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Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
1
REVISTA NPI – NÚCLEO DE PESQUISA INTERDISCIPLINAR
http://www.fmr.edu.br/npi.html
ENDEREÇO POSTAL
Faculdade Marechal Rondon – FMR
Endereço: Estr. Vicinal Dr. Nilo Lisboa Chayasco, 5000 - Chácara Saltinho, São
Manuel - SP, 18650-000 Telefone: (14) 3842-2000
FAC São Roque Rua Sotero de Souza, 104 – Centro, São Roque – SP, Brasil.
Telefone: (11) 4719-9300
EQUIPE EDITORIAL Editor Chefe: Prof. Dr. Anselmo Jose Spadotto – spadotto@fmr.edu.br Diretor Acadêmico: Prof. Jefferson Capeletti - jeffersoncapeletti@fmr.edu.br Suporte Técnico: Kleber Aparecido Rossi - Kleber@fmr.edu.br
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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EDITORIAL
Com o presente número, a Revista NPI – Núcleo de Pesquisa
Interdisciplinar inicia suas atividades. Pretende-se oferecer aos acadêmicos e aos
pesquisadores um meio de consulta prático e diversificado onde poderão realizar seus
estudos. Muitos foram os que colaboraram com esse início de jornada, destacando-se
o Prof. Jefferson Capeletti, diretor acadêmico da Faculdade Marechal Rondon. Nessa
edição tivemos a colaboração de pesquisadores de algumas instituições, como a
Embrapa, Unesp e Uninove.
Boa leitura!
Prof. Dr. Anselmo José Spadotto
Editor Chefe
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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SUMÁRIO
A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE SAÚDE COMPLEXO E TRANSDISCIPLINAR
Regina Stella Spagnuolo, Ivan Amaral Guerrini
04 - 07
A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E A REALIDADE SOCIAL E
EMPRESARIAL
Renato Francisco de Oliveira, Robson Fernando Pereira, Mário Luiz Medeiros
08 - 10
ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR NA AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE
AGROTÓXICOS
Claudio Aparecido Spadotto
11 - 18
APLICAÇÃO DA ANÁLISE FRACTAL EM BACIA HIDROGRÁFICA DE TERCEIRA
ORDEM DE RAMIFICAÇÃO REPRESENTATIVA DE ARGISSOLOS
Roberto Bernardo Azevedo, Anselmo J. Spadotto, Wolmar Aparecida Carvalho
19 - 30
CIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE NO NOVO MILÊNIO: UM ENSAIO SOBRE
ASPECTOS COMPLEXOS E TRANSDISCIPLINARES
Ivan Amaral Guerrini
31 - 42
CONCEITOS FRACTAIS NA MELHORIA DA SOCIEDADE
Nelson Real Júnior
43 - 44
ESTÉTICA, ESTILO E DIREITO
Tailisse Mara Munhoz Massad
45 - 51
O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL E O DIREITO AUTORAL NA INTERNET
Thiago Henrique Fernandes, Fernanda C. Rays
52 - 54
O PAPEL DO ADVOGADO NA AUDITORIA E POLÍTICA AMBIENTAL
Thiago H. Alves Teixeira, Mariana C M Forlin, Cristiane D. de Miranda, Ricardo A.
Evangelista
55 - 58
PLANO DIRETOR E OS PRINCÍPIOS DA POLÍTICA PÚBLICA
Davison Cardoso Pinheiro
59 - 61
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE SAÚDE COMPLEXO E
TRANSDISCIPLINAR
Regina Stella Spagnuolo1, Ivan Amaral Guerrini2
1 Enfermeira responsável pela Unidade de Saúde da Família no Jardim Iolanda, Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu; mestranda do curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp. <rstella10@yahoo.com.br> 2 Professor, Departamento de Física e Biofísica, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - Unesp. <guerrini@ibb.unesp.br>
Ao longo de sua experiência profissional, os educadores em saúde e das
áreas assistenciais têm verificado e vivenciado o desenvolvimento da saúde enquanto
um bem universal. Tanta luta por mudanças, por quebra de paradigmas, luta por um
ideal integrador e não excludente como se tem vivido nestas últimas décadas, e a
saúde continua doente... Ora em estado grave, ora em convalescença! Mas os
profissionais de saúde sempre estiveram a postos, perseverantes no juramento
pretérito, porém vivo em arquétipos individuais e coletivos.
Nessa caminhada, percebeu-se aos poucos que o saber começou a pular
os muros das academias, na tentativa ainda incipiente, porém determinada, de
aproximar a teoria da práxis, levando até o usuário do sistema de saúde uma proposta
mais inclusiva e de acesso universalista, que pudesse, enfim, sair do discurso
politicamente correto e ser contextualizado em ações que realmente mudassem os
indicadores de saúde (Lobo Neto et al., 2000). Sabia-se que seria um processo longo,
que ansiedades e desânimos estariam pululando a cada tempo, mas a reconstrução
do Sistema Único de Saúde (SUS) sob um novo olhar, finalmente, estava por vir. O
cuidar, na visão complexa, mudando a ótica com que se está acostumado a conceituar
a saúde, emerge da concepção do ser humano visto como um sistema aberto e
envolvido numa rede (BOFF, 1997; 2000). Mas, na prática, o que seria o “cuidar” sob
este novo olhar? O que seria a promoção da saúde numa visão transdisciplinar,
conforme salientado por NICOLESCU (2000), MORIN & LE MOIGNE (2000) E MORIN
(2001)? Após o advento dessa nova visão, não se pode mais ver o Homem de forma
fracionada, em partes estudadas por disciplinas pontuais ou simplesmente
justapostas, o que denotaria a inter e a multidisciplinaridade (NICOLESCU, 2000).
Percebe-se agora no arcabouço científico deste novo milênio que, ainda que esta
afirmação soe como óbvia, só existe um mundo em que todos estão inseridos, e este
mundo é um todo maior que a soma de todas as suas partes. Entender a saúde neste
novo olhar requer enfrentar desafios para a academia, para o serviço, para os usuários
e para os gestores. Principalmente porque os profissionais que hoje atuam foram
formados, em sua grande maioria, num contexto de ciência reducionista e de
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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especialização, tendo por base os fundamentos da ciência clássica (HUERTAS, 1996).
Eis, portanto, por caminhos não esperados, a oportunidade de integração que tanto se
sonhou!
Esse olhar complexo e dinâmico oferece a oportunidade de uma ação
integrada que inclui as diferentes dimensões da experiência humana: a subjetiva, a
social, a política, a econômica e a cultural, colocando, portanto, a serviço da saúde, os
saberes produzidos nos mais diferentes campos do conhecimento. Assim, entende-se
que promover a saúde é saber lidar com as diversas condições socioeconômicas dos
segmentos populacionais da sociedade. É enfrentar a pobreza e toda a
desestruturação em seu entorno que são marcadas, simultaneamente, pela falta de
emprego, de infra-estrutura adequada às necessidades humanas (água potável,
destino adequado do lixo e esgoto), pela poluição dos ambientes, pelas carências
alimentares e educacionais (MATUS, 1997). É, portanto, lidar com diferentes, e até
mesmo opostos estilos de vida, buscando transcendê-los (Nicolescu, 2000). É saber
lidar com as formas de viver emergentes e constituídas nas sociedades modernas e
agora, em especial, num novo momento quando emerge a “Estratégia de Saúde da
Família”, que coloca o cuidar do ser humano no coração das famílias.
Estariam os profissionais de saúde preparados para entender e para se
tornar empáticos a essas mais diversas microculturas se não se inverter a lógica de
como ainda se vê o ser humano e suas famílias? Nota-se que até mesmo os
segmentos mais favorecidos da população perdem de vista o que é uma vida
saudável, integrativa, adaptando-se a uma forma de vida sedentária e estressante,
geradora de angústias, ansiedades e depressão. Esses sentimentos são expressões
legítimas de insatisfações e têm como consequência, muitas vezes, comportamentos
não compreendidos pelos próprios profissionais de saúde. Esses comportamentos, ao
mesmo tempo que têm origem em padrões passados, principalmente da família de
origem, se retroalimentam com as condutas repetitivas, necessitando serem
reconhecidos para, em seguida, serem alterados de forma consciente (NICOLESCU,
2000; BRIGGS & PEAT, 2000). Não se pode, por outro lado, se esquecer do trabalho
coletivo, já que a sociedade é também complexa, lida com incertezas e é capaz de se
auto-organizar (BOFF, 2000).
Pergunta-se, então: até onde se pode intervir no processo saúde-doença?
E, neste momento histórico, de que forma? O hedonismo, que se tornou uma das
principais características das sociedades modernas industrializadas, acaba muitas
vezes desmobilizando pessoas e grupos sociais para uma luta coletiva por melhores
condições de vida, descaracterizando a necessidade de resgate e de revaloração de
sentimentos como a solidariedade e a ética. Nesse campo, entretanto, a promoção de
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uma saúde mais integrativa por meio de esforços emergentes e localizados, já começa
a contribuir, capacitando as comunidades, compartilhando o saber técnico que,
confrontado com o saber popular, pode criar condições para a tomada de consciência
das situações de saúde das comunidades envolvidas.
Está no cerne do caos criativo que essas variáveis, atuando em conjunto,
possibilitem a construção de estratégias de enfrentamento dos problemas, passando
também a ver a sociedade sob um olhar integrativo e interativo, numa dimensão muito
mais que inter ou multidisciplinar, ou seja, a vivência transdisciplinar (BRIGGS &
PEAT, 2000). Esses novos termos, principalmente em áreas de educação e saúde,
têm sido usados com freqüência cada vez maior na literatura atual (GUERRINI, 2003;
WATANABE, 2003). Colocam-se, assim, essas relações em um sistema total, sem
quaisquer limites rígidos entre os saberes para compreensão do mundo atual que é a
unidade do conhecimento. Nessa nova ótica, aprende-se também a lidar com a política
e a administração pública, cuja gestão estatal é geralmente fragmentada, reducionista,
elaborando programas de saúde que muitas vezes não contemplam a realidade e a
cultura local (MATUS, 1997). O que se vivencia hoje é um imenso, incomensurável
desafio de desencadear um processo amplo e complexo de parcerias, atuações
intersetoriais e participações populares, que otimizem os recursos disponíveis e
garantam sua aplicação em políticas que respondam mais efetiva e integradamente às
necessidades das comunidades. Contextualizada na prática, essa nova visão
pressupõe uma sociedade civil mais organizada, as instituições públicas e privadas
somando esforços no sentido de uma atuação conjunta que possibilite ir além das
barreiras e antagonismos e alcançar resultados que se traduzam em mais e melhores
condições de vida para a população. A integração ensino-serviço-comunidade está,
pois, inserida no contexto em que se escreve este artigo. A saúde complexa e
transdisciplinar aqui proposta, como o próprio nome diz, deverá sempre estar
interagindo e trocando saberes, numa dinâmica construtiva e criativa, de forma
essencialmente transdisciplinar, sem mais as rígidas disputas do passado, sem
decisões estanques que favoreçam apenas este ou aquele segmento. É isso que os
profissionais de saúde conscientes da nova visão da ciência e da vida tanto esperam!
A troca dos saberes, o aprendizado constante, a construção contínua de um novo
olhar, desta vez dinâmico, complexo e transdisciplinar para permitir que esta se
recupere do estado convalescente. Busca-se, com isso, um amadurecimento de todos
os segmentos, fazendo cada um o seu papel e conjuntamente construindo e
consolidando experiências que requerem um conjunto de estratégias de apoio,
transcendendo os antagonismos. Só assim será possível promover a expansão das
ações, implementando cada vez mais um modelo de atenção integral às famílias por
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meio de um legítimo “promover” de ações saudáveis, gerando novas práticas
profissionais sustentadas por esse modelo tão sonhado.
Este artigo se resume, portanto, num grito de profissionais que, ao mesmo
tempo que têm se envolvido nas teias da nova ciência sistêmica aplicada a
organismos vivos (Kitano, 2002), veem nessa nova face da ciência do século XXI, a
chance concreta de unir os saberes na busca de soluções mais adequadas às
questões atuais de saúde. Nessa rede, não há lugar para conhecimentos preferenciais
e nem mesmo para posições grupais predominantes, mas para a cooperação em
busca do desenvolvimento sustentável que é tão dinâmico quanto complexo.
REFERÊNCIAS
BOFF, L. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. BOFF, L. A voz do arco-íris . Brasília: Letraviva, 2000. BRIGGS, J.; PEAT, F. D. A sabedoria do caos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000. GUERRINI, I. A. Sobre o complexo e o transdisciplinar. Sci. Am. Br., v. 2, n.19, p.11, 2003. HUERTAS, F. Entrevista com Carlos Matus: o método PES. São Paulo: FUNDAP, 1996. KITANO, H. Systems biology: a brief overview. Nature, v. 295, p.1662-4, 2002. MATUS, C. Adeus, senhor presidente: governantes e governados. São Paulo: FUNDAP, 1997. MORIN, E.; LE MOIGNE, J-L. A inteligência da complexidade. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2000. MORIN, E. A religação dos saberes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. NICOLESCU, B. Manifesto da transdisciplinaridade. Brasília: UNESCO, 2000. LOBO NETO, F. J. S.; PRADO, A. A.; FONTANIVE, D. A.; SILVA, P. T.; PROVENZANO, M. E.; MOULIN, M. N.; LOPES, A.; R. C.; COELHO, C. A. G.; BOMFIM, M. I. R. M.; TORREZ, M. N. F. B.; ROMANO, R. A. T.; PIMENTEL, M. R. A. R.; GOULART, V. M. P. Formação pedagógica em educação profissional na área de saúde: Enfermagem. Brasília: Ministério da Saúde; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, 2000. (Educação, Conhecimento, Ação, 3). WATANABE, M. Going multidisciplinary . Nature, v. 425, p.542-3, 2003. Publicado originalmente na revista Interface - Comunic, Saúde, Educ, v.9, n.16, p.191-4, set.2004/fev.2005. Com autorização para publicação na Revista NPI em 13/03/06.
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A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E A REALIDADE SOCIAL E
EMPRESARIAL
Renato Francisco de Oliveira, Robson Fernando Pereira, Mário Luiz Medeiros
INTRODUÇÃO
Um breve olhar na história da humanidade mostra que, mesmo que
primitivo, em tempos remotos já existia um certo sistema regulador de ações, exercido
geralmente pela comunidade. Através da história, passando pelo poder da Igreja, dos
reis e imperadores, o poder de punir (corrigir) é delegado, hoje, no Brasil ao Estado.
Não obstante ao elevado grau de atualidade da legislação brasileira com
relação ao meio ambiente, muitas são as dúvidas que os operadores da lei têm
encontrado ao analisar os casos nessa área. De fato, a complexidade desse assunto
passa, também, pela questão social e econômica indo desembocar, em muitos casos,
na produção agrícola ou nas profundezas de um lençol freático, por exemplo.
Entretanto, não é o próprio meio ambiente o destino final daquilo que denominamos de
contaminação, senão o próprio homem. Se de um lado o ciclo de um contaminante
parece claro, o próprio homem não pode ser considerado somente como um ser
biológico, mas, sem dúvida é um ser social e psicológico. Não bastará à lei manter o
homem biologicamente vivo, se este não tiver vida social e psicológica. É necessário,
portanto, que a legislação ambiental ao ser aplicada, seja trabalhada na sua
complexidade, ou seja realmente envolvendo lei e meio ambiente, sendo o meio
ambiente o homem na sua plenitude, e não somente o homem ou o meio ambiente.
