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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
POR UMA TIPOLOGIA DAS FIGURAS DE PERSONAGENS FEMININAS NO DISCURSO JORNALÍSTICO DA REVISTA VEJA.
Adriana Tulio Baggio1
Apresentação
Na edição da revista Veja de 3 de agosto de 2011, uma nota na seção “Panorama”
despertou nossa atenção, não pelo caráter informativo da notícia, mas pela relação entre
seus textos verbais e visuais (figura 1). O título da nota, parafraseando uma canção
popular, diz “Vou não, quero não...”. Vindo logo em seguida, o conteúdo versa sobre as
negociações realizadas entre os sócios da emissora RedeTV!, Amilcare Dallevo e Marcelo
de Carvalho, em relação à desistência no processo de aquisição da participação societária
do segundo pelo primeiro.
Figura 1: nota “Vou não, quero não...” ilustrada pela fotografia da apresentadora Luciana Gimenez, no contexto da seção “Panorama - Holofote” (Veja, 3 de agosto de 2011, p. 52). Impressão de tela da versão digital da revista, disponível em http://www.veja.com.br.
1 Graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda (UFPR); mestre em Letras (UFPB); doutoranda em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Bolsista CNPq.
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Ao contrário do que acontece com as outras cinco notas presentes na mesma
página, essa não traz a fotografia dos protagonistas da notícia. A fotografia justaposta é
a de Luciana Gimenez, apresentadora da RedeTV! e esposa de Marcelo de Carvalho. No
contexto desta nota, Luciana Gimenez é mencionada duas vezes: a primeira, quando
Marcelo é referido como “o marido da apresentadora Luciana Gimenez”; e a segunda, no
final da nota, esclarecendo que “o imbróglio não tem impacto na emissora e não afeta o
contrato de Luciana, que expira em 2013” [negrito2
Nas outras cinco notas, a fotografia que acompanha o texto verbal é do
protagonista da notícia. Em duas delas há menção a outras pessoas – personagens
secundários das matérias, mesmo papel ocupado por Luciana na matéria de nosso
interesse –, mas não a fotografia delas. Outro aspecto dos textos visuais também chama
a atenção: excetuando-se a imagem do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, cuja
nota aparece em destaque dentro de um box cinza, todas as outras fotografias são
pequenas, mostrando apenas o rosto dos protagonistas. O governador é representado
sentado, cortado na altura dos joelhos. A única personagem que aparece de corpo inteiro
é Luciana Gimenez – em dimensões maiores que todas as outras.
presente originalmente no texto].
A discrepância dessas articulações entre verbal e visual na mesma página
suscitam algumas questões. A organização da maioria das figuras presentes no
enunciado constituído por esta página parece obedecer a certas regras, como a escolha
de uma fotografia do protagonista da notícia para ilustrar o respectivo texto verbal. Por
que, no caso da nota aqui analisada, a fotografia é de um personagem secundário? Por
que, ao contrário das outras fotografias da página, esta – a única de uma mulher – tem
um destaque maior?
Um reconhecido manual de jornalismo, o da Folha de S. Paulo, diz que “uma
reportagem que cite com ênfase um personagem cuja imagem não consta do produto
final publicado demonstra o desmazelo da própria edição” (MANUAL, 2010, p. 35). E no
caso contrário, como é o desta nota de Veja, quando a imagem cita com ênfase um
personagem que aparece de maneira discreta na reportagem, em detrimento dos
personagens principais da notícia? A fotografia de Luciana Gimenez, menos relevante na
articulação com o conteúdo verbal da notícia, teria uma função “decorativa”? De maneira
mais ampla, será que esse procedimento se repete em outros enunciados da revista?
Para investigar essa possibilidade, analisamos outras notícias da revista Veja com a
presença de figuras femininas na constituição de seus enunciados e, a partir desta
análise, propomos uma tipologia das funções das figuras femininas nesta revista.
2 O negrito nos nomes próprios é o procedimento utilizado pela revista para indicar a qual personagem da nota se refere a fotografia colocada junto ao texto verbal, nas seções em que as fotografias não são legendadas.
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A escolha por Veja se deve à abrangência e representatividade do título na cultura
de massa brasileira: é a revista de maior circulação no país, com mais de um milhão de
exemplares semanais e estimativa de oito milhões de leitores por edição3
. Se levarmos
em conta, segundo Marília Scalzo, que “(...) dá para compreender muito da história e da
cultura de um país conhecendo suas revistas” (2009, p. 16), o estudo da presença das
figuras femininas em Veja nos ajuda, também, a entender o papel da mulher na
sociedade brasileira.
