Primeira manhã - Matéria em A Tarde

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O jornal A Tarde de 16/11/13 publicou excelente matéria sobre o livro de Jean-Claude Kaufmann: Primeira manhã. O autor, inclusive, deu entrevista.

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SALVADOR SÁBADO 16/11/2013 32

Mais de dez anos de ódio

Em entrevista a este Caderno2+, sábado passado, o doutorem literatura brasileira José dePaula Ramos Jr., da Universi-dade de São Paulo, apontou afalibilidade dos cânones literá-rios. Certos escritores brilhamocasionalmente e de súbito setornam estrelas apagadas.

É certo. Modismos e revisões,além da crítica mais certeira,que é a da passagem do tempo,mudam julgamentos. “Até Ma-chado de Assis”, ele lembrou,“foi desprestigiado por seu con-temporâneo Sílvio Romero”.

Faltou-lhe atestar que apesarda crítica contundente, biliosa,vingativa de Sílvio, exposta nolivro Machado de Assis: estudocomparativo de literatura, quepublicou em 1897, a vítima daagressão manteve intato o pres-tígio nos meios intelectuais enos círculos de leitores. Sem pa-tacoadas, sem lambanças, sem

adulações servis, em pudico si-lêncio deixou que a obra res-pondesse por ele.

Nem todos os cânones sãofalíveis. Machado construiu oseu, e este perdura até hoje e acada dia se robustece. O Bruxodo Cosme Velho trabalhou nãoem proveito pessoal, do brilhoefêmero – mas da obra. O autorque se preza deve apostar naobra, jamais em si mesmo.

O crítico sergipano soltou oódiorepresado,comoumcãodeguerra, e ficou na tentativa dedemolição. Mais tarde, peniten-ciou-se. Outros também procu-raram diminuir a grandeza deMachado. Um deles, AgrippinoGrieco, teve o bom senso deconsiderar-se “admirador res-mungão”. Por que os resmun-gos? Provavelmente por se sen-tir menos cultuado na feira dasvaidades.

Com Sílvio Romero, no en-tanto, o caso foi mais grave. Oressentimento se transformouem desabafo rancoroso mais dedez anos depois. A severidadede Machado no artigo A NovaGeração, no qual minimizara apoesia de Sílvio, creio que o vo-lume Cantos do Fim do Século,

de 1878, ficou-lhe “atravessadana garganta” (palavras do R.Magalhães Júnior) e adquiriu aespessura sombria do ódio. Eesse “velho ódio” (novamenteRMJ) transbordou quando ocompetidor lhepareceu“velhoefatigado” (idem).

O historiador e crítico sergi-pano fez então tábula rasa daficção intimista e do valor dasinfluências artísticas. Esque-ceu-se de que não há literaturaestanque, à exceção de van-guardismos, estes fadados amera curiosidade episódica. Aobra é mais coletiva do que seimagina. Um bom escritor de-flagra outro. A literatura de ver-dade é uma tocha olímpica.

O ódio, mau conselheiro, cas-tiga mais o emissor; o receptor,quando atingido em cheio, háde sofrer – e o velho Machadosofreu. Era estoico, suportou ca-lado as hostilidades de conven-tículos propiciados pelos perió-dicos e livrarias. Múcio Teixeiraatacou-o duramente no Jornaldo Brasil. Quem hoje se abeberanesteliterato?PelomenosSílvioRomero, polemista por tempe-ramento, agressivo e destabo-cado que era, tinha talento.

Após o destampatório, ele eMachado conviveram civilizada-mente algumas vezes. Foram ju-rados de um concurso de contosem que a redação do parecerunânime – e sobremodo pan-fletário – coube ao primeiro;Machado assinou-o, emboraconstrangido pela virulênciacontra escritores conhecidos.

Epígono de Tobias Barreto,que considerava superior ao au-tor de Memórias Póstumas deBrás Cubas, Sílvio Romero nãoconstou da lista organizada porLúcio de Mendonça para com-por os fundadores da AcademiaBrasileira de Letras. Machadoreparou a omissão, empenhan-do-se no acolhimento ao antigodesafeto, que ele, como presi-dente do sodalício, recebeu comgrande respeito e simpatia.

