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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MESTRADO ACADÊMICO EM POLITICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
RUTH BRITO DOS SANTOS
DE VOLTA À CENA: UM ESTUDO COM IDOSOS QUE TRABALHAM
Fortaleza – Ceará 2005
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MESTRADO ACADÊMICO EM POLITICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
RUTH BRITO DOS SANTOS
DE VOLTA À CENA: UM ESTUDO COM IDOSOS QUE TRABALHAM
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Orientador(a): Profª Drª Maria Barbosa Dias
Fortaleza – Ceará 2005
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MESTRADO ACADÊMICO EM POLITICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
Título do Trabalho: DE VOLTA A CENA: UM ESTUDO COM IDOSOS QUE TRABALHAM
Autor(a): Ruth Brito dos Santos Defesa em: ____/____/____ Conceito obtido: _______
Nota obtida: _______
Banca Examinadora
____________________________ Profª Draª Maria Barbosa Dias
_________________________________ _______________________________ Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues Profa. Dra. Vilma Paiva Barreto
DEDICATÓRIA
� À Deus;
� Aos meus pais, Hipólito (In memorian) e Cândida, que na simplicidade da esfera
privada, tem me feito compreender e entender o processo de envelhecimento;
� A todos os idosos que participaram da pesquisa e àqueles idosos que de alguma
forma este trabalho poderá contribuir.
AGRADECIMENTOS
� A minha professora e orientadora Esther, Maria Barbosa Dias, pelas
contribuições técnicas, encorajamento e por acreditar sempre no potencial das
pessoas!
� Ao coordenador do mestrado, Professor Dr. Horácio Frota, pelo incentivo e ...
paciência!
� As professoras, Dra. Rejane Bezerra e Dra. Vilma Paiva, pelas valiosas
contribuições na qualificação do projeto
� Ao professor, Dr. Rui Martinho Rodrigues por ter aceito o convite para
participação na banca da defesa;
� Ao meu esposo e pai do meu filho, que além de tudo, contribuiu dentro do seu
ramo de saber com as inquietações da pesquisa;
� A minha família pela paciência da minha ausência em momentos importantes, em
busca de “saciar a minha sede” de conhecimento;
� As técnicas do T.S.I. – Trabalho Social dos Idosos, do SESC-Fortaleza,
especialmente a assistente social Joana que gentilmente me introduziu no Grupo
de Convivência para a realização dessa pesquisa’;
� As minhas amigas: Mirza Abreu, Leiriane Araújo, Yá Mendes, Geovana e Régia
Prado que ficaram na torcida!
“Em verdade, se a velhice não está incumbida das mesmas tarefas que a
juventude, seguramente ela faz mais e melhor. Não são nem a força, nem a
agilidade física, nem a rapidez que autorizam as grandes façanhas; são outras
qualidades, como a sabedoria, a clarividência, o discernimento”. (Cícero, 44 anos
a.C.)
RESUMO
De volta à cena: Um estudo sobre idosos que trabalham procura entender como o idoso que, até então, era considerado inútil pelo imperativo capitalista, nos marcos do projeto neoliberal, é requisitado cada vez mais no mercado de trabalho. Partindo do pressuposto que existe forte relação entre a condição de assalariado e as proteções sociais, fez-se um percurso metodológico no sentido de resgatar, através da história, a formação da sociedade salarial e dos grandes sistemas de proteção social do mundo ocidental, seu apogeu e superação, bem como as formas assumidas por esses processos em formações sociais, econômicas e políticas específicas, como no Brasil. Com base na linha de estudo qualitativo, a pesquisa de campo desenvolveu-se utilizando as técnicas da entrevista semi-estruturada e da observação simples, no intuito de colher dados, através das falas dos idosos, que apontassem as características dos processos de trabalho e o significado que eles atribuem à aposentadoria, à velhice e ao trabalho. O material recolhido e agrupado em 03 (três) blocos de significação: trabalho, aposentadoria e retorno ao trabalho, constatou que a liberdade do trabalho, apregoada na sociedade moderna, e retomada na sociedade pós-fordista, não rompeu com as relações de sujeição e de exclusão social, ao contrário, ressituou-as. A família brasileira dado o seu empobrecimento, tem no benefício e no trabalho do idoso a única fonte de renda certa, que sofre sérios riscos com a Reforma da Previdência, quando da restrição ao acesso aos direitos constitucionais, da permanência maior dos trabalhadores no mercado de trabalho e do rebaixamento do valor dos benefícios.
Palavras-chaves: Idoso, Aposentadoria, Trabalho, Proteção Social.
ABSTRACT Back to the scene: A study was become fullfilled on aged that they work looking for to understand as the aged one that, until then it was considered useless for the capitalist imperative, in landmarks of the neoliberal project, each time more in the work market is requested. Leaving of estimated that it exists the strong relation it enters the socia condition of wage-earner and protections. I make a methodlogic passage in the direction to rescue, through the history, the formation of the wage society and the great systems of social protection of the world occidental person, its apogee and overcoming, well with the forms assumed for these processes in social formations, economic and specific politics, as Brazil. On the basis of the line of qualitative study the field research was developed using the techniques of the half-structuralized interview and the simple comment, in the given intention of spoon, throught you say them of the aged ones, that they pointed the characteristics of the work processes and the meaning that they attribute a retirement, the oldness and to the work. The material collected and grouped in 03 (three) blocks of meaningful: work, retirement and retur to the work, it evidenced that the freedom of the work, proclaimed in modern society, and retaken in the society after-fordista, it did not breach wih the relations of subjection and social exclusion, in contrast it recited them. The Brazilian family, given its impoverishment, it has in the benefit and work of the aged a only source of certain income, that it suffers serious risks with the Reformation of the social security, when of the restriction to access and constitucional laws, of the permanence biggest of the workers in the work market and of the degradation of the value of the benefits. Work-Keys: Aged, Retirement, Work, Social Protection.
SUMÁRIO Lista de Abreviaturas ............................................................................................................. 9 Introdução ............................................................................................................................ 10 1– Entrando em Cena: o trabalho como fator de inserção na estruturação social .............. 20
1.1. O Processo Evolutivo do Trabalho ............................................................................22 1.2. O Imperativo do Trabalho na Sociedade Capitalista ................................................ 31 1.2.1. A trajetória do trabalho no Brasil ....................................................................... 36 1.3. O Trabalho na Sociedade Contemporânea .............................................................. 43 1.3.1. O trabalho que resgata os idosos ..................................................................... 49
2 – Saindo de Cena: as proteções sociais aos idosos através dos tempos ........................ 53 2.1.A proteção social à velhice nas sociedades tradicionais e modernas ...................... 53 2.1.1. O atendimento à velhice no Brasil......................................................................61 2.2. O surgimento do Estado de Bem-Estar Social ........................................................ 62 2.3. Consolidação do Estado de Bem-Estar Social......................................................... 67 2.3.1. A seguridade social e o idoso .......................................................................... 70 2.4. A Constituição do Sistema de Seguridade Social no Brasil..................................... 72 2.4.1. Políticas de proteção ao idoso no Brasil .......................................................... 85 2.5. A Crise do Estado de Bem-Estar Social no Brasil e no mundo ...............................88 2.5.1. As refrações da crise de seguridade social no Brasil ................................... ...91 2.5.1.1. A crise da previdência social brasileira e os idosos ....................................95 3 – De Volta à Cena: os idosos no mercado de trabalho ................................................. 105 3.1. Os idosos e a mudança demográfica ................................................................... 105 3.2. Procedimentos metodológicos ............................................................................. 112 3.2.1. Primeiro momento – as primeiras articulações ..............................................113 3.2.1.1. Elaboração dos instrumentos de pesquisa ...............................................114 3.2.1.2. Seleção dos sujeitos .................................................................................114 3.2.1.3. O campo – o SESC e o Trabalho Social com Idosos ...............................115 3.2.1.4. Entrada no campo ....................................................................................116 3.2.2. Segundo momento – a coleta de dados ........................................................117 3.2.3. Terceiro momento – análise dos dados ........................................................118 3.3. Os protagonistas dessa história – artistas do palco da vida .................................119 3.3.1. ATO I – “Abram as cortinas” – a entrada na cena do trabalho ......................120 3.3.2. ATO II – “Fechem as cortinas” – saída da cena do trabalho .........................124 3.3.3. ATO III – “De volta à cena” - o retorno ao trabalho ......................................128 Considerações Finais .......................................................................................................135 Bibliografia ........................................................................................................................139 Anexos ..............................................................................................................................146 Anexo I – Roteiro de Entrevista ........................................................................................147
LISTA DE ABREVIATURAS
ANL – Aliança Nacional Libertadora
BIRD – Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento
BNH – Banco Nacional da Habitação
CAP – Caixa de Aposentadoria e Pensões
CCQ – Círculo de Controle de Qualidade
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNPS – Conselho Nacional de Previdência Social
EC – Emenda Constitucional
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalho Rural
IAP – Instituto de Aposentadorias e Pensões
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ISSB – Instituto de Serviços Sociais do Brasil
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONG – Organização Não-Governamental
PEA – População Economicamente Ativa
PIA – População em Idade Ativa
PIB – Produto Interno Bruto
PRO-RURAL – Programa de Assistência ao Trabalhador Rural
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESC – Serviço Social do Comércio
SESI – Serviço Social da Indústria
SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
INTRODUÇÃO
Passa-se toda a vida laboral1 esperando chegar o momento da
aposentadoria para descansar, relaxar, usufruir o justo lazer. Mas, qual não é a
indignação quando percebe-se que aquele tão esperado momento, não se
concretizou como um período de lazer, de descanso, de saúde, de relativa
autonomia financeira... Este trabalho de investigação é uma continuação dos
estudos empreendidos anteriormente sobre a ocupação do tempo livre dos idosos,
que apontavam as primeiras indagações sobre a condição salarial na sociedade
capitalista e pretende analisar, a partir dos depoimentos dos idosos, o tema trabalho,
ou melhor, o retorno ao trabalho, resgatando o significado da aposentadoria, da vida
após o trabalho e como se constituiu, a volta ao trabalho.
O indivíduo idoso, na maioria das vezes aposentado, ao retornar ao
mercado de trabalho resgata ou perde a sua cidadania, reforça ou enfraquece a sua
identidade social? Essa questão central, articulada às demais questões serve de
itinerário no estudo do tema, que é fruto do desenvolvimento do projeto de pesquisa
para a elaboração da dissertação de mestrado2, referente ao Mestrado Acadêmico
de Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará. O tema
busca compreender o momento em que o homem trabalhador, que agora é
aposentado, retorna ao mercado de trabalho. O contexto desse retorno, localiza a
discussão no interior do eixo: Velhice – Aposentadoria – Trabalho.
Para alcançar o objetivo central desse estudo que é analisar o retorno dos
idosos à arena do trabalho, bem como as relações sociais que contribuem para esse
retorno, a velhice é tomada como um momento único, dotado de vivências e
expectativas específicas; mas que também é captada, inserida dentro de um
contexto histórico determinado. Estando, portanto, sujeita a determinações mais
amplas que a mera soma de características fisiológicas e psicológicas.
1 s. f. 1. Ato ou efeito de laborar. 2. Trabalho, exercício. 2 Aqui, assim como em Gondim (1999), o estudo adotar a distinção entre dissertação de mestrado e tese de doutorado: “(...) a dissertação normalmente, não requer originalidade, mas revisão bibliográfica acurada, teórica e empírica, e sistematização de idéias e conclusões acerca de determinado tema. A tese, associada aos trabalhos de doutoramento ou de livre-docência, tem um rigor muito maior, tanto do ponto de vista metodológico como teórico.”
O interesse pelo tema do envelhecimento social, do chamado período da
“inatividade” e as consequências na vida social, bem como a compreensão dessas
categorias e a intrínseca relação entre elas não é algo recente. É fruto de
condicionamentos de ordem profissional, acadêmica, social e pessoal3, vividos e
recriados ao longo de 07 (sete) anos, que se deram num percurso desafiante, pois
pouco se sabe sobre o processo de envelhecimento na nossa sociedade e,
particularmente, sobre a maneira como o trabalhador brasileiro vive os seus últimos
anos.
Além do espaço da convivência doméstica, foi na experiência profissional
em instituições que trabalham indiretamente com a questão do envelhecimento que
se buscou investigar no campo teórico a “vida após o trabalho” e, ironicamente, o
“retorno ao trabalho”; destes que ao longo de uma vida profissional sonharam com
um momento único de lazer, de descanso, de realizar o que não puderam fazer na
“juventude” e, infelizmente, na sua realidade material está bem longe de se
concretizar.
No acompanhamento a um grupo de aposentáveis na Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – ECT, na condição de estagiária de Serviço Social,
surgiram alguns questionamentos que, somados a outros tantos, foram motivadores
do intento que agora se apresenta: A vida após o trabalho deve ser considerada
como confinamento social? As condições financeiras, advindas simplesmente da
aposentadoria, poderão proporcionar aquele momento de lazer tão desejado pelos
idosos? Seria possível, com um trabalho interventivo no segmento idoso, diminuir a
incidência dos preconceitos atribuídos e que destinam a estes a morte social?
Parte desses questionamentos começaram a ser esclarecidos em uma
outra experiência de estágio de Serviço Social, vivenciada no SESC,
especificamente no Setor de Trabalho Social com Idosos e, conseqüentemente, com
3 Na realidade esta história começou a partir da convivência cotidiana com dois aposentados cuja experiência de vida, também instigaram a discussão, que para além das contribuições materiais advindas das suas aposentadorias, os mesmos nos reservavam incentivo e força de continuar lutando, trabalhando, indignando-se e pensando, por que não, na condição atual do idoso.
a elaboração do trabalho de conclusão do Curso de Serviço Social4 que tinha como
objetivo estudar o envelhecimento, a vida após o trabalho, a partir da perspectiva do
lazer.
Estava claro que após o trabalho era possível viver, sim, e que a velhice
não representava necessariamente “morte social”. O aumento e a procura de idosos
de classe média por grupos de convivência, atividades artísticas, esportivas e de
lazer, eram, sem dúvida, indícios dessa possibilidade. O que não estava claro, mas
que na experiência, na observação, nas discussões e debates, pôde-se notar, e que
hoje constitui objeto da dissertação em questão, era o fato de uma significativa
parcela de idosos aposentados não se integrarem ou participarem com freqüência
das atividades desses grupos de convivência.
Vários são os motivos para essa não participação. Um deles refere-se às
condições econômicas desses idosos, que inseridos numa condição de pobreza e
miséria de suas famílias5, exercem o papel de mantenedores por meio de um salário
advindo da aposentadoria (fenômeno estatisticamente comprovado6) e do retorno ao
mercado de trabalho.
A partir da constatação crítica7 dessa realidade, outros questionamentos
começaram a surgir sobre a problemática da participação econômica do idoso: que
relações sociais, políticas e econômicas são propulsoras desse novo reordenamento
da família, onde o idoso é levado a retornar ao trabalho? Quais os imperativos da
reinserção do idoso no mercado de trabalho? Seria apenas uma determinação
econômica de colaborador da família? Seria a busca do fortalecimento da sua
identidade social? Quais as características dos processos de trabalho que estão
sendo assumidos pelos idosos?
4 A monografia recebeu o título: “Resposta ao Tempo”: um estudo sobre a influência do lazer na melhoria da qualidade de vida do idoso”. 5 Outra causa desse alijamento dos idosos pode ser atestada também pelo alto custo dos serviços ofertados e criados para a Terceira Idade (idosos de classe média). 6 Fonte: Jornal O Povo, caderno economia, 16 de out. de 2005, pág. 34 7 “O que interessa para a crítica não é o que está explicitamente pensado, explicitamente dito, mas exatamente aquilo que não está sendo dito e que muitas vezes, nem sequer está sendo pensado de maneira consciente.” (Chauí In: Hüne, 1995, p. 19).
Pretendendo oferecer algumas indicações de respostas a esses
questionamentos, visto que esse debate não está definido, foram elencados
pressupostos de análise8 que irão nortear a investigação, considerada de relevância
do ponto de vista acadêmico-científico, por tratar-se de um tema que ainda não
recebeu o devido tratamento9. A própria sociedade poderá também beneficiar-se das
evidências que são constatadas sobre a real situação do idoso, a partir da
identificação das mudanças sociais que o envelhecimento populacional traz para
uma sociedade, bem como dos papéis sociais que se apresentam. E finalmente,
para os próprios idosos, essa investigação contribuirá para o conhecimento dos
espaços ocupacionais que demandam o trabalho do idoso, para prevenção de
formas de exploração e para apontar alternativas de políticas públicas
asseguradoras de direito e inclusão social.
Nesse sentido, os pressupostos de análise são os seguintes: 1º) que
existem várias velhices e que o relativo aumento da expectativa de vida estaria, de
certo modo, “empurrando” para mais adiante o conceito de velhice e até mesmo
negando; 2º) a dependência quase geral das famílias da classe operária, do campo
e, até da classe média, às aposentadorias e renda do trabalhador idoso, seria fruto
das profundas transformações que perpassam a sociedade brasileira e que incidem
e rebatem no empobrecimento do padrão econômico familiar, conseqüentemente, os
idosos deixam de ser um peso familiar para se constituírem provedores; 3º) a
reinserção do idoso no mercado de trabalho se dá, essencialmente, no setor terciário
(serviços e comércios) e em atividades inferiores a que eles desenvolviam antes da
aposentadoria.
Portanto, partindo desses pressupostos, os objetivos da investigação são
os seguintes: 1º) tratar o envelhecimento populacional dentro do quadro de
mudanças sociais visíveis nas três últimas décadas; 2º) compreender as formas de
proteção social que incidem no seguimento dos idosos e como as transformações no
chamado mundo do trabalho resgatam a mão-de-obra do idoso; 3º) conhecer a
8 Segundo Cecília Minayo (1992), pressupostos de análise são afirmações provisórias a respeito de determinado problema em estudo. 9 O envelhecimento populacional é algo relativamente novo e seus efeitos ainda estão por serem pesquisados na realidade brasileira.
experiência de retorno ao mercado de trabalho de idosos aposentados,
conseqüentemente compreender as relações sociais que contribuem para esse
retorno; 4º) conhecer a trajetória de vida laboral desse grupo, as formas e
características dos processos de trabalho antes e depois da sua reinserção; 5º)
identificar a percepção desses sujeitos em relação a sua vida atual como
aposentados que trabalham, percebendo os significados atribuídos ao trabalho,
aposentadoria e velhice.
Compreendendo a metodologia10 como o caminho e o instrumento de
abordagem da realidade, que é iluminado por uma teoria de análise, pode-se afirmar
que ela esteve presente no desenvolvimento dessa dissertação desde as primeiras
reflexões, ainda no projeto de pesquisa11, como uma opção do pesquisador,
procurando entender o processo de envelhecimento inserido no movimento histórico-
social da sociedade, que é marcado pelo dinamismo, provisoriedade, transformação
e contradição.
Nesse sentido, a investigação norteou-se por alguns compromissos
teóricos básicos, capazes de montar um quadro referencial teórico12 que desnude a
realidade e facilite a compreensão dos múltiplos aspectos que envolvem a referida
temática. Dialogar com teóricos das categorias a seguir relacionadas é de
fundamental importância para desmistificar, esclarecer, clarificar o caminho
proposto, uma vez que é parca a produção científica no campo do envelhecimento13.
Depois de inúmeras indagações e esforço teórico, compreendeu-se que a
categoria central do estudo era a velhice. As demais categorias – trabalho e
aposentadoria – eram transversais ao tema. Iniciou-se, então, o estudo dos
diferentes posicionamentos referentes ao processo de envelhecimento. Constatou-
se que as construções teóricas sobre o envelhecimento se agrupam em torno de
10 Segundo Gondim (1999), a metodologia explicita as questões norteadoras e as estratégias que serão utilizadas para a abordagem empírica do objeto, articulados ao quadro teórico. 11 “... a metodologia está presente desde o início do projeto, na medida em que é muito difícil separar o que fazer, do como fazer.” Gondim (1999). 12 Gondim (1999), citando Koyré (1982) e Bordieu (1989), nos lembra que o conhecimento sociológico nunca é obra de indivíduos isolados e tem sempre um caráter relacional, na medida em que não é construído em decorrência de “atos inaugurais” ocorridos num vazio histórico e epistemológico. 13 Apesar de uma certa atenção ao tema idoso ser dada pela mídia, observam-se poucos estudos de graduação e pós-graduação, referentes ao tema. A década de 80, particularmente, o ano de 1982, instituído como o ano Internacional do Idoso, serve de referência para a inclusão do processo de envelhecimento como campo de investigação. Observam-se, a partir daí, de forma mais contudente, alterações nas áreas legislativas, de ensino, da saúde, etc. Kaufmann (1985) e Guimarães (1996)
grupos de definição que não se excluem, pelo contrário, completam-se. Ressaltando
os pontos mais determinantes de cada grupo temos: o primeiro grupo, insere o
processo de envelhecimento num contexto sócio-histórico determinado (Motta,
(1998) e Magalhães (1987)); o segundo, compreende o processo de envelhecimento
no âmbito dos sentimentos e representações, nesse caso a velhice é como um
julgamento social (Kaufmann, (1985) e Beauvoir, (1990)); e, por último, o que
contrapõe-se à imagem que associa velhice à doença, nesse sentido, o
envelhecimento é natural e comum a todo o ser vivo (Fraiman, (1995) e Pereira e
Vieira(1996)).
Sobre questões referentes à categoria velhice, destaca-se a vital
contribuição de autores como: Alda Brito Motta (1998), Dirceu Nogueira Magalhães
(1987) e Ecléia Bosi (1994), Simone de Beavouir (1990), entre outros.
O estudo das políticas de seguridade social, especificamente, a
Previdência Social, no contexto do Estado Brasileiro, centrar-se-á nas discussões de
Sônia M. Draibe (1990), Potyara A de P. Pereira (1998), Faleiros (1985) e Simões
(1999). Entretanto, para discutir as mudanças na previdência, especificamente as
reformas evidenciadas nas duas últimas décadas, busca-se um diálogo com Ana
Elizabete Mota (1995), Anderson (1995), Chauí (1999) , Salvador e Boschetti (2002),
entre outros.
As discussões sobre a centralidade do trabalho na sociedade capitalista e
as transformações no mundo do trabalho foram feitas com Antunes (1997), Oliveira
(1995), Habermas (1987) , Marx (1978), Castel (1998) e outros.
Os sujeitos do estudo são idosos aposentados que exercem atividades
remuneradas e que, aqui, refletem no seu cotidiano a contradição de uma sociedade
de classes orientada a partir de um modo de produção que traz, como movimento
interno constitutivo, a acumulação de capital como base na exploração do trabalho.
(Prates, Reis e Abreu, 2000). Nesse sentido, buscou-se apreender suas
características, seus sonhos, medos, estratégias de sobrevivência e valores, a partir
de uma abordagem dialética que ultrapassasse o nível da aparência, produto de
uma sociedade que atribui a “pseudo-objetividade”,14 a veracidade de suas relações.
Utilizou-se, então, o método histórico-dialético, uma vez que esse
consegue dar conta da totalidade dos fenômenos sociais, sem contudo invalidar o
desvelamento da sua subjetividade. Segundo Minayo(1996), a dialética marxista
abarca não somente o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento
exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que constituem a
vivência das relações objetivas pelos atores sociais que lhe atribuem significados.
Ainda segundo Minayo(1996), a dialética pressupõe a interdependência
entre quantidade e qualidade, ensejando a dissolução das dicotomias
(quantitativo/qualitativo, macro/micro, interioridade/exterioridade) e, além do mais,
considera os significados como parte integrante da totalidade que deve ser estudada
tanto ao nível das representações sociais como das determinações sociais.
De acordo com tal enfoque, a natureza da pesquisa de campo
desenvolveu-se predominantemente com base na linha de estudos qualitativos,
embora compreenda como Minayo que os estudos quantitativos e qualitativos não
se opõem, ao contrário, complementam-se, na atual pesquisa, deu-se atenção
especial aos dados qualitativos.
Como técnica para coleta de dados, utilizou-se, para a pesquisa de
campo a entrevista semi-estruturada, por propiciar ao entrevistado discorrer sobre o
tema “sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador” (Minayo, 1996), a
partir da aplicação de um roteiro de entrevista que combina perguntas abertas e
fechadas, sempre com o uso de gravador, numa abordagem direta e individual.
Para complementar a pesquisa, outra técnica utilizada foi a observação
simples, uma vez que, o contato com a realidade a ser analisada, permitiu penetrar
no campo de investigação, captando uma diversidade de situações e fatos. Nesse
sentido, o instrumento utilizado foi o diário de campo. A coleta de dados foi dividida
14 O termo é de Kosic (1969).
em duas etapas: a primeira referiu-se às primeiras articulações, no caso, à definição
de amostragem e a segunda compreendeu a aplicação das técnicas da pesquisa.
Na primeira etapa, que se configurou como de amostragem, considerou-
se para a análise a representação de aproximadamente 07 (sete) idosos integrantes
do Grupo de Convivência do SESC-CE, que não participavam com freqüência das
atividades do grupo por estarem trabalhando e, portanto, eram prejudicados no
pleno exercício das suas atividades de lazer e socialização.
Na segunda etapa, que foi da aplicação dos instrumentos de pesquisa,
privilegiou-se as unidades de significação, acontecimentos, seqüências e
freqüências de respostas, interpretadas a partir das categorias básicas norteadoras
do estudo. Para a realização do corte qualitativo, foram analisados o universo dos
instrumentos aplicados (entrevista semi-estruturada) e a observação simples, no
intuito de adequá-los à realidade do campo e dos sujeitos. Percebeu-se, então, a
necessidade de mudanças nos processos metodológicos, como por exemplo, no
roteiro de entrevista, buscando um agrupamento de respostas que se inserissem nos
blocos de significação: trabalho, aposentadoria e retorno ao trabalho.
Espera-se de um trabalho acadêmico que ele contemple determinadas
etapas: discussão bibliográfica, apresentação da metodologia, análise de estudos,
bibliografia e, finalmente a apresentação do produto final. Tudo devidamente
documentado, acompanhado de notas, referências e outras informações que
demonstrem a seriedade do trabalho. Nesse sentido, procurou-se articular teoria e
prática na dissertação dos 03 (três) capítulos, bem como na análise das entrevistas,
agrupando nos blocos de significação – trabalho , aposentadoria e retorno ao
trabalho – o material recolhido.
O Primeiro Capítulo, ao desdobrar-se na análise do significado do
trabalho, apresenta essa categoria através de um resgate histórico do processo de
trabalho e do seu caráter salarial na sociedade capitalista, bem como no desvendar
das mudanças no mundo do trabalho e suas implicações no idoso que retorna ao
mercado de trabalho. No entanto, chama atenção para a particularidade da
experiência na sociedade brasileira, quando, para muitos, esse caráter laboral e
salarial difere do processo que ocorreu nas sociedades desenvolvidas. A análise
parte, também, da compreensão de que existe uma forte correlação entre o lugar
ocupado pelo indivíduo na divisão social do trabalho e a sua participação nas redes
de sociabilidade e nos sistemas de proteção diante dos acasos da existência, as
quais se constituem em elos para o próximo capítulo.
Partindo dessa análise, o segundo capítulo, ao tecer considerações em
torno dos olhares e saberes sobre a velhice, faz a revisão dos principais referenciais
teóricos e metodológicos de intervenção no processo de envelhecimento. Esse se
traduz num continuum de práticas de proteção social, de cariz voluntário, caritativo,
filantrópico e que é interrompido quando do passar dessa assistência espontânea
para um conjunto de práticas com características de uma política pública de
Seguridade Social. como a aposentadoria, benefícios de amparo social ao idoso,
auxílio-doença e outros mais. E, num segundo momento, de forma mais
aprofundada, analisa o processo que originou o chamado Estado Social, bem como
o estabelecimento da crise desse padrão de segurança social (a chamada “Crise da
Seguridade Social”), o “Welfare State” e suas implicações na sociedade brasileira,
especificamente, no seguimento dos idosos.
O terceiro capítulo ao analisar o retorno do idoso ao trabalho, faz a
síntese desses processos anteriores, trabalho e aposentadoria, na análise dos
depoimentos dos idosos, os protagonistas, sujeitos da pesquisa. Antes, no entanto,
debruça-se no estudo sobre o envelhecimento populacional e as mudanças na
sociedade que esse fenômeno acarreta, especificamente, no abalo da relação de
dependência previdenciária que concorre, ao lado de outros fatores, para o retorno
do idoso ao trabalho. Expõe também o desdobrar da pesquisa nos seus aspectos
metodológicos, circunstanciais, até chegar à análise dos dados colhidos, que foram
articulados em temas centrais: trabalho, aposentadoria e retorno ao trabalho.
Por último as considerações finais, onde serão retomadas algumas
questões tratadas; não no intuito de concluí-las, mas de apontar indicações de
respostas, salientando que este trabalho é um estudo sobre o idoso e suas relações
com a família, a sociedade, o trabalho e a aposentadoria.
CAPÍTILO 1 – ENTRANDO EM CENA: O TRABALHO COMO FATOR
DE INSERÇÃO NA ESTRUTURA SOCIAL
Esta pesquisa é um convite a reflexão sobre os rumos do trabalho em
nossa sociedade, partindo do olhar daqueles que, pelo curso normal da vida, não
deveriam estar pensando em trabalho, e sim em desfrutar do lazer, do descanso que
a aposentadoria traz. Os sujeitos, portanto, são idosos, com 60 anos ou mais e que
voltaram a trabalhar. A pesquisa retrata a realidade de um grupo de idosos que para
contrariar o esquema do ciclo da vida humana nascer, crescer, reproduzir-se,
envelhecer e morrer, tem suas trajetórias de vida iniciadas com o trabalho. A maioria
dos entrevistados começou a trabalhar ainda criança, numa época em que o
trabalho infantil era considerado valoroso, pois constituía-se numa extensão familiar
da prática educativa que estimulava a ocupação como forma de evitar a ociosidade.
O sistema capitalista, desde as suas origens, elegeu algumas categorias
de indivíduos e essas ao serem consideradas potenciais de desenvolvimento,
produção, riqueza, foram alvo de grande investimento. É o caso do jovem, do
homem robusto, agora recentemente da mulher, e até da criança. Quanto ao velho,
ao deficiente, ao louco, ou seja, aos incapacitados de modo geral, continuou o
mesmo tratamento dispensado em processos econômicos anteriores – escravismo e
o feudalismo -, ou seja, o alijamento do processo social.
Recentemente, ao contrário do que se lê na história do capitalismo, tem-
se evidenciado, que uma parcela significativa de idosos voltam ao trabalho depois
da aposentadoria. Segundo dados do Ministério do Trabalho (MTE), no Ceará,
existem 24.957 pessoas com 60 anos ou mais trabalhando em empregos formais, o
que representa 0,26% dos idosos residentes no estado. Seja porque a maioria vê o
retorno ao trabalho como complemento da renda, uma vez que, o benefício da
aposentadoria não permite a satisfação das necessidades básicas, muito menos, o
usufruto do lazer ou pelo simples fato de não conseguirem se desprender da rotina,
das atividades burocráticas e até dos compromissos com o horário. Segundo um dos
jornais15 de maior circulação do estado, no Ceará, dos mais de 650 mil habitantes
acima de 60 anos de idade, cerca de 400 mil têm responsabilidade de sustentar a
casa e muitos estão até prestando serviços informais para manterem suas famílias.
A questão que se levanta nesse trabalho, portanto, é saber como o idoso
que, até então, era considerado não apto a aumentar a produtividade e lucro do
capital pode ser resgatado por tal sistema, dando continuidade a um processo de
trabalho que tinha sido interrompido pela aposentadoria. Que transformações
sociais, econômicas, políticas favorecem esse reordenamento social? Um dos
caminhos propostos pela pesquisa é refletir sobre esse momento de retorno ao
trabalho. Para isso, faz-se necessário a incursão na história, do trabalho
propriamente dito, para que se compreenda o significado que o trabalho tem na
nossa sociedade e como os idosos se inserem nesse processo.
O trabalho foi uma das primeiras atividades realizadas pelo homem. Estudiosos
apontam que foi a partir dele que civilizações existiram e que o homem se
desenvolveu. “(...) o Homem encontra sua humanidade ao realizar tarefas essenciais
à vida humana e essencialmente humanas.” (Ostrower, 1978 apud Franco, Aquino e
Lopes, 1983, p. 52). Porém, ao mesmo tempo que trabalho significa capacidade de
autopreserva-se, construir-se, ao longo de sua história, também retrata a servidão, a
escravidão e a exploração. O ciclo de vida humano que compreende: nascer,
crescer, reproduzir-se, envelhecer e morrer, hoje tem se resumido em trabalhar,
aposentar-se e, até recentemente, retornar ao trabalho.
Mas como se deram todas essas mudanças? Como o trabalho que no
Gêneses foi maldição, na modernidade torna-se bênção? Como na
contemporaneidade ele ainda permanece substrato de identidade social? Como ele
é resgatado pelas pessoas que envelhecem? Daqui em diante, tentar-se-á apontar
respostas para essas questões, partindo de uma reflexão mais geral e de maior nível
de abstração para, em seguida, analisar as relações que buscam o trabalhador
idoso.
15 Fonte: Jornal O Povo, Fortaleza, 16 de out. de 2005, caderno economia, pág. 34
1.1. O Processo Evolutivo do Trabalho
O estudo do trabalho nos remete a duas visões que ainda povoam o
nosso imaginário: uma que vê o trabalho como maldição, como sofrimento e aquela
que se refere ao trabalho como atividade inerente ao homem, como a capacidade
que o homem tem de (auto)transformar-se e transformar o seu meio.
A visão que associa trabalho a desonra, degradação e crime, segundo
Chauí (1999), está representada na primeira sentença16 dada ao homem (Adão e
Eva), ainda no paraíso. Essa forma de ver o trabalho era comum nas sociedades
antigas, sejam elas as judaicas ou até a grega e a romana. Na Grécia, o ócio era
desejado e destinado aos homens livres, poetas e filósofos que exerciam a política,
o cultivo do espírito e do corpo. Platão e Aristóteles compreendiam o trabalho num
sentido pejorativo, portanto, consideravam-o “... como pena que cabe aos escravos e
desonra que cai sobre homens livres pobres.” (Chauí, 1999, p.11). No sentido
etimológico, a palavra que dá origem ao nosso vocábulo “trabalho” é tripalium, que
vem do latim, instrumento de tortura ou uma canga que pesava sobre os animais.
Já o trabalho como agente de transformação, relaciona-se a forma como
o homem se apropria do seu meio, ou seja, das relações de produção existentes. A
capacidade de conseguir os bens necessários à sobrevivência, tais como,
alimentação, habitação, vestuário, se constitui um dos elementos para o
desenvolvimento da nossa humanidade.
“No processo de produção dos bens que vão atender a suas necessidades, o homem tem de agir sobre a natureza, no sentido de reproduzir os alimentos aí encontrados (as matérias-primas) e de transformá-los em produtos úteis à sobrevivência.” (Ostrower, F. op. cit., pág. 53.).
Através do trabalho, o homem não só se relaciona com a natureza (extrai
produtos úteis à sobrevivência), como estabelece relações com outros homens.
Essa forma de conceber o trabalho é encontrada em alguns teóricos do pensamento
moderno e da contemporaneidade: para Antunes (1997), Offe (1989) e Habermas
16 No relato do livro de Gêneses, na Bíblia, o criador Deus ordenou aos homens que frutificassem, multiplicassem e enchessem a terra. Porém, logo após pecarem, a sentença foi que deveriam sofrer muito para sobreviver e do trabalho árduo deveriam tirar seu sustento.
(1987) é uma categoria dotada de estatuto de centralidade para entendimento da
atividade humana. Para Luckács (1978), o trabalho é a protoforma da atividade dos
seres sociais e para Marx (1971), é a necessidade natural e eterna de efetivo
intercâmbio material entre o homem e a natureza.
Partindo da compreensão presente nesses autores e, especificamente,
em Marx, observa-se que através do trabalho, não como uma atividade isolada, mas
como um processo de produção social, os homens estabelecem determinados
vínculos econômicos, sociais, políticos e ideológicos. Esses vínculos variam de
acordo com o grau de desenvolvimento dos meios de produção que caracterizam as
sociedades, dando ao processo de produção caráter histórico.
“... as relações sociais, de acordo com as quais os indivíduos produzem, as relações sociais de produção alteram-se, transformam-se com a modificação e o desenvolvimento dos meios materiais de produção, das forças produtivas. Em sua totalidade a relações de produção formam o que se chama relações sociais: a sociedade e, particularmente, uma sociedade com um caráter distintivo particular...” (Marx, 1978, p. 69).
Portanto, ao transformar o seu meio o homem transforma a si mesmo e os
outros homens. Para Iamamoto e Carvalho (1995), a produção social não trata
apenas de objetos materiais, mas de relação social entre pessoas, classes sociais.
Hoje vive-se sob a forma assalariada de trabalho na sociedade capitalista. Mas
antes, o homem empreendeu outros processos de produção e reprodução social,
bem como de proteção social diante dos acasos da existência.
Nas sociedades primitivas, o homem se fez homem quando iniciou a
produção dos seus meios de vida. Lewis H. Morgan (1975) apud Engels (1975), foi o
primeiro estudioso a classificar as diversas culturas segundo o critério econômico ou
o progresso obtido na produção dos meios de existência e estabeleceu 03 (três)
estágios: a Selvageria, a Barbárie e a Civilização.
No estágio de selvageria, o homem sobrevivia baseado na pesca, caça e
coleta de frutas e raízes. Existia um sistema de cooperação entre eles, devido à
dependência à natureza, daí a apropriação coletiva dos bens necessários à
sobrevivência. Viviam em bandos e, depois, em tribos. A divisão do trabalho se dava
naturalmente entre o homem, a mulher, a criança e o velho, de acordo com as
possibilidades físicas de cada um. Alguns já podiam desenvolver a cerâmica, outros
a tecelagem.
