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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.
Seguridade Social e Saúde do Trabalhador: uma reflexão necessária
Francisco Antonio de Castro Lacaz 1
Resumo
Trata-se da reflexão sobre o resgate da proposta de Seguridade Social inscrita
na Constituição Federal de 1988, numa perspectiva da garantia de Direitos
Sociais a partir de uma agenda do que deve ser considerado inegociável pelo
movimento social de esquerda, em contraposição às políticas de caráter
neoliberal e não universais. Para tal apontam-se os desafios e entraves do
ponto de vista demográfico, orçamentário-fiscal e políticos a serem
enfrentados e propõe-se como estratégia para enfrentar a ausência do debate
social sobre a questão visando uma real mobilização social sobre a mesma,
que o movimento sindical em aliança com os demais setores e forças sociais
da sociedade civil organizada assumam a tarefa de elaboração de um Projeto
de Lei de Iniciativa Popular para recolocar a Seguridade Social, de fato, como
um Direito Social, na medida em que vem sendo usurpado pela lógica das
políticas neoliberais que se mostram cada vez mais excludentes no Brasil
contemporâneo, particularmente no que se refere ao Sistema Único de Saúde.
Abstract
This is a reflection about the rescue of the Social Security proposal written in
the 1988 Federal Constitution, in a perspective of guaranteeing Social Rights
from an agenda of what must be considered under no negotiation by the left
social movements, in contrast to the non-universal and of neoliberal character
policies. Thus, the challenges and barriers from a demographic, fiscal
budgetary and political point of view are pointed out in order to be faced and
also a strategy to face the absence of a social debate about the issue aiming at
achieving a real social mobilization from it. That the union movement allied
to the other sectors and the organized civil social forces assume the task of
elaborating a Law Project of Popular Initiative to definitely put Social
Security back as a Social Right, since it has been usurped by the logic of
neoliberal policies, which are more and more exclusionary in the
contemporary Brazil, particularly in relation to the Unified Health System.
A reflexão proposta no título deste texto será aqui tratada sob dois ângulos de
análise.
O primeiro, da Seguridade Social como uma política de Estado que deve
permitir o acesso aos direitos à saúde, à previdência social (e assistência social);
conforme prevê a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 194, sendo bom aqui
relembrar o que diz: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações
de iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.”.
O segundo, o da necessidade de uma ampla e efetiva articulação da saúde,
através do Sistema Único de Saúde com a previdência social, através do Sistema Único
1 . Professor Associado da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo.
Departamento de Medicina Preventiva.
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.
de Previdência Social (SUPS), na perspectiva de uma Política Nacional de Saúde do
Trabalhador inclusiva e universal.
E, nessa perspectiva, busca-se adotar uma posição verdadeiramente de esquerda,
ou seja, “... mostrar como a política é, em seu fundamento, a decisão a respeito do que
será visto como inegociável.”, como defende SAFATLI (2012, p. 15, itálicos no
original) Neste sentido, entende-se que a política não é apenas “... a arte da negociação
e do consenso, mas a afirmação taxativa daquilo que não estamos dispostos a colocar
na balança. O que falta hoje à esquerda é mostrar o que, segundo seu ponto de vista, é
inegociável.” (SAFATLI, 2102, pp. 15-16).
E, como se trata da temática dos direitos sociais, da sua universalidade e da
desigualdade ao seu acesso, advoga-se, aqui, ao contrário dos neoliberais, que “O
problema de desigualdade só pode ser realmente minorado por meio da
institucionalização de políticas que encontram no Estado seu agente.” (SAFATLI,
2012, p. 23, grifo nosso).
E, diante do que se assiste nos dias de hoje, deve-se resgatar a idéia de que “O
Estado é a única instituição que garante o estabelecimento de processos gerais capazes
de submeter toda a extensão da sociedade.” (SAFATLI, V., 2012, p. 23).
Considerando a vaga neoliberal, após mais de 30 anos de seu discurso e prática é
pertinente afirmar que: “... dinâmicas de redistribuição e de luta contra fraturas sociais
não se realizam sem a força de intervenção do Estado.” (SAFATLI, 2012, p. 24, grifos
nossos).
A possibilidade de uma efetiva Política de Seguridade Social: entraves e desafios
No que se refere a este primeiro ângulo de análise é necessário, para uma
avaliação do contexto da crise permanente do Sistema Único de Previdência Social
(SUPS) no Brasil, partir de sua dinâmica demográfica, econômica, financeira e
institucional. Neste sentido, entre 1945-1997, conforme apontam alguns autores, houve
“... um momento privilegiado para a consolidação de um sistema público de provisão
social no Brasil.” (ANDRADE, 1999, p. 151). Tal momento vai de 1950 a 1980,
quando a sociedade brasileira viveu profundas e importantes alterações estruturais.
