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Clínica Universitária de Otorrinolaringologia
Traqueostomia Neonatal Revisão bibliográfica
Paula Cristina Abreu Silva
Maio’2020
2
Clínica Universitária de Otorrinolaringologia
Traqueostomia Neonatal Revisão bibliográfica
Paula Cristina Abreu Silva
Orientado por:
Drª. Beatriz Lança
Maio’2020
3
RESUMO
A traqueostomia consiste numa técnica cirúrgica onde é realizada a abertura da
traqueia para o exterior. Pode ser permanente ou temporária, dependendo das
características e comorbilidades do doente. Este procedimento, tem sido um fator
fundamental para a sobrevivência na população pediátrica nos últimos tempos.
As principais indicações para a sua realização são a entubação oro-traqueal
prolongada e obstrução da via aérea superior (anatómica ou infeciosa). Devido à melhoria
dos cuidados médicos, a necessidade de realização deste procedimento tem vindo a
diminuir e as suas indicações têm-se alterado, com as causas neurológicas e
cardiopulmonares a ganharem maior relevância.
Este procedimento está associado a maior taxa de morbilidade e mortalidade
comparativamente com o adulto, relacionado com a anestesia, o procedimento em si e
com outros cuidados pós-operatórios. Contudo, o que tem sido constatado é uma melhoria
dos cuidados médicos com diminuição da realização de traqueostomias. Parte deve-se a
toda a evolução de conhecimentos médicos, vacinação, com consequente diminuição das
traqueostomias realizadas por razões de infeção aguda, à implementação de protocolos
hospitalares e educação das famílias, tornando assim possível uma extubação mais rápida,
segura e com maior redução de complicações e mortalidade.
Palavras-chave: Traqueostomia; Neonatal; Intubação prolongada; Obstrução da via
aérea superior;
4
ABSTRACT
Tracheostomy is a surgical procedure where the trachea is opened to the exterior.
It can be permanent or temporary, depending on the patient’s characteristics and
comorbidities. This procedure has been currently crucial for the survival of the pediatric
population.
The main indications for this surgery are prolonged orotracheal intubation and
obstruction of the upper airway (anatomical or infectious). Due to the improvement of
medical care, the need to perform this procedure has been decreasing and it’s indications
have been changing, with neurological and cardiopulmonary causes becoming more
relevant.
This procedure is associated with a higher rate of morbidity and mortality
compared to adults, related to the anesthesia, the procedure itself and post-operative care.
However, what has been seen is an improvement of medical care with a consequent
decrease of tracheostomies. In part, it’s due to the evolution of medical knowledge,
vaccination, with a decrease in tracheostomies performed due to acute infections,
implementation of hospital protocols and family education, thus making a possible faster
and safer extubation with a greater reduction of complications and mortality.
Key words: Tracheostomy; Neonate; Prolonged intubation; Upper airway obstruction.
O Trabalho Final exprime a opinião do autor e não da FML.
