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ESTUDO ECOCARDIOGRFICO DO SEIO CORONRIO NA
FASE CRNICA DA DOENA DE CHAGAS
Glauco Andr Machado
Braslia/DF
2014
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MEDICINA TROPICAL
II
ESTUDO ECOCARDIOGRFICO DO SEIO CORONRIO
NA FASE CRNICA DA DOENA DE CHAGAS
Glauco Andr Machado
Dissertao de Mestrado apresentada
ao Programa de Ps-graduao em
Medicina Tropical da Faculdade de
Medicina da Universidade de Braslia
para obteno do ttulo de mestre em
Medicina Tropical, na rea de
concentrao: Clnica das Doenas
Infecciosas e Parasitrias.
Orientador: Prof. Dr. Cleudson Nery de Castro
Co-orientador: Prof. Dr. Daniel Frana Vasconcelos
Braslia/DF
2014
III
IV
Estudo Ecocardiogrfico do Seio Coronrio na Fase Crnica da
Doena de Chagas. Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Medicina Tropical, como requisito para obteno do titulo de
Mestre em Medicina Tropical. Banca Examinadora:
Presidente - Prof. Dr. Cleudson Nery de Castro
Universidade de Braslia - UnB
Membro Titular - Prof. Dr. Otoni Moreira Gomes
Fundao Cardiovascular So Francisco de Assis - FCSFA
Membro Titular - Prof. Dr. Paulo Cesar de Jesus
Universidade de Braslia - UnB
V
DEDICATRIA
Aqui estou, pronto para fazer o mais difcil em meio a tudo que
aconteceu: fazer somente uma dedicatria no o caso... Tinha o sonho de
que voc, Gabriela, pudesse conhecer esse trabalho. Acho que gostaria dos
desenhinhos que fiz com tanto carinho.
Dudu diz estar chateado porque voc foi para o cu! Ele no entende
na verdade eu tambm no mas ele sente sua falta, das brincadeiras e
das coisas que voc ensinava para ele. Voc era chefe dele, lembra? Mas
no se preocupe, ele vai crescer...
Todos aqui esto com saudade de voc. Vov Maria, quase... Isso
no queria te contar, mas a essa altura, com certeza voc j sabe. Voc se
parece muito com ela, e isso me enche de orgulho.
Dizem que um livro como um filho, mas eu no concordo com isso e
qualquer coisa neste sentido di bastante. Quando cursava faculdade,
peguei na biblioteca um livro escrito por um professor local, nas primeiras
pginas havia um dilogo interessante e descontrado com o leitor, que dizia
...quando estudante tambm gostava de ler as primeiras pginas, como
biografia e dedicatria.... A influncia de um professor no se pode
mensurar: foi naquele mesmo instante que descobri que tambm escreveria
um livro.
Sei que professores normalmente se desculpam com seus familiares
por sua ausncia durante o perodo em que estiveram imbudos na
confeco de suas teses. No sei o que lhe dizer Gabriela, coisas assim me
crucificariam eternamente e sei que voc no gostaria disso. Mas, te amo
muito e peo que estejamos sempre prximos.
Sabe, Gabriela, o que est escrito nesta obra ainda no pode ser
considerado verdadeiro, preciso mais tempo e muito mais empenho. Ao
VI
final de tudo o que foi dito, ficam estas palavras como nica verdade: Fiz o
melhor possvel, movido pela paixo, por voc verdadeiramente...
No h ningum que merece mais isso do que voc, princesinha, por
isso lhe dedico integralmente este trabalho.
Mh!!!!
Gabriela Aguiar Machado * 09/04/2009 22/08/2014
VII
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a Deus, pelas oportunidades concedidas.
Agradeo a minha famlia pelo apoio incondicional, aos colegas
mestrandos pela amizade que construmos e aos professores do Ncleo de
Medicina Tropical, especialmente ao professor Dr. Joo Barberino dos
Santos pelo conhecimento compartilhado e pelo exemplo de vida.
Especialmente gostaria de agradecer aos professores Dr. Cleudson
Nery de Castro e Dr. Daniel Frana Vasconcelos, pela pacincia e forma
sbia com que me conduziram at aqui.
Agradeo ao professor Dr. Luiz Fernando Junqueira Junior, pela
interpretao dos traados eletrocardiogrficos, ao professor Dr. Gustavo
Adolfo Sierra Romero pelas orientaes estatsticas, aos profissionais dos
servios de Cardiologia e Medicina Nuclear do Hospital Universitrio de
Braslia, assim como aos profissionais que realizaram o xenodiagnstico e a
Sra. Lcia de Ftima, do Ncleo de Medicina Tropical. Sem vocs este
trabalho no seria possvel.