Na atual organização social brasileira, o interesse coletivo tem se
expandido sobre os interesses individuais, em uma relação de responsabilidade e
sanção. Com esta preocupação, o Legislador Constituinte de 1988 introduziu no
Direito a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Porém, tal dispositivo ficou
longo tempo a carecer de regulamentação, a qual só veio, em relação aos crimes
ambientais, com a Lei 9.605/98. Estudos, como os delineados nesse trabalho,
mostram que a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas se encontra
definitivamente consagrada no Direito Brasileiro. A responsabilização penal de
pessoas jurídicas é fato novo no Direito em todo o mundo, e é grande a dificuldade de
aplicação da mesma. Dúvidas surgiram, como por exemplo: As penas deveriam ser
aplicadas levando-se em conta a recuperação do dano ambiental? Parece corrente
que, nas questões ambientais a finalidade maior da pena deverá preconizar não só a
punição, mas, principalmente, a reparação do dano causado. Um bom avanço é a
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responsabilização penal das pessoas jurídicas quanto a crimes ambientais, que está
definitivamente consagrada no Brasil.
DESENVOLVIMENTO
Muitas são as interpretações de Direito Econômico em relação ao meio
ambiente, sendo ponto comum a ideia de que o tema aborda, em sua essência, as
normas de intervenção do Estado na atividade econômica, de forma a proporcionar um
desenvolvimento equilibrado. Não se pode separar, na maioria dos casos, a economia
de um país do meio ambiente. A exploração do meio ambiente é grotesca provocando
prejuízos em diversas áreas, inclusive na econômica. Hoje, diversas manifestações de
desequilíbrio ecológico já aparecem em todo o globo terrestre, como o derretimento de
parte da calota polar, até as mudanças climáticas recentes. Apesar disso, o meio
econômico não tem apresentado nenhuma argumentação acerca da importância da
preservação ambiental. Muito do que se discutiu foi tratado objetivando criar uma
consciência ecológica, somente.
Assim, a legislação adotou um tratamento econômico para o meio
ambiente, não só pelo fato de que recursos naturais são recursos econômicos, mas
porque foi o único meio de se legislar acerca do tema de maneira eficaz.
Dentre as áreas de maior conflito entre a legislação ambiental e produção
empresarial, destacam-se as localizadas em áreas de preservação ambiental (APA).
Muitas empresas estão localizadas em áreas assim classificadas e, independente de
sua atividade produtiva, procuram manter no seu quadro de profissionais elementos
qualificados para se resguardar de problemas jurídicos e técnicos. O mesmo não pode
ser dito da maioria das agroindústrias – entenda-se aqui todas as modalidades de
produção ou processamento agrícola - ou de empresas de pequeno porte, apesar de a
legislação brasileira indicar que ninguém poderá alegar ignorância com relação à lei.
Este ponto, ao que indica, parece ser o ponto do início do conflito entre a legislação
ambiental e sua aplicação, ou seja, o desnível econômico/social para fazer frente aos
aspectos legais da produção empresarial.
A questão atual se resume, portanto, não somente na não contaminação
do meio ambiente por parte de uma empresa, mas em como esta se relaciona com o
meio ambiente. Seja a empresa de atividade agrícola, industrial ou mista, a sua
relação com o meio ambiente está cada vez mais tensa em face de uma legislação
cada vez mais exigente. Assim, para atuar neste contexto de complexidade, faz-se
necessários advogados, e demais profissionais ligados ao meio jurisdicional, com
profundos conhecimentos na área ambiental e agrária.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da atualização da legislação ambiental brasileira, certos pontos na
sua aplicação poderiam ser revistos. Nesse sentido, as atitudes restritivas e punitivas
poderiam ser mescladas com os interesses sociais e empresariais, promovendo,
talvez, uma situação de mais conforto entre as áreas produtivas e ambientais do país.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 mar. 2005. BRASIL. Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil, Poder Executivo, de 17 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 03 jun. 2005. DINIZ, M. H. Introdução a ciência do direito. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 250p. GOMES, M.A.F.; SPADOTTO, C.A.; PESSOA, M.C.P.Y. Avaliação da vulnerabilidade natural do solos em áreas agrícolas: subsídio à avalia do risco de contaminação do lençol freático por agroquímicos. Pesticidas: R. Ecotoxicol. e Meio Ambiente, v. 12, p.169-179. 2002. MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. 7. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. 280p. SPADOTTO, A. J.; GUERRINI, I. A.; TOFOLI, C. A.; FEIDEN, A.; NEUMEISTER, C. Management of the area of deposition of industrial liquid effluents according to the fractal dimension of the soil. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ENVIRONMENTAL GEOTECHNOLOGY AND GLOBAL SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 5, 2000. Belo Horizonte, Brazil. Electronic Proceedings... Belo Horizonte: UFMG, 2000a. 1 CD-ROM. SPADOTTO, A. J.; SAGLIETTI, J. R.; NASCIMENTO, T.; DUARTE, A. V. S., MÜLLER, J. A. The integration between the production of organic foods and the rural sustainable development. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ENVIRONMENTAL GEOTECHNOLOGY AND GLOBAL SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 5, 2000. Belo Horizonte, Brazil. Electronic Proceedings... Belo Horizonte: UFMG, 2000b. 1 CD-ROM.
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR NA AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE
AGROTÓXICOS
Claudio Aparecido Spadotto, Ph.D. Embrapa Meio Ambiente, Jaguariúna (SP)
RESUMO
O objetivo desse trabalho é apresentar e discutir o contexto, a complexidade e a necessidade de uma abordagem interdisciplinar na avaliação ambiental de agrotóxicos, que é caracterizada pela variedade de disciplinas envolvidas e pelas interfaces entre elas e com outras áreas do conhecimento. A inerente complexidade deve ser tratada pelo conhecimento interdisciplinar aprofundado aliado à capacidade de simplificação consciente, resultando em avanço metodológico, científico e tecnológico. Palavras-chave: agrotóxico, ambiente, complexidade, interdisciplinaridade.
ABSTRACT INTERDISCIPLINARY APPROACH FOR ENVIRONMENTAL ASSESSMENT OF PESTICIDES This work is intended to present and discuss the context, complexity, and need of interdisciplinary approach for environmental assessment of pesticides, which is characterized by an array of disciplines and by interfaces among them and with other knowledge fields. The inherent complexity should be dealt with deep interdisciplinary knowledge along with conscious simplification ability, resulting in methodological, scientific and technological advancement. Key words: pesticide, environment, complexity, interdisciplinarity.
O CONTEXTO
O desenvolvimento da síntese orgânica durante a Segunda Guerra
Mundial e a consolidação do padrão tecnológico da agricultura moderna tiveram
importância fundamental no desenvolvimento da indústria mundial de agrotóxicos. A
descoberta das propriedades inseticidas do organoclorado DDT, em 1939, é tida
como um marco de transição nas técnicas de controle fitossanitário.
O padrão agrícola estabelecido no pós-guerra tem sua base tecnológica
assentada no uso de agroquímicos (agrotóxicos, fertilizantes e corretivos),
mecanização, cultivares de alto potencial de rendimento e técnicas de irrigação,
visando a elevação da produtividade. Existe, portanto, uma estreita relação entre a
agricultura moderna intensiva e a utilização de agrotóxicos. A partir da década de
1960, tal modelo agrícola foi difundido para as regiões do Terceiro Mundo, num
processo conhecido como Revolução Verde.
Os agrotóxicos, além de cumprirem o papel de proteger as culturas
agrícolas das pragas, doenças e plantas daninhas, podem oferecer riscos à saúde
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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humana e ao ambiente. O uso freqüente, e muitas vezes incorreto, de agrotóxicos
pode causar a contaminação dos solos, da atmosfera, das águas superficiais e
subterrâneas, dos alimentos, apresentando, conseqüentemente, efeitos negativos em
organismos terrestres e aquáticos e intoxicação humana pelo consumo de água e
alimentos contaminados, assim como o risco de intoxicação ocupacional de
trabalhadores e produtores rurais. Além dos perigos aos seres humanos, sabe-se que
a introdução de agrotóxicos no ambiente pode provocar efeitos indesejáveis, como a
alteração da dinâmica bioquímica natural pela pressão de seleção exercida sobre os
organismos, tendo como conseqüência, mudanças no funcionamento do ecossistema
afetado.
Presença de agrotóxicos tem sido relatada em águas superficiais,
subterrâneas e em água de chuva (FUNARI et al., 1995; BUSER, 1990). Agrotóxicos
têm sido encontrados na atmosfera mesmo distantes de áreas agrícolas (GROVER et
al., 1997; LAABS et al., 2002). Resíduos desses produtos têm sido ainda encontrados
no orvalho (GLOTFELTY et al., 1987), na neve do ártico (GREGOR e GUMMER,
1989) e na névoa do oceano (SCHOMBURG e GLOTFELTY, 1991).
A introdução de agrotóxicos organossintéticos no Brasil teve início em
1943, quando chegaram as primeiras amostras do inseticida DDT. O consumo anual
de agrotóxicos no Brasil tem sido superior a 300 mil toneladas de produtos comerciais.
Expresso em quantidade de ingrediente-ativo (i.a.), são consumidas anualmente no
país cerca de 130 mil toneladas; representando um aumento no consumo de
agrotóxicos de 700% nos últimos quarenta anos, enquanto a área agrícola aumentou
78% nesse período.
A adoção dos termos defensivos agrícolas, produtos fitossanitários,
pesticidas, biocidas e agrotóxicos tem sido marcada por controvérsias e essa
discussão está além do escopo desse artigo. No entanto, a legislação brasileira adotou
e definiu o termo agrotóxico (Lei 7.802/89 e Decretos 98.816/90 e 4.074/2002), que é
utilizado nesse trabalho englobando as diferentes categorias de uso: inseticidas,
acaricidas, nematicidas, fungicidas, bactericidas, herbicidas e outras.
O Brasil possui uma legislação de agrotóxicos evoluída, exigente e
restritiva, que cuida, além da necessidade de comprovação da eficiência agronômica,
das garantias da minimização dos perigos ao ser humano (seja de caráter
ocupacional, alimentar ou de saúde pública) e das ameaças ao meio ambiente
provenientes desses produtos químicos. Antes a avaliação ambiental restringia-se à
classificação da periculosidade de cada agrotóxico, baseada em dados
ecotoxicológicos do produto comercial. Hoje é necessária a avaliação dos riscos
ambientais de cada produto, considerando, além da ecotoxicidade, a exposição dos
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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organismos nos diferentes compartimentos ambientais, o que demanda um mais
amplo e profundo entendimento de como os agrotóxicos se comportam no ambiente
depois de aplicados e de quais efeitos pode causar aos vários organismos.
A COMPLEXIDADE
Os métodos de aplicação de agrotóxicos podem ser por via sólida, líquida
e gasosa. A aplicação por via líquida é o método predominante, sendo a aplicação por
via gasosa empregada somente em alguns casos. Na aplicação por via líquida uma
formulação é geralmente diluída em água, formando a calda que, via de regra, é
aplicada na forma de gotas através de pulverização.
A partir da sua aplicação, a distribuição do agrotóxico nos diferentes compartimentos
ambientais pode ocorrer através do atraso ou impedimento da chegada ao alvo, desvio
de rota, erro do alvo, além de outros. O ajuste correto desses itens pode ser
considerado o primeiro passo para o sucesso da ação do agrotóxico e a redução do
seu impacto indesejável no ambiente (GEBLER e SPADOTTO, 2004). Qualquer
quantidade do agrotóxico que não atinja o alvo não terá o efeito desejado e
representará uma forma de perda e uma fonte de contaminação ambiental.
A deriva, que é o transporte do agrotóxico pelo vento durante a aplicação,
é um dos problemas mais comuns. No entanto, vale notar que ausência de vento pode
também ser prejudicial, pois as gotas muito finas podem ficar suspensas no ar devido
à estabilidade atmosférica, dispersando-se até vários quilômetros do local de
aplicação, sendo, muitas vezes, somente removidas da atmosfera pela ação da chuva.
Depois da aplicação de um agrotóxico, através dos diferentes métodos, vários
processos físicos, químicos, físico-químicos e biológicos determinam seu
comportamento. O destino de agrotóxicos no ambiente é governado por processos de
retenção (sorção, absorção), de transformação (degradação química e biológica) e de
transporte (deriva, volatilização, lixiviação e carreamento superficial), e por interações
desses processos. A Figura 1 apresenta esquematicamente uma visão geral dos
processos envolvendo os agrotóxicos no ambiente; enquanto a Figura 2 apresenta os
processos envolvidos no comportamento e destino ambiental de agrotóxicos com
ênfase no solo.
Além da variedade de processos envolvidos na determinação do destino
ambiental de agrotóxicos, diferenças nas estruturas e propriedades das substâncias
químicas, e nas características e condições ambientais, podem afetar esses
processos. Condições meteorológicas, localização da área na topografia e práticas de
manejo agrícola podem, entre outros, afetam o destino de agrotóxicos no ambiente. O
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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volume, a intensidade e a freqüência das chuvas têm uma grande influência no
transporte e na perda de agrotóxicos através do escoamento superficial e da
percolação da água no solo.
Figura 1. Visão geral dos processos envolvendo os agrotóxicos no ambiente (adaptado
de DORES e DE-LAMONICA-FREIRE, 1999).
Um entendimento dos processos do comportamento e destino de
agrotóxicos no ambiente é essencial; no entanto, a variedade de agrotóxicos usados
representa muitas classes de substâncias químicas orgânicas e os tipos de interações
desses compostos com diferentes componentes do ambiente são enormes.
Figura 2. Representação esquemática dos processos envolvidos no comportamento e
no destino ambiental dos agrotóxicos, com ênfase nos processos que ocorrem no solo
(baseado em WEBER e WEED, 1974). OC representa o agrotóxico.
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O agrotóxico pode ser transportado pela água da chuva que escoa
superficialmente e pelo solo erodido, sendo levado às partes mais baixas da
topografia, podendo chegar até os rios, córregos, lagos e açudes. Os picos de
concentrações de agrotóxicos em águas superficiais são registrados logo após
eventos de chuva de alta intensidade. A lixiviação ocorre quando a água da chuva
penetra no solo, levando o agrotóxico em profundidade, podendo atingir a água
subterrânea. Esse processo é mais importante em solos arenosos e depende das
propriedades de cada agrotóxico. O transporte de agrotóxicos na atmosfera é também
um importante meio de distribuição desses produtos no ambiente e pode ocorrer por
volatilização direta, co-vaporização com a água e associação ao material particulado
carregado pelo vento.
A volatilização pode ocorrer durante e após a aplicação, a partir da
superfície das plantas, na superfície e na matriz do solo, assim como na superfície e
na coluna d‟água. Além disso, as estimativas das concentrações ambientais têm que
considerar também os processos de transporte na atmosfera e a deposição no solo,
na vegetação e nos corpos d‟água.
A decomposição química, a fotodecomposição e a degradação biológica
são processos pelos quais os agrotóxicos são transformados em outros compostos,
podendo essa transformação ser completa ou não. Assim, através dos processos de
transformação, os agrotóxicos podem resultar em compostos com persistência e
toxicidade maiores ou menores que a molécula original. Se for completa, a
transformação dos agrotóxicos terá como produtos finais dióxido de carbono, água e
sais minerais.
A preocupação quanto aos danos dos agrotóxicos à saúde humana recai
em potenciais efeitos como carcinogênese, mutagênese, teratogênese,
neurotoxicidade, alterações imunológicas e na reprodução, além de desregulações
endócrinas. Os efeitos nos organismos terrestres e aquáticos podem levar à morte de
indivíduos, podendo comprometer algumas espécies, resultando na alteração da
dinâmica bioquímica natural e na mudança do funcionamento de todo o ecossistema
afetado.