5
6
ÍNDICE
Introdução........................................................................................................................ 7
História da traqueostomia................................................................................................ 9
Anatomia.......................................................................................................................... 9
Indicações e contraindicações........................................................................................ 10
Técnica cirúrgica............................................................................................................ 11
Complicações................................................................................................................. 15
Prognóstico..................................................................................................................... 16
Conclusão....................................................................................................................... 18
Bibliografia .................................................................................................................... 19
7
INTRODUÇÃO
A traqueostomia consiste num procedimento cirúrgico onde é feita a abertura da
traqueia, permitindo a comunicação direta entre a traqueia e o exterior.1 Quando realizada
em doentes pediátricos, acaba por ser uma cirurgia com um grau de exigência superior
comparativamente ao adultos, tendo em conta o menor tamanho da traqueia, a fragilidade
e espaço cirúrgico mais limitado.1,2
Um dos focos neste trabalho, é perceber o timing e quais as indicações para a
realização da traqueostomia pediátrica, tendo em conta que, nos últimos anos, estas têm
vindo a se alterar. Nos anos 70, as indicações mais comuns para traqueostomia em
crianças eram as obstruções da via aérea devido a inflamações agudas como epiglotite e
difteria.2,3 Graças ao aparecimento de vacinas contra o Haemophilus influenzae e
Corynebacterium diphteriae e à intubação endotraqueal para suporte ventilatório de curto
prazo, houve uma diminuição nas traqueostomias realizadas por razões de infeção aguda.3
Além dos avanços médicos mencionados, também foi observada uma melhoria
dos cuidados intensivos neonatais, resultando num aumento da sobrevivência dos recém-
nascidos pré-termo e prevalência de anomalias complexas cardiopulmonares que,
consequentemente, terão necessidade de ventilação mecânica a longo prazo, com
posterior traqueostomia.2,3 Nestas situações, a traqueostomia é necessária na medida em
que vai facilitar a limpeza pulmonar e a redução de lesões laringotraqueais como a
estenose subglótica ou traqueomalácia.2
A traqueostomia é um procedimento que, nesta idade, acarreta uma alta taxa de
morbilidade e mortalidade. As complicações podem ser intra-operatórias ou pós-
operatórias.4,5 As complicações intra-operatórias são raras, podendo ser extubação
acidental com perda de via aérea, hemorragia significativa, lesão da cartilagem cricoideia
ou da traqueia (outra para além da intencionalmente infligida), enfisema cervical e
pneumotórax. As complicações pós-operatórias podem dividir-se em precoces ou tardias.
Nas complicações precoces inclui-se a obstrução da cânula de traqueostomia por
secreções e descanulação acidental, hemorragia, necrose da pele, infeção ou ulceração
traqueal. As complicações tardias podem ser granuloma, erosão e ulceração traqueal
devido a mal posicionamento do doente ou manipulação desadequada com trauma
constante das paredes da traqueia. Se a erosão ocorrer na parede anterior da traqueia pode
levar a fístula com a artéria inominada (rara) com hemorragia significativa e
8
potencialmente fatal. Por outro lado, se ocorrer na parede posterior da traqueia pode
causar uma fístula traqueo-esofágica com passagem de conteúdo alimentar ou saliva para
a via aérea. As cânulas de traqueostomia devem ser adequadamente limpas para evitar a
colonização bacteriana com consequente traqueíte e estenose traqueal secundária. A
cânula deve ser adaptada ao crescimento da criança, para evitar as descanulações
acidentais ou complicações. 6
No geral, a população pediátrica apresenta um risco significativo de mortalidade
pós traqueostomia e, como tal, será feita uma breve alusão à anatomia da traqueia e ao
procedimento cirúrgico. Contudo, há que ressalvar que esta taxa de mortalidade, não é só
por consequência direta do procedimento cirúrgico, mas também devido a problemas
secundários crónicos que a maioria destas crianças apresenta.4
9
DISCUSSÃO
História
A traqueostomia é um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos, havendo relatos
a partir de 3600AC.5
A primeira na população pediátrica, foi realizada no ano de 1620 numa criança de
14 anos.5,7 Em 1766, para a remoção de um corpo estranho, está registado este mesmo
procedimento numa criança de 7 anos, tendo sido considerada a primeira traqueostomia
realizada com sucesso.7
Em meados do séc. XIX, foram relatados casos de crianças com difteria que
sobreviveram graças à realização desta cirurgia.7
Desde então, grandes feitos médicos foram conseguidos, nomeadamente a
ventilação mecânica que, com ela, surgiram novas indicações para a traqueostomia.5
Anatomia
À medida que a criança vai crescendo, o diâmetro da traqueia vai variando.5 No
entanto, esta variação do crescimento está mais correlacionada com o peso corporal da
criança do que propriamente com altura e idade.8
No período neonatal, podemos compará-la a um funil, sendo a base a porção
superior da traqueia. Esta apresenta um diâmetro menor de 3mm que vai crescendo depois
do primeiro ano de idade.
