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Quem paga a conta? Os principais anunciantes da Revista do Rádio (RJ, 1948-1959)
JOÃO LUCAS POIANI TRESCENTTI1
Eu, e quase a totalidade de minha geração, somos filhos do rádio. E como se pode notar nas mais
variadas formas de atuação cultural, essa herança é altamente positiva. No meu caso, o rádio era um
verdadeiro vício. Na adolescência cheguei a ser reprovado na escola e recebi do meu pai o veredito correto da
causa do meu fracasso estudantil: ‘Se você estudasse uma fração do tempo que perde ouvindo rádio, isso não
aconteceria’. Mal sabia meu pai, e nem mesmo eu poderia imaginar, que era exatamente aquela a informação
de que eu precisava e a que eu deveria cada vez mais me dedicar, pois daí viria a base de minha futura
profissão: letrista de música popular. (Depoimento de Abel Silva a MELLO, 2017: 69)2
O excerto acima não se particulariza pela objetividade, antes circunscreve-se à evocação
memorialística de trajetória individual e mesmo que romantizada sobre um veículo de
comunicação, o que poderia despertar, nos leitores da mesma geração, lembranças e
saudosismo. A despeito disso – ou melhor, justamente por isso –, o trecho ajuda a compreender
o que nos instigou a realizar a presente pesquisa.3
O rádio de minha infância e adolescência, vividas nos anos 2000, embora totalmente
diferente daquele da época de Abel Silva (1945-), ainda se fez presente em meu cotidiano, no
interior de São Paulo. De modo diverso à história do letrista, felizmente nunca reprovei de ano
por ouvir rádio em excesso e acabei por não escolher profissão que me permitisse interagir com
o veículo direta e constantemente, uma vez que optei por cursar História. É certo que foi durante
a graduação que me interessei pelo estudo de impressos e de questões próprias da história social
e cultural, mantendo com o rádio apenas a relação de ouvinte. Contudo, no fim do curso, em
busca de tema de pesquisa, com a tensão comum de aspirante à pós-graduação, deparei-me com
o acervo da Revista do Rádio (RJ, 1948-1970) na Hemeroteca Digital Brasileira4. Avizinhava-
se a possibilidade de estudar a história do rádio a partir da perspectiva daquele impresso? Talvez
não...
Ao folhear, mesmo que rapidamente, alguns números da revista, percebi que,
evidentemente, além de o conteúdo dizer respeito àquele veículo, os anúncios eram abundantes.
1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Unesp Assis/SP, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª
Tania Regina de Luca. 2 O autor não mencionou a data em que este depoimento ocorreu. 3 Tomamos a liberdade de, em algumas partes desta introdução, nos valermos da primeira pessoa do singular. 4 Especialmente sobre o acervo da revista e sua disponibilidade on-line, consultar GIANELLI, 2016.
O passo seguinte foi recorrer à bibliografia, o que me possibilitou constatar a existência de
vários estudos (FREYRE, 20105; SCHWARCZ, 20176; FIGUEIREDO, 1998; PADILHA,
2001; CASTRO, 2004; BAMMANN, 2016; SANTINI, 2018) que evidenciaram o quanto as
propagandas são fontes importantes e como podem ser mobilizadas como porta de entrada para
a compreensão de questões sociais e políticas, além de transmitir impressões, valores, hábitos
e comportamentos próprios de sua época.
Especialmente no que diz respeito às pesquisas sobre a Revista do Rádio, ainda que o
trabalho mais importante seja o de Faour (2002), há vários outros, entre eles o de Paola Borges
(2017), que se valeu de algumas propagandas da publicação fluminense com a intenção de
identificar como se construiu a imagem das mulheres. Logo, ninguém ainda havia mobilizado
sistematicamente as peças publicitárias enquanto fonte, o que permite perscrutar os anunciantes
e os produtos ofertados no cotidiano da década de 1950, período ainda considerado lacunar na
historiografia (PINTO, 2012). Neste texto, pretendemos apresentar o rol dos principais
anunciantes da Revista do Rádio, entre 1948 e 1959, tendo em mira identificar aqueles que
compareceram com maior frequência.7 De saída, foi preciso sistematizar todos os anúncios, que
somaram quantidade expressiva8, tarefa desafiadora e por vezes cansativa, mas imprescindível
para obter um quadro seguro e que exigiu a construção de uma metodologia própria para
organizar esse vasto material.
