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O trabalho a seguir analisa o surgimento, a continuidade, as causas e os efeitos de programas de talk-show. Escolhemos como principal representante, Casos de Família para estudo aprofundado. Esperamos esclarecer as dúvidas dos leitores e/ou traduzir a hermenêutica de estudos anteriores sobre a polêmica.
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Comunicação Social Disciplina Crítica da Mídia
Professor Francisco Rüdiger
Programas de auditório e a opinião pública:
A necessidade do ser humano de se
expressar na mídia
Deborah Cattani
Novembro/2008
Introdução:
O trabalho a seguir analisa o surgimento, a continuidade, as causas e os efeitos
de programas de talk-show. Escolhemos como principal representante, Casos de
Família para estudo aprofundado. Esperamos esclarecer as dúvidas dos leitores e/ou
traduzir a hermenêutica de estudos anteriores sobre a polêmica.
Objetivo e justificativa:
Partindo das idéias de pensadores contemporâneos, como Cees J. Hamelink,
Umberto Eco, Doris Fagundes Haussen, Laurindo Leal Filho, Paulo Freire e Pedrinho
A. Guareschi, buscamos compreender o comportamento humano perante programas de
auditório, através da crítica a esta indústria cultural. Analisamos a necessidade do ser
humano de falar abertamente em meios midiáticos sobre seus conflitos pessoais, bem
como a audiência engajada, as pessoas que se opõem a estes estereótipos e qual a
mudança que estes causam na atualidade. Baseando-nos no talk-show brasileiro Casos
de Família, apresentado por Regina Volpato, tentamos traçar um perfil dessa indústria
televisiva e de quem ela atinge. Trabalhamos a psicologia neste contida, sua construção
histórica cultural e desmistificaremos o preconceito imposto pela parcela mais culta da
sociedade.
Após estudos de casos próximos do abordado decidimos enfatizar o que levou a
sociedade a consumir os talk-shows freneticamente ao mesmo tempo em que repudia
este tipo de programa. Queremos exibir como a reflexão crítica se perdeu diante do
discurso entusiasta imposto pelo progresso e pela mídia denegrindo o bom senso das
massas. Como diz Francisco Rüdiger, mentor desta cadeira, em seu livro Theodor
Adorno e a Crítica à Indústria Cultural, Comunicação e teoria crítica da sociedade: “o
progresso da razão é gerador de um avanço que não pode ser separado da criação de
novas sujeições e dependências, responsáveis pelo aparecimento de sintomas
regressivos na cultura e de uma silenciosa coisificação da humanidade”.
E cada vez mais os programas têm dado espaço para que o telespectador
participe, mas a sua contribuição sai nos conformes da emissora ou da produção do
programa, o que impede a verdadeira comunicação emissor-receptor. De contrapartida,
há outra parcela que sente necessidade, imposta pela própria mídia, de expor-se e falar
de si. A proposta é analisar a crítica do telespectador e fazer um estudo do programa
selecionado por sua popularidade e audiência. Também queremos entender porque
Casos de Família faz parte do positivismo televisivo e sempre finaliza com o
entendimento e acordo afim de todas as partes.
Marcondes Filho já dizia: “as mídias espelham somente a positividade, nunca
aparece a negação, a reação, o conflito, o choque, a rejeição, a distribuição: o mundo é
arranjado de forma que nos signos apareça somente a imagem de felicidade forjada, que
funciona como substituto do real, carregado de frustrações e insatisfações” ¹. No caso
em questão o conflito aparece, mas sempre de uma forma que há um culpado que pode
se corrigir e aceitar sua condição, ou na posição de conto de fadas: os obstáculos são
parte do caminho para o final feliz da história. As palavras que formam a bandeira de
nossa pátria aparecem constantemente nessa psicologia midiática.
Todos os talk-shows desta ordem visam a organizar e fazer progredir a
sociedade de maneira que haja um padrão de seguidores comportados e não
questionadores da situação. Hanna Arendt falava disso em seus trabalhos: “os poucos
não podem persuadir a multidão da verdade porque a verdade não pode se tornar objeto
de persuasão, e a persuasão é o único modo de lidar com a multidão. Mas enquanto não
se pode ensinar à multidão a doutrina da verdade, pode-se, por outro lado, persuadi-la a
acreditar em uma opinião, como se essa opinião fosse a verdade” ².
