina 7. em matéria assinada por Guerreiro Ramos intitulada “Uma experiência
de grupoterapia”, e publicada em em uma seção denominada “Arquivo”, o sociólogo
reflete sobre a Conferência Nacional do Negro, enaltecendo os objetivos do TEN em
sua empreitada para formação dos negros:
Muitos resultados serão colhidos deste certame de construtiva influência na
vida brasileira. Nesta oportunidade porém, desejo assinalar apenas um
aspecto, que julgo de capital importância e que caracteriza o movimento do
Teatro Experimental do Negro como uma das iniciativas de maior
gravidade e profundidade na vida cultural do país.
Com efeito, quem se der ao trabalho de ler o discurso com o qual o Sr
Abdias Nascimento, instalou aquele conclave verificará que o conhecido
líder descobriu uma pista jamais suspeitada entre nós, ou seja, o de pelo
teatro adestrar o homem de côr nos estilos de comportamento de classe
média e superior. Retoma assim este negro a significação original do teatro
como processo catártico, numa poderosa intuição artística e sociológica.
(QUILOMBO,2003, p.53).
Na página 11, a matéria “ Uma Artista Negra” fala sobre “a pintora Cleoo Novarro,
brasileira educada na África – expôs na Europa e vai aos Estados Unidos retratar
Ralph Bunche”, como explica o subtítulo. Nesta entrevista ao Quilombo, a referida
artista, perguntada sobre racismo, dá uma resposta que é muito semelhante à visão
difundida pelo TEN, de que as transformações na condição social em que o negro se
encontra devem vir do próprio negro
– Mudando o fio da conversa quisemos saber sua opinião a respeito dos
contatos raciais no Brasil. Cleoo nos satisfez imediatamente:
– O negro brasileiro é um dos homens mais felizes do mundo em matéria
de racismo. Sei as discriminações veladas e ostensivas que ele tem de
enfrentar para vencer, mas também conheço as do resto do mundo. Aliás
convém que se diga: o nosso negro quase nada fez. Ele deve e precisa
trabalhar muito em seu próprio beneficio. (QUILOMBO, 2003, p.57).
Número 5. O número 5 do Quilombo, de janeiro de 1950, traz editorial a respeito do
1º Congresso do Negro Brasileiro, que se realizaria no mês de agosto daquele ano, no
qual Nascimento escreve que o 1º Congresso visa a transformação social que passa
pela formação do negro:
55
O 1º Congresso do Negro Brasileiro pretende dar uma ênfase toda especial
aos problemas práticos e atuais da vida da nossa gente de cor. Sempre que
se estudou o negro foi com o propósito evidente ou a intenção mal
disfarçada de considerá-lo um ser distante, quase morto, ou já mesmo
empalhado como peça de museu. Por isso mesmo o Congresso dará uma
importância secundária, por exemplo, às questões etnológicas, e menos
palpitantes, interessando menos saber qual seja o índice cefálico do negro,
ou se Zumbi suicidou-se realmente ou não, do que indagar quais os meios
que poderemos lançar mãos para organizar associações e instituições que
possam oferecer oportunidades para a gente de cor se elevar na sociedade
(QUILOMBO, 2003, p.59).
Esse caráter de mobilidade social referido na passagem do editorial acima se
caracteriza pela necessidade de uma formação que possibilite as mudanças estruturais
na vida dos negros. Para isso, Nascimento ressalta a necessidade de transformações
nos estudos sobre os negros no Brasil, e transformações tais só seriam possível com o
esclarecimento do negro e de toda sociedade em relação a essas demandas.
Na pagina 2 encontra-se em uma pequena nota intitulada “Candidato a deputado dos
Negros Paulistas” que menciona a possível candidatura de José Corrêa Leite,
apresentado como “uma das figuras mais prestigiosas entre os negros de S. Paulo”
(QUILOMBO, 2003, p.60). A página 3 também apresenta uma matéria sobre eleições,
intitulada “O Negro e as Eleições” que sugere aos negros consciência na hora de
escolher os seus candidatos. Tais matérias sugerem que candidaturas negras são
também uma das armas para fomentar a sua formação, haja vista que os candidatos
negros apresentam boa formação intelectual e certo prestígio na sociedade.