Estratégias metodológicas
Para proceder à investigação, selecionamos o exemplar da nota citada antes e as
demais edições de Veja que circularam no mês de agosto de 20114. Nosso corpus de
análise compreende, portanto, cinco exemplares. Apesar de o objetivo da pesquisa não
ser, primordialmente, de caráter quantitativo, achamos pertinente fazer uma análise de
conteúdo5
Considerando nosso corpus, a revista Veja divide-se em seções mais ou menos
fixas. Há uma variação maior nos assuntos abordados dentro de algumas seções,
enquanto em outras essa subdivisão é fixa. Para nossa classificação, adotamos a divisão
proposta pela própria revista em sua posição de enunciador, manifestada no índice da
publicação, e propomos duas “seções” por conta própria: a capa e as matérias iniciais,
que chamamos de “Abertura”.
da parte editorial, contabilizando o número de figuras femininas e masculinas
nas imagens: fotografias, desenhos, reproduções de obra de arte etc. Classificamos as
ocorrências encontradas a partir da presença apenas de mulheres, apenas de homens ou
de ambos. Em seguida, somamos essas ocorrências nas diferentes seções da revista.
Na seção “Capa” consideramos a parte principal da capa e também a estreita
coluna horizontal posicionada acima da marca da revista, que chamamos de “Cabeçalho
de capa”. A “Abertura” traz as subdivisões “Carta ao Leitor”, “Entrevista”, “Leitor”,
“Blogosfera” e as colunas de Lya Luft, Maílson da Nóbrega e Claudio de Moura e Castro.
A seção “Panorama” subdivide-se em “Imagem da Semana”, “Datas”, “Holofote”,
“SobeDesce”, “Conversa com...”, “Números”, “Radar” e “Veja Essa”.
3 A fonte destes e dos outros dados relativos à revista, citados adiante, é o site da publicação. Disponível em <http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais>. Acesso em: 6 fev. 2012. 4 Edições dos dias 3, 10, 17, 24 e 31 de agosto de 2011. 5 “A análise de conteúdo envolve, assim, a contagem do número de vezes que um fenómeno ou ocorrência – uma palavra, uma frase, uma história ou uma imagem – aparece num texto, classificando cada um deles de acordo com categorias predefinidas” (CORREIA, 2011, p. 65). O autor também comenta sobre a possibilidade de integração e complementaridade desse tipo de método, eminentemente quantitativo, e análises qualitativas, como a semiótica – caso da escolha metodológica do nosso trabalho.
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Gráfico 1: participação de imagens de mulheres, de homens e de ambos nas edições de Veja de agosto de 2011. Elaborado pela autora.
A seção “Brasil”, segundo nos informa o site de Veja, faz a “cobertura dos fatos
políticos de maior relevância da semana, com análise das implicações desses fatos na
vida do país e dos leitores”. Em “Internacional” encontramos notícias sobre “a política e
os acontecimentos internacionais mais relevantes e a análise de sua importância para o
Brasil”. “Economia” e “Negócios” não apresentam subdivisões.
Em “Geral”, Veja aborda assuntos diversos como “moda, comportamento, estilo,
decoração, consumo, esportes, tecnologia, ciência, educação, medicina, saúde. História,
arqueologia, espaço etc. e demais campos de interesse dos leitores”. A seção “Gente” faz
parte desse grupo e traz “notas sobre personalidades em evidência no Brasil e no
mundo”.
Por fim, a seção “Guia Veja” mostra dicas para o dia-a-dia e “Artes & Espetáculos”
fala sobre televisão, cinema, música e livros, além de abrigar as colunas de J. R. Guzzo e
Roberto Pompeu.
Não estamos considerando a subdivisão “Datas”, “Carta ao Leitor” e “Blogosfera”,
da seção “Panorama”, e nem as subdivisões “Veja Recomenda” e “Os livros mais
vendidos”, da seção “Artes & Espetáculos”, por não considerarmos relevantes para a
análise.
Os dados obtidos nesta primeira etapa servem como ponto de partida para a
análise qualitativa, a partir dos conceitos de sociossemiótica.