Para finalizar, agradeo aos pacientes que gentilmente participaram
deste estudo.
VIII
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Ao - Aorta
AV - Atrioventricular
BCRD - Bloqueio completo do ramo direito
CCC - Cardiopatia chagsica crnica
CPM - Cintilografia de perfuso miocrdica
ECG - Eletrocardiograma
HUB - Hospital Universitrio de Braslia
IAM - Infarto agudo do miocrdio
IVC - Insuficincia venosa cardaca (ver nota abaixo)
Kg - Quilogramas
m2 - Metros quadrados
NAV - N atrioventricular
NMT - Ncleo de Medicina Tropical
PICSO - Presso intermitente de ocluso do seio coronrio
RNM - Ressonncia nuclear magntica
SEC - Sistema excito-condutor cardaco
SC - Seio coronrio
TCLE - Termo de consentimento livre e esclarecido
TEP - Tromboembolismo pulmonar
TNF- - Fator de necrose tumoral alfa
VD - Ventrculo direito
VE - Ventrculo esquerdo
NOTA: Insuficincia venosa cardaca o termo utilizado para caracterizar um
possvel transtorno circulatrio especfico do leito venoso coronariano, ou seja,
insuficincia venosa do prprio corao. Este termo no deve ser confundido com
congesto sistmica (ingurgitao jugular, hepatomegalia, edema de membros
inferiores, etc).
IX
FINANCIAMENTO
Apoio financeiro da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior (CAPES).
X
SUMRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................. VIII
FINANCIAMENTO ................................................................................................... IX
RESUMO .................................................................................................................. XII
ABSTRACT ............................................................................................................. XIII
1.INTRODUO ....................................................................................................... 1
1.1 Infeco Chagsica ................................................................................ 2
1.2 Epidemiologia .......................................................................................... 4
1.3 Histria da cardiopatia chagsica ........................................................ 5
1.4 O seio coronrio ...................................................................................... 7
1.5 O seio coronrio na cardiopatia chagsica crnica ........................ 14
1.6 Ecocardiografia na cardiopatia chagsica crnica .......................... 16
1.7 Ecocardiografia do seio coronrio ..................................................... 16
1.8 Manifestaes iniciais da cardiopatia chagsica crnica ............... 17
1.9 Adelgaamento miocrdico ................................................................. 18
1.10 Aneurisma apical ................................................................................ 25
1.11 Leses do sistema excito-condutor cardaco SEC .................... 28
1.12 Inflamao na cardiopatia chagsica crnica ................................ 31
1.13 Disfuno do ventrculo direito ......................................................... 32
2 JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 35
3 OBJETIVOS .......................................................................................................... 36
3.1 Objetivo Geral ....................................................................................... 36
3.2 Objetivos Especficos ........................................................................... 36
4 MTODO ............................................................................................................... 37
4.1 Tipo de estudo....................................................................................... 38
4.2 Locais em que os exames foram realizados .................................... 38
4.3 Durao ................................................................................................. 39
4.4 Amostra .................................................................................................. 39
4.5 Definio clnica dos participantes..................................................... 39
4.6 Critrios de incluso ............................................................................. 40
XI
4.7 Critrios de excluso ............................................................................ 40
4.8 Variveis a investigar ........................................................................... 40
4.9 Protocolo ................................................................................................ 41
4.10 Anlise estatstica .............................................................................. 41
4.11 Aspectos ticos ................................................................................... 42
5-RESULTADOS ..................................................................................................... 43
6-DISCUSSO ........................................................................................................ 49