O rádio surgiu no Brasil em 1922 e foi, inicialmente, utilizado para fins educativos. No
entanto, o Decreto número 21.111, assinado por Getúlio Vargas em março de 1932, autorizou
a divulgação de anúncios, o que abriu a possibilidade de o veículo distanciar-se das
características educacionais e firmar-se como entretenimento (TOTA, 1990; CHAGAS, 2012).
Foi ao longo das décadas de 1940 e 1950 que o novo meio de comunicação popularizou-se e
atingiu público amplo, divulgando conteúdo político (HAUSEN, 1997) e também cultural, o
que muito favoreceu na construção do imaginário social e de alguns elementos da identidade
da nação, a exemplo de expressões da linguagem (CALABRE, 2002). O veículo, que ainda não
5 A primeira edição é de 1961. 6 A ordem das referências é cronológica e embora nos valemos da edição de 2017, cabe lembrar que a primeira
publicação da obra desta autora é de 1987. 7 Há de se dizer, que os dados ainda não estão completos, uma vez que a pesquisa encontra-se em fase de execução
e que, por isso, quando as considerações numéricas apresentadas ao longo deste texto forem de caráter provisório,
faremos o devido comentário. 8 Foram localizados 12.509 anúncios, sem a exclusão das repetições. Esse número ainda tem o caráter provisório,
uma vez que não se deu o processo de revisão, porque no momento trabalha-se na identificação dos anunciantes.
enfrentava a concorrência direta da televisão, era o principal meio de comunicação de massa,
num país com largos contingentes de analfabetos, talvez por ser ciente desse detalhe o jornalista
José Paulo de Andrade (1942-2020) utilizasse até seus últimos dias a expressão: “O rádio é a
TV com imaginação”, assertiva que encontra eco na bem humorada charge abaixo reproduzida,
publicada na própria Revista do Rádio e assinada por Carlos Buriti, possivelmente o
pseudônimo de algum caricaturista:
Figura 1: Charge sobre ouvintes e espectadores.
Fonte: Revista do Rádio, ano 04, n. 70, p. 39, 09 jan. 1951. Disponível na Hemeroteca Digital
da Biblioteca Nacional.
Em concomitância com o desenvolvimento do rádio, circulava o periódico fluminense
de nome homônimo, cujo recorte aqui estabelecido abrange, desde o primeiro número, em 1948,
até o 531, em 19599, momento em que a publicação alterou seu nome para Revista do Rádio e
TV, evidências de sua aproximação com o outro veículo de comunicação surgido no Brasil em
1950, o que sugere seu ingresso em nova fase. Como o próprio título original indica, tratava-se
de revista especializada em noticiar temas próprios do meio radiofônico e, além de contar com
muitos textos, suas páginas também eram repletas de fotografias, cuja atenção recaia na vida
pública e privada dos artistas (cantores, cantoras, músicos, humoristas). A publicação tampouco
se furtava a evidenciar o cotidiano dos responsáveis, diretos ou indiretos, pela programação
(radialistas, escritores de novelas e produtores), (FAOUR, 2002) divulgar anedotas e conteúdo
humorístico, e, mesmo que timidamente, contribuir com algumas pitadas de informações sobre
o debate político (CALABRE, 2006; FERNANDES; CHAGAS; DIAS, 201810). É importante
considerar que o impresso já cumpria, antes mesmo da existência da televisão, o papel de
divulgador da imagem de astros e estrelas, o que contribuiu para a construção da figura pública
dos artistas.
É importante destacar que, além de conteúdo sobre o que se veiculava no rádio, na
revista havia quantidade expressiva de anunciantes11, indício de que sua circulação era
significativa. Em termos do contexto, é bom ter presente que, na época de seu lançamento
(1948), ainda vivia-se o otimismo em relação a se ter derrotado os regimes autoritários. No
Brasil, por sua vez, estava em vigência a nova Constituição (1946), desta feita elaborada pelos
representantes do povo. Vargas ainda repousava em São Borja, mas foi durante o período
abarcado pela pesquisa que ele foi eleito e cumpriu a promessa de só morto sair do Catete. Seu
sucessor, também escolhido pelo povo, Juscelino Kubitscheck, colocou em marcha o seu plano
de 50 anos em 5, inaugurando a fase do nacional-desenvolvimentismo. Aprofundava-se a
tentativa de modernizar o país.