Para reflexão, considera-se aqui que a Previdência Social sustenta-se sobre três
pilares: desenvolvimento econômico; dinâmica demográfica e dimensão político-
institucional e que foi justamente durante aquele momento histórico que os três pilares
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aproximaram-se, numa espécie de círculo virtuoso, configurando um contexto positivo
para a evolução de uma política inclusiva de Previdência Social.
O comportamento dos três pilares tem características que interessa aqui discutir.
Em primeiro lugar, quanto ao pilar econômico e levando em conta aquele
momento, com exceção da década de 1950, este contribuiu de forma pouco relevante
quanto à perspectiva da transferência, para o SUPS, de parcela dos elevados níveis de
crescimento econômico que o Brasil viveu até o final dos anos 1970 de cerca de 7% ao
ano, o que não ocorreu em função da política antidemocrática e anti-social coloca em
prática pela Ditadura Militar. Tal transferência poder-se-ia ter dado pela “...
incorporação da produtividade no pólo trabalho, sobretudo do segmento urbano-
industrial naquele período.” (ANDRADE, 1999, p. 151). Nos anos 1980 e 1990, as
chamadas “décadas perdidas”, a queda do crescimento econômico acompanhou a
diminuição de avanços na Previdência Social, inclusive com aumento das alíquotas de
contribuição dos trabalhadores e perda de direitos.
Observe-se que nos anos 2000 ocorre uma retomada do crescimento econômico
com certa distribuição de renda e diminuição da pobreza, mas sem que houvesse uma
diminuição das desigualdades sociais, a partir das políticas focais que foram sendo
colocadas em prática sob FHC e Lula (SOARES, 2005; VIANNA, 2009).
Já o pilar demográfico foi o componente estrutural que teve a maior contribuição
positiva à possibilidade de um SUPS, transformando-se, na carência do componente
econômico, na “reserva humana” que, desde cedo, isto é, a partir dos dez anos de idade,
já compõe a força de trabalho nas grandes cidades brasileiras (ANDRADE, 1999).
No que se refere ao pilar político-institucional, é aquele que exige maior
complexidade de análise, podendo-se afirmar que a constituição de um fundo público de
Previdência Social no Brasil no final dos anos 1960, foi o principal motivo da sua
politização no âmbito das políticas sociais (ANDRADE, 1999), o que foi abortado pelo
Golpe Militar de 1964.
A partir da década de 1980 o pilar econômico e o pilar demográfico começam a
apresentar novos padrões. O produto interno bruto (PIB) de 1980 a 1995 passa a crescer
a taxas em torno de 2,7% ao ano, muito aquém dos 7% do período 1950-80. Durante o
governo FHC (1995-2002), cresce cerca de 2,3% ao ano e durante o governo Lula,
(2003-2010), cerca de 3,8%.
Por outro lado, o comportamento do pilar demográfico mostra alterações
importantes, na medida em que população crescia a taxas médias de 2,8% ao ano entre
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1950-80 e passa a crescer a taxas médias de 1,8% de 1981-96, enquanto que nos anos
2000 passa a cerca de 1,2%, sendo que, agora, cada vez mais aumenta a população de
idosos no país.
Ocorre que, a alteração observada nos dois pilares tem reflexos sobre o pilar
institucional em função de crescentes demandas sociais, que se ampliam após a
Constituição Federal de 1988, quando o acesso aos direitos sociais previstos na
Constituição “Cidadã” é encarado, pelo viés neoliberal, como um “choque de despesas”
sobre o sistema previdenciário. E, impasses são criados: já que a Previdência Social “...
após esgotar as reservas financeiras potenciais herdadas do período pré-unificação
(1966), vê esgotar-se, desde 1980 a sua segunda grande reserva, que foi o crescimento
do capital populacional.” (ANDRADE, 1999, p. 152, itálico no original). Assim, a
“reserva” populacional, nos dias que correm, chegou à idade de usufruir dos benefícios
e é necessário buscar saídas! A saída mais favorável aos interesses dos usuários da
Previdência Social seria o crescimento econômico acompanhado pelo aumento do
emprego de qualidade e da renda (ANDRADE, 1999).