Ainda na página 3 em matéria denominada “Valorização do Homem de Côr”, a
discussão sobre formação se apresenta de forma a demonstrar que já existem
mudanças na história do negro. Conforme o texto:
A princípio, eram apenas algumas vozes isoladas. Hoje milhares de negros,
em todo o território nacional, despertam do marasmo a que se haviam
entregado, olhando para o alto, procurando enxergar a luz da liberdade,
liberdade da ignorância, da miséria, do analfabetismo etc.
Esta consciência é hoje uma realidade, quando anos atrás representava
apenas um sonho. O homem de côr do Brasil resolveu recuperar o tempo
perdido. É a hora da descoberta das suas próprias forças e a marcha para
uma nova vida.
56
(...) A imensa massa de pretos analfabetos verificou que “todos os filhos de
Deus tem asas (no dizer de Eugene O’ Neill) e que os espaços são
limitados, sem fronteiras, para todos aqueles que desejem conquistar o que
têm direito neste nosso pobre e imenso país (QUILOMBO, 2003, p.61).
A página 4, na seção denominada “Arquivo”, há uma matéria intitulada “Quilombo
nos Estados Unidos”, assinada por George S. Schuyler, que recomenda a leitura do
jornal Quilombo para os estudantes negros dos Estados Unidos:
Você está estudando línguas latinas: Italiano, Espanhol, Francês ou
Português? Elas são intimamente relacionadas, e assim conhecendo uma
língua você pode interpretar de algum modo as outras. Devem existir
dezenas de milhares de jovens de côr nas escolas superiores, colégios e
universidades dos Estados Unidos que estão estudando uma ou outra dessas
línguas. A esses jovens eu desejo recomendar a leitura permanente de
QUILOMBO, um jornal mensal editado no Rio de Janeiro, Brasil, por gente
de côr para a gente de côr (QUILOMBO, 2003, p.62).
As páginas 9 e 12 apresentam uma matéria sobre o concurso “Boneca de
Piche”, com o titulo “Vinte Mil Cruzeiros para a Negra mais bonita do Rio”, que
estabelece as características que devem ter as candidatas para concorrerem ao
concurso. Segundo o jornal,
O concurso da “Boneca de Piche” objetiva proporcionar as mulheres negras
uma oportunidade de se projetarem socialmente, de se valorisarem através
dessa demonstração pública, em grande estilo, dos seus predicados, de suas
virtudes, da sua vivacidade mental, graça, elegancia, e, sobretudo, de sua
integração no que há de mais categorizado em matéria social. Sim porque o
concurso é prestigiado pelas figuras mais representativas das nossas artes,
pelos expoentes da nossa sociedade, corpo diplomático, literatura,
jornalismo etc. (QUILOMBO, 2003, p.67).
Vê-se aí que a formação também está presente no concurso, haja vista que as
exigências para vencê-lo colocam a concorrente negra na busca de um
desenvolvimento de suas qualidades tanto física quanto morais e intelectuais.
57
À página 11, na coluna “Fala a Mulher”, a colunista Maria Nascimento na matéria
de titulo “A ‘Fundação Leão XIII’ e as Favelas”, referenda as ações filantrópicas
dessa Fundação com enfoque na educação. Sobre educação, Nascimento escreve:
Outro setor ativo e não menos importante é o que se dedica à educação de
menores e adultos. Numa grande sala repleta de alunos, pode-se contar nos
dedos de uma mão as pessoas de côr branca. E como eu me sentia feliz
vendo moços, velhos e crianças negras serem tratadas com amor e carinho
pelos professores da Fundação. Quem por ventura tiver visitado uma dessas
aulas já poderá ter a esperança, como eu tenho, que um dia talvez mesmo
amanhã a juventude dos morros do Rio não será mais analfabeta
(QUILOMBO, 2003. p.69).
Nascimento reflete a importância da educação para o negro e o poder de
transformação que ela pode trazer para os negros dos morros cariocas e para o negro
brasileiro em geral. Ela enfatiza ainda mais o significado da educação através da
alfabetização. Em suas palavras,
E aqui chegamos ao ponto fundamental da gente de côr: a educação. Pela
educação é que havemos conquistar igualdade moral, intelectual, cultural,
artística, econômica e política. Quando todo o negro souber ler e escrever
teremos dado o passo mais decisivo para a nossa própria recuperação.