A imprensa, por sua vez, não ficou alheia a este processo de modernização: “O ritmo
cada vez mais acelerado da vida moderna exigia adaptações para tornar os jornais veículos
dinâmicos para as notícias e para a propaganda.” (RIBEIRO, 2003: 150). Novos títulos surgiram
9 É importante mencionar que os números 121 e 330 não estão disponíveis na Hemeroteca Digital e que há alguns
casos, entre o total de exemplares analisados, em que acontece de ter páginas avariadas ou faltantes. 10 A respeito da relação entre a revista e a política, ver, em especial, FERNANDES; CHAGAS; DIAS, 2018. 11 Até este momento, contabilizaram-se 370 anunciantes.
nas bancas, a exemplo de Tribuna da Imprensa (RJ, 1949) e Última Hora (RJ, 1951), que
nasceram sob a égide das transformações gráficas e editoriais, modificações pelas quais, na
mesma época, também passaram outros jornais, como o Diário Carioca (RJ, 1928) e o Jornal
do Brasil (RJ, 1891). Tendo em vista essa conjuntura, rapidamente sumarizada, cabe perguntar:
quem mais anunciava numa publicação dedicada exclusivamente ao rádio?
Gilberto Freyre está entre os primeiros a perceber a importância de propagandas, tanto
que seu livro sobre anúncios de escravos nos jornais do século XIX, cuja primeira edição data
de 1961, constitui-se em fonte importante para os que se interessam pelo tema. De fato, o
interesse do sociólogo pelos anúncios data dos anos 1930, como esclarece o prefácio escrito por
Costa e Silva (2010: 11-23) para a quarta edição do livro. Freyre, por sua vez, não deixou de
pontuar que essa documentação era pouco mobilizada pelos que se debruçavam sobre os
impressos periódicos (FREYRE, 2010: 25-40). E, é bom lembrar, que por muito tempo as
instituições de guarda descartavam os anúncios no momento de encadernar as coleções de
jornais e revistas. É fato que, atualmente, a situação é bem diversa, uma vez que várias pesquisas
já demonstraram as potencialidades desse material para a reconstrução do passado.
Especialmente no que diz respeito aos anúncios da Revista do Rádio, foi preciso
desenvolver uma metodologia, para o que muito contribuiu os estudos de Castro (2004; 2005).
Noutros termos, foi essencial levar a cabo um trabalho sistemático e que localizasse todos os
anúncios publicados na revista, o que só foi possível a partir da organização dos dados numa
tabela contendo informações sobre o momento de publicação (data, página, número da revista,
presença ou não de ilustração, agência responsável pela produção do material e breve descrição
do conteúdo de cada peça publicitária).
O passo seguinte foi identificar os anunciantes publicados entre fevereiro/1948 e
novembro/1959, o que totalizou o trabalho com 531 exemplares. O objetivo deste texto é
justamente discutir o papel dos principais anunciantes, ou seja, a atenção recaiu sobre as razões
sociais mais frequentes, o que permitiu elaborar a Tabela 1:
Tabela 1: Principais anunciantes da Revista do Rádio (1948-1959) por natureza.
Anunciantes Quan.
