Textos narrativos contos e crônicas

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TEXTOS NARRATIVOS

O CONTO E A CRÔNICA

Professora: Márcia Oliveira

Porque todo mundo gosta de histórias e de poesias. Não há sociedade sem narrativa. O homem é um animal narrativo. Homo narrador. Todo mundo quer ouvir histórias. Contamos histórias desde o amanhecer até a hora de dormir. Senta num ônibus, história; briga com o namorado, história; chega na escola, mais histórias. Todas as situações da vida propiciam acontecimentos narráveis e vivemos desse entrelaçamento de narrativas.

O CONTO

O conto é uma narrativa ficcional, mais curta que o romance, porém mais densa que a crônica. Com esses dois gêneros, tem em comum os elementos constituintes da narrativa: narrador, enredo, há poucos personagens, e espaço e tempo limitados. Trata-se de um texto conciso, com um único conflito que se encaminha rápido para o desfecho. O conto não tem compromisso ou relação com a realidade, com a crônica. Normalmente, costuma ser publicado em livros (antologias) e, às vezes, em revistas.

Há outros gêneros narrativos que apresentam as mesmas características do conto, como a notícia; ela tem como base manter o compromisso com a verdade, sendo imparcial, e não-ficcional.Todos os contos são ficcionais, exceto as narrativas policiais, contos que são baseados em fatos reais, e os que queiram demonstrar algo cotidiano, como a reportagem e o editorial.

A ESTRUTURA DO ENREDO

Introdução: geralmente coincide com o começo da história; é o momento em que o narrador apresenta os fatos iniciais, as personagens e, às vezes, o tempo e o espaço.

Complicação ou desenvolvimento: é a parte do enredo em que é desenvolvido o conflito.

Clímax: é o momento culminante da história, ou seja, aquele de maior tensão, no qual o conflito atinge seu ponto máximo.

Desfecho, conclusão ou epílogo: é a solução do conflito, que pode ser surpreendente, trágica, cômica, etc., e corresponde ao final da história; que não significa um final feliz.

O NARRADOR E OS TIPOS DE DISCURSO

NARRADOR – Um importante elemento dentro do texto

O FOCO NARRATIVO

A narração pode ser feita em 1ª pessoa ( eu, nós) ou 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas), de acordo com a ótica do narrador, isto é, de sua posição diante dos fatos. Quando o narrador participa dos acontecimentos, relata os fatos, ele é chamado de narrador- personagem, portanto, a narração é em 1ª pessoa.

Já aquele que não participa dos acontecimentos, mas observa tudo de fora da trama, recebe o nome de narrador-observador ou onisciente , pois ele se limita em apenas nos informar sobre todos os acontecimentos. Neste caso, a narração é em 3ª pessoa.

Narração Objetiva e Narração Subjetiva

Na narração objetiva, o narrador não se envolve emocionalmente com as personagens, contando de forma impessoal e direta os fatos. Podemos ver isso em textos jornalísticos, em que os redatores procuram ser objetivos na divulgação da notícia.

Na narração subjetiva, o texto é escrito em 1ª pessoa, e o narrador participa dos acontecimentos (narrador-personagem). Há envolvimento emocional do narrador, ou seja, ele conta os fatos de forma pessoal e subjetiva, mostrando-se sensível ao que ver.

Esse procedimento feito pelo narrador recebe um nome específico, denominado de “discurso”, e de acordo com o modo em que ele desempenha esta função, pode receber três classificações distintas. É o que conheceremos a seguir:

Discurso direto – É aquele em que o narrador reproduz as falas dos personagens de uma maneira fiel, como elas realmente aconteceram. Observe um exemplo:

Durante o jantar, o garoto perguntou à sua mãe: - Mamãe, posso convidar alguns amigos para virem assistir filme aqui em casa amanhã ? Ela respondeu: - Claro filho! Vou preparar aquele bolo de chocolate que você adora. - Obrigado mamãe, você é sensacional!

Discurso indireto – É aquele no qual o narrador reproduz as falas usando sua própria voz, ou seja, ele se coloca no lugar dos personagens de uma maneira indireta. Veja:

No momento em que jantavam, o garoto pediu permissão à sua mãe para convidar alguns amigos para assistirem filme em sua casa. Ela concordou, dizendo que ia preparar um bolo de chocolate para esperá-los, deixando seu filho bastante feliz.

Discurso indireto livre – É quando ocorre uma união, tanto das falas dos personagens quanto do narrador. Como mostra o exemplo:

Quando chegaram, todos foram bem recebidos pelos pais do garoto. Gostaram tanto que resolveram planejar outro passeio. O garoto disse: - No próximo final de semana podemos combinar para irmos ao clube, o que acham? Todos responderam: - Que ideia fantástica! Ficaram ansiosos à espera do grande dia.