Análise quantitativa de imagens de mulheres na revista Veja
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A maior parte dos leitores de Veja, segundo nos informa seu site, é de mulheres –
54%. Em contrapartida, sua participação na linguagem visual da revista é minoritária
(gráfico 1).
Nas cinco edições pesquisadas, encontramos 123 imagens onde aparecem
somente mulheres e 343 onde aparecem somente homens. Outras 62 imagens mostram
homens e mulheres. Imagens só de mulheres, portanto, correspondem a 35% do total
de imagens só de homens.
Considerando as seções, as imagens de mulheres são maioria apenas no “Guia
Veja” (tabela 1), que, como vimos, traz dicas para o dia-a-dia do leitor. A seção com a
menor participação desse tipo de imagem é “Brasil”: apenas 7% do total de imagens
masculinas6
. Já na seção “Geral” há uma grande quantidade de imagens femininas: elas
representam 62% do total das imagens masculinas, uma relação bem maior do que em
outras seções. Se formos olhar apenas para a seção “Gente”, que faz parte deste grupo,
as imagens de mulheres são maioria (19 imagens delas contra apenas quatro imagens
deles). Elas são maioria também na divisão “Televisão” da seção “Artes & Espetáculos”
(relação de 15 para seis).
Mulher Homem Ambos Relação
Capa 3 10 0 30% Abertura 6 14 0 43% Panorama 14 60 3 23% Brasil 5 72 7 7% Geral 56 90 28 62% Internacional 14 45 8 31% Guia 4 3 2 133% Artes & Espetáculos 20 35 13 57% Economia 1 12 1 8% Negócios 0 2 0 0%
Tabela 1: quantidade de imagens, por seção, onde aparecem apenas mulheres, apenas homens e onde aparecem homens e mulheres, e a porcentagem das imagens só de mulheres em relação às imagens só de homens. Elaborada pela autora.
De uma maneira geral, as imagens de mulheres são minoria (em relação às
imagens de homens) nas seções que tratam de economia, política e bastidores desses
dois assuntos: 7% em “Brasil”, 8% em “Economia” e 23% em “Panorama”. A maior
participação está nas seções que trazem informações sobre cultura, variedades e fofocas
sobre “celebridades”.
6 A seção “Negócios” não possui nenhuma imagem feminina. Porém, em nosso contexto, é pouco representativa: a seção aparece em uma única edição e apresenta apenas duas imagens.
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Bases da análise semiótica
Retomando as observações do início do trabalho, o que despertou nossa atenção
foi a aparente disparidade entre a fotografia e o título da nota sobre a negociação
societária da RedeTV!. Na qualidade de um texto sincrético, é como se a articulação das
duas linguagens no enunciado da notícia não concorresse para a reiteração do sentido no
plano do conteúdo. Segundo Regina Souza Gomes, que trata do sincretismo no jornal,
Imagem e palavra numa reportagem ou diferentes matérias (...) são, na verdade, partes de uma unidade superior que só significa pelas relações particulares que as diferentes linguagens estabelecem entre si, pela ação de um sujeito da enunciação que conjuga essas linguagens num só todo de significação, atualizando uma só forma do conteúdo e, por princípio, uma só forma da expressão (2009, p. 216).
A análise profunda do enunciado desta pequena nota mostraria o todo de
significação conjugado pelo sujeito da enunciação ao dispor uma fotografia grande de
Luciana Gimenez ao lado de um texto verbal que não trata especialmente dela. Poderia
se tratar de um dizer irônico ou da alusão a um implícito (que tais negociações, na
verdade, só importariam em virtude de tal emissora, talvez inexpressiva, abrigar um
programa da bela apresentadora?), segundo um dos tipos de relação entre os enunciados
verbais e fotográficos propostos por Gomes (Idem, p. 218).
Não chegaremos a tal conclusão no momento. Deixamos esta notícia de lado para
tentar investigar em outras matérias do nosso corpus esse tipo de relação, ou seja, a
articulação entre os elementos verbais e visuais do plano do conteúdo que se homologam
para figurativizar a mulher. A partir dessas relações, pensamos poder encontrar algumas
reiterações de procedimentos que constituem uma tipologia da função das fotografias
femininas nesses textos.