%
Revista do Rádio Editora Ltda. (impressos) 1715 13,71
Loja A Nobreza (roupas) 393
3,14
Laboratório Jardim (medicamentos)
365
2,91
Ruy Mafra e Irmão (eletrodomésticos)
357
2,85
Bazar Regal (1948-1951); Lojas Regal (1951-1959)
(eletrodomésticos e artigos para casa)
314
2,51
Agostinho e Cia. Ltda. (19/12/1950-31/01/1954); Agostinho
S.A. - O Camizeiro (01/02/1954-25/04/1957) (eletrodomésticos
e artigos para casa e de uso pessoal)
268
2,14
Jaime Mendes de Freitas e sócios (sapataria)
245
1,95
Indústrias Macedo Serra Ltda. (higiene pessoal e limpeza)
234
1,87
Laboratório Juventude Alexandre Ltda. (embelezamento)
226
1,80
Álvaro - Gravador (serviços de gravação)
198
1,58
Indústrias Antisardina Ltda. (embelezamento)
179
1,43
Mário Mascarenhas (aulas de instrumentos musicais, danças e
cursos de idiomas)
173
1,38
Unilever (higiene pessoal e limpeza) 172
1,37 Johnson & Johnson (higiene pessoal)
171
1,36
Hugo Molinari e Cia. Ltda. (medicamentos)
158
1,26
Neno Rádio Elétrica Ltda. (1948-1954); Casa Neno S.A. Importação e Comércio (1955 em diante) (eletrodomésticos)
149
1,19
Castro Lopes Brandão & Cia. Ltda. (artigos para casa e de uso
pessoal)
139
1,11
Importação Comércio e Indústria Francolite Ltda. (fabricação
máquinas de costura)
134
1,07
Dr. Pires (embelezamento)
130
1,04
Casa Liberal de Máquinas Ltda. (venda máquinas de costura)
116
0,92
Otto Freiberger - Oficina de Peles (roupas)
111
0,88
Clínica Dr. Santos Dias (atendimento médico)
110
0,87
Carlos Pereira Indústrias Químicas S.A. (higiene pessoal e
limpeza)
102
0,81
Fonte: Dados organizados pelo autor.
De saída, é preciso esclarecer que a tabela contempla o rol de anunciantes que figuraram
mais de cem vezes, o que permite tecer algumas considerações sobre essa presença. Salta aos
Impressos
Eletrodomésticos/artigos para casa e de uso pessoal
Higiene pessoal/beleza/limpeza
Roupas/calçados
Medicamentos
Serviços
Máquinas
Legenda
olhos o fato de a Revista do Rádio Editora Ltda. comparecer em primeiro lugar (1715 vezes), o
que representa 13,71% do total geral.
Especialmente no que diz respeito à Editora, constata-se que ela é a única do gênero
entre os anunciantes principais e foi responsável pela difusão de vários produtos, a saber: as
revistas Vamos Cantar?, anunciadas em 689 oportunidades, cujas imagens exemplificam
abaixo, o Álbum do Rádio, em 365 vezes, título depois alterado para Álbum do Rádio e TV
presente em 39 ocasiões e o Álbum do Rádio de São Paulo, em 21 delas. Vamos Rir!, figurou
outras 198 vezes, a própria Revista do Rádio, em 148 ocasiões, a Revista dos Fans, em 56 delas,
a Revista do Esporte, em 26, a revista infantil Chico e Chica, em somente 8 ocasiões e o
Suplemento de Carnaval, também pouco expressivo, apenas 5 vezes. Vamos Cantar? e Vamos
Rir!, apareceram num único anúncio 54 vezes, a Revista do Rádio e Vamos Cantar?, com duas
ocorrências e o Álbum do Rádio e o Suplemento de Carnaval, apenas uma vez em conjunto. A
lista ainda continua com os anúncios dos títulos de livros editados pela empresa, a maioria deles
do próprio diretor, Anselmo Domingos, cujas aparições contabilizaram 29 entradas. Ainda no
que diz respeito a livros, o título Anedotas do Rádio, de autoria de Nestor de Holanda, foi
anunciado 58 vezes e o Anedotas de Papagaio, de Jorge Murad, contou com apenas 13
inserções. Para encerrar essa lista, foram 03 as peças publicitárias das Oficinas Gráficas da
Editora e que, apesar de pouco significativas, demonstram que a empresa também servia àquela
praça com trabalhos de impressão.
Figura 2: Anúncios da Revista Vamos Cantar?
Fonte: Respectivamente, Revista do Rádio, ano 04, n. 89, p. 38, 22 maio 1951 e ano 12, n.
531, p. 58, 21 nov. 1959. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
A partir da segunda rubrica, a natureza dos anunciantes se altera, uma vez que os
produtos ofertados por eles são completamente distintos do grupo anterior (impressos) e a
esmagadora maioria deles diz respeito ao uso pessoal e no lar.12
Os espaços do ambiente doméstico e seus devidos objetos necessitavam de limpeza.