Ocorre que a equação acima está “desequilibrada”: atualmente, observa-se, após
o auge da crise econômica capitalista de 2008, um aumento no número de empregos
formais, apesar de que são empregos de baixa qualidade e com salários também baixos.
Por outro lado, a política de aumento real do salário mínimo adotada nos últimos
cinco anos contribuiu para aumentar o mercado interno, o que teria permitido que o país
atravessasse a crise com menores sobressaltos do que os países da Europa e os Estados
Unidos. Com isso, de certa forma, estaria havendo um caminhar no sentido mais
favorável aos assalariados que são beneficiários do Regime Geral da Previdência Social
pública.
Se olhado do lado do contingente de funcionários públicos federais que hoje
somariam cerca de um milhão de mil trabalhadores, há um caminhar no sentido inverso,
ou seja, sob a alegação de que há um déficit que se acumula há vários anos no sistema
de previdência que cobre esta parcela de trabalhadores, foi aprovada, sob o governo
Dilma, em 2012, lei que privatiza a Previdência Social destes servidores, os quais para
garantir sua aposentadoria integral, agora terão que se valer da chamada previdência
complementar, gerida por seguradoras ligadas a bancos e financeiras. O mesmo ocorreu
com a assistência médica dirigida aos funcionários das Universidades federais desde o
final do ano de 2011, quando o Estado passa a financiar sua adesão aos convênios e
planos de saúde privados.
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
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USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012 – UNESP- Franca/SP.
De certa forma, pode-se dizer que em 2012, no governo Dilma, houve a contra-
reforma na Previdência Social dos servidores públicos, o que se assemelha às contra-
reformas do governo Fernando Henrique Cardoso de 1998, com a aprovação da Emenda
Constitucional 20 e do governo Lula de 2003 com a aprovação de Emenda
Constitucional 41 (GRANEMANN, 2006). Frise-se que após a aprovação da Emenda
Constitucional 20/98 o Seguro de Acidentes do Trabalho (Sat), antes de caráter estatal,
passou a ser passível de exploração concorrente pela iniciativa privada. (LACAZ, 2002)
O que se observa é que para justificar todas essas contra-reformas é sempre
usado o velho argumento neoliberal de que o desequilíbrio orçamentário é um
componente que faz parte dos regimes de repartição públicos e, em contraposição, o
equilíbrio é a característica principal dos sistemas privados de capitalização, o que está
abrindo vasto espaço para um rearranjo estrutural do sistema de provisão social no
Brasil (ANDRADE, 1999).
Assim, para além do simplismo de se procurar combinar sistemas públicos que
restringem direitos e sistemas privados complementares, impõe-se o debate de que é
preciso haver uma reestruturação do financiamento da Seguridade Social que alie
arrecadação baseada na folha salarial, mecanismos de capitalização com controle social
e, ao mesmo tempo, a taxação sobre o faturamento e o lucro das empresas para que
exista uma base efetiva de custeio das despesas da Seguridade Social. É preciso, pois,
transitar dos simples ajustes às reais transformações estruturais da Seguridade
ultrapassando a aceitação natural de que meras oscilações na conjuntura econômica
justificam o desmonte e a desestruturação de medidas que podem levar à proposição de
um verdadeiro Estado de Bem Estar Social no Brasil (ANDRADE, 1999; VIANA,
1999).
Quando se fala em Estado de Bem Estar Social é importante assinalar que tal
política transita no sentido contrário do que propõe o neoliberalismo que é a marca do
papel do Estado em países como o Brasil de hoje, apesar de “juras” em contrário. Na
verdade, o pano de fundo da perda de conquistas sociais é sustentado pela plataforma
neoliberal patrocinada pelas agências internacionais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento e
representa a aplicação das idéias na “Nova Direita”, cujos postulados foram formulados
por um grupo de acadêmicos ainda nos anos de 1940, com claros objetivos políticos.
Tratava-se de uma “... espécie de franco-maçonaria (...), altamente dedicada e
organizada (...) [cujo] propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
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reinantes e preparar as bases de um novo tipo de capitalismo, duro e livre de regras
para o futuro.” (ANDERSON, 1995, p. 10).
A propósito é importante apontar aqui que a prática hoje consagrada da chamada
Participação em Lucros e Resultados (PLR), não passa de uma verdadeira armadilha, na
qual embarcou o movimento sindical, porque caminha no sentido contrário dessa
proposta, na medida em que se trata de uma espécie de abono salarial que não é
incorporado ao salário efetivo e sobre cujo montante não incide a arrecadação para a
Previdência Social e nem do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),
tratando-se de uma verdadeira renúncia fiscal.
