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Marilene Gabriel Dalla Corte
Rosane Carneiro Sarturi
(Organizadoras)
IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS DA
EDUCAÇÃO BÁSICA E SUPERIOR, V SEMINÁRIO INTERNACIONAL
DE GESTÃO EDUCACIONAL E X SEMANA ACADÊMICA DO CURSO
DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO EDUCACIONAL DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
Santa Maria, RS, Brasil.
LABORATÓRIO DE PESQ. E DOC. – CE
2016
A PESQUISA COMO PRINCÍPIO PEDAGÓGICO: AS INFLUÊNCIAS DA ESCOLA
NOVA NAS ATUAIS POLÍTICAS CURRICULARES DO SISTEMA EDUCACIONAL
BRASILEIRO
Gracieli Dall Ostro Persich1
Luthiane Miszak Valença de Oliveira2
Luiz Caldeira Brant de Tolentino-Neto3
Eixo 3 – Práticas pedagógicas na educação básica e superior
RESUMO
Ao refletirmos sobre o contexto do ensino em nosso país, é evidente que os jovens reclamam uma escola que faça sentido para suas vidas, que contribua para a compreensão da realidade, forneça subsídios para melhorar a qualidade de vida, reivindicam que os conteúdos curriculares tenham vínculos com o seu cotidiano. Esta escrita tem por objetivo principal enfatizar o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio associando a formação cidadã à pesquisa como princípio pedagógico, centralizando suas análises na problemática da historicidade das políticas curriculares fundamentadas na formação humana integral. A pesquisa em questão encontra-se em seu viés teórico em andamento representado por recortes de pesquisa bibliográfica documental. A partir dos anos 1930, a difusão das ideias escolanovistas e a assinatura do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, as mudanças decorridas vêm ao encontro das ideias difundidas e ampliadas nos cadernos do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio lançados em 2013. Em se tratando desses instrumentos, as ideias convergem para a formação humana integral voltada para a cidadania, valorizando métodos ativos de ensino e aprendizagem, levando em conta o interesse do aluno entre outros temas. Este trabalho retrata a ênfase no viés da pesquisa como princípio pedagógico, configurando-se num excerto de dissertações de mestrado cujos temas giram em torno do ensino e da aprendizagem no Ensino Médio Politécnico.
Palavras-chave: Políticas curriculares. Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio. Ensino pela pesquisa. Pesquisa como princípio pedagógico. Escola Nova.
INTRODUÇÃO
A escola atual vem se constituindo num cenário de reestruturação: adequa-se
para conviver com outras modalidades de educação e integra-se de forma articulada
a outros espaços de aprendizagem, a fim de formar cidadãos melhor preparados e
qualificados para a nova configuração da sociedade (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI,
2012, p.63). No entanto, apesar da indispensabilidade das modificações no âmbito
1 Licenciada em Ciências Biológicas. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde – UFSM. Professora do Colégio Estadual Pedro II, Santo Ângelo/RS, Brasil. E-mail: seducgracieli@gmail.com 2 Licenciada em História. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação – UFFS (campus Chapecó/SC). Professora e coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Pedro II, Santo Ângelo/RS, Brasil. E-mail: seducluthiane@gmail.com 3 Doutor em Educação - FEUSP. Professor do Departamento de Metodologia do Ensino do Centro de Educação – UFSM. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde – UFSM. E-mail: lcaldeira@gmail.com
escolar ser urgente no painel atual da educação brasileira, essa necessidade já foi
detectada e difundida no sistema educacional na década de 1930, a partir da difusão
do movimento das Escolas Novas.