Para executá-la, era possível recorrer às ceras, removedores para assoalhos, lustra móveis,
produtos que contavam com várias propagandas. O ambiente devidamente limpo e asseado
requeria móveis com destacada qualidade. Especificamente na cozinha, lugar majoritariamente
imperativo às mulheres, por exemplo, era necessário possuir mobiliários modernos, como fez
questão de salientar a propaganda da Casa Neno, ao anunciar a venda da Cozinha Americana:13
“Moderna, confortável, e muito prática, a Cozinha Americana é um sonho que a Senhora pode
realizar, adquirindo aos poucos as peças avulsas do maravilhoso conjunto de aço esmaltado,
que tanto conforto e beleza dará ao seu lar.” (Revista do Rádio, ano 6, n. 224, p. 22, 26 dez.
1953). Outros espaços da casa também eram ocupados por vários aparelhos, a muitos deles,
inclusive, era reservado um lugar privilegiado, a exemplo das próprias máquinas de costura.
Figura 3: Anúncio de Importação, Comércio e Indústria Francolite Ltda., fabricante
das máquinas de costura Vigorelli.
12 Aqui, cabe esclarecer que as classificações são sempre muito complexas, ou seja, optou-se por inserir Agostinho
e Cia. Ltda., razão social alterada para Agostinho S.A. – O Camizeiro, e Castro Lopes Brandão e Cia. Ltda. na
categoria eletrodomésticos, artigos para casa e de uso pessoal, uma vez que sugerem ser lojas mais amplas, com
destaque a departamentos, que além de voltados para a venda de eletrodomésticos e artigos para casa (louças,
talheres, porcelanas), possuíam seção de roupas, o que demonstra uma pluralidade de produtos. Esse é o motivo
pelo qual essas duas razões sociais não foram inseridas entre aquelas cuja venda é exclusivamente de roupas, caso
de A Nobreza e Otto Freiberger – Oficina de Peles. Tal justificativa deve-se repetir com as máquinas, rubrica
escolhida para razões sociais que vendiam ou fabricavam exclusivamente máquinas de costura, o que não se aplica
a outras empresas que, além de comercializarem esse item, apresentam outros muito variados. 13 Razão social: Neno Rádio Elétrica Ltda. (1948-1954); Casa Neno S.A. Importação e Comércio (1955 em diante).
Fonte: Revista do Rádio, ano 09, n. 355, p. 20, 30 jun. 1956. Disponível na Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional.
"Em sua casa, como em todos os lares, existe o lugar certo, o recanto próprio para a
máquina de costura. Vigorelli ocupará sempre esse lugar de honra e... 'entrará para a família'.
Estará permanentemente ligada ao doce ambiente de atividade doméstica por muitas gerações.”
(Revista do Rádio, ano 9, n. 355, p. 20, 30 jun. 1956). A propaganda transmite a ideia de que
possuir Vigorelli é sinônimo de prestígio e bom gosto e personifica-a, uma vez que não se trata
apenas de aparelho doméstico, mas objeto que integra o grupo familiar. Só Vigorelli resiste ao
tempo e torna-se elemento de várias gerações, algo que, inclusive, pode sugerir a ilustração,
cuja presença é de mulheres e criança. O ato de coser, sugere o texto do anúncio, torna-se
prazeroso e prolonga-se no tempo devido à destacada qualidade de Vigorelli. Aquela atividade,
vale lembrar, não se restringia apenas à confecção ou reparo de roupas da família, mas à fonte
de renda, algo que também pode indicar a imagem do manequim, ao fundo, possivelmente
representando um ateliê.
As máquinas de costura poderiam ser adquiridas em várias lojas, a exemplo do Bazar
Regal, mais tarde (1951), Lojas Regal, a já citada Casa Neno, a Casa Liberal de Máquinas Ltda.
e a razão social Ruy Mafra e Irmão, dessa última, destacam-se dois anúncios, na sequência, em
que, além de ser possível perceber a referência às máquinas de costura, pode-se notar também
que, passados pouco mais de um ano, desde a publicação do primeiro anúncio da empresa na
revista, a mesma ampliou a oferta de seu rol de produtos:
Figura 4: Anúncios de Ruy Mafra e Irmão.
Fonte: Respectivamente, Revista do Rádio, ano 05, n. 133, p. 18, 25 mar. 1952 e ano 06, n.
