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28/08/2017
Número: 1000585-86.2017.4.01.3100
Classe: AÇÃO POPULAR
Órgão julgador: 1ª Vara Federal Cível da SJAP
Última distribuição : 28/08/2017
Valor da causa: R$ 1000.0
Assuntos: Flora, Fauna
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Justiça Federal da 1ª RegiãoPJe - Processo Judicial EletrônicoConsulta Processual
Partes
Tipo Nome
ADVOGADO RUBEN BEMERGUY
FISCAL DA LEI Ministério Público Federal (Procuradoria)
RÉU UNIÃO FEDERAL
AUTOR RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES
AUTOR IVANA LUCIA FRANCO CEI
RÉU MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA
RÉU FERNANDO BEZERRA DE SOUZA COELHO FILHO
Documentos
Id. Data daAssinatura
Documento Tipo
2613529
28/08/2017 15:16 Informação de Prevenção Informação de Prevenção
2611245
28/08/2017 13:57 1 Inicial
2611188
28/08/2017 13:57 Petição inicial Petição inicial
Seção Judiciária do Estado do AmapáDistribuição
PROCESSO: 1000585-86.2017.4.01.3100
INFORMAÇÃO DE PREVENÇÃO
NEGATIVA
A Distribuição da Seção Judiciária do Estado do Amapá informa que, após análise do relatório de prevenção gerado não foramautomaticamente pelo sistema PJe e pesquisa nos demais sistemas eletrônicos da Justiça Federal da 1ª Região,
identificados processos possivelmente preventos ao processo 1000585-86.2017.4.01.3100.
Encaminhem-se os autos ao órgão julgador do processo.
MACAPá, 28 de agosto de 2017.
(assinado eletronicamente)Servidor
Num. 2613529 - Pág. 1Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: JORGE ALBERTO DE ARAUJO MOREIRAhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082815165035800000002607142Número do documento: 17082815165035800000002607142
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA .......... VARA
FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO AMAPÁ.
“A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de realizar
mudanças de estilo de vida, de produção e consumo, para combater o aquecimento
global ou, pelo menos, as causas humanas que o provocam e o agravam [...]hoje,
não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica
sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates
sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos
pobres.[...] Qualquer abordagem ecológica deve incorporar uma perspectiva social
que leve em conta os direitos humanos das pessoas mais desfavorecidas.”
(Papa Francisco, em Carta Encíclica Ladauto Sí - Sobre o cuidado da casa
comum, de 24 de maio de 2015)
RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES, brasileiro, Senador da República
pela REDE/AP, domiciliado na Avenida Almirante Barroso, nº 1526, Bairro: Santa Rita,
CEP nº 68.901-336, no município de Macapá-AP; e IVANA LUCIA FRANCO CEI,
brasileira, casada, promotora de justiça, domiciliada na Rua Paraná, nº 276, Bairro: Santa
Rita, CEP: 68.901-260, no município de Macapá-AP, ambos cidadãos em pleno gozo dos
direitos políticos (doc. anexos, conforme art. 1.º, § 3.º, da Lei n.º 4.717/65), representados
por seu Advogado, conforme procuração in fine assinada (Doc. 2), com endereço
profissional Av. Ernestino Borges, nº 191, Centro – Macapá – AP, CEP: 68.908-198, para
receber avisos e quaisquer intimações, vêm, respeitosamente, perante a Vossa Excelência,
Num. 2611245 - Pág. 1Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
com fulcro no art. 5.º, inciso LXXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, e na Lei n.º 4.717/65, propor a presente:
AÇÃO POPULAR, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
Em desfavor de em face da em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito
público, representada pela Advocacia-Geral da União, de MICHEL MIGUEL ELIAS
TEMER LULIA , brasileiro, casado, Presidente da República, CPF nº 069.319.878-87,
com domicílio legal em Brasília, DF, na Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto,
Gabinete da Presidência, e de FERNANDO BEZERRA DE SOUZA COELHO
FILHO, brasileiro, casado, Ministro de Estado de Minas e Energia, CPF nº 049.210.934-
66, com endereço no Ministério de Minas e Energia, Esplanada dos Ministérios - Brasília,
DF, 70297-400, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:;
I - DO FORO COMPETENTE
O artigo 5° da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que regula a Ação Popular,
estabelece que a competência para seu julgamento é determinada pela origem do ato
lesivo a ser anulado, ou seja, do juízo competente de primeiro grau, conforme as normas
de organização judiciária.
Desse modo, ainda que aqui se impugne um ato em vias de ser praticado pela
Presidente da República — como será observado no presente feito — esse fato não possui,
per se, a aptidão para atrair a competência do Supremo Tribunal Federal, sendo
competente, portanto, a Justiça Federal de primeira instância.
Ademais, a Constituição Federal de 1988 não inclui o julgamento da Ação Popular
na esfera da competência originária da Suprema Corte, ainda que propostas em face do
Congresso Nacional, de Ministros de Estado ou do próprio Presidente da República.
Essa, aliás, tem sido a orientação jurisprudencial majoritária do Supremo Tribunal
Federal, por falta de previsão específica do rol taxativo do artigo 102 da Carta Magna.