As mudanças desejadas àquela época são muito semelhantes às que
almejamos hoje, pois segundo Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p.63), o ensino
escolar continua a contribuir para a formação de sujeitos capazes de aprender e
pensar permanentemente em um contexto de adventos tecnológicos e modificações
na produção e organização do trabalho; continua a prover qualificação profissional e
tecnológica ao mesmo tempo em que desenvolve atitudes e disposições para a vida
na sociedade da tecnologia; continua a desenvolver conhecimentos, habilidades,
capacidades e qualidades para a prática da cidadania ética, crítica, consciente e de
forma autônoma e solidária. Ainda segundo os autores, nessa via, a partir da década
de 30 alicerçaram-se caminhos para uma educação emancipatória solidificada em
uma prática ativa e comunicativa, cujos princípios alicerçavam-se no auxílio ao
desenvolvimento de competências que possibilitariam o diálogo e o consenso
fundamentados na razão crítica (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p.136).
Esses caminhos, cujos primórdios se deram com a difusão das ideias
escolanovistas e da assinatura do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, vem
ao encontro das ideias difundidas e ampliadas nos cadernos do Pacto Nacional pelo
Fortalecimento do Ensino Médio (2013). Em se tratando desses instrumentos, os
pensamentos em comum convergem para a formação humana integral voltada para a
cidadania, vendo na escola sua função social e nos alunos os agentes da própria
aprendizagem, valorizando métodos ativos de ensino e aprendizagem. Por
conseguinte, o movimento das Escolas Novas iniciou um panorama que visava
transformações no sistema educacional do Brasil cujos princípios impulsionaram a
ampliação de políticas curriculares que contribuíram com realizações percebidas na
atualidade.
Este trabalho se configura num excerto de duas dissertações de mestrado
produtos de projetos de pesquisa que abrangem o ensino de História na ótica das
políticas curriculares ao longo da história do Brasil e ao ensino de Ciências e Biologia
por investigação. Ambos os projetos de pesquisa relacionam-se por estarem situados
no âmbito dos processos de ensino e aprendizagem das juventudes no Ensino Médio
Politécnico, a partir das políticas curriculares que o norteiam. Consequentemente, a
escrita tem por objetivo principal enfatizar o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do
Ensino Médio associando a formação cidadã à pesquisa como princípio pedagógico,
centralizando suas análises na problemática da historicidade das políticas curriculares
fundamentadas na formação humana integral. Assim, destacamos que a pesquisa em
questão encontra-se em seu viés teórico em andamento representado por recortes de
pesquisa bibliográfica documental.
A PERSPECTIVA ESCOLANOVISTA COMO PRECURSORA DOS IDEAIS
PRESENTES NAS POLÍTICAS CURRICULARES ATUAIS
No período que abrangeu a Primeira (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) surgiu a tendência do pensamento neoliberalista. Nesse período, o
filósofo norte-americano John Dewey assumia a visão de um novo liberalismo ou
liberalismo com função social, configurando-se como uma reação ao liberalismo
conservador e ao positivismo:
Os defensores do liberalismo social acreditavam que, por meio da universalização do ensino, seria possível estabelecer as condições de instituição da sociedade democrática, moderna, científica, industrial e plenamente desenvolvida. A ampliação quantitativa do acesso à educação garantiria a igualdade de oportunidades, o máximo de desenvolvimento individual e a adaptação social de cada um conforme sua inteligência e capacidade. Desse modo, havendo uma base social que tornasse a sociedade mais homogênea e democratizasse igualmente todas as oportunidades, a seleção dos indivíduos e seu julgamento social ocorreriam naturalmente (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p.103).