Os agrotóxicos são moléculas sintetizadas para afetar determinadas
reações bioquímicas de insetos, microrganismos, animais e plantas que se quer
controlar ou eliminar, mas determinados processos bioquímicos são comuns a todos
os seres vivos e, assim, o efeito pode então atingir não só o organismo alvo, como
também outros seres do ambiente. Os efeitos dos agrotóxicos nem sempre são
isolados, pois as comunidades têm interações recíprocas de dependência ou
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cooperação, e a ação sobre uma determinada população pode afetar todo o
funcionamento de um ecossistema (SPADOTTO et al., 2004).
A ecotoxicidade, assim como a toxicidade humana, seja aguda ou crônica,
é muito variável entre os agrotóxicos. Produtos muito tóxicos para um organismo pode
não ser para outros. Além disso, organismos muito sensíveis a um dado agrotóxico
podem não ser expostos a ele em concentrações ou doses superiores aos níveis
tóxicos. A exposição pode ser expressa como a co-ocorrência, que é a presença do
agrotóxico no habitat do organismo, ou como contato entre o agrotóxico e o
organismo. Alguns organismos possuem grande capacidade de bioacumular
substâncias químicas, caracterizando o processo de bioacumulação ou
bioconcentração.
Agrotóxicos, como produtos formulados, são obtidos a partir de produtos
técnicos ou de pré-misturas. Produtos técnicos, por sua vez, têm nas suas
composições teores definidos de ingredientes (ou princípios) ativos e de impurezas,
podendo conter ainda estabilizantes e produtos relacionados. Não considerar todos os
componentes originais e os produtos de degradação com importância ambiental pode
levar a erros na avaliação ambiental dos agrotóxicos.
A INTERDISCIPLINARIDADE
A complexidade precisa ser tão ampla e profundamente entendida para
que sua representação possa ser simplificada. Assim, sistemas naturais complexos
podem ser representados por modelos simples e poucos parâmetros, desde que
incorporem os processos dominantes do seu funcionamento.
Precisa-se caminhar para além dos trabalhos disciplinares, que
contemplam somente uma área do conhecimento, passando pela multidisciplinaridade
e chegando à interdisciplinaridade. Se um único especialista pode realizar um bom
trabalho restritamente na sua área de atuação, o entendimento dos fenômenos e a
efetiva solução de problemas dependem do seu envolvimento em um grupo
multidisciplinar no qual a interdisciplinaridade (ou, se possível, a transdisciplinaridade)
possa ser praticada. Torna-se necessário conciliar, em diferentes níveis, a visão
especialista e verticalizada em uma disciplina com a visão generalista e
horizontalizada entre as várias disciplinas. Essas duas visões não são contrárias e sim
complementares e, portanto, em uma abordagem integrada, uma não deveria ser
adotada sem a outra.
Um ponto crucial no estudo de um fenômeno complexo, como a avaliação
ambiental de agrotóxicos, é a definição do foco do trabalho e, por consequência, a
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identificação dos processos mais importantes e dominantes. O sistema a ser abordado
com maior atenção precisa ser delimitado e caracterizado quanto aos seus
componentes e às interações entre eles, assim como as relações do sistema focado
com o meio devem consideradas. Portanto, quando se quer estudar o comportamento
e o destino ambiental de agrotóxicos com ênfase nos processos que ocorrem no solo
pode se orientar pela representação esquemática contida na Figura 2, onde se
considera com mais detalhe os componentes e as suas interações naquele
compartimento, sem se esquecer das entradas e saídas do sistema.
A avaliação ambiental de agrotóxicos, como toda a área ambiental, é
caracterizada pela variedade de disciplinas envolvidas e pelas interfaces entre elas e
com outras áreas do conhecimento, que conferem uma grande complexidade.
Somente o conhecimento aprofundado, adquirido pela prática da interdisciplinaridade,
aliado à capacidade de discernimento e de simplificação consciente podem resultar no
avanço metodológico, científico e tecnológico consistente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUSER, H.R. Atrazine and other s-triazine herbicides in lakes and in rain in Switzerland. Environ. Sci. Technol., v. 24, p. 1049-1058, 1990. DORES, E.F.G. de C.; DE-LAMONICA-FREIRE, E.M. Contaminação do ambiente aquático por pesticidas: vias de contaminação e dinâmica dos pesticidas no ambiente aquático. Pesticidas: R. Ecotoxicol. e Meio Ambiente, v. 9, p. 1-18, 1999. FUNARI, E.; DONATI, L.; SANDRONI, D.; VIGHI, M. Pesticide levels in ground water: value and limitations of monitoring. In: VIGHI, M.; FUNARU, E. (Eds.). Pesticide risk in groundwater. Boca Raton, FL: CRC Press, 1995. p. 3-44. GEBLER, L.; SPADOTTO, C.A. Comportamento ambiental de herbicidas. In: VARGAS, L.; ROMAN, E.S. (ed.). Manual de manejo e controle de plantas daninhas. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2004. p. 57-87. GLOTFELTY, D.E.; SEIBER, J.N.; LILJEDAHL, L.A. Pesticides in fog. Nature, v. 325, p. 602-605, 1987. 1987. GREGOR, D.J.; GUMMER, W.D. Evidence of atmospheric transport and deposition of organochlorine pesticides and polychlorinated biphenyls in Canadian artic snow. Environ. Sci. Technol., v. 23, p. 561-565, 1989. GROVER, R.; WOLT, J.D.; CESSNA, A.J.; SCHIEFER, H.B. Environmental fate of trifluralin. Rev. Environ. Contam. Toxicol., v. 153, p. 1-64, 1997. LAABS, V.; AMELUNG, W.; PINTO, A.; WANTZEN, M.; SILVA, C.J.; ZECH, W. Pesticides in surface water, sediment, and rainfall of the Northeastern Pantanal Basin, Brazil. J. Environ. Qual., v. 31, p. 1636-1648, 2002. SCHOMBURG, C.J.; GLOTFELTY, D.E. Pesticide occurrence and distribution in fog collected near Monterrey, California. Environ. Sci. Technol., v. 25, p. 155-160, 1991.
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SPADOTTO, C. A.; GOMES, M. A. F.; LUCHINI, L. C.; ANDRÉA, M. de. Monitoramento do risco ambiental de agrotóxicos: princípios e recomendações. Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente, 2004. 29p. (Embrapa Meio Ambiente. Documentos, 42). WEBER, J.B.; WEED, S.B. Effects of soil on the biological activity of pesticides. In: GUENZI, W.D., ed. Pesticides in soil & water. Madison, Soil Science Society of America, 1974. cap. 10, p. 223-256.
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APLICAÇÃO DA ANÁLISE FRACTAL EM BACIA HIDROGRÁFICA DE TERCEIRA
ORDEM DE RAMIFICAÇÃO REPRESENTATIVA DE ARGISSOLOS
Roberto Bernardo Azevedo1, Anselmo J. Spadotto2, Wolmar Aparecida Carvalho3
1 Faculdade de Ciências e Tecnologia/Unesp – Presidente Prudente/SP – Brasil, 2 Instituto de Biociências/Unesp – Botucatu/SP – Brasil, 3 Faculdade de Ciências Agronômicas/Unesp – Botucatu/SP – Brasil
RESUMO
A dimensão fractal se presta a caracterizar fenômenos naturais, irregulares, com maior
precisão que as análises convencionais, permitindo uma análise com menores
distorções da realidade (MANDELBROT, 1982). Objetivou-se no presente trabalho
apresentar uma forma diferenciada de se observar uma Bacia hidrográfica de 3a
ordem de ramificação, como objeto fractal, através da análise fractal. Aplicou-se a
dimensão fractal para a bacia hidrográfica procurando-se obter os elementos que
melhor os define para possibilitar a comparação com os parâmetros convencionais
que definem a relação entre a infiltração e o deflúvio dos solos. Determina-se a
dimensão fractal para o contorno das bacias, perímetro, para a superfície circunscrita
ao divisor d‟água, área, e para a rede de drenagem, representando a composição.
Palavras-chaves: Bacia hidrográfica, Análise fractal, Dimensão fractal, solo.
INTRODUÇÃO
Os Argissolos, predominantes no Oeste do Estado de São Paulo, são na
sua maioria, solos muito profundos (> 200cm de profundidade). São solos constituídos
por material mineral com argila de atividade baixa e horizonte B textural (Bt)
imediatamente abaixo de horizonte A ou E. De modo geral são susceptíveis à
erosão por apresentarem gradiente textural entre os horizontes A ou E e o B, sendo
que, quando apresentam também transição abrupta (menor que 2,5cm) entre os
horizontes A ou E e o B e ocorrem em relevo ondulado (topografia constituída por
conjunto de colinas e/ou outeiros com declives entre 8 e 20%) e forte ondulado
(topografia formada por outeiros e/ou morros com elevações de 100 a 200m de
altitude relativa e declives fortes, entre 20 e 45%) são muito susceptíveis à erosão
(CARVALHO et al., 1997; 2005).
Sendo a rede de drenagem um dos elementos da paisagem que reflete
as características internas do solo e seus limites, tem sido explorada por inúmeros
pesquisadores e a vasta bibliografia sobre o assunto, mostra a relação existente
entre a composição e as características do padrão de drenagem, com a natureza e
propriedades dos solos, através da relação entre a infiltração e o deflúvio. Os autores
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reconhecem como fatores importantes no desenvolvimento de sistemas hidrográficos e
suas bacias de drenagem, a capacidade de infiltração do solo e sua resistência à
erosão, admitindo que o grau de manifestação destes atributos varia de uma
unidade de solo para outra, em função do conjunto de propriedades de cada
unidade e que, quando o solo é raso a rede de drenagem é função da capacidade de
infiltração e da resistência da rocha à erosão. Assim, uma rede de drenagem bem
desenvolvida implica uma cobertura pedológica com baixa relação
infiltração/deflúvio e uma rede de drenagem pouco desenvolvida, em alta relação
infiltração/deflúvio.
O ambiente natural é constituído de elementos que tendem para um
estado de equilíbrio, sendo que, a alteração em qualquer um desses elementos
reflete-se em todo o conjunto, mostrando sua fragilidade. O desmatamento, o uso
e manejo inadequado do solo causam o rompimento do equilíbrio do ecossistema
de uma região e cuja intensidade é função da natureza e propriedades dos solos,
condições litológicas estruturais, clima e relevo. O desequilíbrio dos ecossistemas
pode ocorrer também, devido a outras alterações de suas condições naturais tais
como: construções de aterros, barragens, estradas e expansão urbana, dentre outros.
A análise fractal tem sido empregada para interpretar processos
temporais, ou como um meio complementar ou quando os gráficos são irregulares.
Segundo Mandelbrot (1982) a dimensão fractal se presta a caracterizar fenômenos
naturais, irregulares, com maior precisão do que as análises convencionais, porque
permite uma análise com menores distorções da realidade. O presente trabalho
tem como objetivo mostrar, uma forma diferenciada de se observar uma Bacia
hidrográfica de 3a
ordem de ramificação, como objeto fractal, através da análise
fractal. Aplicou-se a dimensão fractal para a bacia hidrográfica procurando-se obter os
elementos que melhor os define para possibilitar a comparação com os
parâmetros convencionais que definem a relação entre a infiltração e o deflúvio dos
solos. Determina-se a dimensão fractal para o contorno das bacias, que representa
o perímetro, para a superfície circunscrita ao divisor d‟água, que representa a
área, e para a rede de drenagem, representando a composição (número e
comprimento total e médio dos segmentos dos rios).
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA:
Para estudos de solos, inúmeros investigadores comprovaram a
eficiência de bacias hidrográficas de terceira ordem de ramificação, de acordo com
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a classificação de rios de Horton (1945), modificada por Strahler (1957), que
introduziu o conceito de segmento de rio.
Horton (1945) formulou a Lei do Número de Rios, que expressa a relação
entre o número de rios de cada ordem e a ordem de ramificação, em termos de uma
série geométrica inversa, na qual a razão de ramificação é a base. Maxwell (1955)
obteve para o número de segmentos de rios, a seguinte equação linear: log Nw = log a
– w.log b, onde w é a ordem de ramificação e Nw, o número de rios de ordem w,
propondo ainda que Rb = antilog b, como sendo a melhor expressão empírica da
razão de ramificação (Rb).
A Lei dos Comprimentos de Rios, também formulada por Horton
(1945), expressa a relação entre os comprimentos médios de rios de cada ordem
de ramificação, em termos de uma série geométrica direta na qual o primeiro termo
é o comprimento médio dos rios de primeira ordem e cuja razão é a razão de
comprimento médio. Vasquez Filho (1972), ajustou, e verificou a validade para o
comprimento médio de segmentos de rios, a seguinte equação linear: log Lmw = log
a + w.log b, onde w é a ordem de ramificação e Lmw, o comprimento médio de
segmentos de rios de ordem w, e verificou que Rlw = antilog b, é a melhor
expressão da razão de comprimento médio (Rlw).
Strahler (1957) aplicou a Lei dos Nümeros de Rios de Horton para
comprimentos totais de rios, e assim, a Lei dos Comprimentos Totais de Rios,
deste autor, é semelhante a Lei de Número de Rios de Horton (1945). A Lei dos
Comprimentos Totais de Rios de Strahler (1957) expressa a relação entre o
comprimento total de rios de cada ordem e a ordem de ramificação, em termos de
uma série geométrica inversa, da qual a razão de comprimento total é a base.
França (1968) ajustou para o comprimento total de rios a seguinte equação linear:
Lw = log a – w.log b, onde w é a ordem de ramificação e Lw, o comprimento de rios
de ordem w, verificando que o que o antilogarítmo de b pode ser tomado como
equivalente à razão de comprimentos totais (Rlw).
Quando as equações não são significativas, constatam-se
afastamentos das Leis Hidrofísicas dos Números, Comprimentos totais e dos
Comprimentos Médios de segmentos de rios, os quais geralmente são atribuídos
ao efeito de controles geológicos da rede de drenagem, que podem ser líticos e/ou
estruturais, e a desequilíbrio dos elementos do ambiente que causa a erosão laminar e
em sulcos, pois estes evoluem formando canais de drenagem que atingindo o
sistema hidrográfico desorganizam a sua herarquização (FRANÇA, 1968;
CARVALHO 1977; SILVA & CARVALHO, 2002; dentre outros). Segundo os
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referidos autores, o comprimento de rios é mais suscetível a controles
geológicos e o número a desequilíbrio ambiental.
Azevedo (2002) verificou o ajuste das equações de regressão simples
monologarítmicas, log y = a + bx, para número, comprimento total e médio de
segmentos de rios para bacias hidrográficas de terceira ordem de ramificação
representativas de Argissolos sob cobertura vegetal de gramíneas há mais de vinte
anos, indicando que a rede de drenagem das bacias obedece as Leis Hidrofísicas
de Horton e Strahler e que seu desenvolvimento se faz em equilíbrio com o
ambiente.
Segundo Gomes (1997) a dimensão fractal foi introduzida na hidrologia
por Mandelbrot em 1977 e usada por vários autores, com a finalidade de analisar as
características das redes de drenagem.
Segundo Mandelbrot (1983) estruturas auto-similares apresentam
detalhes, ramificações, poros ou rugosidades, em certa faixa de escala de
comprimento, cuja forma é a mesma em diferentes escalas, assim, se parte da
estrutura for ampliada terá a mesma forma do todo. Assim, a aplicabilidade dessa
análise em fenômenos naturais, em particular, à hidrologia possibilitou a introdução
da dimensão fractal no estudo das redes de drenagem de bacias hidrográficas.
Em vista do exposto, objetivou-se neste trabalho aplicar a análise fractal em rede
de drenagem de uma bacia hidrográfica de 3a
ordem de ramificação, representativa
de Argissolos e obtida de fotografias aéreas.