Assim, tendo em vista que a presente ação se destina a impedir a prática de ato contrário
ao ordenamento jurídico e contra os princípios da administração pública, em especial o
princípio da legalidade e da competência por autoridade federal, a competência será da
Justiça Federal de primeira instância.
Num. 2611245 - Pág. 2Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
II - DOS FATOS
A Reserva Nacional do Cobre (e seus associados) - Renca conta com uma área
de 46.523 km2, superior ao território da Suíça, no seio da Floresta Amazônica, na
área compreendida entre os paralelos 01º00'00" de latitude norte e 00º40'00" de latitude
sul, e os meridianos 052º02'00" e 054º18'00" de longitude oeste, nos estados do Pará e do
Amapá, e é considerada de alto potencial metalogenético, pelos especialistas1.
Para o geólogo Antônio Feijão, ex-diretor do Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM) no Amapá, a região é rica em ouro: "Comparando com Serra
Pelada, multiplica por algumas vezes”2.
Sob o propósito evitar uma nova “corrida do ouro”, que notabilizou
mundialmente o garimpo em Serra Pelada, na década de 80, no sudeste do Pará (no
município de Curionópolis), pelo desastre ambiental e humano que se seguiu à
exploração oficial de 30 toneladas de ouro, a Renca foi instituída pelo Decreto nº
89.404, de 1984, editado pelo último Presidente da República do regime ditatorial,
João Figueiredo.
Em 30 de março de 2017, o Ministério de Minas e Energia deu o primeiro
passo com vistas à extinção da Renca, quando da publicação de portaria subscrita pelo
Sr. ministro Fernando Coelho Filho que determinou que fossem indeferidos os títulos que
objetivem áreas situadas dentro da reserva e que tenham sido protocolizados no período
de vigência do decreto nº 89.404, de 1984 (que criou a reserva) que estiverem pendentes
de decisão.
Em 24 de julho de 2017, premido pelos interesses das bancadas ruralistas
ligadas à mineração e em face da sua articulação política para rejeitar a denúncia
de corrupção passiva oferecida contra si pelo Sr. Procurador-Geral da República, o
presidente Michel Temer anunciou três medidas provisórias que alteram
drasticamente o marco normativo do setor de Mineração, a saber:
1 A propósito do potencial metalogenético, ver < http://www.brasilmineral.com.br/noticias/sai-o-decreto-de-extin%C3%A7%C3%A3o-da-renca>, consulta em 27 de agosto de 2017, às 13h50. 2 Declaração extraída de < http://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/governo-federal-quer-extinguir-area-de-reserva-para-mineracao-ao-sul-do-amapa.ghtml>, em 27 de agosto de 2017, às 14h35.
Num. 2611245 - Pág. 3Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
I. A MP nº 789, que altera a base de cobrança de royalties, que passarão a ser
cobrados sobre o faturamento bruto e não mais sobre alíquota do faturamento
líquido, aumento os lucros das empresas do setor de mineração;
II. A MP nº 790, que realizou diversas mudanças do Código da Mineração, incluindo
a autorização para que as empresas extraiam substâncias minerais antes mesmo
da antes da outorga da concessão de lavra;
III. A MP nº 791, que transformou o Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM) em agência reguladora - a Agência Nacional de Mineração (ANM) -,
com competência normativa técnica para regular o setor, subtraindo do
Congresso Nacional a prerrogativa para tanto, sob a justificativa de trazer
“segurança jurídica” para o setor mineral.
Segundo o veículo Valor Econômico3, as mineradoras já aguardavam a extinção
da Renca, naquela occisão da edição das MPs, tendo surpreendido as empresas do setor
ao deixar de fora a liberação da área na região para a exploração privada.
Em 22 de agosto de 2017, o Presidente Michel Temer extinguiu a RENCA,
por meio do Decreto nº 9.142, tornando, assim, disponível para exploração mineral sua
vasta área de 46.523 km2.
De acordo com o geólogo Elmer Prata Salomão, membro da ABPM (Associação
Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral), apenas 4,63% da área da Reserva está
efetivamente desimpedida, o que corresponde a aproximadamente 2.162 quilômetros
quadrados, sendo essa área de baixo potencial geológico4:
Pelo menos 25,5% do território que era abrangido pela RENCA está vedado à
mineração, sendo 10,45% de terras indígenas e 15,05% de unidades de
conservação de proteção integral. Em 69,87% da área a atividade de mineração
depende de negociações com órgãos ambientais federais e estaduais e com
proprietários rurais de assentamentos do Incra, que ocupam 5,28% do território
abrangido pela extinta RENCA.
Assim, a própria Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral a
exploração “poderá ficar inviabilizada de ser desenvolvida, já que a maior parte das áreas
3 Disponível em http://www.valor.com.br/brasil/5091966/temer-extingue-reserva-do-tamanho-da-suica-e-libera-exploracao-mineral, acesso em 27/08/2017, às 14h12. 4 A propósito do potencial metalogenético aproveitável, ver < http://www.brasilmineral.com.br/noticias/sai-o-decreto-de-extin%C3%A7%C3%A3o-da-renca>, consulta em 27 de agosto de 2017, às 14h01.
Num. 2611245 - Pág. 4Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
com potencial estão inseridas em Unidades de Conservação”. O passo seguinte
seguramente deverá ser discutir o afrouxamento de tais unidades de conservação.