Do ponto de vista do ataque às políticas sociais, a “plataforma neoliberal”
sustenta-se em alguns princípios como destaca Laurell (1995):
retração do papel do Estado;
privatização do financiamento e da produção de serviços e bens públicos,
levando ao pagamento de tais serviços e bens;
focalização das políticas sociais nos grupos excluídos;
descentralização executiva sem o respectivo poder de financiamento e
operacional.
Os desdobramentos desta falácia são:
a despolitização do tema da Seguridade Social como projeto de uma política de
Bem estar Social;
a “morte natural” da proposta de Seguridade Social diante da globalização,
reestruturação produtiva e desnacionalização de capitais;
a admissão da mútua exclusão na organização/financiamento da Seguridade
Social das formas de repartição versus capitalização e da gestão pública
versus privada (ANDRADE, 1999; VIANA, 1999) .
No que se refere ao trabalho e ao emprego, nos dias que correm a globalização e
a reestruturação produtiva apresentam como tendência a incômoda companhia do
desemprego, da precarização do trabalho, flexibilização dos direitos e das relações de
trabalho (ANTUNES, 1995, 2007) e a possibilidade cada vez maior de intensificação
produtiva trazida pela tecnologia micro-eletrônica e robótica permitirá um
desenvolvimento produtivo, mas que não ocasionará um aumento de empregos e de
postos de trabalho (VIANA, 1999; MARKOFF, 2012).
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É marca destes tempos o ideário de produzir ‘mais com menos’, ou seja, menor
contingente, menor estoque, menor tempo, menor custo. Para tanto, são implantadas
formas de gestão e organização do trabalho enxutas/flexíveis, incrementadas pelas
tecnologias computacionais de alta velocidade, que gera, dentre outros efeitos, a
intensificação e maior densidade de trabalho (FERREIRA, 2001).
Assim, toda a falácia existente sobre a necessidade de revisão dos limites de
idade para aposentadoria, o que não se justifica dada a entrada muito precoce da
população trabalhadora brasileira no mercado de trabalho; o aumento da contribuição
dos contribuintes da ativa e o desconto previdenciário de aposentados é uma verdadeira
“cortina de fumaça” que esconde a causa real da crise da Seguridade Social, isto é, o
desemprego estrutural relacionado às novas formas produtivas de acumulação
capitalista a que, no caso brasileiro, agrega-se o componente da transição demográfica
que hoje vivido pela população brasileira.
A perspectiva de uma real Política Nacional de Saúde do Trabalhador (PNST)
envolvendo o Sistema Único de Saúde e o Sistema Único de Previdência Social
No que se refere ao segundo ângulo da temática apontada no título do texto, ou
seja, a existência de uma PNST que articule o SUS e o SUPS, deve-se apontar que
diante da plataforma neoliberal, não cabe simplesmente propor que o custeio da
Seguridade Social seja composto pela complementaridade entre a forma de repartição
em que os trabalhadores da ativa contribuem hoje para custear os benefícios pagos aos
aposentados e pensionistas e de capitalização em que se constitui um fundo de reservas
ao longo do tempo para o custeio de benefícios futuros (ANDRADE, 1999).
Haveria que existir, ademais, uma taxação variável das empresas mediante a
criação de uma tarifação relacionada ao grau de risco acidentário de seus ambientes e
processos de trabalho, como acorria com a Lei acidentária 5.317/67. Nesta lei que
tratava do custeio e dos benefícios derivados das lesões provocadas por acidentes e
doenças do trabalho, eram previstas duas tarifas: uma constituída de 11 taxas que
variavam de 0,5 a 8,75% da folha de salário, para as empresas que optassem pela
contribuição sem o encargo do pagamento do salário nos primeiros 15 dias de
afastamento após a ocorrência do acidente ou doença do trabalho registrado. A outra
constituída também de 11 taxas, variáveis de 0,4 a 7% da folha salarial para as empresas
que assumissem o pagamento do salário nos 15 primeiros dias de afastamento em
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conseqüência das lesões provocadas por acidente ou doença do trabalho (POSSAS,
1981). Esta forma de tarifação substituiria a hoje exígua taxação das empresas que varia
de 0,5, 2 e 3% da folha salarial, dependendo do grau de risco que apresenta de
“produzir” acidentes e doenças do trabalho, o que é balizado pelo chamado Nexo
Técnico Previdenciário. Desnecessário dizer que o investimento continuado, por parte
das empresas, em medidas de prevenção de acidentes e doenças do trabalho seria
acompanhado de uma diminuição do nível da tarifa por elas pago, como estímulo à
adoção de tais medidas.