Enfim educar e alfabetizar a população dos morros é uma forma de liberar e
emancipar a gente negra. Porque a ignorância, o analfabetismo, é a forma
mais terrível de escravidão (QUILOMBO, 2003, p.69).
Encontra-se nesta passagem do jornal a ênfase mais exemplar da ação formadora
presente nas ações do TEN, a da educação como forma de emancipação do negro.
Número 6. No jornal número 6, publicado em fevereiro de 1950, a discussão gira em
torno das eleições. Nascimento defende a candidatura de “negros e mulatos”,
indicando a necessidade de o negro “desenvolver seus valores próprios”, mas em um
processo de integração com toda sociedade. Nesse sentido ele reflete sobre a posição
dos partidos políticos em relação aos candidatos negros:
Certamente não basta aos partidos a indicação de um ou dois candidatos
mais pigmentados para atestar a ausência de preconceito de côr em suas
58
fileiras. Não. Isso seria demasiado simplista. Somos quase vinte milhões de
brasileiros mestiços fortemente caracterizados pela nossa ascendência
africana a exigir, em nome da democracia, o número correspondente de
vagas para candidatos negros e mulatos interessados na tarefa patriótica e
humanitária de elevar os padrões social e cultural, econômico e político das
massas negras (QUILOMBO, 2003, p.71)
Na página 3, em seção intitulada “Tópicos”, a matéria denominada “Convite ao
encontro” discute sobre o preconceito, mas chama atenção um ponto que é recorrente
no discurso do Quilombo, o de preparar o negro para a sua emancipação. O fragmento
dessa matéria diz que:
Para nós o aspecto racial do problema do homem de côr brasileiro é
secundário. O nosso objetivo é libertar o negro brasileiro de seus próprios
equívocos e adestrá-lo para o jogo democrático (QUILOMBO, 2003, p.73).
Na coluna “Fala a Mulher”, na página 7, intitulada “ Nosso dever cívico”, Maria
Nascimento escreve sobre o papel das mulheres negras na vida política. Em suas
palavras:
Se nós, mulheres negras do Brasil, estamos preparadas pra usufruir os
benefícios da civilização e da cultura, se quisermos de fato alcançar um
padrão de vida compatível com a dignidade da nossa condição de seres
humanos, precisamos sem mais tardança fazermos politica (QUILOMBO,
2003, p.77.
A participação política da mulher, recomendada por Nascimento, sugere que para
tanto é necessário que as mulheres negras precisem de formação para ocupar os postos
na política.
Na página 11, sob o titulo de “Teatro Negro no Brasil”, Péricles Leal traça a
trajetória do tem, enfatizando as transformações que esse movimento trouxe para a
população negra. Segundo o texto,
59
Para fazer uma análise cuidada do fenômeno do teatro negro do Brasil, com
a pequena, mas algo substanciosa, estante de dramas sobre temas de gente
côr, é necessário, antes de mais nada, procurar sondar as origens do
movimento de libertação do negro brasileiro ou, para abordar diretamente o
assunto que nos interessa neste instante, as origens e os fundamentos do
Teatro Experimental do Negro, cuja vida se deve ao dinamismo dêste
batalhador incansável e inquestionável que é Abdias Nascimento. Aliás, se
formos falar de maneira geral, o preto só começou a despertar
verdadeiramente quando do aparecimento e desenvolvimento do T.E.N.
(QUILOMBO, 2003, p.81).
Número 8. As edições de número 7 e 8, correspondentes aos meses de março e abril
de 1950, são publicadas juntas, com matérias destacando sobretudo as eleições e a
participação dos candidatos negros, inclusive do próprio Abdias Nascimento que, em
editorial denominado “Minha Candidatura”, escreve:
Amigos meus, colaboradores e simpatizantes do movimento que fundamos
visando a elevação cultural e econômica do negro brasileiro, resolveram
lançar a minha candidatura à assembléia legislativa do Distrito Federal.