A Renca abrange nove áreas protegidas: as Florestas Estaduais do Paru e do
Amapá, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, a Reserva Extrativista Rio
Cajari, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as terras tradicionalmente ocupadas
pelos povos indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este.
Muito a propósito, o povos Waiãpi, que vivem na região delimitada pelos rios
Oiapoque, Jari e Araguari, no Amapá, antes de 1970, contavam com um contingente
populacional de cerca de 15 mil membros, tendo sido reduzidos a pouco mais de uma
centena, após a expansão humana do ex-território do Amapá. Após os esforços de
demarcação, concluídos na década de 60, sua população voltou a crescer, contando
atualmente com cerca de 1 mil indígenas5.
A existência da reserva mineral, apesar da garimpagem ilegal, que não fora
devidamente reprimida pelo Governo Federal, garantiu razoável grau de preservação
da área de floresta nela compreendida, segundo Jaime Gesisky6, especialista em
políticas públicas do WWF-Brasil: "Uma eventual corrida do ouro para a região poderá
causar danos irreversíveis a essas culturas e ao patrimônio natural brasileiro”. O
ambientalista adverte que o Brasil não pode repetir os erros cometidos na década de 1970,
quando grandes empreendimentos foram levados para a Amazônia sem nenhuma
perspectiva de exploração sustentável: "É uma área no coração da Amazônia de florestas
bastantes preservadas e com presença humana. [...] Toda essa área não é um vazio. A
floresta ali está relativamente bem conservada à exceção de alguns casos pontuais de
garimpos ilegais que precisariam ser combatidos".
A medida repercutiu fortemente no noticiário doméstico e, inclusive,
internacional:
5 Fontes pesquisadas disponíveis em < http://www.institutoiepe.org.br/area-de-atuacao/povos-indigenas/wajapi/ >, < https://pib.socioambiental.org/pt/povo/wajapi/print> e < https://www.diariodoamapa.com.br/2017/08/26/randolfe-anuncia-ato-publico-com-artistas-nacionais-contra-extincao-da-renca/ >, acessadas em 27/08/2017, às 15h23. 6 Declarações disponíveis em https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2017/08/23/governo-extingue-reserva-de-cobre-para-atrair-investimentos-em-mineracao.htm >, acesso em 27/08/2017, às 14h59.
Num. 2611245 - Pág. 5Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
I. A americana CNN destacou que a área da reserva tem duas vezes o tamanho do
estado de New Jersey e que a Amazônia produz 20% do oxigênio do mundo;
II. A revista alemã Der Spiegel noticiou: "Brasil libera enorme parque natural para
mineração";
III. O britânico The Guardian noticiou o fato com a manchete "o maior ataque contra
a Amazônia nos últimos 50 anos", apontando que, desde o impeachment, o
Presidente Temer "agiu rapidamente para desfazer proteções ambientais para
agradar o poderoso lobby da agricultura e da mineração".
Como é de se esperar, movimentos da sociedade civil reagiram energicamente,
denunciando os riscos iminentes de tal medida no que diz respeito ao acirramento de
conflitos entre a atividade minerária, a conservação da biodiversidade e os direitos
indígenas na região. A reação também ganhou a adesão de celebridades nacionais e
internacionais, inclusive da modelo Gisele Bündchen7 e do astro ganhador do Oscar
Leonardo Di Caprio8.
Em resposta à reação da opinião pública, o Presidente Michel Temer fez publicar
a seguinte nota da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, em 24/08/2017:
Sobre o decreto que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca),
a Presidência da República esclarece que:
1. Como explicita o nome, o que deixou de existir foi uma antiga reserva
mineral – e não ambiental. Nenhuma reserva ambiental da Amazônia foi
tocada pela medida.
2. A extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) não afeta as
Unidades de Conservação Federais existentes na área – todas de proteção integral,
onde não é permitido a mineração.
3. Qualquer empreendimento futuro que possa vir a impactar áreas de conservação
estaduais do Amapá e Pará – essas sim sujeitas a manejo - terá de cumprir
exigências federais rigorosas para licenciamento específico, que prevê ampla
proteção socioambiental, como já mencionado no decreto.
4. A Renca não é um paraíso, como querem fazer parecer, erroneamente,
alguns. Hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à
degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de
espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui os cursos d ‘água
com mercúrio.
5. A nova legislação permite coibir essa exploração ilegal, recolocando sob
controle do Estado a administração racional e organizada de jazidas minerais
importantes, que demandam pesquisas e exploração com alta tecnologia.
6. O compromisso do governo é com soberano desenvolvimento sustentável da
Amazônia, sempre conjugando preservação ambiental com geração de renda e
emprego para as populações locais.
7 Disponível em < http://g1.globo.com/politica/noticia/gisele-critica-decreto-que-extingue-reserva-florestal-na-regiao-norte-vergonha.ghtml >, acesso em 27/08/2017, às 15h19. 8 Disponível em < https://www.diariodoamapa.com.br/2017/08/26/randolfe-anuncia-ato-publico-com-artistas-nacionais-contra-extincao-da-renca/ > , acesso em 27/08/2017, às 15h21.
Num. 2611245 - Pág. 6Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
Como se depreende da nota, o Governo Federal inverte cinicamente a relação
de causalidade, ao justificar a extinção da Renca em razão da sua inoperância em
combater o garimpo ilegal, como se não fosse sua responsabilidade fazê-lo.