Em 1932, foi assinado e publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova:
ao povo e ao governo, cujo principal propósito consistia em promover uma reforma
educacional no Brasil (CARVALHO, 2011). Tendo sido escrito por Fernando de
Azevedo, o documento foi assinado por 26 personalidades influentes na época,
formando um grupo heterogêneo composto de políticos, educadores, cientistas,
artistas, entre outras áreas de atuação, sendo 23 homens e 3 mulheres, destacando-
se além de Fernando de Azevedo: Anísio Teixeira, Sampaio Dória, Afrânio Peixoto,
Lourenço Filho, Paschoal Leme, Cecília Meirelles entre outros intelectuais (BRASIL,
2013a). Tais pensadores estavam preocupados com o cenário econômico, político e
social pelo qual passava o Brasil, pois acreditavam que a educação não conseguiria
acompanhar tais mudanças. Segundo Carvalho (2011), os intelectuais escreveram no
Manifesto reivindicações que abrangiam aspectos políticos-educacionais, aspectos
políticos-ideológicos e aspectos pedagógicos, além de defender as diretrizes
essenciais para um plano nacional de educação (Plano de Reconstrução
Educacional). Assim, esse documento se tornou a culminância do movimento
renovador do sistema educacional brasileiro e tinha por princípio norteador um
conjunto de concepções que sugeriam medidas a serem tomadas em relação às
funções da educação.
Inserido no espírito do movimento da Escola Nova, Francisco Campos atuou no
Brasil como primeiro ministro da Educação e Saúde no governo de Getúlio Vargas, no
período entre guerras, em 1931. Mesmo tendo defendido ideais autoritários e
antiliberais, reclamava os objetivos escolanovistas e por isso contribuiu para a reforma
do ensino médio, pois considerava que este era o segmento da escola mais
importante, sinalizando o início de uma preocupação quanto à formação propedêutica
com o ingresso no ensino superior como finalidade exclusiva (BRASIL, 2013a).
Citando Pinto, Leal e Pimentel (2000), nesse contexto de ideais políticos e
filosóficos, as posições ideológicas dos manifestantes dividiam-se entre dois tipos de
liberalismo: o liberalismo elitista, representado por Fernando de Azevedo, que
enfatizava a articulação entre todos os graus e tipos de ensino. Seu defensor seguia
uma concepção unificada de educação, a qual deveria ser reformada para vir a ser
oferecida de forma democrática, defendendo a escola pública, laica e obrigatória
constituindo-se como um dever do Estado. Tais pensamentos vinham ao encontro
das ideias de John Dewey que via na educação uma reconstrução da experiência
social, enriquecidas por pensamentos marxistas (BRASIL, 2013a). O sociólogo
defendeu a reconstrução educacional dando prioridade aos aspectos biológicos,
psicológicos, administrativos e didáticos do processo educacional, preocupando-se
com a construção da cidadania por meio de uma formação que envolvia políticas
públicas na esfera educacional entre os anos 1920 e 1960. Ele priorizava o ensino
universitário capaz de formar massas que viriam a instruir tecnicamente a sociedade
brasileira, focando na proposta de ensino universal e gratuito. Já o liberalismo
igualitarista tinha por liderança Anísio Teixeira, o qual condenava a segregação social
feita pela escola sugerindo a criação de uma escola única para todos. Em
concordância com a filosofia deweyana, o educador via na experiência do aluno uma
base para o aprendizado.
Um aspecto amplamente defendido pelos escolanovistas signatários do
Manifesto consistia na configuração de um espírito nitidamente científico. Essa visão
valorizava o método científico como a melhor forma de se conduzir o processo
pedagógico, perspectiva corroborada pelos princípios apoiados por Dewey,
apontando para um caminho do ensino e da aprendizagem a partir do método
científico (CARVALHO, 2011). Conforme Chakur, Silva e Massabni (2004), a partir
dessa configuração, as Escolas Novas se apoiavam nos métodos ativos, nos quais os
alunos eram os sujeitos principais na construção das aprendizagens e os
conhecimentos não deveriam ser fornecidos de forma pronta. Essa perspectiva é
condizente ao que Piaget priorizava em educação a partir das ideias que
fundamentam o construtivismo.