Porém, com o tempo, a riqueza transformou-se em uma força oposta ao
povo17. A descoberta da agricultura levou à produção de excedentes de alimento,
conseqüentemente, essa produção de excedentes levou à propriedade privada das
classes sociais e ao Estado18. A propriedade privada engendrou as desigualdades
sociais, classes sociais e um poder, o Estado, teoricamente colocado acima delas. A
partir daí, observam-se mudanças na estrutura das sociedades, na família e no
processo produtivo. Nas sociedades primitivas, a mulher tinha um papel importante,
pois o seu trabalho era o de quem praticava a coleta e garantia a sobrevivência do
grupo. Agora, nas sociedades evoluídas, o homem assume o papel social mais
importante, o de quem passou a cuidar da agricultura, sendo a descendência
determinada por via paterna. O processo produtivo é determinado pela utilização da
força da tração animal (o boi), de vestes, do uso do arado, do carro de rodas e do
barco à vela, a fundição do cobre e, mais tarde, a fabricação do bronze.
Com a passagem das comunidades agrícolas auto-suficientes para
cidades, observam-se muitas transformações que deram origem à Revolução
Urbana, a saber: aparecimento da metalurgia, separação entre os agricultores e os
artesãos, invenção do arado de boi, da roda e do barco a vela. Contudo, esse
processo se deu de forma diversificada nas diferentes áreas geográficas. As
comunidades primitivas do Oriente Próximo, como Egito e Mesopotâmia, evoluíram
para um regime de servidão coletiva, já Grécia e Roma, para um sistema de
produção escravista. (Franco, Aquino e Lopes, 1983, p. 79).
17 “Desde o advento da civilização, chegou a ser tão grande o aumento da riqueza, assumindo formas tão variadas, de aplicação tão extensa, e tão habilmente administrada no interesse de seus possuidores, que ela, a riqueza, transformou-se em uma força incontrolável, oposta ao povo. A inteligência humana vê-se impotente e desordenada diante de sua própria criação.” (Engels, 1975). 18 “O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs a sociedade de fora para dentro (...) É antes um produto da sociedade quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou num irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas por que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devoram e não conservam na sociedade uma luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima, da sociedade, chamado a amortecer o choque e mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela e se distanciando cada vez mais, é o Estado.” (Engels, 1975, p. 119).
Nas sociedades orientais, o desaparecimento do regime de comunidade
primitiva corresponde ao aparecimento do regime de servidão coletiva na produção
de cereais e comércio. O Estado, legitimado pela ideologia religiosa, possuía o poder
de dispor das terras, que recolhia impostos coletivos. Rigidamente estratificada, a
sociedade passou a ser dividida em 03 camadas: aristocracia dirigente (sacerdotes,
chefes militares, altos funcionários, senhores de grandes propriedades), camada
intermediária: comerciantes, artesão e sacerdotes e a última formada por
camponeses, escravos. A política era baseada no despotismo oriental: poderes na
mão de um monarca19 cuja autoridade se sustentava na religião, que na maioria das
vezes, era politeísta.
As sociedades escravistas da antigüidade clássica, como eram
conhecidas, Grécia e Roma, foram formadas a partir da desagregação das
comunidades primitivas e tinham como base do sistema de produção: a existência
do trabalhador-mercadoria, ou seja, o escravo. Obtinham-se escravos por: dívida,
guerra, proteção e era o trabalho das populações escravizadas que sustentava a
comunidade. Aqui, permeava uma ética de negação do trabalho20, visto como algo
pejorativo e depreciador, pois as necessidades da vida tinham significado servil,
portanto quem deveria desempenhá-lo eram os escravos. Os cidadãos livres
exerciam atividades consideradas nobres como a política, negócios cujo instrumento
primordial era a palavra. Dessa forma negativa de conceber o trabalho, advinha todo
um processo de deteriorização da pessoa e da identidade do escravo que não era
considerado um sujeito de direitos e sim propriedade do dominus.
Enquanto Grécia permaneceu ligada à concepção de pólis, cidade -
estado, Roma desenvolveu a concepção de Império. Na Grécia, as lutas sociais
entre a aristocracia territorial e setores populares possibilitaram o desenvolvimento
de várias concepções de governo: oligarquia, plutocracia, tirania e democracia e do
pensamento racional-dualista. Roma, fundada pelos etruscos, surgiu na penísula
Itálica. Possuía terras férteis e a divisão de classes se dava em torno de homens
19 “Assim quando a vontade social chega a ser expressa através de um chefe ou rei, ele está investido não apenas de autoridade moral, mas também do poder de coação, pode aplicar sanção aos desobedientes.” (Gordon Childe, 1971, pág. 115). 20 “A ideologia do trabalho manual como atividade indigna do homem livre foi imposta pelos conquistadores dóricos (que pertenciam à aristocracia guerreira) aos aqueus.” (Martins, 2001, p. 34).
livres (grandes proprietários e pequenos produtores), escravos e comerciantes. Na
cidade romana, desenvolveu-se o location conductio que regulava a atividade de
quem alocava suas energias em troca de um pagamento, tomando três distintas
formas: locatio conductio rei que era o arrendamento de uma coisa; locatio conductio
operarum em que eram locados serviços mediante pagamento; locatio conductio
operis que era a entrega de uma obra ou resultado mediante pagamento
(empreitada).
Com a migração/invasão dos povos bárbaros em Roma, observa-se o
declínio das cidades devido ao intenso processo de ruralização que dividiu a Europa
em feudos. Isso levou à máxima descentralização política, administrativa e
econômica; ao declínio das atividades mercantis e artesanais urbanas; e,
posteriormente, à desintegração do Império Romano do Ocidente e à formação da
sociedade ocidental. Era a época de transição para o feudalismo.
No Feudalismo, o risco de constantes ataques dos povos bárbaros gera
um processo de insegurança, levando homens livres a se refugiarem sob a proteção
militar, política e econômica dos senhores feudais. Nesse momento, também é
restabelecido o sistema de colonato, ou seja, a concessão de lotes de terra a
colonos para cultivo. Essa concessão, no entanto, é em troca da servidão ao senhor
feudal e à terra, pois os servos tinham de entregar parte da produção rural ao senhor
feudal, quando não, parte dos dias da semana21.
“Os arrendatários servos devem, em geral, pelo menos três dias da semana de trabalho na reserva. (...) A corvéia é característica da servidão e toma o lugar da escravidão, forma completa de dispor de uma pessoa.” (Castel, 1998, p. 198-199).
Para Castel (1998), nesse processo em que vive sob seus próprios
recursos, numa economia de subsistência e prestação de serviços ao senhor feudal,
o servo passa a ser um assalariado agrícola parcial, recebendo um salário que
poderia ser pago em dinheiro ou através de diferentes tipos de retribuição em
gêneros, caracterizando assim, uma situação de sujeição da pessoa e um esboço de
uma relação salarial.
21 Esse processo de colocar à disposição certo número de dias para trabalhar na exploração senhorial, dá-se o nome de corvéia.
“(...) a ‘paga’, qualquer que seja sua natureza, representa de fato uma forma de salário à medida que remunera um trabalho efetuado para um terceiro e numa relação de dependência em relação a ele.” (Castel, 1998, p. 199).
Também para Martinelli (2001), as sociedades medievais que tinham
como modo de produção o feudalismo, portanto, baseado numa economia natural e
em relações simples de troca, uniam autoridade e propriedade de terra, uniam
condição de vassalagem, prestação de serviços e renda. Segundo Martins (2001), o
trabalho nessas sociedades também possuía uma conotação negativa, pois era
considerado castigo reservado aos servos, nobre era quem não trabalhava.
No período da Renascença22, que vai do século XV ao XVI, já se
despontava um rompimento com os valores e cultura medievais. O processo de
produção social do trabalho, se caracterizará por ser industrial, manufaturado e
artesanal, o que fará surgir as corporações de ofício. As corporações de ofício são
comunidades autônomas que dispõem do monopólio da produção constituindo-se no
prolongamento da economia doméstica. Eram compostas por 03 personagens: os
mestres ou artesãos (proprietário das oficinas e das ferramentas); empregados ou
companheiros (assalariados), pois recebiam salário dos mestres; e os aprendizes,
menores que recebiam dos mestres o ensino metódico do ofício ou profissão e, até
mesmo, castigos corporais23.
Possuíam regras rígidas de funcionamento e estrutura, pois tinham como
características: a) estabelecer uma estrutura hierárquica; b) regular a capacidade
produtiva; c) regulamentar a técnica da produção. A jornada de trabalho era muito
longa, variando de 12 a 14 horas e podendo chegar até 18 horas no verão. Com a
invenção do lampião à gás, em 1792 por William Murdock, várias indústrias
estabeleceram o expediente noturno (Martins, 2001). Segundo Castel (1998), a
participação em um ofício, em uma corporação marca o pertencimento a uma
comunidade distribuidora de prerrogativas e privilégios que assegura um estatuto
22 “... o Renascimento é ‘uma cultura urbana e burguesa’, mas suas bases foram lançadas em plena Idade Média. A visão deformada da Idade Média foi-nos transmitida pelos próprios renascentistas, que consideravam a Idade Média ‘uma noite de mil anos’.” (Franco, Aquino e Lopes, 1983, p. 73). 23 Segundo Martins (2001), o sistema das corporações de ofício funcionava da seguinte forma: os aprendizes, ao superarem as dificuldades de ensinamento, passavam ao grau de companheiro. Para tornar-se mestre, o companheiro tinha que ser aprovado no exame de obra-mestra e, ou casar-se com a filha ou viúva do mestre.
social para o trabalho, onde o trabalhador não é um assalariado, mas um membro de
um corpo social cuja posição é reconhecida num conjunto hierárquico.
Segundo Martinelli (2001), os séculos XIV e XV vão encontrar o
feudalismo imerso em graves crises, devido à difusão de transações monetárias no
seu interior e às próprias contradições da sociedade. Para ela, com o
desenvolvimento do capitalismo mercantil, as relações de produção do campo são
invadidas pelas transações comerciais que se tornam mais complexas devido ao
objetivo de acumulação da riqueza e do lucro, pela separação entre camponeses e
terra, entre produtor e os meios de produção24. Isso trouxe uma nova divisão social
do trabalho pelo surgimento de uma ascendente e poderosa oligarquia burguesa25. A
partir de 1789, com a Revolução Francesa, as corporações de ofício foram
suprimidas, pois eram consideradas incompatíveis com o ideal de liberdade do
homem, com a liberdade do comércio26. Era a época do início da liberdade
contratual.
Para Castel (1998), outros fatores contribuíram para a desconversão27 da
sociedade feudal: a peste negra que desencadeou um processo de valorização da
mão-de-obra humana e, conseqüentemente, aumento de salários, pois o homem era
raro; a Guerra dos Cem anos e a miserável condição da plebe. O fato é que será um
momento de coexistência entre o novo e o velho.
“Uma sociedade camponesa regida pelos costumes foi abalada por causa da mobilidade incontrolável dos camponeses e por todas as transações referentes à terra”. (...)“O pauperismo deve suas origens às mutações das estruturas agrárias, mas é na cidade que se manifesta em toda a sua amplitude.” (Castel, 1998, p.112-113).
24 “A trajetória do trabalhador se deu em rota oposta à da burguesia, pois a medida que ela foi determinando o seu alijamento dos meios de produção, a começar pela terra, passando em seguida por suas atividades artesanais, o trabalhador foi sendo compelido a se submeter ao trabalho assalariado, indispensável para prover sua subsistência familiar. De camponês a ‘tecelão agrícola’, daí para tecelão e em seguida para trabalhador assalariado...” (Martinelli, 2001, p.32). 25 Provém de Burguês, antigo proprietário de terra, que com o capitalismo mercantil transformou-se em comerciante, mercador, passando em seguida para atacadista “fazendo do comércio exterior e do monopólio a base essencial de sua riqueza”. (Martinelli, 2001) 26 A partir daí, uma série de regulamentos tornaram juridicamente proibida a prática das corporações de ofício, tais como: o Decreto d’Allarde permitindo a liberdade de trabalho, a Lei Le Chapelier, de 1791, proibindo o restabelecimento das corporações de ofício, o agrupamento de profissionais e as coalizões, eliminando as corporações de cidadãos (Martins, 2001). 27 A noção de desconversão refere-se a uma mobilidade desregulada que coexiste com a rigidez das estruturas de enquadramento. “Enquanto a função demográfica provocada pela peste abre amplas possibilidades de empregos, constata-se que “a mendicância cresce na 2ª metade do século XIV.” (Castel, 1998, passim).
Além da queda do feudalismo, as condições históricas, sociais e políticas
que determinaram o trânsito para o capitalismo podem ser enumeradas nas
revoluções burguesas (inglesa, francesa e industrial28), bem como nas leis da
dinastia Tudor29 (1485-1603).
Nesse momento, estavam postas as condições determinantes do
capitalismo, ou seja, a posse privada dos meios de produção por uma classe e a
exploração da força de trabalho daqueles que não os detém. Para Chauí (1999),
esse processo se consubstancia em dois determinantes para a implantação do
processo de acumulação capitalista:
“... pelo primeiro, uma classe social poderosa expropria outras classes sociais dos seus meios de produção (Terra, instrumentos de trabalho) e se apropria privadamente desses meios com os quais aquelas classes produziam sua subsistência e um excedente para trocar no mercado; pelo segundo, os proprietários privados dos meios de produção forçam as classes expropriadas a trabalhar para eles, mediante um salário, para produzir os bens que também são propriedade privada do empregador.” (Chauí, 1999, p.39).
No entanto, foi Marx quem inaugurou significados atribuídos ao
capitalismo que outros economistas, historiadores, cientistas não empreenderam.
Para ele, o capital é uma relação social e o capitalismo um determinado modo de
produção, marcado não apenas pela troca monetária e comercial, mas,
essencialmente, pela dominação do processo de produção pelo capital, pela ruptura
entre o capital e o trabalho e entre os homens. (Martinelli, 2001, p. 29). Para ele, no
capitalismo, a força de trabalho só pode se apresentar no mercado como uma
mercadoria, se for oferecida ou vendida por seu próprio possuidor (...) e o salário é o
28 Esse termo revoluções burguesas, encontra algumas divergências. Para Martinelli (2001), a Revolução Inglesa, que ocorreu no período entre 1640 a 1660 abriu caminhos para uma nova política econômica e social ao liberar a indústria das concessões de monopólios feitas pelos reis e criando os espaços necessários para a livre expansão do capitalismo. Já a Revolução Francesa realizou no plano político e social o trânsito para o capitalismo ao tentar derrubar o Antigo Regime e instalar a sociedade burguesa, proclamando e divulgando a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão. Finalmente, a Revolução Industrial transformou o próprio modo de produção e as relações entre capital e trabalho ao introduzir máquinas automáticas e unidades fabris cujos efeitos ultrapassaram os limites da fábrica e atingiram toda a sociedade. Já para Oliveira (1995), as Revoluções Burguesas foram a Revolução Industrial, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos. 29 Lei do Cercamento, promulgada pelo Parlamento inglês e pela Casa Real, amparava os grandes proprietários a cercar suas propriedades e impedir a entrada de camponeses que outrora tiravam seu sustento da terra. “A Lei do Assentamento, de 1563, impedia-os de se mudar de aldeia sem permissão do senhor local, e a Lei dos Pobres, de 1597, declarava indigentes e retirava o direito de cidadania econômica daqueles que fossem atendidos pelo sistema de assistência pública.” (Martinelli, 2001, p. 33).
preço dessa transação pela qual o proprietário de sua força de trabalho a vende a
um comprador.
Ora, à medida em que o homem é desprovido dos meios de produção e
assim impossibilitado de produzir os meios de subsistência, agora monopolizados
pela classe capitalista, o trabalhador se vê impelido a vender parte de si e troca sua
força de trabalho pelo salário para sua sobrevivência e de sua família. Nesse
processo de produção, o trabalhador produz mercadorias que são valores de uso e
grandezas sociais, que representam a quantidade de trabalho incorporado e que
depois são trocadas pelo valor do trabalho despendido. Porém, como o fim do
processo capitalista é o lucro e mais lucro, à mercadoria é incorporado um sobre-
valor ou a mais-valia, que é, nada mais, nada menos que o tempo do trabalho
socialmente30 não pago à força de trabalho.
A Revolução Industrial acabou transformando substancialmente as
relações de trabalho. O aparecimento da máquina a vapor como fonte energética, da
máquina de fiar e do tear mecânico levaram à substituição da força humana,
fechando vários postos de trabalho existentes e causando desemprego na época.
Também a agricultura passou a empregar um número menor de pessoas, causando
desemprego no campo. Nesse processo, o capitalismo produz o exército industrial
de reserva que vai exercer uma pressão sobre os salários, quando força a existência
de trabalhadores privados de emprego, mas também que queiram ou que sejam
obrigados a trabalhar.“... o recurso ao assalariamento, parcial ou total, indica quase
sempre uma degradação, mesmo em relação a situações já miseráveis”... (Castel,
1998)
“Baseada nesse regime, a civilização realizou coisas de que a antiga sociedade gentílica jamais seria capaz. Mas realizou-se pondo em movimento os impulsos e as paixões mais vis do homem e em detrimento das suas melhores disposições. A ambição mais vulgar tem sido a força motriz da civilização, desde os primeiros dias até o presente; o seu objetivo determinante é a riqueza, e outra vez a riqueza, e sempre a riqueza, mas não a da sociedade, e sim de tal ou tal mesquinho indivíduo. (...) Desde que a civilização se baseia na exploração de uma classe por outra, todo o seu desenvolvimento se processa numa constante contradição. Cada progresso na produção é ao mesmo tempo um retrocesso na condição da classe
30 “...tempo de trabalho socialmente necessário significa que o custo de produção de uma mercadoria inclui todos os trabalhos que foram necessários para chegar ao produto final. É o custo social de sua produção.” (Chauí, 1999, p. 40).
oprimida, isto é, da imensa maioria. Cada benefício para uns é necessariamente um prejuízo para outro...” (Engels, 1975, págs. 199 e 200).
Se o trabalho objetiva o subjetivo, o homem e a sua humanidade, o
capitalismo mascara a essência do trabalhador e o aliena para o burguês, quando a
sua força-de-trabalho vendida se torna uma mercadoria. Dá-se aqui o
estranhamento, ou seja, o trabalho se distancia porque
“foi produzido por ordens alheias e não por necessidades e capacidades do próprio trabalhador; porque fica exposto num mercado de consumo inalcansável para o trabalhador; e porque aparece como uma coisa existente entre si e por si mesma e não como resultado da ação do trabalhador.” (Chauí, 1999, p.36).
Para Castel (1998), reconstituir a passagem da condição de assalariado
fragmentária, miserável e desprezada a uma “sociedade salarial” em que a maioria
dos sujeitos sociais obterá suas garantias e seus direitos a partir da participação
nessa condição, representa a via excelente para compreender as principais
transformações da questão social no capitalismo. E é esse o caminho que se tentará
percorrer.
1.2. O Imperativo do Trabalho na Sociedade Capitalista
Quando o ex-presidente da república, Fernando Henrique Cardoso,
chamou os aposentados de vagabundos31, ele inscreveu o idoso no imaginário que
associa o índio e o nordestino ao preguiçoso, o negro ao indolente, a criança de rua
e o mendigo à vagabundagem (Chauí, 1999 p. 10). Mas, a imagem que associa o
idoso aposentado à vagabundagem é no mínimo intrigante e indigna. Estar
aposentado significa ter trabalhado anos e anos, ter também contribuído com a
previdência anos e anos, e agora é o momento de usufruir desse direito. Mas, por
que o idoso retorna a trabalhar? Infelizmente o esforço de responder leva a outra
questão: Qual a importância que o trabalho tem na sociedade capitalista que leva a
31 “A vagabundagem representa a essência negativa do assalariado. Acima do vagabundo, mas abaixo de todos aqueles que têm um status, os assalariados povoam zonas inferiores e ameaçadas de dissolução da organização social” (Castel, 1998).
estigmatizar pessoas que nela estejam insatisfeitas? Porque, como diz Marilena
Chauí, “força o trabalhador desempregado a sentir–se humilhado, culpado e um
pária social” ? (Chuí, 1999, p. 10). Tentar responder a tais questionamentos, eis a
nossa tarefa! Portanto, essa parte do estudo se centra no como e quando o horror
pelo trabalho transformou-se no seu contrário.
O trabalho no momento de instauração da sociedade capitalista toma
formas diferenciadas das que, até então, eram exercidas. Nesse momento, observa-
se uma necessidade crescente de recorrer ao assalariamento como forma de
apropriação da riqueza por parte dos patrões, bem como tentativas de superação
das obrigações servis, próprias do feudalismo, que impossibilitavam regular uma
condição salarial devido à pressão das tutelas tradicionais que imprimiam ao
trabalho relações de obrigações sociais e não econômicas.
Para Max Weber32 (1967), foi justamente quando o capitalismo ocidental
permeado por uma ética cristã protestante calvinista situou o trabalho na esfera dos
deveres morais, como racionalizador da atividade econômica geradora de lucro. “O
homem é dominado pela produção de dinheiro, pela aquisição encarada como a
finalidade última de sua vida.” (Weber, 1967, p. 33).
Para Chauí (1999), a categoria trabalho hoje é herdeira dessa
racionalidade pautada numa ética de investimento, obtenção do lucro e de riqueza,
destituída do seu significado emancipador e criativo. Racionalidade que teve como
pilares as “inúmeras e freqüentes legislações iniciais do capitalismo, quando
transformaram a mendicância e a preguiça em crimes sujeitos à pena de prisão e,
em certos casos de morte.” (Chauí, 1999:15).
Toda uma estrutura legal favorecerá o livre acesso ao trabalho no
capitalismo. Em 1791, após a Revolução Francesa, dá-se início então ao processo
de liberdade contratual. Para Castel (1998), a promoção do livre acesso ao trabalho
é uma revolução jurídica tão importante quanto a revolução industrial, pois quebra as 32 Porém, mesmo que Weber tenha contribuído para elucidar essa relação entre o capitalismo e a posição do trabalho como virtude, a autora, afirma que ele não admitiu que o capitalismo seja um modo de produção econômica historicamente determinado que inclui como uma de suas determinações ideológicas: a Reforma
formas seculares de organização dos ofícios e faz do trabalho forçado, regulado uma
sobrevivência bárbara.
“No momento de instauração da sociedade liberal (trabalho) o imperativo de redefinir o conjunto das relações de trabalho num quadro contratual representa uma ruptura tão profunda quanto a mudança de regime político. No momento em que a condição de assalariado livre se torna a forma juridicamente consagrada das relações de trabalho, a situação salarial ainda permanece por muito tempo, com conotação de precariedade e infortúnio.” (Castel, 1998).
Porém, toda essa liberdade significará opressão do trabalhador. No Livro
“O Direito à Preguiça”, Paul Lafargue (1999), buscando desvendar o significado do
trabalho no mundo da produção capitalista, também faz uma crítica à ideologia do
trabalho assalariado, denunciando que a paixão pelo trabalho é como uma religião
do trabalho que vê no Progresso, Deus e, nos burgueses, seus maiores pregadores.
Para ele, os proletários, ao se deixarem dominar pela religião do trabalho, eram
responsáveis por tamanha exploração. “Todas as misérias individuais e sociais
nascera (sic) de sua paixão pelo trabalho.”(Lafargue, 1999, p. 67).
Quando a burguesia assumiu o poder, continua Lafargue (1999),
abandonou seus ideais revolucionários dos séculos XV e XVI, escorou na religião
sua supremacia econômica e política, reduziu o produtor ao mínimo das
necessidades, suprimiu suas alegrias e paixões e condenou-o ao papel de máquina
de gerar trabalho. “Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda a
degeneração intelectual, de toda a deformação orgânica.” (Lafargue, 1999, p. 64).
Tal opressão do trabalho era verificada nas Casas do Trabalho (Workhouses),
verdadeiras casas de terror, onde se trabalhava 12, 14 e até 16 horas. Eram
consideradas depósitos de correção, onde eram encarceradas as massas operárias,
condenadas a trabalhos forçados. Não apenas homens, mas também mulheres e
crianças, ou seja, a liberalidade do trabalho não rompeu com as mais vis formas de
sujeição, ou melhor, ressituou-as.
Substituía-se o trabalho adulto pelo das mulheres e menores que, além
de trabalharem mais horas por que recebiam salários inferiores. Os trabalhadores
Protestante (Chauí, 1999, p. 15). “Para Weber, a ‘ética prostestante’ e o ‘espírito do capitalismo’ são a conjunção temporal de dois acontecimentos históricos que, em si mesmos, seriam independentes.” (CHAUÍ, 1999, p. 15).
prestavam serviços em condições péssimas de trabalho. Os contratos eram feitos de
forma verbal, vitalícios ou enquanto perdurasse a prestação de serviço. Porém, mais
parecia servidão pois, alguns trabalhadores eram vendidos e comprados juntos com
seus filhos.
Os trabalhadores começaram a reunir-se, a associar-se para reivindicar
melhores condições de trabalho e de salários. Mas para Lafargue, a luta pelo direito
ao trabalho, pela jornada de 8 a 12 horas, pelo salário mínimo, com direito à férias e
aposentadoria e a conquista do seguro-desemprego são em parte conquistas
sociais, meias-conquistas, pois a burguesia teve que garanti-las, portanto continuam
presos ao capital. Para ele, enquanto a fome for o móvel natural de pressionar o
trabalho e a indústria, os direitos do homem são tísicos, “arquitetados pelos
advogados metafísicos da revolução burguesa.” (Lafargue, 1999, p. 68).
No entanto, foi a partir daí que surgiu a liberdade e a legalidade na
contratação dos trabalhadores. O Estado passa a intervir nas questões das relações
de trabalho, dado os abusos que vinham sendo cometidos pelos empregadores.
Observa-se em várias partes do mundo um processo em que o trabalhador é
protegido jurídica e economicamente. Na Inglaterra, em 1802, a Lei de Peel
disciplinava o trabalho dos aprendizes paroquianos nos moinhos, limitando em 12
horas a jornada de trabalho, excluindo os intervalos para refeições e não deveriam
iniciar antes das 6 horas e terminar após as 21 horas. Em 1819, foi aprovada lei que
tornava ilegal o emprego de menores de 09 anos. Na França, em 1813, ficou
proibido o trabalho dos menores em minas. Em 1814, o trabalho aos domingos e
feriados foi vedado e em 1939, houve redução da jornada para 10 horas.
A Igreja Católica também passa a preocupar-se com o trabalho,
admoestando empregadores e empregados através da Doutrina Social da Igreja. Em
1845, Dom Rendu, Bispo de Annec, enviou texto para o Rei de Sardenha,
denominado Memorial sobre a questão operária, onde afirmava que a legislação
moderna nada tinha feito para o proletário, sendo necessário ampará-lo, pois o
trabalho dignifica o homem. A Encíclica Rerum Novarum (coisas novas), de 1891, do
Papa Leão XIII, traçava regras para a intervenção estatal na relação entre
trabalhador e patrão. Outras encíclicas como: Quadragesimo anno, de 1931, e Divini
redemptoris, de Pio XII; Mater et Magistra, de 1961, de João XXIII; Populorum
Progressio, de 1967, de Paulo VI; Laborem Exercens, do Papa João Paulo II, de 14
de setembro de 1981, tratavam do tema do trabalho, mostrando a preocupação da
Igreja com as relações entre capital e trabalho.
Martins (2001), seguindo uma cronologia dirá que, logo após a Primeira
Guerra Mundial, constituições do mundo inteiro passaram a incluir questões de
interesse trabalhista. A primeira constituição que tratou do tema foi a do México, em
1917, estabelecendo jornada de 08 horas, proibição do trabalho para menores de 12
anos, limitação da jornada dos menores de 16 anos para seis horas, jornada máxima
noturna de sete horas, descanso semanal, proteção à maternidade, salário mínimo,
direito de sindicalização e de greve, indenização de dispensa, seguro social e
proteção contra acidentes do trabalho. A segunda constituição foi a de Weimar, de
1919, na Alemanha que disciplinava a participação dos trabalhadores nas empresas,
no que se refere à representação, fixação dos salários e demais condições de
trabalho, bem como criação do sistema de seguros sociais.
O autor continua dizendo que em 1919, também surge o Tratado de
Versalhes prevendo a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
incubida de proteger as relações entre empregados e empregadores no âmbito
internacional através de convenções e recomendações. Em 1927, na Itália, a Carta
del Lavoro instituía um sistema corporativista de inspiração fascista que influenciou
sistemas políticos de vários países como Portugal, Espanha e, especialmente, o
Brasil. Para Martins (2001), o corporativismo tinha como diretrizes básicas: o
nacionalismo, necessidade de organização, pacificação social e harmonia entre o
capital e o trabalho.
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem também
preconizava alguns direitos como limitação da jornada de trabalho, férias
remuneradas periódicas, repouso e lazer, etc.
1.2.1. A trajetória do trabalho no Brasil
Segundo Iamamoto (1995), o Brasil é herdeiro da contradição que a
generalização do trabalho livre, vivenciada séculos anteriores pelos países
desenvolvidos do velho mundo, legou. Ao passar de país agro-exportador para
agroindustriário, trouxe consigo uma série de mazelas como o aumento da pobreza.
Além disso mantinha em seu sistema mulheres, crianças e adultos em regime de
trabalho de até 18 horas.
No entanto, para José de Souza Martins (1975), o Brasil entra nesse
processo sem que as condições de acumulação primitiva, tal como aconteceu no
velho continente, tenha se dado no seu interior. Isso por várias razões: além da
escravidão que assolou o país, a concentração da economia brasileira na produção
de produtos agrícolas, entre eles, o café, principal produto de exportação, desde a
segunda metade do século XIX, contribuiu para essa diferenciação.
Para Costa (2000), embora o Brasil chegue ao século XIX com um
adensamento populacional urbano, não pressionará as relações tradicionais do
campo e nem fará sua industrialização sem grandes crises de reprodução do
emprego. Isso devido a existência do trabalho escravo e o compulsório dos
indígenas impeditivos da valorização do trabalho livre assalariado e responsáveis
pela sua regulação e aviltamento de seu preço. Para a autora, ainda existe uma
incompatibilidade do regime escravista com o avanço industrial, fazendo-se
necessário reserva em se comparar a transição do feudalismo para o capitalismo no
continente europeu com o fim do escravismo e a emergência do trabalho livre no
Brasil.
“... o Brasil chegará ao final do século XIX como uma nação escravista, portanto, não-salarial, mas que efetivará o financiamento da industrialização por meio da expansão do café, se apropriar do salário, mas de uma imensa quantidade de tempo de trabalho e de um rígido controle dos custos de reprodução da mão-de-obra escrava.“ (Costa, 2000, p. 15).
A produção do café que era cultivado, principalmente, nos Estados de
São Paulo e Minas Gerais, devido às condições climáticas, com um tempo levou a
um favoritismo desses estados no monopólio das escolhas dos dirigentes da nação,
introduzindo assim, um sistema de rodízio na escolha dos presidentes do país,
conhecido como política do café-com-leite33.
Segundo historiadores, já havia na década de 20, um esforço de
passagem do sistema agrário comercial para o sistema industrial, no entanto, só se
concretizando no período da II Guerra Mundial, pois esse processo de
industrialização encontrou vários obstáculos. A mais forte barreira foi o ruralismo
cujos defensores consideravam as atividades agrícolas como as verdadeiras
produtoras de riqueza, no intuito de manter os interesses da burguesia rural.
Tal economia funcionava assim: a oligarquia dominante, ligada na sua
maioria ao café, quando as vendas externas eram em média abaixo do que era
produzido, protegia os riscos do mercado mantendo altos preços do produto e
obrigando o governo a comprar as safras. Porém, à medida que o governo se
endividou com empréstimos para sanar as dívidas dos cafeicultores, as finanças do
país despencaram, levando esse sistema a entrar numa crise pela dificuldade de
enfrentar os novos ditames da economia mundial, bem como pela crise econômica
mundial que se expressou claramente com a quebra da Bolsa de Nova York, em
1929, obrigando ao Brasil mudança na sua política econômica.
Além da crise econômica, instala-se no Brasil uma outra crise, de ordem
política, representada por um clima de insatisfações, em relação ao revezamento
dos estados de São Paulo e Minas Gerais na condução dos interesses do país, bem
como pela incapacidade desse sistema de solucionar a crise, dando vez a
movimentos de contestação como o tenentismo34 e a greves operárias. Nesse
contexto, também as grandes oligarquias da República Velha dividiram-se. Uma
parte, comandada pela oligarquia paulista, rompeu o acordo ao indicar o governador
de São Paulo para a sucessão quando a vez era de Minas Gerais. A outra aliou-se à
nova classe empresarial urbana e às classes médias ascendentes para derrubar o
atual regime através do levante de 1930.
33 Durante a República Velha (1889-1930), as oligarquias rurais, formadas por grandes proprietários de São Paulo e Minas Gerais, ligados ao café e à pecuária, que “exerciam o poder pelo controle dos partidos e das eleições municipais e estaduais, fazendo eleger seus candidatos e indicando seus partidários para os cargos de administração pública.” (Pomar, 2002, p. 06). 34 Segundo Pomar (2002), movimento de tenentes, capitães e outros oficiais das Forças Armadas, que catalisou o descontentamento das classes médias na década de 20.
No aspecto social, observamos na década de 20 um processo migratório
que, desde a abolição, já se apresentava. Porém, agora de forma intensa, dando
novas características ao mercado de trabalho e às relações trabalhistas. Ao lado
desse fenômeno, aparece o da urbanização que imprimirá também novas relações
no contexto social.
A questão social que, até então, teve um tratamento de indiferença por
parte dos governantes, ganha importância por volta de 1920 quando se apresenta
como problema das relações entre capital e trabalho. Ela será expressa na
exploração desenfreada, bem como na resistência do operariado. Ambas põem em
cheque o sistema capitalista, necessitando de uma intervenção do Estado, para
tornar a compra e venda da força de trabalho parte da esfera jurídica como o que
aconteceu com as leis sociais de regulação do mercado de trabalho.
“O desdobramento da Questão Social é também a questão da formação da classe operária e de sua entrada no cenário político, da necessidade de seu reconhecimento a nível de Estado e, portanto, da implementação de políticas que de alguma forma levem em consideração seus interesses.” (Iamamoto, 1982, p. 128).
Entre os anos 20 e 30, a não intervenção do Estado nas relações de
trabalho caracterizava um estado alheio às questões sociais, tratando-as como caso
de polícia. Os operários, comparados aos delinqüentes ganhavam prisão, porrete e
morte. Ainda de forma incipiente, no governo de Arthur Bernardes, o Congresso
Nacional recebeu a atribuição de legislar sobre o trabalho. Estava diante do
crescente processo de industrialização e de reivindicação operária por melhores
condições de trabalho, por oito horas de jornada, descanso semanal, salários
maiores e férias, porém, só existiam no papel.
Para Costa (2000), o Brasil era atrasado em sua legislação social de
amparo ao trabalhador, devido a inexistência das condições primitivas de
acumulação primitiva do capitalismo e da escravidão. O vínculo contratual entre
patrão e empregado que se estabelecerá não eliminará formas de convivência
peculiar à relação entre senhores e escravos. Para se ter uma idéia, as constituições
brasileiras só tratavam da forma do Estado, do sistema de governo, nada restando
sobre as relações de trabalho. A Constituição de 1824 tratou apenas de abolir as
corporações de ofício, garantindo a liberdade do exercício dos ofícios e profissões.
Já a Lei do Ventre Livre, de 1871 dispôs da liberdade dos filhos de escravos que
nasceriam livres após aquela data e a Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida como Lei
dos Sexagenários, libertava os escravos com mais de 60 anos que mesmo depois
de livres deveriam prestar mais três anos de serviços gratuitos a seu senhor. Só em
1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea abolindo de vez a escravidão.
Observa-se que o Brasil, mesmo sendo participante do Tratado de
Versalhes, contava apenas com medidas isoladas em defesa tanto do trabalhador
rural como do urbano. Já por parte do operariado, não havia uma mentalidade de
classe e, esse alheamento das massas, favorecia a permanência das oligarquias
dirigentes. Contudo, as transformações apresentadas no Velho Continente,
decorrentes da Primeira Guerra Mundial e do aparecimento da OIT, em 1919, bem
como do movimento do operariado, incentivaram a criação de normas trabalhistas
em nosso país. As idéias revolucionárias encontraram terreno fértil em alguns
movimentos liderados por imigrantes de outros países que aqui viviam e foram
fundamentais para garantir melhores condições de trabalho e salário.
No início da década de 30, observa-se um aumento da população que
vivia na cidade, pois grande parte da mão-de-obra rural migrou para a indústria e
para os centros urbanos a procura de emprego. Para Pomar(2002), em 1930 cerca
de 25% da população brasileira vivia em cidades. Na década posterior, essa
porcentagem subiu para 30%, ou seja, quase um milhão de trabalhadores da
indústria e do setor de serviços concentrados em algumas cidades, como São Paulo
e Rio de Janeiro. No entanto, as péssimas condições que viviam os trabalhadores,
constituindo no dizer do autor, uma massa abandonada, sem nenhuma segurança,
sem garantia de direito algum, denunciavam o sistema e atemorizavam as elites
diante dos levantes revolucionários que consideravam necessário para melhorar as
condições dos trabalhadores.
Há um esforço de tratar as questões trabalhistas, como as relacionadas
ao trabalho infantil e feminino, não mais como um caso de polícia e sim de
responsabilidade de um órgão oficial incumbido de gerenciar os direitos e interesses
trabalhistas. É quando inicia-se também uma nova fase política35 para o Brasil.
Getúlio, ainda no governo provisório, instituiu a jornada de oito horas diárias,
regulamentou férias anuais ao empregados no comércio e nos bancos e criou os
Institutos de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos. Segundo Martins (2001), o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi criado em 1930, passando a expedir
decretos sobre as profissões, trabalho de mulheres (1932), salário mínimo (1936),
Justiça do Trabalho (1939), no intuito de organizar num sistema trabalhista as leis
ordinárias anteriores que tratavam do trabalho de menores(1891), da organização de
sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), de férias e de conter os anseios
reprimidos dos operários.