É a breve síntese fática.
III - DO DIREITO
De acordo com o artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal e artigo 1º da
Lei nº 4.717, de 1995, a ação popular é o meio constitucional adequado para que
qualquer cidadão possa evitar a prática ou pleitear a invalidação de atos
administrativos ilegais e lesivos ao patrimônio público, à moralidade pública e
outros bens jurídicos indicados no texto constitucional.
Ao dispor sobre a nulidade dos atos lesivos ao patrimônio das entidades públicas
nominadas no artigo 1º da Lei nº 4.717, de 1965, o artigo 2º da referida Lei assim
estabelece:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no
artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; (destaquei)
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as
seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas
atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou
irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em
violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito,
em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente
inadequada ao resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o
agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou
implicitamente, na regra de competência
Cumpre resgatar brevemente as características jurídico-formais de uma reserva
mineral, mecanismo instituído sob a égide do Regime Militar, com vistas a impedir
significativamente a exploração de recursos minerais em sua circunscrição
topológica.
Num. 2611245 - Pág. 7Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
O artigo 54 do Decreto-lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, que estabelece o
Código de Mineração no Brasil, assim estatui:
Art. 54. Em zona que tenha sido declarada Reserva Nacional de determinada
substância mineral, o Governo poderá autorizar a pesquisa ou lavra de outra
substância mineral, sempre que os trabalhos relativos à autorização solicitada
forem compatíveis e independentes dos referentes à substância da Reserva e
mediante condições especiais, de conformidade com os interesses da União e da
economia nacional. (grifo nosso)
Por sua vez, o artigo 120 do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 62.934, de 2
de julho de 1968, assim estatui:
Art. 120. Em zona declarada Reserva Nacional de determinada substância
mineral ou em áreas específicas objeto de pesquisa ou lavra sob regime de
monopólio, o Govêrno poderá, mediante condições especiais condizentes com
os interêsses da União e da economia nacional, outorgar autorização de
pesquisa, ou concessão de lavra de outra substância mineral, quando os
trabalhos relativos à autorização ou concessão forem compatíveis e
independentes dos relativos à substância da Reserva ou do monopólio. § 1º Tratando-se de Reserva Nacional a pesquisa ou lavra de outra substância
mineral sòmente será autorizada ou concedida nas condições especiais
estabelecidas pelo Ministro das Minas e Energia, ouvidos, previamente, os
órgãos governamentais interessados.
§ 2º Tratando-se de monopólio, a pesquisa ou lavra de outra substância mineral
sòmente será autorizada ou concedida com prévia audiência do órgão executor do
monopólio, e nas condições especiais estabelecidas pelo Ministro das Minas e
Energia.
§ 3º Verificada, a qualquer tempo, a incompatibilidade ou a dependência dos
trabalhos, a autorização de pesquisa ou concessão de lavra será revogada.
[...]
Como se vê, apenas sob imperativos de relevância para a economia nacional e
para os interesses da União, é possível excepcionalmente a autorização da lavra de ou
pesquisa, mediante delegação (autorização ou concessão), de recursos minerais
outros, que não o objeto da reserva mineral, em condições específicas, arbitradas pelo
Ministério de Minas e Energia, sendo tal delegação revogável a qualquer tempo, a critério
soberano da Administração Pública.
Veja-se que a legislação de regência, editada sem aval do Poder Legislativo,
tendo em vista sua gênese remontar o sombrio período do recrudescimento autoritário do
establishment militar, não especifica qual o ato formal mediante o qual as reservas
minerais deveriam ser “declaradas”, nos termos do enunciado no caput do artigo 54 do
Decreto-lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração), retro.
Naturalmente, essa falta de apego a procedimentos formais de definição de forma
e competência não se fazia óbice jurídico à luz das Cartas outorgadas em 1967 e 1969,
Num. 2611245 - Pág. 8Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
sob a égide da Ditadura Militar, tendo em vista o desprezo que o regime mostrou pelo
Parlamento, dissolvido em 1968, pelo infame Ato Institucional nº 5, nos chamados
Anos de Chumbo.
Veja-se que o Código de Mineração fora instituído por um Decreto-lei, que,
embora tenha força de lei, não se submete ao referendo do Congresso Nacional
(extinto pela Constituição de 1988, sendo substituído pelo seu consectário moderno, a
medida provisória), que fora regulamentado igualmente por um decreto presidencial
(Decreto nº 62.934, de 2 de julho de 1968), sem que a propósito da matéria houvesse
qualquer deliberação parlamentar.
O ato institutivos da Renca - o Decreto nº 89.404, de 1984 - fora igualmente
um decreto presidencial, editado pelo último Presidente da República do regime
ditatorial, João Figueiredo.
Relativamente à recepção destes atos normativos primários (o Código de
Mineração) e secundários (o regulamento do Código de mineração e o de instituição da
Renca) pela Constituição Cidadã, de 1988, o e. STF já consolidou o entendimento
segundo o qual tais normas devem ser avaliadas meramente sob o crivo material de
compatibilidade com a novel ordem constitucional, não havendo que se fazer
qualquer exame de adequação formal relativamente à Constituição vigente.