Nosso primeiro critério de classificação na análise de conteúdo foi a presença de
fotografias femininas nas revistas. Para verificar os tipos de articulação, na análise
qualitativa, vamos considerar as duas manifestações verbais de maior destaque nas
matérias jornalísticas: o título da matéria e a legenda da fotografia. Marília Scalzo
observa: “Quando alguém olha para uma página de revista, a primeira coisa que vê são
as fotografias. Antes de ler qualquer palavra, é a fotografia que vai prendê-lo àquela
página ou não” (2009, p. 69). E ainda: “se as fotografias são as principais portas de
entrada, numa página, para os leitores, as legendas têm que funcionar como maçanetas”
(Idem, p. 70).
Lembramos, porém, que no âmbito da sociossemiótica o “todo de significação” só
pode ser apreendido pela análise do enunciado completo, tanto do plano do conteúdo
quanto da expressão – o que incluiria a página inteira, a matéria completa ou até mesmo
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toda a publicação, dependendo do critério de “fechamento do objeto” (GREIMAS, 2004,
p. 85) operado pelo produtor da análise. Não será esse, no entanto, nosso objetivo
principal. Inspirados no estudo realizado por Eric Landowski em Flagrantes delitos e
retratos (2004), vamos buscar uma invariância de princípios organizacionais relacionados
à função das fotografias femininas nas matérias de Veja.
É certo que, depois de delimitar seu objeto a partir de um isolamento das “formas
mais características da iconografia do corpo no plano da informação política” (2004, p.
38), Landowski analisa detalhadamente tais imagens e propõe três tipos de regimes
iconográficos da fotografia política. No texto que já mencionamos antes, Regina Gomes
também analisa dois enunciados jornalísticos em profundidade, mas considera a foto e a
manchete como primeiros caminhos de entrada para a compreensão do texto (2009, p.
237). Em nosso trabalho permaneceremos no limiar deste caminho de entrada,
avançando no corpo do texto verbal apenas quando há um destaque visual de alguma
palavra – como os negritos que Veja utiliza no nome da pessoa fotografada quando não
há legenda na fotografia –, propondo uma tipologia, mas sem aprofundar, neste
momento, a análise dos enunciados que as compõem.
A relação entre as linguagens verbal e visual no plano do conteúdo e no plano da expressão: funções das fotografias femininas
O já citado Manual de Redação da Folha de S. Paulo ensina que “o recurso visual
do jornalismo impresso moderno deve ser entendido como uma possibilidade
complementar e suplementar à informação textual” (2010, p. 32). As fotografias de
pessoas são um exemplo desse tipo de recurso. Nas matérias jornalísticas, pressupomos
que a fotografia de uma pessoa indica que aquela notícia tem a ver com ela. Uma
observação das legendas que acompanham tais imagens e do título das matérias onde se
inserem mostram que, em nosso corpus, esse “ter a ver” obedece a uma variação de
intensidade.
O primeiro caso que identificamos é o de fotografias de mulheres que são o
assunto da notícia. Elas realizam o fato que é noticiado. Enquanto sujeitos da narrativa
enunciada nas matérias, essas mulheres são atorializadas no nível discursivo por figuras
do plano do conteúdo pertencentes tanto à linguagem verbal quanto à linguagem visual.
O texto verbal menciona seus nomes, idade, profissão, papéis sociais; a fotografia
mostra claramente quem são essas mulheres. Em algumas situações, o sincretismo das
linguagens é reforçado pela justaposição de tais informações – fotografia próxima ao
título, legenda.
Estamos falando, portanto, dos dispositivos topológicos do plano da expressão,
propostos por Greimas para análise das semióticas plásticas: alto/baixo,
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direita/esquerda, periférico/central etc. Assim, “projetadas sobre a superfície, cuja
riqueza e polissemia permaneceriam de outro modo indecifráveis, as categorias
topológicas operam, após eliminar o ‘ruído’, a uma redução a um número razoável de
elementos pertinentes, necessários à leitura” (GREIMAS, 2004, p. 86). No enunciado
impresso os recursos expressivos também podem ser identificados nas palavras, diluindo
as fronteiras entre a linguagem verbal e a visual. É o caso do uso de negrito e de letras
em caixa alta no corpo do texto verbal das notícias, que acaba por transformar a palavra
em imagem.