OS PERSONAGENS

Quanto ao papel desempenhado no enredo:

a) Protagonista: é a personagem principal.- herói: é o protagonista com características superiores às de seu grupo;- anti-herói: é o protagonista que tem características iguais ou inferiores às de seu grupo, mas que por algum motivo está na posição de herói, só que sem competência para tanto.

b) antagonista: é a personagem que se opõe ao protagonista, seja por sua ação que o atrapalha, seja por suas características diametralmente opostas às do protagonista. Enfim, geralmente seria o vilão da história.

c) Personagens secundárias: são personagens menos importantes na história, isto é, que têm uma participação menor ou menos frequente no enredo; podem desempenhar papel de ajudantes do protagonista ou do antagonista, de confidentes, enfim, de figurantes

O TEMPO

A época em que se passa o conto constitui pano de fundo para o enredo. Nem sempre a época em que se passa a história narrada coincide com aquela em que ocorre sua publicação.

Tempo Cronológico: é o tempo em que ocorre na ordem natural dos fatos do enredo. É o tempo relacionado ao enredo linear, ou seja, à ordem em que os fatos ocorrem. Chama-se cronológico porque pode ser medido em horas, meses, ano, século.

Tempo Psicológico: é o tempo em que transcorre numa ordem determinada pela vontade, pela memória ou pela imaginação do narrador ou de uma personagem. De acordo com esse tempo, os fatos podem ou não aparecer em ordem linear, isto pé, coincidente com a do tempo cronológico.

Flashback: é um recurso narrativo que consiste em voltar no tempo.

O ESPAÇO

Físico ou geográfico: é o lugar onde acontecem os fatos que envolvem as personagens: rua, cidade, cinema, escola, cômodo da casa, etc. o espaço pode ser descrito detalhadamente ou suas características podem aparecer diluídas na narração.

Social (ambiente): é o espaço relativo às condições socioeconômicas, morais e psicológicas que dizem respeito às personagens. O espaço social situa as personagens na época, no grupo social e nas condições em que se passa a história.

Diferença entre conto e crônica

Muitas vezes a crônica confunde-se com o conto. Mas, que fique bem entendido, não é qualquer crônica que se assemelha ao conto. Quando a crônica recebe um tratamento literário em relação ao texto jornalístico, como o uso de várias figuras de linguagem, quando um pequeno enredo é desenvolvido, principalmente com diálogo; é que ela traça fronteiras muito próximas do conto. Tão próxima, que muitas vezes, é difícil estabelecer uma linha divisória. No entanto, podemos enumerar algumas características da crônica que podem ser confrontadas com as do conto

O PERSONAGEM

Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na construção da personagem, o cronista age de maneira mais solta. As personagens não têm descrição psicológica profunda; são levemente caracterizadas (uma ou duas características), suficientes para compor seus traços genéricos, com os quais, qualquer pessoa pode se identificar: Fulano é distraído, Beltrano é mau-caráter e nacionalista xenófobo (que tem aversão a estrangeiros). Em geral, as personagens não têm nomes: é a moça, o menino, a velha, o senador, a mulher, a dona de casa. Ou, se têm, são nomes comuns, como: dona Nena, seu Chiquinho, seu Bonifácio, para só citar esses nomes. Às vezes, o cronista cria personagens, mas sempre a partir de uma matriz real, isto é, pessoas reais que se tornam personagens.

O NARRADOR

Enquanto no conto o narrador (protagonista ou observador) é um personagem. Na crônica, o cronista sequer tem a preocupação de colocar-se na pele de um narrador-personagem ou observador. Assim, quem narra uma crônica é o seu autor mesmo; pois, o cronista parte de experiências próprias, de fatos que testemunhou (com certo envolvimento) ou dos quais participou. Por isso, a crônica tem, quase sempre, um caráter autobiográfico.

O ASSUNTOO assunto de uma crônica é quase sempre fruto daquilo que o cronista colhe em suas conversas, em sua vida cotidiana. Portanto, o assunto da crônica é vindo da experiência diária, ao passo que o assunto do conto, não raro, é produto da imaginação, da ficção.

O DESFECHONo conto há um conflito e, geralmente, um desfecho para ele. Como a finalidade da crônica é analisar as circunstâncias de um fato e não concluí-lo, o desfecho é praticamente inexistente.

A LINGUAGEMO cronista procura trazer para suas crônicas a oralidade das ruas, isto é, ser oral no escrito. Daí ser predominante nas crônicas a linguagem coloquial e até popular, para introduzir um linguajar de bate-papo (do botequim, da esquina), de conversa-fiada; todos carregados de gírias.