7-CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 56
8-REFERNCIAS ................................................................................................... 58
9- ANEXOS .............................................................................................................. 73
9.1- Aprovao do Comit de tica .......................................................... 74
9.2- TCLE ..................................................................................................... 77
9.3- Avaliaes adicionais da disfuno diastlica ................................ 81
9.4- Dados brutos da CPM e dos dimetros do seio coronrio ........... 82
XII
RESUMO
Foi investigada uma provvel participao do seio coronrio (SC) na
cardiopatia chagsica crnica (CCC). Dentre os mecanismos fisiopatolgicos
que gozam de amplo reconhecimento nesta cardiopatia, esto os distrbios
da microcirculao coronariana, que imputam a esta cardiopatia um carter
isqumico. Notadamente, novas descobertas apontam o SC como estrutura
altamente especializada, podendo participar ativamente na circulao
venosa coronariana, o que nos pareceu merecedor de uma anlise
pormenorizada sobre sua possvel participao na CCC. Para tanto, foi
realizado estudo com ecocardiografia transtorcica, do dimetro mximo e
mnimo do SC e o valor da diferena entre estes dimetros (%), em
participantes com e sem infeco chagsica. Tambm foi verificada a
associao destes parmetros do SC, com a presena de disfuno
diastlica ecocardiografia, com alteraes no eletrocardiograma de
repouso (ECG), com a cintilografia de perfuso miocrdica (CPM) e com o
xenodiagnstico. Resultados: No houve diferena na prevalncia de
alteraes entre os grupos de estudo, para os exames ECG (p=0,17) e CPM
(p=0,09). No houve correlao entre o dimetro mximo e % do SC, com
alteraes no ECG e disfuno diastlica. Observou-se diferena com
tendncia estatstica (p=0,05) na comparao entre as mdias do (%) entre
pacientes com CPM normal versus CPM alterada. Concluses: Uma
possvel disfuno do SC pode preceder ou estar presente na fase inicial da
CCC, podendo ser identificada com o % do seio coronrio na
ecocardiografia transtorcica.
Palavras Chave: Patogenia, doena de Chagas, seio coronrio.
XIII
ABSTRACT
A probable involvement of the coronary sinus (CS) in chronic
Chagas cardiomyopathy (CCC) was investigated. Among the
pathophysiological mechanisms that enjoy wide recognition in this disease
are disorders of the coronary microcirculation, which impute to this character
ischemic heart disease. Notably, new findings suggest the CS as highly
specialized structure and can actively participate in the coronary venous
circulation, which seemed worthy of a detailed analysis of its possible
participation in the CCC. To this end, we conducted a study with
transthoracic echocardiography, the maximum and minimum diameter of the
CS and the value of the difference between these diameters (%) in
participants with and without Chagas infection. We also evaluated the
association of these parameters of the CS, with the presence of diastolic
dysfunction by echocardiography, changes in examinations
electrocardiogram (ECG), myocardial perfusion scintigraphy (MPS) and
xenodiagnosis. Results: There was no difference in the prevalence of
changes between the study groups for ECG (p = 0.17) and MPS (p = 0.09)
tests. There was no correlation between the maximum diameter and % CS,
with ECG changes and diastolic dysfunction. We observed a statistical trend
(p = 0.05) when comparing the averages of (%) between patients with
normal versus altered MPS. Conclusions: A possible dysfunction of the SC
may precede or be present in the initial CCC and can be identified with the
% of the coronary sinus in transthoracic echocardiography.
Key words: Pathogenesis, Chagas disease, coronary sinus.
1
1. INTRODUO
A doena de Chagas, tambm conhecida como Tripanossomase
Americana, tem como agente etiolgico o protozorio hemoflagelado
Trypanosoma cruzi. Foi descrita em detalhes e de forma extraordinria, por
Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, mdico brasileiro, no incio do sculo
XX (CHAGAS e VILLELA, 1922). Chagas deixou um legado jamais visto na
histria da medicina.
O acometimento cardaco desta molstia obteve destaque j em seu
primeiro estudo anatomopatolgico, que comea com uma descrio da
cardiopatia ...o corao uma das vsceras para o qual o
schizotrypanosome mostra predileo tanto no homem e em animais..."
(VIANNA, 1911). O fascnio com o estudo da cardiopatia logo surgiu e a
doena de Chagas tornou-se sinnimo de cardiopatia chagsica (RAMOS e
ROSSI, 1999).
Entretanto, apesar dos avanos no controle da transmisso e do
expressivo empenho cientfico (PRATA, 1999), ainda no dispomos de
tratamento eficiente e sequer compreendemos integralmente a fisiopatologia
do acometimento cardaco nesta doena, que atinge milhes de pessoas na
Amrica Latina.