Ainda no plano da expressão, mas tratando agora do formante eidético, que
caracteriza a forma das figuras (OLIVEIRA, 2004, p. 119), as fotografias desta primeira
categoria possuem um tamanho de destaque na página, em alguns casos até maior do
que a mancha destinada ao texto verbal. Em seções como “Gente” e “Panorama/Veja
Essa” – as que mais apresentam fotografias desta categoria –, as imagens são
recortadas de maneira diferente do estilo retangular das fotografias das seções “sérias”
da revista, como “Brasil” e “Entrevista”. Por conta desse protagonismo, nessa categoria
denominamos a função da mulher fotografada de “promotora” (figuras 2a e 2b).
Figuras 2a e 2b: dois exemplos de fotografias de mulheres “promotoras”, que realizam o fato noticiado, mostrando as duas formas de expressão das imagens e do texto verbal. Respectivamente, fotografias da seção “Gente” (Veja, 31 de agosto de 2011, p. 105) e da seção “Panorama - Radar” (Veja, 3 de agosto de 2011, p. 58-59). Impressão de tela da versão digital da revista, disponível em http://www.veja.com.br.
O segundo caso é o de fotografias de mulheres em notícias que não se referem a
elas primordialmente. Enquanto actantes, elas participam da realização do fato noticiado,
mas têm papel secundário na narrativa. Seriam como coadjuvantes das notícias. Aqui as
figuras do conteúdo verbal, como o nome, aparecem em textos verbais de menor
destaque: por exemplo, apenas na legenda, não no título. Considerando o plano da
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expressão, não há tratamento especial (como negrito ou caixa alta) no nome da
fotografada. Em termos de formantes eidéticos e topológicos, na maior parte das vezes
as fotografias têm formato retangular, sua dimensão é menor e elas ocupam posições de
menos destaque na matéria. Denominamos essa função de “ajudante” (figura 3).
Um terceiro caso refere-se às notícias cujo acontecimento não foi realizado pelas
mulheres fotografadas. Elas são trazidas como pessoas afetadas pelo fato, para
comprovar esse acontecimento e mostrar seus efeitos. No plano do conteúdo, esse tipo
apresenta tratamento semelhante dado ao papel da “ajudante”: referências a ela podem
aparecer no corpo do texto e na legenda da fotografia, mas não no título da matéria.
Nem sempre a mulher é identificada pelo nome; muitas vezes, apenas pelo seu papel em
relação ao acontecimento. Em termos expressivos, suas fotografias podem ter grandes
dimensões, com bastante destaque no contexto da matéria e contornos mais flexíveis.
Nesta classificação, denominamos a função de “comprovadora” (figuras 4a e 4b).
Figura 3: no alto, fotografia de mulher “ajudante”, na seção “Brasil” (Veja, 17 de agosto de 2011, p. 80-81). Impressão de tela da versão digital da revista, disponível em http://www.veja.com.br.
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Figuras 4a e 4b: dois exemplos de fotografias da mulher na função “comprovadora”, mostrando diferentes configurações da expressividade e da identificação verbal da mulher. Respectivamente, fotografias da seção “Internacional” (Veja, 3 de agosto de 2011, p. 100) e “Artes & Espetáculos - Livros” (Veja, 3 de agosto de 2011, p. 134). Impressão de tela da versão digital da revista, disponível em http://www.veja.com.br.
O último grupo que identificamos é o de fotografias de mulheres cuja presença na
matéria tem a função de ilustrar o assunto narrado. Não há uma homologação da
linguagem verbal com a visual na identificação da fotografada: o nome dessa mulher e
outras referências a ela não aparecem na legenda, no título e nem mesmo no corpo do
texto. Isso, talvez, para que a figura possa corresponder não a uma pessoa do mundo
real, mas a uma ideia ou a outras pessoas (figura 5).
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Figura 5: fotografia de mulher na função “decoradora”. Ela não é identificada no texto verbal da matéria e há um tratamento expressivo da imagem. Fotografia da seção “Guia Veja” (Veja, 10 de agosto de 2011, p. 128). Impressão de tela da versão digital da revista, disponível em http://www.veja.com.br.
Na capa de Veja de 24 de agosto de 2011, por exemplo (a única do corpus que
traz uma imagem feminina), junto à fotografia da mulher que se exercita sobre a palavra
“dor”, o início do título diz: “Para 40 milhões de brasileiros, ela é crônica”. Visto que a
imagem não é de uma personalidade conhecida e que não é identificada pelo nome no
texto verbal, pressupomos que se trata de uma modelo contratada para uma produção
fotográfica específica. Parece-nos que essa mulher homologa, na linguagem visual, os
“40 milhões de brasileiros” que sofrem deste mal (figura 6).