MATERIAIS E MÉTODOS
Serviu de base para o presente trabalho uma bacia de 3a
ordem de
ramificação, pertencente ao sistema hidrográfico da bacia do Rio Santo Anastácio no
município de Presidente Bernardes, Oeste do Estado de São Paulo, inserida entre as
seguintes coordenadas geográficas: 22o
06‟
22” a 22o
07‟48”de latitude S e 51
o
32‟50”a 51o
33‟47”de longitude W Grw. e com uma área de 2,48km2.
De acordo com o Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo (IPT,
1981a) a bacia, no oeste do Estado de São Paulo, encontra-se localizada na
província geomorfológica denominada Planalto Ocidental Paulista e esta assentada,
predominantemente, sobre arenitos do Grupo Bauru – Formação Adamantina do
Cretáceo Superior e nas baixadas planas e geralmente úmidas, ocorrem
deposições do Cenozóico (IPT, 1981b).
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Os solos da bacia, segundo Carvalho et al. (1997, 2005) são
predominantemente ARGISSOLOS VERMELHOS Eutróficos abrúpticos A moderado
textura arenosa/média fase floresta tropical subcaducifólia relevo ondulado.
Segundo os autores o clima do município de Presidente Bernardes, segundo a
classificação climática de Köeppen é do tipo Aw, tropical úmido com estação
chuvosa no verão e seca no inverno, porém perturbado pela circulação atmosférica
regional. A temperatura e a precipitação média anual são: 22,1oC e 1233mm,
respectivamente, com excedente hídrico anual de 147mm de dezembro a março e
deficiência hídrica anual de 17mm de junho a setembro, concentrando-se 73% das
precipitações nos meses de outubro a março.
Segundo Carvalho et al. (1997, 2005) remanescentes da vegetação
natural, floresta tropical subcaducifólia correlacionado com os regimes de
temperatura e umidade do solo, provavelmente indica regime de temperatura
isohipertérmico (temperatura média anual do solo, a 50cm de profundidade igual
ou superior a 22oC e com diferença entre a média de temperatura do solo no verão
e no inverno inferior a 5oC) e regime de umidade ústico (o solo fica mais de 90 dias
cumulativos, por ano, sem água disponível às plantas até 50cm de profundidade).
O relevo é ondulado com topografia pouco movimentada, apresentando declives
moderados, variáveis de 8 a 20%.
Foram utilizadas fotografias aéreas verticais pancromáticas, branco e
preto, provenientes da cobertura aerofotogramétrica do Projeto Obra 361 (R), Porto
Primavera, Taquaruçu efetuadas em 1978 pela Terrafoto/CESP na escala nominal
aproximada 1:20.000. O recobrimento entre as fotografias é de 60% na mesma
faixa de vôo e de 30% entre faixas adjacentes, o que permite a visão estereoscópica,
ou seja, a percepção da terceira dimensão.
Para a localização da bacia hidrográfica estudada foi utilizada a folha da
Carta do Brasil de Presidente Bernardes (SF-22-Y-B-II-2), proveniente de restituição
aerofotogramétrica na escala 1:50.000 com curvas de nível de 20 em 20 metros,
editadas em 1974, pelo IBGE.
Serviu de base para interpretações geomorfológicas o mapa
geomorfológico do Estado de São Paulo, na escala 1:500.000 (IPT, 1981 a), para
interpretações geológicas, o mapa geológico do Estado de São Paulo, na escala
1:500.000 (IPT, 1981 b) e, para verificação dos solos o mapa semidetalhado de solos
da Bacia do Rio Santo Anastácio (Carvalho et al. , 1997, 2005), na escala 1:50.000.
Para as observações estereoscópicas dos pares de fotografias aéreas
foi utilizado estereoscópio de espelhos Wild, modelo ST4. Os demais
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equipamentos utilizados para as diversas medições foram os seguintes: curvímetro
marca Derby (perímetro e comprimento de segmentos de rios), escala triangular
(distâncias) e planimetro Polar, marca OTT (áreas).
Utilizou-se malhas com tamanho de 2,0mm x 2,0mm, com uma área
suficiente para o cobrimento das figuras, ou seja, das bacias hidrográficas.
A seleção da área de estudo teve por base o mapa semidetalhado dos
solos da Bacia do Ribeirão Santo Anastácio (Carvalho et al., 1997,2005), sendo
escolhida uma área pertencente ao município de Presidente Bernardes.
As fotografias aéreas foram selecionadas em concordância com o mapa
semidetalhado dos solos, de modo a conter os ARGISSOLOS.
Em virtude de a fotografia aérea ser uma projeção cônica, para maior
confiabilidade de escala, utilizou-se o programa PHOTOFINISH para transformação
das representações contidas nas cartas na escala 1:50.000 para 1:20.000.
Dessa maneira a escala do mapa planialtimétrico (Carta do Brasil –
IBGE), ficou compatível com a escala da fotografia aérea permitindo complementar a
rede de drenagem e com segurança de escala uma vez que, o mapa planialtimétrico é
uma projeção ortogonal.
Na rede de drenagem foi delimitada, com o uso do estereoscópio, uma
bacia de 3a
ordem de ramificação, segundo o sistema de Horton (1945) modificado
por Strahler (1957), por ser eficiente no estudo de solos (França, 1968; Carvalho,
1977, 1981; Carvalho et al.,1990). Azevedo (1999); Silva (2001).
A bacia de 3ª
ordem de ramificação foi identificada e transferida
para a carta planialtimétrica com a escala transformada de 1:50. 000 para 1:20.
000, conforme o exposto no item anterior.
A análise convencional constou de a) composição da rede de
drenagem: número de segmentos de rios (N) em cada ordem de ramificação (w)
-Nw e o total da bacia -Nt; comprimento total de segmentos de rios Lw e o total da
bacia Lt; e comprimento médio de segmentos de rios -Lmw e o total da bacia -Lmt
(HORTON, 1945); b) parâmetros dimensionais: perímetro (P) e área (A) da bacia
hidrográfica.
A dimensão fractal foi determinada através do método SPA – BOX
(Spadotto & Seraphim, 1998) método este que fixa uma malha de tamanho conhecido
(2,0mm x 2,0mm) e sob a qual se coloca a figura (gráfico ou imagem) a ser
analisada. O SPA – BOX tem como base a fórmula de Spadotto para determinar a
dimensão fractal (D), que é D = log V2 / log Vb. No SPA – BOX é contado o número
de caixas no lado maior (I) vezes lado menor (i), sendo que (i x I) é igual a “M” ou
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massa aparente (M = i x I); V2 ou volume aparente é obtido contando-se as caixas
das bordas das figuras ou acompanhando-se as irregularidades de um gráfico, se for
o caso.
Aplicou-se a dimensão fractal para a bacia hidrográfica procurando-se
obter os elementos que melhor os define para possibilitar a comparação com os
parâmetros convencionais que definem a relação entre a infiltração e o deflúvio dos
solos.
A dimensão fractal foi obtida para o contorno das bacias, que representa o
perímetro, para a superfície circunscrita ao divisor d‟água, que representa a área, e
para a rede de drenagem, representando a composição (número e comprimento dos
segmentos dos rios).
A forma como foi disposta a malha e a contagem das caixas pode ser
verificada, como exemplo, através das figuras: 1, 2 e 3.
Figura 1 – Representação da bacia hidrográfica, com o recobrimento da malha
usada para a determinação da dimensão fractal.
Figura 2 – Representação do contorno da bacia hidrográfica (divisor d‟água) coberto
com a malha, para a determinação das dimensões fractais do perímetro e da área da
bacia.
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Figura 3 – Representação da rede de drenagem coberta com a malha, para a
determinação da dimensão fractal da composição da rede de drenagem.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análise Convencional
Os resultados da composição da rede de drenagem, perímetro e área da
bacia hidrográfica, localizada em clima do tipo Aw, contendo ARGISSOLOS
VERMELHOS Eutróficos abrúpticos A moderado textura arenosa/média fase floresta
tropical subcaducifólia relevo ondulado, que têm regime de temperatura
isohipertérmico e regime de umidade ústico e estão sob cobertura vegetal de
gramíneas, são apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 - Parâmetros convencionais da composição da rede de drenagem: número
(Nw) comprimento total (Lw) e comprimento médio (Lmw) de segmentos de rios;
perímetro (P) e área (A) da bacia hidrográfica estudada.
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Figura 3 – Representação da rede de drenagem coberta com a malha, para a
determinação da dimensão fractal da composição da rede de drenagem.
Análise Fractal
O termo fractal designa objetos e estruturas complexas que apresentam
detalhes, ramificações, poros ou rugosidades e, cuja Dimensão Fractal é a mesma
em diferentes escalas.
A maior parte dos fenômenos naturais apresenta comportamento não
linear, capaz de gerar padrões bastante complexos para serem adequadamente
descritos pela geometria Euclidiana que se baseia em objetos regulares, e
diferenciáveis, sendo que os conjuntos na geometria Euclidiana são descritos por
equações algébricas. Uma alternativa que minimiza as limitações presentes na
descrição clássica dos fenômenos irregulares da natureza é a geometria fractal que é
descrita por algoritmos recursivos.
Alguns autores verificaram que as bacias hidrográficas apresentam
dimensão fractal característica, pois esta depende das condições ambientais do
sistema hidrográfico.
O indicador do comportamento fractal das bacias hidrográficas verificados
por Mandelbrot (1977) foi a dependência do comprimento do rio principal com a
área da bacia.
A dimensão fractal (D) pode apresentar, ao contrário da dimensão
Euclidiana (d), valores fracionários que dependem do sistema: 0<D<1, para uma
curva; 1<D<2, para superfície e 2<D<3, para um sólido. Esse valor é uma medida de
proporção do espaço realmente ocupado por uma estrutura desordenada.
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Os resultados da Dimensão Fractal (D) da Composição da Rede de
Drenagem, Perímetro e Área, com onze repetições, para a bacia hidrográfica
considerada, representativa do Argissolo é mostrada na Tabela 2.
Tabela 2 – Dimensão fractal da composição da rede de drenagem, perímetro e área
da bacia hidrográfica estudada.
Os valores da Tabela 2 foram obtidos pelo método SPA - BOX, os quais
permitiram a determinação das dimensões fractais, utilizando-se as malhas
recomendadas (2,0mm x 2,0mm), as quais foram superpostas à bacia, Figura 1,
sendo que a contagem das caixas, para a determinação da Dimensão Fractal (D) da
Composição da Rede de Drenagem foi sobre a rede de drenagem, Figura 3, e para
a determinação da Dimensão fractal do Perímetro e da área a contagem das caixas
foi feita no contorno do divisor d‟águas das bacias, Figura 2.
CONCLUSÕES
A composição da rede de drenagem da bacia hidrográfica,
caracteriza-se por apresentar na primeira, segunda e terceira ordem de ramificação
os seguintes valores de número, comprimento total e comprimento médio de
segmentos de rios: 12 – 3,76km e – 0,3133 km; 3 – 1,8km e – 0,6km; 1 – 0,6km e –
0,6km, respectivamente.; e 6,36 km de perímetro e 2,48 km2
de área.
Com esses valores e as condições ambientais que lhe são inerentes,
a bacia hidrográfica é uma estrutura com Dimensão fractal (D) da Composição da
Rede de Drenagem, 1,4038; do Perímetro, 1,2816 e da Área, 1,9052.
Estes valores obtidos, se comparados com os de outras bacias de
mesma ordem de ramificação e com idênticas condições ambientais, após tratamento
estatístico, se mostram mais precisos para caracterizar a bacia e a rede de
drenagem em relação aos parâmetros convencionais.
Acredita-se que a aplicação da análise fractal em Bacias hidrográficas
venha contribuir para novas pesquisas na área ambiental.
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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CIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE NO NOVO MILÊNIO: UM ENSAIO SOBRE
ASPECTOS COMPLEXOS E TRANSDISCIPLINARES
Ivan Amaral Guerrini Laboratório de Caos, Fractais e Complexidade Departamento de Física e Biofísica - IB
UNESP, Botucatu – SP
“A inteligência compartimentada, mecânica e reducionista, destrói o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os problemas e unidimensionaliza o multidimensional. É uma inteligência míope, daltônica e zarolha que acaba freqüentemente por tornar-se cega, destruindo as possibilidades de compreensão e de reflexão na vida e de uma visão a longo prazo. É, cada vez mais, inconsciente e irresponsável.” (Edgar Morin).
Há certo consenso hoje de que desde o início da Era Cristã, muitas das
relações entre Ciência e Religião foram nocivas para a evolução do ser humano, o
que, num outro ângulo de visão, talvez tenha sido importante e até necessário para
essa caminhada. Um dos pontos marcantes dessa relação que traz grandes
conseqüências para os nossos dias, refere-se ao posicionamento de Renèe Descartes
no século XVII. Seu modelo de universo mecânico e fragmentado funcionando como
um grande relógio veio acalmar a disputa entre religiosos e cientistas na época. Ao
separar os temas relacionados à matéria, à mente e a Deus, Descartes estava
afirmando que o universo era regido por leis matemáticas bem definidas que
precisavam ser descobertas, separando o que dizia respeito à ciência, ao homem e a
Deus. Esse Deus deveria estar num outro campo de ação, inacessível à ciência, já
que havia criado o universo e havia empreendido uma viagem para longe, só devendo
voltar no fim dos tempos para o juízo final. Esse foi o modelo instituído e muito bem
aceito com pequenas variações introduzidas por diferentes grupos. Assim, as leis do
universo e da matéria nele contida se constituíam num campo específico de estudo,
sendo ordenadas e perfeitas como o seu criador, o que instigava os cientistas a
descobri-las, fato esse que acabou acalmando cientistas e religiosos.
Esse modelo de Descartes foi ótimo para o grande desenvolvimento
científico e tecnológico que sobreveio à sociedade nos tempos que se seguiram.
Juntamente com as leis de Bacon, Copérnico, Galileu, Newton, Kepler e outros, as
idéias de Descartes prevaleceram nos séculos XVII, XVIII, XIX e em boa parte do
século XX. Ficaram conhecidas como o “reducionismo” de Descartes, já que ele havia
proposto a fragmentação ao se dividir o todo em partes, reduzindo-o às suas funções
particulares para depois entender o funcionamento do todo juntando essas partes.
Nesse sentido, diz-se também que seus adeptos usavam e usam o caminho do
cartesianismo. Essa linha de pensamento e atuação trazia como hipótese que os
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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sistemas naturais deveriam ser simples, ordenados e que seus movimentos futuros
seriam totalmente previsíveis através das suas equações de estado. Os matemáticos,
aproveitando todo o arcabouço epistemológico que sustentava o reducionismo,
introduziram também a necessidade dos sistemas naturais serem, sempre que
possível, lineares e causais, ou seja, de causa e efeito lineares e bem definidos, uma
vez que somente dessa forma as equações que modelavam os sistemas naturais
poderiam apresentar soluções satisfatórias e as previsões poderiam ser feitas. Tudo
isso fez do universo um sistema determinístico a ser cada vez mais descoberto, a
ponto de Laplace no século XIX afirmar que tudo na natureza já estaria pré-
determinado, bastando que se estudasse o sistema uma só vez para compreendê-lo
totalmente para trás e para frente no tempo. Como conseqüência, Laplace, inquirido,
ousou dizer que não mais precisava da hipótese de Deus e foi assim que a ciência
adentrou o século XX, quando as idéias evolucionistas de Darwin enfatizavam que o
modelo criacionista do cristianismo estava ruindo. Portanto, para os evolucionistas
radicais, um Deus pertencente ao modelo separatista e fixo, exclusivo de Descartes,
estaria morrendo ou, pelo menos, não sendo mais necessário. Havia sido dada a
largada para o grande debate entre criacionistas e evolucionistas, mas ainda
permanecia muito evidente a distinção dos caminhos trilhados pela Religião e pela
Ciência.