Embora os idealizadores do movimento escolanovistas estivessem bem
intencionados e suas ideias terem influenciado diretamente nas configurações do
sistema educacional brasileiro principalmente no século XX, seus objetivos não foram
buscados de maneira concisa devido a convergência de ideias entre os próprios
manifestantes. Na prática, o que ocorreu foi semelhante ao que se procedeu com as
ideias advindas do construtivismo, que também sinalizava a importância dos métodos
ativos no ensino: muitos professores terminaram por concluir que o aluno poderia
aprender por si próprio sem precisar da sua contribuição. É fundamental compreender,
para que o ensino por métodos ativos seja desenvolvido, que a educação pensada
por Dewey requer recursos pedagógicos imprescindíveis para o desenvolvimento das
aulas, o que não era possível para a realidade das escolas brasileiras naquela época
(CARVALHO, 2011).
Mesmo tendo ocorrido divergências nas ideias inicialmente propostas, faz-se
importante destacar os avanços e contribuições que o Movimento da Escola Nova
trouxe para o sistema educacional brasileiro. A partir dessas ideias de caráter
reformista configurou-se o pensamento a respeito de um novo tipo de educação, que
considerava importante para o processo educacional levar em conta o interesse do
aluno, a formação para a vida democrática, entre outros temas (CARVALHO, 2011;
PINTO, LEAL, PIMENTEL, 2000).
Ao percebermos o cerne ideológico em relação aos processos de ensino e
aprendizagem presente no movimento escolanovista, podemos relacionar os desejos
de mudanças advindos dessas ideias ao contexto que temos vivenciado. Ao longo das
décadas, a atuação de Anísio Teixeira no Brasil, sob influência direta de John Dewey,
possibilitou a visão de que a educação é um processo contínuo e, por isso, as escolas
tem função social e a democracia e fator determinante para tal. Conforme Cavaliere
(2010), Anísio Teixeira contribuiu amplamente para o desenvolvimento de projetos de
educação integral, por exemplo a Escola Parque em Salvador nos anos 1950; os
Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) criados inicialmente no Rio de
janeiro nos anos 1980; o programa recente Mais Educação, lançado em 2007. Tais
criações foram pautadas nos ideais da formação cidadã alicerçada em princípios
democráticos, focalizando os processos de construção de conhecimentos para a vida.
PACTO NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO: UMA
POLÍTICA CURRICULAR QUE VALORIZA OS MÉTODOS ATIVOS
No período pós Segunda Guerra Mundial houve uma expansão no ensino médio
evidenciando-se nos anos 1950 a 1970, fato decorrido do crescimento demográfico e
da pressão popular que requeria a ampliação do ensino elementar (referente ao
ensino primário ou ensino fundamental) (BRASIL, 2013a). No contexto da ditadura
militar no Brasil (1964-1985), emergiu a Lei n° 5.692/71 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDBEN) veio na tentativa de tornar obrigatória a
profissionalização no ensino médio, de forma a suprir a carência de profissionais com
formação média ao mesmo tempo em que possibilitava aos alunos egressos da
educação básica uma formação profissional que possibilitava o ingresso no mercado
de trabalho, desviando-os do ensino superior (BRASIL, 2013a). Mesmo com todo o
aporte das teorias educacionais com origens no pensamento do norte-americano John
Dewey, a interpretação da educação no contexto brasileiro da ditadura seguiu rumos
com pretensões de atender as demandas do capitalismo, contraditoriamente em
oposição aos ideais democráticos que os escolanovistas defendiam como reforma
educacional. Segundo Cunha (1977): “as contradições apresentadas pela reforma do
ensino médio, impondo a profissionalização compulsória, suscitaram a elaboração de
análises que denunciavam o “equívoco” tecnocrático de uma “escola
profissionalizante” capaz de “qualificar” para o mercado de trabalho”.
O empobrecimento dos currículos escolares com a retirada e o esvaziamento dos conteúdos de formação geral, imprescindíveis para a compreensão crítica da realidade social, e o fracasso na realização da pretendida formação técnica implicaram a descaracterização e a maior desqualificação do ensino médio, vindo somente a reforçar a dicotomia entre a educação para a “elite” e a educação para o trabalhador (BRASIL, 2013a).