Eckenhoff et al. demonstrou que em crianças com idade inferior a 8 anos, a
cartilagem cricoideia é a porção mais estreita da via aérea. No entanto, ao longo do tempo,
a traqueia vai ficando com uma conformação mais cilíndrica e a porção mais estreita é na
região das cordas vocais.9
Apesar de ocorrerem estas alterações em relação ao perímetro interno da traqueia,
também temos diferenças em relação à cartilagem, que vai crescendo gradualmente. O
facto dos anéis cartilagíneos serem em forma de ‘’C’’ e não em ‘’O’’ faz com que o
10
colapso da via aérea em flexão ou hiperextensão seja fácil.10 Comparando a porção
superior com a inferior, na primeira teremos sempre cartilagem de maior dimensão.9
Além das diferenças de tamanho, esta também se encontra posicionada a um nível
mais profundo, é mais maleável e a carina encontra-se a um nível superior
comparativamente a uma traqueia de um adulto.8
Importante ainda mencionar a existência de um órgão linfático muito relevante na
idade pediátrica, o timo. Localiza-se atrás do esterno, próximo do coração e até à
puberdade vai crescendo até atingir o seu peso máximo. Na idade adulta teremos um timo
atrofiado tendo sido gradualmente substituído por tecido adiposo.11
Com base nestes factos anatómicos, a cânula de traqueostomia tem de ser larga o
suficiente para cobrir todo o anel cricoide, pequena e estreita o suficiente para permitir
uma fuga de ar a uma pressão 20-30 cm H2O para assegurar uma ventilação com pressão
positiva. Um outro facto anatómico que há que ter em conta, é o da glote e subglote serem
as porções estreitas da via aérea infantil e que, devido a isto, são os locais onde
comumente ocorre estenose pós intubação.9
Indicações e Contraindicações
Nos últimos 40 anos, têm surgido mudanças quanto às indicações para a realização
de traqueostomias e, um dos aspetos mais notórios, é a redução do número de
traqueostomias por processos infeciosos. Estas alterações devem-se, em grande parte, aos
cuidados melhorados e novas técnicas nas unidades de cuidados intensivos pediátricos
como a intubação endotraqueal e à introdução da vacina Haemophilus influenzae tipo B
contra a epiglotite aguda.12,13
Com respeito aos avanços médicos supracitados, e ainda graças à ecografia pré-
natal, as taxas de sobrevivência de recém-nascidos pré-termo e de doentes com anomalias
congénitas, aumentaram.13 Consequentemente, surgiu a necessidade de suporte
respiratório prolongado e, com isto, a existência de possíveis anomalias na via aérea
superior que fazem com que a traqueostomia ou a ventilação ao domicílio façam parte da
gestão da doença crónica. 4
11
Num estudo de Lawrason et al., as indicações mais frequentes para a realização
de traqueostomia são a intubação prolongada (35%), obstrução da via aérea superior
(28%) e as anomalias neurológicas e craniofaciais (12% para ambas). 13 Adicionalmente,
para cada um destes diagnósticos, as idades a que os doentes são submetidos a
traqueostomia também varia. O grupo de doentes com anomalias craniofaciais apresenta
uma idade média de 6 meses, os doentes com anomalias neurológicas de 8.7 anos e por
fim, o grupo de trauma de 6.3 anos.13
O grande desafio, é perceber o timing em que é benéfico realizar traqueostomia.