Ainda para Martins (2001), a Constituição de 1934 é a primeira a tratar
especificamente do direito do trabalho, garantindo a liberdade sindical (art. 120), a
isonomia salarial, salário mínimo, jornada de 08 horas de trabalho, proteção do
trabalho das mulheres e dos menores, repouso semanal e férias anuais
remuneradas (Parág. 1º do Art. 121). Contudo as relações de trabalho, serão
marcadas por uma fase intervencionista do Estado. A Constituição de 1937, também
conhecida como Polaca, por ser inspirada na Constituição Polonesa trazia um
caráter corporativista36-facista37 ao instituir o sindicato único, vinculado ao Estado, os
tribunais do trabalho que tinham por objetivo evitar o entendimento direto entre
trabalhadores e empregadores; que a economia deveria se organizar em
corporações, como função delegada do poder público proibia, também, os
estrangeiros de exercerem uma série de atividades econômicas e políticas, fechando
organizações de italianos e alemães durante a II Guerra Mundial.
No curso da Segunda Guerra Mundial, o Brasil mantinha-se neutro.
Porém quando navios brasileiros foram afundados por submarinos alemães, uma 35 O decreto n°. 19.398, de 11 de novembro de 1930, como conseqüência da Revolução de 30, que instituiu o governo provisório sob o comando de Getúlio Vargas, transferia o poder político e administrativo dos estados para o governo central, concedendo-lhes funções e atribuições não só do Poder Executivo, como do Legislativo. Quanto ao Judiciário, impôs-lhe restrições. Nesse sentido, Getúlio cassou todos os governadores e prefeitos, nomeando interventores para cada ente da federação, com exceção de Minas Gerais que apoio a Revolução. 36 Segundo Martins (2001) o corporativismo que surgiu ainda no século XIX, visava organizar a economia em torno do Estado, promovendo o interesse nacional, além de impor regras a todas as pessoas. O interesse nacional colocava-se acima dos interesses particulares. Como dizia Mussolini: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado (Tutto nello Stato, niente contro lo Stato, nulla al di fuori dello Stato)”. 37 O facismo considerado um movimento de natureza nacionalista, antiliberal e ditatorial surgido inicialmente na Itália, sob a liderança de Benito Mussolini, tinha por emblema o fascio, feixe de varas das antigas legiões
intensa mobilização popular fez com que Getúlio enviasse tropas brasileiras para
lutar na Guerra. A partir daí, o quadro político brasileiro mudou. Setores tanto da
esquerda como da direita, contrários ao regime ditatorial de Getúlio, pressionavam
por liberdade, democracia, anistia e pelo esforço de guerra. Em 1940, Vargas,
temendo que, sem acesso aos direitos básicos e às condições mínimas de vida, os
trabalhadores apoiassem o Partido Comunista (PC) criou o salário mínimo de 240
mil réis por mês, tornou obrigatória a emissão e o registro da carteira de trabalho,
dando início a um processo de cidadania regulada38. Com isso, objetivava ter nas
leis trabalhistas um instrumento de conciliação, coordenação e cooperação das
classes. Porém, foi somente com a edição do decreto-lei n°. 5.452, de 1º de maio de
1943, aprovando a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (inspirada na Carta del
Lavoro39, de 1927) – que as normas sobre assuntos trabalhistas foram
sistematizadas e os trabalhadores considerados cidadãos. No entanto, vale ressaltar
que o Estado getulista combinou suas concessões com a ação de uma estrutura
sindical atrelada ao Ministério do Trabalho e uma forte repressão policial, copiadas
do sindicalismo corporativista e dependente do Estado. É nesse período que a maioria dos sujeitos da pesquisa começaram a
trabalhar, ainda crianças, quando então, gesta-se no Brasil uma política trabalhista
como legado da era Vargas40. Para Martins (2001), a Constituição de 1946 rompeu
com o corporativismo da constituição anterior, dando um caráter democrático às
relações de trabalho com a participação dos trabalhadores nos lucros da empresa,
repouso semanal remunerado, estabilidade, direito de greve, etc, e garantindo uma
série de regulamentos das questões trabalhistas. Em 1949, surge a Lei n°. 3.027
romanas. Difundiu-se por diversos países, mas foi na Alemanha que assumiu feição mais extremada, com o nazismo e com Hitler. 38 Para Simões (1999), cidadania regulada refere-se a um conceito embutido num sistema de estratificação ocupacional, que identifica e limita os direitos do cidadão de acordo com sua profissão e ocupação. “... Os três parâmetros definidores dessa concepção de cidadania – o sindicato público, a exigência da carteira profissional (como uma certidão do nascimento cívico) e a regulamentação de profissões (as reconhecidas ou não).” (Simões, 1999, p. 96). 39 A Carta Del Lavoro, ou Carta do Trabalho, foi editada por Mussolini em 1927 e partia do princípio que a principal orientação do Estado fascista italiano deveria ser a promoção do desenvolvimento econômico do país, através da industrialização e que os interesses conflitantes entre patrões e empregados fossem suprimidos em prol da solidariedade e do imperativo da produção. 40 Era Vargas refere-se ao período de 1930 a 1945 em que Getúlio Vargas esteve a frente do poder, completando um conjunto de mudanças políticas, econômicas e sociais que os historiadores denominam Modernização Conservadora. A partir do governo provisório, em 1930, observa-se que o país deixa de ser essencialmente agrário, para tornar-se agrário-industrial, isso graças a um processo de intensificação da industrialização e do crescimento urbano; também ocorre uma integração das diversas regiões, através de novos meios de transportes e comunicação; elevação do padrão educacional e cultural, bem como, ampliação do direito de voto, a participação política e a qualificação técnica profissional.
regulando o repouso semanal remunerado, a Lei n°. 3.207, de 1957 tratando das
atividades dos empregados vendedores, viajantes e pracistas; a Lei n°. 4.090, de
1962, instituindo o 13º salário; a Lei n°. 4.266, de 1963, que criou o salário-família.
Em 1967, uma nova Constituição e outros dispositivos legais mantiveram
os direitos trabalhistas estabelecidos nas constituições anteriores. A Lei n°. 5.859,
de 1972, dispunha sobre o trabalho dos empregados domésticos; a Lei n°. 5.889, de
1973, sobre o trabalhador rural; a Lei n°. 6.019, de 1974, tratando do trabalhador
temporário; o Decreto-lei n°. 1.533, de 1977, dando nova redação ao capítulo sobre
as férias da CLT, entre outros.
Nesse sentido, no período que vai do II Pós-Guerra até fim dos anos 70,
generalizaram-se os empregos assalariados41 regulares e regulamentados do
mercado de trabalho e dos segmentos organizados da População Economicamente
Ativa (PEA); em postos de trabalho mais homogêneos, criados por empresas
tipicamente capitalistas (Salvador e Boschetti, 2002). A queda na taxa de
participação da População Economicamente Ativa (PEA) em relação a População
em Idade Ativa – PIA ( que vai dos dez anos até 15 anos ou mais), em virtude da
generalização do processo educacional e do sistema de aposentadorias e pensões,
favoreceu uma liberação de vagas no mercado de trabalho (Salvador e Boschetti,
2002).
No entanto, apesar de se observar uma gradual substituição da mão de
obra do campo pela urbana, a industrialização brasileira não foi suficiente para
assegurar emprego para todos e nem para instituir uma “sociedade salarial” como
nos dizeres de Castel (1998). A partir da década de 70, o modelo de
desenvolvimento brasileiro apresenta sinais de não continuidade de crescimento
econômico, até então, vivenciado com claras interrupções do processo de
estruturação do mercado de trabalho.
41 Salvador e Boschetti (2002) parafraseando Pochmann (1999) dirão que de cada dez ocupações geradas, oito eram assalariadas, sete com carteira assinada e uma sem registro. E continuam: “A soma das ocupações por conta própria, dos sem remuneração e dos empregadores equivalia a apenas 20% do total dos postos de trabalho ...” (Salvador e Boschetti, 2002, p. 116).
Apesar da constituição de 1988, dedicar todo um capítulo aos direitos
trabalhistas quando nas constituições anteriores eram inseridos apenas no âmbito
da ordem econômica e social, as décadas de 80 e 90, confirmarão as tendências de
redução do assalariamento com registro, bem como a expansão do desemprego e
de ocupações informais. Segundo Pochmann (1999), inversamente do que se
observou no período do II pós-guerra, em meados do século XX, de cada 100
empregos criados entre 1980 e 1999, 99 foram sem registro em carteira profissional
e apenas 01 tinha registro.
Sob os marcos do neoliberalismo que impõe a desregulamentação dos
mercados financeiros, de produtos e do trabalho, o Brasil, no início do governo de
Fernando Collor se subordina às condições da nova ordem internacional e do
receituário de ajustes propostos pelos organismos financeiros internacionais como,
BIRD e FMI. Para Antunes (1997), a partir do Plano Real, o Brasil, assim como os
demais países latino-americanos, reingressou no caminho recomendado pelo
Consenso de Washington, de promover políticas macroeconômicas de estabilização
monetária, de reformas estruturais liberalizantes de mercado, redução dos gastos
públicos, ampliação das importações e privatizações das empresas estatais. Todo
esse receituário tem provocado uma elevada flexibilidade de contratação da mão-de-
obra e a redução no ritmo da atividade produtiva gerando demissões e ampliando o
desemprego.
1.3. O trabalho na Sociedade Contemporânea
Segundo Antunes (1997), as sociedades do capitalismo avançado
sofreram mudanças no mundo do trabalho evidenciadas a partir das transformações
tecnológicas da década de 80: automação, robótica, microeletrônica, que acabaram
invadindo o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de
trabalho e de produção do capital, substituindo a produção em série e de massa pela
flexibilização da produção.
Para Harvey (1993), o núcleo essencial do fordismo manteve-se forte até
1973, onde o padrão de vida da população trabalhadora e os lucros monopólicos
eram estáveis. Depois da aguda recessão de 1973, inicia-se um processo de
recessão no interior do processo de acumulação de capital, dando vez a um
processo de acumulação flexível que confronta “a rigidez do fordismo com a
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e
padrões de consumo. (...)um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de
serviços’.” (Harvey, 1993, p.140).
Todo esse processo levou muitos teóricos a estimar pelo de fim do
trabalho. Entre as teses que apostavam nesse fim, está a do sociólogo francês
André Gorz, que no seu livro “Adeus ao Trabalho”, decretava a morte do operariado
por imaginar um trabalho sem heterônomo, abstrato/concreto, restando praticamente
a luta pelo tempo livre liberado. Não tão contemporâneos a ele, Hesíodo, Protágoras
e os sofistas acreditavam que o trabalho tinha um valor social e religioso, posto que
agradaria aos deuses criando riquezas que tornariam o homem independente livre,
ou seja, livre para realizar outras atividades.
No entanto, Antunes dirá que as tendências em curso não permitem
concluir pela perda da centralidade do trabalho, pois vivemos numa sociedade
produtora de mercadorias, do trabalho abstrato42 na criação de valores de troca.
Portanto, a tese de Gorz, para ele, é uma concepção utópica e idealizante do
trabalho que avilta e do tempo, fora do trabalho, que liberta, desconsiderando a
dimensão totalizante e abrangente do capital que engloba desde o plano da
materialidade ao mundo das idealidades.
Segundo o referido autor, o capitalismo contemporâneo, ao mesmo tempo
que desproletarizou o trabalho industrial fabril, efetivou uma expressiva expansão do
trabalho assalariado (assalariamento no setor de serviços, heterogeneização do
trabalho com a mão-de-obra feminina, excluindo o mais jovens e mais velhos) e uma
subproletarização intensificada (trabalho parcial, temporário, precário,
42 Diferença entre trabalho concreto e trabalho abstrato. Trabalho concreto é quando o dispêndio da força humana é direcionada para um determinado fim, valores de uso. Trabalho abstrato – cria o valor das mercadorias, valores de troca.
subcontratado, “terceirizado). A subproletarização do trabalho leva à precariedade
do emprego e da remuneração, a desregulamentação das condições de trabalho em
relação às normas legais e vigentes ou acordadas e à conseqüente regressão dos
direitos sociais, bem como ausência de proteção e expressão sindicais.
No Brasil, o assalariamento precário de trabalhadores livres ou
compulsório indígena, aliado ao não-assalariado dos escravos estimularam, por
cinco séculos, modos de subsistência de trabalho por conta própria: economia de
auto-subsistência, mutirão, biscate. Esse assalariamento precário implicou nos
critérios de composição das cestas de consumo e fixação dos salários mínimos do
trabalhador. O avanço neoliberal se fará sem dificuldades em processos de
valorização desse trabalho por conta própria, informal.
Ao contrário do que era esperado, relata Chauí, a sociedade
contemporânea, com a automação, não produziu uma sociedade livre e de
abundância onde o trabalho é uma ação criadora como esperava Aristóteles e
Lafargue. Em seu lugar, surgiu a sociedade administrada que controla todo o tempo
do operário: o tempo livre, o tempo do trabalho; passando assim, a ter o controle
tecnológico de todas as classes sociais como se fosse a “própria personificação da
Razão” para o bem de todos os grupos e interesses sociais. Desse modo, toda a
contradição parece irracional e toda ação contrária parece impossível. Nesse
sentido, “(...) a forma contemporânea do capital, contrariamente ao que sucedia
antes, impõe a idéia de que o trabalho não cria riqueza, os empregos não dão lucro
e os desempregados são dejetos inúteis e inaproveitáveis” (Chauí,1999, p. 50).
“... o capital, valendo-se dos recursos públicos e do imenso desenvolvimento tecnológico, já não precisa do grande contingente de força de trabalho, necessário anteriormente. (...) com o fim das políticas sociais e o desmantelamento dos direitos conquistados, a classe trabalhadora não tem condições para enfrentar o capital e o desemprego que, agora, tornou-se estrutural.” (Chauí, 1999).
Antunes concordará com Marx ao dizer que a revolução tecnológica tem
um evidente significado emancipador quando não é regida pela lógica destrutiva do
sistema produtor de mercadorias, mas pela sociedade do tempo disponível e da
produção de bens socialmente úteis e necessários. Mandel apud Antunes (1997)
dirá que Marx não cria no potencial emancipador da robótica e da automação sob a
opressão capitalista, pois essas transformações não teriam capacidade de aumentar
o tempo-livre para o ser humano. Como ele, o filósofo húngaro, Luckács (1978)
acreditava que o desenvolvimento tecnológico poderia tanto proporcionar um
crescimento da capacidade humana como sacrificar indivíduos e até classes inteiras.
Para Antunes (1997), as transformações por que passam as economias
capitalistas, intensamente a classe-que-vive-do-trabalho, o trabalhador, tanto na sua
materialidade quanto na sua subjetividade e forma de ser quando apregoa a
desregulamentação, flexibilização dos direitos do trabalho. “Direitos e conquistas
históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados do mundo da produção”
(Antunes, 1997, p. 16). Há um verdadeiro estranhamento43 que foi intensificado e
interiorizado pelo capitalismo contemporâneo, “na medida em que minimizou a
dimensão mais explicitamente despótica intrínseca ao fordismo, em benefício do
‘envolvimento manipulatório’ da era do toyotismo ou do modelo japonês” (Antunes,
1997, p. 91).
“... o estranhamento é um fenômeno exclusivamente histórico-social, que em cada momento da história se apresenta de formas sempre diversas, e que por isso não pode ser jamais considerada como uma condicione humaine, como um traço natural do ser social.” (Antunes,1997, p. 91).
“... não existe um estranhamento como categoria geral ou, tanto menos, supra-histórica, antropológica. O estranhamento tem sempre características histórico-sociais, em cada formação e em cada período aparece ex novo, posto em marcha pelas forças sociais realmente operantes.” (Luckács, 1978, p. 559).
Portanto, a década de 80 é palco desse estranhamento quando o
Fordismo e Taylorismo44, mesclam-se com neofordismo, neotaylorismo, pós-
fordismo e toyotismo45. Io dá vez a um processo de desespecialização e polivalência
do trabalhador, obrigando-o a operar com várias máquinas, a produzir com mais
43 O estranhamento, segundo Antunes (1997), é entendido como a existência de barreiras sociais que se opõem ao desenvolvimento da individualidade cheia de sentido. Distância entre o produtor e o produto e do próprio processo laboral. 44 Produção em massa, controle dos tempos e movimentos (Cronômetro fordista e produção em série taylorista); trabalho parcelar e fragmentação das funções. Separação entre elaboração e execução no processo de trabalho. Presença de unidades fabris concentradas e verticalizadas, constituição do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril. 45 O Toyotismo mescla-se ou substitui o padrão fordista dominante, novos padrões de gestão da força do trabalho, CCQ’s (Círculos de Controle de Qualidade), a “gestão participativa”, a busca da “qualidade total”.(Antunes, 1997)
rapidez para intensificar e aumentar o lucro da empresa, mesmo com a redução dos
trabalhadores. As relações trabalhistas são caracterizadas por um alheiamento e
distanciamento dos trabalhadores das reivindicações de melhores condições de
trabalho. Nesse momento, toda uma ideologia de sindicatos de empresa
(Sindicalismo de Envolvimento), tornando as reivindicações atadas ao universo
patronal, é dissiminada sutilmente ensejando um processo de repressão, cooptação,
subordinação para a consolidação do Toyotismo, tais como: emprego vitalício46,
ganhos salariais de produtividade, meritocracia empresarial, ascenção funcional,
flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ’s, controle de qualidade yotal,
eliminação do desperdício e “gerência participativa”.
Segundo Antunes (1997), o modelo Japonês, como é conhecido o
toyotismo, está muito mais sintonizado com a lógica neoliberal do que com a
concepção social-democrática e há um distanciamento pleno de qualquer alternativa
para além do capital, bem como a desindentidade entre indivíduo e gênero humano,
constatada por Marx nos manuscritos. A subsenção do ideário do trabalhador ao
capital na era toyotista é mais envolvente, consensual, participativa, manipulatória,
difere do despotismo fordista. A posição do sindicalismo na crise contemporânea é a
intensificação do neocorporativismo. As consequências são desemprego estrutural,
trabalho parcial e temporário.
Para Iamamoto (2001), o século XXI é herdeiro das contradições, tensões
e problemas gestados pelas profundas mudanças sociais e políticas em outros
séculos. O capitalismo contemporâneo introduziu uma das mais cruéis formas de
subordinação da classe trabalhadora ao imprimir um tipo de sociabilidade que
neutraliza a ação política desses sujeitos enquanto classe.
Para Dias (1999), ao lado da reestruturação produtiva e gerencial de
reorganização do Estado, obtém-se uma ampliação do desemprego e subemprego,
constituindo um momento atual do capitalismo em que há:
46 No Japão a estabilidade vitalícia é em tese contraditória pois “com a aposentadoria aos 55 anos, o trabalhador é transferido para um emprego menos remunerado em empresas de menor porte e prestígio.” (Wanatabe, B., 1993 apud Antunes, 1997).
“... uma brutal luta ideológica, travestida de modernidade capitalista que visa negar a possibilidade de uma identidade classista do trabalhador, nega suas formas de sociabilidade e subjetividade.” (Dias, 1999, p. 82).
Para Chauí (1999), o trabalho ocupa um lugar necessário na
contemporaneidade, porém descartável. As pessoas sentem-se culpadas por não
possuírem um trabalho e crêem que têm um dever moral e social de possuir um
emprego. Por outro lado, existe toda uma ideologia de que a solução está nas
políticas de mais empregos precários, fortemente contestada por Lafargue (1999),
como por exemplo, a solução britânica (trabalho a hora zero) onde o empregado só
recebe no tempo e quando trabalha sendo descartado posteriormente. E outros
exemplos em que a miséria do desemprego se traduz em vantagens para governos,
empresas e não há nenhum resultado para a população desses países.
Para a autora acima, além dessa descartabilidade do trabalho, as críticas
pelas calamidades econômicas são dirigidas aos trabalhadores e nenhuma crítica
tem como alvo os organismos mundiais privados, bem como a submissão do Estado
a eles. Do século XVIII até os anos 70 do século XX, o capitalismo operava por
inclusão. Hoje, no entanto, opera por exclusão. O desemprego tem despejado um
número crescente de pessoas ao desabrigo nas ruas. A dívida externa, a inflação
crescente, os constantes ajustes econômicos e a drenagem de recursos para o
exterior são os fatores atribuídos para o aumento do contigente de miseráveis nesse
continente.
Postas essas considerações, conclui-se, assim como Agnes Heller (1977),
que o trabalho tem dupla dimensão: “(...) como execução de um trabalho que é parte
da vida cotidiana e como atividade de trabalho, como uma objetivação diretamente
genérica”. Para a autora, Marx serve-se de termos work e labour para caracterizar as
dimensões do trabalho (categorias analíticas de origem marxiana).
“O trabalho entendido enquanto Work expressa então uma atividade genérico-social que transcende a vida cotidiana. È a dimensão voltada para a produção de valores de uso. É o momento da prevalência do trabalho concreto. Em contrapartida o Labour exprime a realização da atividade cotidiana, que sob o capitalismo assume a forma de atividade estranhada fetichizada” (Antunes, 1997, p. 79-80)
Portanto, o trabalho enquanto criador de valores de uso, coisas úteis,
forma de intercâmbio entre o ser social e a natureza não pode extinguir-se do
universo da sociabilidade humana. E, enquanto perdurar o modo de produção
capitalista, não pode se concretizar na eliminação do trabalho como fonte criadora
de valor.
1.3.1. O trabalho que resgata os idosos
Para Lafargue (1999), Chauí (1999) e Marx (1971), o homem encontra
sua humanidade ao realizar tarefas essenciais à vida humana, pois desenvolve a
consciência de si mesmo e de tudo o que o cerca. Inseri-lo apenas à esfera fabril,
quando muito ao setor bancário na área de serviços é, no mínimo, desconhecer as
outras dimensões do trabalho, deixar de lado outras manifestações sociais do
trabalho humano.
“(...) o trabalho, como criador de valores-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade - , é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana” (Marx, 1971, p. 50)
Para Luckács (1978), o trabalho tem um estatuto ontológico na práxis
social, na medida em que realiza uma posição teleológica na vida cotidiana. Para
ele, o homem que trabalha é um ser que dá respostas, diferentemente dos animais.
“com efeito, é inegável que toda a atividade laborativa surge como solução de resposta ao carecimento que a provoca” (,,,) o homem torna-se um ser que da respostas precisamente à medida que (...) ele generaliza transformando em perguntas seus próprios carecimentos suas possibilidades de satisfazê-los.” (Luckács, 1978).
Para Antunes (1997), a ação que vai além do capital será aquela que
incorpore as reivindicações presentes na cotidianidade do mundo do trabalho, como
a redução da jornada de trabalho e a busca do “tempo livre” sob o capitalismo
“desde que esta ação esteja indissoluvelmente articulada com o fim da sociedade do
trabalho abstrato e a sua conversão em uma sociedade criadora de coisas
verdadeiramente úteis.” (Antunes, 1997,p. 81). A saída encontrada seria a “adoção
generalizada e a utilização criativa do tempo disponível como princípio orientador da
reprodução societária...” (Mészaros, 1989, p. 38-39).
“A revolução dos nossos dias é, desse modo, uma revolução no e do trabalho. É uma revolução no trabalho na medida em que deve necessariamente abolir o trabalho abstrato, o trabalho assalariado a condição de sujeito-mercadoria, e instaurar uma sociedade fundada na auto-atividade humana, no trabalho social emancipado. Mas é também, uma revolução do trabalho, uma vez que encontra no amplo leque de indivíduos (homens e mulheres) que compreende a classe trabalhadora, o sujeito coletivo capaz de impulsionar ações dotadas de um sentido emancipador.” (Antunes,1997, p. 88).
Para o autor, o tempo disponível, para a produção de valores-de-uso
poderá instaurar uma lógica societária radicalmente diferente da sociedade
produtora de mercadoria, bem como evidenciar o papel fundamental do trabalho
criativo que suprime a distinção entre trabalho manual/trabalho intelectual que
fundamenta a divisão social do trabalho sob o capital e, por isso, é capaz de si
constituir em protoforma de uma atividade humana emancipada.
“... Só quando o trabalho for efetiva e completamente dominado pela humanidade e, portanto, só quando ele tiver em si a possibilidade de ser “não apenas meio de vida”, mas “o primeiro carecimento da vida”, só quando a humanidade tiver superado qualquer caráter coercitivo em sua própria autoprodução, só então terá sido aberto o caiminho social da atividade humana como fim autônomo.” (Luckács, 1978, p. 5 e 6).
Chauí (1999) concordará com ele ao compreender que o trabalho, não
tem um significado só de opressão, mas também de libertação pois para ela,
“o trabalho, em si mesmo, é uma das dimensões da vida humana que revela nossa humanidade, pois é por ele que dominamos nossas forças de natureza e é por ele que satisfazemos nossas necessidades vitais básicas, e é nele que exteriorizamos nossa capacidade inventiva e criadora.” (Chauí, 1999, p.11).
No estudo anterior, em que se debruçou sobre as especificidades dos
idosos de ocuparem o seu tempo-livre com lazer, houve um despertar do interesse
em estudar as determinantes da vida social na perspectiva dos idosos, na medida
em que eles mesmo retornando ao trabalho, imprimem um valor criativo e qualitativo
ao mesmo. Ali as impressões de uma sociedade baseada na tecnologia e na
liberalização do tempo livre já estavam inicialmente articuladas. Não se sabia, não
se tinha a dimensão de que a possibilidade de superação da lógica societária
prescindia na redução da jornada e na qualificação do uso desse tempo livre. Já
existia uma preocupação da pesquisadora em investigar o cerne da sociedade
capitalista.
Como vimos, as mudanças em curso no capitalismo, desde meados da
década de 70, trazem profundas conseqüências estruturais, tecnológicas, produtivas
e organizacionais para toda a sociedade. Enxertada numa visão neoliberal, tais
mudanças acarretam desregulamentação dos mercados financeiros, de produtos e
do trabalho (Pochmann, 2001), bem como desemprego e carência de renda para
amplos segmentos da população. Restringiu-se cada vez mais em nome do Estado
mínimo a presença da iniciativa pública na atividade de produção social. O avanço
tecnológico deixou de fora do sistema do trabalho uma considerável massa jogada à
própria sorte e sem qualquer proteção.
Contraditoriamente, esse fenômeno que é responsável pela destituição de
uma parcela social no mercado de trabalho, é também pela adição de outra parcela
que deveria estar fora dele. Como exemplo cerca de 5,3 milhões de idosos
aposentados e pensionistas que ainda se mantém ativos no mercado de trabalho.
(Pochmann, 2001 apud Salvador e Boschetti, 2002).
Para Neri (2002), embora hoje esteja ocorrendo um desemprego entre
adultos de 40 anos, contraditoriamente, está aumentando a participação de idosos
no mercado de trabalho. No Ceará, segundo dados do Ministério do Trabalho (MTE),
existem 24.957 pessoas com 60 anos ou mais trabalhando em empregos formais, o
que representa 0,26% dos idosos residentes no Ceará. De 2003 para 2004, foram
criadas mais 5.019 vagas de emprego formal para profissionais a partir dos 50 anos.
Porém, segundo o coordenado estadual, do SINE, Sebastião Araújo, o percentual de
idosos trabalhando é maior devido a informalidade que é crescente no segmento. A
renda comprometida faz com que continuem trabalhando mesmo após a
aposentadoria.
Esse processo se traduz no significativo aumento dos idosos, em todo o
mundo, que especificamente no Brasil vem produzindo mudanças no perfil etário do
trabalhador e no redelineamento das relações de trabalho em praticamente todo o
mundo. A precariedade de vida a que é submentido o idoso no final de sua vida, por
uma situação financeira pior do que quando trabalhava, tanto pela redução dos
ganhos como pelo aumento dos gastos, leva-os a prolongar a sua permanência no
mercado de trabalho. Muitos alertam para a informalidade e precariedade dos postos
de trabalho no que se refere à redução do valor dos salários. Os aposentados que
voltam ao trabalho ganham menos do que os da ativa. Para Ana Amélia Camarano
(1999), concorrendo com os mais jovens, geram sérios problemas no financiamento
da aposentadoria e nas condições de vida da população economicamente ativa.
Para Castel (1998), o desemprego, sendo o risco social mais grave, é, no
entanto, ignorado por aqueles que defendem a reforma neoliberal. Paradoxalmente,
empregam uma lógica contábil para reduzir as taxas e as modalidades de
indenização. Baixos salários significam uma base contributiva estreita e
“assistencialismo” das políticas sociais, é o que se observa.
Como vimos, a modernidade ao instaurar o imperativo do trabalho para
toda a sociedade obrigou a todos que não tinham recursos para viver a trabalhar.
Quanto aos que não possuíam mais condições, relegou-os a práticas sociais de
caridade e filantropia. Somente quando surge a necessidade do Estado Social, é
que se tecem, em torno da relação de trabalho, sólidos sistemas de garantias para
aqueles que se encontram sem vínculos e sem suporte, privados de qualquer
proteção e de qualquer reconhecimento. Isso será tema do nosso próximo capítulo.
CAPÍTULO 2 – SAINDO DE CENA: AS PROTEÇÕES SOCIAIS AOS
IDOSOS ATRAVÉS DOS TEMPOS
O Tema desse capítulo tem como objetivo compreender as formas de
proteção social que incidem no segmento dos idosos e quais as relações sociais,
políticas e econômicas propulsoras desse novo reordenamento da família, onde o
idoso é levado a retornar ao trabalho. Parte, então, do pressuposto de que existe
relação estreita entre as proteções contra riscos sociais na velhice e a condição de
assalariado /aposentado que recebe um salário mínimo. (Castel, 1998) (Salvador e
Boschetti, 2002). O capítulo será norteado pelas seguintes formulações: a) maioria
dos pesquisadores do envelhecimento apontam a esfera privada como o locus
primordial de gestão da velhice. A sua preocupação enquanto questão de ordem
pública data do século XIX, quando então surge o Welfare State; b) As políticas
sociais implementadas pelo Estado Brasileiro não asseguram a proteção ou não
dão segurança às famílias, levando idosos a constituírem-se mantenedores no
espaço familiar.
2.1 A Proteção Social da velhice nas sociedades tradicionais e modernas
Para Costa (2000), as noções de proteção social pertencem ao conjunto
de questões relativas à reprodução social. Portanto, o estudo da proteções que
cercam a humanidade, desde a antigüidade nos remete a forma como o homem se
apropria do meio para sobreviver.
As sociedades compostas da Antigüidade, enquadram-se no quadro da
sociabilidade primária, também conhecidas como proteção próxima. Essa se
constitui de um sistema de regras que ligam diretamente os membros de um grupo a
partir de seu pertencimento familiar, de vizinhança, de trabalho e que são
interdependentes sem a mediação de instituições específicas.
Verifica-se a sociabilidade primária nas sociedades cujos indivíduos são
encaixados desde o nascimento numa rede de obrigações e reproduzem a tradição
e o costume. Para Castel (1998), regras ancestrais impõem-se aos indivíduos,
formas estáveis de relações acompanham a realização dos principais papéis sociais
na família, na vizinhança, no grupo etário e sexual, no lugar ocupado na divisão do
trabalho e permite a transmissão das aprendizagens e a reprodução social da
existência.
Na era pré-cristã, no Velho Egito, Grécia, Itália, Índia e Israel, a pobreza, a
miséria, a velhice, a doença e as catástrofes eram consideradas castigo dos deuses
aos que infringissem suas leis. As causas dos acontecimentos eram buscadas numa
compreensão mítica da realidade. Segundo o gerontólogo Marcelo Antônio Salgado
(1988, p. 04), algumas civilizações na antigüidade até comparavam o ciclo de vida
humana às estações do ano. A velhice era descrita como inverno sombrio, frio e
improdutivo. A assistência era considerada meio de santificação e a miséria, natural.
Havia toda uma preocupação com o semelhante e os sacerdotes, como
representantes das divindades eram quem tratavam os doentes e necessitados.
As proteções sociais desse período tinham como estratégia as confrarias
do deserto e as das cidades, que cerca de 3000 anos antes de Cristo, utilizavam-se
de variadas formas de ajuda como a esmola esporádica, visita domiciliar, concessão
de gêneros alimentícios, roupas, calçados, bens materiais. Entre o povo judeu,
realizava-se a visita domiciliar às viúvas, órfãos, idosos e enfermos.
Na Antigüidade Clássica, até os filósofos como Aristóteles, Platão,
Sêneca e Cícero se preocupavam com a melhor forma de se realizar a assistência,
ou seja, com a racionalização da ajuda. Para Martins (2001), a família romana, por
meio do pater famílias, tinha a obrigação de prestar assistência aos servos e
clientes, dispondo para isso de uma forma de associação, mediante contribuição de
seus membros, de modo a ajudar os mais necessitados.
No que se refere à velhice, alguns estudos apontam que nas sociedades
primitivas era encarada como um momento de sabedoria e valorização. Existia toda
uma ideologia de respeito associado à pessoa mais velha. O idoso era mais
integrado à família e seu poder participativo era extremamente valorizado pelo
acúmulo de experiências e conhecimento. Nesse caso, a função social da pessoa
mais idosa era a de dar continuidade à cultura daquele povo, daquela tribo,
revivendo lembranças e costumes junto às novas gerações. Isso se dava devido a
um regime de forte natalidade/mortalidade, presenciado nessas sociedades, onde a
tendência estatística era a morte em todas as idades. Nesse sentido, “o patrimônio
familiar se sobrepõe ao projeto individual de vida e a experiência dos que vivem
mais é muito valorizada.” (Magalhães, 1987, p. 29)
Ainda hoje, existem sociedades que dão continuidade a esse tratamento
junto às pessoas idosas. É o caso das sociedades orientais, especificamente a
chinesa, onde o velho ocupa uma posição de respeito tanto no espaço familiar
quanto no religioso como representação de suprema sabedoria.47
Contudo, é um mito afirmar que em todas as sociedades da Antigüidade o
idoso era respeitado e tratado com veneração, em função do seu saber e
experiência. Primeiro, porque com o desenvolvimento dessas sociedades, a
concepção acerca da velhice e, conseqüentemente, o seu tratamento variava
conforme a posição sócio-econômica que o indivíduo ocupava na sociedade e
conforme o tipo de organização social de cada grupo. Esse é o caso do pater
famílias romano, senhor e juiz dos destinos da família e do patriarca hebreu, chefe
natural do povo e possuidor de grandes propriedades rurais. Segundo, porque a
velhice era rara. A mortalidade nesse período era grande devido à fome, peste e
guerras. Quando o filho mais velho se casava, geralmente o pai já estava morto. Não
havia, portanto, a presença e nem a convivência dos avós com os netos.
(Magalhães, 1987, p. 29) (Roussel, 1994, p. 01)
Na era Cristã, há uma ampliação das bases da assistência,
consubstanciada no trinômio caridade, justiça social e espiritualidade. Os registros
do evangelho mostram que os apóstolos tinham, além da missão de evangelizar, de
praticar assistência aos mais humildes. É nesse momento que se verifica um
47“Os índios das tribos belicosas do Brasil matam seus inválidos e seus velhos; demonstram sua amizade pelo atingido pondo fim a uma vida que não se alegra mais com os combates, festas e andanças.” (Lafargue, 1999:77).
impacto do cristianismo sobre a estruturação da assistência aos pobres, onde a
caridade é considerada a virtude cristã por excelência e a pobreza é valorizada em
referência à Cristo, pois igualava tanto ricos como pobres.
Para Castel (1998), nas sociedades pré-industriais e/ou feudais, para não
usar o termo Idade Média48, tão cheio de contradições, já existiam práticas e
instituições assistenciais que compunham toda uma rede “social49-assistencial” de
relativa intervenção pública (repressão da vagabundagem, obrigação do trabalho,
controle da circulação da mão-de-obra). Através delas o “Estado50” exercia o papel
de fiador da manutenção da organização do trabalho e regulador da mobilidade dos
trabalhadores.
Existia uma questão social que era expressa pela ameaça daqueles que
não encontravam lugar a partir da organização tradicional do trabalho. Rompidas as
redes de integração primária, ou seja, quando o conjunto das relações de
proximidade, a partir de sua inscrição territorial (família e social), é insuficiente para
reproduzir sua existência e assegurar sua proteção, surge uma massa de
desfiliados.
Segundo Martins (2001), é desse período a preocupação do homem em
relação ao infortúnio. No ano de 1344, ocorre a celebração do primeiro contrato de
seguro marítimo, levando posteriormente o surgimento da cobertura de riscos contra
incêndios.
48 A Sociedade Feudal conjuga dois vetores que concorrem para sua estabilidade: as relações horizontais no seio da comunidade rural e as relações verticais de sujeição senhorial encontradas no período entre o século V e XV. Essas características, para alguns autores, não se inserem exclusivamente numa cronologia e sim em acontecimentos observáveis em várias regiões, podendo até acontecer em períodos diferentes. Seu início, no entanto, pode ser assegurado, além de outros acontecimentos, quando da migração dos povos bárbaros nas cidades romanas, o que leva a um declínio dessas, devido ao intenso processo de ruralização que dividiu a Europa em feudos e, conseqüentemente, à máxima descentralização política, administrativa e econômica da Europa Ocidental. Suas características de um modo geral são: declínio das atividades mercantis e artesanais urbanas, ruralização da sociedade ocidental, intensificação do sistema de colonato que levará ao sistema de servidão ou laços de dependência entre os homens (suserano e vassalo), Internacionalismo Pontificial, confusão entre direito público e privado, rígida tradição dos usos e costumes, etc. (Franco, Aquino e Lopes, 1983). 49 Para Castel (1998), o lugar do “social” estaria entre a organização política e o sistema econômico, onde busca-se restaurar ou estabelecer laços que não obedecem nem uma lógica estritamente econômica nem a uma jurisdição estritamente política. Assim, o social consiste em sistemas de regulações não mercantis. Para o autor, o social-assistencial é constituído de características formas encontradas em todas as sociedades históricas e que possuem em comum, o atendimento de categorias de populações carentes. 50 Nesse período não havia o Estado, na acepção que conhecemos hoje. Primeiro porque quando da instalação da sociedade feudal, os reinos romanos-germanicos desconheciam a noção de estado, atribuíndo à função do rei, a de chefe militar; segundo porque quando ocorre a centralização no século XI, há uma preeminência do papado sobre o governo temporal, o Internacionalismo Pontificial. (Franco, Aquino e Lopes, 1983).