Que é feito do livro demo-lidor? É hoje raridade nos an-tiquários. Após o estardalhaçoinicial, deixou de ser reeditado.Nelson Romero andou cortan-do, enxertando trechos, suavi-zando pancadas, no intento ab-surdo de aplainar a memóriapaterna. Inutilmente. Silvio ain-da paga pelo crime de lesa-ma-jestade.

Nem todos oscânones são falíveis.Machado construiu oseu, e este perduraaté hoje e a cadadia se robustece. OBruxo do CosmeVelho trabalhou nãoem proveito pessoal,do brilho efêmero –mas da obra

Hélio PólvoraEscritor, membro da Academiade Letras da Bahia

Com Sílvio Romero ocaso foi mais grave.O ressentimento setransformou emdesabafo mais dedez anos depois

Um convite paraque lembremosde nossasprimeiras manhãs

Em Primeira Manhã, a cada his-tória que conta, a cada confissãoíntima de um personagem, oescritor Jean-Claude Kaufmannnos convoca a revirar a memóriae nos inserirmos na narrativa.

Faz parte do processo de lei-tura do livro, tirar a poeira dosnovos e antigos casos para lem-brar como é interessante e im-portanteestemomentoemnos-sas vidas.

Mesmo que, na maior partedas vezes, as primeiras manhãsfiquem esquecidas, basta umempurrãozinho do autor paraque lembremos o quão belas ouconstrangedoras elas foram.

Juntamente com as manhãs,vêm as recordações das pecu-liaridades dos companheiros deoutras épocas ou, até mesmo,doatual, jáquedepoisdealgunsmeses ou anos de vida em co-mum, o que era interessantevira banal. O fato de ela falardormindo, por exemplo, já nãoé novidade, muito menos en-graçado.

Com um texto claro, direto ebem-humorado, ele entrelaçaconceitos e depoimentos extre-mamente pessoais. Assim, ficafácil ter um livro de sociologia nacabeceira (lugar melhor não ha-veria).

Kaufmann não se propõe aser um guru, nem pretende queo livro seja um objeto de con-sultaparacadanovarelaçãoquevenha a surgir. Longe disso, apublicação suscita a reflexão apartir de situações enfrentadaspor personagens reais.

Por mais que esses homens emulheres estejam social e cul-turamente situados na França,suas histórias dizem muito dasociedade ocidental contempo-rânea e do que guia nossas re-lações amorosas.

VERENA PARANHOS

LETRAS Jean-Claude Kaufmann entrevistoumais de 20 casais ao fazer Primeira Manhã

Início de relaçõesamorosas étema de livrode sociólogoVERENA PARANHOS

Abrir os olhos e enxergar na pa-rede um quadro estranho ou seassustar com o fato de, além doparceiro, dividir a cama com umgato (o animal!). Estas são ape-nas algumas situações que po-dem marcar o despertar após aprimeira noite de amor.

Para o sociólogo francêsJean-Claude Kaufmann, autordo livro Primeira Manhã: ComoNasce uma História de Amor,estes são momentos decisivosna relação de um casal.

“Depois disso é que a históriapode continuar ou não. Há todauma série de pequenas cenasmuito interessantes, parâme-tros que podem guiar a relaçãoe começam desde a primeiramanhã”, afirma Kaufmann, cujaespecialidade é investigar asquestões do cotidiano.

“A partir de todas as coisaspequenas a gente pode revelaras grandes questões, sobretudodo funcionamento do casal e doindivíduo”, diz o diretor de pes-quisa no Centro de Pesquisa deRelações Sociais na Universida-de de Paris Sorbonne-V.

Para desenvolver sua análise,ele entrevistou mais de 20 pes-soas e pediu que elas narrassemdetalhadamente uma ou duasprimeiras manhãs e falassemmais superficialmente sobre ou-tras experiências amorosas.

“As histórias de amor podemnascer de milhares de maneiras.Eu entrevisto as pessoas, entronas histórias e partir delas re-explico. É por isso que nos meuslivros todomundosereconhece,porque escuto as pessoas sobreuma situação precisa”, define ométodo de pesquisa.

No livro, Kaufmann mostraque situações como levantar da

cama e ir ao banheiro, encostara porta ou não, tomar banho,sairparacomprarcroissants fres-cosetomarcafécomafamíliadoparceiro podem abrir o caminhoou encerrar as possibilidades deuma futura relação.