No que toca à população adulta, a cirurgia é realizada após 1 a 2 semanas de ventilação,
no entanto, em crianças, não podem ser utilizados os mesmos critérios tratando-se de uma
incógnita que, ao longo dos últimos 30 anos tem sofrido alterações.2,4 No passado, no
caso de uma criança requerer ventilação durante mais de 8 dias, já era critério para a
realização de traqueostomia profilática. Atualmente, não está estabelecido nenhum timing
mais adequado que o outro, apenas é feita uma análise dos dados clínicos e endoscópicos
e, individualmente, consoante cada doente, é tomada uma decisão.14 Segundo Parrilla et
al., o tempo que leva desde a entubação até a realização da traqueostomia é em média 34
dias.2
Atualmente, o que se sabe quanto às contraindicações para a traqueostomia, é que
não existem contraindicações absolutas.8 No entanto, quanto a contraindicações relativas
temos a hipertensão pulmonar mal controlada, instabilidade hemodinâmica e discrasias
hemorrágicas.5,8
Técnica Cirúrgica
A traqueostomia é um procedimento comum, realizado em doentes que precisam
de ventilação mecânica a longo prazo nas unidades de cuidados intensivos.15 A maioria
são doentes recém-nascidos ou crianças, com estados de saúde complexos e, por
conseguinte, a planificação pré-operatória é fundamental. 5
Como já mencionado, a dificuldade é perceber o timing mais adequado para a
realização da cirurgia, sendo fundamental coordenar o mesmo com o estado clínico da
criança e com outros possíveis procedimentos, considerando que, a maioria destes
doentes, apresentam outros problemas crónicos de saúde. Como demonstrado num
12
estudo de Watters et al. dentro de um grupo de 502 crianças com traqueostomia, 62%
apresentavam uma doença crónica complexa, 43% apresentavam três ou mais e,
finalmente, 29% tinham outra tecnologia médica além da traqueostomia (SNG, shunts
ventriculoperitoneais).4 Tendo isto em conta, há que ser conseguida uma harmonia entre
a equipa médica nomeadamente neonatalogista, pneumologista, cardiologista, cirurgiões
e, fundamentalmente, com a família.5
Quanto à técnica cirúrgica utilizada, temos atualmente duas opções:
traqueostomia cirúrgica e a percutânea. A traqueostomia percutânea na população
pediátrica raramente é utilizada tendo em conta as limitações técnicas e dúvidas quanto à
sua segurança. 4 Contudo, dos poucos estudos que foram realizados, a maioria concluiu
que a traqueostomia percutânea é um procedimento seguro quando tidos em conta alguns
factores como por exemplo idade da criança. No estudo de Toursarkissian et al., que
defende que a alternativa percutânea é uma opção segura desde que realizada em crianças
com idade superior a 10 anos e, Raju et al. que, comparando os dois tipos de cirurgia em
jovens até aos 18 anos que apresentavam algum tipo de trauma, concluiu que a
traqueostomia percutânea era um procedimento completamente fazível e sem maior
número de riscos.16,17 No entanto, mais estudos são necessários para podermos perceber
quais as consequências e benefícios desta atitude cirúrgica na população pediátrica.
No caso da traqueostomia cirúrgica, esta permanece a via clássica de atuação. 4 A
criança é colocada em decúbito dorsal com o pescoço em extensão e é feita uma incisão
horizontal entre a cartilagem cricoide e a fúrcula esternal (Figura 1). 4,18
13
Figura 1. Marcação do local da incisão.
Fonte: Fagan J. et al. Open Access Atlas of Otolaryngology , 2008
Após dissecção do tecido adiposo subcutâneo, exposição e tração dos strap muscles.
Posteriormente são feitas suturas de cada um dos lados da traqueia, chamadas stay sutures
(Figura 2).18 Estas, têm como função facilitar a recolocação da cânula de traqueostomia
no caso de extubação acidental, quando traccionadas para cima e lateralmente.18
Figura 2. Stay Sutures
Fonte: Fagan J. et al. Open Access Atlas of Otolaryngology , 2008
14
O passo seguinte, é a incisão vertical na parede anterior da traqueia entre o
segundo e quarto anel. Uma incisão acima deste limite poderá levar à predisposição de
uma estenose subglótica.4
A partir deste ponto, o anestesista irá retrair o tubo endotraqueal colocando-o
acima da incisão. Torna-se assim possível a colocação da cânula de traqueostomia e, por
fim, a inserção do tubo da ventilação também neste último.5
Finalmente, após confirmação que tudo está bem colocado e posicionado, a ferida
cirúrgica, no caso de ser necessário, poderá ser parcialmente suturada nas lateralmente à
cânula.18
Para garantir que a cânula de traqueostomia se mantém estável aquando da flexão
da cabeça, é colocada fita à volta do pescoço. Uma técnica utilizada para confirmar a
tensão da mesma é a possibilidade de inserção de apenas um dedo. Se assim for,
assumimos que a tensão é a correta.18
Quanto às stay sutures, vão ser coladas no peito da criança e corretamente
identificadas (Figura 3).18,19
Figura 3. Posicionamento da cânula e das stay sutures
Fonte: Fagan J. et al. Open Access Atlas of Otolaryngology , 2008
15
Complicações
As taxas de complicações pós-traqueostomia são uma inconstante na literatura.