Do ponto de vista da patognese, a doena de Chagas caracteriza-se
por um processo extremamente complexo e pouco compreendido
(ANDRADE, 1999; ENGMAN & LEON, 2002). Entretanto, alguns conceitos
esto bem estabelecidos. A cardiopatia chagsica causada
pelo Trypanossoma cruzi. A reao do hospedeiro a este parasito
basicamente uma resposta inflamatria. Durante a fase aguda da infeco
os parasitos localizados no interior das fibras cardacas causam sua ruptura
e o processo inflamatrio difuso e intenso pode, sem dificuldades, ser
correlacionado diretamente com a ao parasitria. Na fase crnica, a
reao inflamatria continua. Muda, todavia de carter, tende a se tornar
2
multifocal ao invs de difusa, associa-se com a produo de tecido fibroso e
no guarda relao com a presena dos parasitos. A sua intensidade varia
dentro de amplos limites (ANDRADE, 1974).
Conceitualmente, reconhecem-se quatro mecanismos patognicos
como os principais responsveis pelo desenvolvimento da cardiopatia
chagsica crnica: disautonomia cardaca, distrbios microvasculares, leso
miocrdica por agresso direta do parasito e leso miocrdica por
mecanismo imunolgico (MARIN-NETO et al., 2007)
Neste contexto, verdadeiras lacunas do conhecimento como o
frequente acometimento do ramo direito do sistema excito-condutor cardaco
(SEC) e o marcado afilamento do pex e parede pstero-lateral do VE, ainda
esto por serem preenchidas.
Cabe destacar, que a variabilidade na evoluo clnica desta doena
tambm constitui desafio aos pesquisadores. Os indivduos podem falecer
em decorrncia de insuficincia cardaca na fase aguda ou crnica,
permanecer assintomticos por dcadas com ou sem sinais de
acometimento cardaco, ou ainda permanecer a vida toda assintomticos,
como ocorre com os portadores da forma indeterminada da doena
(VASCONCELOS, 2007).
Infeco chagsica
Na maioria dos casos, a infeco em humanos provocada pelo
contato da pele ou mucosas, com as fezes e/ou urina de triatomneos
infectados. Tambm so descritos casos de transmisso por transfuso,
transplacentria, por acidentes de laboratrio, por ingesto oral do
tripanosoma (WHO, 2002) e at por transplante de rgos.
Aps o contato inicial do parasito com o sangue do hospedeiro, seja
qual for a forma de transmisso, o hemoflagelado (tripomastigota) entra nas
clulas teciduais, transforma-se em amastigota e, aps poucas horas, o
parasito multiplica-se, readquire o flagelo e finalmente provoca a ruptura da
3
clula. O ciclo biolgico do T. cruzi, com maiores detalhes, pode ser
apreciado na figura 1.
FIGURA 1: Ciclo biolgico do T. cruzi. - O triatomneo defeca durante o repasto e os tripomastigotas, presentes nas fezes, penetram atravs da pele lesionada ou mesmo mucosas ntegras. 2- Os tripomastigotas invadem clulas, onde se transformam em amastigotas. 3- Os amastigotas multiplicam-se assexuadamente, dentro das clulas, produzindo a ruptura desta e retornando ento a corrente sangunea. 4- Os amastigotas na corrente sangunea transformam-se em tripomastigotas. 5- Tripomastigotas na corrente sangunea so ingeridos pelo triatomneo durante o repasto. 6- Epimastigotas no intestino mdio. 7- Epimastigotas multiplicam-se no intestino mdio. 8- Tripomastigotas no intestino posterior. Modificado de Acesso em 15 de junho de 2014.
Aps a ruptura celular, com o parasito no espao extracelular
desencadeia-se a resposta inflamatria tpica da fase aguda. Aps esta fase,
os indivduos entram em perodo de remisso, por tempo varivel, que pode
durar de 20 a 30 anos. Aproximadamente 30% dos pacientes acometidos
iro desenvolver a doena cardaca ao longo da vida (MACEDO, 1980).
A desproporo entre parasitismo miocrdico, grau de inflamao e
intensidade da fibrose proporcionaram o surgimento de vrias hipteses
http://www.dpd.cdc.gov/dpdx
4
sobre a patogenia da fase crnica da infeco chagsica (VASCONCELOS,
2007).
Epidemiologia
Embora a doena de Chagas seja encontrada em toda Amrica
Latina, suas manifestaes clnicas, sua epidemiologia, as caractersticas do
parasito, do vetor e do hospedeiro reservatrio variam de regio para regio
(WHO, 2002).