Um estudo mais abrangente e profundo da história da Ciência mostra, ao
mesmo tempo, que o advento da Ciência Clássica ou Moderna, tendo Newton e
Descartes como seus arautos, acabou por afastar Filosofia e Ciência, ou ao menos,
descartar posições filosóficas que não fossem as hegemônicas. A verdadeira Física,
por exemplo, antes conhecida como Filosofia Natural, originária do grego Physis, se
sentiu expurgada da redoma clássica da chamada modernidade científica. Perdeu-se
o sentido da Physis como um estudo da natureza em sua essência, voltando-o a uma
definição muito reduzida que dizia respeito ao conhecimento de fórmulas matemáticas
e cálculos apenas, o que em grande parte é responsável pelo desprezo recebido de
alunos nos mais variados graus de escolaridade, já que o verdadeiro encanto pela
natureza estava na ignorância da Physis. Dessa forma, o modelo científico que chegou
até a segunda metade do século XX e que gera a dual e confusa crença cientificista
vigente, a conhecida por escola determinística dual que é uma mistura do criacionismo
dominical com o evolucionismo acadêmico, não deu e não dá maior atenção para
alguns filósofos menos convencionais, menos citados, por serem inquiridores do
modelo mecanicista. Spinoza e Bergson, por exemplo, bases de apoio dos laureados
com o Nobel, Albert Einstein e Ilya Prigogine, respectivamente, não estão entre os
utilizados como modelos de pensamento e de universo para a grande maioria dos
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cientistas clássicos que atuam hoje no meio acadêmico. Suas bases filosóficas e
epistemológicas não condizem com o modelo clássico, antes o questionam (Prigogine,
1996). O modelo predominante utiliza ainda Descartes e Newton em suas posições
mais conhecidas, deixando de lado, o que é por muitos ignorado, algumas de suas
inquietações metafísicas, místicas e menos ortodoxas. Outros pensadores e cientistas
que apresentaram posições diferentes dos clássicos já mencionados vieram bem
antes de Spinoza e Bergson. Foi o caso de Blaise Pascal, um conterrâneo de Renèe
Descartes, que viveu na França também no século XVII. Ao contrário de Descartes
que se fixava em seu “Discurso do Método” para explicar toda a natureza pela razão,
Pascal defendia que para se conhecer a verdade, eram necessários razão e coração.
Chegou a dizer que a visão unidirecional de Descartes sobre a soberania da razão era
míope, ainda que apoiada num “bom senso”, este definido para Pascal como “uma
bússola irrisória para quem aborda as maravilhas do infinito”. O ponto sutil que talvez
tenha feito muita diferença na vida de Pascal, funcionando como um verdadeiro Efeito
Borboleta, é que ele havia passado por um grave acidente no final de sua vida, o que
mudou sua maneira de ver o universo. Grande estudioso desses dois cientistas
franceses, Michel Serres afirmou: “comparado a Pascal, Descartes não passa de um
romancista” (LEBRUN, 1983). No entanto, a grande maioria dos modelos científicos
que prevaleceram oficialmente foram os estruturados por Descartes, os quais, sem
dúvida, impulsionaram a ciência e a tecnologia, enquanto que Pascal, a menos da
linguagem computacional que leva seu nome, ficou quase esquecido. Com o advento
da Teoria do Caos e da Ciência da Complexidade nas últimas décadas do século XX,
contudo, Pascal começou a ser relembrado pelas suas divergências com Descartes e
seus posicionamentos lhe valeram o título de precursor da Ciência da Complexidade
no século XVII (MORIN e LE MOIGNE, 2004).
É fácil reconhecer que com o apoio de toda a ciência oficial, a escola
determinística dual se fortaleceu muito, trazendo consequências marcantes que
perduram até o presente momento. Foi essa mesma escola determinística que marcou
as posições de Albert Einstein, não obstante suas ideias revolucionárias sobre seu
Deus cósmico e aquelas apresentadas na sua Teoria da Relatividade. Apesar do
“escândalo” trazido pelos conceitos relativos de tempo, massa e comprimento, ainda
não compreendidos pela grande maioria da humanidade, mesmo na comunidade
científica, essa teoria traz em seu bojo a certeza de uma natureza determinística,
cartesiana, sem margem para incertezas e probabilidades. Tanto assim que Einstein
não aceitava o Princípio da Incerteza de Heisenberg e muito menos os
emaranhamentos quânticos e colapsos de função de onda, alguns dos princípios
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inquietantes que a Física Quântica começou a evidenciar na década de 1930,
afirmando: “Não acredito em um Deus que jogue dados com a natureza”.
Cabe questionar, então: como estava a ligação entre Ciência e Religião no
início do século XX? E de uma forma mais ampla: como estava a ligação entre Ciência
e Espiritualidade nessa época? Os cientistas clássicos que defendiam a existência de
Deus ainda o faziam na crença de um Deus longínquo, distante, não mais atuante nas
leis da natureza e, portanto, não atuante diretamente no ser humano, idéia original de
Descartes. Einstein sofreu essa influência ao desenvolver suas idéias sobre uma
religião cósmica e uma de suas mais famosas frases foi: “A Religião sem a Ciência é
cega e a Ciência sem a Religião é manca”. Em certo aspecto, Einstein concordava
com Pascal, mas para ele as leis imutáveis da natureza permaneciam inatingíveis e as
certezas científicas nessas leis muito bem definidas eram provas cabais da criação de
um Deus que privilegiava a ordem e a determinação, expurgando tanto quanto
possível o acaso, o que o aproximava muito nesses aspectos de Descartes, Newton e
da Ciência clássica. Para Einstein, restavam as variáveis ocultas a serem descobertas.
De fato, para a Ciência Clássica, qualquer sinal de irregularidade ou imprevisibilidade
foi e ainda é devido a uma falta de conhecimento no assunto, uma ignorância
passageira. Foi a visão desse mundo clássico, cheio de certezas e de divisões muito
claras, que forçavam ao já mencionado posicionamento dual do ser humano que se
tornou comum até os dias de hoje em termos de Ciência e Religião: louva-se a Deus
aos domingos e à Ciência nos demais dias da semana. As ideias de Descartes sobre a
separação entre Deus, mente e matéria que foram tão importantes para o século XVII,
com o passar do tempo foram se ampliando na linha científica clássica,
paradoxalmente auxiliada pela Teoria da Evolução, levando a uma postura de extrema
independência e até mesmo prepotência em relação à Religião, a ponto de muitos
cientistas prescindirem totalmente da idéia de Deus no século XIX e em boa parte do
XX, tornando o cartesianismo quase que exclusivamente materialista e, assim,
afastando-o das idéias originais do próprio Descartes. Como para os cientistas
conservadores Religião e Espiritualidade sempre foram aproximadamente a mesma
coisa, a mesma separação ocorria entre Ciência e Espiritualidade.
Assim, durante o desenrolar do século XX, Ciência e Religião foram
assumindo perante a sociedade, posições radicais, e a separação entre elas ficou
cada vez mais clara: crentes ferrenhos de um lado e cientistas materialistas do outro,
enquanto os cientistas crentes faziam o jogo hipócrita, muitas vezes conveniente, da
dualidade. Adeptos da espiritualidade, por sua vez, sentiram-se discriminados por
grupos extremistas dos dois lados. Cientificismo e criacionismo exacerbados no
decorrer desse século constituíram outra consequência desses extremismos. Na
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segunda metade do século XX, conceitos provenientes de crenças orientais, místicas
e a expansão do Espiritismo ajudaram em alguns casos a atenuar a discrepância entre
os caminhos assumidos entre Ciência e Religião, incorporando a idéia de uma
contínua evolução do ser humano ao cristianismo, o que trazia em si um bom paralelo
com a ciência evolucionista. Os radicais de cada grupo, entretanto, se fecharam ainda
mais a essa onda de espiritualidade.
Na década de 1960, porém, sob os olhares incrédulos dos cartesianos e
mecanicistas que já execravam as descobertas revolucionárias da Física Quântica, da
Psicanálise de Jung e da grande quebra de paradigmas proposta pelos movimentos
hippies (Ferguson, 1980), ocorreu o nascimento da Teoria do Caos, a qual veio trazer
para o mundo macroscópico as instabilidades e incertezas da Física Quântica, em
princípio aplicadas apenas ao mundo do muito pequeno (Gell-Man, 1994). Já no
cristianismo oficial, talvez para acompanhar os avanços do Espiritismo e de
incontestes manifestações espirituais corroboradas por filósofos e humanistas
espiritualistas como Rudolph Steiner, ocorria o nascimento da linha carismática
pentecostal em vários de seus segmentos, inclusive no catolicismo. Esses
acontecimentos na Ciência e na Religião oficiais, em princípio, apresentaram-se
desconectados, mesmo porque, de acordo com Descartes, eles não teriam nada em
comum. Entretanto, a Ordem Implícita de David Bohm, um físico quântico, o Ponto
Ômega de Teilhard Chardin, um teólogo, e a Ressonância Mórfica de Rupert
Sheldrake, um biólogo, conceitos, entre tantos outros, surgidos na segunda metade do
século XX, diziam que esses movimentos pareciam conspirar para a busca de uma
nova direção de evolução para o ser humano. A espiritualidade e o misticismo
pareciam estar de volta, mesmo sob o repúdio de setores tradicionais de igrejas e
universidades. Constatou-se, por exemplo, que nas últimas décadas, para surpresa de
muitos estudiosos, houve um aumento significativo na busca do sagrado, do místico e
do espiritual em toda a humanidade (Cavalcanti, 2000), incluindo aí cientistas,
religiosos, místicos e mesmo a população em geral. Veja-se, por exemplo, o enorme
sucesso do livro de Dan Brown, “O Código Da Vinci” (Brown, 2004), o qual tem
provocado inúmeras reações de menosprezo daqueles que, sem querer ao menos
investigar as possíveis veracidades do tema tratado, durante muito tempo fizeram
prevalecer a visão clássica do caminho único e certo. Sem entrar no mérito de ser
esse um livro somente de ficção, a estória de “O Código Da Vinci”, transformada em
filme, é, com certeza, um sinal claro da mudança de rota que ocorre em nossos
tempos em termos do relacionamento entre Ciência, Religião e Espiritualidade. Quem
tem medo desse livro é convidado a pensar onde estão ancoradas as suas crenças de
hoje, se no século XVII ou em nossa época (GUERRINI, 2006a). Essa relação nunca
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mais será a mesma doravante, ficando, queiram os religiosos clássicos ou não,
maculados a ética e os objetivos mais profundos das religiões institucionalizadas, algo
semelhante ao ocorrido com os partidos políticos no Brasil depois da avalanche de
denúncias em 2005, independentemente do partido político.
Nesta mesma época, as igrejas cristãs têm registrado, via de regra, perdas
no número de fiéis e, particularmente, a Igreja Católica no número de padres,
indicando que esta nova tendência se caracteriza muito mais por uma busca do
espiritual e muito menos do religioso doutrinário. Mesmo com muitos religiosos
querendo atribuir a essa onda crescente, a permissividade instituída no Concílio
Vaticano II nos idos de 1960, não se quer perceber que um dos pontos essenciais
nessa interpretação diz respeito ao vazio que o fiel encontra ao buscar o verdadeiro
sentido da vida, vazio esse que nem a Religião e nem a Ciência clássicas conseguem
mais preencher. Com efeito, aqueles cidadãos que sentiam necessidade do espiritual
e que não encontravam apoio de suas instituições de educação e pesquisa por um
lado e de suas igrejas de outro, fundaram ou se agregaram a grupos de estudo que
acabaram se enquadrando na categoria de grupos de auto-conhecimento e
sociedades secretas e esotéricas, os quais cresceram muito nos últimos anos. Assim,
as energias emanadas dos pêndulos, das pirâmides e dos cristais, assim como o
estudo da Astrologia, da Quiromancia, do Eneagrama, do Shamanismo, de vários
oráculos, da telepatia e de outros fenômenos psi e de diferentes rituais místicos, tendo
sido barrados durante séculos tanto de um lado como de outro, abriram espaço para
uma “terceira via”, considerada anátema pelos críticos conservadores de ambos os
lados (GUERRINI, 2004).
No entanto, mesmo com a obstinada oposição desses conservadores,
nada conseguiu deter o rápido desenvolvimento das aplicações da Teoria do Caos e
Complexidade, da Psicologia Transpessoal e da Física Quântica nesse período de
grandes transições da segunda metade do século passado e início do atual. Antes,
surgiram cientistas de renome que desafiaram a ortodoxia vigente com ligações
profundas entre os princípios da Ciência e os da Espiritualidade. Fora da linha da
Psicologia, um dos primeiros e mais conhecidos a realizar essa proeza foi o físico
Fritjof Capra ao fazer uma ponte entre as descobertas da Física Quântica e a
Espiritualidade Oriental em seu livro “O Tao da Física” (Capra, 2000), cuja visão foi
depois ampliada em “O Ponto de Mutação” (Capra, 2001) e, mais recentemente em “A
Teia da Vida” (Capra, 2001) e “Conexões Ocultas” (Capra, 2002). Surgiram,
simultaneamente, outros desbravadores cognominados pejorativamente de “gurus”
pelo cientificismo clássico, como David Bohm, Deepak Chopra, Amit Goswami, Danah
Zohar, Fred Allan Wolf, etc, todos físicos que ousaram aplicar Física Quântica na vida,
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nos relacionamentos e na saúde. Hoje, depois de muita insistência, não se
apresentam mais como desconhecidos, mas ainda são tidos como místicos e quase
sempre como não-científicos pela comunidade acadêmica ortodoxa, enquanto que
literalmente execrados pela hierarquia dominante do cristianismo arcaico. Outros
cientistas falam igualmente dessa nova maneira de se olhar para o universo nesta
virada de milênio, englobando áreas da ciência antes desconectadas pelo ponto de
vista cartesiano (BARROW, 1995; JOHNSON, 1995; CAVALCANTI, 2000 E 2004).
O momento atual permite, pois, algumas reflexões. Por mais ortodoxo e
cartesiano que se queira ser, não se pode negar o avanço de uma corrente cada vez
maior na direção de uma profunda interação entre a Ciência e a Espiritualidade neste
início de novo milênio, muito embora não se possa dizer o mesmo das religiões
institucionalizadas. O que transparece é que o desejo interior do “religare” nunca
esteve tão forte e tão visível na caminhada do ser humano, ainda que sem parâmetros
bem definidos, o que “per se” define uma característica ímpar do momento. Nunca a
liberdade e a responsabilidade do ser humano foram a ele devolvidos para se
constituírem caminhos próprios de cada um como nesta época, o que pode ser olhado
como um grande avanço evolutivo e, ao mesmo tempo, revolucionário (ZOHAR, 1990;
ARNTZ et al., 2005).
Como é, então, essa ligação que ocorre hoje? Tudo indica que é algo
novo, não tendo, verdadeiramente, precedente em toda a história do ser humano,
ainda que seja uma evolução dos modelos antigos. A espiritualidade não surge mais
como uma imposição para se alcançar um prêmio tendo à sua sombra o castigo
eterno, mas como, na linguagem da Teoria do Caos, uma propriedade emergente de
um sistema dinâmico complexo e adaptativo que é o ser humano em sua integridade
na busca de seu atrator através de uma complexidade crescente, algo a ser
comparado com o Ponto Ômega de Teilhard Chardin (Heller, 1995; Betto, 1997). Céu
e inferno passam a ser, nessa nova ótica, atratores dinâmicos do ser humano que
deliberadamente os escolhe (GUERRINI, 2006b). E como atratores dinâmicos,
nenhum deles é visto como definitivo, mas passivos de mudança através de novas
escolhas pela evolução que não cessa. O ponto final, que nunca é final na verdade, é
o Ponto Ômega de Chardin, o que faz a chegada ser a própria caminhada. A ligação
dessas idéias com a visão espiritualista é clara, muito embora não mais se definam
conceitos imutáveis, dogmas e caminhos únicos (GUERRINI, 2005).