No entanto, podemos afirmar que estas são mais frequentes em crianças de idades mais
baixas.20 D’Souza et al. demonstrou no seu estudo, que de um modo geral, esta anda à
volta dos 19.9%.19 Adicionalmente, a American College of Surgeons National Surgical
Quality Improvement Program Pediatric (NSQIP) evidenciou que a população pediátrica
que mais contribui para a morbilidade em otorrinolaringologia são as crianças com idade
inferior a 2 anos submetidas a traqueostomia.21 Já Mahida et al. realizou um estudo em
206 crianças, dentro do último limite de idade mencionado, que fizeram traqueostomia e,
concluiu, que 24.3% apresentaram uma complicação major num período de tempo de 30
dias.22
Estas descobertas, que demonstram a progressão que está a ocorrer quanto à idade
cada vez mais precoce a que as crianças são submetidas a traqueostomia, estão
relacionadas com todo o avanço científico nas unidades dos cuidados intensivos,
alterações da epidemiologia de certas doenças infeciosas e o aumento da sobrevivência
de recém-nascidos prematuros.1
Graças a estas evoluções médicas, as próprias complicações pós-traqueostomia
estão a mudar. Anteriormente, o que mais frequentemente ocorria eram os pneumotórax
e pneumomediastino, devido ao facto de nas crianças os ápices pleurais estarem numa
posição superior à dos adultos. Atualmente, o mais comum são os granulomas, infeções
e obstruções da cânula de traqueostomia.1
Genericamente, as complicações podem ser intra-operatórias ou pós-operatórias.
As intra-operatórias são raras, podendo ser a extubação acidental com perda de via aérea,
hemorragia significativa, lesão da cartilagem cricoideia ou da traqueia, enfisema cervical
e penumotórax. As complicações pós-operatórias podem dividir-se em precoces ou
tardias. 4 As precoces são as que aparecem no período mais crítico tendo em conta que a
abertura da traqueostomia ainda não está bem definida. 23 Temos então a obstrução da
cânula de traqueostomia por secreções e descanulação acidental, hemorragia, necrose da
pele, infecção ou ulceração traqueal. As complicações tardias podem ser granuloma,
erosão e ulceração traqueal devido a mal posicionamento do doente ou manipulação
desadequada com trauma constante das paredes da traqueia. Caso a erosão ocorra na
parede anterior da traqueia, pode levar a fístula com a artéria inominada com hemorragia
16
significativa e potencialmente fatal. Por outro lado, se ocorrer na parede posterior da
traqueia pode causar uma fístula traqueo-esofágica com passagem de conteúdo alimentar
ou saliva para a via aérea.4 As cânulas de traqueostomia devem ser adequadamente limpos
para evitar a colonização bacteriana com consequente traqueíte e estenose traqueal
secundária.
Wetmore et al. num estudo com 373 doentes com seguimento de uma semana pós-
cirurgia, verificou que 72 apresentaram complicações imediatas, sendo a obstrução do
cânula a mais comum seguida de extubação acidental. Outras complicações menos
frequentes são a hemorragia, que na grande maioria dos casos cessa espontaneamente, a
destruição de estruturas circundantes como o esófago e nervo laríngeo, edema pulmonar
e paragem respiratória.4 Quanto às complicações tardias, no estudo supracitado, estiveram
presentes em 216 doentes, sendo o granuloma a mais frequente seguindo-se a fístula
traqueocutânea.6 Outras seriam a estenose subglótica, quando o cânula está colocado
numa posição demasiado alta na via aérea, colapso, traqueomalácia e, mais a longo prazo,
problemas na deglutição e fala. 4,18
Tendo em conta que as crianças que são submetidas a traqueostomia são cada vez
mais novas, os cirurgiões precisam de ter cada vez mais destreza e técnica cirúrgica.12
Com isto, uma das opções que pode levar à redução das taxas de complicações
relacionadas com a traqueostomia é a utilização de técnicas cirúrgicas específicas, de
cânulas adequadas, de bons cuidados pós-cirúrgicos e extubação apropriada.1
Prognóstico
A traqueostomia tem capacidade de apresentar repercussões em diversos sistemas
de órgãos, efeitos ao nível do desenvolvimento e finalmente, mas não menos importante,
pode apresentar um grande impacto emocional, e psicológico na família.