Em 1989, estimava-se que 16 a 18 milhes de pessoas eram
portadoras de infeco chagsica nas Amricas e que outras 50 milhes
estavam sob risco de contra-la (WHO, 1991). A doena de Chagas, mais do
que qualquer outra doena parasitria, est relacionada ao baixo
desenvolvimento social e econmico (WHO, 2002). Nos pases ao sul da
Amrica do Sul, onde existe a maior concentrao de estudos, estima-se
que 10 a 24% das pessoas infectadas desenvolvero sinais e sintomas
relacionados doena. No Brasil, calcula-se que aproximadamente 5
milhes estejam infectados. Desse universo, 500.000 portadores de
cardiopatia e destes, 10% seriam portadores de cardiopatia grave
(SCHMUIS, 2000).
A doena de Chagas responsvel por significativa taxa de
letalidade. Muitos bitos ocorrem de forma sbita e, na maioria das vezes,
com vtimas abaixo dos 50 anos de idade, o que acarreta um alto custo
social.
Apenas o custo das arritmias da cardiopatia crnica poderia alcanar
US$ 46 milhes por ano, se todos os pacientes que o necessitassem fossem
adequadamente tratados. J para a implantao de marca-passos e
realizao de cirurgias complexas para as formas digestivas avanadas
subiria a US$ 250 milhes, para atender a todos os chagsicos brasileiros
que teoricamente necessitam desses procedimentos (FERREIRA, et al.,
2005).
5
Felizmente, graas s polticas de combate transmisso da doena,
em 1997 a transmisso vetorial foi interrompida no Uruguai, no Chile, em 8
das 12 reas endmicas do Brasil e em 4 das 16 reas endmicas da
Argentina (PRATA, 2001; WHO, 2002).
Pases no endmicos, na Amrica do Norte, Europa e Regio do
Pacfico Ocidental tem visto o recente surgimento da doena de Chagas,
devido migrao de mais de 15 milhes de pessoas oriundas de reas
endmicas (SCHMUNIS, 2007).
O elevado custo da doena de Chagas reconhecido como um
desafio emergente em alguns pases no endmicos, como Estados Unidos
e Espanha (MILEI, 2009; DE AYALA et al., 2009).
Histria da cardiopatia chagsica
Os primeiros relatos do acometimento cardaco na doena de Chagas
se encontram nos trabalhos do prprio Carlos Chagas, especialmente a
partir de importante contribuio em 1920 e o estudo com Vilela (CHAGAS e
VILELA, 1922).
Como j mencionado, aps o estudo anatomopatolgico de (VIANNA,
1911) surge o fascnio pelo estudo desta cardiopatia, que culmina com a
ampliao do conhecimento clinico, com CHAGAS (1930).
Em 1936, Miguel Couto Filho quem primeiro demonstra o
acometimento especfico do SEC (CASTAGNINO & THOMPSON, 1980,
p.60).
Em 1948, novamente o conhecimento clnico sobre cardiopatia
chagsica logra grande salto, com os estudos de Francisco Laranja,
Emmanuel Dias e Genard Nobrega (LARANJA et al., 1948).
Com respeito fisiopatologia, aps a descrio das diferenas
histopatolgicas entre as fases crnica e aguda (CHAGAS, 1916 a e b),
alguns autores propuseram a teoria "alrgica", em que uma resposta do tipo
6
alrgica seria induzida pela presena constante do parasito (TORRES, 1941;
MAZZA, 1949).
Com a publicao dos trabalhos de KBERLE (1962), uma nova
teoria surgiu. A ausncia frequente de achados inflamatrios em bipsias
no justificaria a evoluo da doena. Ento, semelhana do mecanismo
responsvel pela doena digestiva, em que a reduo da inervao
parassimptica provocaria a dilatao do esfago e intestino, a desnervao
parassimptica, associada ao aumento da atividade simptica, levaria
hipertrofia e dilatao cardaca. Entretanto, a correlao entre a
desnervao e as alteraes cardacas no foram confirmadas (LOPES &
TAFURI, 1983; ALMEIDA et al., 1987).
A demonstrao da presena do anticorpo EVI em chagsicos
(COSSIO, 1974), a induo experimental da ao citotxica de linfcitos
contra as fibras miocrdicas (SANTOS-BUCH & TEIXEIRA, 1974) e a
identificao de antgenos comuns entre o T. cruzi e as fibras miocrdicas
(SADIGURSKY et al., 1988; LEVIN et al., 1989; CUNHA- NETO et al., 1995)
fortaleceram a hiptese da autoimunidade para tentar explicar a evoluo
crnica da doena. Porm, esta teoria falha em justificar o carter multifocal
dos achados histopatolgicos, bem como a leso digestiva frequentemente
encontrada nos pacientes chagsicos.