Justificaram seu gesto com o argumento de ser minha eleição a vereador
uma etapa lógica e natural no desenvolvimento desse programa de busca de
meios que acelerem o processo de integração de brancos e negros no Brasil,
assegurando assim ,á tática por nós usadas, armas mais efetivas e poderosas
na luta pela conquista desse padrão de existência ideal que libere os
brasileiros de côr de complexos, tensões emocionais e das atuais
desvantagens sócio-econômicas (QUILOMBO,2003, p.81).
Na página 2, a seção “Cartaz” apresenta a biografia ao antropólogo Edson
Carneiro, mas também a foto de um jovem negro, recém-graduado técnico em
contabilidade. O destaque simultâneo a um grande pesquisador e a um técnico recém-
formado em curso mais simples mostra a importância da formação para os negros. Da
mesma forma, à pagina 4, matéria intitulada “ Um Negro na Sociedade Brasileira de
Geografia” refere-se ao geógrafo J. Romão da Silva.
Na página 4 também, Maria Nascimento assina coluna denominada “Escreve a
Mulher”, com matéria intitulada “ O Conselho Nacional de Mulheres Negras” que,
como o título indica, aborda aa construção do Conselho Nacional de Mulheres Negras.
Discorrendo sobre os problemas da construção desse conselho, escreve Nascimento:
60
Dentre as dificuldades sociais que teremos de enfrentar- além de outras que
minhas leitoras poderão lembrar por carta ou vindo pessoalmente a nossa
redação- figuram: a) ensino profissional; o Conselho estudará as
possibilidades de criação imediata de uma Escola de Artes Domésticas; b)
amparo moral e material as nossas patrícias que trabalham em casas de
família; c) proteção á infância; o Conselho estudará as possibilidades de
criação imediata de um abrigo do Negrinho abandonado; d) educação da
infância; o conselho tratará de criar o seu jardim de infância, Teatro infantil
(curso de dança ,canto e musica), Teatro de bonecos. (QUILOMBO, 2003,
p.86).
Na página 5, em matéria denominada “Manifesto Político dos Negros Fluminenses”,
podemos perceber, nas falas dos negros, uma cobrança pela participação do negro na
vida política através da sua própria visão, o que demonstra uma ação protagonizada
pelas organizações negras rumo ao seu progresso. Nesse sentido, a matéria faz a
seguinte reflexão:
Destas colunas temos várias vezes chamado a atenção dos partidos políticos
para um fato novo em nossa existência democrática: o esclarecimento do
homem de cor. Até ontem o negro brasileiro foi um joguete, um
instrumento de cabos eleitorais, um inconsciente do seu próprio valor para
atuar no sentido de conseguir melhorias para a sua gente. Mas isso foi
ontem. Hoje êle recusa a canga. Hoje ele sabe que seu voto pode dicidir
muitas coisas, inclusive decidir se o povo de cor vai continuar como até
aqui, explorado e humilhado, ou se vai conquistar a sua integração
definitiva na sociedade através de postos de liderança em todos os setores
da vida politica e administrativa do Brasil (QUILOMBO, 2003, p.87).
Ainda na pagina 5, em matéria intitulada “ ael de Oliveira Lima patrocina a
criação de uma escola profissional para os homens brasileiros de cor”, apresenta-se a
criação de uma escola profissionalizante promovida pelo Instituto Nacional do Negro
(INN), órgão construído pelo TEN e idealizado pelo sociólogo Guerreiro Ramos, e
apadrinhada pelo industrial e engenheiro mencionado no título:
Os propósitos do Instituto Nacional do Negro, departamento de estudos e
pesquisas do Teatro Experimental do Negro, encontraram total
compreensão na pessoa do industrial Sr. Jael de Oliveira Lima, engenheiro
construtor a quem o Distrito Federal deve boa parte do seu progresso
urbanístico.
61
(...) A escola profissional do I.N.N será provida oficinas especializadas em
marcenaria, tipografia, eletricidade, sapataria e alfaiataria, e nela os alunos
receberão ao mesmo tempo, uma habilitação profissional e uma cultura
ajustada a profissão (QUILOMBO, 2003, p.87).
Essa iniciativa pontua uma característica de inserção do negro, de elevação do
seu padrão cultural através da formação técnica, que constitui uma forma das lutas
preconizadas pelo TEN, sendo uma ação que conjuminava formação cultural e
profissional.