“Quando sai da cama tentan-docobrirocorpo,amulhersenteque não é mais o mesmo olharque a analisa. Já os homens

dizem que estão apenas curio-sos. É uma beleza da vida or-dinária”.

As entrevistas do pesquisadortambém evidenciam as trans-formações da sociedade. “Hámuitas relações que começampela sexualidade, para esperarque o sentimento venha depois.Antigamente, a gente começa-vapelosentimentoe,seele real-

mente existia, tinha o direito deter uma relação sexual”.

Para o sociólogo, a chave daprimeira manhã está em algu-mas palavras: se abandonar àsemoções, ao outro. “É abando-nar a vida antiga, deixar asamarras que prendem os barcospara entrar numa história. Se agente avalia muito, a gente nun-ca vai entrar numa história”.

Hanoteau / Divulgação

O bigode émarca dosociólogoJean-ClaudeKaufmannhá 40 anos

PRIMEIRA MANHÃ / JEAN-CLAUDE

KAUFMANN

Bertrand Brasil / 256 p / R$ 34/ www.record.com.br

CURTAS

Kit quer dar visibilidade ao teatro baiano

A Fundação Cultural do Estadoda Bahia (Funceb), entidadevinculada à Secretaria de Cul-tura do Governo do Estado (Se-cultBA), convoca grupos, artis-tas e produtores para se can-didatarem à composição da 2ªedição do Kit Difusão do Teatroda Bahia. O material promo-cional reúne informações sobreuma lista de espetáculos tea-trais baianos no intuito de am-pliar a sua visibilidade nacionale internacionalmente. A ação,que integra o Programa de Di-fusão das Artes, tem inscriçõesabertas até o próximo dia 6 dedezembro. O regulamento e o

formulário de inscrição podemser acessados no site da ins-tituição www.fundacaocultural.ba.gov.br.

O kit apresentarátextos trilíngues,imagens e vídeos,com distribuiçãoem versões físicae digital

FacomSom agita oLargo Pedro Archanjo

A nona edição do FacomSomacontece hoje, às 19h, no LargoPedro Archanjo. A festa fica porconta da banda Cascadura, di-vulgando o repertório de seuúltimo álbum, Aleluia, além deRicardo Caian e os Beduínos Gi-gantes e O Terreiro, bandas es-colhidas via edital de seleção. Aprogramação também inclui in-tervenções artísticas, com ex-posição de varais fotográficos elonas pintadas. O FacomSom éorganizado por estudantes daProdutora Jr – Ufba. A ação re-colhe 1kg de alimento na en-trada (não obrigatório).

Lorena Vinturini / Divulgação

A banda Ricardo Caian e os Beduínos Gigantes é uma das atrações

Contação de históriasinfantis em inglês

O curso de idioma Acbeu pro-move a sexta edição do seu pro-grama de contação de históriasem inglês voltado para criançasde 4 a 8 anos, no próximo sá-bado, às 17 horas, na LivrariaCultura do Salvador Shopping.O projeto acontece sempre aossábadosnalivraria.Oencontro,que será conduzido pela pro-fessora Gisele Hensel, da AcbeuMaple Bear Canadian School,tem como objetivo encorajar osalunos a ler livros em inglês,além de ampliar o conhecimen-toda língua.Aatividade infantilé gratuita.

ARTES PLÁSTICAS

Um Van Gogh depresente que saiumuito caropara a Suíça

FRANCE PRESSEGenebra, Suíça

A Suíça teve que desembolsarcerca de 1,5 milhão de francossuíços (1,2 milhão de euros) emgastos com advogados nos EUApara recuperar um desenho deVincent Van Gogh que tinha re-cebido de presente. A Suíça ga-nhou o julgamento, mas não po-derá recuperar os custos do pro-cesso devido a uma especificida-de do direito norte-americano.

A história começou com umadoaçãoqueocolecionadorOskarReinhart fez a seu país, que foiquestionada em um tribunal deNova York pelo herdeiro de umacolecionadora de arte, MargaretMauthner, que teve que fugir daAlemanha nazista em 1939.

O neto de Margaret argumen-tou que Reinhart tinha compradoa tela Vue des Saintes-Maries deMer a baixo preço, aproveitandoa difícil situação em que sua avóse encontrava em 1933.

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