O exame de compatibilidade constitucional formal de direito pré-
constitucional só se faz devido tendo por parâmetro a Lei Fundamental de seu
tempo, a Constituição sob a égide da qual fora editado.
Nesse sentido, embora a Constituição de 1988 exija atualmente a edição de lei
ordinária para tratar de bens da União e sua destinação, os atos de regência da
presente controvérsia (Decreto-lei nº 227, de 1967; Decreto nº 62.934, de 1968; e Decreto
nº 89.404, de 1984) escapam a qualquer exame de adequação formal às normas de
processo legislativo plasmadas na atual Constituição.
Mesma sorte, de insujeição à adequação formal à Constituição de 1988, entretanto,
não assiste ao Decreto que extinguira a Renca, o Decreto nº 9.142, de 22 de agosto de
2017, posto que editado sob a égide da atual Constituição, devendo ser com ela
compatível sob o prisma material, mas também sob o prisma da adequação formal.
Num. 2611245 - Pág. 9Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
A Constituição de 1988, a propósito dos bens da União, assim dispõe em seu
art. 20, in verbis:
Art. 20. São bens da União:
[...]
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
A propósito das chamadas competências privativas do Congresso Nacional,
reguláveis pela vida de lei ordinária, com sanção do Presidente da República, o art.48,
caput e inciso V, da Constituição de 1988, assim dispõem, in verbis:
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República,
não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as
matérias de competência da União, especialmente sobre:
[...]
V - limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da
União;
Assim, a conclusão irremediável que se chega a partir da conjugação dos dois
dispositivos constitucionais retro é a de que “cabe ao Congresso Nacional, com a sanção
do Presidente da República[...] dispor sobre todas as matérias de competência da União,
especialmente sobre” (art. 48, caput, CF) “bens do domínio da União” (art. 48, V, CF),
dentre os quais se incluem “os recursos minerais, inclusive os do subsolo” (art. 20, IX,
CF). A amplitude de competência e ênfase do Constituinte é tamanha que ele chega a
empregar a expressão “sobre todas as matérias de competência da União”, no caput,
como visto.
Ora, o Decreto nº 9.142, de 22 de agosto de 2017, que extingue a Renca, cuida
exatamente dessa matéria: dispõe sobre um bem da União, qual seja uma reserva
mineral. Autorizar ou limitar a exploração comercial de minérios, mediante a instituição
ou extinção de uma reserva mineral, é dispor sobre o destino de um bem da União.
O Presidente Figueiredo criara por Decreto Presidencial a Renca, à luz de um
regime autoritário que lhe facultava essa competência e a adequação desta espécie
(decreto). Mesma autoridade imperial não assiste ao Sr. Presidente Michel Temer,
para extingui-la pela mesma via, à revelia do Congresso Nacional, posto que não
dispõe desta autoridade czarista sobre os bens da União, para agir com tamanho
desassombro ao atropelar o Parlamento.
Aliás, oportuno transcrever aqui o breve conteúdo do Decreto ora impugnado:
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DECRETO Nº 9.142, DE 22 DE AGOSTO DE 2017
Extingue a Reserva Nacional de Cobre e seus associados,
constituída pelo Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984,
localizada nos Estados do Pará e do Amapá.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o
art. 84, caput, inciso IV, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º Fica extinta a Reserva Nacional de Cobre e seus associados, constituída
pelo Decretos nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984, localizada nos Estados do
Pará e do Amapá.
Art. 2º A extinção de que trata o art. 1º não afasta a aplicação de legislação
específica sobre proteção da vegetação nativa, unidades de conservação da
natureza, terras indígenas e áreas em faixa de fronteira.
Art. 3º Ficam revogados:
I - o Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984; e
II - o Decreto nº 92.107, de 10 de dezembro de 1985.
Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de agosto de 2017; 196º da Independência e 129º da República.
Veja-se que, no preâmbulo do ato, o Sr. Presidente da República anunciar
extrair a competência para editar o referido decreto do art. 84, caput, inciso IV, da
Carta Magna (“...O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe
confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição DECRETA...”). Ocorre que o
dispositivo citada refere-se à prerrogativa constitucional de que dispõe o Presidente
da República para editar os chamados decretos regulamentares, senão vejamos:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e
regulamentos para sua fiel execução;
O poder regulamentar é um dos poderes administrativos e consiste na atribuição,
conferida ao chefe do Poder Executivo da entidade federativa, de expedir regulamentos,
objetivando propiciar a fiel execução da lei. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro9:
É uma das formas pelas quais se expressa a função normativa do Poder Executivo.
Pode ser definido como o que cabe ao chefe do Poder Executivo da União, dos
Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para fiel
execução.
Muitas vezes, é uma ideia que parece confusa porque se regulamenta o que está
em lei. No entanto, trata-se de um esclarecimento, explicitação que a lei requer, prescinde.
Em sentido material, o resultado do poder regulamentar é considerado lei.
9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
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O poder regulamentar não se confunde com a função legislativa. Sua
semelhança está na produção de atos gerais e abstratos; diferem, todavia, porque o
legislativo pode inovar a ordem jurídica, o que não pode acontecer, regra geral, no
poder regulamentar, por respeito ao princípio da separação dos poderes.