A presena de alteraes segmentares da contratilidade ventricular,
as evidncias de disfuno endotelial, o aumento da reatividade plaquetria,
alm da produo de neuraminidase pelo parasito, tm sido demonstradas
experimentalmente. Como resultado, a hipoperfuso local caracteriza as
alteraes microvasculares, como mecanismo responsvel pela patogenia
da doena de Chagas (MORRIS et al., 1990; ROSSI, 1990).
Recentemente, a utilizao de tcnicas como a imuno-histoqumica e
a PCR (reao de cadeia de polimerase) permitiram identificar, seja qual for
o mecanismo patognico da doena de Chagas, que a presena do parasito,
ou de seus antgenos, deve estar envolvida no processo patognico,
7
independentemente dos mecanismos anteriormente descritos (BASQUIERA
et al., 2003).
Dessa forma, a patognese da cardiopatia chagsica permanece
como assunto controverso.
O seio coronrio
O seio coronrio (SC) uma estrutura tubular, muscular, que mede de
2-3 cm de comprimento por 1 cm de largura, localizado no sulco
atrioventricular (AV) esquerdo, na superfcie posterior do corao
(WILLIAMS et al., 2001). Coleta aproximadamente dois teros do sangue
venoso do miocrdio e o drena para o trio direito (ROUVIERE, 1991), ver
figura 2.
FIGURA 2: Vista pstero-inferior do corao, em que se nota o seio coronrio e suas principais tributrias. Modificado de Acesso em 15 de junho de 2014.
Estudos envolvendo o SC so realizados em diferentes reas da
cardiologia, como eletrofisiologia (MELO et al., 1998), reperfuso miocrdica
(MURAD-NETTO & MURAD, 2010; GIORDANO, 2003) terapia com clulas
http://www.cvphysiology.com/
8
2tronco (NETO et al., 2004) e at mesmo nas valvopatias, com o advento de
dispositivo implantvel no SC por via percutnea (FELDMAN &
CILINGIROGLU, 2011; DAVIS, 2012). Graas a estes avanos observamos
com maior frequncia revises anatmicas acerca do SC e suas tributrias,
em diferentes populaes (BALLESTEROS et al., 2010).
Ao contrrio de outras veias, a parede do SC relativamente espessa
e em vez de musculo liso formando uma camada mdia, constitudo
integralmente por fibras miocrdicas. Isso foi demonstrado primeiramente
por KEITH (1902), seguido por COAKLEY & KING (1959), LIOTTA (1971) e
VON LUDINGHAUSEN & BOOT (1992). Dentre estes autores, destacamos
LIOTTA (1971) quem asseverou ser o SC, semelhante a uma cavidade
cardaca, com estrutura muscular constituda por fascculos prprios e por
fascculos atriais (ver figura 3), demonstrou radiolgica e
hemodinamicamente que o SC possui atividade contrtil prpria e
caracterizou a dilatao do SC na fibrilao atrial. Para o referido autor, o SC
o terceiro trio do corao, somando-se aos congneres trios direito e
esquerdo. Como argumento, destaca que ambos tm origem no mesmo
perodo embriolgico e possuem a mesma estrutura anatmica.
9
FIGURA 3: Histologia de um corte transverso ao nvel do tero mdio do seio coronrio, demonstrando que o mesmo possui fibras esfincterianas (setas menores) e longitudinais (setas maiores). Extrado de LIOTTA (1971).
Outros autores relataram ainda, a presena de clulas especializadas
no SC, que poderiam participar na conduo interatrial (ANTZ et al., 1998) e
na gnese de algumas arritmias cardacas (VOLKMER et al., 2002).
Neste contexto, importante reviso anatmica e histolgica
(BARCEL et al., 2004) demonstrou que o SC possui endocrdio, miocrdio
e epicrdico, alm de um ramo de conduo e um n composto por clulas
semelhantes s clulas do nodo sinusal.
Estes achados certamente expressam a importncia do SC, entretanto,
para a realizao do presente estudo, nos ocuparemos dos achados de
LIOTTA (1971), reconhecendo que o SC um rgo contrtil, responsvel
por drenar 70% do sangue venoso da circulao coronariana, sendo
composto por fibras miocrdicas prprias e outras de origem atrial, atuando
em conjunto para um adequado mecanismo de drenagem venosa.