Imprescindívelmente, falar de mídia é falar de política, economia e sociedade.
Por tal razão, grande parte de nossas pesquisas resulta em livros sobre os assuntos
mencionados acima ou na própria vontade do ser em estabelecer 15 minutos de fama
para gerar um perfil político, atingir um bom nível econômico e ser alguém na
sociedade. Afinal, a maioria do Brasil não possui uma boa perspectiva de vida, e só lhes
resta a televisão como companhia, tratamento psiquiátrico e incentivo. Para aqueles que
não têm acesso à educação formal, a TV passa a ser um educador ligado por horas fio.
_____________________________________________________________________________________
¹ Ciro Marcondes Filho, sociólogo e jornalista pela USP, atualmente coordena o Núcleo de Estudos
Filosóficos da Comunicação (FiloCom) da ECA-USP.
² ARENDT, Hanna. A dignidade da política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.
Metodologia:
Através da sociologia descritiva e de leitura da hermenêutica descritiva
realizamos o trabalho embasado tanto em pesquisas contemporâneas como no passado.
Fizemos uma análise crítica comparativa e compreensiva do programa, emitindo as
nossas opiniões sobre os fatos. Procuramos esclarecer cada ponto antes dos
comentários, para que o leitor possa chegar às suas próprias conclusões. Estudamos a
formação da televisão no país e psicologia cognitiva para compreendermos o ponto de
partida e chegada. Por fim, visamos trabalhar com todos os lados envolvidos, nunca
fechando, mas sim abrindo as portas para outros assuntos.
Palavras-chave:
Casos de Família, Regina Volpato, crítica, mídia, talk-show, televisão, psicologia.
Capítulo I Processos, discussões e diálogos: Casos de Família no ar
Construção da cultura dos talk-shows:
“Nenhum pensamento é imune à sua comunicação, e basta já expressá-lo num falso lugar
e num falso acordo para minar a sua verdade”. Theodor Adorno (Minima Moralia: Reflections on a Damaged Life, 2005)
Vice-líder da programação da televisão aberta brasileira, o programa Casos de
Família, apresentado pela jornalista Regina Volpato e veiculado pelo Sistema Brasileiro
de Televisão (SBT), é resultado de uma desconstrução cultural. Há anos que o Brasil
passa por um sistema de recuperação pós-ditadura militar, onde a censura impediu a
circulação de programas abertos ao público o que culminou em uma ignorância do
período. Não só este fator como também os oligopólios midiáticos formados a partir do
final dos anos 60 e início dos anos 70 impuseram uma concorrência que determina o fim
do pensamento da sociedade de baixo poder aquisitivo.
Essa explicação é facilmente encontrada nos textos de Cees J. Hamelink,
professor da Universidade de Amsterdam e ex-presidente da Associação Internacional
de Pesquisas em Comunicação de Massa (IAMCR). “A identidade cultural de uma
comunidade é a forma específica com a qual a comunidade – através de seus símbolos,
instrumentos, normas, regras, expressões artísticas, vida e estilos de trabalho e padrões
de interação social – se adapta a um dado ambiente. Para todas as comunidades, o meio
ambiente muda constantemente: o que é apropriado num devido tempo torna-se
totalmente inapropriado se ocorrer mudança” (Globalização e Cultura do Silêncio,
1991), dessa maneira Hamelink determina que uma sociedade se baseia em suas
próprias regras. O Brasil vive ainda num período regido por uma constituição que não
pisa em ovos quando o assunto é decidir. Falha inerente às constituições modernas, a de
1988 extremou a polarização frente à anterior, causando mais do que confusão junto à
população.
Com isso, chegamos à conclusão psicológica de que o grupo a favor da
exposição em programas de ordem conflituosa como o analisado se dá por falta de outro
mecanismo e por necessidade de se superar a repressão e recuperar o tempo perdido.
Ainda nesse ponto, é possível dizer que a própria mídia ao ter sua atuação minimizada
durante seu pico de crescimento (época da introdução e massificação da televisão nas
casas brasileiras) perdeu uma de suas principais atividades: a educacional. Agora,
baseado em um modelo norte-americano, a televisão transmite aquilo que manterá a
população em um estado inerte de vigília, impedindo-a do livre arbítrio de questionar.