Somente com o fim da ditadura no Brasil e a transformação social representada
pela criação da nova Constituição de 1988, ocorreu a construção da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, cujas determinações definiam que
o Ensino Médio teria função formativa, constituindo-se em uma etapa de conclusão
da Educação Básica (BRASIL, 2013a). No sentido da visão do aluno como educando,
considerando suas vontades, desejos e realidade tendo no professor como um
orientador nos processos de ensino e aprendizagem, surgiram as mudanças
educacionais propostas nos anos 1980. Tais transformações consideravam que o
aluno é parte da escola, é sujeito da própria aprendizagem, sendo a escola o espaço
próprio para a formação voltada para e na cidadania, valorizando a vida humana em
todas as dimensões (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p.132). Essa perspectiva
concorda com a visão de Dewey de que a escola é vida, é espaço para a socialização
e para vivência e faz parte da constituição do ser humano como ser social, pois nisso
reside a valorização dos ideais da Escola Nova na construção do cenário atual da
educação brasileira. No mesmo sentido, nas palavras dos autores Libâneo, Oliveira e
Toschi (2012, p.133):
A educação deve ser entendida como fator de realização da cidadania, com padrões de qualidade da oferta e do produto, na luta contra a superação das desigualdades sociais e da exclusão social. Nesse sentido, a articulação da escola com o mundo do trabalho torna-se a possibilidade de realização da cidadania, pela incorporação de conhecimentos, de habilidades técnicas, de novas formas de solidariedade social, de vinculação entre trabalho pedagógico e lutas sociais pela democratização do Estado.
Nessa perspectiva, vale trazer para discussão o sentido de humanismo em
Dewey e Antonio Gramsci, segundo as análises de Baptista e Palhano (2011). Ambos
defendem capacidade humana de mudar o seu ambiente, e compartilham, com
limitações conforme particularidades dos ideais de cada um, a crença que a educação
é provedora de instrumentos para essa mudança. Em Dewey, o humanismo
representa a construção de sujeitos democráticos baseado no pragmatismo na escola
(conhecimentos verdadeiros baseados na ação-experiência, utilizando-os para a vida
prática e atividades laborais). Para Gramsci, o humanismo se configura na
compreensão da educação como espaço de construção de sujeitos críticos através
da ação – práxis – nos aparelhos de hegemonia, entre eles, a escola (BAPTISTA,
PALHANO, 2011; BRASIL, 2013a).
Ao considerar a construção histórica da educação brasileira ate esse período,
percebemos que a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 foi produto de reflexões críticas
e das iniciativas dos movimentos sociais populares e de educadores democráticos
organizados nos Fóruns em Defesa da Escola Pública que participaram do processo
Constituinte e da construção da nova LDB (BRASIL, 2013a). A elaboração do
documento retratou um projeto coletivo destinado a redefinir os objetivos e as
atribuições do ensino médio visando uma formação em que os aspectos científicos,
tecnológicos, humanísticos e culturais fossem incorporados e integrados. Para que
isso se concretizasse, era de suma importância compreender que a aprendizagem é
um processo singular e social que ocorre de diferentes formas.
Nesse contexto, ao almejar a formação humana integral a nova LDB sugere a
superação da dualidade presente na organização do ensino médio ao promover
convergências entre “cultura e trabalho”, propiciando aos alunos uma educação
integrada capaz de oportunizar a compreensão da vida social, “da evolução técnico-
científica, da história e da dinâmica do trabalho” (CURY, 1991). Para tanto, é
necessário que o currículo contemple conhecimentos científicos que deem aporte para
a compreensão do trabalho como princípio educativo, levando ao entendimento do
significado econômico, social, histórico, político e cultural das ciências, das letras e
das artes (BRASIL, 2013a).