10
A contrao e o relaxamento do seio coronrio ocorrem simultaneamente
com o trio direito, no havendo refluxo deste trio para o seio coronrio ou
deste ltimo para o leito venoso coronariano, graas aos mecanismos
anatmicos funcionais descritos a seguir.
Durante a distole do trio direito, o relaxamento desta cmara ocasiona
o descenso do teto do SC, formado pelo Tendo de Todaro e pelo Limbo
inferior de Vieussens. Este descenso do teto, em conjunto com a vlvula de
Tebesio, presente em sua desembocadura, ocasiona o fechamento desta
extremidade do SC, evitando refluxo desde o AD, ver figura 4.
FIGURA 4: Elementos anatmicos que constituem o teto do seio coronrio e a vlvula de Tebesio (*). TT = tendo de Todaro, LI = limbo inferior de Vieussens. Extrado de LIOTTA (1971).
Durante a sstole atrial ocorre o contrrio, esta extremidade se abre e o
seio coronrio se contrai, esvaziando seu contedo no trio direito. A
contrao do seio coronrio produz uma flexo da veia cardaca magna,
evitando refluxo para esta importante veia, ver figura 5. Tambm poderia
11
evitar refluxo nesta extremidade do seio coronrio, a vlvula de Vieussens,
entretanto, esta se encontra presente em apenas 43% das pessoas.
De igual modo, na superfcie interna do seio coronrio encontram-se
algumas pregas semilunares, que tambm poderiam evitar refluxo
sanguneo para a veia cardaca magna, durante a contrao do seio
coronrio, ver figura 6.
FIGURA 5: Flexo da veia cardaca magna, ocasionada pela contrao do seio coronrio. Extrado de LIOTTA (1971).
12
FIGURA 6: Prega semilunar, localizada na superfcie interna do seio coronrio,
identificada com o fio negro em seu interior. Extrado de LIOTTA (1971).
Cabe destacar que tambm no h refluxo para as demais veias que
drenam ao seio coronrio, porque os orifcios de desembocadura destas
veias alm de possurem vlvulas (ver figura 7) esto circundados por
fibras miocrdicas do seio coronrio (ver figura 8) que ao se contrarem
fecham estes orifcios. Este mecanismo anti-refluxo similar ao existente
nas veias cavas e pulmonares, que impedem o refluxo quando os trios se
contraem.
13
FIGURA 7: Vista interna do seio coronrio, em que se observam as vlvulas (*) nos orifcios de desembocadura das veias que drenam na parede inferior do seio coronrio. Extrado de LIOTTA (1971).
FIGURA 8: Fibras miocrdicas (seta) contornando os orifcios de desembocadura das veias que drenam ao seio coronrio. Extrado de LIOTTA (1971).
14
O seio coronrio na cardiopatia chagsica crnica
Do ponto de vista patognico, o SC ainda no foi estudado na
cardiopatia chagsica crnica, como se nota em reviso a este respeito
(MARIN-NETO et al., 2007). Nem mesmo os trabalhos sobre distrbios
microvasculares contemplaram o SC, como se nota em (PRADO et al.,
2011), que revisou trabalhos sobre este tema da cardiopatia chagsica
crnica, discutindo diversos aspectos, como o papel da endotelina-1 e do
tromboxano A2. O mesmo tambm se d em reviso mais recente (MARIN-
NETO et al., 2013).
O orifcio de desembocadura do SC em conjunto com o tendo de
Todaro e a vlvula tricspide formam o tringulo de Kock, importante reparo
anatmico localizado no trio direito, onde est parte do sistema de
conduo, especificamente o n atrioventricular (NAV) e parte do feixe de
His. Por isso, alguns autores mencionam o SC durante descrio tcnica do
local em que foram retiradas amostras de tecido miocrdico, para estudo
histopatolgico do sistema de conduo, como se v em TORRES &
DUARTE (1948) e no estudo da doena de Chagas experimental no co
(SCALABRINI et al., 1996).
Estudo sobre terapia de ressincronizao cardaca na cardiopatia
chagsica crnica (PORTO et al., 2009) utilizou tcnica de cateterizao do
SC, com objetivo de alcanar uma posio anatmica favorvel
estimulao do ventrculo esquerdo (VE), entretanto, sem estabelecer
qualquer correlao do SC com a patognese desta cardiopatia.