Para Castel (1998), embora a sociedade feudal fosse muito hierarquizada,
enquadrada, assegurada, provida, detinha uma certa segurança econômica. De um
modo geral, nessas sociedades as populações que dependem de intervenções
sociais diferem, fundamentalmente, pelo fato de serem ou não capazes de
trabalhar51. Não podem por si mesmas suprirem as suas necessidades básicas, tais
como: velhos indigentes, crianças sem pais, cegos, paralíticos e os que encontram-
se dentro do quadro da Teoria da Desvantagem52 (categoria utilizada por Castel
(1998)).
Um fato interessante é que a estruturação do sistema assistencial
baseado na caridade cristã, não se mobiliza automaticamente para socorrer todas as
formas de pobreza, mas sim aquelas que estão diretamente relacionada ao trabalho
Para Castel (1998), justamente os que compõem a teoria da desvantagem
e que passam a ser os clientes potenciais do social-assistencial, não põem em
cheque a organização social. Ao longo da história, eles são passíveis de políticas
insuficientes, inadequadas e humilhantes. Como exemplo, tem-se o tratamento
dispensado aos velhos pobres, não mais produtivos, cuja situação era muito triste.
Devido a diminuição de suas condições físicas e psíquicas, os idosos eram
encaminhados a retiros e incentivados ao isolamento social em asilos, não
recebendo tratamento diferenciado dos loucos e mendigos. Não bastando esse
tratamento, a Lei dos Pobres, de 1597, declarava indigentes e retirava o direito de
cidadania econômica de todos aqueles que fossem atendidos pelo sistema de
assistência pública. Na realidade, a pobreza era considerada um problema de
caráter e os atendidos eram confinados nas Casas de Correção53.
As Sociedades Camponesas, de um modo geral, e as que constituem a
organização social dominante da época feudal são marcadas pela sacralização do
51 Para Castel(1998), fazer opção pelo critério da incapacidade para o trabalho oculta outras formas de indigência. 52 TEORIA DA DESVANTAGEM: Existe um núcleo de situações de dependências reconhecidas, constituído em torno da incapacidade de se enquadrar na ordem do trabalho por causa de deficiências físicas ou psíquicas, manifestas devido à idade – crianças e idosos, à enfermidade, à doença e que podem até se estender a algumas situações familiares ou sociais desastrosas. Para ele, a T.D. é uma categoria heterogênea quanto as condições que levam a essas situações, porém homogênea quanto à relação ao trabalho(Caste,1998, p. 42). 53 As Casas de Correção eram destinadas ao homem e mulher de até 60 anos de idade, não-inválidos, sem meios de sustento próprios que recusassem trabalho, qualquer que fosse o salário. (Martinelli, 2001, p. 56).
passado, pela prepoderância da linhagem e dos laços de sangue, pelo apego a
relações permanentes de dependência e de interdependência enraizados em
comunidades territoriais restritas. Estar sob a proteção54 de algum poderoso ou
inscrito nas redes familiares ou da mesma linhagem e de vizinhança da comunidade
de habitação garantia uma proteção máxima contra os acasos da existência.
Vale destacar o importante papel da Igreja Católica, para com a
assistência aos pobres. Com a chegada do Antigo Regime ou Idade Média, a Igreja,
realizava os Inquéritos Sociais e as visitas domiciliares através dos diáconos e das
confrarias. A caridade cristã será a preocupação de vários teólogos da Igreja como
São Paulo, São Domingos, Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Francisco, São
Bernardo, São Bento e outros. Mas o grande organizador da doutrina cristã foi Santo
Tomás de Aquino (1224 – 1274). Para ele, a caridade era como um dos pilares da fé
e justiça aos mais humildes.
No campo da prática, a assistência aos pobres ainda se inseria numa
economia da salvação e a atitude cristã exigia uma classificação das formas de
pobreza. O pobre é o meio de santificação do rico e essa atitude financia em grande
parte o orçamento medieval da assistência (esmolas, doações, instituições de
caridade). Segundo Castel (1998), no século XII e XIII, o social-assistencial assumiu,
no ocidente cristão, uma configuração complexa de classificação e seleção dos
beneficiários dos socorros, de organização destes sobre uma base territorial, bem
como, pluralismo das instâncias responsáveis, laicas e eclesiásticas, públicas e
privadas, locais e centrais.
Em 1525, foi publicado o livro De subvencione pauperum, de Juán Luiz
Vives, que influenciou as práticas de organização da assistência aos pobres. A partir
daí, as cidades55 tomaram medidas legais de territorialização dos usuários como:
54 Podemos encontrar tais formas de recomendar-se a alguém na Roma Antiga, quando os clientes, camada intermediária formada por elementos da plebe, geralmente estrangeiros, se colocavam sob dependência de uma família patrícia para obter proteção jurídica ou quando algum escravo liberto (manumissão) tornava-se empregado de seu antigo senhor em troca de roupa e alimentação. Na Sociedade Feudal, ocorria quando homens livres, diante dos acasos da existência e insegurança, recomendavam-se a um senhor. “A Recomendação, ou Encomendação, teve suas origens no antigo Patrocínio romano, pelo qual o patrono e o cliente assumiam direitos e deveres mútuos.” (Franco, Aquino e Lopes, 1983, p. 292). 55 “A exigência da territorialização para ser beneficiário dos auxílios, torna-se maior à medida que se aproxima o fim do Antigo Regime”. Portanto, o eixo de estruturação do social-assistencial era o exercício de uma tutela comunitária, instituindo a paróquia como base necessária da organização dos auxílios (Castel,1998).
exclusão dos estrangeiros, proibição estrita da mendicância, recenseamento e
classificação dos necessitados, auxílio diferenciado de acordo com as diversas
categorias de beneficiários. No ano de 1601, a Inglaterra editou a Poor Relief Act (lei
de amparo aos pobres) que instituía a contribuição obrigatória para fins sociais,
consolidando outras leis sobre a assistência pública.
Na Idade Moderna, com o advento da sociedade industrial e,
conseqüentemente, com a intensificação do processo de urbanização, a situação da
velhice se agrava. Pois, o capitalismo, regime caracterizado pelo trabalho
assalariado, extingue os vínculos predominantes no feudalismo, de relação pessoal
de dependência. Os indivíduos incapacitados para o trabalho ou que se encontram
em períodos de não-inserção no mercado, advindo da velhice, da doença, de
desemprego, de invalidez e que põem em risco a reprodução da força do trabalho,
não são mais assegurados pelos mecanismos tradicionais da sociedade familiar e
das ligações pessoais, cabendo ao Estado a cobertura dos custos dessa reprodução
(Faleiros, 1985). Esse processo advém do intenso movimento por direitos sociais,
determinados pelo pacto entre capital e trabalho que provocará a crise do sistema
protecionista tradicional baseado no regime fabril.
Mesmo com todo esse movimento por direitos sociais, as práticas de
assistência se baseavam em métodos pretéritos do feudalismo. Em 1834, a Lei dos
Pobres foi reformulada e as Casas de Correção passaram a ser chamadas Casas de
Trabalho. Também foram criadas as Caixas dos Pobres para concessão de auxílios
semanal ou mensal. Para adquirir o auxílio, era necessário a realização do inquérito
e a fiscalização das condições de vida. Aqui se resgata a figura do Inspetor da Lei
dos Pobres da era tudoriana – Dinastia Tudor (1485 – 1603).
Nesse período, no âmbito eclesiástico, inaugurava-se uma nova
concepção de caridade: a filantrópica. Significava a caridade secularizada,
considerando a assistência e a solidariedade como um dever de todos. A pobreza
como conseqüência das condições sociais leva a sociedade à tornar-se responsável
pela assistência aos necessitados que passam a ter esse “direito”. Foi São Vicente
de Paulo que, no século XVII, tentou restabelecer as bases cristãs da assistência,
recuperando o esquema das confrarias e envolvendo os leigos em sua prática.
Ocorre a aproximação da burguesia com as ações filantrópicas realizadas pelas
escolas Humanitária e Filantrópica que eram tendências produzidas pelos
economistas, Adam Smith e Ricardo, para enfrentamento da Questão Social. A
escola Humanitária, de origem católica, aconselhava os operários a serem sóbrios,
trabalharem e terem poucos filhos; aos burgueses, aconselhava-se que moderassem
o seu furor na esfera da produção. Já a Escola Filantrópica, de origem protestante,
era uma espécie de escola humanitária aperfeiçoada, negava os antagonismos e
queria converter todos em burgueses.
No período datado entre 1850 e 1860, membros da alta burguesia,
ligados à igreja evangélica, objetivando reformar o sistema de assistência56 pública
inglês, trazem à cena os Agentes Sociais, também conhecidos como Reformistas ou
Filantropos. Seu lema era: “Fazer bem o bem”, resgatando assim o clássico lema
medieval como instrumento auxiliar para atendimento aos problemas sociais. No
entanto, esses agentes resgataram, também da idade média, práticas cujo modelo
de intervenção pautava-se na intimidação, repressão, punição e que considerava a
pobreza e a mendicância como problemas de caráter.
Nas práticas específicas de atendimento à velhice, observava-se que nas
sociedades industriais o conflito de gerações se intensificava, pois a solidariedade
entre as duas gerações, a de jovens e a de velhos, passava a ser vista como algo
que refreava o sistema produtivo. A geração mais jovem, tendo que acompanhar as
inovações, a mobilidade profissional e residencial em nome do imperialismo
industrial, tinha que se livrar da geração mais velha. (Roussel, 1994, p. 01). Nessas
sociedades, onde ocorria um regime de frágil natalidade/mortalidade, a morte se
especializava na velhice, pois o projeto individualista de vida e de propriedade
econômica individual passa a ser dominante, em detrimento do patrimônio familiar,
atribuindo-se menor valor à experiência. (Magalhães, 1987, p. 29). Os velhos pobres
e impossibilitados de trabalhar, eram reduzidos à miséria, pois obrigados a saírem
do campo, sentiam-se desenraizados na cidade. Muitos viviam na rua, enquanto não
eram internados em hospitais e asilos. 56 Segundo Castel(1998), as características do social-assistencial é que ele é uma construção de práticas com funções protetoras e integradoras; apresenta núcleos específicos de profissionalização futura; tecnização mínima (agentes);localização das práticas intra-institucionais e extra-institucionais, como o hospital e o domicílio; não
Em linhas gerais, tanto na Idade Antiga como na Idade Média e Moderna,
os velhos pobres e os incapacitados para o trabalho produtivo tinham seu destino
confinado ao desprezo e ao isolamento social. Já os velhos ricos e abastados
recebiam tratamento diferenciado, com respeito e veneração. Um exemplo dessa
discriminação acontecia na França do século XIX. Naquele país, o termo velho era
usado com aquelas pessoas pobres e carentes. As que tinham maiores recursos e
mais de 60 anos não eram vistas assim. Usava-se a terminologia idosos para
designá-las. (Peixoto, 1998, p. 71).
2.1.1. O atendimento à velhice no Brasil
A representação social, o significado e encaminhamento das questões da
velhice no Brasil, não diferem muito dos relatos acima expostos. A sociedade do
princípio do século XX não foi muito generosa com as pessoas de mais idade. O que
se observava era a difusão de horrores com relação à velhice e ao processo de
envelhecimento, transformando cada indivíduo em um inimigo de si próprio e o
homem idoso na perspectiva da espera da morte. (Salgado, 1988, p. 05).
Existia, no Brasil, toda uma “cultura da velhice” que determinava atitudes,
vestimentas, horários e programas compatíveis com a idade avançada (Branco,
1996, p. 115). O tratamento das pessoas idosas era de responsabilidade da família e
não dos poderes públicos. As pessoas idosas viviam como agregadas em casas de
familiares que lhes destinavam alojamento secundários e lugar subalterno à mesa de
refeições. O atendimento médico era precário. As pessoas idosas que não
dispunham de rendimentos próprios, quando doentes, procuravam as Santas Casas
ou outros hospitais de caridade. As que dispunham de maiores recursos eram
atendidas pelo “médico da família.”
Conforme vimos anteriormente, cada sociedade, numa determinada
época, tinha uma forma de tratar e definir a velhice. Nesse sentido, fica evidente a
impossibilidade de pensarmos sobre o que significa “ser velho” fora de um contexto
basta ser carente de tudo para ser da esfera da assistência dentre as populações sem recursos. Critérios: Pertencimento Comunitário, pois exclui o estrangeiro e, o da Inaptidão para o trabalho.
histórico determinado, já que a velhice toma contornos diferenciados de acordo com
a época, o lugar, a cultura e a forma como as pessoas se organizam.
Todavia, isso não acontece somente com a velhice. Em todas as
sociedades é possível se observar a presença de “grades de idades”57. A diferença é
que cada cultura tende a elaborar grades de idades específicas, atribuindo um
significado às etapas do curso da vida dos indivíduos: infância, juventude,
maturidade, velhice. Estabelecem-se as funções e atribuições preferenciais de cada
grupo de idade na divisão social do trabalho e dos papéis na família. (Motta, 1998, p.
225).
A situação da velhice, através dos tempos, tem forte relação com a
inatividade e com a progressiva (des)socialização ou, como diz Edith Motta (1998),
com a morte social, velhice social ou isolamento social. Com o advento do sistema
de proteção social, com características do Welfare State, da Inglaterra e outros
países, há uma alteração nessa relação e representação do idoso, quando
aposentado. Ele passa a manter uma relação de pertencimento e inscrição social
(mantenedor da família). É o que veremos nos próximos itens.
2.2 O surgimento do Estado de Bem-Estar Social
Com a modernidade e sob o avanço do capitalismo, os sistemas
protecionistas tradicionais entram em crise, devido a um intenso movimento por
direitos sociais, determinados pelos pactos entre capital e trabalho. As lutas contra
os abusos do liberalismo levariam a uma tomada de consciência dos operários por
cidadania, portanto, a rupturas com os tradicionais laços pessoais e a crescente
adesão dos indivíduos às normas contratuais.
“O assalariamento consolidaria no mundo industrial as fórmulas contratuais pelas quais cada indivíduo pelo salário seria autônomo em relação às tradicionais obrigações servis. (...) livre e apto para proteger-se e a sua família, marcando a destituição de vínculos pessoais próprios às relações
57 Grades de Idade são os limites, contornos que cada sociedade, numa determinada época, constrói em torno de uma etapa da vida.
de proteção e dependência que persistiam mesmo sob a nova ordem contratual.” (Costa, 2000, p. 15).
Segundo Martins (2001), observa-se a partir daí uma série de dispositivos
legais de amparo ao trabalhador. Na Alemanha, Otto von Bismarck introduziu vários
seguros sociais, de modo a atenuar a tensão existente nas classes trabalhadoras:
em 1883, foi instituído o seguro-doença, custeado por contribuições dos
empregados, empregadores e do Estado; em 1884, decretou-se o seguro contra
acidentes do trabalho com custeio dos empresários e, em 1889, criou-se o seguro de
invalidez e velhice, custeado pelos trabalhadores, pelos empregadores e pelo
Estado. As leis instituídas estimularam a criação de outros códigos contratuais em
várias partes do mundo.
A França promulgou uma norma em 1898 criando a assistência à velhice
e a acidentes do trabalho. Na Inglaterra, em 1897, foi instituído o Workmen’s
Compensation Act, criando o seguro obrigatório contra acidentes do trabalho. Em
1907, foi instituído o sistema de assistência à velhice e acidentes de trabalho. Em
1908, o Old Age Pensions Act concedeu pensões aos maiores de 70 anos,
independentemente de contribuição. Em 1911, foi estabelecido o National Insurance
Act, determinando a aplicação de um sistema compulsório de contribuições sociais
que ficava a cargo do empregador, do empregado e do Estado.
Nesse sentido, Castel (1998) dirá que as leis sociais de caráter contratual
e institucional asseguravam fórmulas protecionistas da mão-de-obra empregada.
Quanto àqueles que não estavam engajados no mercado, eram assegurados por
leis assistenciais.
A instauração do Estado de Bem-Estar Social estará atrelada a uma
regularização de condições sociais e não apenas a leis esparsas. Para Toledo
(1995), o Estado de Bem-Estar Social, Welfare State ou Estado Social surgiu graças
às lutas sociais e políticas do século XIX e início do século XX, momento de auge do
movimento socialista e decadência do assistencialismo cristão. Ampliando essa
visão, Pereira (1998), dirá que o surgimento e consolidação do Estado de Bem Estar
Social tem suas origens nos impulsos históricos determinantes do século XIX, a
saber: a Questão Social58 e a crise econômica mundial.
Ana Elisabete Mota (1995) vai ainda mais longe, ela trata esse surgimento
ainda nas antigas formas de proteção social anteriores ajuda aos pobres,
desocupados, órfãos e solidariedade material, quando da passagem do capitalismo
concorrencial para a fase monopolista59 e que podem ser definidos como embriões
de uma política de Seguridade Social60. Para a autora, essas formas de proteção
social estão relacionadas com a formação do salariato, pois tais práticas originaram-
se do reconhecimento da incapacidade pessoal do indivíduo em prover o seu
sustento no mercado e da necessidade que tem o capital de tornar compulsório o
trabalho assalariado. A autora afirma ainda que a institucionalização dos seguros
sociais, criando caixas voluntárias e obrigatórias para cobrir perdas, é fruto da
pressão operária em torno da insegurança do trabalho, do desemprego, da invalidez,
da doença e da velhice, ultrapassando o recurso da caridade e da beneficência
pública ou privada. É como afirma Castel (1998),
“A condição de assalariado está vinculada a maior parte das proteções contra riscos sociais. Estar ou cair na condição de assalariado era instalar-se na dependência, ser condenado a viver da jornada, achar-se sob o domínio da necessidade.” (Castel, 1998, p. 21-23).
Portanto, esse processo se dará num momento de convivência entre o
novo e o velho, como bem enfatiza E. P. Thompson (1989) ao dizer que a transição
se faz em presença de estados passados de consciência. Como exemplo, tem-se a
Lei dos Pobres que embora tenha surgido em 1597, na dinastia Tudor (1485-1603),
ainda vigorava em pleno século XVIII, declarando indigentes e tirando o direito de
58 Para Castel (1998), a Questão Social foi explicitada em 1830, quando da tomada de consciência das condições de existência das populações, condições de pauperismo. Clarificou-se o divórcio entre uma ordem juridica-política, fundada sobre o reconhecimento dos direitos dos cidadãos e uma ordem econômica que acarreta uma miséria e uma desmoralização de massa. A Questão Social seria o lugar que os grupos mais (des)socializados dos trabalhadores podem ocupar na sociedade industrial. Inquietação quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade. A pobreza imensa e generalizada não cria a “Questão Social”. 59 Com a expansão do capitalismo, no último quartel do século XIX, ocorreu a substituição gradual da livre concorrência pelo monopólio, onde indústrias gigantescas formaram-se em trustes tentando obter o total controle da produção – desde as fontes de matérias primas até a distribuição das mercadorias, bem como a divisão de mercados e preços (cartéis). Vale ressaltar que, no capitalismo monopolista, há o fortalecimento do capital financeiro-bancário. 60 A Seguridade Social, de um modo geral, salvo as particularidades nacionais, deita raízes na necessidade de socialização dos custos da reprodução de trabalho, enquanto condição de acumulação do capital e com o processo político deflagrado pelos trabalhadores em torno das conquistas sociais, institucionalizadas nos direitos sociais.
cidadania econômica daqueles que fossem atendidos pelo sistema público
(Martinelli, 2001:33).
A historiografia, no entanto, acrescenta outras condições. A primeira
guerra mundial (1914-1918) que produziu crescente desequilíbrio entre a produção e
consumo, manifestando-se numa crise econômica que teve na inflação seu aspecto
mais importante, decorrendo aí um desequilíbrio social, marcado pela pauperização
da classe média e pelo aumento da pressão operária através dos sindicatos
controlados pelos partidos socialistas, levando à eclosão da crise capitalista.
Vale destacar que antes do século XVIII, as crises nos outros sistemas de
produção, de um modo geral, estavam relacionadas ao setor agrário, sendo
caracterizadas pela carência ou escassez de alimentos e outros artigos necessários
cujos preços se elevavam. A crise do capitalismo, também conhecida como crise
cíclica61 ou periódica, no entanto, possui uma peculiaridade: apesar da capacidade
de produção ter aumentado, a taxa de lucro sofreu redução porque o poder
aquisitivo dos trabalhadores era limitado. “O subconsumo leva à estocagem da
mercadoria, à baixa de preços e à diminuição transitória da capacidade produtiva, o
que leva ao desemprego”. (Franco, Aquino e Lopes, 1983)
Até a I Guerra Mundial62, a economia era controlada pelas grandes
unidades (monopólios) e no plano comercial firmavam-se tarifas protecionistas,
através do nacionalismo econômico. No plano político, o Estado63 exercia o papel de
mantenedor da ordem vigente, deixando as iniciativas econômicas a cargo dos
particulares – a livre concorrência. No decorrer da conjuntura de guerra, o Estado
avultou-se devido ao não intervencionismo dos liberais que se tornaram impotentes
para coordenar uma economia de guerra prolongada. No pós-guerra, ocorre
novamente o afastamento do Estado dos assuntos econômicos.
61 Crise Cíclica pois “À crise propriamente dita segue-se um período de depressão, estagnação dos negócios e desemprego, ocorrendo, a seguir, novo período de ‘prosperidade’ no qual a atividade econômica recomeça com novo ímpeto... ” (Franco, Aquino e Lopes, 1983, p. 254). 62 As causas da Guerra podem ser encontradas na desigualdade econômica das diversas regiões do mundo pela expansão do capitalismo e na rivalidade pela luta por mercados consumidores, pela aquisição de matérias-primas fundamentais e por áreas de investimentos. Portanto, para sustentar o nacionalismo agressivo e o imperialismo beligerante, os países empreenderam a corrida armamentista produção de armas e munições, desenvolveram a construção naval, aumentaram os exércitos. 63 Mas, para Toledo (1995), é propriamente no último quartel do século XIX que observa-se um agigantamento do Estado, fruto das crises do Capitalismo e do aparecimento da classe trabalhadora no cenário político.
Com a intensificação da ameaça de revolução sobre a Europa e as
crises64 cíclicas do capitalismo, alguns setores dominantes estabeleceram
concessões através da formulação de uma legislação social e, conseqüentemente,
recorreram à intervenção do Estado e à diversas soluções nacionais. Ao organizar-
se, o operariado como classe social reivindica desde a redução da jornada de
trabalho até melhores condições de trabalho e sobrevivência, determinando em
grande parte o surgimento da legislação social e do conjunto de medidas de
proteção social65 que entre os anos 40 e 70, foram os pilares do Welfare State.
Com a Grande Depressão econômica de 1929 e com o aumento do
desemprego, o Estado, aos poucos, foi sobressaindo-se, destacando sua
intervenção no processo econômico através de um programa coerente de
sustentação da atividade econômica e de diminuição das tensões sociais. O Estado
assume a posição de “árbitro” e organizador da economia, era a Era do dirigismo
econômico. Exemplos encontramos na experiência norte-americana com o New
Deal66, do presidente Franklin Roosevelt que preconizava a luta contra a miséria, o
desemprego e a velhice67; e no Welfare State, o Estado de Bem-Estar Social, na
Inglaterra que em 1941, com o Plano Beveridge propôs um programa que garantisse
cobertura a certas contingências sociais, como a indigência ou quando, por qualquer
motivo, não pudesse trabalhar.
64No período entre guerras, podemos identificar diversas crises: Crise do Pós-Guerra (1920-1923): num primeiro momento, a difícil reconversão do capitalismo europeu, especificamente, Inglaterra e França, que sofreu um declínio relativo, contrapondo-se com a ascensão norte-americana e japonesa e, num segundo momento, os Estados Unidos e o Japão são atingidos aos poucos, provocando desemprego, falências e insatisfação social; Crise da “Grande Ilusão” – prosperidade e especulação (1924-1929): retomada da expansão, inaugurando-se novo ciclo de “prosperidade”, porém nos Estados Unidos, a baixa da agricultura ocasiona o subemprego; Crise de 1929 – o adeus às ilusões: quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque que repercutiu internacionalmente, atingindo vários países, levando à falência as instituições bancárias norte-americanas e européias; Crise de 1929 a 1933: a produção industrial retrocedeu e houve insurgência de conflitos sociais mais acentuados, pois setores da alta burguesia passaram a apoiar regimes políticos autoritários que garantissem a ordem, como o Facismo, na Itália e o Nazismo, na Alemanha; a pauperização da pequena burguesia e o aumento do proletariado levou a ameaça da revolução comunista. (Franco, Aquino e Lopes, 1983). 65 Para Pereira (1998), tais medidas seriam: políticas de pleno emprego, serviços sociais universais, extensão da cidadania e o estabelecimento de patamar sócio-econômico abaixo do qual ninguém poderia viver. 66 O New Deal é fruto da crise que produziu cerca de 17 milhões de desempregados e obra do presidente Franklin Roosevelt que tomou medidas severas: fechamento temporário de bancos e requisição de estoques de ouro, política de inflação moderada; desvalorização do dólar e revalorização de estoques e salários. O novo tratamento limitava o poder do grande capital e aumentava a renda dos trabalhadores. O Estado passou a investir na construção de grandes obras públicas, a conceder créditos aos estados para distribuição de seguros aos desempregados. (Franco, Aquino e Lopes, 1983). 67 Em 1935, foi aprovado no Congresso, o Social Security Act, para ajudar os idosos e estimular o consumo, instituindo também o auxílio-desemprego para os trabalhadores que temporariamente ficassem desempregados.
2.3. Consolidação do Estado de Bem-Estar Social
Para Costa (2000), o estudo da montagem e desmontagem dos sistemas
protecionistas coincide com o conceito de proteção elaborada a partir do surgimento
do Estado-Providência ou Estado Social. Antes, vale esclarecer que esse estudo
não trata de emitir uma crítica sistemática da teoria clássica, pretende, no entanto,
compreender o surgimento do padrão de proteção social, “welfare state”, situando-o
a partir das suas determinações históricas, políticas e sociais. Parte do pressuposto
que existe uma relação entre Estado e economia, bem como entre Estado e classes
sociais.
O Estado social de que tratamos aqui, difere do seu antecessor, o Estado
liberal que estabelecia uma separação entre estado e economia e a despolitização
das relações econômicas e sociais. O Estado liberal, segundo Toledo (1971),
ignorava e negava a existência de classes sociais, daí diferir sociedade composta de
proprietários e Estado por cidadãos. Seus maiores teóricos foram: Adam Smith, Davi
Ricardo, Malthus e Gean-Baptiste Say, todos da escola de Manchester e seus
princípios básicos são: individualismo, onde a sociedade é percebida como
somatório de ações individuais, naturalismo e progresso. Ao negar as classes, o
Estado liberal não as refletia. Daí, a ilegalidade da classe operária como classe, das
suas organizações, de seus partidos e da ausência do sufrágio universal. Para o
autor, foram as lutas sociais e políticas do nascente proletariado do século XIX que
pressionaram em direção à igualdade política e à distribuição igualitária dos bens.
Já o Estado social, preconizava a intervenção do estado na economia e
na gerência dos conflitos sociais. Para Toledo (1971), a historiografia tenta atrelar o
surgimento do Estado social às crises cíclicas do capitalismo. Já a tradição marxista,
relaciona-o às lutas proletárias do século XIX. Ele desenvolveu-se nos anos 20 e
predominou até a década de 70 do século XX. Tem como pressupostos: 1)
redefinição das relações clássicas entre sociedade civil e política; 2) legalização da
classe operária e de suas organizações, suprimindo as homogeneidades liberais da
natureza humana em detrimento dos conflitos interclasses; 3) o Estado social é uma
síntese de estado investidor da economia e regulador dos conflitos, mas também
benfeitor que procura conciliar crescimento econômico com legitimidade da ordem
social.
No esforço de conceituar o Estado de Bem Estar Social, Draibe (1990, p.
02) dirá que, no âmbito do Estado capitalista, é uma particular forma de regulação
social que se expressa pela transformação das relações entre Estado e economia,
entre Estado e sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico.
Manifesta-se a emergência dos sistemas nacionais públicos ou estatalmente
regulados de educação, saúde, previdência social, integração e substituição da
renda, assistência social e habitação que, a par das políticas de salário e emprego
regulam direta ou indiretamente o volume, as taxas e os comportamentos do
emprego e do salário, enfim da economia. É um padrão de proteção social que
garantiu direitos e inseriu grupos estigmatizados como os idosos, no campo da
cidadania.
Para Esping-Anderson e Korpi (1994), trata-se de um padrão de
organização social e política que, desde os fins do século XIX e depois da II Guerra
Mundial, precisamente, foi distanciando-se dos parâmetros do laisse-faire e do
legado das velhas leis contra a pobreza. Tem funções de produzir, instituir e
distribuir bens e serviços sociais como direitos de cidadania e proporciona bem-estar
aos cidadãos. Além de responsabilizar-se pela provisão social, tem que desenvolver
uma expressiva atividade regulamentadora com Políticas Fiscais, Leis trabalhistas e
garantia de acesso à benefícios e serviços (Pereira, 1998; Gough (1982).
Portanto, o Estado Social tem sustentação na doutrina Keynesiana que,
desde os anos 30, propaga a necessidade de intervenção na economia para gerar
consumo, pleno emprego, investimento econômico e, no aspecto social, a idéia de
segurança social que levou àinstauração e à organização de sistemas de
Seguridade Social em várias partes do mundo. Para Toledo (1971), o Estado social,
Estado planejado ou Estado guardião, perdurou 45 anos e nesse tempo permitiu
altas taxas de crescimento, ordem social e uma alternativa aos triunfantes
socialistas.
Para Pereira (1998), a principal iniciativa foi o Plano Beveridge, de Willian
Beveridge, que no decorrer da II Guerra Mundial, em 1942, incluiu no sistema de
Seguridade Social todos os cidadãos e todas as necessidades sociais constituindo-
se um complexo político-institucional e base conceitual do Welfare State.
Draibe (1990) afirmará que a edificação, no ocidente, dos Estados de
Bem-Estar Social respondeu, basicamente, às simultâneas demandas por maior
igualdade e segurança nas economias de mercado, ou seja, o Binômio Igualdade de
Resultados e Igualdade de Oportunidades68. Para clarificar ainda mais o estudo
sobre o Welfare State, Draibe (1990) usará uma classificação dos tipos de Estado de
Bem Estar Social, proposta por Ascoli e Titmus:
a) Welfare Residual (Liberal-Esping-Andersen): a política social só opera quando os
mecanismos naturais falham, no caso, a família, o mercado, o esforço individual,
as redes comunitárias. A intervenção do Estado é de corte seletivo e
emergencial.
b) Welfare Meritocrático-Particularista (Conservador): reconhece a necessidade da
intervenção da política social para corrigir, parcialmente, as grandes distorções
das instituições econômicas e sociais. Corporativo e clientelista
c) Welfare Institucional-Redistributivo (Social-Democrata/Universalidade): produção
e distribuição de bens e serviços sociais “extramercado” os quais são garantidos
a todos os cidadãos. Nesse Welfare, a condição de cidadania é a base da
política social como direito, os bens e serviços são produzidos pelo Estado e
distribuídos gratuitamente com critérios universalistas. Tende-se a definir um
padrão mínimo de renda como patamar básico da vida digna do cidadão.
Operacionaliza-se através da mesclagem entre a garantia de renda mínima,
assistência social, integração e substituição de renda, previdência/seguridade
social e os equipamentos coletivos públicos gratuitos, como saúde e educação
ou subsidiados, habitação.
68 Igualdade de Resultados: critérios igualitários na distribuição de recursos, produtos e serviços numa concepção de direitos; as políticas de garantia de renda mínima sob a forma de cesta básica, salário mínimo, pensão social, renda mínima garantida são exemplos de redistribuição de modo universal. Também o imposto progressivo sobre a renda é visto como esforços de redistribuição restrito. Igualdade de Oportunidades: respeitar as diferenças e legitimar as desigualdades.
A autora chama ainda a atenção para os “mix” históricos que compuseram
e compõem o Estado, o mercado e o terceiro setor. Terceiro Setor seria o setor
informal da economia e instituições voluntárias e/ou de solidariedade social,
tradicionais – família, comunidade, igreja e modernas – ong’s, associativismo,
cooperativismo.
Pereira (1998) classificará as políticas sociais no âmbito do Welfare State
em: a) Políticas Contributivas: contratuais, mercadorizáveis para cidadãos inseridos
no mercado de trabalho público ou privado e/ou no sistema previdenciário
contributivo; b) Políticas distributivas, não-contratuais, desmercadorizáveis que
prestam serviços e benefícios públicos sem contribuição, inserção no mercado e de
renda; c) Políticas Monetárias, que se constituem naquelas de transferência de
auxílios em dinheiro aos cidadãos sem renda mínima e d) Políticas não-monetárias
que seriam serviços e benefícios gratuitos no campo da educação, saúde,
assistência social e outros.
Diferentemente da visão contratualista, bismarckiana, a concepção da
seguridade social é a de segurança sem contrato como um direito social de
cidadania. T. H. Marshall, no final dos anos 40, incorporou a categoria de direitos
sociais: educação, saúde, seguridade social, lazer, bem-estar econômico ao lado
dos direitos civis: liberdade de ir e vir, imprensa, religião e fé, propriedade, concluir
contratos válidos e direito de justiça e políticos: votar e ser votado, de reunião e
associação69.
2.3.1. A Seguridade Social e o idoso
As tendências de garantir rendimento ao trabalhador e sua família em
situação de intervenção ou perda da capacidade produtiva, através do seguro social,
inauguradas por Bismarck em 1883, tiveram implicações diretas na estruturação do
69 T.H.Marshall classificou as ações pela garantia dos direitos em 03 fases: a Primeira, no século XVIII, garantiu a conquista dos direitos civis; na Segunda, século XIX, garantiu-se os direitos políticos e a Terceira, século XX, garantia dos direitos sociais e econômicos.
sistema previdênciário. Para Salvador e Boschetti, “(...) a Previdência Social, regida
pela lógica do seguro social, é a forma encontrada pelo capitalismo para garantir um
mínimo de segurança social aos trabalhadores ‘não proprietários’, ou seja, àqueles
que só dispõem de sua força de trabalho para viver.” (2002, p. 118) e que mesmo
estando fora de uma relação de trabalho não estão necessariamente em situação de
ausência de proteção.
Como a Previdência Social só reconhece direitos ligados e derivados do
trabalho, tais como: aposentadorias, pensões, seguro-saúde, seguro-desemprego,
auxílio-maternidade (Boschetti, 1998a), exclui aqueles indivíduos sem acesso ao
emprego e que não contribuem com o sistema previdenciário. Sem proteção social,
também não “têm acesso à assistência social porque esta é reservada aos pobres
‘incapacitados’ de exercer uma atividade laborativa (idosos, crianças e pessoas
portadoras de deficiência)” (Boschetti, 2001 apud Salvador e Boschetti, 2002, p.
118).
No que se refere aos idosos, que eram engajados no mercado de
trabalho, a elevação e institucionalização dos padrões de aposentadoria-velhice
imprimiu a estes um série de conquistas sociais que podem ser vislumbradas tanto
nos países centrais e, posteriormente, nos países em desenvolvimento. Na França,
entre os anos 1945 e 1960, observa-se uma revisão fundamental nas políticas
sociais e administrativas referentes à velhice como as que aconteceram no Brasil
décadas depois. Além da elevação das pensões que fizeram aumentar o prestígio
dos aposentados, houve uma série de políticas de integração do idoso como
assistência médica, alimentação gratuita nos “restaurantes populares”, assistência
jurídica e outros. Essas medidas provocaram uma modificação nos termos de
tratamento, bem como uma transformação na imagem das pessoas envelhecidas.
Aos poucos, a palavra velho foi sendo retirada de cena e o termo idoso foi sendo
introduzido em documentos oficiais para designar todas as pessoas envelhecidas,
independente do seu status social. Essa designação deu outro significado ao
indivíduo velho, transformando-o em sujeito respeitado. (Peixoto, 1998, p. 74)
Com o tempo, os novos aposentados, aqueles favorecidos pelas
mudanças políticas e administrativas no sistema de seguridade social, começaram a
reproduzir práticas sociais das camadas médias assalariadas. Tornou-se então,
necessário criar um novo vocabulário para designar mais respeitosamente a
representação dos “jovens” aposentados, já que o termo velhice estava muito
associado a pessoas pobres, inativas. Surge, assim, o termo Terceira Idade,
sinônimo de envelhecimento ativo e independente.
Para alguns estudiosos do envelhecimento, a Terceira Idade seria uma
invenção recente das sociedades ocidentais capitalistas para conceituar uma nova
etapa de vida entre a idade adulta e a velhice. Nova etapa que estaria empurrando
para mais adiante a concepção de velhice e abrigaria até a existência de um sentido
de negação da velhice. Para atender a esse novo segmento da sociedade, “os
jovens aposentados”, fez-se necessária a criação de um novo mercado: turismo,
produtos de beleza e alimentares, bem como novas instituições e categorias
profissionais: gerontólogos, geriatras, centros de convivência, de lazer e outros
desse tipo. É o que afirma Clarice Peixoto (1998):
“... a invenção da terceira idade – nova fase do ciclo de vida entre a aposentadoria e a velhice – é simplesmente produto da universalização dos sistemas de aposentadoria e do conseqüente surgimento de instituições e agentes especializados no tratamento da velhice, e que prescrevem a esse grupo etário maior vigilância alimentar e exercícios físicos, mas também necessidades culturais, sociais e psicológicas.” (Peixoto, 1998, p. 15).
Apesar das categorias de idade serem construções culturais e que
mudam historicamente, isso não significa que elas não tenham efetividade. Essas
categorias operam recortes no todo social, estabelecendo direitos e deveres,
definindo relações entre as gerações e distribuindo poder e privilégios. Nesse
sentido, as representações sobre a velhice, a posição social dos velhos e o
tratamento que lhes é dado pelos mais jovens não ocorrem por acaso, antes são
reflexos de uma série de transformações que ocorrem na sociedade em suas
diversas áreas, seja ela política, econômica e social.