O outro grupo, aquele que foi intelectualizado em sua maioria e vê esse tipo de
talk-show como baixaria acredita que é fruto da marginalização social. E, até mesmo da
falta de fiscalização do governo sobre as concessões. “A verdade, no entanto, é que os
oprimidos não são marginais, não são homens vivendo fora da sociedade. Eles
estiveram sempre dentro – dentro da estrutura que os fez ‘seres para outros’. A solução
não é integrá-los dentro da estrutura de opressão, mas transformar tal estrutura para que
eles possam tornar-se ‘seres para si mesmos’” ¹, Paulo Freire explicita aqui o poder de
dominância do pensamento daqueles que tem poder sobre a massa.
Hamelink usa desta citação de Freire para demonstrar que a transformação
“pessoas para os outros” / “pessoas para si”, só ocorrerá no momento em que essas
pessoas tiverem a possibilidade de serem inclusas em um espaço cultural com
autonomia para definirem suas próprias identidades. Em Casos de Família há um
espaço para que se possa falar em frente às câmeras, mas o é falso. Por trás da produção
do programa se esconde um sistema onde os entrevistados são manipulados antes de
subirem ao palco para se portarem de maneira condizente com a produção do programa.
Portanto, qual a vantagem de se ter um espaço se este é totalmente cheio de condições
que limitam, ou melhor, censuram o questionamento para que haja um atrativo nas
tardes brasileiras? A verdade é que estes programas foram moldados para isto. Ainda no
texto de Hamelink há uma frase importante de ser ressaltada: “a globalização cultural
efetivamente silencia a cultura local. Reduz o espaço para as manifestações culturais das
comunidades locais dentro das quais o povo se autodefine como ‘seres para si mesmos’
e os força a adotar o papel de ‘seres para os outros’. Isto cria uma condição de silêncio
dentro da qual o desenvolvimento é impossível”. Ou seja, ainda vivemos em um período
de controle. _____________________________________________________________________________________
¹ Citação de Paulo Freire retirada do livro Sistemas de Comunicação e Identidades da América Latina
(1991) organizado por Doris Fagundes Haussen. Não encontrei durante as pesquisas o local de origem,
bem como a época de tal citação.
Laurindo Leal Filho, jornalista e professor de Teorias da Comunicação da
Universidade de São Paulo (USP), acredita que a mídia discute um universo de coisas,
com a exceção dela mesma. “A mídia precisa criar novas necessidades para manter o
capitalismo”, reforça o jornalista. O enfoque aqui passa a ser a vida em família, os
conflitos dos tempos modernos a respeito desta e a discussão da solução dos problemas.
Porém, isto não passa de uma estratégia para desviar a atenção do telespectador da
verdadeira emblemática.
Causas e efeitos:
Casos de Família aborda as relações familiares nos lares populares. Problemas
que necessitam a mediação de algo/alguém para que sejam resolvidos são os alvos
diretos deste programa televisivo. Nos seus quatro anos de existência, e concorrendo
com outro do mesmo gênero, porém pertencente à outra emissora (Márcia,
Bandeirantes), o talk-show possibilita o entendimento entre o indivíduo e sua respectiva
família em determinada situação.
De segunda à sexta-feira, inicialmente Casos de Família ia ao ar às 16h da tarde,
mas passou para as 17h30min para concorrer com a telenovela Malhação, da Emissora
Globo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a média de
aparelhos televisivos no país chega a 38 milhões ² por domicílio, quase 90% das casas
possui uma TV. Imagine agora, quantas crianças não tem acesso à programação de
baixo nível da TV aberta brasileira. Pierre Bourdieu ³ acreditava que a televisão levou o
papel de único meio de formação de grande parte da população. Isto quer dizer que,
pessoas que não tem condições de estudar, são educadas pelos canais de televisão.
Dados comprovam que, em média, crianças e adolescentes até 14 anos passam
3,9h diárias assistindo televisão. Em números, isto significa 28h contra 23h semanais
que estes passam na escola. Os efeitos nocivos podem ser examinados na fala de
Weinberg: “atitudes anti-sociais observadas entre infantes e adolescentes, que variam
de golpes inocentes deferidos contra brinquedos até ações criminosas variadas. Embora
_____________________________________________________________________________________
² Esta pesquisa conta apenas um aparelho por domicílio mesmo que hajam mais.