Em relação ao plano da expressão, essas fotografias normalmente têm
participação importante no espaço da matéria e seu formato é variado. Por sua relação
de convenção com a notícia e por seu aspecto plástico, classificamos a função dessa
fotografia como “decoradora”.
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Figura 6: fotografia de mulher na função “decoradora”. Capa de Veja, 24 de agosto de 2011. Impressão de tela da versão digital da revista, disponível em http://www.veja.com.br.
A distribuição das funções nas seções de Veja
Quando analisamos a ocorrência de cada uma dessas categorias nas edições de
Veja, vemos que a função de “promotora” é a que aparece em maior número, e com
grande concentração em duas seções caracterizadas pela brevidade das notas: “Veja
Essa” e “Gente”. A primeira traz frases de personalidades da política, dos negócios, dos
esportes e do meio artístico. A segunda apresenta notas (“fofocas”?) sobre a vida das
personalidades. Nestas seções, tais fotografias ocupam grandes espaços das páginas e
seu recorte interfere também no formato das manchas de texto, que passam a se
conformar ao contorno do corpo humano que ajudam a delinear.
A seção “Brasil”, que trata de assuntos importantes da política e da economia do
país, é a que apresenta a maior ocorrência de fotografias de mulheres na função de
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“ajudantes” (essa função é a terceira em quantidade de ocorrências). Em sua maioria, as
fotografias possuem um formato mais tradicional – retangular – e as mulheres
fotografadas se encaixam no regime iconográfico que Landowski (2004) classifica como
“flagrante delito” – em contraste com as “promotoras” que abordamos acima, que
parecem pertencer ao regime de “retrato oficial”, no sentido de serem fotografias
produzidas e distribuídas para divulgação.
A função “comprovadora” se distribui de maneira mais uniforme em diversas
seções da revista, com mais concentração no grupo de assuntos que Veja denomina
como “Geral”. São fotografias com um tratamento eidético especial, como já vimos, e
que também parecem ser objeto do “flagra” típico do fotojornalismo. É a que ocupa o
segundo lugar em número de ocorrências.
A imagem feminina com função “decoradora” é a que possui menos ocorrências
nas edições pesquisadas. Essa categoria aparece com uma pequena concentração na
seção “Guia Veja”. O formato dessas imagens, na maior parte das vezes, também é
irregular. As fotografias parecem produzidas, seja no regime de “retrato oficial”, seja
como produto de banco de imagem.
Algumas conclusões
No início de Flagrantes delitos e retratos, Landowski comenta sobre a resposta da
sociossemiótica às evoluções que afetam as modalidades da construção de sentido no
nosso cotidiano. Sem abandonar o discurso verbal, objeto dos primeiros estudos da
disciplina, há algum tempo a sociossemiótica vem se debruçando sobre as práticas de
vida e sobre os textos sincréticos que constituem esse cotidiano, como a publicidade, o
cinema, o jornalismo. E o autor constata: “(...) praticamente todas nossas relações com
o real se definem hoje em dia pela intermediação de imagens difundidas e primeiramente
recolhidas, fabricadas ou, ao menos, formatadas pelas mídias” (LANDOWSKI, 2004, p.
32). Nessa concepção, uma análise das fotografias de mulheres veiculadas em uma
revista de grande abrangência, como Veja, pode nos mostrar como se define nossa
relação com um aspecto específico do real, que é a figura feminina.
Pensamos que somente a análise de conteúdo quantitativa não é capaz de dar
uma resposta sobre essa relação. No entanto, é relevante o fato de que as fotografias
que mostram exclusivamente mulheres serem apenas 35% do total das fotografias que
mostram homens, nas cinco edições de Veja que analisamos. Quando verificamos a
ocorrência das fotografias em relação aos assuntos tratados na revista, vemos que a
concentração dessas imagens femininas se dá em seções como “Gente”,
“Artes&Espetáculos” e outras seções do grupo “Geral”. São espaços que a publicação
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
destina a notícias sobre variedades, personalidades, “fofocas”. Seções que tratam de
economia e política, como “Brasil”, têm pouca presença de fotografias de mulheres.