213, p. 30, 06 out. 1953. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Ainda que as roupas pudessem ser confeccionadas por costureiras, havia a possibilidade
de comprá-las prontas, em lojas especializadas ou em outras cujas propagandas sugeriam
possuir diversas seções, onde também era possível adquirir roupas de cama e mesa (cobertores,
lençóis, fronhas, colchas, tapetes) e artigos para casa (louças, cristais, faqueiros, lustres,
pratarias). A higienização desses itens era indispensável e, justamente por isso, sabões faziam-
se essenciais para o desempenho da tarefa, como bem sugerem as propagandas das Indústrias
Macedo Serra (Sabão Cardeal) e da Unilever (Sabão Rinso):
Figura 5: Anúncios das Indústrias Macedo Serra e da Unilever.
Fonte: Respectivamente, Revista do Rádio, ano 07, n. 274, 4ª capa, 11 dez. 1954 e ano 10, n.
410, p. 36, 20 jul. 1957. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Na Revista do Rádio, também foram divulgados produtos destinados à higiene do corpo,
a exemplo de fraldas, talcos, cremes contra assadura, óleos, lavandas e que, embora não fossem
utilizados pelas mulheres, mesmo assim, ao que tudo indica, as propagandas as tinham por mira,
uma vez que eram itens dedicados aos bebês, cujo cuidado era tarefa materna.
Figura 6: Anúncio de O Camizeiro.
Fonte: Revista do Rádio, ano 09, n. 344, 3ª capa, 14 abr. 1956. Disponível na Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional.
Àquela lista de higiene, pode-se acrescentar absorvente e higienizador íntimo das
mulheres, sabonetes, cremes e escovas dentais, loção contra caspa e queda de cabelo,
eliminador de rugas, produto para melhorar a aparência dos seios, itens cujo objetivo não dizia
respeito apenas à sensação de conforto e segurança, mas também à construção da beleza,
especialmente feminina, que deveria ser exibida, o que bem sugere a peça publicitária da loja
O Camizeiro, onde era possível adquirir roupas modernas que proporcionariam juventude,
atração e beleza.
Tal variedade de produtos tampouco excluiu os medicamentos, a exemplo de: tônicos
contra o esgotamento físico e mental, remédio contra gripes, resfriados, asma, tosse e bronquite
e para o grande desconforto gerado pela prisão de ventre. Não se pode esquecer de que havia
médicos cujos tratamentos diziam respeito às mais variadas especialidades, desde o cuidado
com a estética facial à velhice precoce, disfunção sexual, doenças do coração, o que também
indica que as pessoas se preocupavam com a saúde e o bem-estar, mirando o sonho da
jovialidade.
Em suma, é importante observar que embora a Revista do Rádio Editora Ltda. figure no
topo da lista e que os anunciantes que compareceram pouco mais de cem vezes apresentam
percentagens tímidas, ainda assim é possível considerar esses dados por ângulo diferente. De
outro modo, a tabela não só ajudou a responder à questão sobre qual a natureza dos anunciantes
principais, mas também contribuiu para perceber que aqueles cujos produtos são de ordem
pessoal (roupas, calçados, higiene e beleza) e de uso doméstico (eletroeletrônicos, objetos do
cotidiano e da limpeza do lar) são os que mais se destacaram.
Este texto, mesmo que ainda breve, pôde evidenciar como se estruturava o mercado da
propaganda no Brasil e a respectiva adequação entre o leitor privilegiado da revista, ainda que
não único: o feminino. É importante considerar que se nota uma identidade entre o público a
que se destinava o anúncio, a revista e os próprios anunciantes. Noutras palavras, a escolha dos
anunciantes, e que recaia sobre este veículo, era bem calculada, uma vez que os produtos
vendidos por eles visavam sobretudo as mulheres. Estudar esse material é fundamental, porque
a análise das peças publicitárias revela elementos da sociedade daquela época, o padrão de
consumo e a preocupação com a beleza e a higiene.
Da ordem do futuro, será necessário perceber a estrutura desse mundo do mercado e
como ela aparenta ser bastante sofisticada, especialmente a relação entre anunciante, veículo e
público. O desafio que se avizinha é verificar os argumentos de persuasão na venda desses
produtos, isto é, quais os meios de convencimento? Ou mesmo, há agências de publicidade? Se
sim, quais são elas? É possível estudá-las? Respostas para outra oportunidade. Por hora,
repousamos a pena.
Fonte
Revista do Rádio (RJ, 1948-1959). Disponível on-line no sítio da Hemeroteca Digital Brasileira,
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
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