³ Pierre Bourdieu (1930 - 2002) foi um importante sociólogo francês.
especialistas afirmem que pessoas predispostas à violência tornam-se mais facilmente
violentas, a programação agressiva tem um impacto amplo em todos os tipos de
indivíduo, gerando, por exemplo, medo nas crianças que pode perdurar dias, meses e até
anos”. 4
Recentemente, Casos de Família foi remanejado para aumentar a audiência. Um
palco baixo, a platéia toda de um lado em forma de pirâmide, Regina Volpato de pé ao
lado de uma psicóloga (geralmente convidada para fazer participação especial) e os
convidados no centro de tudo, na estrutura em si não houve mudanças. Anteriormente,
havia um controle sobre as reações dos convidados ao longo do programa que impedia a
violência física e verbal entre estes. Porém, devido a esta modificação, Silvio Santos
determinou que a coisa deveria “pegar fogo”. A reforma não agradou Regina, mas sim o
público, o programa saltou de 6 pontos para 9 na audiência.
Outra pesquisa feita pelo Instituto Datafolha mostra que 75% da população é a
favor de algum tipo de controle da programação. Mas, se tanta gente considera esse tipo
de programa desvirtuoso e vil, por que este tem tanta audiência? O sociólogo francês,
Jean Baudrillard, também questiona este sistema utilizando-se de outras palavras: “é a
mídia que induz as massas ao fascínio ou são as massas que desviam a mídia para o
espetacular?”.
Para responder tais questões, precisamos entender o significado de massa,
público, audiência. “Costuma-se chamar de ‘massa’, ou ‘multidão’, a existência de um
grande número de pessoas ligadas por contigüidade física, isto é, que estejam num
mesmo local. (...) Já o que se convencionou chamar de ‘público’ é algo um pouco
diferente: também são multidões, mas sem contigüidade física, pois estão espalhadas
por milhares de locais, e a única ligação entre elas é o fato de estarem, por exemplo,
sintonizados num mesmo canal de televisão, ou numa mesma estação de rádio, ou serem
leitores de um mesmo jornal, de uma revista.”, Pedrinho A. Gaureschi 5 fala aqui dos
estudos sociais das Teorias da Comunicação.
_____________________________________________________________________________________ 4 Dados retirados do livro Mídia e Terror, Comunicação e violência política de Jacques A. Weinberg. 5 Doutor, Pós-doutor e Professor de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS).
As relações estabelecidas pelo Casos de Família são do tipo diferidas/difusas,
pois há separação dos contextos (emissor e receptor, no caso, o telespectador),
disponibilidade estendida no tempo e no espaço, produção objetiva durável, orientação
para número indefinido de receptores e é assimétrica. Doravante, podemos dizer que é
um processo de comunicação de massa por permitir transmissão e recepção à distância,
on tape ou em tempo real, mediação através de máquinas e por poder incluir a
simulação da interatividade. Esse processo está prestes a se fundir com o ciberespacial
para criar a TV digital.
Capítulo II A disseminação do espetáculo na família brasileira
A família brasileira na televisão:
“As famílias felizes parecem-se todas;
as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”
Leon Nikolaievitch Tolstoi
Os reality shows são modelos híbridos de gêneros (beiram o drama, tem traços
de documentário, show de calouros e tenta ser noticioso) e tem como protagonistas
pessoas anônimas, ordinárias. Estes são produtos que atestam uma “paixão pelo real”
contendo uma roupagem inédita e contemporânea questionando as fronteiras entre o
público e o privado. Esse gênero televisivo é proeminente da Europa, no final dos anos
60, mais especificamente dos canais públicos da Alemanha, Inglaterra e França. E se
tornou fetiche na America com a estréia de An American Family 6, em 1973. O
programa propunha apresentar o dia-a-dia de uma família convencional americana.
Figura sobre categorias:
• Em um único gênero, pode
haver diversos formatos de
programa.
O espelho da vida em família, mesmo que não tradicional, esteve presente desde
o início neste modelo televisivo. Em exemplos, como o Casos de Família, se promove
a falsa idéia de comunicação imediata e de preocupação com a experiência cotidiana,
compartilhando histórias íntimas. “A televisão é capaz de produzir um ‘efeito real’, é
____________________________________________________________________________________ 6 Tradução: Uma Família Americana 7 Autora do artigo científico Casos de família: a conjugalidade nas antenas de TV 8 ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e Formatos na Televisão Brasileira, São Paulo: Summus
Editorial, 2004. 220p.
capaz de fazer-ver e fazer-crer que a imagem veiculada, a partir de um processo de
seleção pautado pela audiência, possui status de realidade e é, portanto, legítima”, Elisa
da Silva Gomes 7 responde neste ponto o porquê da grande audiência.