A isso deve ser aliada a taxação do faturamento e do lucro das empresas,
considerando o valor agregado na produção de bens, para que a taxação apenas da folha
salarial não penalize mais as empresas mão de obra intensivas em relação àquelas que
são capital intensivo e, por isso, mais automatizadas e altamente informatizadas.
Assim, com o aumento de arrecadação do SAT deve vir acompanhado da
incorporação de anplos setores de trabalhadores que hoje o SAT não cobre tais como:
enpregadas domésticas; autônomos, servidores civis da União, Estados e municípios.
Frise-se que em tempos neoliberais esta taxação é considerada descabida e uma
ingerência na lógica de acumulação, o mesmo acontece com a proposta de taxação do
faturamento e do lucro, a partir do valor agregado da produção, em contraposição à
taxação somente da folha de salários, o que penaliza as empresas de mão-de-obra
intensivas em relação àquelas empresas capital intensivas, altamente automatizadas e
informatizadas.
Além disso, é ainda pertinente apontar para a necessidade de que dentro da
Seguridade Social o SUPS transforme-se efetivamente em uma seguradora pública
privilegiando as ações de prevenção e promoção da saúde, atuando sobre os
determinantes dos acidentes e doenças do trabalho, ao invés de atuar após a ocorrência
dos sinistros e danos (RIBEIRO; LACAZ, 1985).
Neste sentido, a política de desenvolvimento econômico e industrial colocada
em prática desde meados dos anos 1990 e tornada mais evidente a partir do Programa de
Aceleração do Crescimento (Pac) a partir de 2008, contradiz a perspectiva de dar
prioridade ao trabalho saudável e emancipador da criatividade e das potencialidades
humanas, conforme propõe como seu objetivo central do campo Saúde do Trabalhador
(LAURELL e NORIEGA, 1989; LACAZ, 2007).
Na contradição entre o modelo de desenvolvimento econômico industrial hoje
adotado e as políticas sociais, apareceram várias realidades candentes que expressam a
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reação dos trabalhadores e essa situação: reação dos trabalhadores da Construção Civil
quanto às suas más condições de trabalho e aos acidentes de trabalho fatais o que levou
a greves em Jirau, nos canteiros de obras do estádio do Maracanã e do Mineirão. Fato
marcante nesta realidade foi a ambigüidade e o atraso com que se observou a
participação das centrais sindicais neste processo, fruto de um processo de cooptação
engendrado no governo Lula que arrefecer sobremaneira a capacidade de luta destas
instâncias, particularmente da Central Única dos Trabalhadores..
A propósito, frise-se que foi aprovada recentemente a Política Nacional de
Saúde e Segurança do Trabalhador (PNSST), tornada lei pelo Decreto 7.602/2011,
publicado no DOU de 08.11.2011. Frise-se que tal iniciativa é fruto de pressões dos
profissionais e representantes da sociedade civil desde a década de 1990 e deveria ser
uma resposta do Estado à fragmentação e inconsistência das ações públicas na área. No
entanto, uma avaliação mais detida do Decreto mostra sua limitação e timidez, pois ao
invés de propor uma integração e articulação das ações interministeriais,
particularmente da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social, praticamente reafirma
as atribuições vigentes dos diferentes Ministérios, sem qualquer avanço propositivo.
(BRASIL, 2011).
No que se refere ao tema aqui tratado da relação entre Seguridade Social e
Política Nacional de saúde do Trabalhador, dentre as várias inconsistências da PNSST
prevista no Decreto 7602/11 observa-se sua omissão no tocante ao fornecimento e
disponibilização dos dados e informações epidemiológicas dos bancos de Benefícios da
Previdência até hoje tratados como segredo fiscal pela Previdência Social. No corpo do
texto ainda se lê a manutenção da queda de braço entre Ministério do Trabalho e
Emprego e Ministério da Saúde no tocante às ações de Vigilância dos processos de
trabalho, com claro favorecimento do setor Trabalho neste aspecto: “VI - Cabe ao
Ministério do Trabalho e Emprego: a) formular e propor as diretrizes da inspeção do
trabalho, bem como supervisionar e coordenar a execução das atividades relacionadas
com a inspeção dos ambientes de trabalho e respectivas condições de trabalho;...”