As paginas 6 e 7 exibem uma matéria especial intitulada Cinema e Artistas
Negros, nas quais traçam a trajetória de produções que contaram a participação dos
negros.
Na página 11, na segunda parte da matéria intitulada “Teatro Negro do
Brasil”, Péricles Leal continua a traçar e comentar aspectos da história do grupo.
Número 9. Na nona edição do Quilombo, de maio de 1950, a pagina 3 apresenta uma
matéria intitulada “ Negro já ensina em universidade branca dos Estados Unidos”,
relatando a situação dos negros nos Estados Unidos da América e fazendo menção à
participação do negro no campo da educação superior:
A Universidade de Harvard, uma das mais famosas dos Estados Unidos em
seus trezentos anos de existência ariana, acaba de aceitar em seu corpo
docente, na qualidade de professor clinico de Bacterologia e Imunologia da
sua Faculdade de Medicina, ao dr William Hinton, de Boston. É o primeiro
catedrático negro que transpõe os umbrais do importante estabelecimento
de ensino superior, sendo o Dr. Hinton também famoso por seu teste de
sífilis Davis-Hinton.
.
(...) O nome do Dr William Hinton passará doravante a significar mais um
símbolo, – entre os muitos como Booker T. Washington, Washington
Carver, William Dubois, Langston Hughes, Paul Robeson ,Marian
Anderson, Joe Lous, Ralph Bunche – da capacidade intelectual do negro, de
sua integração na mais alta esfera cientifica e cultural da hora presente
(QUILOMBO,2003, p.97).
Essa matéria deixa claro o quanto o jornal tem como base a educação como forma
de ascensão do negro.
62
Outra matéria que chama atenção para a formação pela educação é : “Instalado o
“Conselho Nacional das Mulheres Negras” (p. 4), que apresenta mais uma iniciativa
do TEN e que particularmente incide sobre a inserção da mulher negra. Sobre os seus
objetivos lê-se o seguinte: “Este departamento feminino tem por objetivo lutar pela
integração da mulher negra na vida social, e pelo seu alevantamento educacional,
cultural e econômico.” (QUILOMBO, 2003, p.98).
As páginas 6 e 7 são dedicadas à premiação do concurso “Boneca de Pixe” que
referendou a beleza da mulher negra, mostrando que esta valorização dialoga com um
processo educativo de humanização da beleza negra, corroborando a construção da
autoestima positiva deste contingente.
Na página 9, há um artigo sobre Bumba-Meu-Boi, referendando a valorização da
cultura negra. E ainda nesta mesma página o pintor Di Cavalcanti escreve artigo sobre
o escritor Lima Barreto, cumprindo o objetivo do Quilombo de valorizar as referências
negras.
Na pagina 11, em seção de coluna social, há uma nota sobre a formatura de
Djalma Arruda da Costa, como técnico em contabilidade, com o seguinte comentário:
Este operário trabalhava de dia e estudava de noite. No ano passado
graduou-se em técnico de contabilidade pela Academia de Comercio do Rio
de Janeiro. É filho de Manoel Arruda da Costa; seu esforço e tenacidade,
serve de exemplo a muitos rapazes e moças e moças de cor que não
estudam sob a alegação de que não tem tempo, esquecendo de que a
ascensão intelectual e social é fruto de trabalho árduo, até mesmo de
sacrifícios. Sentimo-nos orgulhosos em registrar, mesmo atrasados, a
formatura de Djalma Arruda da Costa, a quem auguramos uma carreira
brilhante (QUILOMBO,2003, p.105).