Adorno vê isso como a regressão das massas, o que consiste na incapacidade
estas em ouvir o que nunca foi ouvido, apalpar com as próprias mãos o que nunca foi
tocado, entre outros. “Os valores culturais passam a ser gerados pelo próprio mercado
através dos mecanismos de oferta e procura e da ação da publicidade”, Rüdiger, em seu
estudo sobre Adorno, desenvolve os parâmetros da crítica a indústria cultural. Afinal,
desde o dia 18 de maio de 2004, estréia do programa Casos de Família o Brasil vem
acompanhando a ridicularização da família construída nas novelas e nos comercias. O
site da emissora não deixa isso claro: “o programa se propõe a ser um talk-show
diferente que retrata a vida de cidadãos comuns com realidade e sensibilidade”.
Dos dispositivos legais:
Na parte legislativa, a Constituição Federal brasileira, de 1988, prevê no Art.
221 do Capítulo V, Comunicação Social, os deveres das emissoras de rádio e televisão:
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Porém, nenhuma das emissoras existentes respeita a lei. A produção de Casos de
Família não se preocupa com fins educativos, muito menos com o respeito aos valores
éticos. O programa pode ser comparado a uma arena onde as pessoas se atacam
verbalmente, e às vezes fisicamente também. A proposta de resolver os conflitos é
meramente ilustrativa, tudo é combinado antes do espetáculo. No entanto, é apreciado
porque é isso que as massas anseiam inconscientemente. “O capitalismo os controla e
explora, mas seus sentido histórico é outro, sinaliza o surgimento de uma concepção de
mundo através do qual o próprio modo de vida das massas passa a ser expressado para
as massas”, diz Rüdiger sobre a identificação que surge dos programas com os
espectadores e vice-versa. E ele continua: “a reflexão crítica perdeu terreno diante do
discurso entusiasta, quer em relação ao progresso técnico, quer em relação ao bom
senso das massas”. Ou seja, pão e circo.
Capítulo III Abaixo a baixaria na televisão
Crítica e falta de intervencionismo:
No Brasil, a falta de controle sobre a programação da televisão aberta resultou
em uma festa de programas irrelevantes e sem pudor moral. A população sem mostra
presente nas pesquisas de opinião para dizer qual o galã da novela ou quem é o culpado
em algum episódio do Casos de Família. Claro que muita gente demonstrou indignação
com o que vem sendo veiculado na TV, mas poucos colocaram as caras nas ruas para
protestar. E aqueles que protestaram foram vistos como motivo de vexame.
Neste país, onde a televisão educa mais do que a escola, e o governo não se
preocupa com o conteúdo da programação, não se pode esperar muito. Como vimos
antes, estamos em uma era de mudanças onde a indústria cultural dominará o
pensamento humano através da digitalização dos meios, possibilitando a veiculação de
informação em qualquer lugar 24h por dia. Jean Baudrillard acredita que a televisão é
um simulacro da realidade, segundo ele a comunicação instantânea desencadeia uma
sucessão de informações, reduzindo o tempo de reflexão e a roupagem virtual dos fatos,
o que provoca a perda da dimensão histórica dos acontecimentos.
Já Muniz Sodré diz o seguinte: “a superficialidade decorre do fato de que a
mutação cultural profunda – a passagem de um modelo para outro – não é função da
quantidade de informação ou da novidade inscrita dos conteúdos veiculados pelos meios
de comunicação de massa, e sim das alterações no modo de organização do espaço
social nas relações que os sujeitos mantêm com o real. Tais alterações podem ser
violentas” ¹. Sodré afirma que a violência não é questão do conteúdo das mensagens,
mas do próprio modo de organização social que o poder assumiu ao longo da história do
país, dando margem a uma modernização destrutiva.