Essa nova ligação entre Ciência e Espiritualidade neste início de milênio,
envolve razão e, principalmente, intuição, bem na linha de Pascal, evocando também
idéias já elaboradas por Heráclito e Platão na antiga Grécia. Tem raízes, sim, na
aurora do desenvolvimento científico da humanidade, quando se usavam oráculos de
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adivinhação para se conhecer a natureza e seu curso. Segundo Carl G. Jung, esses
oráculos muitas vezes trabalhavam com sistemas caóticos simples, onde o mago, o
feiticeiro ou o sensitivo usavam seus inconscientes conhecedores de todas as
informações tanto em tempos futuros como em tempos passados para descobrir os
padrões ali escondidos. Para o elaborador da Psicanálise, nada de sobrenatural, já
que esses fatos podiam ser explicados pelo contacto do inconsciente pessoal com o
coletivo. Pode-se perceber aqui que eles buscavam a ordem no caos, ou seja, o que
esses padrões escondidos na natureza (definidos como fractais) estariam revelando
sobre certa pessoa ou sobre certa situação. Segundo M. L. Von Franz, colaboradora
de Jung, ao padrão caótico ligado aos oráculos, estaria o verdadeiro começo da
ciência muitos séculos antes da era cristã. Lá, ao contrário da ciência clássica, o
acaso não era descartado e o instável e irracional eram valorizados na busca da
verdade. O evento único não repetível, onde não atua a Estatística Clássica, era,
muitas vezes, essencial nessa busca (VON FRANZ, 1995).
Entretanto, a oficial e formal ciência moderna desenvolvida estruturalmente
no século XVII veio não somente abolir essa maneira “primitiva” de se fazer ciência,
como também condenar à fogueira quem dela ainda ousasse fazer uso, com o
pretexto da blasfêmia contra o Deus criador que se mantinha distante, porém vingador
e punitivo, em que pesem as metáforas bíblicas como a do Filho Pródigo onde a
imagem de Deus Pai era radicalmente diferente. O grande desenvolvimento científico
e tecnológico que se seguiu à elaboração da Ciência Clássica deu um suporte mais
que necessário ao reducionismo e mecanicismo, permitindo uma grande segregação
de quem não seguisse as diretrizes da ciência do século XVII.
Somente agora, nas últimas décadas do século XX, é que por linhas não
esperadas e não-convencionais foram surgindo evidências da necessidade de um
retorno ao sagrado (Cavalcanti, 2000) no meio da comunidade científica, ainda que de
forma não totalmente oficial, já que menos reconhecida, e menos acadêmica. Nasceu
a abordagem científica transdisciplinar que engloba as dimensões artísticas, intuitivas
e até a religiosa e a espiritual na tentativa de compreender a natureza (Nicolescu,
1999), tendo ocorrido em setembro de 2005 o “II Congresso Mundial de
Transdisciplinaridade” em Vitória-ES, Brasil. Um bom modelo para o surgimento da
necessidade dessa abordagem transdisciplinar, quase que imperativa em nossos
tempos, pode ser fornecido pela analogia da “pilha de areia” no contexto da Teoria do
Caos: era a avalanche necessária! De fato, descobertas da Física Quântica, da Teoria
do Caos, Fractais e Complexidade e de vários efeitos paranormais dentro da
Psicologia vieram trazer um forte vínculo com os oráculos primitivos, intuições e
esforços de auto-conhecimento e, junto com eles, um grande desafio: ou se expurgam
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essas tentativas de se voltar ao natural, ao irregular, ao instável, ao incerto com uma
inquisição muito mais forte do que aquela promovida pela Igreja Católica na Idade
Média, ou se aceita o até então inaceitável, imponderável, não quantificavel, não
passível de prova científica clássica. O que se observa, na prática, é a “opção da
desconsideração” feita pela grande maioria dos cientistas oficiais: faz-se de conta que
as descobertas acima relatadas ocorridas no século XX simplesmente não
aconteceram ou, ao menos, não tem influência em suas áreas de atuação. Isso vale
tanto para os estranhos fenômenos da Física Quântica e das inquietantes descobertas
da Teoria do Caos, como para as fortes evidências da ligação da Ciência com a
Espiritualidade que têm sido divulgadas em todos os cantos. Acontece com a
Homeopatia, por exemplo, ainda considerada como ramo não científico da medicina, já
que não pode ser provada por métodos clássicos (GUERRINI, 2006c). Na verdade, a
Homeopatia precisa da hipótese do imaterial, ou seja, do espiritual para ser
compreendida, o que não é contemplada pelo mecanicismo clássico e acaba criando
uma grande celeuma em toda a população que a utiliza e a defende. Um dos pontos
principais é que, mesmo de forma inconsciente, os cientistas clássicos que se dizem
religiosos, acreditam num modelo de religião separatista, dual, fragmentada, separada
do quotidiano, própria de um Deus que está somente nos templos ou muito distante, o
que reflete claramente as idéias clássicas de Descartes plantadas no século XVII, e
que formam hoje um arquétipo coletivo dominante. Há de outro lado, mas seguindo o
mesmo arquétipo, os ateus e os agnósticos. Todos esses, crentes ou não crentes,
são, geralmente, incrédulos da nova ligação entre Ciência e Espiritualidade que se
construiu a partir do século XX, tentando ignorar que os avanços vieram em grande
parte da própria Ciência, primeiro com a Física Quântica e depois com a Teoria do
Caos e Complexidade. A maioria desses crentes, agnósticos e ateus prefere continuar
a seguir o chamado da Ciência Clássica, defendendo-se como podem através de um
corporativismo manco, como diria Einstein, na busca de índices de produtividade
baseados em trabalhos rigorosamente quantitativos e cartesianos.
O caminhar da humanidade neste momento histórico, no entanto, não mais
permite que esses ortodoxos sejam portadores da única voz a se fazer ouvir, ainda
que permaneçam como a maioria dominante nas academias e nos púlpitos. Há, hoje,
a possibilidade de escolha pela abordagem transdisciplinar, um caminho mais
abrangente que não exclui a visão clássica. A verdade é que não há como ficar inerte,
não influir ou não ser influenciado pelas mudanças de paradigmas que estão
ocorrendo nas últimas décadas da evolução humana. A própria Física Quântica mostra
o papel essencial do observador, sem o qual não existe o observado e a tremenda
influência daquele neste último. A Psicologia de Jung mostrou a mesma coisa de outro
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Volume I Número 1 2006
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ponto de vista. Fingir, portanto, que a Física Quântica não descobriu o que descobriu,
é promover uma ciência de faz-de-conta, o que, infelizmente ocorre com a maioria dos
cientistas reducionistas que se aproveitam do sistema vigente para criar uma zona de
conforto muito próxima ao equilíbrio. É como se num sistema de “n” janelas
disponíveis para se olhar o universo, haja uma teimosia de se afirmar que só se pode
olhar por uma delas, aquela que o padrão arquetípico dos cartesianos diz que é
segura. Além disso, esqueceu-se da proposta de Henri Poincaré no século XIX de que
a ciência deveria procurar a verdade a qualquer custo e que os extremos devem ser
evitados (POINCARÉ, 1998).
O que se vê, então, no ensino oferecido oficialmente nas universidades
neste início de terceiro milênio? Como conciliar as descobertas “estranhas” da Física
Quântica e da Teoria do Caos, Fractais, Complexidade, Psicologia com as áreas de
atuação de cada um e a busca individual da Espiritualidade? Qual a ligação entre
essas descobertas e a antiga maneira de se fazer ciência com oráculos e
adivinhações? Como essas “ridículas e primitivas” ferramentas e a grande
consideração dos antigos pelo acaso e pelos eventos únicos podem estar tão
intimamente ligados ao conceito definido como Efeito Borboleta na Teoria do Caos
(GLEICK, 1990)? E quanto aos conhecimentos considerados esotéricos, intuitivos e
espirituais, mas que inúmeras vezes funcionam, o que se fazer com eles dentro de
uma ciência menos ortodoxa (VON FRANZ, 1995)?
Na busca dessas respostas, este ensaio tem a intenção de, tão somente,
propor alguns questionamentos que, se bem trabalhados, poderão levar a respostas
importantes no plano individual e, quem sabe também, ao nível de uma comunidade
de destino como eram definidos os antigos grupos que tinham objetivos
verdadeiramente em comum.
A maneira como se vê hoje a ligação entre Ciência e Espiritualidade está
ligada à maneira como se aceita ou não a nova face da Ciência construída no século
XX. Se cada linha é separada da outra precisando de métodos próprios de análise e
não comportando uma transdisciplinaridade e, por conseguinte, não aceitando a
“metadisciplina”, o enfoque ainda é o clássico, o cartesiano do século XVII. Se, por
outro lado, se leva em conta os avanços do século XX, novas definições se fazem
necessárias com aberturas para o enfoque sistêmico e transdisciplinar, não
simplesmente à justaposição de disciplinas. Nessa ótica não há mais uma janela única
para se olhar o universo. Um parâmetro indicativo interessante é o modelo de átomo
que temos em mente. Uma oscilação entre o modelo clássico e didático de Bohr e o
estranho modelo quântico probabilístico de imenso vazio significativo e de
interconexão definido pelo observador, indica onde estão os nossos padrões. Se no
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41
século XVII ou nas recentes descobertas, e, por consequência, em qual tipo de
modelos de Ciência, Religião e Espiritualidade estamos inseridos.
REFERÊNCIAS
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42
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CONCEITOS FRACTAIS NA MELHORIA DA SOCIEDADE
Nelson Real Júnior
Unesp
INTRODUÇÃO
A Ciência do Caos e dos Fractais tem sido empregada em muitas áreas
teóricas e práticas e, recentemente, muitos trabalhos exploratórios têm sido publicados
ligando-a à área social. Esta existência social dos fractais parece ganhar corpo, visto
que se atribui ser a natureza uma criação fractal, portanto, cabendo ao ser humano
seguir ou não este exemplo natural em suas obras. Objetivou-se fornecer elementos
de análise para incluir na escala social os conceitos de caos e fractais, para a melhoria
da sociedade.
METODOLOGIA
Este trabalho procurou elaborar conceitos sociais a partir de características
fractais como por exemplo, a dimensão fractal, no sentido de se estabelecer
horizontes para a sociedade em geral. Para tanto, tomou-se como base os conceitos
estabelecidos por Mandelbrot (1982) e Spadotto & Guerrini (1996), que definem uma
estrutura fractal como a relação do todo com a parte ou a relação da matriz fractal com
a unidade fractal. Deste modo, procurou-se transferir para a sociedade as formas
visuais ou conceituais definidas com fractais, simulando-se as alterações sociais por
ocorrências semelhantes nas formas fractais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta análise mostrou que a sociedade pode ser vista como um fractal, o
qual se constitui no atrator de um sistema dinâmico. Esse atrator (fractal) reflete o
comportamento de suas partes individuais, as quais, em média, têm comportamentos
semelhantes. Dessa forma, o conjunto todo ou matriz fractal que representa a
sociedade é formado por unidades fractais, ou seja, indivíduos ou pequenos grupos
dessa sociedade. Uma sociedade com boas ou más qualidades apenas reflete o
caráter de suas células menores, podendo entrar em colapso caso significativas
perturbações sejam introduzidas, as quais podem ser geradas por pequenas
diferenças iniciais que acabariam produzindo grandes diferenças no final e que não
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são assimiladas pelo sistema. Para se mudar uma sociedade, torna-se necessário
mudar suas unidades, ou seja, seus indivíduos e seus pequenos grupos.
BIBLIOGRAFIA
BETITO, Robert; ALMEIDA, Tabajara L. de. Qualidade de vida, consciência e utopias: a dependência do „eu‟ do „nós‟. RIFURG, 2001. Disponível em: <http://www.repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/5863/EQC008.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 dez. 2005. BRETAS, Maria BA. Elementos metodológicos para a abordagem das interações telemáticas. FAUSTO NETO, A. et al.(Org.). Interação e sentidos no ciberespaço e na sociedade. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 29-48, 2001.
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ESTÉTICA, ESTILO E DIREITO
Tailisse Mara Munhoz Massad
Faculdade Marechal Rondon
RESUMO
O presente texto tem como objetivo principal demonstrar a função prática do conceito
de estética, bem como aplicar o conhecimento sobre a estética de produto em
Marketing e Propaganda para a produção de textos jurídico-científicos. O instrumental
metodológico se refere à função Comunicacional Pragmática que o texto jurídico
exerce sobre o leitor par alcançar o objetivo do pesquisador que é o de ensinar o leitor.
Palavras-chave: estética, estilo e pesquisa jurídica.
ABSTRACT
This issue has, as a main objective, to discuss a pragmatic concept of Esthetics, as
well as show how the knowledge about product esthetics in Marketing and
Advertisement Theory can be also usefull to create a issue on Jurisprudence. The
method refers to a Pragmatic Communicative function of Jurisprudence issues and
how this function is able to help writers to reach the goal of teaching readers.
Keywords: esthetics, style and Jurisprudence research.
INTRODUÇÃO
A palavra estética vem do grego “aisthesis” que significa percepção
sensorial resultante do processo visual e de conscientização (Santos, 1998), ou seja, a
visualização de um texto desperta sensações e sentimentos resultantes do
processamento de informações, tendo como referência as experiências anteriores do
observador. Segundo Löbach (1981), estética é a ciência das aparências perceptíveis
pelos sentidos de percepção humana considerando sua importância como parte de um
sistema sócio-cultural. Esta definição está associada à percepção estética, que é um
processo subjetivo influenciado pela percepção atual do objeto, pelas experiências
passadas, pelos conceitos de valor e normas sócio-culturais.
Quando produzimos um texto científico para o Direito, necessário é
considerar-se a percepção estética do leitor, mas não como um sentimento ou
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avaliação do belo de forma subjetiva e pessoal. É necessário que se utilize, ao
produzir o texto científico de forma estética, todo um sistema sócio-cultural, ou seja, o
texto exige um contexto.
O contexto revela uma situação onde algo se insere ou ocorre. Contextualizar significa
observar não somente o objeto do qual falamos, mas olhar atentamente a situação na
qual o objeto se encontra.
Tércio Sampaio Ferraz Junior, em sua Teoria Comunicacional Pragmática
nos ensina que todo discurso jurídico, inclusive o discurso que se aplica à Ciência ou
Dogmática do Direito, possui um contexto ou, como ele mesmo denomina “mundo
circundante”. Portanto, não é somente do ponto de vista estético, mas do ponto de
vista da AD (Análise do Discurso) que se exige o contexto ou mundo circundante de
Tércio.
Expliquemos, pois, o ponto de vista da AD. Para a visão do Direito sob
este aspecto, tomamos como premissa que todo o Direito pode ser compreendido
como discurso (troca de mensagens) onde se encontram, pelos menos, dois atores
principais: o emissor da mensagem normativa e o receptor da mensagem normativa.
A troca de mensagens entre emissor e receptor terá sucesso, isto é, o receptor poderá
aprender (ou compreender) a mensagem emitida somente em relação a um contexto.
Por exemplo, se é um gari que dá a ordem ao motorista para não estacionar ali, o
motorista não irá cumprir ou compreender a ordem, porque, dentro do contexto em
que ele vive, o gari não é uma autoridade competente para emanar esta ordem. Mas
se, ao contrário, é o policial, devidamente fardado, que dá a mesma ordem, o
motorista acata e compreende prontamente, pois em seu mundo circundante o policial
é autoridade competente para dar esta ordem.