Para o SUS ficou a tímida atribuição e posição de “fortalecimento das ações de
vigilância” como se pode ler no item específico que se refere ao que cabe ao Ministério
da Saúde: “a) fomentar a estruturação da atenção integral à saúde dos trabalhadores,
envolvendo a promoção de ambientes e processos de trabalho saudáveis, o
fortalecimento da vigilância de ambientes, processos e agravos relacionados ao
trabalho, a assistência integral à saúde dos trabalhadores, reabilitação física e
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psicossocial e a adequação e ampliação da capacidade institucional;..”, aspectos estes
que continuam sendo atribuição da Previdência Social.
Claro está que esta mera reafirmação dos papéis de cada um dos ministérios
afetos à problemática da Seguridade Social em sua interface com a Saúde do
Trabalhador está longe de constituir-se numa verdadeira PNST, que deveria articular e
integrar as ações do SUS e do SUPS, numa perspectiva que demonstre de fato, o grau
de comprometimento que o Estado brasileiro pretende assumir no enfrentamento dos
interesses do Capital nesta área extremamente sensível que é a sua intervenção para
além de uma mera regulação das relações Capital-Trabalho naquilo que interfere
diretamente na saúde e no bem estar dos trabalhadores nos processos, locais e condições
de trabalho, ou seja, no âmago da exploração capitalista.
Diante do que foi colocado, é importante chamar a atenção para alguns engodos
e armadilhas nos quais “embarcou” o movimento sindical nos últimos anos e que
incidem diretamente sobre a Seguridade Social e a PNST: a PLR; a administração dos
chamados “fundos de pensão” que nada mais são do que a apropriação do que produz o
trabalho, por setores cooptados do movimento sindical com os interesses do capital
financeiro e especulativo (GRANEMANN, 2006), ao que soma a tentativa das Centrais
sindicais brasileiras, em 1999, de em articulação com setores empresariais gerirem
mútuas que administrariam o Seguro de Acidentes de Trabalho (SAT), quando se
propôs o Projeto de Lei 325/99, com apoio do Ministério da Previdência Social, o qual
tinha como base a premissa de que era necessário privatizar o SAT para superar a
ineficácia do SUS, tanto no que se refere à assistência médica ao acidentado ou portador
de doença profissional ou do trabalho, como à vigilância e controle de ambientes e
condições de trabalho nocivos à saúde, o que, frise-se, não foi resolvido pelo Decreto
7.602/2011 que trata da PNSST. Saliente-se que o PL 3254/99 estava baseado na
Emenda Constitucional 20/98, quando esta estabelece que lei ordinária devera
disciplinar “... a cobertura do acidente de trabalho, a ser atendida concorrentemente
pelo Regime Geral de Previdência Social e pelo setor privado. Diante desta
possibilidade, a iniciativa privada poderá atuar “concorrendo” com a previdência
pública visando apropriar-se de um montante que atingia no início de 2000 cerca de R$
4 bilhões, que era a estimativa de arrecadação anual do SAT (LACAZ, 2002).
Assim, partindo destas constatações, o que se poderia propor em termos de
encaminhamentos ao VIII Seminário de Saúde do Trabalhador de Franca é a perspectiva
de resgate da ação política de esquerda no sentido de discutir o que é inegociável nesta
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área. Neste sentido, trata-se de defender a elaboração, resgatando o Fórum Nacional de
Defesa da Seguridade Social Pública, de num Projeto de Lei (PL) de Iniciativa Popular
de uma verdadeira PNST, envolvendo a participação do Grupo de Estudos
Interministerial de Saúde do Trabalhador (Geisat), visando a assegurar que o Seguro de
Acidente do Trabalho no Brasil, de caráter público, incorpore assistência e vigilância,
de maneira a integrar os Ministérios da Saúde, Trabalho e Emprego e Previdência Social
na perspectiva da promoção, prevenção e recuperação da saúde com controle social.
Tal iniciativa permitiria o engajamento da sociedade numa ampla mobilização
dos seus vários setores populares interessados numa lei que incorpore as aspirações das
classes trabalhadoras em relação a um importante Direito Social que foi previsto na
Constituição Federal de 1988, ou seja, a Seguridade Social articulando as relações entre
o Trabalho, a Saúde e a Previdência Social e cuja atuação política seria coroada pela
votação e aprovação do PL no Congresso Nacional, concretizando um Direito que vem
sendo usurpado pela lógica neoliberal que se mostra cada vez mais excludente no
Brasil!
Referências
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