No julgamento da ADIn 1.435-810, o STF apontou quatro requisitos para que o
regulamento fosse assim tipificado, a saber:
I. lei prévia;
II. decreto que assegure a execução da lei;
III. agentes da administração pública como destinatários;
IV. ausência de estipulação de direito ou obrigação.
Veja-se que o Sr. Presidente não está regulamentar qualquer disposição a respeito
das reservas minerais, mais antes está a extinguir uma delas, sem que Lei anterior lhe
confira essa prerrogativa, o que torna inafastável a competência constitucional do
Congresso Nacional para, mediante lei ordinária, dispor sobre essa espécie de bem
público sob o domínio da União. Aliás, além da expressa previsão constitucional, a
complexidade e os impactos de medidas dessa natureza, por si só, já deixam mais
que evidente a necessidade de profundo processo de deliberação democrática, pela
via do Parlamento, para que se levem a efeito decisões políticas desta envergadura.
Veja-se que a Lei prévia, que dispunha sobre o conceito de reserva mineral - o
Código de Mineração - nada dispunha sobre o modo de criação ou extinção de tais
reservas minerais, o que torna exorbitante a tentativa sub-reptícia de fazê-lo pela via
10 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. DECRETO 1.719/95.
TELECOMUNICAÇÕES: CONCESSÃO OU PERMISSÃO PARA A EXPLORAÇÃO. DECRETO AUTÔNOMO: POSSIBILIDADE DE CONTROLE CONCENTRADO. OFENSA AO ARTIGO 84-IV DA CF/88. LIMINAR DEFERIDA. A ponderabilidade da tese do requerente é segura. Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis (artigo 84-IV da CF/88). A Emenda Constitucional nº 8, de 1995 - que alterou o inciso XI e alínea a do inciso XII do artigo 21 da CF - é expressa ao dizer que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei. Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada, qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal. O decreto seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a Constituição a exige. A Lei 9.295/96 não sana a deficiência do ato impugnado, já que ela é posterior ao decreto. Pela ótica da maioria, concorre, por igual, o requisito do perigo na demora. Medida liminar deferida. (ADI 1435 MC, Relator (a): Min. FRANCISCO REZEK, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/1996, DJ 06-08-1999 PP-00005 EMENT VOL-01957-01 PP-00040)
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regulamentar, em sede de decreto, em clara ofensa à reserva legal e à separação dos
Poderes.
Assim, o ato administrativo atacado padece de insuperável vício de
competência e de legalidade, posto que editado por autoridade que não dispõe de
autoridade para sua expedição e tendo em vista que o quadro normativo exige, para
tanto, a reserva legal.
Oportuno que se registre que, embora a jurisprudência da Suprema Corte seja
pacífica no sentido de que é “incabível a ação popular contra lei em tese”, mesma
sorte não assiste ao controle de leis de efeitos concretos e, menos ainda, de atos
administrativos infralegais (como no presente caso), senão vejamos o seguinte
precedente, da lavra do Eminente Ministro Luiz Fux, então membro do e. STJ, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. AÇAO POPULAR. CUMULAÇAO DE PEDIDOS.
PLEITO DE ANULAÇAO DE PREVISAO DE DESPESAS ENCARTADAS EM
LEI QUE DISPÕE SOBRE PLANO PLURIANUAL COM A PRORROGAÇAO
DO FUNDO DE COMPENSAÇAO E VARIAÇÕES SALARIAIS BEM COMO
OS ATOS SUBSEQUENTES DE REPASSE. LEI QUE PREVÊ DESPESA.
NORMA DE EFEITOS CONCRETOS PASSÍVEL DE INVESTIDA VIA AÇAO
POPULAR SOB O PÁLIO DA MORALIDADE E DA
INCONSTITUCIONALIDADE.VIOLAÇAO DO ART. 535 DO CPC.
INOCORRÊNCIA.
1. É possível juridicamente a ação popular contra lei de efeitos concretos,
como soi ser a que prevê dispêndios realizáveis com o dinheiro público, ainda que
uma das causas de pedir seja a inconstitucionalidade da norma por contravenção
ao art. 36, do ADCT e 165, 9º, da Constituição Federal de 1988.
2. O que se revela incabível é o STJ, guardião da legislação infraconstitucional,
analisar essa suposta lesão ao ordenamento maior, no âmbito do recurso especial,
sob pena de usurpação da competência constitucional do E. STF.
3. Deveras, a anulação dos atos administrativos subseqüentes calcados nestas
premissas é juridicamente possível em sede de ação popular, tanto mais que,
nesses casos, a análise da inconstitucionalidade é empreendida incidenter
tantum via controle difuso, encampado pelo Direito Nacional. Precedentes do
STF e do STJ. 4. Extinção prematura do processo, sem análise do mérito sob a falsa percepção
de utilização da ação popular contra a lei em tese, em contravenção à ratio essendi
da Súmula n. 266, do STF
5. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora
sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos
autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos
trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes
para embasar a decisão.
6. Recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido para, vedada a
declaração de nulidade da Lei n. 9.443/97, cujo pleito em essência visa a
declaração de inconstitucionalidade através da via adequada, reconhecer a
possibilidade jurídica de parte do pedido formulado na inicial da ação
popular quanto à anulação dos atos administrativos cujos efeitos tenham sido
derivados das leis acoimadas de inconstitucionalidade e da Lei n. 8.173/91, de
efeitos concretos, porquanto previsora de despesas públicas.