A configuração do currículo do ensino médio vem se caracterizando pela
fragmentação do conhecimento em disciplinas estanques, apresentando como
limitação importante a sua estruturação apoiada em um conjunto de saberes que não
explicam o mundo para os jovens, pois se encontram dissociados da realidade por
eles vivida, experimentada (BRASIL, 2013c). O aprender por meio da repetição e da
transmissão, sem que haja oportunidades para que ocorram a contextualização e a
(res)significação do conhecimento escolar, deve ser refletido para que não esmague
uma formação humana integral pautada na aprendizagem significativa.
Nesse sentido, ao refletirmos sobre o contexto do ensino em nosso país, é
evidente que os jovens reclamam uma escola que faça sentido para suas vidas, que
contribua para a compreensão da realidade, forneça subsídios para melhorar a
qualidade de vida, reivindicam que os conteúdos curriculares tenham vínculos com o
seu cotidiano. Nisso reside a importância de compreendermos que a escola é espaço
de aprendizagens, no entanto não é o único lugar onde esse processo ocorre; também
se faz importante entender como as juventudes aprendem e quais são os
conhecimentos que demandam da escola, o que presume algumas das condições
para uma aprendizagem significativa voltada para e na cidadania seguindo ideais
democráticos (SALVADOR, 1994; CHARLOT, 2000; BRASIL, 2013b).
PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS DA PESQUISA COMO NORTEADORES DA
APRENDIZAGEM POR MÉTODOS ATIVOS
Duarte (2001), em suas críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da
teoria vigotskiana, debate que a expressão métodos ativos é utilizada para se referir
às ideias pedagógicas originadas no movimento escolanovista, o chamado aprender
a aprender é também um aprender fazendo na pedagogia de John Dewey. Sobre isso,
Perrenoud explicita que:
Para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por problemas e projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los. Isso pressupõe uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bairro, seja na zona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar aulas é o cerne da profissão. Ensinar, hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e regular situações de aprendizagem seguindo os princípios pedagógicos ativos e construtivistas (PERRENOUD, 2000 apud DUARTE, 2001).
Young (2007), ao criticar “pedagogias do aprender a aprender” afirma que essas
tendem a retirar o foco do conhecimento científico em detrimento dos saberes do
cotidiano. O autor se posiciona defendendo que o conhecimento escolar necessita
ultrapassar a dimensão estritamente local, instrumental ou particularizada e oferecer
as bases para que o aluno compreenda as relações entre o todo e o particular,
também nos conduzindo ao pensamento de Edgar Morin. A esta perspectiva, Young
atribui o sentido de “conhecimento poderoso”: o currículo deve considerar o
conhecimento local e cotidiano (senso comum) que os alunos trazem para a escola,
mas esse conhecimento não pode se constituir numa base para o currículo. A
estrutura desse conhecimento é planejada para relacionar-se com o particular e não
pode fornecer a base para quaisquer princípios generalizáveis (YOUNG, 2007, p. 13).
Os documentos do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio concordam
com essa argumentação e traz em seus cadernos indagações a respeito dos
movimentos que são necessários para valorizarmos as potencialidades do currículo
organizado a partir da centralidade do conhecimento (BRASIL, 2013c).
Na via da crítica à pedagogia da memorização, a política curricular do Pacto
afirma a necessidade de uma educação contextualizada que proporcione aos
educandos a leitura e interpretação crítica da realidade, numa perspectiva freireana.
Tal linha de pensamento abarca o acesso ao conhecimento bem como o domínio dos
métodos de produção desse conhecimento o que indica mais uma possibilidade
proposta pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL,
2013c, p.30):
A pesquisa como princípio pedagógico é capaz de levar o estudante em direção a uma atitude de curiosidade e de crítica, por meio da qual ele é instigado a buscar de respostas e a não se contentar com pacotes prontos. É capaz de atribuir sentido e significado ao conhecimento escolar, produzir uma relação mais dinâmica com esse conhecimento, resgatar sua dimensão explicativa e potencializadora.