2.4. A Constituição do Sistema de Seguridade Social no Brasil
Não se pode falar num sistema de seguridade social brasileiro nos moldes
do que aconteceu no antigo continente, pois enquanto lá a noção de proteção estava
atrelada à reprodução da força de trabalho e ao desenvolvimento nos marcos do
capitalismo industrial, no Brasil, as primeiras leis surgem ainda para regular as
relações trabalhistas que eram nos moldes da escravidão, portanto permeadas por
uma relação de sujeição. Lá, as proteções sociais eram baseadas num sistema de
universalização dos direitos. Aqui, por muitos anos, atreladas a aposentadoria, ou
seja, ao seguro, à contribuição. Somente em 1988, com a edição da nova
constituição, o direito universal será contemplado em algumas políticas.
Portanto, não é consenso a discussão sobre a origem do sistema de
proteção social no Brasil. Mota (1995) dirá que, enquanto na Europa ocidental foram
criados amplos e universais sistemas públicos de proteção social, como na
Inglaterra, os países periféricos, como o Brasil, estruturam a proteção social
mediante assistência aos pobres e previdência aos assalariados. Para ela, somente
no final da década de 70, a seguridade social brasileira se iniciará.
Embora os antecedentes do sistema previdenciário brasileiro possam ser
encontrados desde os tempos do Brasil Colônia, através de algumas medidas
esparsas criadas a partir da vontade individual de pessoas ligadas à igreja, a grupos
políticos e econômicos, foi somente a partir das primeiras décadas do século XX que
uma quantidade significativa de associações, sociedade de socorro mútuo e
legislação surgiram, com freqüência, vinculadas às ligas e às uniões operárias como
forma de amparar o trabalhador. Para a autora, a constituição dos mecanismos de
proteção social remontam aos primórdios da formação do proletariado urbano, no
início do século XX, quando presenciará relações entre empregado e patrão,
marcadas por lutas operárias para regulamentar as condições de trabalho, salário,
proteção social. Todas tendo de ser asseguradas pelo patronato.
Contudo, a historiografia aponta o surgimento de algumas instituições e
medidas “protecionistas”, ainda antes do período republicano como as Santas Casas
de Misericórdia, os montepios, as sociedades beneficentes (Teixeira, 1990), o Plano
de Beneficência dos Órfãos e Viúvas dos oficiais da Marinha e da Caixa de Socorro
(Simões,1999). Segundo Martins (2001), a constituição de 1824 faz uma única
referência à seguridade social, no seu artigo 179 quando preconiza a constituição de
socorros mútuos. Em 1835, aparece o Montepio Geral dos Servidores do Estado –
Mongeral – que previa um sistema físico do mutualismo70. A partir daí, uma série de
dispositivos asseguravam a proteção dos acidentes de trabalho, como exemplo:
Código Comercial e o Regulamento n°. 737, ambos de 1850, que garantiam um
salário para a inaptidão provocada por acidente imprevisto; o Decreto n°. 3.397, de
1888, criou a Caixa de Socorros para o pessoal das estradas de ferro; o Decreto n°.
9.212, de 1889, estatuiu o montepio obrigatório para os trabalhadores dos Correios;
o Decreto n°. 10.269, de 1889’, estabeleceu um fundo especial de pensões para os
trabalhadores das Oficinas da Imprensa Régia.
No período republicano, a Constituição de 1891 foi a primeira a conter a
expressão “aposentadoria” que era concedida apenas aos funcionários públicos em
caso de invalidez no serviço da Nação. Martins (2001) dirá que esse benefício era
realmente dado, pois não previa nenhuma fonte de contribuição para o seu
financiamento, como exemplo, a pensão do Imperador Dom Pedro, a aposentadoria
do Ministério da Fazenda e da Estrada de Ferro Central do Brasil71 (Simões, 1999).
O Decreto Legislativo n°. 3.724, de 1919, estabelecia proteção aos acidentes do
trabalho.
As transformações políticas e econômicas por que estavam passando o
Brasil, dentro da ordem capitalista, no início do século XX, apontavam para um novo
comando na dinâmica de acumulação capitalista. A predominância do setor
industrial, o surgimento de greves trabalhistas impunham uma outra definição ao
papel do Estado: o interventor através das legislações de natureza complementar
que atingiam os setores trabalhistas, sindical e previdenciário.
Embora a questão social, até então, fosse tratada como um caso de
polícia, o clima de insatisfação e reivindicação dos trabalhadores72 do setor
estratégico para a economia do país, os ferroviários e demais trabalhadores, 70 Várias pessoas se associam e vão se cotizar para cobertura de certos riscos mediante a repartição dos encargos com todo o grupo (Martins, 2001). 71 Segundo Simões (1999), tais iniciativas são consideradas, pelos estudos historiográficos ocasionais, portanto, de âmbito limitado e implementação discutível, não oferecendo indícios de uma constituição do sistema previdenciário brasileiro. 72 “Rio de Janeiro e São Paulo foram palco de grandes lutas operárias entre 1917 e 1920. As greves e manifestações dirigidas por trabalhadores anarquistas, sofreram repressão violenta. Mas, os empresários e o governo viram-se obrigados a prometer uma legislação de proteção ao trabalho. Como a situação não mudou
atemorizou as elites e empresários73 que, ante ao risco de revoluções operárias
como as que aconteceram na Europa, forçou o Estado a intervir através da edição
da Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682, de 1923). Considerada marco do
sistema de proteção, essa lei, para Simões (1999), representa a mudança da
postura liberal do Estado brasileiro frente às questões sociais e trabalhistas, servindo
de base para o conjunto de normas previdenciárias criadas posteriormente. Agora o
Estado intervinha em duas frentes: na política fiscal e financeira e na política social
como garantidor do pleno emprego e serviços sociais básicos.
Para alguns estudiosos, a Lei Eloy Chaves foi a primeira norma a instituir,
no Brasil, a previdência social quando criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões
(CAP’s). Inicialmente, de natureza privada e organizadas por empresas, as CAP’s
não incorporarão o direito universal de cidadania, pois se estruturam e funcionam de
forma a não abarcar todos os que estivessem participando do processo produtivo,
mas só os trabalhadores que estivessem vinculados a uma empresa74. Verifica-se
que, primeiramente essas caixas asseguravam os direitos de aposentadoria por
velhice, por invalidez, por tempo de serviço, pensão por morte, auxílio-funeral e
assistência médico-curativa aos ferroviários. Com o tempo, estendeu-se aos demais
trabalhadores de outros setores da economia, como empregados portuários e
marítimos, de serviços telegráficos e radiotelegráficos, serviços de bondes, de luz,
etc. Para Teixeira (1990), essas categorias profissionais tinham papel decisivo na
atividade econômica de exportação.
Posteriormente a partir de 1930, as CAP’s serão transformadas e
substituídas progressivamente pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP’s),
passando a abranger categorias profissionais e não mais empresas. Em 1933, por
intermédio do Decreto n°. 22.872, foi criado o Instituto de Aposentadorias e
Pensões dos Marítimos (IAPM), em 1934, o IAPC, Instituto de Aposentadoria e durante a década de 20, os operários repetiram greves e manifestações, sempre tratadas como casos de polícia” (Pomar, 2002). 73 Para Mota (1995), desde o início da industrialização brasileira, as fábricas e usinas de maior porte ofereciam serviços aos seus operários e familiares, como: Vilas Operárias, atividade filantrópicas, religiosas ou laicas, serviços de higiene e saúde, jardins de infância, armazéns, igrejas e habitação para uso dos operários, como forma de atrair, reter e disciplinar a mão-de-obra. 74 “A regulamentação das CAP’s, consistia-se numa espécie de contrato privado entre proprietários de uma empresa e seus empregados mediante o qual os empregadores comprometiam-se a sustentar no futuro o empregado de uma só e mesma empresa: ainda não se fundamentava numa concepção de direito de cidadania
Pensões dos Comerciários; e o IAPB, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Bancários. Organizados por ramo de atividade e de natureza estatal, os IAP’s
representam uma nova estruturação da previdência, colocando a força de trabalho
sob a gestão e controle direto do emergente Estado Novo que cumprirá um papel
importante no processo de industrialização, de reprodução e acumulação do capital
(Salvador e Boschetti, 2002).
Essa ampliação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’s) se
dará no período que se convencionou chamar de Era Vargas75, quando Getúlio
Vargas esteve à frente do governo implementando uma série de mudanças sociais,
econômicas e políticas. Nos anos 30, sob o domínio da acumulação pelo capital
industrial, o Estado assume papéis decisivos para estruturar as bases da
implantação da industrialização, para investir em algumas políticas sociais que ao
lado de uma legislação trabalhista, da montagem do sistema previdenciário com
financiamento estatal, legislação regulamentadora dos sindicatos, constituem
condições iniciais para que as questões sociais fossem enfrentadas.
Esse período, apesar de ser palco da mudança do Brasil em país agrário-
industrial, tendo como conseqüência direta a intensa industrialização e a camada de
operários e técnicos qualificados, bem como crescimento urbano, desenvolvimento
das diversas regiões através dos novos meios de transportes e comunicação,
elevação do padrão educacional e cultural, ampliação do direito de voto e
participação política, não passará de uma Modernização Conservadora76. De um
lado, modernização econômica e conquista dos direitos, de outro, autoritarismo
político, repressão e censura.
A Constituição de 1934, que na sua parte social e econômica baseou-se
na Constituição alemã da República de Weimar (1919), consagrou uma série de
passível de ser estendido a todos os membros da comunidade nacional em condições de participar do processo produtivo” (Santos, 1979) (Simões, 1999, p. 23). 75 Para Pomar (2002), muitos historiadores consideram a Era Vargas somente o período do Estado Novo, entre 1937 e 1945. Outros, no entanto, referem-se as duas vezes que esteve à frente do governo: da primeira vez foi sucessivamente chefe do governo provisório que vigorou entre 1930 a 1934, presidente eleito no período de 1934 a 1937 quando da promulgação da nova constituição e ditador imposto por um golpe militar, no período de 1937 a 1945. Da Segunda vez, presidente eleito de 1950 a 1954. 76 “Além de surgir de um regime fechado – autoritarismo de Vargas - o processo servia mais às elites, velhas e novas, que às camadas populares do campo e da cidade” (Pomar, 2002).
direitos nas áreas trabalhista e eleitoral77. Segundo Martins (2001), essa constituição
estabelecia que a União deveria fixar regras de assistência social, os Estados-
membros deveriam cuidar da saúde e da assistência pública, bem como fiscalizar e
aplicar leis sociais. Ao Congresso cabia instituir normas sobre aposentadorias e
proteção social ao trabalhador. Garantia-se ainda, assistência médica e sanitária ao
trabalhador; à gestante, descanso, antes e depois do parto, sem prejuízo do salário
e emprego; e quando da interrupção do trabalho mediante velhice, invalidez,
maternidade e acidentes de trabalho, garantia-se a instituição de um regime de
previdência78. A forma de custeio do sistema era baseado na tríplice contribuição:
governo, empregado e empregador. Apesar dos proventos da aposentadoria não
poderem exceder os vencimentos da atividade, tinha-se a possibilidade de
acumulação de benefícios desde que houvesse previsão legal.
A constituição de 1934 instituiu ainda a Justiça do Trabalho, a jornada de
oito horas, o salário mínimo, a pluralidade sindical, normas para o trabalho da mulher
e as convenções coletivas. Em 1936, é criado mais um IAP’s, agora o Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI).
Em 1937, foi outorgada uma nova constituição79 que representaria o
Estado Novo, ou seja, um estado ditatorial, fruto de um golpe de estado tramado por
Getúlio e as Forças Armadas, ante a ameaça comunista liderada pelo Partido
Comunista e a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Em matéria de previdência, essa
constituição em nada avançou, na verdade, regrediu. Apenas trata da instituição de
seguros da velhice, da invalidez, de vida e acidentes de trabalho. Versa ainda que
cabe às associações de trabalhadores o dever de prestar aos seus associados
auxílio ou assistência no que se refere às questões administrativas e judiciais
relativas aos seguros de acidentes de trabalho e aos seguros sociais. Contudo,
77 “Confirmou o voto obrigatório, secreto e direto, incluindo o direito de voto às mulheres estabelecido no ano anterior. Confirmou, também, a instituição da Justiça Eleitoral e a redução do limite de idade do eleitor de 21 para 18 anos. (...)consagrou as liberdades públicas, a nacionalização dos recursos do subsolo, a separação entre a Igreja e o Estado, o ensino primário obrigatório e o regime republicano e federativo. Mas negou aos analfabetos e aos soldados o direito de voto, estabeleceu o centralismo do governo e a indissolubilidade do casamento” (Pomar, 2002). 78 Segundo Martins (2001) previa-se a aposentadoria compulsória para os funcionários públicos que atingissem 68 anos de idade, aposentadoria por invalidez, com salário integral, ao funcionário público que tivesse no mínimo 30 anos de trabalho. Quando acidentado, o funcionário público tinha direito a benefícios integrais. 79 A Constituição de 1937, conhecida como Polaca, pois inspirou-se na Constituição fascista da Polônia, manteve formalmente a república federativa, mas restringiu severamente o poder dos estados, bem como dos legislativos. Suspendeu os direitos de reunião e de opinião, bem como as garantias individuais.
observa-se, no final da década de 30, o surgimento de alguns institutos dos
trabalhadores avulsos, autônomos, como: Caixa de Aposentadoria e Pensões dos
Trabalhadores em Trapiches e Armazéns, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Empregados em Transporte de Cargas (IAPETC), etc.
Na década de 40, seguem-se outras medidas de regulação social como o
salário mínimo, a CLT, que se constituem, ao lado de outros dispositivos, no
complexo legal-institucional definidor das condições de vida, de trabalho e de
previdência que durará até 1964. Ainda sob o regime e slogan de “Getúlio, pai dos
pobres e dos trabalhadores”, na primeira metade da década de 40, é criado o
Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB) que objetivava abranger todos os
empregados ativos a partir de 14 anos, tendo um único plano de contribuições e
benefícios, o que na prática não se efetivou. Em 1946, a nova Carta Constitucional,
no mesmo artigo que versa sobre Direito do Trabalho, traz uma sistematização
previdenciária. É aqui que surge pela primeira vez a expressão “previdência social”
no lugar de “seguro social”, buscando consagrar um sistema de previdência
mediante contribuição tríplice da União, do empregador e do empregado, diante da
maternidade e dos infortúnios da velhice, doença, invalidez, acidente e morte.
A partir daí, uma série de decretos surgirá como forma de regulamentar o
sistema previdenciário brasileiro. Em 1949, o Decreto n°. 26.778, regulamentará a
Lei n°. 593, de 1948, referente à aposentadoria ordinária, disciplinando a execução
das demais legislações em vigor sobre as CAPs. Por parte do patronato, serão
criadas, sob a influência da ideologia da Paz Social, as instituições: SENAI, SESI e
SESC financiadas por contribuição social obrigatória das empresas, visando a
redução do pauperismo.
Na década de 50, o Decreto n°. 32.667, de 01.05.1953, facultará a filiação
de profissionais liberais como segurados autônomos no IAPC – Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Comerciários e o Decreto n°. 34.586, de 12.11.1953,
unificará todas as CAPs no Instituto dos Trabalhadores de Ferrovias e Serviços
Públicos (IAPFESP). Em 1954, o Decreto n°. 35.448, uniformizará os princípios
gerais aplicáveis a todos os institutos de aposentadorias e pensões.
Na década de 60, é promulgada a Lei Orgânica da Previdência Social –
LOPS (Lei no. 3.807, de 26.08.1960) que uniformizou e instituiu dezoito tipos de
benefícios concedidos a todos os contribuintes urbanos do setor privado, sem
modificar a estrutura administrativa dos IAPs, como: auxílio-natalidade, auxílio-
funeral e auxílio-reclusão. Estendeu também a área de assistência social a outras
categorias profissionais. Também observam-se outras leis regulamentando a matéria
previdenciária: Lei n°. 3.841, de 15.12.1960, que dispôs sobre a contagem recíproca,
para efeito de aposentadoria, do tempo de serviço prestado por funcionários à
União, às autarquias e às sociedades de economia mista; Lei n°.4.214, de
02.03.1963, que criou o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL),
no âmbito do Estatuto do Trabalhador Rural; Lei n°. 4.266, de 03.10.1963, que criou
o salário-família; a Emenda Constitucional (EC) n°. 11, de 31.03.1965, apresentava
o princípio da precedência do custeio, onde determinava que nenhuma prestação de
serviço assistencial ou previdenciário se faria sem a correspondente fonte de
custeio.
Depois de 1964, a tendência mundial é homogeneizar os direitos e
benefícios que levará o Brasil, em 1966, a extinguir os IAPs e a fundir suas
estruturas no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), favorecendo uma
“extensão dos serviços para categorias ainda não cobertas e a incorporação ao
sistema do seguro acidente de trabalho”, responsabilizando-se por todas as
“aposentadorias, pensões e assistência médica de todos os trabalhadores do
mercado formal e urbano.” (Salvador e Boschetti, 2002, p. 119). Observa-se que o
modelo de capitalização é substituído por uma simples repartição em que os ativos
mantém os inativos; movimento de homogeneizar os benefícios e universalizar os
direitos.
Para Simões (1999), esta uniformização trouxe uma importante
conseqüência:
“A unificação do sistema previdenciário rompeu com a organização de molde corporativista que fragmentava trabalhadores da ativa e aposentados nas suas várias categorias profissionais, concedendo benefícios como
privilégios a certos segmentos em detrimento de outros, conforme o mecanismo da ‘cidadania regulada’”. (Simões, 1999, p. 99).
Para Martins (2001), a constituição de 1967, bem como a Emenda
Constitucional (EC) n°.1, de 1969, não inovaram em matéria previdenciária,
repetindo quase todas as disposições da Carta de 1946 sobre: salário-família,
descanso remunerado à gestante, antes e depois do parto, previdência social nos
casos de doença, velhice, invalidez, morte, seguro-desemprego, seguro contra
acidentes do trabalho, aposentadoria da mulher aos 30 anos de trabalho, com
salário integral e previsão do custeio da previdência.
Adentrando os anos 70, encontramos uma previdência em expansão,
porém com um caráter seletivo, determinado pela formalização do emprego (Mota,
2000) e por uma grande “distância entre a cidadania do trabalhador assalariado da
grande empresa em relação aos trabalhadores precarizados, no tocante às
condições de trabalho e de cobertura da Previdência Social” (Salvador e Boschetti,
2002, p. 120). Em 1971, a Lei Complementar n°. 11, instituiu o Programa de
Assistência ao Trabalhador Rural (Pro-Rural), substituindo o Plano Básico de
Previdência Social Rural. A Lei n°. 5.859, de 1972 incluiu os empregados
domésticos como segurados obrigatórios da Previdência Social. Em 1974, a Lei n°.
6.136 incluiu o salário-maternidade entre os benefícios previdenciários, a Lei n°.
6.179 criou o amparo previdenciário para os maiores de 70 anos ou inválidos, no
valor de meio salário mínimo e a Lei n°. 6.195 criou a infortunística rural. Em 1975, a
Lei n°. 6.226 versou sobre a contagem recíproca do tempo de serviço e a Lei n°.
6.260 que instituiu benefícios e serviços previdenciários para os empregados rurais e
dependentes. Em 1976, a Lei n°. 6.367 dispôs sobre o seguro contra acidentes do
trabalho na área urbana. Observa-se que muitas leis tratam da mesma matéria em
leis anteriores, ora para regulamentá-las, ora para revogá-las.
Em 1977, a Lei n°. 6.439, que instituiu o Sistema Nacional de Previdência
e Assistência Social (SINPAS), objetivava a reorganização da Previdência Social,
integrando todas as atividades de previdência social – assistência médica,
assistência social, gestão administrativa, financeira e patrimonial, entre as entidades
vinculadas ao Ministério da Previdência e Assistência Social. O SINPAS era
composto da seguinte maneira: Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) que
concedia benefícios e demais prestações previdenciárias; Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) que prestava a assistência
médica; Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA) que prestava assistência à
população carente; Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), que
promovia a execução da política aos “menores” infratores; Empresa de
Processamento de Dados da Previdência Social (DATA-PREV); Instituto de
Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS), e a Central de
Medicamentos (CEME) que distribuía medicamentos gratuitos a população ou a
baixo custo.
No entanto, ao lado dessa onda de unificação do sistema público
previdenciário, presencia-se uma retomada da seguridade social, própria das
empresas. Para Mota (1995), a particularidade da política social brasileira, no
período de 1964 até finais da década de 70, foi a de privilegiar a expansão do capital
em detrimento da reprodução da força do trabalho. Para dar mais legitimidade social
aos governos militares, o Estado funcionalizou a política social e entregou alguns
serviços ao setor privado.
De um modo geral, na década de 70, enquanto os países desenvolvidos
experimentam críticas ao seus sistemas de proteção social universal, no Brasil, sob
o regime militar se constituirá a ampliação das políticas de Seguridade Social, como:
o FUNRURAL; a Renda Vitalícia para os idosos, considerados dois mecanismos
redistributivos; aumento do teto do benefício mínimo; abertura da previdência para
trabalhadores autônomos e empregados domésticos e ampliação da assistência
médica. Porém, tal ampliação favorecerá a privatização de alguns serviços públicos
que se intensificará nas décadas seguintes, bem como a fragilidade de proteção à
família e poucos benefícios, distribuídos sem critérios de seletividade.
Na década de 80, diante da crise do milagre, externada na recessão
econômica, no desemprego, na inflação, na dívida externa e interna, nas
divergências dos interesses das frações da burguesia, na insatisfação da população
e na pressão exercida por setores organizados da sociedade, as bases de
sustentação desse modelo foram fragilizadas. Por força do movimento organizado
da sociedade, algumas conquistas e garantias são asseguradas como os novos
dispositivos legais instituídos. Para Mota (1995), esse processo inicia-se no âmbito
das empresas, locus de embate entre trabalhadores e capitalistas, com os contratos
coletivos e depois passa para o Estado na instituição de direitos sociais e políticos,
como autonomia sindical e de greve, universalização da saúde e previdência e
mudança na legislação trabalhista. Em 1981, tem-se a Emenda Constitucional (EC)
n°. 18, de 1981, que previa a aposentadoria para o professor após 30 anos e, para a
professora, após 25 anos de efetivo exercício em funções de magistério, com salário
integral. Em 1984, o Decreto n°. 89.312 reorganizou nova Consolidação das Leis da
Previdência Social (CLPS). Em 1986, o Decreto-lei n°. 2.283 instituiu o seguro-
desemprego. Em 1987 e 1988, o Decreto n°. 94.657 e a Portaria n°. 4.370,
respectivamente, criaram o Programa de Desenvolvimento de Sistemas Unificados e
Descentralizados de Saúde dos Estados (SUDS).
Como organização maior dos direitos e garantias sociais, a Constituição
de 1988, traz todo um capítulo dedicado a Seguridade Social. Na carta magna, a
Saúde, Assistência Social e a Previdência Social formam o tripé do sistema. Para
Salvador e Boschetti (2002), a ampliação do conceito de seguridade social que
engloba as políticas de saúde, previdência social e assistência social é regida por
princípios e diretrizes que articulam “universalidade e seletividade, centralização e
descentralização, distribuitividade e redistributividade, gratuidade e contributividade”.
Enquanto “a saúde orienta-se por princípios como universalização, gratuidade,
redistribuição e descentralização”, como a instituição do SUS:
“A política de Assistência Social, rege-se por preceitos de seletividade, gratuidade, redistribuitividade, centralização na gestão de certos benefícios (um salário mínimo mensal para idosos com mais de 67 anos80 e pessoas pobres portadoras de deficiências, que são geridos pelo INSS) e descentralização (para os programas, projetos e serviços). A Previdência, por sua vez, continua a ser assegurada mediante contribuição direta de trabalhadores e empregadores, e sua gestão centralizada no governo federal.” (Salvador e Boschetti, 2002, p. 123)
Apesar de um avanço no arcabouço jurídico-institucional, o sistema de
seguridade social, na prática, não se efetiva. Foi introduzido numa época em que as
80 Com a edição da Lei no. 10.741, de 2003, conhecida como Estatuto do Idoso, a idade para perceber o Benefício de Prestação Continuada – BPC, caiu para 65 anos.
medidas na ordem econômica imprimiram sujeição da ordem social à esfera
econômica, gerando como conseqüência desregulamentação de direitos
previdenciários e uma política social voltada para os mais pobres. Para Draibe
(1990), as principais tendências das políticas sociais brasileiras na década de 80
são: baixíssimos resultados em termos de efetividade, de melhoria das condições
básicas de vida da população. Apesar da existência de um patamar mínimo e de
sentido universalizante/redistributivo das políticas, os programas assistenciais tem
caráter precário, descontínuo, insuficiente. Na educação básica, apesar da
expansão da rede escolar ter garantido a plena cobertura, observa-se um mal
desempenho escolar e sua relação com os baixos níveis de renda das famílias, o
que leva a proliferação da rede privada. As ações da saúde pública e o atendimento
hospitalar de urgência apesar de de se propor “universal” é restrita e em más
condições, baseadas num modelo “hospitalocêntrico” que privilegiou a assistência
médica de natureza ambulatorial e hospitalar, apoiado prioritariamente por recursos
da Previdência Social (INAMPS) e compra de serviços do setor privado. As ações
preventivas foram incapazes de garantir melhorias nos indicadores sociais mais
importantes: mortalidade infantil, morbidade, esperança de vida. Quanto à Política
habitacional, observa-se a quase inexistência de aplicação de recursos de origem
fiscal nos programas habitacionais. Os que existem financiam a casa própria
beneficente à classe média. Com a extinção do BNH e com a transferência dos
recursos para os programas habitacionais da CEF, o sistema de habitação entrou
em paralisia.
Na década de 90, esses problemas tornaram-se agudos: persistência da
crise econômica, crescimento da pobreza e transformações significativas nas
experiências políticas das classes sociais. Tudo isso foi materializado no
protagonismo político e organizado das classes subalternas e vivenciado na luta dos
partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais urbanos e rurais pela socialização
da produção social e do poder, bem como pelas novas formas de organização e
articulação das classes dominantes.
A década de 90, no que se refere à Saúde, em 1990, foi criada a Lei n°.
8.080 que versou sobre a Saúde e o Decreto n°. 99.060 que vinculou o INAMPS ao
Ministério da Saúde. Em 1991, entrou em vigor a Lei n°. 8.212 que tratou do custeio
do sistema da seguridade social; em 1993, a Lei n°. 8.689 extinguiu o INAMPS. Em
1997, a Medida Provisória n°. 1.576 e o Decreto n°. 2.283 desativaram a Central de
Medicamentos (CEME). Em matéria de Assistência Social, a Lei n°. 8.742, de 1993,
versou sobre a organização da Assistência Social. Em 1994, a LBA foi extinta. No
âmbito da Previdência Social, em 1991, a Lei n°. 8.213 versou sobre os benefícios
previdenciários; em 1992, a Lei n°. 8.540 dispôs sobre a contribuição do empregador
rural para a seguridade social; em 1990, o IAPAS e o INPS se fundiram sendo criado
o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal vinculada ao
Ministério do Trabalho e Previdência Social.
De um modo geral, a década de 90 será palco da materialização das
propostas da Reforma da Previdência, vistas como necessárias ao ajuste do setor
público; e da edição de medidas de alteração do sistema, como: a Lei n°. 8.870, de
1994, que extinguiu o abono de permanência em serviço e excluiu o 13º salário para
cálculo do salário-de-benefício; a Lei n°. 9.548, de 1997, extingui as aposentadorias
especiais de aeronauta, telefonista, jogador de futebol, jornalista e juiz classista da
Justiça do Trabalho; a Emenda Constitucional n°. 20 e a Lei no. 9.876, de 1999 que
cria o fator previdenciário, prevendo a expectativa de vida do segurado para o
cálculo do benefício, refletindo prejuízo ao trabalhador, como afirma Alves (2002):
“... a desvinculação dos reajustes dos benefícios previdenciários do salário mínimo (para o Regime Geral da Previdência) e a possibilidade da Previdência Complementar para os Servidores Públicos. Para todos aboliu-se, observando-se as regras de transição, o tempo de serviço, estipulando-se o tempo de contribuição e este, ‘casado’ com uma idade mínima que passou a ser exigida. Também foi instituído o fator previdenciário para os trabalhadores da iniciativa privada que leva em conta a expectativa de sobrevida, isto é, quanto mais cedo a pessoa se aposentar, menos recebe. Quanto mais tarde, mais recebe, observado o teto máximo do INSS.” (Alves, 2002, p. 51).
Nesse período, a seguridade social privada, vinculada à grande empresa,
foi a que mais cresceu, especificamente na saúde e na previdência, devido a
falência e sucateamento do aparelho produtor de serviços públicos. A política social
foi direcionada pela privatização, descentralização e reforço a programas dirigidos à
parcela mais pobre da população (Simões, 2000). Esse caráter paradoxal do sistema
de segurança social brasileiro ganha terreno nos anseios de reforma da previdência
tanto por aqueles grupos que compreendem que a reforma deve assegurar os
direitos instituídos na Constituição Federal como pelo movimento reinvindicatório dos
aposentados por reajuste de benefícios pelos trabalhadores vinculados às duas
centrais sindicais e também pelo outro grupo que vai em sentido contrário à
Constituição, representado pelas propostas dos empresários industriais, do setor
bancário e financeiro, dos ruralistas e dos organismos internacionais. (Salvador e
Boschetti, 2002, p. 125).
Nos primeiros anos do século XXI, podemos dizer que tanto no governo
de Fernando Henrique Cardoso como no de Luís Inácio Lula da Silva os recursos
públicos beneficiam, tendencialmente, a quem menos deles precisam,
caracterizando o padrão de proteção social num modelo conservador cuja
intervenção social do Estado funda-se na capacidade contributiva do trabalhador. A
Constituição Federal de 1988 já sofreu duas profundas modificações em seu texto
original: a primeira, por meio da Emenda Constitucional n°. 20, de 15 de dezembro
de 1998; a Segunda, pela Emenda Constitucional no. 41, de 19 de dezembro de
2003. Os baixos salários e o altíssimo grau de concentração de renda constituem os
mais graves entraves rumos a universalização de direitos.
2.4.1. Políticas de proteção ao idoso no Brasil
Quanto ao encaminhamento político da questão social da velhice no
Brasil, este teve, durante muitos anos, o mesmo direcionamento que se dava às
demais questões sociais. Predominavam as ações de natureza assistencialista com
objetivo de suprir algumas carências básicas dessa população, o que ressaltava
ainda mais a exclusão dos velhos. A filosofia da política para esse setor confundia-
se com a caridade e, na sua maior parte, efetivava-se através de instituições asilares
que atentavam, exclusivamente, à manutenção biológica do idoso.
Antes da Lei Eloy Chaves (de 1921), considerada o marco da criação da
Previdência no Brasil, a luta pela institucionalização do idoso identificava-o com o
velho trabalhador desprovido de capacidade produtiva e carente da proteção Estatal.
Na historiografia brasileira, encontramos a criação da Casa dos Inválidos destinada
aos militares que lutaram em defesa da Colônia Portuguesa, e a legislação
previdenciária para os militares que foi estendida em seguida aos funcionários civis.
Não existia uma questão social do idoso e da velhice. De um modo geral, todas as
medidas se restringiam ao interior do aparelho estatal, destinadas a dar proteção ao
funcionário público.(Magalhães, 1987:24)
No Brasil, foi a partir do final da década de 60 e começo da década de 70,
que se pôde vislumbrar os ecos da mudanças que já aconteciam na Europa, em
relação à questão da velhice. O termo idoso, assim como na França do século XIX,
era usualmente empregado para designar as pessoas mais favorecidas e o termo
“velho” referia-se, sobretudo, às pessoas de mais idade pertencentes às camadas
populares que apresentavam mais nitidamente os traços do envelhecimento e do
declínio.
Graças a uma série de medidas tomadas a partir do início da década de
70, a questão da velhice, tomou rumos diferentes, no que diz respeito à atenção
pública. Fruto de seminários, encontros, jornadas da criação da Sociedade Brasileira
de Geriatria (SBG), em 1961, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
(SBGG), em 1968, da Associação Cearense Pró-Idosos (ACEPI), em 1977 e do
pioneiro Trabalho Social com Idosos do SESC – Serviço Social do Comércio – a
institucionalização da questão social do idoso retirou a velhice do domínio da esfera
privada e a circunscreveu no âmbito das relações públicas. Podemos apontar, num
breve resgate histórico81, as principais ações que deram um novo encaminhamento
à questão:
a) Medidas de Proteção Social ao Idoso
- Em 1973, houve a criação, pelo Ministério do Trabalho e pelo INPS, da
aposentadoria-velhice, concedida aos homens de mais de 65 anos e às
mulheres de mais de 60 anos.
- Em 1974, criou-se o decreto-lei que estabeleceu uma renda mensal vitalícia,
50% do salário mínimo, para as pessoas com mais de 70 anos e aos
inválidos.
81 Recomendações Políticas para a 3ª. Idade nos anos 90. Manual do Participante, V Fórum Nacional de Gerontologia, I Fórum Nacional da “Política Nacional do Idoso”, Fortaleza: MPAS-SAS, 1997. 83 p.
- Em 1975, surge a lei n°. 6.179, (24 de setembro) possibilitando a vinculação
ao sistema previdenciário de cidadãos que já tinham completado 60 anos de
idade.
- Em 1976, com assessoria do SESC/SP, o Ministério da Previdência e
Assistência Social realizou três seminários regionais e um seminário nacional,
buscando estabelecer um diagnóstico para a questão da velhice em nosso
país e apresentar as linhas básicas de uma política de assistência e
promoção social do idoso.
b) Criação de Organismos de Representação Social e Política
- Em 1977, foi criada a ACEPI – Associação Cearense Pró-Idosos – primeira
associação da sociedade civil preocupada em criar organismos de
reivindicação dos direitos dos idosos. Nesse mesmo ano, o INPS coordenou a
execução de programas de treinamento de profissionais na área de
atendimento ao idoso e o MPAS expediu o documento: Políticas para a 3ª.
Idade – Diretrizes Básicas.
- Em 1978, foram instituídas, em Campinas/SP, as jornadas Médico-Sociais
da 3ª. Idade.
- Em 1982, o SESC/SP realiza o I Encontro Nacional de Idosos, reunindo,
pela primeira vez, representações de idosos do País. Ainda em 1982, foi
criado, junto à Universidade Federal de Santa Catarina, o Núcleo de Estudos
da Terceira Idade – NETI.
- Em 1984, no II Encontro Nacional de Idosos, promovido pelo SESC/SP, é
promulgada “A Carta de Declaração dos Direitos dos Idosos Brasileiros”.
- Nos anos de 1985, 1986 e 1987, são realizados, em todo o Brasil encontros
para elaboração de documentos contendo recomendações ao Governo e à
Sociedade, tendo em vista a nova Constituição Brasileira e, ainda em 1987, é
oficializada a criação da Associação Nacional de Gerontologia – ANG.
c) Institucionalização de Políticas Sociais
- Em 1988, entra em vigor a nova Constituição Brasileira e, pela primeira vez,
surge a importância da atenção à velhice.
- Em 1994, é criada a Lei n°. 8.842 que dispõe sobre a Política Nacional do
Idoso e, em 1996, ocorre a criação do Decreto n°. 1.946 que a regulamenta.
- E em setembro de 2003, é instituído o Estatuto Nacional do Idoso.
De um modo geral, podemos perceber que a questão do envelhecimento
no Brasil, nesses últimos 30 anos, deu um verdadeiro “salto qualitativo”, se
comparado aos anos anteriores, pois aos poucos conseguiu acrescentar na agenda
da política social do país o atendimento às pessoas idosas. Primeiro, com a criação
de medidas previdenciárias de ampliação das formas de proteção social ao
segurado idoso. Em seguida, com a criação de organismos de representação social
e política, fóruns para assegurar, constitucionalmente, proteção social e, finalmente,
a criação da Política Nacional do Idoso.
2.5. A Crise do Estado de Bem-Estar Social no Brasil e no mundo
Como vimos anteriormente, após a II Guerra Mundial as economias
industrializadas vivenciaram um longo período de crescimento, baseadas no modelo
fordista-keynesiano de economia. (Harvey, 1993, p. 119). Porém, essa “onda longa
expansiva” que começou nos EUA, em 1940, na Europa e no Japão, em 1948, durou
até o final dos anos 60” (Mandel, 1990, p. 13), pois no início dos anos 70 começou a
declinar, apresentando indícios de esgotamento.
“A rigor, já nos finais da década de 60, as economias centrais começam a apresentar sinais de declínio do crescimento econômico, evidenciando o início da setença daquele padrão de acumulação. A queda das taxas de lucro, as variações na produtividade, o endividamento internacional e o desemprego são indícios daquele processo.” (Mota, 1995, p. 49).
Fatores externos como a crise do petróleo, de 1973, as lutas sociais pela
libertação dos povos do Terceiro mundo, do comportamento dos sindicatos, bem
como o desequilíbrio do Sistema Monetário Internacional agravam ainda mais a
crise. O Welfare State, a Seguridade Social e a Política Social do Pós-Guerra
sofreram fortes abalos em seus conceitos e propostas, sendo configuradas com o
retorno do ideário liberal. Segundo Mota (1995), as bases da crise já estavam postas
no período de expansão capitalista e foram enfrentadas inicialmente com a
intensificação do processo de concentração e internacionalização82 do grande
capital e da produção.
Para a autora, a partir do II Pós-Guerra, o mundo presenciou um
movimento que sob a hegemonia do grande capital monopolista norte-americano,
levou a um processo de articulação entre as diversas economias mundiais, também
conhecido como internacionalização. Esse processo deu-se por meio de empresas
transnacionais, capital financeiro e da divisão social internacional dos mercados e do
trabalho. Contudo, não ocorreu sem muitos impasses. Um deles foi a penetração de
produtos alemães e japoneses no território americano, aumentando o ritmo de
crescimento daqueles países (Tavares e Fiori, 1993); um outro foi o não controle
direto do Estado na política industrial, na de preço e na de salários, pois com a
internacionalização muitas empresas transformaram-se em multinacionais,
instalando-se em vários países em busca de mais lucro o que levou o Estado a
focalizar suas ações na política de expansão monetária e de crédito nacional.