(Resp nº 501.854 - SC, Rel. Min. Fux, STJ)
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Isso porque, caso se admitisse o ajuizamento de ação popular contra lei genérica
em tese, pugnando-se por sua nulidade por inconstitucionalidade, estar-se-ia defronte
meridiana usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, posto que se trataria
de um sucedâneo ilegítimo da ação direta de inconstitucionalidade.
No que pertine às chamadas leis de efeitos concretos, a jurisprudência da Corte,
embora tenha sofrido recentes vacilações11, não admite seu controle pela via da ação
genérica12 (ADI), o que faculta o controle de seus resultados concretos incidenter tantum,
pela via da ação popular, inclusive, como o é, aliás, em todo o controle difuso de
constitucionalidade.
Em todo caso, a ação popular é meio idôneo à anulação de atos administrativos -
inclusive editados pelo Presidente da República - que não observem as regras de
competência, como é o presente feito (a competência, aqui, deriva da própria Carta
Magna, ex vi do disposto no art. 48, caput e V, c/c art. 20, IX, todos da CF).
Isso porque, no controle de legitimidade dos atos administrativos em geral,
incumbe a todos os magistrados, inclusive de modo oficioso (ex officio), o controle de
sua legalidade, que pressupõe sua conformidade com a Constituição (judicial review).
Não sendo cabível a contestação do ato administrativo objeto da presente
controvérsia pela via da ação direita de inconstitucionalidade, não há que se falar
em usurpação à competência do Pretório Excelso ou em utilização da ação popular
como sucedâneo daquela ação de controle abstrato.
Por derradeiro, faz-se necessária também uma arguição da compatibilidade deste
ato administrativo com tratados internacionais celebrados pela República Federativa do
Brasil, particularmente em relação àqueles que versam sobre Direitos Humanos,
posto que estes últimos possuem caráter de supralegalidade, na esteira do estatuído
11 Nesse sentido, o Supremo reviu sua posição ao admitir Ação Direta de Inconstitucionalidade tendo por objeto Lei de Diretrizes Orçamentárias, uma vez que se trata de lei formal (ADIMC 4.048/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.04.2008). 12 “[...]Ação direta de inconstitucionalidade, entretanto, inadmissível[...], dado que, na jurisprudência do STF, só se consideram objeto idôneo do controle abstrato de constitucionalidade os atos normativos dotados de generalidade, o que exclui os que, malgrado sua forma de lei, veiculam atos de efeito concreto, como sucede com as normas individuais de autorização que conformam originalmente o orçamento da despesa ou viabilizam sua alteração no curso do exercício. III. Ação de inconstitucionalidade: normas gerais e normas individuais: caracterização.’ (ADI nº 1.716, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 27.03.1998).
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no art. 5º, § 2º13, no bojo do que a doutrina tem denominado controle de
convencionalidade14.
Isso porque é admissível, junto ao Supremo Tribunal Federal, mesmo a
paralisação da eficácia de leis domésticas15 em face de sua incompatibilidade com
Tratados de Direitos Humanos incorporados ao Direito doméstico, mesmo ainda quando
estes não forem referendados pelo mesmo rito processual de aprovação das emendas
à Constituição (quando o forem, equivalem a normas constitucionais, ex vi art. 5º, §3º,
da Carta Magna16, com as inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
Ora, se admite-se mesmo a nulidade de uma lei, junto ao STF, mais ainda se
deveria admitir a incidência de seu controle em face de um ato administrativo,
perante qualquer juízo ou Tribunal, na esteira da efetivação do comando plasmado no
art. 5º, § 2º, da Lei Fundamental, como garantia da efetivação dos Direitos Humanos
Fundamentais na ordem doméstica.
Na verdade, aqui não há sequer que se falar em controle de
convencionalidade, posto que não se requer a invocação do caráter supralegal da
norma internacional internalizada em face de outra lei ordinária, mas tão somente
de controle de legalidade puro e simples, posto que os tratados incorporados à ordem
interna possuem inequívoca força de Lei (como dito, a rigor, superam hierarquicamente,
13 Art. 5º, CF: [...] § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 15 “[...]Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (...) Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos 'Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal par aplicação da parte final do art.5º, inciso LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel." (RE 466343, Voto do Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 3.12.2008, DJe de 5.6.2009) 16 Art. 5º, CF: [...] § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
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as próprias leis, quando versam sobre Direitos Humanos), sendo superiores a todos os
atos infralegais, dentre os quais se incluem os decretos regulamentares.
Pois bem, considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto
Legislativo no 143, de 20 de junho de 2002, o texto da Convenção no 169 da
Organização Internacional do Trabalho - OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais,
adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, e que o Governo brasileiro depositou o
instrumento de ratificação junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de julho de 2002, e
que, por fim, a Convenção entrou em vigor internacional, em 5 de setembro de 1991, e,
para o Brasil, em 25 de julho de 2003, nos termos de seu art. 38, oportuno perscrutar a
compatibilidade vertical (controle de legalidade) do ato de extinção da Renca (ato
administrativo) com o previsto na disciplina legal da referida Convenção 169, da
OIT (Lei com status supralegal, inclusive).