Daí a importância do contexto ou mundo circundante para a compreensão
do texto: na verdade, parece-nos que o contexto traça os parâmetros ou limites, bem
como dá a direção das interpretações possíveis ao texto, assim como demos o
exemplo da mensagem normativa “não estacione ali”.
Não há grandes diferenças entre o discurso jurídico normativo e o discurso da Ciência
do Direito. Na verdade ambos se entrelaçam, pois a Ciência do Direito ou Dogmática
Jurídica discute o discurso jurídico normativo, analisando suas possibilidades e
finalidades. Portanto, no mundo circundante do discurso da ciência do direito
encontraríamos, no exemplo dado, uma descrição dos elementos sócio-culturais que
levaram o motorista a não aceitar a ordem do gari e a acatar a ordem do policial, mas
essencialmente, reconhece-se, em ambos os casos, quem é e quem não é a
autoridade competente que emana a mensagem normativa; o que muda é a narração
(de 1ª para 3ª pessoa).
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1. Estética, contexto e valor
Em termos de produção de texto científico para o Direito, equivale a dizer
que contextualizar significa analisar a situação sócio-cultural na qual o objeto da
pesquisa se insere.
Em simples palavras, podemos dizer que o contexto prepara o leitor para
compreender e aprender o texto. Sem ele o texto fica desconexo e incompreensível e,
como tudo aquilo que não compreendemos nos causa medo ou distanciamento, o
texto sem contexto não é um texto estético.
Ainda falando sobre o contexto, podemos dizer que a sua função, quer sob o ponto de
vista da AD, quer sob o ponto de vista estético, é pedagógica, ou seja, o contexto está
no texto para ensinar o leitor. Ensinar não é a mesma coisa que apreender. Quem
apreende “decora” o conteúdo do texto, quem aprende (isto é, foi ensinado) internaliza
o conteúdo do texto e o recria segundo seus próprios mecanismos de aprendizagem e
vocabulário.
Cumpre ressaltar aqui que a função do texto é sempre a de cativar o leitor,
não importa qual seu conteúdo, se esteticamente apresentado, se ampliam as
possibilidades de que o leitor se sinta bem ao aprender o texto, considerando-o um
modelo de belo. E a arte de ensinar está justamente em criar o prazer da leitura no
texto e não em tornar a experiência de aprendizagem dolorida e fatigante, dando ao
leitor a impressão de que ele jamais conseguirá compreender aquilo que está lendo.
Neste sentido, podemos ressaltar três movimentos de aprendizagem: a Intervenção, o
Encaminhamento e a Devolução (IED).
No texto, a Intervenção aparece logo na Introdução, que, como veremos,
faz uma espécie de “chamada” para que o leitor localize a sua necessidade ou
falta daquele conhecimento. O Encaminhamento ocorre durante o desenvolvimento
do texto, tanto através do contexto, que dá a direção possível da interpretação
do conteúdo, como através de exemplos, citações jurisprudenciais, estudos de
casos, que levam o leitor a pensar os parâmetros de aplicação do conteúdo; a
Devolução dá-se no momento da conclusão do texto, onde se sintetiza tudo o que foi
discutido, bem como se revela a finalidade do trabalho escrito.
Outro sentimento relativo à estética é o valor, caracterizado pelo valor
estético e simbólico. O valor estético é caracterizado pela importância dada pelo leitor
aos atributos estéticos do texto, como forma, estilo de escrita, utilização de termos
objetivos e compreensíveis, parágrafos curtos organizados, fluidez do pensamento,
correção ortográfica, pontuação, entre outros atributos percebidos pelos sentidos.
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Assim, o valor estético, isto é, o que é considerado visualmente belo para o leitor, tem
a ver com a condição de não-sofrimento durante a aprendizagem.
O valor simbólico é caracterizado pela identificação do texto com o
contexto e atributos sociais, religiosos, econômicos, associados à classe social,
econômica e religiosa ao qual o leitor pertence. Em outras palavras, é preciso
“conviver com o leitor” durante o texto, pois somente através da imbricação é que ele
terá condições de realmente aprender o texto, ou seja, de internaliza-lo na fase de
encaminhamento.
Tanto os valores estéticos quanto os valores simbólicos contribuem para a
pedagogia do texto.
Os valores estéticos e simbólicos são desempenhados pelas funções
estéticas e simbólicas que estão relacionadas à comunicação do texto. As funções
estéticas são determinadas pelos significados apresentados no texto, como sua forma,
organização, referência bibliográfica, que representam como o texto se desenvolveu
ou como está configurado.
As funções simbólicas estão associadas a relações sócio-culturais e são
compreendidas pelos leitores a partir dos contextos cultural, social, histórico,
tecnológico de um país ou região. Desta forma, quando falamos, por exemplo, das
cotas para negros e índios nas Universidades, é interessante abordarmos os prós e
contras da adoção desta medida, explicarmos o porquê do Governo editar tal lei
(reconhecimento de que o Brasil, durante séculos, excluiu os negros e índios e que
nada fez em relação ao preconceito racial até então, etc.), demonstrar que tanto a
adoção das cotas como a não adoção são dois caminhos possíveis e igualmente
fundamentados em valores éticos ou morais.
Em um texto jurídico científico as formas (capa, índice, apresentação, resumo,
introdução) têm a função de atrair o leitor e ao mesmo tempo proporcionam a
identificação com determinado grupo social ou a evocação do status de um jurista
famoso ou das obras de referência, tais como as obras de autores consagrados, de
fontes de pesquisa sérias, como sites de universidades ou faculdades (argumentum ab
auctoritate).
Isto porque o texto que tem por base um discurso jurídico é também um
discurso de autoridade na medida em que, muitas vezes, para explicar um contexto
acaba por recorrer aos topoi ou lugares comuns, isto é, utiliza, para explicar algo,
argumentos já preparados anteriormente e aceitos como verdades incontestáveis. A
argumentação jurídica tem como exemplos de argumentos de autoridade o argumento
ab auctoritate, que nada mais é do que, segundo Tércio, um argumento típico da
retórica e que se utiliza dos atos ou opiniões de uma pessoa ou de um grupo que a
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apóiam e funda-se, sobretudo no prestígio do emissor da mensagem, ou seja, da
pessoa ou grupo invocado no exemplo. Basta pensarmos no valor da tradição, no
papel dos jurisconsultos ou na força da jurisprudência para verificarmos o quanto se
utiliza esta espécie de argumento. Aliás, o fato de se acreditar na própria objetividade
da Ciência Jurídica, o que nos faz acreditar que um texto científico do Direito é capaz
de emanar a verdade absoluta de todos os fatos jurídicos já é um bom exemplo de um
argumento de autoridade.
Existe também a função global ou principal associada à funcionalidade ou
à capacidade do texto de corresponder a situações reais ou apresentar teorias que
possam ser aplicadas na prática jurídica, como é o caso da pesquisa jurisprudencial.
No caso das cotas das Universidades, a função global do texto apresentado será
demonstrada na ligação que existe entre a introdução e a conclusão do trabalho. Na
Introdução se apresenta o texto e se faz a “chamada” para o leitor, explicando quais as
questões abordadas e o que se deseja responder. Então, caso o escritor seja um
defensor das cotas, cabe a ele, após explicar as duas posições (a favor e contra),
concluir qual das duas é a mais justa, fundamentando sua decisão com argumentos de
outros juristas ou doutrinadores. Assim é que a função do texto se completa: as
proposições investigativas encontradas na introdução do trabalho são afinal acolhidas
ou rejeitadas na conclusão através de argumentos fundamentados em passagens
desenvolvidas durante o texto (desenvolvimento do texto e fase de encaminhamento
da aprendizagem).
2. Estética e estilo
Quando se fala em estilo, referimo-nos ao sentido visual que capta as
características do texto e à interpretação dada a estas características pelo cérebro.
Por isso, um texto considerado belo numa época pode ser considerado feio em outra,
pois depende da interpretação cerebral que está condicionada ao contexto social e
econômico, no qual o leitor vive. O estilo é a parte artística do projeto do texto, mas
não significa liberdade total de criação. Antes o estilo é condicionado pelas
oportunidades e restrições, dentro de aspectos contextuais.
O estilo do texto deve proporcionar atratividade, ou seja, o texto deve
chamar a atenção por ser agradável e desejável. Em geral, para se tornar atrativo, o
texto deve contemplar quatro condições: 1. o leitor se interessa pelo texto que parece
desempenhar bem a função para a qual foi escrito (objetividade), 2. que se identifica
com sua necessidade de conhecimento 3. que se identifica com seu conhecimento
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vulgar ou mera opinião e que 4. apresenta atração visual (incorpora aspectos da
elegância e beleza para percepção visual – formatação e organização).
A atratividade do estilo está ligada à função pedagógica do texto, pois o
leitor é provocado a ler o texto através de uma intervenção que, no caso, ocorre
através da percepção visual (a apresentação visual chama a atenção do leitor para a
necessidade de leitura), bem como através do desempenho da função (faz o leitor
crer que o texto irá suprir a sua necessidade de conhecimento) e da identidade com
seu conhecimento (ora, ninguém lê um texto em linguagem técnica que não pode
compreender ou em língua estrangeira que não conhece, pois não há como saber nem
mesmo se há necessidade do conhecimento)>
3. Diferenças entre estética e estilo
Há diferença entre estética e estilo. Estética é a percepção visual de um
texto, com seus elementos, considerando o processamento das informações que
atingem o cérebro. A estética está, então, na ordem lógica em que o texto se
desenvolve, na riqueza de argumentações e fundamentações, na correção do uso da
língua vernácula e na objetividade do texto.
O estilo é a combinação de elementos visuais, dentro de uma freqüência
de distribuição, que expressam características distinguíveis que denotam o escritor
ou pesquisador, a época, a cultura ou a localização em que aquele texto foi concebido
e produzido. Por exemplo, a maneira pela qual o escritor organiza o índice do trabalho,
a maneira de argumentar, utilização de termos técnicos ou expressões latinas, os
exemplos citados pelo autor e as referências bibliográficas que demonstram em qual
tipo de teoria o autor se baseou para escrever seu texto.
Então, a estética é a visualização e processamento da informação e o
estilo ocorre quando, visualizando um texto (observando a estética), consegue-se
identificar características que denotem sua origem.
Os vários estilos podem expressar diferentes mensagens ou gerar interpretações
diferentes sobre textos similares e que tratam do mesmo assunto. Sendo assim, o
escritor ou pesquisador pode separar o estilo do conteúdo do texto, principalmente
quando utilizar elementos estéticos que causem surpresa ou curiosidade ao leitor, tais
como títulos inusitados, títulos remissivos a perguntas ou mesmo ao apresentar
argumentos que se excluem mutuamente para, então, retomar seu pensamento a
partir de um deles.
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CONCLUSÃO
Muito embora a técnica argumentativa do texto esteja baseada em noções
de estética para produtos em Marketing e Propaganda, notamos a semelhança entre
produto e texto, pois, em comum, ambos possuem “clientes” a serem atendidos. É
importante para o estudo da Metodologia de Pesquisa que se tenha em mente, em
primeiro lugar, que ao escrevermos um texto jurídico, não o fazemos para nós
mesmos, mas para os outros, os leitores. É preciso cativar, ser claro e objetivo,
apresentar uma pesquisa séria e bem fundamentada, da mesma maneira que o
produto deve ser bem apresentado e bem fabricado para conquistar o consumidor.
Enquanto que para o Marketing o objetivo é conquistar o consumidor para a venda do
produto, no texto científico o objetivo é aprendizagem.
Escrever é ensinar e para ensinar são necessários três aspectos
fundamentais: a) intervenção, demonstrando para o leitor que ele tem necessidade de
conhecer o assunto (provocá-lo a ler o texto); b) encaminhamento, conduzindo o leitor
durante o texto através da contextualização do tema, da explicação fundamentada dos
institutos jurídicos abordados, exemplificações, jurisprudências, etc (compreensão do
texto); e c) devolução, que ocorre na conclusão do texto e que responde à pergunta
posta na introdução do texto ou pesquisa (valoração do texto como bom ou ruim pelo
leitor, avaliação estética).
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O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL E O DIREITO AUTORAL NA INTERNET
Thiago Henrique Fernandes, Fernanda C. Rays
Faculdade Marechal Rondon
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a humanidade tem se deparado com algo que tem
modificado seu cotidiano, através de grande quantidade de informação circulante.
Tanto individualmente como para as empresas, a Internet tem sido um grande fator de
transformação, colocando a humanidade na era virtual.
Por conta desse advento, novos conceitos estão sendo revistos, como por exemplo na
comercialização. A censura na Internet tem sido alvo de muitas discussões, por
exemplo, e ainda se têm dúvidas se ela está classificada como mídia impressa, como
jornais, ou não.
Entretanto, não se têm dúvidas quanto à eficiência da Internet como meio
de comunicação, que inclusive compete diretamente com a televisão. Um dos
prováveis motivos dessa vantagem que a Internet está levando com relação à
televisão é a possibilidade de escolha. Em contra partida, a televisão com
possibilidade de escolha, a “televisão paga”, está se posicionando no mercado como
um meio de escolha para o cidadão que não tem acesso a Internet. De qualquer
modo, para se ter o poder de escolha a opção tem sido pagar por ela.
Enquanto esse turbilhão de mudanças está acontecendo na sociedade, e
em particular com o advento da Internet, o Direito tem procurado se adequar à essas
transformações. Nesse particular, está ficando cada vez mais claro que uma forte
polarização está se formando. De um lado o empresário havido por ganhar e disposto
a cobrar, e do outro o cidadão com o seu direito à informação. De início parecem
contraditórios, pois são direitos constituídos, ou seja, amparados pela Lei, mas que se
não forem bem equilibrados pelos legisladores ou pelos operadores da Lei, muita
injustiça poderá gerar.
Nesse panorama, um dos pontos mais discutidos atualmente é o relativo
aos direitos autorais. Mais uma vez, como foi dito anteriormente, parece tratar-se de
uma questão de equilíbrio, ou como se poderia chamar de “equilíbrio legal”. Nessa
balança, se o direito autoral for muito amplo, muito exigente, o direito a informação
poderia ser prejudicado, ou seja, se muito poder for dado ao empresário o cidadão
poderia ser prejudicado.
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O objetivo deste trabalho foi o de relacionar resumidamente a Internet, como meio de
informação, e o direito autoral, no contexto do desenvolvimento do Brasil.
DESENVOLVIMENTO
O direito autoral já tem uma longa história, que vem desde a Roma Antiga
que atribuía ao autor honrarias, embora o direito a remuneração fosse atribuído ao
copista. No Renascimento os autores tinham que se contentar com os “méritos”
intelectuais, um reconhecimento por parte da comunidade. Durante a Revolução
Francesa o lado moral passou a incorporar o direito autoral, na verdade por causa de
uma maior valorização do indivíduo, isso tudo como resultado do droit dáuter. Já no
Brasil, desde a primeira Constituição da República (1891) o direito autoral possui
proteção constitucional.
Os instrumentos de proteção à propriedade intelectual e industrial vigentes
são recentes no Brasil. A Lei nº 9.279 de proteção à propriedade industrial data de
1996, e as Leis nº 9.609 de 1998, que trata da proteção de programas de computador,
além da Lei 9.610 também de 1998, que se refere a proteção dos direitos autorais.
Contudo, servindo-se das pressões do mercado, e em particular do mercado
internacional, foi colocada em prática a Lei nº 10.695 de 2003 que adequou o tipo
penal do artigo 184 no Código de Processo Penal. Com essa adequação, o que
mudou foi que as regras de apreensão das propriedades intelectuais obtidas
ilicitamente ficaram esclarecidas.