Porém, a persistência nessa política interna gerou um descompasso com
a política internacional, causando uma acelerada mundialização da inflação e,
conseqüentemente, o desmoronamento do sistema monetário internacional. A partir
daí, todos os governos foram obrigados a aplicar simultaneamente uma política anti-
inflacionária (Mandel, 1990).
No final da década de 60, quando a economia americana apresentava
perda de dinamismo devido a Guerra do Vietnã, a saída encontrada foi a decretação
da inconversibilidade do dólar em ouro, em 1971. A partir daí, o dólar inflacionava-
se ao ser emitido em maior quantidade para cobrir o rombo orçamentário. Nesse
processo as exportações dos países do III mundo foram depreciadas e as
americanas, valorizadas, ocasionando um processo de inflação mundial (Vizentini,
1992). A desvalorização do dólar levou a um movimento especulativo permitindo o
início de um período de expansão do capital financeiro.
82 Quando ocorre “um movimento de articulação entre as diversas economias, sob a hegemonia do grande capital monopolista norte-americano, que imprimiu à economia internacional o seu padrão de consumo e produção (...) ao mesmo tempo também permitiu, no seu mercado interno, a penetração de produtos alemães e japoneses”. (Mota, 1995)
A partir de 1975, inicia-se uma retomada desigual do crescimento nos
países centrais e periféricos. Aqueles se beneficiavam do aumento do petróleo e
estes foram penalizados pelo preço dos produtos importados. A recuperação dos
investimentos foi insatisfatória, pois não houve ampliação do consumo, aumento da
poupança e da renda, devido as altas taxas de desemprego, redundando em uma
nova crise, a crise dos anos 80.
“... não houve uma restruturação, nem expansão substancial do mercado de trabalho que permitisse um crescimento qualitativo da produção de mais valia, nem uma modificação fundamental das relações de forças sociais ; elementos que teriam permitido ao capital assegurar novamente uma expansão comparável àquela dos anos pós-II Guerra ou dos anos que precederam a I Guerra Mundial” (Mandel, 1990, p. 247)
Portanto, as razões da crise do Estado Social, regulador da vida social e
econômica, podem ser encontradas tanto na crise econômica dos anos 70, devido a
incapacidade de controle dos Estados sobre o movimento do capital, crescente
déficit fiscal e endividamento público, nas inovações tecnológicas de base
microeletrônica, informática, robótica que exigem uma reestruturação da produção e
do trabalho como no enfraquecimento dos movimentos de trabalhadores, por conta
da derrocada do Leste Europeu. Para alguns estudiosos, a crise constitui-se numa
crise do capital, da fusão do capital bancário com o industrial. Há um descompasso
entre produção e circulação de mercadorias e não a legitimidade do Estado de Bem-
Estar Social.
Nesse sentido, os anos 80, serão campo fértil para as idéias neoliberais83
que assolarão os países centrais, mas, sobretudo, os periféricos, com defesa de
ajustes dos Estados Nacionais às exigências do capital transnacionalizado e
redução ou anulação do poder excessivo dos sindicatos e movimento operário.
“... a desvantagem do Estado de Bem-Estar e o fim da presença do Estado regulador da economia e parceiro econômico, sustenta-se em 02 fenômenos: um deles, refere-se à chamada “Crise Fiscal do Estado”, isto é,
83 As idéias neoliberais ou Teoria do Estado Neoliberal surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial, na Europa e América do Norte, nos países onde imperava o capitalismo, tendo como fundador Friedrich Hayek, baseada no seu texto “O caminho da servidão”, de 1944. Até então, essas idéias situavam-se no campo teórico, mas com a crise de 1973, “ganham terreno” e se constituem numa reação teórica e política ao Estado intervencionista e de bem-estar, que limitava os mecanismos naturais do mercado. Segundo Hayek, as raízes da crise estavam localizadas em dois vetores: o poder excessivo e nefasto dos sindicatos, reinvindicando salários e na pressão para aumento dos gastos do Estado. (Anderson, 1995)
à incapacidade do Estado para operar social e economicamente sem déficit público; o outro, político, refere-se à afirmação neoliberal de que as crises econômicas capitalistas resultam do excessivo poder e privilégios dos trabalhadores organizados” (Chauí, 1999)
Foram tomadas algumas iniciativas superadoras da crise, tais como:
reestruturação da produção e dos mercados através de um combate aos
mecanismos anticíclicos de base keynesiana, programa de corte neoliberal; negação
da regulação econômica estatal pelo abandono das políticas de pleno emprego e
pela redução dos mecanismos de seguridade social (Mota, 1995,p. 56).
Segundo Mota (1995), na expansão fordista-keynesiana, os sistemas de
segurança social foram ampliados por força das negociações entre empresas,
sindicatos e instituições do estado, enquanto que nas expansões pós-fordistas, sob
o influxo das idéias neoliberais, a tendência é de privatizar os programas de
previdência e saúde e ampliação dos programas assistenciais.
Contudo, tais medidas não permitiram que as economias capitalistas
superassem a crise e restabelecessem níveis decrescimento econômico iguais aos
alcançados no II pós-guerra, pois “(...) a trajetória do capitalismo não se reduz a uma
dinâmica cíclica, formalmente identificada como fases de declínio, recuperação e
auge, ela supõe um processo dinâmico de mudanças nas suas formas de existência”
(Mota, 1995, p. 56)
Para Costa (2000), entre os anos 80 e 90 do século XX, os rumos do
capitalismo nas sociedades industrializadas, diante do neoliberalismo, mostram que
a acumulação capitalista trazia em si o germe destruidor da mão-de-obra assalariada
e de todas as formas institucionais públicas de proteção social.
2.5.1. As refrações da crise da seguridade social no Brasil
Para Mota (1995), embora as economias periféricas, ao serem
incorporadas ao processo de reprodução ampliada do capital, logo após o II Pós-
Guerra, tenham-se transformado em campos de absorção de investimentos
produtivos, esse processo só foi possível com a canalização de recursos públicos
para o financiamento da indústria de bens de capital e de obras de infra-estrutura,
levando o Estado a atuar no papel de “capital bancário e do setor privado que não
dispunha de reservas nessa fase da industrialização” (Mota, 1995, p. 57).
Nesse sentido, desempenham um papel distinto dos países centrais
quanto ao processo de internacionalização do capital, ao crescimento da economia,
à configuração urbano-industrial da sociedade e à estrutura da seguridade social. De
fato, os investimentos no setor da industrialização durante o período de 1930 até
final da década de 70, no Brasil, apesar de apresentarem índices elevados de
crescimentos, paralelamente, conviveram com um dos mais deficientes modelos de
distribuição de renda e que será visível nas décadas posteriores (Pochmann, 1999).
A década de 50, apesar de ser palco de um modelo de industrialização
pesada, tipicamente capitalista, baseado no crescimento acelerado da capacidade
produtiva do setor de bens de produção e do setor de bens de consumo, produzirá
ao mesmo tempo, uma desaceleração do crescimento, desembocando numa crise
que se arrastará de 1962 a 1967. A saída encontrada para tal crise foi um processo
de modernização conservadora que se constituía em benefícios concedidos ao
capital estrangeiro e aos grupos nacionais, contribuindo para uma concentração e
centralização do capital, observada a partir de 1964, quando foi instaurado o Golpe
Militar, imprimindo características particulares à integração do Brasil à ordem
econômica internacional dos anos 70.
Nesse sentido, o país conviverá com uma expansão que não poderia se
sustentar somente com o capital nacional e estrangeiro empregado nas indústrias
leves. O Estado e o capital produtivo passaram a intervir maciçamente em infra-
estrutura e nas indústrias de base (Mello, 1984, p. 121), imprimindo um significado
ao Golpe Militar “alicerçado na necessidade de vencer as barreiras sociais e políticas
que obstaculizavam o pleno desenvolvimento de um projeto internacionalizador, em
gestação desde meados da década de 50.” (Antunes, 1988, p. 115). A partir do
Golpe de 1964, o Estado preservará o fortalecimento dos laços de dependência
econômica dos centros hegemônicos, como também quebrará a resistência
organizada da sociedade.
Continuando esse processo cíclico de crise, crescimento econômico e
crise novamente, nos anos 70, o Brasil presenciará uma expansão e um crescimento
econômico que produzirão mudanças significativas na estrutura produtiva, na
formação do mercado de trabalho e na infra-estrutura urbana. Porém, no que se
refere às Políticas Sociais, o Estado Militar tecnocrático procurará funcionalizar as
demandas e resistências de acordo com seu projeto político, por meio da expansão
seletiva de alguns serviços sociais. Verifica-se que a solução foi encontrada na
diferenciação dos serviços em relação à clientela atendida, à privatização da
assistência médico-social, à criação da previdência complementar privada, ao
desmantelamento dos mecanismos de controle e de participação dos trabalhadores,
à centralização e à burocratização das decisões com a criação do Instituto Nacional
de Previdência Social, em 1967; do Ministério da Previdência e Assistência Social,
em 1974; e do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, em 1977.
(Cartaxo, 1992). É o que confirma Mota (1995):
“Ao longo da década, o país construiu um parque industrial significativo e integrado à economia internacional. Todavia, o saldo dessa modernização conservadora foi o aumento da concentração de renda, a pauperização da maioria da população e a precarização de condições de vida e de trabalho da maioria dos trabalhadores.” (Mota, 1995, p. 61).
Adentrando então, os anos 80, encontrar-se-á uma década com baixas
taxas de crescimento do PIB, de compressão dos salários e aumento da
concentração da riqueza, porém com expressiva ação organizada de setores da
sociedade civil, rompendo com a ditadura militar e instaurando um Estado
Democrático. Para Mota (1995), os anos 80 assinalam também “o surgimento de
movimentos de massa, em defesa das eleições diretas e de uma nova Constituição,
ao lado de outros movimentos populares urbanos e rurais, de caráter contestador e
reinvindicatório”. (Mota, 1995, p.138). Ainda segundo a autora, esse período, no
Brasil, aponta para uma crise da Previdência Social que não se restringe à números
ou déficits orçamentários, mas em cisão político-ideológica, deflagrada no período
que culminou com as reformas estabelecidas pela Assembléia Nacional Constituinte,
inserindo na Constituição Federal de 1988 um novo sistema de seguridade social.
Portanto, embora se observe, na Carta Magna de 1988, uma ampliação da
seguridade social rumo à universalização dos serviços sociais públicos, como
também, por meio da Assistência Social, uma inclusão de trabalhadores formadores
do mercado de trabalho informal e os não inseridos na produção, há uma “expulsão
gradual dos trabalhadores assalariados, de melhor poder aquisitivo, para o mercado
de serviços, como é o caso da mercantilização da saúde e da previdência privada”.
(Mota, 1995, p. 143)
Fruto de políticas de ajuste que fazem parte de um movimento de ajuste
global iniciado com a crise do padrão monetário internacional e com os choques do
petróleo na década de 70 e intensificadas pela derrota do socialismo real e pela
generalização das políticas neoliberais, as reformas submetem-se ao modelo de
hierarquia das relações econômicas e políticas internacionais baseadas na doutrina
neoliberal84, comandada pelo Consenso de Washington85 que tenta implementar
políticas que atenuem as contradições produzidas pelo modelo de ajuste: projetos
focalizados na pobreza86, equilíbrio via redução dos gastos públicos,
desestruturação do mercado interno e intensificação do processo de privatização de
empresas e serviços públicos.
“A precedência do ajuste fiscal e a dissolução do sonho de sistemas de proteção social inclusivos, substituídos pela ação focalizada na pobreza, são peças centrais desta doutrina.” (Lessa, 1993, p. 11).
Segundo Mota (1995), o discurso da proteção específica aos excluídos do
processo de produção tece as bases objetivas das propostas de privatização e da
formação do cidadão-consumidor. “Os liberais conservadores criticam a regulação
estatal, definindo-a como um obstáculo ao livre desenvolvimento das forças do
mercado.” (Mota, 1995, p. 96). Nesse sentido, a cultura neoliberal, fecundada pela
burguesia internacional, refere –se à intervenção do Estado com crítica ao modelo
Fordista-Keynesiano. Mutilação dos direitos sociais como expressão jurídica e
política do exercício da cidadania.
84 O projeto neoliberal vem sendo socializado nas agências financeiras e de cooperação internacional. A globalização em curso é um processo que gera uma fragmentação interna dos diversos países. 85 O Consenso de Washington é um modelo de desenvolvimento de cunho neoclássico, elaborado pelo banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional com base no Plano Baker (1985) que objetiva proposta de políticas macroeconômicas e de reformas estruturais liberalizantes. Salvador e Boschetti (2002) acrescentam que ele se constitui num conjunto de medidas originárias do “Plano Brandy (1990) que estabelecia o critério de negociação do endividamento externo (Fiori e Tavares, 1993) e a adoção de medidas como a redução dos gastos públicos, a ampliação das exportações, a estabilização monetária e as privatizações das empresas estatais”. 86 “A experiência mostra que é possível direcionar as despesas públicas em favor dos pobres, mesmo dentro de um contexto geral da disciplina fiscal, e é possível também definir com mais precisão as clientelas-alvo das transferências” (Banco Mundial, 1990, p. 3)
Como foi visto, existe uma relação entre as tendências da Seguridade
Brasileira e a crise dos anos 80 cujas mudanças são ditadas no conjunto de
reformas de cariz neoliberal formuladas por organismos financeiros e internacionais,
os empresários e a burocracia estatal. As conseqüências são: redução do Estado na
área do Bem-Estar social, corte de gastos e impostos transferindo os serviços para o
setor privado. Ganham destaque as organizações filantrópicas que substituem a
ação do estado.
“Os serviços previdenciários estatais que forem mantidos devem ser direcionados estritamente aos pobres, já que só podem ser justificados como parte de um programa destinado a aliviar as necessidades extremas através de uma ação humanitária coletiva, e não como uma política dirigida à justiça social ou à igualdade que possa ser interpretada como um direito dos assistidos.” (Taylor-Gooby, 1991, p. 171).
No Brasil, esse projeto neoliberal também se materalizou na chamada
Reforma do Estado brasileiro que se configura numa medida de ajuste às mudanças
globais, pautadas em diretrizes de redução do financiamento de serviços e gastos
públicos ou, como nos dizeres de Oliveira, se traduz numa “intervenção estatal que
financia a reprodução do capital, mas não financia a reprodução do trabalho”
(Oliveira, 1990, p. 46) e na Reforma da Previdência Social, que nos finais da década
de 90 foi expressa claramente pela Emenda Constitucional n°. 20.
2.5.1.1. A Crise da Previdência Social Brasileira e os idosos
Como foi visto, nesse contexto de mudança no capitalismo, as políticas
sociais passam por profundas transformações. As características da Seguridade
Social do pós-guerra, tais como: integração do seguro, benefícios e serviços sociais;
universalização da cobertura e assistência social para incorporar os não-
contribuintes; e prevenção dos riscos, infortúnios e incertezas futuras, além da
compensação de perdas do presente (Pereira, 1998), foram solapadas no
neoliberalismo.
Observa-se que a reforma nos sistemas de seguridade social evidenciada
na Inglaterra, Estados Unidos, França, Itália, Alemanha, Japão, desde início da
década de 70, consolidando-se nos anos 80, é pautada nos déficits orçamentários
dos programas de previdência social: aposentadoria, pensões e seguro-
desemprego, que são intensificados frente à
“crise econômica no emprego, na renda, no desequilíbrio fiscal, no impacto das contribuições sociais e dos impostos sobre as empresas como também nas medidas do perfil demográfico das populações, em especial a expectativa de vida e as tranferências integrais de renda.” (Mota, 1995, p. 120).
No Brasil, embora as reivindicações e pressões da sociedade civil
organizada na década de 80, período de redemocratização, tenham levado a
Constituição Federal de 1988 a incorporar as demandas sociais por expansão dos
direitos sociais e políticos, na prática, muitos direitos sociais permaneceram
atrelados ao critério excludente de incapacidade para o trabalho e da comprovação
de pobreza. Isso leva a concluir que a seguridade social brasileira, que é baseada
na previdência, ou seja, no seguro aos que trabalham e assistência aos inaptos ao
trabalho, deixa completamente “de fora”, sem proteção, “os pobres economicamente
ativos que estão ainda em condições de trabalhar, mas que são rejeitados ou
expulsos do sistema produtivo e que não contribuem para a seguridade social”.
(Salvador e Boschetti, 2002, p. 124)
Para Salvador e Boschetti (2002), no neoliberalismo, o modelo de
seguro alemão, garantindo maior segurança ao trabalhador assalariado e à sua
família em momentos de perda de renda, devido à situação de inatividade, se tornou
mais débil, numa sociedade, que se tornara cada vez mais urbana e onde os
vínculos de solidariedade social e econômica garantidos pela relação familiar foram
alterados.
Para alguns autores, isso se refletirá nas bases da Previdência Social
brasileira pois, nem bem a Previdência Social era regulamentada pelas Leis n°.
8.212 (custeio) e 8.213 (benefícios), em 1991, o movimento pela reforma da
previdência já tomava fôlego. Aguçado no Governo Collor pelo movimento
reivindicatório dos aposentados, o grupo favorável à reforma representado pelo
grande capital, empresários industriais, banqueiros e financeiros, bem como
ruralistas e organismos financeiros, tenta impor as condições estabelecidas no
Consenso de Washington.
“As reformas realizadas nos sistemas previdenciários da maioria dos países latino-americanos foram inspiradas nas recomendações do Banco Muncial, que explicitou suas propostas no estudo “Envelhecer sem Crise”. Nesse documento recomendava-se substituir o modelo de repartição (redistributiva) por um novo caracterizado pela implantação de um plano privado e obrigatório de capitalização por cotas definidas individualmente para os trabalhadores. As aposentadorias passam a ser baseadas em contribuições definidas, e os benefícios dependem da acumulação dos recursos, sem prévia garantia dos valores a receber.” (Salvador e Boschetti, 2002, p. 125).
Até a reforma, o sistema de previdência social brasileiro determinava
diferentes condições para o indivíduo se aposentar: regime especial, por idade, por
tempo de serviço, compulsoriamente, proporcionalmente ao tempo de serviço e por
velhice. Com a Proposta de Emenda Constitucional – PEC, nº 20, de 15/12/1998,
que materializou a reforma do governo brasileiro, sgnificativas alterações para os
trabalhadores da CLT, principalmente para os do setor privado, são observadas. A
seguir, são enumeradas, por Salvador e Boschetti, as alterações:
“1) transformação do tempo de serviço necessário para a aposentadoria em tempo de contribuição; 2) instituição da idade mínima de 48 anos para as mulheres e de 53 anos para os homens para a aposentadoria proporcional; 3) acréscimo no tempo de contribuição para os atuais segurados, de 40% sobre o tempo que lhes faltava para aposentadoria proporcional, no dia 16/12/98; 4) estabelecimento de um teto nominal para os benefícios, hoje de R$ 1.328, 25, e a desvinculação desse teto do valor do salário mínimo (SM); 5) pela Lei nº 9.032/95, os benefícios acidentários são igualados aos benefícios comuns da Previdência, em valores e carências; 6) fim das aposentadorias especiais, que são aquelas onde o tempo de serviço (ou de contribuição) exigido é menor com relação ao dos demais trabalhadores, exceto para os professores da educação infantil, do ensino fundamental e médio e dos trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde; 7) garantia do direito adquirido para quem completou até 12/12/1998 (data da promulgação da reforma) as condições necessárias de acesso aos benefícios previdenciários; e 8) paridade nas contribuições para os fundos de pensão mantidos por autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, isto é, a contribuição da patrocinadora não poderá ser maior que a do empregado”. (Salvador e Boschetti, 2002:129)
Além da PEC, nº 20, em 1999, outros dispositivos legais alteraram o
texto constitucional que se refere a previdência social. O Decreto nº 3.048 aprovou
novo regulamento da Previdência Social e a Lei nº 9.876, de 26/11/1999, muda o
cálculo do benefício calculado pela média dos últimos 36 salários de contribuição do
trabalho para estender o tempo e pela criação do fator previdenciário (FPR) que
introduz critérios atuariais, utilizado até então, apenas pela previdência privada
(Salvador e Boschetti, 2002).
Segundo Rosa (2004), os dois regimes contributivos previstos no sistema
constitucional sofreram alterações: a) o regime geral da previdência social que é
aplicado ao setor privado; b) regime previdenciário especial dirigido a servidores
públicos. A edição da Emenda Constitucional n°. 41, de 19 de dezembro de 2003,
que resultou da Proposta de Emenda Constitucional n°. 67, de iniciativa do
Executivo produziu significativas alterações das regras constitucionais.
A primeira alteração que diz respeito à paridade, ou seja, identidade de
tratamento remuneratório para os da ativa e os aposentados, somente está
garantida para os que já estavam aposentados em 19.12.2003 e para os que já
haviam preenchido os requisitos fixados na Constituição Federal de 1988, com as
alterações da EC n°. 20, de 1998, antes da Emenda Constitucional n°. 41, de 2003.
No que se refere ao serviço público, a paridade para os que já estavam no serviço
público ou que vierem a ser admitidos não é absoluta, já que as novas regras
admitem igualdade apenas para os aumentos ou reajustes de vencimentos, mas não
eventuais reclassificações.
A Segunda refere-se a contribuição, taxação incidente sobre os inativos.
Com as emendas constitucionais, todos os agentes públicos, inclusive os integrantes
das Forças Armadas, carreira policiais, defensorias, procuradorias, Judiciário e
Ministério Público, devem recolher contribuição de 11% sobre a parcela que exceder
o teto da contribuição previdenciária geral (INSS); os da União devem recolher
contribuição sobre a parcela que exceder a 60% e os Estaduais e Municipais, a que
exceder 50% do teto da contribuição previdenciária geral. O valor dos proventos é
calculado com base na média das contribuições atualizadas e não poderá exceder a
dez salários mínimos. Para complementar os proventos deverá o servidor contribuir
para um fundo de pensão de natureza pública, de gestão paritária – pública e
privada e sem fins lucrativos.
A Constituição de 1988, estabelece três tipos de aposentadoria: a)
compulsória, que é determinada pela idade de 70 anos, com direito à percepção de
proventos proporcionais ao tempo de contribuição; b) por invalidez, em razão da
impossibilidade absoluta de o agente continuar trabalhando e de sua readaptação; c)
voluntária que decorre de pedido do agente público, mas que satisfaz a alguns
critérios. Para adquirir a aposentadoria voluntária, os servidores públicos que foram
admitidos antes de dezembro de 1998, ou seja, antes da EC no. 20, de 1998
continuam submetidos às regras de transição: podem requerer a aposentadoria com
idade inferior, no mínimo, 53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres, mas
desde que contem com, no mínimo, cinco anos de efetivo exercício no cargo, trinta e
cinco anos ou trinta anos de contribuição – homens e mulheres, respectivamente –
e que se submetam a um período adicional, chamado de pedágio de 20% do tempo
que faltava para o tempo mínimo na data da EC n°. 20, de 1998. Os que
ingressarem depois de dezembro de 1998, mas antes da EC n°. 41, de 2003,
deverão atender aos seguintes requisitos: vinte anos de serviço público, dez anos na
carreira, cinco anos no cargo em que se dará a aposentadoria, além de sessenta
anos de idade, se homem, cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher e trinta e
cinco anos de contribuição, se homem e trinta e cinco anos de contribuição, se
mulher.
Além das justificativas de que as modificações no mercado de trabalho
provocam redução nas contribuições sobre a folha de pagamento das empresas,
que o regime de repartição simples para financiamento do sistema previdenciário e
aposentadoria por tempo de serviço, provocam os déficits públicos; a mudança no
padrão demográfico, ou seja, o aumento de idosos, tanto no Brasil, como no mundo
é visto como demandante para essas alterações, impondo desafios tanto ao Estado
como a sociedade e à família, tais como: idade de aposentadoria, valores de seguro-
saúde.
Mas, para Salvador e Boschetti (2002), atrelar as reformas ao
envelhecimento das populações requer cuidado quando se analisa o Brasil. Para
eles, a longevidade no Brasil é muito baixa, se comparada a outros países: aqui, a
expectativa de vida ao nascer é de 66,8 anos; na Argentina, 72,9 anos; Canadá, 79
anos; Chile, 74,9 anos. Se ao invés de “culpar” o envelhecimento como causa para
essas reformas, o país usasse o envelhecimento para liberar vagas no mercado e
investisse em emprego formal para a parcela excluída do mercado de trabalho, a
relação de dependência entre idade ativa e inativa estaria equilibrada.
“Caso a economia brasileira tivesse gerado emprego junto ao mercado formal de trabalho, a atual fase de mudança demográfica da população brasileira estaria criando mais recursos para o financiamento dos benefícios previdenciários. A maior quantidade de contribuintes, formada por trabalhadores com carteira assinada, estaria auxiliando no aumento da relação contribuinte/segurados do INSS. [Contudo], a década de apresenta não só as mais elevadas taxas de desemprego, como também uma maior participação do mercado informal na ocupação.” (Marques; Batich, 1999, p. 127).
As implicações desse processo para os idosos é que a aposentadoria é
vista hoje como um encargo para o Estado e grande negócio econômico,
transferindo sua gestão para os Fundos de Pensão. Ou seja, além do aumento da
idade da aposentadoria, as mudanças nos critérios levam cada vez mais a aumentar
o investimento do setor privado. Dizer que o aumento dos idosos,
conseqüentemente, o aumento das aposentadorias e pensões oneram o Estado, daí
a sua incapacidade de investir nas políticas sociais, é no mínimo uma falácia, pois
de acordo com Salvador e Boschetti (2002), um dos motivos de redução da
População Economicamente Ativa (PEA), no período de 40 a 70, foi “a consolidação
do sistema previdenciário brasileiro, que, assegurando aposentadoria e pensões,
contribuiu para estruturação do mercado de trabalho e para aliviar as tensões sobre
as taxas de desemprego”.
Conforme Neri (2002), o aumento dos idosos vem produzindo mudanças
nas regras da Previdência, “no perfil etário do trabalhador e no redelineamento das
relações de trabalho em praticamente todo o mundo”(op.cit. pág.8). Segundo a
autora, observa-se que a idade média para a aposentadoria em quase todo o mundo
caiu. Na Alemanha, em 1871, quando o Sistema de Seguridade Social foi
introduzido, era de 70 anos, hoje a idade média é de 58 anos. Este exemplo é
seguido por vários países, como forma de liberar vagas de trabalho para os mais
jovens.
Contudo, essa aposentadoria precoce, que é acompanhada de políticas
públicas de lazer e ocupação do tempo livre dos idosos, merece um olhar
diferenciado, principalmente, em países que sofreram as injuções neoliberais no
mercado de trabalho e na previdência social, como é o caso do Brasil. Observa-se
dois movimentos que levam a “aposentadoria” precoce no Brasil. O primeiro refere-
se ao âmbito do trabalho, quando uma parcela significativa de homens e mulheres é
dispensada do mercado de trabalho na fase de grande produção, não pelo processo
de aposentadoria e sim de desemprego. Até os anos 60, a idade que se considerava
um trabalhador como idoso ia de 50 a 55 anos. Atualmente, adultos que mal
atingiram os 40 anos de idade são os primeiros a serem vítimas de desemprego e da
falta de oportunidade de treinamento, são chamados por Magalhães (1987, p. 19) de
pseudo-idoso87.
Outro aspecto desse processo, refere-se ao aumento de aposentadorias
precoces, tanto pelos regimes especiais como pelo receio de muitas pessoas
perderem seus direitos diante da reforma previdenciária. Nesse sentido, é que
embora nos países desenvolvidos seja comum as aposentadorias precoces como
forma de liberar mercado de trabalho, dado o grande crescimento de idosos, a nova
legislação previdenciária brasileira aponta pelo incentivo à permanência em
atividade do trabalhador, pois a aposentadoria é diminuída caso se aposente jovem,
mas aumenta com o adiamento da aposentadoria, ou seja, rebaixa o benefício ao
calculá-lo por uma média que considera os salários próximos do início de sua vida
profissional.
Para Lúcia Helena França (1992), se o Brasil continuar a liberar pessoas
cedo, do mercado de trabalho ocasionará um abalo na relação de dependência
econômica entre idade produtiva (entre os 15 e 59 anos) e a idade inativa (a partir
dos 60 anos). A população idosa brasileira, que está sendo constituída por jovens
idosos e que não contribuem para a previdência, torna-se mais um alto custo, ao
lado de pessoas na faixa etária de 0 a 14 anos, para governo, família e sociedade
em geral. Para Camarano (1999), a relação de dependência previdenciária brasileira
proporcional aos idosos é comparável à de países com uma população envelhecida
como se verifica na Europa. Segundo ela, essa relação vem se alterando para uma 87 “(...) aquele indivíduos (sic) de 40 anos ou menos que já não encontram emprego, porque o mercado não cria emprego nas mesmas proporções da demanda, especialmente empregos desqualificados ou semi-qualificados. (...) Ele não se confunde com o Idoso Precoce – o que envelhece rapidamente devido às condições adversas de
relação de 01 (um) contribuinte para 01 (um) idoso, o que acarretará um enorme
déficit previdenciário:
“Em 1940, havia no Brasil cerca de 31 contribuintes para cada beneficiário da Previdência, e na década de 80 essa relação passou para 2,9 contribuintes. Hoje temos apenas 1,7 contribuinte para cada aposentado, e se essa proporção continuar no ritmo atual chegaremos 2030 com uma relação de 1,1 contribuinte para cada beneficiário.” (Camarano, 1999, p. 08).
Diante desse quadro, numa postura neoliberal, muitos afirmam a
necessidade de avaliar melhor não só a idade mínima para a aposentadoria, bem
como, o sistema previdenciário88. Para eles, países com grande número de idosos,
por exemplo, tendem a ter seu sistema de previdência social sobrecarregado, uma
vez que, há uma quantidade crescente de idosos aposentados sustentados por
recursos provenientes do trabalho de uma quantidade proporcionalmente
decrescente de jovens. Alguns são defensores da elevação da idade para a
aposentadoria, como já vem sendo discutida na Europa e Japão, e do fim da
aposentadoria por contribuição ou tempo de serviço. Outros afirmam a necessidade
de se manter um programa de lazer para idosos aposentados, afim de liberar vagas
no mercado de trabalho.
No entanto, observa-se, também, um retorno de idosos ao mercado de
trabalho que, para Camarano (1999), está relacionado ao fato do brasileiro
culturalmente, não entender a aposentadoria como cessação da atividade laboral. O
mecanismo da aposentadoria de regular o mercado de trabalho ao liberar vagas aos
mais jovens que estão adentrando nele, no Brasil, não funciona, pois não existe
nenhuma legislação que restrinja esse movimento, pelo contrário, os aposentados
são incentivados para voltar ao trabalho.
Ora esse argumentos tentam mascarar a verdadeira essência da reforma
da previdência que é defender os interesses do grande capital, em detrimento dos
trabalho -, nem coma velhice excluída – aquela que sobrevive nos meios rurais, suburbanos após o êxodo, as migrações, e de modo geral, após a exaustão de sua capacidade produtiva” (Magalhães, 1987, p.19-20). 88 Para Ana Amélia Camarano (1999), o nosso modelo de previdência que é baseado no modelo europeu ocidental e no americano, está falido, pois esses modelos foram desenhados no pós-guerra onde havia emprego, as pessoas se aposentavam e ficavam pouco tempo aposentados porque morriam logo. Para ela, a realidade de hoje é outra, com as transformações no mundo do trabalho, não temos mais o pleno emprego, sendo o que impera é a flexibilização das relações de trabalho que significam a defesa da informalização, daí muitos direitos constitucionais não serem efetivados.
interesses dos trabalhadores e das classes pobres. A redução do valor dos
benefícios, que agora é de um teto de R$ 1.328,25, bem como, a desvinculação
desse teto ao valor do salário mínimo, somado aos gastos excessivos com a velhice,
custo de vida, famílias carentes que dependem do idoso, levam aposentados à
trabalharem como complemento da renda e a ocuparem vagas dos que estão na
idade de ingressar no mercado de trabalho.
A exigência da comprovação do tempo de contribuição e das condições
mais rígidas quanto à idade mínima e também o reduzido valor dos benefícios
provocam problemas aos trabalhadores de categorias profissionais com menor grau
de organização informal, o que possibilitará a sonegação no recolhimento das
contribuições da previdência, onerando toda a sociedade e Estado.
“A falta de conexão entre a informalidade e/ou dos trabalhadores com relações de trabalho precarizadas e a seguridade social prejudica e desprotege tanto os trabalhadores como o Estado. Os primeiros, porque ficam sem proteções mínimas para os momentos críticos da vida. O Estado, porque deixa de arrecadar uma receita importante para fazer frente às suas obrigações nas áreas de saúde, assistência social e previdência social” (Salvador e Boschetti, 2002, p. 131).
Os ideais neoliberais reforçam a necessidade do idoso continuar
trabalhando por mais tempo89, no entanto, para Salvador e Boschetti (2002, p. 115),
“ao induzirem uma maior permanência dos trabalhadores em atividade, contribuem
para desestruturar ainda mais o mercado de trabalho e a fragilizar as relações
trabalhistas estáveis”, ao mesmo tempo, que tiram a responsabilidade do Estado de
investir em programas de lazer, ocupação do tempo livre dos idosos. Ao invés de
uma velhice criativa, uma velhice cansada. Tal proposta vai na contramão das
alternativas defendidas por Pochmann (1999), Navarro (1998), Castel (1998) e
Antunes (1995): para combater o desemprego, a redução da jornada de trabalho,
sem redução do salário é a melhor saída.
89 “(...) até 1998 as aposentadorias concedidas por tempo de contribuição eram superiores às aposentadorias por idade; a partir de 1999, devido à reforma, ocorreu uma inversão nesse processo: nos dois primeiros meses de 2001 foram concedidas 50.836 aposentadorias por idade e apenas 14.358 por tempo de contribuição” (Salvador e Boschetti, 2002, p. 134).
Mas, será que os idosos também pensam assim em relação ao seu
retorno ao mercado de trabalho? A próxima tarefa será desvendar através dos seus
depoimentos o que representa voltar a trabalhar. Eis então o próximo capítulo.
CAPÍTULO 3 – DE VOLTA À CENA: OS IDOSOS NO MERCADO DE
TRABALHO
Como foi visto nos capítulos anteriores existe uma forte relação entre o
lugar que o indivíduo ocupa na organização do trabalho e as proteções sociais. A
contemporaneidade exprime uma nova ordem societária que se traduz nas
transformações do chamado mundo do trabalho que, além de resgatar a mão-de-
obra idosa, reduz direitos historicamente consolidados em torno da categoria
trabalho.
3.1. Os idosos e a mudança demográfica
Como vimos, na antigüidade e, até bem pouco tempo, a questão da
velhice era “problema” da família e não um problema social. Não havia, portanto,
uma resposta pública para o grande contingente de velhos que perambulava pelas
ruas ou morria dentro da casa. Hoje, já se pode vislumbrar um novo
encaminhamento político em relação à velhice, agora tratada como uma questão
social que a todos afeta e que tem mobilizado instâncias públicas, privadas,
governo, empresas, ONG’s, voluntariado e a família, em busca de novos caminhos e
novos conceitos para a questão.
Essa mudança de enfoque da questão do envelhecimento tem se dado por
uma série de fenômenos sociais que vêm ocorrendo no Brasil e no mundo. O
primeiro fenômeno que observa-se é o acelerado crescimento de idosos que, por um
lado vem sendo bastante acentuado graças ao progresso social, tecnológico e
cultural que os países desenvolvidos e, recentemente, o Brasil alcançaram. O fim
dos constantes períodos de guerras, peste, fome como também a vitória da medicina
e do sanitarismo sobre as epidemias e doenças infecciosas, decorrente, sobretudo,
da descoberta dos antibióticos e dos progressos da parasitologia e da medicina
preventiva, resultaram no aumento da expectativa de vida. Segundo Renato Maia
Guimarães (1996), até o começo do século XX, a expectativa de vida do ser humano
era bem pequena – trinta, quarenta anos. Hoje, o ser humano chega pode chegar
aos oitenta, noventa anos de idade.
Segundo Anita Liberalesso Neri (2002), o forte declínio nas taxas de
fertilidade e mortalidade tem ocasionado inúmeras mudanças no perfil etário das
sociedades90, sejam elas desenvolvidas ou em desenvolvimento. Tais mudanças
vêm imprimindo mais anos às populações, aumentando a expectativa de vida e
trazendo a questão do envelhecimento para a arena pública. O que não acontecia
nas sociedades anteriores, pois a velhice era rara e circunscrita ao domínio privado
e ao âmbito da assistência religiosa (Magalhães, 1987, p.13).
O Brasil segue o exemplo das mudanças demográficas e sociais
experimentadas por países desenvolvidos, como a França e a Alemanha. Entre as
décadas de 40 e 50, a população de mais de 60 anos permaneceu a mesma em
termos percentuais relativos: 4,1%. A partir de 1960, o contingente de pessoas com
60 anos começou a crescer ininterruptamente, alcançando 6,5% em 1980. De 2001
a 2004 o total de habitantes com mais de 60 anos aumentou de 15,33 milhões para
17,66 milhões, representando um aumento na média da participação de pessoas
idosas na população brasileira de 9,05% para 9,7%91. Para Guimarães (1996),
enquanto a população total do Brasil cresce numa taxa de 2,5% ao ano, a de idosos
cresce a quase 5%. A projeção do IBGE é de que a população brasileira atinja 259,8
milhões de pessoas, com expectativa de vida de 81,30 anos em 205092.