Quando cruzamos estes dados numéricos com a análise semiótica da relação
entre as imagens de mulheres e sua função no contexo da notícia, vemos que a função
mais presente, a de “promotora”, em que a mulher é agente do fato noticiado, se
concentra nas seções de notas curtas, cujo conteúdo é de curiosidade, variedades ou
“fofoca”. Em contrapartida, essa função de “promotora” aparece muito pouco em
matérias mais longas e reportagens investigativas.
Chama a atenção, também, o fato de que essas duas “maiorias” – mulheres
“promotoras” e nas seções de variedades – seja acompanhada por uma terceira: as
vestimentas mais presentes são roupas justas, maiôs, biquinis, lingerie, fantasias e
outros tipos de roupas que, assim como as posturas, constroem o caráter sensual das
imagens. Percebe-se a exceção quando a mulher tem uma profissão ou papel social na
política, no meio empresarial ou no serviço público. A presidente Dilma Rousseff e a ex-
ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, não aparecem, evidentemente, com
esse tipo de roupa.
Em termos da riqueza das imagens no plano da expressão, as mais trabalhadas
são aquelas em que a mulher tem a função de “promotora” e de “decoradora”. Uma
aproximação destas duas categorias neste aspecto talvez sugira uma influência da função
de uma sobre a outra. Não no tipo de atuação da “promotora” sobre a da “decoradora”,
já que esta última não tem nenhuma participação, ativa ou passiva, no fato noticiado – a
relação é convencional. Já o contrário parece mais pertinente: um dos elementos que
caracteriza a função “decoradora” é o tratamento estético, a expressividade das figuras
da linguagem visual, procedimentos que também estão presentes nas imagens da função
“promotora”. Mas, por qual motivo?
Sendo protagonista do fato noticiado, por ser relevante em si, essa mulher não
precisaria ser destacada na matéria por recursos estéticos e expressivos em sua
fotografia: as figuras do conteúdo dariam conta da necessidade informativa e até mesmo
atrativa. Parece-nos, assim, que em Veja as figuras femininas, mesmo as protagonistas
das notícias, têm um papel muito mais decorativo do que informativo. Lembramos,
ainda, que tais fotografias se encaixam na categoria de “retrato oficial”, que Landowski
assim define:
quanto ao retrato oficial, ele preenche uma função de ordem “cosmética” (...). Ele trabalha o “perfil” do sujeito retratado – o engrandece, o “embeleza” se quisermos, ou antes o normaliza – de maneira a tornar sua aparência tão conforme quanto possível a um cânone de representação da função ou do estatuto que ele assume na sociedade (2004, p. 48).
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Se tomarmos por base o que veicula a revista Veja para seus mais de oito milhões
de leitores, a função e o estatuto da mulher na sociedade são de protagonista das
curiosidades, das variedades e das fofocas, e sua apresentação canônica envolve pouca
roupa, trajes de fantasia e poses provocantes e sensuais. Estaria aí, talvez, o motivo de
a nota sobre o controle societário da RedeTV! ser acompanhada por uma fotografia de
Luciana Gimenez, que neste contexto tem a função de “ajudante”.
Para finalizar, gostaríamos de reforçar que as análises aqui realizadas não dão
conta da apreensão de todo o sentido dos enunciados jornalísticos de Veja
protagonizados por figuras femininas. A proposta de uma tipologia de funções é uma
porta de entrada para investigações mais profundas.
Referências bibliográficas CORREIA, João Carlos. O admirável mundo das notícias: teorias e métodos. Covilhã (Portugal): UBI/LabCom Livros, 2011. E-book disponível em: <http://www.livroslabcom.ubi.pt>. Acesso em: 6 nov. 2011. GOMES, Regina Souza. O sincretismo no jornal. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de; TEIXEIRA, Lucia (Orgs.). Linguagens na comunicação: desenvolvimentos de semiótica sincrética. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009. GREIMAS, Algirdas Julien. Semiótica figurativa e semiótica plástica. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de (Org.). Semiótica plástica. São Paulo: Hacker Editores, 2004. LANDOWSKI, Eric. Flagrantes delitos e retratos. Galáxia, n. 8, São Paulo, out. 2004, p. 31-69. MANUAL da Redação: Folha de S. Paulo. São Paulo: Publifolha, 2010. OLIVEIRA, Ana Claudia de. As semioses pictóricas. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de (Org.). Semiótica plástica. São Paulo: Hacker Editores, 2004. SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2009. 3. ed.
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