Contudo, ainda se encontra a polaridade anteriormente mencionada, ou
seja, de um lado o direito a informação e do outro o direito autoral. Assim, essa
polarização ainda está ocorrendo porque os diplomas citados não oferecem suficiente
clareza para a defesa da propriedade intelectual na Internet. Há que se considerar,
ainda, uma trimembração dessa discussão, ou seja, o direito a informação, o direito
autoral e o fator econômico. Se for repetido o que tem acontecido na História, este
último fator ditará as regras.
Do ponto de vista econômico, milhões de reais são perdidos, ou seja, não
contabilizados nos cofres das empresas e nem dos cofres públicos. Em 2004 um
Decreto Presidencial (5.244) criou o Conselho Nacional de Combate a Pirataria e
Direitos Autorais. Este conselho atuará de modo amplo, atentando aos delitos contra a
propriedade intelectual, e não especificamente com relação à Internet.
De fato, o ponto mais sensível parece ser o Direito Autoral na Internet.
Concebida inicialmente para finalidades militares, hoje a rede virtual é meio de
desenvolvimento para países e para a intelectualidade individual. É justamente essa
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finalidade recente e a sua importância que devem ser empecilhos aos juristas, ou seja,
quem iria contra o desenvolvimento do país? Já o artigo 5o da Constituição Federal de
1988, resguarda o direito do autor e, também, um conjunto de direitos individuais
dando motivo para muita discussão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordar a totalidade desse assunto não é possível senão para trabalhos
mais completos. Entretanto, foi possível contribuir para trabalhos futuros.
Os legisladores têm em mãos um importante momento para ajudar o Brasil a crescer,
quando se trata de Direito Autoral na Internet. Importante é salientar que as futuras leis
nessa área devam ser equilibradas, não se esquecendo que os países nos quais
circulam mais informações têm, a priori, mais chances de se desenvolvimento.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA FILHO, J. C. A. . Invasão de Privacidade na Internet. Revista da AJUFE, Porto Alegre, v. 73, p. 211-221, 2003. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 jan. 2005. CORRÊA, G. T. Aspectos Jurídicos da Internet. São Paulo : Saraiva S.A. Livreiros e Editores, 2000, v.1. p.156. CORRÊA, G. T., ROVER, A. J., ATHENIENSE, A., REINALDO FILHO, D., HOESCHL, H. C., KAMINSKI, O., PECK, P. Quem Responde Por Crimes na Internet? In: Internet Legal - O Direito na Tecnologia da Informação - Doutrina e Jurisprudência. 1 ed. Curitiba : Juruá Editora Ltda., 2003, v.1, p. 19-24. CUENCA, A. M. B. ; TANAKA, A. C. A. . Uso da internet por pesquisadores da área de saúde pública. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 5, p. 840-846, 2005. ROVER, A J. Apresentação do artigo Governo eletrônico: quando a tecnologia faz a diferença. Âmbito Jurídico 1, 2004, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: UFRG, 2004. p. 210-215. ROVER, A J.; MELO, M. A. Perspectivas do uso da Internet no Curso de Direito. Revista Seqüência., v. 30, p. 65-79, 1995. SAMPAIO, M. I. C.; GRANDI, M. E. G. ; NORONHA, D. ; CUENCA, A. M. B. ; CAMARGO, C. ; VILLELA, M. C. O. ; MORAES, C. ; BARSOTTI, R. . Uso da Internet em bibliotecas acadêmicas: uma proposta para estabelecimento de política - 1a. fase. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 11, p. 117-135, 2001.
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O PAPEL DO ADVOGADO NA AUDITORIA E POLÍTICA AMBIENTAL
Thiago H. Alves Teixeira, Mariana C M Forlin, Cristiane D. de Miranda, Ricardo A. Evangelista
Faculdade Marechal Rondon, Faculdade de Ciências Contábeis e Administrativas de Avaré;
INTRODUÇÃO
A auditoria ambiental tem se constituído em uma interessante área de
atuação do advogado no Brasil. Existem alguns motivos para que isso esteja
ocorrendo, como o grande potencial de exploração dos recursos naturais que o país
possui e o interesse econômico por parte de empresas estrangeiras. Entretanto, em
sabendo desse potencial para exploração dos recursos naturais, algumas empresas
nacionais têm entrado nessa área econômica, quer diretamente ou indiretamente.
Identifica-se como exploração direta de recursos naturais a própria extração (como a
exploração de medicamentos naturais das plantas) ou uso de potenciais físicos (como
no caso de usinas hidrelétricas); O uso indireto, por outro lado, consiste na
conservação desvinculada da natureza, ou seja, uma empresa desenvolve atividades
de conservação da natureza e em troca, indiretamente, pode auferir benefícios
econômicos ou como propaganda, modificando sua imagem junto ao consumidor.
Como pode ser observado na síntese supra elaborada, os valores econômicos
envolvidos nessa área empresarial podem chegar a valores muito representativos em
termos globais e locais, quando se pensa no Brasil. Entretanto, existe um fator
fundamental para que esse “mecanismo” empresarial (e até governamental) funcione,
e esse fator é a auditoria.
A auditoria ambiental é deveras complexa para ser executada por
advogados que não estejam realmente preparados para executar tão importante
tarefa. A par dessa complexidade técnica, e entenda-se aqui as leis e o meio
ambiente, a legislação brasileira e mundial, nessa área, estão se tornando cada vez
mais entrelaçadas, mais convergentes, onde somente os mais preparados conseguem
penetrar.
O objetivo deste trabalho foi o de apresentar alguns tópicos que possam
permitir uma melhor compreensão sobre a atuação do advogado na difícil tarefa de
auditoria ambiental, contextualizando com política ambiental.
DESENVOLVIMENTO
A política é apresentada como uma maneira organizada de tratar com
habilidade (ou ciência) questões relacionadas com a arte de governar. O fator meio
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ambiente, incluso na definição acima, acrescenta elementos contidos na natureza à
política, ou seja, moldando esta dentro de elementos físicos, químicos, biológicos,
sendo estes regentes daquilo que se entende por vida. Neste ponto, já se depreende
que toda a questão sobre auditoria e política ambiental está sustentada a Constituição
Brasileira de 1988, que garante o direito à vida: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade...” Conseqüentemente, como o conceito de vida envolve
outros aspectos da além da questão biológica, deve-se considerar os aspectos sociais,
culturais, econômicos, tipos por alguns pesquisadores como artificiais.
O ponto seguinte consiste em se considerar como o homem age sobre o
meio ambiente. O homem ao viver neste planeta interage automaticamente com as
coisas a sua volta e, segundo algumas pesquisas, invariavelmente poluindo. Assim, a
qualquer interferência antrópica no meio ambiente e que prejudique o que seria o
equilíbrio ecológico e considerado como poluição.
Cabe ao advogado auditor ambiental identificar esses pontos-chave onde
as atividades colidem com as leis, de modo claro, para chegar ao indivíduo (pessoa
física ou jurídica) poluidor. Falhas nessa parte inicial de uma auditoria pode desvirtuar
todo um trabalho. Assim o poluidor pode ser pessoa física ou jurídica, de direito
público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental;
Outra meta importante na auditoria ambiental e seu contexto político é a
questão do desenvolvimento. Se for olhado um pouco para trás, há alguns poucos
anos, é possível ver a figura do ambientalista como um agente proibidor, sem muita
preocupação com o desenvolvimento do país e do mundo. Hoje, entretanto, o
profissional que atua na área de auditoria ambiental ou em áreas afins, deve ter em
mente que um controle ambiental passa pela manutenção da vida e,
consequentemente, pelo desenvolvimento. Atualmente se fala em desenvolvimento
sustentável, entendendo-se como aquele que satisfaz as necessidades presentes,
sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias
necessidades.
O advogado auditor ambiental deverá, portanto, atuar em consonância
com o a política nacional e internacional, trabalhando sobre fatos relacionados ao
cumprimento de leis e regulamentos, indicando os pontos nos quais há riscos de
responsabilização, apresentar sugestões de ações corretivas. Sua linguagem deverá
ser clara e com embasamento técnico que vai além da linguagem jurídica, e seu
relatório final deverá desembocar em um Sistema de Gestão Ambiental.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando-se o objetivo como desenvolvimento, quer para empresas
públicas ou privadas, o papel do advogado que atua em auditoria ambiental deve estar
embasado em conhecimentos da área jurídica e ambiental. Paralelamente, sua ação
deve estar harmonizada com a política regional, nacional e internacional, e sempre
contribuindo com um sistema de gestão ambiental.
Outros trabalhos são necessários para uma melhor compreensão deste
assunto.
BIBLIOGRAFIA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA E NORMAS TÉCNICAS – ABNT. Norma brasileira ABNT NBR ISSO 14015: 2003. Gestão ambiental - Avaliação ambiental de locais e organizações (AALO). Rio de Janeiro, ABNT, 2003. BONELLI, R. & GONÇALVES, R. R. Ensaios sobre Política Econômica e Industrialização no Brasil. Rio de Janeiro: CNI / SENAI, 1998. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 jan. 2005. BRASIL. Agenda 21. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992. Rio de Janeiro. 3.ed. Brasília : Senado Federal, 2001. ANTUNES, P. B. Direito Ambiental. São Paulo: Lumen Juris, 1999. BRASIL. Resolução CONAMA no 001 de 23 de janeiro de 1986. Dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 de fevereiro de 1986. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=23>. Acesso em: 18 jun. 2005. GUERRA, I. F. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. São Paulo: Forense. 1999. DONAIRE, Denis. Gestão ambiental na empresa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. LA ROVERE. E. L. Manual de auditoria ambiental. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 2000. MOKHIBER, R. Crimes corporativos: o poder das grandes empresas e o abuso da confiança pública. São Paulo: Página Aberta, 1995, p.394. OLIVEIRA, J. Código Penal – Legislação Brasileira. São Paulo: Saraiva, 33 edição, 1995.
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SPADOTTO, A J; GUERRINI, I A; MENDOZA, E; PIMENTA, S. Caos, fractais e Natureza. Boletim de Agricultura Biodinâmica, n. 80, p. 4 - 5, 1998. SPADOTTO, A. J.; SAGLIETTI, J. R.; NASCIMENTO, T.; DUARTE, A. V. S., MÜLLER, J. A. The integration between the production of organic foods and the rural sustainable development. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ENVIRONMENTAL GEOTECHNOLOGY AND GLOBAL SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 5, 2000. Belo Horizonte, Brazil. UFMG, 2000. 1 CD-ROM.
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PLANO DIRETOR E OS PRINCÍPIOS DA POLÍTICA PÚBLICA
Davison Cardoso Pinheiro
Consultor Urbanista da Avaplan
Diante da determinação da Lei nº 10.257, de 10 de Julho de 2001 –
Estatuto da Cidade – que obriga as cidades com mais de vinte mil habitantes e as
situadas em áreas de especial interesse turístico a terem seus Planos Diretores até
Outubro de 2006, muitos municípios de pequeno e médio porte estão iniciando a
formação de suas políticas públicas. Para tanto, devemos trazer alguns conceitos
sobre o tema.
O atual formato “Plano Diretor” é fruto de ideologia que preconiza o
desenvolvimento econômico sem o esgotamento dos recursos naturais. A legislação
ambiental brasileira traz restrições de uso em Áreas de Preservação Permanente,
Reservas Legais e Unidades de Conservação. O Zoneamento do Plano Diretor ou em
lei complementar a este, juntamente com um Conselho de Meio Ambiente de caráter
deliberativo, pode permitir, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual
competente, que estas áreas restritas tenham obras, planos, atividades ou projetos de
utilidade pública e de interesse social. Esta condição possibilita o licenciamento e a
recolocação no mercado de inúmeras propriedades que se encontram inadequadas
com a legislação.
Juntamente com este principio – desenvolvimento sustentável – o Estatuto
da Cidade prevê a função social da propriedade. O parcelamento do solo, que é de
competência federal, define o loteamento e o condomínio como as únicas
possibilidades legítimas. A Lei nº 6.766 de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre
o parcelamento do solo urbano, indica que o loteamento deverá ter área destinada ao
sistema de circulação, à implantação de equipamento urbano e comunitário, bem
como espaços livres de uso público – áreas que desde a data de registro do
loteamento passam ao domínio do Município. Portanto o IPTU será cobrado sobre a
metragem dos lotes, cabendo à prefeitura os serviços de manutenção das vias
públicas e a coleta de lixo. Esta mesma lei define as dimensões mínimas dos lotes,
que poderão ser distintas no caso de Zonas de Especial Interesse Social, quando
indicadas pelo Plano Diretor e pelos órgãos públicos competentes.
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A Lei nº 4.591 de 16 de Dezembro de 1964 dispõe sobre o condomínio em
edificações. Nesta, há a fração ideal do terreno e a parte de uso comum. A edificação,
ou conjunto de edificações são figuras necessárias. A totalidade da área comum é de
propriedade dos condôminos e, como não há áreas públicas como no caso do
loteamento, o IPTU será cobrado sobre a totalidade da metragem do condomínio. As
vias de acesso e as áreas verdes são, neste caso, diferentemente do loteamento, de
uso particular, cabendo aos proprietários os cuidados e a manutenção. O loteamento
fechado – figura corriqueira em muitos municípios – não existe na legislação federal,
portanto a restrição de acesso e a cobrança de taxa de manutenção, mesmo que o
uso do loteamento seja concedido por lei municipal, não encontra amparo legal uma
vez que o parcelamento do solo é de iniciativa da União. Ao município cabe zonear o
uso do solo, dispondo as regiões residenciais, mistas, comerciais, de serviços e
industriais. Neste mapeamento cabem as zonas de especial interesse (turístico,
habitacional, ambiental etc), as obras estruturais previstas ao longo do Plano Diretor e
as áreas em que os instrumentos do Estatuto da Cidade serão aplicados.
O Estatuto da Cidade traz instrumentos de ordem pública e de interesse
social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do
bem- estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental; sendo diretriz contra o
uso da propriedade como meio de especulação imobiliária. Traz instrumentos de
política urbana que regulam o direito individual de construir.
O terceiro princípio é o da gestão democrática. O Plano Diretor deve ser
elaborado por uma Comissão Municipal, por meio da participação popular e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade. Este processo
requer a divulgação e a promoção de debates e audiências públicas, com a
participação da população e de associações representativas. Uma vez aprovado, o
Plano Diretor será monitorado por um conselho próprio, com representação
igualmente democrática. Este conselho monitorará o cumprimento do Plano Diretor,
decidirá questões relativas ao mesmo e apontará políticas a serem revistas. A revisão
do Plano Diretor é prevista pelo Estatuto da Cidade, pelo menos, a cada 10 anos.
O município de pequeno e médio porte encontra-se inexperiente para o
processo de criação das suas políticas públicas, exigindo-se capacitação. A
dificuldade está em interiorizar os conceitos gerais – foco de uma política global – e
sistematizá-los às demandas locais. Para o primeiro, requer-se o conhecimento do
momento histórico e ideológico planetário, com a complexidade crescente nas
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questões ambientais, econômicas e sociais. Para o segundo, precisa-se de criterioso
mapeamento, geralmente escasso nos cadastros municipais, e, em contraponto ao
gerenciamento historicamente tecnocrata de nossas cidades, da participação mais
ampla e competente possível da sociedade. Além do fomento de uma consciência
coletiva, a legitimidade da gestão democrática, quando capacitada, gera soluções
criativas e pertinentes. O emblema do Estatuto da Cidade é “a cidade que queremos”.
Contudo, para querer, é preciso saber e como querer.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil, Poder Executivo, de 11 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jun. 2005. BRASIL. Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil, Poder Executivo, de 20 de dezembro de 1979. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766.htm>. Acesso em: 05 jun. 2005. BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil, Poder Executivo, de 21 de dezembro de 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4591.htm>. Acesso em: 08 jun. 2005.
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