Segundo dados do IBGE, publicados no Jornal O Povo, de 12 de fevereiro
de 2006, o estado do Ceará lidera o ranking nacional e regional, em termos
percentuais, de aumento da expectativa de vida, que passou de 66,9 para 69,2
90 Embora a faixa etária produtiva, de 15 a 59 anos – que é responsável pelo pagamento dos custos com as crianças e os idosos – tenha sofrido um aumento constante, de 52% em 1960 para 58% em 1991, ainda é pouco se comparado ao aumento significativo dos idosos. Segundo dados demográficos apontados pelo IBGE, em 1991 o Brasil contava com cerca de 10, 7 milhões de pessoas de 60 anos ou mais, representando 7,4% da população total do país. Em 1997 esse número subiu para 13,3 milhões de idosos, representando 8,7% da população total. No ano 2000 chegou em torno de 15,1 milhões de idosos e expectativas apontam que em 2020 serão 31,8 milhões. Fonte: Revista Abrapp, nº260, março, 2000, SP. 91 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 92 Ainda segundo dados do IBGE de 2000, a expectativa de vida brasileira ao nascer é de 72,6 anos para as mulheres e 64,8 para os homens, o que representa uma expectativa de vida aos 60, de 20 anos para as mulheres e 17 anos para os homens, igualando-se à média mundial. Nesse contexto, merece exceção a média do Japão, que é de 21 anos para homens e 27 para mulheres. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
anos93. Em Fortaleza, o crescimento da população idosa ficou acima da média
nacional, regional e estadual. Isso significa que o governo, a família e a sociedade
devem se preparar para conviver com idosos e idosas tanto no âmbito da vida
privada como em espaços públicos. Uma população de longevos muda o perfil da
demanda. Ao invés de serviços de pediatria, de creches, escolas, agora se requer
aumentar e melhorar os serviços de saúde especiais, de internamento em clínicas,
casas de repouso, hospital-dia (o que já está acontecendo), de atendimento médico,
bem como a criação de centros de convivência dos idosos, investimento no lazer dos
aposentados, inserção em currículos escolares da importância intergeracional, ou
seja, a convivência dos avós com os netos, investimento na qualificação de idosos,
pois muitos têm que voltar a trabalhar.
Isso traz e trará uma série de implicações para a sociedade e,
especificamente, para os idosos. Percebe-se que nesse aumento há uma presença
significativa de mulheres que se constituem a maioria. Segundo Lena Castelo
Branco (1996), as mulheres êem uma expectativa de vida em torno dos 70 anos,
enquanto que os homens, de 67 anos. Mas, embora as mulheres vivam mais,
sofrem mais com os agravos do envelhecimento, tais como: solidão (síndrome do
ninho vazio), ter que arcar em sozinhas com as despesas, manutenção da família,
etc.
Outra mudança é em relação ao próprio conceito de idoso. Até então era
considerado uma pessoa idosa aquela que se encontrava na terceira idade. Hoje,
dá-se lugar para aqueles que atingirem a quarta idade. Para Camarano (1999), além
de acarretar alterações na ordem conceitual do envelhecimento cronológico, este
novo cenário é demandante de políticas públicas para os longevos, impondo, assim,
desafios ao Estado, à sociedade e à família. São eles: idade de aposentadoria,
valores de seguro-saúde, etc. É o que confirma Lena Castelo Branco(1996), ao dizer
que: “A vida cotidiana de uma população com idade média de 45 anos, implica
mudanças nos aspectos sociais, políticos e econômicos.” (Branco, 1996, p. 60).
93 Ainda segundo o periódico, a população da terceira idade, em Fortaleza, cresceu de 2001 para 2004, 24,63%, o que representa uma média acima das variações no próprio Ceará (9,39%), no Nordeste (10, 90%) e no Brasil (15,19%) e que a concentração do envelhecimento no Ceará está em Fortaleza. Caderno Economia, Jornal O Povo, pág. 28, 12 de fev. de 2006.
A ampliação das camadas médias assalariadas e com novos padrões de
aposentadoria, portanto, mais consumo, contribuiu, também, para mudar a visão do
idoso no Brasil. A aposentadoria, além de deixar de ser apenas um marco a indicar a
passagem para a velhice (aquela velhice decadente), tem concedido aos mais
velhos direitos sociais dantes não vivenciados. Sobre essa questão, Guita Grin
Debert (1996) afirma:
“... os aposentados não podem ser considerados o setor mais desprivilegiado da sociedade. A universalização do direito à aposentadoria mesmo não sendo mais do que um salário mínimo, significou uma conquista social importante.” (Debert, 1996, p. 45).
Segundo Camarano (1999), cerca de 52% da renda familiar provém dos
mais velhos, sendo que a maior parte desse contingente é de mulheres94. Portanto,
a renda média das pessoas com mais de 60 anos é maior que a dos jovens com
menos de 30, o que se verifica pela demora dos jovens adquirirem sua
independência financeira e só mais tarde estarem formando famílias, bem como pela
capacidade que o idoso tem de adquirir bens e muitas vezes, além de aposentado,
voltar a trabalhar. A maioria dos idosos, cerca de 83%, moram em casas próprias,
quitadas e somente 14% vivem em casas alugadas ou cedidas.
Dados do IBGE apontam que o interior do estado do Ceará concentra a
maior parte de idosos responsáveis pelo domicílio95 e que ganham cerca de um
salário mínimo. Segundo Álvaro Solon de França (2006), auditor fiscal da
Previdência Social, em entrevista ao Caderno Economia do Jornal O Povo (2006), os
benefícios da aposentadoria e pensão são os recursos que movimentam a economia
de alguns municípios do Ceará, chegando a superar o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM). De acordo com suas pesquisas, no nordeste, os idosos, ou
melhor, sua renda é disputada pelo núcleo familiar, pois constitui a única fonte de
renda de onde dependem duas ou três pessoas. E continua: “Mais de 20 milhões de
pessoas só não estão na linha da pobreza por causa desses benefícios. Se não
94 Segundo o IBGE, de 1991 a 2000, o número de brasileiros idosos responsáveis pelo domicílio cresceu 40,15%, ou seja, de 6.396.502 para 8.964.850. Desse total, a maioria é constituída por mulheres que em 1991representava 31,9% do total e em 2000, conforme Censo de 2000, 37%. Fonte: Jornal O Povo, caderno economia, 16 de out. de 2005, pág. 32. 95 No Ceará, em 1991, a população com mais de 60 anos responsável pelo domicílio era de 296.613 pessoas e em, 2001, era de 403.921 longevos. %. Fonte: Jornal O Povo, caderno economia, 16 de out. de 2005, pág. 32.
fosse isso, haveria uma verdadeira barbárie social instalada.” Apesar da
aposentadoria de um salário mínimo não resolver os problemas essenciais do
indivíduo idoso, com certeza, livrou-o da mendicância e lhe possibilitou autonomia,
garantindo a descoberta dos direitos de cidadania, bem como melhorando a renda
familiar.
Porém, verifica-se, ainda, uma relação entre pobreza e envelhecimento,
pois os gastos aumentam na velhice. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor da
Terceira Idade (IPC-31), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), viver no
Brasil é mais caro para quem tem mais de 60 anos, pois o poder de compra de quem
é idoso diminui mais rapidamente do que do consumidor adulto96. De acordo com
dados do IBGE, o rendimento mensal dos chefes de famílias homens e/ou mulheres
com 60 anos ou mais, em 1991, era de até três salários mínimos, em 2000, na
capital de Fortaleza, 42,4% dos 95.392 idosos viviam com até dois salários
mínimos97. Em uma pesquisa realizada pela Revista Exame, em 1995, 46% dos
idosos dependiam da família para viver, 28% sobreviviam graças as obras sociais,
25,1% recebiam uma pequena pensão e tinham que continuar trabalhando e,
somente 0,9% dos idosos se mantinham por conta própria. Para Beltrão e Oliveira
(1999), dos benefícios concedidos pelo INSS em 1997, 67% eram inferiores a dois
salários mínimos.
Diante desse quadro, Veras (1999) afirma que, o idoso brasileiro, ao final
de sua vida, tem uma situação financeira pior do que quando trabalhava, tanto pela
redução dos ganhos, como pelo aumento dos gastos. Embora, para alguns
trabalhadores, os benefícios da aposentadoria tenham aumento anual como dos
ativos, a quantidade e diversidade de gastos, como remédio, alimentação, consultas,
exames, empréstimos, família, netos, filhos, têm aviltado o valor dos rendimentos
dos idosos.
96 “enquanto os pesos do custo de alimentação e saúde na cesta do IPC tradicional são, respectivamente, de 27,49% e 10,36%, para quem tem mais de 60 anos esses produtos representam, respectivamente, 30,23% e 15,03% no IPC-3I.” Fonte: Jornal O Povo, caderno enconomia, 16 de out. de 2005, pág. 34 97 “O número de pessoas acima de 60 anos responsáveis por residência, em Fortaleza, é de 95.392. Sendo 38,8% delas com renda até um salário mínimo, 13,6% ganhando de 1 a 2 salários, 7,1% com renda de 2 a 3 salários, 8,8% ganhando de 3 a 5 salários mínimos, 25,3% com renda acima de 5 salários e 6,5% sem renda formal alguma.” Fonte: Jornal O Povo, caderno economia, 16 de out. de 2005, pág. 34
Outra mudança refere-se ao que para Neri (2002) é contraditório, pois
embora hoje, esteja ocorrendo um desemprego entre adultos de 40 anos, também,
observa-se um aumento da participação de idosos no mercado de trabalho. No
Ceará, de 2003 para 2004 foram criadas mais 5.019 vagas de emprego formal para
profissionais a partir dos 50 anos. Porém, segundo o coordenado estadual do SINE,
Sebastião Araújo, o percentual de idosos trabalhando é maior devido a informalidade
que é crescente no segmento. A renda comprometida faz com que continuem
trabalhando mesmo após a aposentadoria.
Vários são os motivos e posições contrárias e à favor para esse retorno.
Em entrevista concedida à Revista ABRAPP, Ana Amélia Camarano (1999),
demógrafa do IPEA , indica alguns dos motivos contrários que são desde a idade da
aposentadoria até a informalidade e precariedade dos postos de trabalho, como
também segundo ela, “os aposentados que voltam ao trabalho ganham menos do
que os da ativa”, e acabam concorrendo com os mais jovens, gerando sérios
problemas no financiamento da aposentadoria e nas condições de vida da
população economicamente ativa.
Ainda para Camarano (1999), o brasileiro, culturalmente, não entende a
aposentadoria como cessação da atividade laboral; seja pelas más condições
financeiras que os obrigam a retornar ao trabalho, seja pela idade precoce da
aposentadoria. Então, para a pesquisadora, o retorno ao trabalho, é uma questão
que possui dois lados, um significa que os valores dos benefícios são muito baixos e
outro a necessidade de integração social dos idosos.
Porém, ela alerta que a aposentadoria tem como uma das suas funções
regular o mercado de trabalho ao liberar vagas aos mais jovens que estão
adentrando nele e, infelizmente, no Brasil esse mecanismo não funciona, pois não
existe nenhuma legislação que restrinja esse movimento, pelo contrário, os
aposentados são incentivados para voltar, bem diferente do que acontece noutros
países, como afirma:
“Em outros países o recebimento do benefício é condicionado legalmente à saída efetiva do mercado de trabalho, ou o seu valor é reduzido caso o
beneficiário volte a trabalhar, para desestimular tal comportamento.” (Camarano, 1999, p. 02).
Já para o grupo que vê no retorno ao trabalho algo positivo, ilustra as
pesquisas que mostram que 52% do total da renda familiar provém dos mais velhos
e isso deve-se ao fato de, eles continuarem trabalhando, uma vez que, como foi
visto anteriormente, a tendência é a diminuição dos proventos com a terceira
idade98.
Para a doutora em gerontologia Zilma Gurgel, em entrevista ao Caderno
Economia do Jornal O Povo (12.02.2006), a aposentadoria não é fim da vida. E essa
vontade e necessidade de continuar trabalhando estão presentes em todas as faixas
etárias pois o trabalho ocupa grande lugar na estrutura social. Esse segmento não
se contenta mais em ficar em casa, parado, estagnado, no fundo da rede,
“esperando a morte chegar” e eles acabam percebendo que o importante não é
combater o envelhecimento, mas de torná-lo saudável e com participação na
sociedade. É o que confirma, também, Tânia Kaufmann (1985): “Agora os idosos
querem ocupar o espaço próprio a que têm direito. Pois a vida não termina com a
juventude.” (Kaufmann, 1985, p. 15).
Para Néri (2002), o importante é permitir às pessoas idosas que
continuem usando e desenvolvendo o seu potencial para o trabalho em atividades
complementares adequadas à sua condição, como no setor de serviços onde as
características próprias da idade podem ser aproveitadas em áreas como a
educação, saúde, comércio, hotelaria e transporte.
Diante dessas implicações, faz-se necessário compreender, a partir do
depoimento dos próprios idosos que retornam ao mercado de trabalho, onde eles
estão na estrutura social. Hoje, quando esse idoso retorna ao mercado de trabalho
pode-se afirmar que ele resgata a sua identidade social por estar novamente
contribuindo.
98 Segundo o IBGE a renda dos idosos responsáveis por seu domicílio aumentou de R$ 227, em 1991 para R$ 401, em 2000.
Antes, busca-se descrever o momento de encontro com os idosos, como
foi a abordagem. Portanto, nos próximos itens será exposto o desdobrar da pesquisa
nos seus aspectos metodológicos, circunstanciais, bem como a análise dos dados
colhidos, articulando-os em temas centrais de análise previamente selecionados por
ocasião da pesquisa à luz das categorias estudadas.
3.2. Procedimentos Metodológicos
Na trajetória da presente pesquisa, buscou-se, em todos os momentos,
lançar um olhar rigoroso aos dados, através de uma análise dialética crítica da
realidade que, enfim, superasse a pseudo-objetividade99. Segundo Hobsbawm
(1982), é tarefa da ciência ultrapassar, “passar das aparências para a estrutura
interna oculta do real”. Portanto, o tema do retorno do idoso ao mercado de trabalho
foi destrinçado, no sentido de desvendar as múltiplas determinações da totalidade
concreta e que não estavam à mostra na realidade.
O tipo de pesquisa utilizada, predominantemente, foi a qualitativa, de
corte histórico e contextualizado, norteada por etapas metodológicas de temáticas
significativas. Tanto na dissertação dos capítulos como na análise das entrevistas
procurou-se articular em blocos de significação o material recolhido. Portanto, no
primeiro bloco das entrevistas, foram agrupadas as respostas que estavam
direcionadas à categoria trabalho, articulando-se sempre ao primeiro capítulo que foi
dedicado, também, a tecer considerações sobre essa categoria. No segundo bloco,
foi a vez dos depoimentos que retratavam o momento de parada da vida funcional
do idoso, a aposentadoria, bem articulada ao segundo capítulo. E, finalmente, no
terceiro bloco, que é a síntese desses processos anteriores, recolheu-se o material
que representava as falas relacionadas ao retorno do trabalho.
Mas, antes de tecer considerações acerca da metodologia da
investigação social, fez-se necessário esclarecer, aqui, que a pesquisa é entendida
99 “É próprio da sociedade burguesa – à base nuclear do fetichismo mercantil (Marx, 1983a, I, 1:70-78) – instaurar uma pseudo-objetividade ( o termo é de Kosic, 1969) como padrão fenomênico de suas relações” (Netto, 1992).
como processo. Segundo Demo (1985), o conceito de processo pressupõe uma
“realidade sempre volúvel, mutável, contraditória, nunca acabada, um vir-a-ser ...Em
ciência estamos sempre começando de novo” (Demo, 1985, p. 29). Portanto,
passível de modificações, qualificações.
3.2.1. Primeiro Momento - As Primeiras Articulações
Inicialmente, foi necessário estabelecer um diálogo com a equipe técnica
do SESC, que compõe o TSI – Trabalho Social com Idosos, para realizar os
primeiros acertos administrativos, tais como: ofício para a instituição pedindo
autorização para a realização da pesquisa, cronograma das atividades,
agendamento das entrevistas, sempre nas dependências do SESC e de acordo com
a conveniência dos idosos e levantamento documental sobre o trabalho social com
idosos. Mesmo já tendo vivido uma experiência de estágio na instituição, fica claro o
cuidado da pesquisadora em obedecer às normas e aos limites institucionais e dos
idosos.
Na abordagem dos idosos, levaram-se em consideração os dias de
atividades no Grupo de Convivência do SESC, tendo a pesquisadora que agendar
espaço e local para a realização das entrevistas. Por parte de alguns idosos, era
comum o esquecimento do compromisso do agendamento, que muitas vezes se
dava pelo telefone. A estratégia utilizada, portanto, foi contactar a técnica do setor
para confirmar dia e horário da atividade que ele estava inscrito e, então, poder fazer
o primeiro contato; e, caso houvesse tempo, a entrevista.
Portanto, a ênfase no processo de abordagem ressaltou, em todos os
momentos, o “direito que a população entrevistada possui de ser abordada com
respeito, clareza, pertinência, qualidade em termos de estratégias de aproximação e
formação de vínculo, o que pressupõe competência profissional” (PRATES; REIS e
ABREU, 2000, p. 139).
3.2.1.1. Elaboração dos instrumentos de pesquisa
Construiu-se um roteiro de entrevista100 semi-estruturada contendo
informações gerais sobre o idoso para traçar um perfil dos sujeitos envolvidos; e
questões abertas sobre os temas da pesquisa: trabalho, aposentadoria e retorno ao
trabalho, no intuito de facilitar que as falas discorressem sobre tais temas. Cada
bloco da entrevista tinha no máximo 04 (quatro) perguntas, permitindo que eles
relatassem suas experiências sem muita intervenção do entrevistador.
3.2.1.2. Seleção dos Sujeitos
Nessa etapa, que se configura como de amostragem, considerou-se, para
a análise do universo da população estudada a amostra de aproximadamente 07
(sete) idosos que eram integrantes do Grupo de Convivência do SESC-CE, porém
não participavam com freqüência das atividades do grupo por estarem trabalhando.
Para delimitar ainda mais o público a ser entrevistado, elencou-se alguns
critérios de seleção: estarem com 60 anos ou mais, estarem aposentados ou
recebendo o benefício do amparo social (BPC – Benefício de Prestação Continuada)
e que exercessem atividades remuneradas, seja, informal ou formal. Foi necessário
estabelecer esses critérios e, às vezes, até qualificá-los em face da diversidade de
situações em que se encontraram esses idosos.
No critério idade, uma parcela significativa dos que continuavam
trabalhando não pôde ser entrevistada, pois não possuía a idade que o Estatuto do
Idoso, a ONU – Organização das Nações Unidas – e a OMS – Organização Mundial
da Saúde –estabelecem como idoso, no caso 60 anos ou mais. No Grupo de
Convivência do SESC, a idade para ser inscrito é a partir de 50 anos.
No que se refere ao tipo de desligamento funcional, privilegiou-se a
aposentadoria e o benefício da LOAS. Muitos idosos estavam apenas afastados ou
100 “é sempre um guia, nunca um obstáculo, portanto, não pode prever todas as situações e condições de trabalho de campo” (Minayo, 1996, p. 100).
de licença das suas atividades, não podendo ser enquadrados no perfil da pesquisa,
como era o caso de alguns professores da rede pública que reduziram sua carga
horária depois dos 20 anos de sala de aula, mas não estavam totalmente
desligados. Quanto ao benefício da LOAS, o BPC, chegou-se à conclusão que,
embora não seja uma aposentadoria, pois para adquiri-lo basta ter a idade de 65
anos e não ter condições de prover a sua manutenção e nem muito menos a sua
família101, ele se insere no quadro de proteções da seguridade social para aqueles
que já não dispõem de condições de ingressarem no mercado de trabalho, seja
pelas doenças que acometem mais quem está na faixa etária, seja pelo próprio
mercado que segmenta jovens, como produtivos e idosos, “inativos”.
Quanto ao quesito estarem exercendo um trabalho remunerado, seja ele
formal ou informal, deve-se ao fato de ser comum o desenvolvimento de atividades
de ocupação do tempo livre que, mesmo tendo uma rotina não se constituem
trabalho, como é o caso das atividades de lazer, trabalhos domésticos, trabalhos
manuais como terapia.
3.2.1.3. O campo – o SESC e o Trabalho Social com Idosos
Uma das primeiras propostas de atendimento aos idosos, no Brasil, surgiu
com a criação do Grupo de Convivência do SESC-SP, no Centro Social “Mário
França de Azevedo”, em 1963. Era um período em que o crescimento demográfico
do nosso país dava seus primeiros sinais e já trazia sérias conseqüências:
desamparo familiar e solidão dos mais longevos. A partir dessa idéia, a problemática
do idoso tomou novos rumos. Os Grupos de Convivência do SESC, além de serem
espaços para a prática de atividades de lazer, são palco de seminários, estudos de
apoio às lutas de idosos de todo o país, mantendo um estreito contato com outras
entidades que operam no campo da gerontologia social como a ACEPI – Associação
Cearense Pró-Idosos, NETI – Núcleo de Estudos da Terceira Idade, ANG-
Associação Nacional de Gerontologia e outros.
101 “O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família” (art. 20, Lei no. 8.742, de 7 de dezembro de 1993).
O Grupo de Convivência do SESC-Ce102, localizado em Fortaleza, na rua
Clarindo de Queiroz, n°. 1740, desenvolve o Trabalho Social com Idosos – TSI,
desde 1983, ano em que foi formado. Ao longo dos seus 23 anos de existência, e
seguindo o modelo dos demais grupos nacionalmente, vem respondendo de
maneira efetiva/afetiva à maior problemática de grande parte dos idosos: o
isolamento social. Tem uma metodologia baseada no conhecimento do Serviço
Social e áreas afins, valores próprios da cultura brasileira e a experiência dos seus
técnicos, buscando sempre “recuperar as memórias de raiz do idoso, sua etnia e seu
folclore” (Fraiman, 1995, p. 14). Busca ainda promover a socialização do indivíduo,
estimular a elevação da auto-estima, reconstrução da auto-imagem e autonomia da
pessoa idosa, levando a sua integração à comunidade como cidadão.
Seus procedimentos são agrupados da seguinte forma: Nucleação
Grupal, onde os idosos usufruem dos sentimentos de participação, integração,
companhia, sociabilidade, alegria e bem-estar; Cuidados com a Saúde, onde se
desenvolvem estímulos aos hábitos salutares, atividades físicas, alimentação
saudável, prevenção de doenças, higiene, etc.; Educação Permanente, que desperta
no idoso o espírito de participação na sociedade atual através da descoberta de
novos conhecimentos e habilidades, novas tecnologias de discussão de informações
da atualidade e Ação Comunitária, onde são desenvolvidas atividades de visita e
ajuda aos idosos afastados do Grupo de Convivência por motivos de doenças e
outros.
3.2.1.4. Entrada no Campo
Esse momento teve como premissa a importância de apreender através
dos relatos dos idosos, sempre na primeira pessoa, os significados atribuídos a essa
etapa de vida, a velhice, bem como a aposentadoria e trabalho, tomando-os como
sujeitos da sua própria existência, e que podem contribuir de forma significativa, na
102 Os Grupos de Convivência podem ser, dependendo dos objetivos, Grupos de lazer e recreação, Grupos de Ação Social (visita a idosos doentes ou filantropia), Grupos de produção (confecção de objetos para comercialização, Grupos de desenvolvimento social (onde o técnico ou voluntário trabalha com o grupo como estimulador, refletindo com ele sobre o exercício de uma participação social mais plena).
proposição de políticas públicas no segmento dos longevos. É claro que essa busca
pressupôs também a colaboração e parcerias institucionais no trato da questão
social do idoso, como vem fazendo o Serviço Social do Comércio –SESC e seus
técnicos através do Trabalho Social com Idosos – TSI, na autorização da realização
da pesquisa, bem como, na indicação do idoso que poderia ser encaixado no perfil
da pesquisa.
As entrevistas, na sua maioria, foram realizadas na sala de multi-uso do
TSI, com autorização do técnico. Algumas vezes, quando a sala estava ocupada
com atividades do grupo, foram realizadas no salão para encontros que dispõe de
bancos e um espaço ao ar livre. Percebeu-se que muitos não seguiam as perguntas
do roteiro, seja pela dificuldade de organizar e sistematizar o pensamento, seja pela
empolgação de serem ouvidos, restando a pesquisadora captar nas falas, as
assertivas de significação e avaliação. Vale ressaltar a importância do uso do
gravador nesse momento, pois as múltiplas respostas e, às vezes, a falta de
organização das falas podem ser solucionadas na transcrição das entrevistas.
3.2.2. Segundo Momento – A Coleta de Dados
Nessa etapa, que é da aplicação dos instrumentos de pesquisa,
privilegiou-se as unidades de significação, acontecimentos, asserções avaliativas,
seqüências e freqüências de respostas, interpretadas a partir das categorias básicas
norteadoras do estudo. Para a realização do corte qualitativo foram analisados o
universo dos instrumentos aplicados entrevista semi-estruturada e a observação
simples.
A técnica de entrevista semi-estruturada foi feita a partir da aplicação de
um roteiro de entrevista que continha questões abertas de significação subdivididas
em blocos temáticos de discussão e processos temporais que contemplam os
seguintes aspectos: trabalho, aposentadoria e retorno ao trabalho cujas respostas
foram captadas pelo entrevistador com auxílio do uso de um gravador, durante o
processo de investigação, sempre numa abordagem direta e individual. Vale
salientar, no entanto, que antes de se estabelecer o diálogo, o entrevistador tinha o
cuidado de averiguar os dados de identificação, como nome e idade do entrevistado,
para em seguida, dar continuidade a entrevista.
Para complementar a pesquisa, outra técnica utilizada foi a observação
simples103, uma vez que, o contato com a realidade a ser analisada, permitiu
penetrar no campo de investigação, captando uma diversidade de situações e fatos.
Por se tratar de uma abordagem qualitativa, onde as observações são
imprescindíveis, o diário de campo foi instrumento fundamental para registrar todos
os aspectos verificados no momento da interlocução, como os gestos, as atitudes, a
fala, ou seja, elementos importantes que condizem com a temática.
3.2.3. Terceiro momento - Análise dos Dados
O método dialético de investigação considera a realidade como um todo
concreto e procura desvendá-la, mas não com uma simples descrição do objeto. O
método pressupõe sim, a descoberta de grupos, categorias, partes que compõe
esse todo, ou seja a análise que resgate o movimento constitutivo da totalidade e
que permita a essência do fenômeno. Como diz também, Lefebvre:
“Nada é isolado. Isolar um fato, um fenômeno, e depois conservá-lo pelo entendimento nesse isolamento, é privá-lo de sentido, de explicação, de conteúdo. É mobilizá-lo artificialmente, matá-lo... A pesquisa racional (dialética) considera cada fenômeno no conjunto de suas relações com os demais fenômenos e, por conseguinte, também no conjunto dos aspectos e manifestações daquela realidade de que ele é fenômeno, aparência ou aparecimento mais ou menos essencial.” (Lefevbre, 2000, p. 238).
Portanto, após a fase de coleta de dados, prossegue-se então, a
interpretação destes, à luz do método dialético, no intuito de reconstruí-lo no seu
movimento constitutivo, captando suas conexões, contradições (Prates, 2000, p.
140). Embora a dialética, pressuponha a interdependência entre as pesquisas
caracterizadas como quanti-qualitativas que trabalham com dados mensuráveis
através da quantificação (idade, sexo, cor, procedência, etc.) e com conteúdos
103 “observar, naturalmente, não é simplesmente olhar. Observar é destacar de um conjunto(..)” (Triviños, 1987:153).
subjetivos, tais como: “significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes
dos sujeitos e dos processos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis” (Minayo, 1998, p. 22), a natureza da pesquisa de campo desenvolveu-se,
predominantemente, com base na linha de estudo qualitativo, completada com
dados quantitativos a partir de cruzamentos, articulações e mediações dos mesmos.
O status da pesquisa qualitativa nesse trabalho, é devido ser
determinante na condução da interpretação dos dados de conteúdo subjetivos, uma
vez que esta responde a questões muito particulares, preocupando-se com um nível
de realidade que não pode ser quantificado.
Nesse sentido, os dados coletados foram analisados a partir de uma
operacionalização que prevê a ordenação dos dados: seleção, codificação,
tabulação dos dados objetivos e catalogação de todo o material adquirido no
trabalho de campo, como a transcrição das gravações, (re)leitura do material,
organização dos relatos e as observações; classificação dos dados: nessa etapa já
deve estar claro que os dados não existem por si, isto é, eles são construídos.
3.3. Os protagonistas dessa história – artistas do palco da vida
Protagonista 1 – nasceu em 1932, tem 74 anos. Começou a trabalhar desde 1940
com 08 anos de idade. Estudou até 6ª Série do Ensino Fundamental, é casada e tem
10 (dez) filhos. Atualmente, mora com um neto e uma filha. Hoje está aposentada
desde 1992. Faz Hidroginástica no SESC-CE, mas trabalha como Agente de Saúde
para um projeto do Fundo Cristão.
Protagonista 2 – nasceu em 1939, tem 66 anos. Começou a trabalhar desde 1969,
quando tinha 37 anos, porém com 04 anos de idade já torrava café para a família.
Professora aposentada, possui o Ensino Superior, é formada em Letras. Viúva, não
tem filhos. Atualmente, mora com uma sobrinha, uma filha e neta adotivas. Casou
novamente, mas “cada um na sua casa.” Hoje trabalha fazendo salgados e doces
para a venda.
Protagonista 3 – nasceu em 1929, tem 76 anos. Começou a trabalhar desde 1937
quando tinha 08 anos de idade ajudando uma modista e fazendo bolo para a venda.
Viúva, recebe pensão do marido e tem 06 filhos. Hoje é artista plástica e professora
de artes, dá aula de Pintura em Tela e artesanato.
Protagonista 4 – nasceu em 1929, tem 76 anos e quando casou, tornou-se
comerciante, tinha um mercadinho. Recebe o Benefício de Prestação Continuada –
BPC, conhecido também como Amparo Social ao Idoso. Separada, mora atualmente
com 01 filho e é vendedora de produtos de beleza.
Protagonista 5 – nasceu em 1938, tem 67 anos. Começou a trabalhar desde os 14
anos como professora de piano. Cursou até o 1º ano superior de música e piano,
mora com uma irmã e um sobrinho. Solteira, recebe uma pensão da mãe. Hoje é
facilitadora de datas comemorativas e intérprete de poesias no Grupo de
Convivência do SESC.
Protagonista 6 – nasceu em 1938, tem 67 anos. Começou a trabalhar desde os 14
anos numa sapataria. Aposentada como Técnica de Educação. Hoje é vendedora de
produtos de beleza.
Protagonista 7 – nasceu em 1938, tem 67 anos. Começou a trabalhar desde os 08
anos numa confecção. Cursou até a 7ª série. Hoje é aposentada, mas trabalha ainda
como costureira e bordadeira no seu próprio negócio.
A maioria dos entrevistados está na faixa etária que fica entre 66 anos e
76 anos. Todos são do sexo feminino e começaram a trabalhar, ainda criança.
Importante notar que metade das entrevistadas nasceu no início da década de 30, e
a outra metade no seu final, período em que se gesta no Brasil, uma política
trabalhista como legado da Era Vargas.
Os relatos a seguir constituem “peças” de toda uma vida laboral, ou como
diz uma idosa: “... maratona que se chama vida.” (Protagonista 5).
3.3.1. ATO I – “ABRAM AS CORTINAS” - A ENTRADA NA CENA DO TRABALHO
“... com a velhice, dirão, a memória declina! É o que acontece, com efeito, se não a cultivamos ou se carecemos de vivacidade de espírito. (...) Aliás, os velhos a conservam tanto melhor quanto permanecem intelectualmente ativos. Isso é tão verdadeiro para os homens públicos, os homens célebres, quanto para os particulares tranqüilos e sem ambição.” (Cícero, 44 a.C.)
Nos capítulos anteriores, sem dúvida, ficou claro que o trabalho ocupa um
lugar muito importante na vida social. Mesmo quando esse cessa, as proteções
sociais criadas são referentes a vida ativa daquele ou de outro indivíduo. As
primeiras perguntas tinham o objetivo de reconstruir a trajetória, relacionada ao
trabalho dessas idosos, tais como: idade que começou a trabalhar, qual a atividade
exercia antes da aposentadoria.
Quase a metade das idosas entrevistadas, ao falarem sobre sua vida
profissional, responderam que iniciaram a trabalhar ainda criança, por volta dos 08
anos de idade, entre os anos de 1937 a 1946. Num período em que tanto o trabalho
feminino como o infantil, sem nenhuma proteção, era uma realidade.
Comecei a trabalhar com 08 (oito) anos de idade. Eu não tinha pai, tinha só mãe, morava no interior e precisava trabalhar, ajudar o meu avô. Minha mãe dependia muito do meu avô e a gente ainda criança, a gente tinha que ajudar”. “Meu estudo foi muito pouco, porque na época era difícil, então eu vinha sempre continuando trabalhando. (Protagonista 1). Eu com a idade de 08 anos, eu sempre gostei de ser independente. Ajudava, já estudando né?, mas estudava pela manhã e à tarde eu ajudava uma modista que tinha vizinho a minha casa e eu fazia todo o trabalho de mão, porque naquela época não tinha máquina de acabamento, eu fazia o acabamento todo. Também com 10 anos de idade eu comecei a fazer bolo para fora. Fazia bolo para Leão do Sul, para Micelânia e para os meus vizinhos, bolo, pudim de coco, desde então eu nunca mais deixei de fazer bolo. (Protagonista 3). Comecei a trabalhar com 08 anos de idade, fazendo ponto de cruz para vender no mercado, até hoje não parei não, me casei mas continuei trabalhando. (Protagonista 7).
Iamamoto (1995), ressalta que a entrada no mercado de trabalho das
mulheres e das crianças, em décadas anteriores, funcionava como mecanismo de
rebaixamento de salário. Para a autora, era comum a existência de crianças
operárias até 05 anos e dos castigos corporais infligidos a aprendizes.
Contudo, começaram a trabalhar num período que se inicia um tratamento
diferenciado às questões trabalhistas. No Brasil, é só no início da década de 30, que
se observa um esforço de tratar as questões trabalhistas como as relacionadas ao
trabalho infantil e o feminino. Segundo Martins (2001), o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio que foi criado em 1930, passou a expedir decretos sobre as
profissões, trabalho de mulheres (1932), salário mínimo (1936), Justiça do Trabalho
(1939), etc, no intuito de organizar num sistema trabalhista as leis ordinárias
anteriores que tratavam do trabalho de menores(1891), da organização de
sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), de férias. Para o autor, a constituição de
1934 é a primeira a tratar especificamente do direito do trabalho, garantindo a
liberdade sindical (art. 120), a isonomia salarial, salário mínimo, jornada de 08 horas
de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e dos menores, repouso semanal,
férias anuais remuneradas (Parág. 1º do Art. 121). Porém, foi somente com a edição
do decreto-lei n°. 5.452, de 1º de maio de 1943, aprovando a CLT – Consolidação
das Leis do Trabalho, que as normas sobre assuntos trabalhistas foram
sistematizadas.
Observa-se também, nesses relatos, uma forte referência ao trabalho
voluntário e sem direitos como uma extensão das atividades cotidianas da família,
como relata a próxima entrevistada:
Com quatro anos de idade eu já torrava café, pisava café, fazia café e ía deixar para minha madrinha que morava em frente no interior, né?. Então sempre gostei de trabalhar. (Protagonista 2). Segundo Costa (2000), baseada no pensamento de Castel, os quatro
séculos de vigência do sistema escravista no Brasil produziram formas de auto-
subsistência que se organizaram independente de assalariamento, ou seja, o regime
escravocrata fomentou uma relação de desmonetização, tornando tranqüila a
convivência de práticas de voluntariado, de trabalho infantil, de desemprego,
subemprego. Outra conseqüência da formação tardia no seu processo de
assalariamento e industrialização é que as relações de proteção e dependência
recíprocas entre senhores e escravos modelaram os padrões protecionistas.
A outra metade dos relatos informa que duas entrevistadas iniciaram suas
atividades na adolescência, uma somente aos trinta anos e a outra diz que nunca
trabalhou numa atividade externa e sim como doméstica.
A minha primeira experiência de trabalho eu tinha 14 anos. Eu estudava piano e uma vizinha, criancinha, de 08 anos estudava com uma professora e esta professora viajou para passar férias fora e a mãe da criança pediu para eu ficar substituindo assim para ela não perder a prática, não é...
exercitando e tal e eu comecei a ensinar piano assim sendo uma repetidora, quando a professora voltou, a criança não quis mais ir para a professora, aí ficou comigo estudando. Aí uma outra vizinha já pediu para ensinar o filho dela e aí foram aparecendo as crianças ali da redondeza que na época, assim fazia muito parte da educação, o piano né, e então eu fui adquirindo alunos. (Protagonista 5). Há! Eu comecei a trabalhar muito cedo no interior, eu tinha 14 anos. Trabalhei muito tempo numa sapataria. Mas aí quando eu era pequena ajudava meu irmão, né no interior. Trabalhei no comércio né. (Protagonista 6). Comecei a trabalhar mais ou menos com uns 30 anos de idade, porque advinda do interior, eu custei muito a me formar, sou formada em Letras, mas quando eu vim estudar eu já tinha mais de 16 anos quando eu fui fazer o exame de admissão. Porque naquela época a gente fazia as séries iniciais, hoje se chama ensino fundamental, naquela época a gente tinha uma quebra a partir da 4ª série. Na 5ª série a gente fazia o exame de admissão, se chama aí a gente fazia o ginasial o que hoje corresponde as 04 últimas séries do Ensino Fundamental. Então me formei em Letras e fiquei ensinando a vida toda. Militei em colégios públicos, desde o Instituto de Educação ao Liceu do Ceará, militei em colégios particulares Santa Cecília, Santo Inácio entre outros, Colégio Casimiro de Abreu. (Protagonista 2 ) Minha filha, eu nunca trabalhei fora, porque quando eu me casei. Morava longe e tomava de conta de um mercadinho do meu marido. (Protagonista 4).
Nos relatos acima, observa-se que é forte a menção ao trabalho como
aquela atividade valorativa, que mesmo sem remuneração possui um conteúdo
moral e ético, posto ser utilizado como combate a delinqüência, as drogas, à
vagabundagem, etc. Desde crianças é comum se ouvir o ditado que diz: “Cabeça
ociosa, oficina de satanás!”
Observou-se também, a dificuldade de expressarem valores pecuniários
recebidos em troca do trabalho exercido. Quando indagadas sobre o valor da sua
remuneração antes de se aposentar, apenas 01 (uma) entrevistada foi capaz de
responder.