O DIÁLOGOÉ a presença do diálogo na crônica, que faz com que ela se aproxime do conto. Mas, na crônica, o diálogo é forma de interação, que cria uma importante cumplicidade com o leitor, principalmente, através de perguntas lançadas ao ar; ou então, para manter um clima de descontração, sua característica marcante.

A conclusãoA crônica tem, hoje, uma linguagem própria, um espaço definido e independente - no jornal ou em qualquer outro veículo de comunicação. Não é superior ou inferior ao conto, como dizem alguns.

Conto Popular

O COMPADRE DA MORTE

Diz que era uma vez um homem que tinha tantos filhos que não achava mais quem fosse seu compadre. Nascendo mais um filhinho, saiu para procurar quem o apadrinhasse e depois de muito andar encontrou a Morte a quem convidou. A Morte aceitou e foi a madrinha da criança. Quando acabou o batizado voltaram para casa e a madrinha disse ao compadre:

- Compadre! Quero fazer um presente ao meu afilhado e penso que é melhor enriquecer o pai. Você vai ser médico de hoje em diante e nunca errará no que disser. Quando for visitar um doente me verá sempre. Se eu estiver na cabeceira do enfermo, receite até água pura que ele ficará bom. Se eu estiver nos pés, não faça nada porque é um caso perdido.

O homem assim fez. Botou aviso que era médico e ficou rico do dia para a noite porque não errava. Olhava o doente e ia logo dizendo:

- Este escapa!

Ou então:

- Tratem do caixão dele!

Quem ele tratava, ficava bom. O homem nadava em dinheiro.

Vai um dia adoeceu o filho do rei e este mandou buscar o médico, oferecendo uma riqueza pela vida do príncipe. O homem foi e viu a Morte sentada nos pés da cama. Como não queria perder a fama, resolveu enganar a comadre, e mandou que os criados virassem a cama, os pés passaram para a cabeceira e a cabeceira para os pés. A Morte, muito contrariada, foi-se embora, resmungando.

O médico estava em casa um dia quando apareceu sua comadre e o convidou para visitá-la.

- Eu vou, disse o médico - se você jurar que voltarei!

- Prometo! - disse a Morte.

Levou o homem num relâmpago até sua casa.

Tratou muito bem e mostrou a casa toda. O médico viu um salão cheio-cheio de velas acessas, de todos os tamanhos, uma já se apagando, outras vivas, outras esmorecendo. Perguntou o que era:

É a vida do homem. Cada homem tem uma vela acessa. Quando a vela acaba, o homem morre.

O médico foi perguntando pela vida dos amigos e conhecidos e vendo o estado das vidas. Até que lhe palpitou perguntar pela sua. A Morte mostrou um cotoquinho no fim.

- Virgem Maria! Essa é que é a minha? Então eu estou, morre-não-morre!

A Morte disse:

- Está com horas de vida e por isso eu trouxe você para aqui como amigo mas você me fez jurar que voltaria e eu vou levá-lo para você morrer em casa.

O médico quando deu acordo de si estava na sua cama rodeado pela família. Chamou a comadre e pediu:

- Comadre, me faça o último favor. Deixe eu rezar um Padre-Nosso. Não me leves antes. Jura?

- Juro -, prometeu a Morte. O homem começou a rezar o Padre-Nosso que estás no céu... E calou-se. Vai a Morte e diz:

- Vamos, compadre, reze o resto da oração!

- Nem pense nisso, comadre! Você jurou que me dava tempo de rezar o Padre-Nosso mas eu não expliquei quanto tempo vai durar minha reza. Vai durar anos e anos...

A Morte foi-se embora, zangada pela sabedoria do compadre.

Anos e anos depois, o médico, velhinho e engelhado, ia passeando nas suas grandes propriedades quando reparou que os animais tinham furado a cerca e estragado o jardim, cheio de flores. O homem, bem contrariado disse:

- Só queria morrer para não ver uma miséria destas!...

Não fechou a boca e a Morte bateu em cima, carregando-o. A gente pode enganar a Morte duas vezes mas na terceira é enganado por ela.

CrônicaA COBRANÇA

Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a atenção dos passantes: "Aqui mora uma devedora inadimplente". ― Você não pode fazer isso comigo ― protestou ela. ― Claro que posso ― replicou ele. ― Você comprou, não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tentei lhe cobrar, você não pagou. ― Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise... ― Já sei ― ironizou ele. ― Você vai me dizer que por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo. ― Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta...

― Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui, carregando este cartaz, até você saldar sua dívida. Neste momento começou a chuviscar. ― Você vai se molhar ― advertiu ela. ― Vai acabar ficando doente. Ele riu, amargo: ― E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve. ― Posso lhe dar um guarda-chuva... ― Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva.

Ela agora estava irritada: ― Acabe com isso, Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui. ― Sou seu marido ― retrucou ele ― e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação. Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz.

Moacyr Scliar

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