Ao debater o desafio de despertar no aluno o interesse, o prazer pela
aprendizagem, o gosto pela investigação, pelo novo, de cultivar o deleite em se ter
acesso ao conhecimento, é preciso refletir sobre os critérios balizadores do
planejamento da ação educativa, promovendo o exercício do raciocínio lógico e da
autonomia de pensamento (BRASIL, 2013c). Para tanto, é possível pensar uma
organização curricular organizada em componentes curriculares inseridos em áreas
do conhecimento, configurada em um recorte do todo para aprofundar conceitos
específicos, articulada a atividades integradoras que visam compreender a relação
parte-totalidade possibilitada por meio de atividades interdisciplinares (BRASIL,
2013c).
Ao considerar o desafio da formação humana integral e da pesquisa como
princípio pedagógico atuando de forma a subsidiar esse ensino, vemos na
contextualização uma orientação pertinente e útil à formação integrada, capaz de
situar o conhecimento científico em práticas sociais vivenciadas. Assim, ao
contextualizar, os educandos praticam uma análise da realidade social com base no
conhecimento sistematizado (BRASIL, 2013d) (ou conhecimento escolar ou
conhecimento poderoso, como debate Young). “Trata-se de um processo, então, que
provoca a investigação coletiva, um interrogar permanente sobre a cotidianidade
contraditória e, muitas vezes perversa, frente ao próprio papel que deve cumprir a
escola” (BRASIL, 2013d).
Nesse sentido, o que faz da aprendizagem algo criativo é a pesquisa, porque a submete ao teste, à dúvida, ao desafio, desfazendo tendência meramente reprodutiva. Aprender, além de necessário sobretudo como expediente de acumulação de informação, tem seu lado digno de atitude construtiva e produtiva, sempre que expressar descoberta e criação de conhecimento, pelo menos a digestão pessoal do que se transmite. Ensinar e aprender se dignificam na pesquisa, que reduz e/ou elimina a marca imitativa (DEMO, 2011, p.44).
Assim, o ensino-aprendizagem contextualizado é uma forma importante para
estimular a curiosidade ao mesmo tempo em que fortalece a confiança nos
estudantes, entretanto, esse significado só tem valor se a contextualização for capaz
de fazer com que os alunos desenvolvam “consciência sobre seus modelos de
explicação e compreensão da realidade, reconhecendo-os como distorcidos ou
limitados a determinados contextos; enfrente o questionamento, coloque-os em xeque
num processo de desconstrução de conceitos e reconstrução/apropriação de outros”
(BRASIL, 2013d). Nesses termos, a proposta da pesquisa como princípio pedagógico
vem enriquecer o ensino e a aprendizagem escolar no sentido de carregar a prática
pedagógica de significados (BRASIL, 2013d), pois a pesquisa instiga a curiosidade
em direção ao mundo que nos cerca, gera inquietude, aberturas para o
questionamento a respeito das visões de mundo, na busca de informações e
construção de saberes.
Mas o princípio pedagógico da pesquisa está em compreender a ciência não somente na dimensão metodológica, mas também, e fundamentalmente, na perspectiva filosófica. Isto porque é preciso apreender e discutir as diversas concepções de ciência para que o educando possa se situar nesse mundo e compreender o sentido que historicamente vem tomando a produção científica em nosso país (BRASIL, 2013d, p.36).
Demo (2011, p.37) debate que a pesquisa poderia ser definida como um “diálogo
inteligente com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante
do cotidiano”, pois o ato de pesquisa se constitui em dialogar “no sentido específico
de produzir conhecimento do outro para si, e de si para o outro” (DEMO, 2011, p.39),
passando a ser também um método de comunicação.