Era 01 (um) salário mínimo.” Antes eu trabalhava era uma coisa horrível. Eu acho que eu vou entrar como se fosse uma denúncia. Nós trabalhava, ... assim assinava uma folha (...) assinava como quem vai ganhar um salário, mas não era não. (Protoganista 1)
Fazer um resgate de toda uma trajetória laboral, não é tarefa das mais fáceis,
principalmente se for relacionada a valores, devido a um série de fatores, desde a
confiança no entrevistador até as mudanças na economia que não ajudam a
compreender as referências salariais. Outro aspecto a ser discutido é em relação a
direção das respostas de acordo com as perguntas. Algumas idosas, discorriam
livremente sobre o seu passado, a sua história, sem se atentarem que estavam
“fugindo” do tema. Nesse momento, a pesquisadora teve que intervir para colher os
dados necessários à pesquisa.
ATO II – “FECHEM AS CORTINAS” - A SAÍDA DA CENA DO TRABALHO
Para Castel (1998), existe uma forte relação entre o lugar ocupado na
divisão social do trabalho e a participação nas redes de sociabilidade e nos sistemas
de proteção que “cobrem” um indivíduo diante dos acasos da existência. Quando o
indivíduo cessa a sua atividade funcional, seja por doença, por tempo de serviço ou
por contribuição, insere-se no sistema de proteção social público ou privado, no caso
do Brasil, a Previdência Social (INSS) ou Planos Privados. O conceito de
aposentadoria aqui adotado, não é o que se refere ao período após contribuição
para a previdência, mas sim àquele em que há uma pausa no trabalho ou não há
mais a obrigatoriedade de trabalhar.
Mais da metade dos entrevistados, quando indagados sobre o tempo de
aposentadoria, deram respostas compreendidas entre 01 mês e 13 anos. A outra
metade não respondeu. No que se refere à profissão antes de se aposentar,
observou-se uma variedade de profissões: doceira, professora, dona-de-casa,
professora de música, técnica de educação e costureira.
Estou aposentada há 13 anos. Eu era doceira, trabalhava em fábrica de doces. Então eu me aposentei por aí. (Protagonista 1)
... eu fiz esse trabalho durante 15 anos, ensinar, ensinei arcodeão. (Protagonista 5). ... me aposentei tá com 06 anos. (Protagonista 6). Há 06 (seis) anos. (Protagonista 7).
No relato a seguir, observa-se que não está claro a diferença entre
benefício, concedido aos idosos a partir de 65 anos e aposentadoria, advinda de
contribuição. Embora não recebendo décimo terceiro salário, vê o benefício como
sendo aposentadoria.
Agora é que eu vim me aposentar, pois apesar dele ter comércio, ele não pagava o INSS, aí para poder me aposentar tinha que pagar 3 mil reais para poder continuar até chegar a idade. Agora me aposentei com aquele benefício do governo, no dia 28 tá fazendo um mês. Sem décimo, sem nada, só o benefício mesmo. (Protagonista 4)
No que se refere às questões financeiras, quando indagadas sobre o
valor do benefício, novamente, mais da metade não respondeu, apenas três
informaram que a renda era de 1 salário mínimo, quando se aposentaram.
É 01 (um) salário mínimo, mas nessa época era bem pouquinho. (Protagonista 1) É o salário mínimo. (Protagonista 4) 300,00 reais. (Protagonista 7)
Quando indagadas se foram preparadas para aposentadoria104, nenhuma
respondeu que foi preparada, porém quando chegou o tempo tiveram que se
adaptar. Umas reagiram bem, com otimismo, vendo na aposentadoria um momento
de realizar o que nunca puderam antes. Outras com depressão e medo. Vejamos o
próximo depoimento:
Normal, nunca me impressionei, nunca me preocupei com a menopausa, ao contrário adorei entrar na menopausa, por que sou do tempo antigo, no meu tempo se dizia que a mulher estava incomodada e não menstruada. E eu sempre fiquei tão incomodada mesmo, nunca menstruei. Por que quando eu menstruava só faltava morrer de dor aquilo era um sofrimento pra mim muito grande, acho que foi por que menstruei com quase 17 anos, só que pra mim toda vida foi ruim. Tinha náusea, vontade de vomitar mesmo. Eu ficava enxaquecada, hoje é a TPM. A minha aposentadoria foi do mesmo jeito, encarei numa boa, até porque sempre gostei muito de trabalhar e eu tinha vontade de viajar, só que por conta do ordenado da gente ser tão pouco e por conta do meu medo de avião, assim que me aposentei eu fui aos Estados Unidos. E depois fui a Europa. Então a aposentadoria foi desejada. (Protagonista 2)
No relato anterior a aposentadoria é comparada a menopausa. Isto talvez
deva-se ao fato de ambas representarem um rito de passagem, passagem para uma
104 Um Programa de Preparação para a Aposentadoria pode ser definido basicamente como um programa desenvolvido através de cursos ou reuniões, dirigidas especialmente àqueles que se encontram já próximos da aposentadoria, tendo por temas aspectos previdenciários, jurídicos, econômicos, culturais, além dos aspectos biopsicossociais da velhice e outras questões que fazem parte da própria vida cotidiana. (Magalhães, 1995, p. 50)
nova fase da vida, seja na parada das atividades profissionais seja nas atividades de
reprodução. O que é interessante notar que tanto a aposentadoria, como a
menopausa prenunciam a chegada da velhice.
Depois que eu dei entrada, eu fiquei assim, meio deprimida, sabe. Hoje eu ando muito lá. Eu sou querida do mesmo jeito, do mesmo jeito que eles me tratavam, eles me tratam hoje. Eu vendo Avon lá e Natura, ando lá toda a semana. Pego o meu carro e digo cheguei! É no Cambeba, é na Tenente Benévolo. Não perdi o contato com ninguém. (Protagonista 6)
Mesmo que a fala anterior demonstre um certo engajamento após a
aposentadoria como combate ao isolamento, ainda não existe uma cultura
organizacional que prepare as pessoas para esse momento de pausa, que estimule
a criação de projetos de vida após o trabalho. Para Lúcia Helena França (1992),
existe, riscos numa vida sem o trabalho, principalmente, se o processo de
aposentadoria não vier acompanhado de livre escolha e se for de forma repentina,
pois o afastamento do trabalho provocado pela aposentadoria talvez seja a perda
mais importante na vida social da pessoa. Ainda para a autora, grande parte da
adaptação à aposentadoria dependerá do envolvimento do indivíduo com o trabalho,
sua história de vida e de como deseja viver seus próximos anos, suas expectativas e
suas limitações.
No contexto da sociedade capitalista, o indivíduo se reconhece e é
reconhecido pelos seus pares, a partir da sua localização na dinâmica da produção.
O trabalho passa a ser visto como instrumento de pertencimento social. Nesse
sentido, a aposentadoria, seria a perda do seu papel como criador, produtor levaria à
crise da identidade.
Num dos relatos, observa-se que uma entrevistada só parou de trabalhar
quando sofreu um acidente. Outra, quando o esposo faleceu e a outra, quando a
mãe partiu.
Porque eu fui acidentada, aí eu não tinha condição de assumir a minha função. Então eu me aposentei por aí. (Protagonista 1) Quando saí do colégio, comecei a trabalhar particular e sempre trabalhei particular, mas aposentadoria mesmo não. Isso foi quando o meu marido faleceu, ele passou 1 ano e 3 meses sem movimento por que ele teve um AVC. Aí eu cuidando dele, ele na cama.
Quando ele faleceu, eu achei que o trabalho que ficou pra mim era pouco, que era só a casa e as encomendas. Aí saí procurando tudo. (Protagonista 3)
... ficou um pouco parado, foi quando ela partiu e uma amiga me convidou para vir para o SESC. E eu vim, a princípio eu achei que não ia ficar por que eu sou apesar de não parecer, eu sou muito tímida. É... e o grupo aqui, eu achava fechado e eu dizia para minha amiga, Eliz não vou ficar. Por que eu não tenho ainda onde ficar sentada escutando eu quero participar, eu quero colaborar, eu quero somar e não tô vendo uma abertura para eu fazer o que eu gostaria de fazer. Ela disse não, não se preocupe com isso não. Todo canto é assim, onde a gente vai sempre encontra essas dificuldades e ela foi me mantendo na presença das Terça-feiras, era dia de Terça-feira, e eu vinha mas, parece que eu já vinha de má vontade. Antigamente aqui no SESC era assim. Era Quarta e Quinta, quem fosse da Quarta, não vinha na Quinta, quem era da Quinta, não vinha na Quarta, por causa do espaço que era pequeno e não cabia todo mundo, né. Então nessa época era o Elísio Loiola, aí quando, isso foi em 89, quando foi em 90, ele criou outro grupo para Terça-feira, aí foi que eu vim nesse grupo de Terça, né. Mas, fiquei seis meses sem ser inscrita só como ouvinte, né, participava só como ouvinte. E nessa onda da Terça eu fiquei com a carteirinha, aí eu fui ficando mais feliz, né. Porque com a carteirinha já tinha adquirido algum direito. (Protagonista 5)
É importante notar que a maioria das falas não se deteve no significado
do que representava a aposentadoria para as suas vidas. Talvez seja porque
continuam trabalhando, pois, para muitos, parar de trabalhar significa acelerar o
processo de empobrecimento e envelhecimento. Em estudo recente quando a
pesquisadora se debruçou sobre a importância do lazer para as pessoas idosas,
ficou claro que a representação da aposentadoria era o momento de desfecho da
velhice, onde quem pára de trabalhar, sai de cena. Para as idosas em estudo, pouca
coisa mudou, pois continuaram trabalhando na mesma atividade ou em outra
atividade.
Essa representação de que o trabalho é visto como instrumento de
pertencimento social é característica de sociedades onde o trabalho ocupa o espaço
mais importante que o lazer, o que é justificado pela concepção de que o trabalho
dignifica o homem. A sociedade capitalista industrial passou a considerar o trabalho
como o principal objetivo da vida do ser humano e não apenas como um dos
elementos. A existência ou não de trabalho exerce influência na auto-estima e no
sentido de valor pessoal de cada um. O trabalho é fonte constitutiva da identidade
do indivíduo. Segundo Vilma Paiva (1996), os que não produzem ou os que se
dedicam a atividades não produtivas têm o seu valor social diminuído: “O verdadeiro
valor é a produtividade, isto é, vale mais quem produz ou quem usa sua força de
trabalho para produzir bens e capital” (Paiva, 1996, p. 11)
A chegada da aposentadoria, para Jordão Netto (1992), além de ser
acompanhada pela diminuição dos proventos, contribui para a perda do referencial
do trabalho, perda da identidade pessoal, sentimento de inutilidade sócio-
psicológica, depressão e desengajamento social.
Para França (1992), a Teoria do Desengajamento preconiza o
afastamento progressivo do indivíduo do seio da sociedade, usando a aposentadoria
como instrumento e preparação para a morte. No entanto, para a autora, essa teoria
desprezou questões básicas para o indivíduo, tais como: perda da renda na
aposentadoria, percepção da falta das relações afetivas e ansiedade frente ao vazio
deixado pelo fim do trabalho, consideradas ingredientes para o retorno ao trabalho.
Para ela, nesse contexto, ganha terreno a Teoria da Atividade que
defende que o trabalhador idoso não se torne passivo e a sociedade é quem deve
encontrar atividades alternativas para idosos excluídos da produção. Dentre as
discussões sobre o retorno dos idosos ao trabalho, suscitam-se desde defesas até
posições contrárias a esse processo, veja-se então, o que dizem os próprios idosos.
ATO III – DE VOLTA À CENA – O RETORNO AO TRABALHO
“Assim, percebeis que, longe de ser passiva e inerte, a velhice é sempre atarefada, fervilhante, ocupada em atividades relacionadas com o passado e os gostos de cada um. E certos velhos, em vez de se repetirem, continuam mesmo a estudar coisas novas.” (Cícero, 44 a.C.)
Como foi visto, a maioria de nossas entrevistadas iniciou o trabalho muito
cedo e retornou por vários motivos. Observou-se que o retorno foi devido ao ganho
que era pouco e elas precisavam gastar com a família, com medicamentos. Algumas
entrevistadas não explicitaram o motivo do retorno ao trabalho, subtendendo-se
também que está associado às questões financeiras e à ocupação do tempo livre,
veja-se, então, três depoimentos:
...o ganho é tão pouco, não dá pra nada, família grande, ainda hoje, agora é que eu preciso, porque eu tenho problema de colesterol, tenho problema de pressão alta, tenho várias, da coluna, ó,ó, meu Jesus é horrivel, minha coluna é muito doente, sou doente demais da coluna. Por último apareceu uma dor no joelho. (Protagonista 1)
Porque o salário do professor aposentado é irrisório, certo e eu tenho na minha casa 05 pessoas que disponibilizam do meu ordenado para sobreviverem, né...” então essa é a minha vida. (Protagonista 2) ... pois o meu salário é muito subdividido com os filhos. (Protagonista 3) Vale ressaltar, aqui, que além do forte motivo financeiro para o retorno ao
trabalho, duas entrevistadas apontam razões de cunho subjetivo. Uma lembra que
foi depois da separação, através do incentivo da nora, que retornou a trabalhar como
forma de combater à depressão. Outra relacionou a necessidade e capacidade de
sonhar e criar que não se extinguiram com a aposentadoria. Depois da separação foi muito ruim, a minha nora me incentivou. Antes quando eu era casada já tinha vendido Avon, aí dei um tempo. Fiquei doente muito tempo com a separação. Como é complicado! Apesar de Ter filho maior, mas quem tem 32 anos de casado quem quer separar? (Protagonista 4)
Eu precisava colocar pra fora, os meus sonhos, as minhas realizações criativas e né e é isso. (Protagonista 5)
Mais da metade não retornou a trabalhar nas mesmas atividades em que
se aposentou. Veja-se os seguintes depoimentos:
... num projeto, chamado Fundo Cristão, fui trabalhando nesse projeto, mas voluntário, só pela amizade mesmo. Mas aproveitei muito curso de agente de saúde, na Aldeota, aí no Lagamar, Conjunto Palmeiras...” Onde tinha curso a coordenadora me oferecia, se eu queria participar, aí eu queria, pois me dava a passagem. Aí depois quando surgiu esse programa de Agente de Saúde, eu entrei para trabalhar, aí já está com 13 (treze) anos e continuo até hoje. (Protagonista 1)
... quando eu me aposentei aconteceu um fato inédito, eu comecei a tomar gosto pela cozinha , fiz vários cursos, no Sebrae, fiz curso com cozinheiro da Ana Maria Braga, e então eu comecei a fazer salgadinhos para fora, e toda festa da família eu era chamada para fazer o salgado. Porque o meu forte é o salgado de forno, eu faço salgado frito também mas a maioria das pessoas gosta do meu salgado de forno. Então faço salgadinho de forno, eu faço torta de banana para vender, faço torta de frango, eu sou assim polivalente. Além disso eu faço bordado, gosto de pedraria com miçangas de todo o jeito, faço o crochê, faço agora para vender, e assim eu vivo, faço bico. (Protagonista 2) Faço bolo confeitado, salgado, faço todo o tipo de coisa e atualmente eu trabalho com trabalhos manuais, né?. Faço EVA, Biscuit, pinto em tela com o dedo, pinto com a mão, pinto com o pano, com o pincel, com todo o tipo eu pinto, né? Faço crochê, e bordo também, além de eu fazer cursos, eu dou curso e dessas minhas telas geralmente sai uma rendazinha extra e junto ao meu salário... (Protagonista 3)
O próximo depoimento demonstra que a entrevistada retornou a trabalhar,
numa atividade que ela já exercia, que era na área de música, porém com o
engajamento no grupo e com as capacitações, essa atividade foi se desenvolvendo
trazendo benefício a si próprio e ao grupo de convivência do SESC.
Aí começou o meu trabalho aqui no SESC, de voluntária, voltei assim a me realizar. Eu comecei assim, a criar pequenas apresentações pra homenagear os aniversariantes, aí já coloquei uma cadeira especial, já fui separando da platéia, né? Ia fazendo mesinha de aniversário, mas isso também coloquei o grupo para me ajudar, né? E nessas apresentações, aí eu já ía criando pequenos trabalhos para homenagear os aniversariantes. Aí nas datas também de páscoa, de natal, ía fazendo uma festa alusiva, né? Quando foi em 91, só fomos para São Paulo, para o Encontro de Idosos lá em Interlagos (SESC). E eu vi muita coisa bonita que os estados levaram, Ceará não levou nada de apresentação artística nesse ano. Levou assim, representação para debate sobre idoso e tal. Quando foi 1992, não houve, porque lá era de 2 em 2 anos, acho que ainda é assim. Em 92, o Elísio me pediu pra formar um pastoril para o natal, aí eu convoquei o grupo, quem queria participar e tal e formei esse grupo de pastoril, chamado Estrela de Belém, e esse grupo ele, esse mesmo grupo isso foi em 92. Em 92 teve o 1º encontro de Salvador de Arte. Lazer e Cultura e já precisava levar uma representação artística, né? Pra esse encontro e eu me ofereci para fazer e o Elísio aceitou e eu mostrei o projeto pra ele tal, que eram os tipos do Ceará, Rendeira e o Jangadeiro e eu fiz um trabalho modesto parte bonito e nós fizemos lá a abertura do I Encontro Nacional de Arte, Lazer e Cultura de Salvador e foi muito aplaudido e esse mesmo nós levamos para o encontro de São Paulo de 1993 e daí por diante nós não paramos mais e a cada ano a gente (...), ou Salvador, eu levei 10 anos o grupo por representação de trabalho feito no tema do encontro. Eu produzia, tudo, tudo, figurino tudo eu nunca fiz nada de outra pessoa, eu tenho um colaborador hoje em dia, Mairton Menezes, que eu digo assim, eu quero isso, isso de poesia e tal ele me faz, né aí eu também pego alguma poesia ou cordel e tal, e crio os meus textos dentro daquele trabalho que eu tô fazendo né. Porque eu acho que é assim a gente tem que juntar né, tem que juntar, pessoa só não é nada, nem eu quando eu digo assim, eu nunca fiz é o trabalho, o todo o projeto né, assim o espetáculo. (Protagonista 5)
Hoje o Grupo Estrela de Belém formado por essas idosas é responsável
por muitas apresentações artísticas e culturais do próprio SESC. Numa visão pró-
ativa, essas idosas trataram de contribuir com o grupo através do seu próprio
trabalho, percebendo que velhice não significa acomodação, estagnação, mais
momento de recriar a própria vida.
Especialistas alertam que a maioria dos idosos que retorna ao mercado
de trabalho não volta a trabalhar na mesma área em que se aposentou. Isso deve-se
fato do salário de um idoso, de uma pessoa experiente ser mais alto em relação ao
que a empresa pode pagar para um iniciante, bem como, as grandes mudanças na
tecnologia e nas relações de trabalho (Neri, 2002)
Sobre o valor que ganham e em que gastam os seus vencimentos, os
depoimentos revelam que a renda está acima de R$ 500,00 e os gastos são feitos
em medicamentos, alimentação, roupas, produtos de beleza, pessoas na família que
dependem (filhos, netos, etc), atividades no grupo de convivência do SESC,
transporte, e etc.
Uns R$ 700,00, depende né? É variável. Eu moro sozinha com Deus. Eu tenho 06 filhos e tem um que é meu vizinho, mas eu vou lá só saber se ele está bem. Mas a minha vida é totalmente independente. Eu dou satisfação entre aspas. Tenho uma filha que é separada do marido e depende muito, muito, muito de mim e esse meu filho que é meu vizinho também, né?. Eu coopero com o colégio dos meninos, com transporte escolar. Comigo eu só gasto na minha alimentação, roupa, sou super vaidosa, todo mês o perfume está na metade eu já reponho todo. Se meus filhos não dependessem de mim a minha vida seria bem folgadinha, mas estou satisfeita. (Protagonista 3) Me aposentei com o mesmo valor que eu me aposentei, só que de ano em ano eles dão um aumetozinho. Gasto com remédio, cabelo, pago seguro de carro, eu tenho carro, seguro do meu filho, ajudo meus filhos, o dinheiro que tenho eu dou todinho. Eu tenho um bocado de movimento. (Protagonista 6) Uma série de motivos leva os idosos a retornarem ao mercado de
trabalho. Nos depoimentos acima a necessidade de apoiar a família financeiramente,
especialmente, os filhos constitui um dos maiores motivos. A seguir, o próximo
depoimento além de deixar claro que algumas pessoas que moram na residência
ajudam, a entrevistada revelou que trabalha mais pelo prazer de se sentir útil.
Não tenho uma base, R$50,00 reais de encomenda. Meu salário é bem razoável. A gente trabalha mais por prazer. Moro com uma filha adotiva, que foi minha empregada doméstica. Mas estudou pouco e a minha neta e uma afilhada que ganha 01 salário. A minha sobrinha Camila não dá nenhum tostão. Quando o meu marido chega somos 6. Só que meu marido quando ele chega, ele vem pra jantar. (Protagonista 2)
Alguns especialistas divergem quanto ao motivo dos idosos retornaram a
trabalhar. Para Montagner (2006), a procura por profissionais no mercado que
estejam na faixa etária dos idosos é que possuem escolaridade mais elevada,
acúmulo de experiência e especialização em alguns segmentos, tais como:
atendimento, vendas, logística, transporte de carga, agronegócio e construção civil,
etc.
Já para a auditora fiscal do trabalho Conceição Barros, em entrevista ao
Jornal O Povo de 12 de fevereiro de 2006, o motivo é outro. Para ela, embora a Lei
permita que, mesmo aposentada, a pessoa continue trabalhando e uma vez
vinculado à alguma empresa precisa ter seus direitos respeitados como, CTPS
(Carteira de Trabalho e Previdência Social), salário digno, etc, no atual contexto, o
idoso pode ser resgatado como mão-de-obra barata, sem direitos trabalhistas, não
recolhendo ao INSS, não recebendo 13º salário e vale-transporte, como é o caso dos
office-idoso. Neste sentido, o trabalho do idoso seria também uma estratégia de
rebaixamento de salário, como o foi e ainda está sendo o das crianças e das
mulheres.
Por último procurou-se saber o que significava estar aposentada e
trabalhando para essas idosas. As respostas são as mais variadas e vão desde
combate a inatividade, a necessidade das pessoas continuarem trabalhando por
viverem mais, bem como ao representar uma complementação da aposentadoria
que não dá conta dos gastos.
Se eu vivesse em casa, a gente se acomoda. Eu trabalho na Igreja também, Sábado e Domingo, sou da Pastoral do Batismo.” “Eu tenho uma nora que diz (...) a dona Zefinha é pra vocês (filhos) ajudar e não tirar dela! As pessoas perguntam, você ainda trabalha? Por que eu preciso, quem vai me dá, minha família não pode, meus filhos não pode, enquanto eu puder trabalhar eu vou trabalhar... (Protagonista 1)
Outro depoimento revela que o significado de estar trabalhando é que ele,
o trabalho, representa um prazer, uma ocupação que não se centra numa obrigação,
e sim numa vontade de não ficar parado.
Quando a gente está trabalhando, eu fazia tudo por obrigação, o compromisso de cumprir rigorosamente os meus horários de ser uma profissional exemplar. Então trabalhava com amor mas também por obrigação e hoje é diferente, por que eu trabalho com o mesmo amor mas sem obrigação. Aí é um trabalho que a gente faz muito mais com prazer por que a gente pode acordar mais cedo se quiser, se quiser dorme mais tarde, acordar mais tarde se quiser. A gente tem tempo de um lazer de jogar o “buraquinho” toda a noite, se divertir com as amigas então é muito prazeroso esta aposentada, tem gente que diz Ah! Não se eu me aposentar eu vou morrer. Nada, a gente vive e vive muito melhor. Eu sou muito feliz por ter conseguido trabalho. Pra mim velhice é continuar trabalhando e fazendo o que eu gosto de fazer. (Protagonista 2)
Nos relatos que se seguem, observa-se que o trabalho não tem o
significado de complementar a renda e sim de independência, combate à inatividade
e ao envelhecimento social105 e sobretudo, lazer e oportunidade de se capacitar.
“Eu acho muito bom né, se bem que muita gente, já várias pessoas chegaram para mim. Rita! Se eu fosse você eu não trabalhava mais não pra quê? Pra que a senhora trabalha. E você está muito velha. Não minha filha velha quem está e o seu passado (Risos). Eu não sou velha, eu tô com 76 anos, mas a minha cabeça é de uma pessoa de 25 anos, 30 anos no máximo. Porque eu tenho muita atividade todos os meus assuntos quem resolve sou eu. Uma vez o meu filho chegou e disse, mãe a Senhora não quer passar uma procuração pra minha filha receber seu pagamento? Eu disse, não, por quê? Eu não tô senil, eu sei fazer tudo, pra quê que eu vou passar para outra pessoa, eu mesmo vou continuar recebendo, é muito bom. A gente tem hora para o que quer. Eu faço os meus cursos, eu dou os meus cursos e tudo, eu acho maravilhoso. Tem uma colega minha de 59 anos que vive no fundo de uma rede ou então lendo revista, lendo livro, não se ocupa de nada. (Protagonista 3) Sou idosa com muito prazer. O trabalho pra mim representa vida, se estou produzindo e se vejo resultado dessa produção eu sei que tô viva, que sou útil e concluo que não existe idade pra gente se aposentar não, o que é aposentar? É parar, só pra quem morreu e eu acredito que nem para, que existe um outra vida que a gente continua trabalhando, continua trabalhando, por quê se nós somos espíritos e eternos não vai parar, tem que crescer tem que evoluir, então parar é como diz a história, parou caiu. E eu não quero cair. Eu quero tá pedalando sempre, pedalando nessa maratona que se chama vida. ( Protagonista 5) Representa um lazer. Porque antes eu só tinha filhos pequenos, criava os filhos, trabalhava muito também, aí fui estudar, depois comecei a trabalhar né, aí eu não tinha lazer, não passeava, hoje eu já passeio, já tenho um lazer. Eu não passeio muito não, eu gosto mais de trabalhar. Mas eu sou feliz, muito satisfeita, sou realizada. Minha família todos trabalham, meus filhos, são bons. Eu participo de muita coisa, é reunião, é congresso. Eu tenho 38 anos de Avon... (Protagonista 6) Diante dos relatos esboçados acima fica claro que a compreensão que os
idosos pesquisados tem do trabalho é que ele é substrato de inscrição social, pois
representa o pulsar da vida. Apesar de contribuir decisivamente para a renda
familiar, procuram o trabalho que ocupe o seu tempo livre de forma prazerosa, quase
como um lazer, sem horários, sem rotinas, apenas pela vontade de se sentir útil.
Para esses idosos a parada nas atividades do cotidiano, significa morte. Aqui, não é
o caso. Eles querem é viver mais e com mais qualidade. 105 Segundo, Edith Mota (1998, p. 16), o Envelhecimento Social é um processo que se dá, em geral, independente da idade . Ocorre quando a pessoa começa a isolar-se socialmente, diminuindo a interação social antes estabelecida na sociedade. Alguns indícios podem revelar quando uma pessoa está vivenciando um processo de envelhecimento social: progressiva diminuição dos contatos sociais (morte dos contemporâneos e familiares, diminuição dos telefonemas, cartas, etc); distanciamento social das novas gerações por causa das inovações tecnológicas e surgimento de novos conhecimentos e novas habilidades; progressiva perda do poder
Apesar da dependência de ocupação para a sobrevivência, o trabalho não
pode ser o fim útil da existência. Outras formas de atividade, prazerosas, podem
contribuir muito mais para uma longevidade com saúde e vigor. Como diz o filósofo
Cícero (44 a.C.): ”... é preciso resistir à velhice e combater seus inconvenientes à
força de cuidados; é preciso lutar contra a doença; conservar a saúde, praticar
exercícios apropriados, comer e beber para recompor as forças sem arruiná-las. Mas
não basta estar atento ao corpo; é preciso ainda mais ocupar-se do espírito e da
alma”.
de decisão ou da autoridade, com a diminuição do poder econômico; gradativa perda da autonomia e independência, às vezes, pelo aparecimento de algumas doenças físicas e crescente importância ao passado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na análise sobre a participação do idoso no mercado de trabalho,
privilegiou-se o estudo de um conjunto de relações propulsoras desse retorno ao
trabalho, mas que no atual estágio capitalista encontram-se mascaradas. O
movimento para apanhar tais relações estabeleceu como estratégia o recurso da
história para compreender como o idoso, ou o trabalho do idoso que, até então, era
considerado pela empresa capitalista, descartável, ultrapassado; frente às novas
tecnologias, é recrutado, muitas vezes, ocupando o espaço de jovens e adultos em
fase produtiva.
A modernidade, embora tenha instaurado o imperativo da liberdade do
trabalho, onde “fora dele” ninguém conseguiria sobreviver, não conseguiu abarcar o
conjunto daqueles que por motivo de doença, invalidez, desemprego ou velhice
tiveram suas vidas produtivas interrompidas. Num primeiro momento, a proteção a
esses indivíduos ficou a cargo do mercado, da sociedade, da filantropia empresarial
e clerical. Num segundo momento, dada àgeneralização do assalariamento,
conseqüentemente da miséria e do aparecimento da classe trabalhadora, impondo
aos burgueses um conjunto de direitos e condições melhores de trabalho e de vida,
no mundo ocidental, viu-se erigir grandes sistemas de proteção.
Se por um lado, os sistemas de previdência social estabelecem condições
do homem se liberar da hegemonia do trabalho, de estar fora dele, sem
necessariamente estar sem proteção; contraditoriamente, o reconhecimento legal de
direitos ligados e derivados do trabalho por meio de aposentadoria, pensões,
seguro-saúde, seguro-desemprego são incorporados e apropriados pelo capitalismo,
pois asseguram a reprodução da força de trabalho e não põem em cheque a
propriedade dos meios de produção.
No Brasil, o movimento de reconstruir a passagem de uma sociedade
baseada na escravidão para uma sociedade do livre contrato de trabalho vai
deparar-se com uma peculiar formação sócio-econômica que não rompeu de vez
com as tradicionais relações de sujeição entre senhores e escravos. Daí, vê-se no
país, do período que se inicia na década de 30 e chega até aos nossos dias, a
convivência, ou melhor, a conivência com a informalidade do emprego, o trabalho
infantil, o desemprego, desmonetização, o não reconhecimento de direitos sociais e
nem os de cidadania.
No atual estágio do capitalismo, sob o signo do neoliberalismo, todas
esses retrocessos são agigantados, mediante um conjunto de desregulamentação
do trabalho, dos direitos, da representação da classe trabalhadora que esse ideário
apregoa e que foram materializados na chamada Reforma da Previdência através
das Emendas Constitucionais n°. 20/1998, n°. 41/2003 e demais dispositivos
restritivos.
Para a grande empresa capitalista existir, é necessário, além da
ampliação do processo de industrialização, que hoje é cada vez mais mundial, o
assalariamento, conseqüentemente, a cronificação da miséria, onde o trabalhador
idoso, mesmo aposentado, não rompe com essa teia, pelo contrário, nela se
engendra numa condição de miséria e de necessidade, tendo que recorrer, mesmo
cansado de uma vida laboral anterior, ao trabalho novamente. Daí, o pressuposto
anterior de que existia relação estreita entre as proteções contra riscos sociais na
velhice e a condição de assalariado, aposentado, o qual recebe um salário mínimo.
A reforma da previdência significa um retrocesso e nem elucidou a
competência do estado, pelo contrário, desresponsabilizou-o das suas obrigações
com o público, deixando-o apenas a mercê dos desequilíbrios/equilíbrios do
mercado. Hoje, a redução do valor dos benefícios tem obrigado muitos idosos e os
que ainda virão a manterem-se com um teto de 1.328,25, o equivalente a 4,5 SMs
que, necessariamente, daqui alguns anos, não será o mesmo, pois a reforma propôs
a sua desvinculação do salário mínimo. Na realidade, é determinar ou um destino de
miséria ou um retorno ao mercado de trabalho. Quanto àqueles que recebem renda
superior ao teto previdenciário, a reforma obrigou-os a recorrer aos fundos de
pensão. A reforma também se caracterizou pelas restrições ao acesso, ao não
considerar os riscos sociais crescentes do envelhecimento da população, do
desemprego e da informalidade do emprego. Outro aspecto refere-se à permanência
maior dos trabalhadores no mercado de trabalho, agravando a dificuldade de
absorção de novas pessoas no mercado de trabalho.
De acordo com três pressupostos de análise, concluiu-se que:
1º) Existem várias “velhices” e o relativo aumento da expectativa de vida estaria de
certo modo “empurrando” para mais adiante o conceito de velhice e até mesmo
negando. Os idosos, sujeitos desse estudo, inseridos numa relação de retorno ao
trabalho, portanto numa relação de compra e venda da força-de-trabalho, não têm
claro essas relações de exploração e precarização social. Frutos do elevado
envelhecimento populacional, eles se vêem como representantes de uma fase da
vida que traz em si um sentido de negação da velhice, aquela velhice decadente ou
que a estaria empurrando para mais adiante. Esse sentimento de não se enquadrar
nos ditames históricos de segregar o idoso é conseqüência do padrão de melhor
condição de vida que a institucionalização da aposentadoria lhes reservou, mas que
hoje corre o risco de não terem mais.
2º) A reinserção do idoso no mercado de trabalho se dá essencialmente no setor
terciário, de serviços e comércios, e em atividades inferiores a que eles
desenvolviam antes da aposentadoria. Quanto às inserções no mercado de trabalho,
constatou-se o seguinte: a) a maioria não retornou às atividades de antes da
aposentadoria. Se inseriram em atividades ligadas às artes da pintura, da dança, da
música, da culinária, à venda de produtos de beleza e à costura; b) apenas uma
tinha vínculo empregatício, as demais por conta própria, autônomas. Isso demonstra
a dificuldade do empresário pagar o salário que o nível de especialização, pelo idoso
acumulado, requer. Embora se justifique a procura por profissionais no mercado que
estejam na faixa etária dos idosos, pela escolaridade que possuem ser mais
elevada, bem como pelo acúmulo de experiência e especialização, o aumento da
oferta de trabalho se enquadra em moldes de precariedade condizentes com os
ditames neoliberais: sem carteira assinada, sem vínculo empregatício, sem direitos,
sem benefícios. O trabalho do idoso, nesse sentido, serve como rebaixamento de
salários, como foi/é o das crianças e das mulheres;
3º) a dependência, quase geral, das famílias da classe operária às aposentadorias e
renda do trabalhador idoso seria fruto das profundas transformações que perpassam
a sociedade brasileira e que incidem e rebatem no empobrecimento do padrão
econômico familiar, conseqüentemente, os idosos deixam de ser um peso familiar
para se constituirem em provedores. Os motivos de voltarem a trabalhar são vários:
desde a complementação da renda, que é a maioria, como a realização pessoal de
estar criando. Se analisarmos o valor do benefício que recebem, pode-se dizer que
está acima da média que induz a retornar ao trabalho, ou seja, de um salário
mínimo. Mas, se relacionarmos aos gastos em medicamentos, alimentação, roupas,
produtos de beleza, ajuda à pessoas da família que dependem, como filhos, netos,
etc., a única saída imediata será o trabalho.
Contraditoriamente a essas causas estruturais os idosos pesquisados
atribuíram o significado de estarem aposentados e trabalhando ao ideal de realizar
um trabalho criativo, independente, sem horário, sem patrão, bem como ao combate
ao sedentarismo. O que leva-nos a concluir que o trabalho abriga esse duplo sentido
no imaginário social, de negação e de objetivação do ser social.
Interessante notar é que a maioria das falas não se deteve no significado
que representava a aposentadoria para as suas vidas. Isso deve-se ao fato de terem
continuado a trabalhar e não quererem viver aquele momento da “parada” que a
aposentadoria representa: acelerar o processo de empobrecimento.
Diante do exposto faz-se necessário reafirmar a necessidade do Estado
voltar a assumir suas funções de interventor na questão social, investir mais em
políticas públicas que melhorem a qualidade de vida dos idosos, tais como: lazer,
universidades para terceira idade; ao invés de dar desculpas para as reformas
neoliberais.
O trabalho precisa ser uma opção junto de outras atividades e não uma
obrigação para aqueles que, pelo curso normal da vida, não deveriam estar
pensando em trabalho e sim em desfrutar do lazer, do descanso que a
aposentadoria traz.
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ANEXO
Anexo I - INSTRUMENTAL
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
PESQUISA: DE VOLTA A CENA?:
Roteiro de Entrevista
I – Dados Pessoais 1. Nome: _______________________________________ 2. Data de Nascimento: ____/____/____ idade: _______ 3. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino 4. Escolaridade ( ) Ensino Fundamental Completo ( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Ensino Médio Completo ( ) Ensino Médio Incompleto ( ) Ensino Superior Completo ( ) Ensino Superior Incompleto 5. Estado Civil ou situação conjugal ( ) Casado ( ) Viúvo ( ) Separado ( ) Solteiro ( ) Vive com um (a) companheiro (a) ( ) Vive sozinho (a) 6. Se é separado(a) ou viúvo(a) há quanto tempo? _____________ anos 7. Com quem mora? ( ) sozinho ( ) com cônjuge ( ) com filhos ( ) com cônjuge e filhos ( ) outro(s):________________ Total: __________ MÓDULO 1) TRAJETÓRIA LABORAL – conhecer a trajetória laboral do idoso antes de se aposentar 1º)Fale-me sobre sua experiência de trabalho, com quantos anos começou a tra balhar e em que? 2º ) Qual o valor da sua remuneração antes de se aposentar?
MÓDULO 2) MOMENTO DA APOSENTADORIA (INATIVIDADE) – conhecer a experiência e o significado da passagem de trabalhador para aposentado. 3º) O Senhor(a) está aposentado há quanto tempo e qual era a sua profissão quando se aposentou? 4º) Qual o valor do seu benefício da aposentadoria ? 5º) O senhor(a) teve alguma preparação para aposentadoria e o que significou para você se aposentar? MÓDULO 3) DE VOLTA À CENA DO TRABALHO – conhecer a trajetória laboral do idoso e as formas e características dos processos de trabalho quando da sua reinserção, bem como, a percepção dos sujeitos em relação à vida atual de aposentado e trabalhador novamente 6º) Quando o senhor(a) retornou a trabalhar onde e por que? Fale-se sobre essa experiência.
7º) Hoje, qual o valor da rua renda e em que o senhor(a) gasta?
8º) O quê significa estar aposentado e trabalhando?
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