Então os programas como Casos de Família tocam apenas a superfície da
questão moderna da informação. Mas o conjunto, do modelo social com o espaço
midiático, atual colabora para naturalizar e banalizara violência, o que leva a uma
diminuição e até perda da sensibilidade coletiva. Para diminuir e terminar com as
____________________________________________________________________________________ 1 SODRÉ, Muniz. Sociedade, Mídia e Violência, Rio Grande do Sul: EdiPUCRS, 2002. 110p.
conseqüências deste processo, um grupo de profissionais da área da comunicação, da
psicologia, entre outros fundou o movimento “Abaixo à baixaria na televisão”. O site
“Ética na TV” apóia esse protesto. Na página encontram-se informações sobre
programas e canais e, inclusive, um telefone para denuncias gratuito. Até um dia
especial foi criado para que os telespectadores protestem frente à situação, dia 19 de
outubro a proposta é nem ligar a televisão.
Muitos canais públicos que tem uma programação controlada já disponibilizam
espaço para denúncias online e são contra a baixaria na televisão. Um exemplo disso é a
Agência Brasil. Mas os canais populares, mais assistidos não incentivam o telespectador
a questionar seus programas, até porque necessitam da audiência para sobreviver. A
publicidade sustenta as emissoras dependendo dos seus índices de audiência, por isso a
criação de programas mais apelativos e voltados para o público, ou pelo menos que o
público pense que são.
Conclusão:
Ao término deste trabalho concluímos que apesar de muitas pessoas ansiarem
por programas como Casos de Família, estes são totalmente desnecessários e deveriam
ser retirados do ar ou reformulados para se tornarem educativos e éticos. Mas como essa
não é a realidade brasileira, as pessoas devem filtrar o que assistem e resistir as fofocas
alheias por melhor que sejam.
O Governo poderia começar a fiscalizar a Lei das Concessões, para que isso
aconteça, as pessoas têm que protestar e demonstrar sua indignação quanto a má
qualidade das telecomunicações no país. A educação também precisa ser aprimorada,
principalmente a parte crítica, é imprescindível ensinar as crianças desde cedo a
questionar. Outra maneiras de denunciar a falta de ética é o estímulo de denúncias.
A psicologia também, não deveria se submeter a participar desses programas e, e
sim se importar com o aumento de pessoas sem vontade de perguntar o que está
acontecendo, o conformismo. Esse é o maior problema, nossa sociedade se conforma
com as coisas e aceita tudo muito rapidamente. A memória do brasileiro não ajuda,
todos os casos relevantes são esquecidos e apagados, parece até que pensar por vontade
própria é proibido.
É evidente que da maneira que está as coisas não vão longe. Regina Volpato já
se demonstrou diversas vezes revoltada com o formato agressivo e alienante do
programa, mas nada fez para mudar, até por não possuir autoridade para isto. Assim
como pensam os sociólogos, professores e estudiosos citados neste trabalho há de haver
uma conscientização de que a mídia atual é resultado do comportamento do mundo em
que vivemos. Pierre Bourdieu já falava disso e Marshall McLuhan também. Para eles,
tudo o que está nas telas é um reflexo do que se vive na realidade e por isso torna tudo
tão próximo e tão fácil.
“We become what we behold. We shape our tools and then our tools shape us.” ¹ (Marshall McLuhan)
____________________________________________________________________________________ 1 Tradução: “Nós nos tornamos o que nós assistimos. Formatamos nossas ferramentas, então elas nos
formatam.”
Bibliografia:
ARENDT, Hanna. A dignidade da política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.
ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e Formatos na Televisão Brasileira, São Paulo:
Summus Editorial, 2004. 220p.
BACELLAR, Luciane e BISTANE, Luciana. Jornalismo de TV, São Paulo: Contexto, 2006.
141p.
ECO, Umberto. Sobre os Espelhos e outros ensaios, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
345p.
FREITA DE CAMPOS, Regina Helena. Psicologia Social Comunitária, da solidariedade à
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HAUSSEN, Doris Fagundes. Sistemas de Comunicação e Identidades da América Latina, Rio
Grande do Sul: EdiPUCRS, 1993. 64p.
MACHADO DA SILVA, Juremir e SCHULER, Fernando. Metamorfoses da cultura
contemporânea, Rio Grande do Sul: Telos, 2006. 176p.
RÜDIGER, Francisco. Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural: comunicação e teoria
crítica da sociedade, Rio Grande do Sul: EdiPUCRS, 2004. 279p.
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WAINBERG, Jacques A.. Mídia e terror, comunicação e violência política, Rio Grande do Sul:
Paulus, 2005. 202p.
WEBER, Maria Helena. Comunicação, espetáculos da política, Rio Grande do Sul: UFRGS, 2000. 217p.
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