O autor ainda discute que a valorização da pesquisa como diálogo traduz a
esperança social de que ela sirva de instrumento para incitar o surgimento de
alternativas sociais mais aceitáveis, pois:
a) pesquisa como princípio científico e educativo faz parte integrante de todo processo emancipatório, no qual se constrói o sujeito histórico autossuficiente, crítico e autocrítico, participante, capaz de reagir contra a situação de objeto e de não cultivar os outros como objeto; b) pesquisa como diálogo é processo cotidiano, integrante do ritmo da vida, produto e motivo de interesses sociais em confronto, base da aprendizagem que não se restrinja a mera reprodução; na acepção mais simples, pode significar conhecer, saber, informar-se para sobreviver, para enfrentar a vida de modo consciente (DEMO, 2011, p.42-43).
Assim, a pesquisa como princípio pedagógico encontra nas políticas curriculares
atuais grande significado no que se refere ao aprender de forma autônoma, crítica,
reflexiva, vendo no aluno o agente aprendente e transformador da própria realidade.
Ensinar pela transmissão e pela repetição não tem dado conta de fornecer explicações
para os fatos cotidianos, o que tem refletido no desinteresse dos jovens pela escola.
Nesse sentido, a via da pesquisa se faz necessária e urgente para enriquecer as
práticas educativas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Ensino Médio Politécnico trouxe inovações no sentido da coletividade na
construção do currículo escolar, englobando a pesquisa, a investigação, a
interdisciplinaridade e a integração dos diferentes saberes para a formação humana
integral voltada para e na cidadania. Nesse sentido, o Pacto Nacional Pelo
Fortalecimento do Ensino Médio foi construído levando em conta a historicidade das
necessidades das escolas públicas brasileiras, levando em conta o interesse do aluno
e a formação continuada dos professores para compreender essa realidade. Embora
essa política curricular se constitua num documento divulgado e estudado nas escolas
da rede pública, reflete um grande desafio da formação docente no país: a
necessidade de reforma curricular dos cursos de licenciatura e a oferta de programas
de educação continuada de qualidade.
Este trabalho encontra-se carregado de motivos para que a pesquisa seja
integrada às práticas pedagógicas dos professores nas salas de aula das escolas do
Brasil. O processo histórico e político da construção do currículo da educação básica,
bem como a formação de professores, traduzem as preocupações das políticas
curriculares atuais em relação aos processos de ensino e aprendizagem que façam
sentido na vida do aluno, oferecendo-lhe ferramentas (o conhecimento) para que ele
interprete os fatos do cotidiano, mantenha a criticidade diante dos acontecimentos e
utilize dos princípios da pesquisa e da reflexão para transformar a realidade.
Ao promovermos uma reflexão sobre as transformações sociais, políticas e
econômicas que ocorreram no Brasil desde meados dos anos 1930, desejamos
dialogar com as possibilidades que as políticas curriculares trazem para o fazer
pedagógico. Nesse sentido, é importante considerar as mudanças possíveis
promovidas pela Escola Nova, vindo a contribuir com a educação básica,
especialmente na consolidação da escola pública como espaço de construção de
aprendizagens e contextualização dos saberes. O movimento escolanovista trouxe luz
à reformulação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional refletindo nas
políticas curriculares atuais de valorização das juventudes para a transformação
social. Nessa via, sinalizamos as possibilidades advindas da criação da Base Nacional
Comum Curricular, considerando os conhecimentos necessários a se desenvolver na
educação básica, visando à formação humana integral de cidadãos capazes de atuar
no mundo.
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, M. G. A.; PALHANO, T. R. Teorias em educação: a experiência em Dewey e a práxis em Gramsci. Revista Temas em Educação, João Pessoa, v. 20/21, n. 1/2, p. 31-47, jan./dez. 2011/2012.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do ensino médio, etapa I - caderno I: ensino médio e formação humana integral / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica; [autores: Carmen Sylvia Vidigal Moraes... et al.]. – Curitiba: UFPR/Setor de Educação, 2013a.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do ensino médio, etapa I - caderno II: o jovem como sujeito do ensino médio / Ministério da
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