A diminuição da passagem de ar na cavidade nasal e faringe, leva a que ocorra
uma congestão nasal crónica e hiposmia.23 Esta diminuição de ar, juntamente com a falta
de abertura fisiológica da trompa durante a deglutição, coloca estas crianças num patamar
de risco superior para disfunção da trompa de Eustáquio, com possível perda de audição.23
17
Esta intervenção cirúrgica apresenta um impacto na linguagem e formas de
comunicação devido às alterações causadas no fluxo aéreo transglótico, tendo algumas
das crianças que comunicar por linguagem gestual por não terem capacidade de fonação
caso não seja possível colocar uma cânula fenestrada.23 Nestas situações, está
recomendado um diagnóstico audiológico que permita o tratamento ou reabilitação
auditiva podendo ser necessário o apoio de terapia da fala.
Podem ainda ocorrer problemas ao nível da alimentação oral, como disfagia, por
todas as alterações mecânicas existentes nomeadamente mudanças de pressão e de fluxo
aéreo.24
Atualmente, existem programas de treino onde são ensinados todos os
procedimentos básicos de cuidados a ter numa criança traqueostomizada e como atuar em
situações de emergência, como a deslocação da cânula ou oclusão.23 Com o passar do
tempo, os pais, ou familiares que foram treinados, acabam por adquirir mais experiência
e conhecimento sobre as melhores rotinas e cuidados a ter com a criança do que os
próprios profissionais de saúde.25
Para muitas crianças a traqueostomia é algo temporário, tendo em conta que ao
longo do seu crescimento ocorre a maturação do controlo respiratório e com isto a
possibilidade de restauração da via aérea. No entanto, esta evolução positiva está
dependente tanto da indicação cirúrgica e de possíveis complicações que tenham ocorrido
no período pós-cirúrgico, como das comorbilidades da criança.
No caso de ser possível extubação, após remoção da cânula é colocado um penso
na traqueostomia com aproximação dos bordos da incisão, a criança fica em observação
durante 24h e posteriormente é dada alta clínica.23
18
CONCLUSÃO
A traqueostomia é uma intervenção cirúrgica que tem sofrido grandes alterações
ao longo dos anos.
Tem sido observada uma alteração nas suas indicações sendo este o espelho de
todo o progresso e evolução que tem ocorrido nos cuidados de crianças em estados
críticos. Alguns dos fatores que contribuíram para estas mudanças foram o aparecimento
de vacinas contra o Haemophilus influenzae e Corynebacterium diphteriae e a intubação
endotraqueal para suporte ventilatório de curto prazo, que acabaram por fazer com que
houvesse uma diminuição nas traqueostomias realizadas por razões de infeção aguda.
Como foi possível concluir, quanto à técnica cirúrgica em crianças, esta tem se
mantido estável ao longo dos anos por ainda não haver estudos suficientes nem de
relevância que consigam provar que a técnica atualmente utilizada não é a melhor nem a
mais adequada.
Finalmente, a incidência das complicações tem vindo a alterar e, quiçá, num futuro
próximo sejam cada vez mais raras tendo em conta todo o esforço que é feito hoje em dia
em educar os cuidadores e a capacidade de coordenação e ajuda com a equipa médica
para proceder à extubação o mais depressa possível e evitar o mínimo de sequelas futuras.
19
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