Número 10. Na última edição do Quilombo, de junho e julho de 1950, apresenta-se na
primeira página o discurso de abertura do 1º Congresso do Negro Brasileiro, no qual
Abdias Nascimento enfatiza a importância da formação educacional e cultural para a
mobilidade do Negro e defende também a mudança de paradigmas sobre os estudos
das relações raciais no Brasil. Em palavras de Nascimento,
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Porque os brasileiros de côr, patrioticamente interessados no estudo dos
meios que os conduzam á sua integração definitiva na nacionalidade,
através da ascensão social e econômica possibilitada pela educação e pela
cultura, estão praticamente liderando a elaboração de um pensamento,
precipitando e forçando a cristalização de uma política racial cujo conteúdo
ideológico se encontra em nossa tradição, em nossos costumes, que nunca
permitiram ou endossaram a supremacia de um grupo étnico sôbre os
representantes de outras raças. Observamos que a larga miscigenação
praticada como imperativo da nossa formação histórica, desde o inicio da
colonização do Brasil, está se transformando, por inspiração e imposição
das ultimas conquistas da biologia, da antropologia e da sociologia, numa
bem delineada doutrina da democracia racial, a servir de lição e modêlo
para para outros povos de formação étnica complexa, conforme é o nosso
caso(QUILOMBO, 2003, p.107).
A pagina 2 traz referências sobre a produção da peça “Aruanda” montada pelo
TEN e também sobre o projeto de um ballet infantil do grupo.
Na página 3, uma matéria discorre sobre o Candomblé. Na mesma página, na seção
“Tópicos”, lê-se matéria intitulada “Despertar na Consciência Nacional”:
A nossa luta é de hoje. Não tem tréguas e não descansaremos enquanto não
houvermos logrado todos os altos objetivos a que norteamos a campanha de
reajustamento do negro brasileiro. A segunda abolição – conforme já
cognominou, alguém, o atual movimento de recuperação negra do Brasil –
tem ocupado um lugar dos mais destacados no cenário político-social
brasileiro. Não somente os homens de cor, mas estudiosos e povo tem
procurado compreender e apoiar as nossas justas reivindicações. Assim, de
nada valem as investidas dos retrógados e dos saudosistas da escravidão
que têm procurado negar o nosso direito –o direito assegurado pela
Constituição e pelos princípios eternos dos direitos do homem- de procurar
um lugar no seio da coletividade brasileira (QUILOMBO, 2003, p.109).
Nessas palavras percebe-se que os dois anos do Quilombo mostram uma certa
evolução do povo negro que, consciente dos seus direitos, volta-se contra os seus
opressores, buscando dentro da democracia ocupar o seu espaço na sociedade.
Ainda na página 3, na seção “Democracia Racial”, em artigo especial assinado por
Murilo Mendes, denominada “Uma Negra e Sua Equipe”, aborda-se a vinda da atriz
Katherine Dunham ao Brasil. Mendes escreve que: “Katherine Dunham chega ao
Brasil no momento em que os negros começam a tomar consciência viva da sua
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posição na comunidade brasileira – e o fazem por meio dessa grande via de acesso que
é a cultura” (QUILOMBO,2003, p.109).
A página nº 4 discute a liberdade de culto e apresenta uma poesia de Carlos
Drummond de Andrade, denominada “Canto Negro”, na qual o poeta faz uma ode ao
povo negro.
A página 5 é toda dedicada aos candidatos negros apresentando uma série deles.
As paginas 6 e 7 são dedicadas à palestra de Katherine Dunham, no auditório do
Serviço Nacional de Teatro(SNT).
As páginas 8 e 9 apresentam uma longa discussão sobre a lei Afonso Arinos, que
condena como crime a discriminação racial, na matéria intitulada “Prossegue a
Cruzada para a Segunda Abolição”
Pela forma como foram analisados os 10 números do Quilombo, buscou-se destacar
as manifestações que referendaram a importância da educação, que se encontram
pulverizadas nas formas de alfabetização, formação profissional e acesso ao ensino
superior, experiências que povoam as dez edições deste periódico, mostrando a
preocupação proeminente com a formação do povo negro através do seu
desenvolvimento pela educação.
A partir do seu programa, já apresentado no início do capítulo, percebe-se a
preocupação com a educação e formação do negro, conforme foi exposto em análise
anterior onde os pontos 1 (sobre a consciência de que não existem raças superiores
nem servidão natural), e 2 (que versa sobre a escravidão enquanto fenômeno histórico
que deve ser superado e não mais nutrir ódio ou ressentimentos alimentados ´or um
passado ignominioso), que tratam da conscientização e capacitação do homem negro, e
o ponto 3 (quanto à luta por gratuidade de ensino em todos os níveis escolares), que
trata da educação escolar inclusive nos estabelecimentos militares.