Isso porque a referida Convenção estabelece, em seu art. 6º que os governos
devem, ao aplicar as disposições da presente Convenção, “consultar os povos
interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas
instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou
administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente” e ainda “estabelecer os meios
através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na
mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de
decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza
responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes”.
Ademais, assim dispõe o art. 15 da referida convenção internacional, verbis:
Artigo 15
1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas
terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito
desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos
recursos mencionados.
2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos
recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes na terras,
os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a
consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses
povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou
autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes
nas suas terras. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível
dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa
por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.
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Por fim, o conceito de terras indígenas empregado no referido tratado é
amplíssimo, senão vejamos a dicção de seu artigo 13, verbis:
Artigo 13
1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão
respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos
interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos,
segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e,
particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.
2. A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito
de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos
interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.
Ora, muito embora a extinção da Renca não implique imediata autorização para
atividade mineradora nas terras indígenas localizadas na referida reserva (o que
demandaria, inclusive, autorização do Congresso Nacional, ex vi do art. 49, XVI, da Carta
Magna17), a atividade de mineração se insere entre uma das mais degradantes para
o equilíbrio do meio-ambiente e seus efeitos não são circunscritos à localidade de
seu manejo, podendo comprometer seriamente o equilíbrio dos ecossistemas
lindeiros e, em última instância, a própria sobrevivência dos povos originários ali
assentados.
Caso V.Exa. entenda não ser o caso da incidência do dispositivo retro, de toda
forma, o reconhecimento da incompetência, da inadequação da via eleita (vício de forma)
e ilegalidade do presente Decreto de extinção da Renca, ainda assim subsistem, no sentir
respeitoso dos autores, razões de jure que autorizam a sua anulação.
IV - DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
Os fatos narrados na presente inicial, bem como os argumentos nela contidos,
demonstram a plausibilidade do direito invocado, visto que a autoridade pública
demandada perpetrou inequívoca violação ao texto constitucional, no que diz respeito à
competência e à forma para dispor sobre bens da União.
O fumus boni iuris pode ser facilmente depreendido dos argumentos já expostos
nesta inicial, diz respeito à edição, pelo Presidente da República, de ato administrativo
que não observou as regras de competência e de forma (a competência, aqui, deriva
17 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;
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da própria Carta Magna, ex vi do disposto no art. 48, caput e V, c/c art. 20, IX, todos da
CF), posto que a matéria que disciplina é reservada constitucionalmente à lei
ordinária.
Por outro lado, o periculum in mora decorre do fato de que a potencialidade
lesiva do ato impugnado é capaz de gerar danos ambientais e sociais irreparáveis,
notadamente no que diz respeito aos povos indígenas que tradicionalmente habitam a
região abrangida pela Renca.
É oportuno destacar que a concessão de medida cautelar não demanda qualquer
juízo de certeza, mas mero juízo de plausibilidade, de aparência verossímil. Caso as partes
ex adversas deixem evidente que as razões aqui sindicadas são improcedentes, a liminar
poderá, caso concedida, ter seus efeitos revisados.
São essas, d. Julgador, as razões que justificam a concessão de medida liminar,
com vistas à determinação judicial de suspender-se Decreto Presidencial nº 9.142, de
22 de agosto de 2017, que extinguiu a Reserva Nacional do Cobre (e seus associados)
- Renca, até o julgamento de mérito desta ação.
V - DOS PEDIDOS
Ex positis, REQUEREM os autores populares que:
a) seja concedida a medida liminar pleiteada, com a antecipação da tutela pretendida,
para suspender o Decreto Presidencial nº 9.142, de 22 de agosto de 2017, que
extinguiu a Reserva Nacional do Cobre (e seus associados) - Renca, até o
julgamento de mérito desta ação;
b) a citação dos demandados, nos endereços acima indicados, para que, querendo,
contestem a presente ação popular, sob pena de revelia e confissão quanto à
matéria de fato, de acordo com o disposto pelo artigo 319 do Código de Processo
Civil;
c) a citação da União, na pessoa de seu representante legal, especialmente para que,
nos termos § 3º do art. 6º da Lei 4.717/65, exerça sua faculdade de atuar ao lado
do autor na defesa do patrimônio público e do respeito ao princípio constitucional
da moralidade;
d) a intervenção do Ministério Público Federal;
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e) a produção de todas as provas em Direito admitidas, embora a controvérsia seja
puramente de Direito, permitindo o julgamento antecipado da lide;
f) o julgamento da procedência da presente ação, confirmando-se a liminar, com a
definitiva anulação do Decreto Presidencial nº 9.142, de 22 de agosto de 2017,
que extinguiu a Reserva Nacional do Cobre (e seus associados) - Renca;
g) a condenação dos demandados em custas processuais.
Termos em que requer e aguarda deferimento.
Dá a causa o valor de R$1.000,00 (mil reais).
Macapá-AP, 28 de agosto de 2017
RUBEN BEMERGUY
OAB/AP nº 192
Num. 2611245 - Pág. 19Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813441073800000002604866Número do documento: 17082813441073800000002604866
Segue anexo a petição inicial.
Num. 2611188 - Pág. 1Assinado eletronicamente. A Certificação Digital pertence a: RUBEN BEMERGUYhttp://pje1g.trf1.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17082813503870200000002604809Número do documento: 17082813503870200000002604809
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