Sobre educação escolar, encontramos 12 matérias que discutem alfabetização,
educação infantil, educação profissional e ensino superior, respectivamente: no nº 1,
nas paginas 2 e 4; no número 3, página 2; no número 5, paginas 3 e 11; nos números
7/8, páginas 4 e 5; no número 9, pagina 11.
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Sobre conscientização e instrumentalização do negro frente à inclusão social,
mediante a apropriação de ferramentas educacionais, encontram-se referências nas
edições e páginas seguintes: número 1, página 1; número 3, pagina 11; número 4,
páginas 3,4,7 e 11; número 5, página 9; número 10, pagina 3.
Encontram-se também, sob a ótica da formação pelo Quilombo, as reflexões
teóricas e políticas acerca do negro e da educação, que, pelo que parece, concentram
mais matérias, o que demonstra os objetivos do periódico em sintonia com a formação
e inclusão do negro na sociedade. Dessa forma podemos perceber que a construção de
congressos e conferências que tratam das demandas do povo negro, bem como da
participação do negro na vida política eleitoral, refletem esse momento da vida do
negro. Assim, esse assunto aborda-se no: número 1, página1; número 2, página1;
número 3, páginas 5, 6 e 7; número 4, página 3; número 5, páginas 1, 2 e (divide o
assunto) 3; número 6, página 1; números 7 e 8, páginas 1 e 5; número 9, página 4;
número 10, páginas 4,5,6,7,8 e 9.
Esta trajetória foi assim descrita por Abdias do Nascimento, na Revista
Dionysos, publicada em 1988, aonde ele testemunha as ações do Quilombo da
seguinte maneira:
Editamos Quilombo durante dois anos, a partir de Dezembro de 1948. Dois
anos para tirar dez números! A gente ia tirando como podia tudo de forma
muito precária. Mas Quilombo mostrava o que se podia fazer e procurava
cobrir as principais atividades do Movimento Negro da época, até 1950,
quando saiu à última edição. (MULLER, 1988, p.112).
Destarte podemos pontuar o protagonismo negro impresso nesta proposta
realizada a revelia dos subsídios e condições ideais para a construção de um trabalho
com o alcance regional e temporal; exercício este pautado pelo compromisso com a
educação das relações étnico-raciais. Sendo assim, Quilombo constituiu-se num
instrumento para a formação educacional da população negra e não negra, na medida
em que a valorização da cultura nele expressa versa sobre a brasilidade, assim como,
sobre a visibilidade cultural e política num contexto social onde a efervescência do
movimento negro parece dissonante frente à urbanização da capital federal em pleno
pós-II Guerra Mundial.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O jornal Quilombo constitui-se instrumento para fazer reverberar as análises
contemporâneas do estudo das políticas e da história da nossa sociedade.
Quando mergulhamos na nossa história recente, por exemplo, sentimos que no
nosso caminho, muito já foi feito para que hoje possamos reconhecer a importância da
presença dos corpos e pensamentos negros dentro do espaço acadêmico e que tal
presença é construída a partir de um clima de transposição das barreiras sociais e
econômicas que historicamente nos afetam.
Infelizmente a sociedade cerceia, até mesmo mata os sonhos de construção de
uma inserção de grupos que, por resistência, extrapolam os limites impostos e se
aventuram a contribuir com o seu conhecimento para somar nesse exercício em prol de
uma edificação social equânime do pensamento contemporâneo brasileiro.
Ao me debruçar sobre o que ocorria na sociedade brasileira nos idos de 1940 e
1950, me deparei com uma nação pensando e construindo sua identidade e seus rumos.
Nesse contexto, o TEN está refletindo sobre o ser negro em uma sociedade
percebida como racista e segregadora, e aponta para a educação como forma de incluir
o negro nas benesses dessa sociedade recém-industrializada.
A educação pensada e feita pelo tem, e divulgada no seu órgão de imprensa
oficial, o jornal Quilombo, é para conscientizar os negros dos seus próprios problemas,
dilemas e dificuldades, enfatizando que sua inclusão na educação formal poderá alterar
o quadro de exclusão que os afetava.
O teatro, as peças, o burburinho cultural se mostram como pano de fundo para
educação dos negros, pelas políticas de inclusão, pela luta por poder e também para
educar os não brancos.
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