VILAS-BOAS (2002) investigando a origem da produo de citocinas
pr-inflamatrias em pacientes com insuficincia cardaca de causa
chagsica, dosou a concentrao srica destas molculas na aorta (Ao), no
SC e na veia supra-heptica, encontrando concentrao de TNF- no SC
maior que na Ao e na veia supra-heptica. Este trabalho tinha por objetivo
estabelecer se a origem da produo de citocinas pr-inflamatrias ocorria
em stio cardaco ou intestinal, no h qualquer meno de que o SC
15
pudesse participar ativamente na fisiopatologia da cardiopatia chagsica
crnica.
JACKSON et al., (2010) realizaram estudo descritivo, transversal, em
uma comunidade de latinos e norte-americanos que viviam em Genebra,
com os seguintes objetivos: conhecer a prevalncia da doena de Chagas,
avaliar os fatores de risco para a infeco pelo T. cruzi, o estgio clnico da
doena e o risco de transmisso local por transfuso e transplante. Apesar
da to em voga globalizao da doena de Chagas, o que chama ateno
neste trabalho o surpreendente relato dos autores, merecendo aqui a
transcrio ipsis litteris: curiosamente, cinco pacientes sintomticos, com
ECG normal, apresentaram disfuno diastlica de grau leve ou dilatao do
seio coronrio ecocardiografia.
16
Ecocardiografia na cardiopatia chagsica crnica
Estudos em doena de Chagas, utilizando ecocardiografia, remontam
do final da dcada de 1960, onde pela ecocardiografia unidimensional se
tentou demonstrar alteraes global e segmentar do VE. No estudo de DE
ROSA (1964) os achados mais precocemente detectados na etapa
assintomtica foram aumento do dimetro diastlico do VE (80%),
hipocinesia do septo interventricular (15%) e hipertrofia septal (5%).
CMARA et al., (1991) identificou alterao da funo diastlica em
pacientes com cardiopatia chagsica, sem insuficincia cardaca. O
resultado encontrado sugere que a disfuno diastlica do VE precede ou
est presente na fase inicial das alteraes de contratilidade deste
ventrculo.
Ecocardiografia do seio coronrio
ANDRADE et al., (1986) destacavam que os aspectos
ecocardiogrficos do SC no recebiam muita ateno na literatura, havendo
apenas alguns trabalhos sobre conexo venosa anmala, com imagens
obtidas no corte paraesternal. Os referidos autores realizaram anlise de
rotina do SC com imagens obtidas no corte apical, de quatrocentos
pacientes consecutivos, com idades variando de cinco dias a oitenta anos e
conclui que o corte apical fornece informaes detalhadas no s da
anatomia normal, mas tambm de anormalidades deste segmento do
corao.
DCRUZ et al., (2000) relatam que utilizando zoom para registrar o
SC com modo-M, no corte apical duas cmaras, o dimetro do SC pode ser
precisamente registrado e facilmente medido, durante o ciclo cardaco.
Com base nas observaes acima citadas, adotamos no presente
estudo o modo-M, no corte apical duas cmaras, para avaliao do SC.
17
Manifestaes iniciais da cardiopatia chagsica crnica
Aps a forma aguda da doena de Chagas, sobrevm a forma
indeterminada, cuja ausncia de sintomas a principal caracterstica. A
(PRIMEIRA REUNIO DE PESQUISA APLICADA EM DOENA DE
CHAGAS, 1985) definiu como critrios diagnsticos da forma indeterminada:
1) positividade de exames sorolgicos e/ou parasitolgicos; 2) ausncia de
sintomas e/ou sinais de doena; 3) eletrocardiograma convencional normal;
e 4) exames radiolgicos de corao e aparelho digestrio normais.
Entretanto, indivduos na forma indeterminada, quando avaliados com
mtodos diagnsticos mais sensveis, com frequncia varivel, apresentam
algum grau de alterao estrutural e/ou funcional do corao e aparelho
digestrio (MACEDO, 1980; BARRETTO & MADY, 1986).
Embora assintomticos em condies de repouso e as cmaras
cardacas com dimenses e funo sistlica normais, esses indivduos tm
capacidade funcional diminuda em comparao aos indivduos normais. As
alteraes dos parmetros ecocardiogrficos da funo diastlica sugerem
que esta alterao seja responsvel pela diferena (MADY et al.,1997)
A respeito da disfuno diastlica do VE na cardiopatia chagsica
crnica, levantamos a hiptese de que a falha na drenagem do SC, cause
um transtorno circulatrio com repercusso retrgrada, uma vez que a
drenagem venosa do VE realizada principalmente por veias que tributam
ao SC.
A congesto vascular seria ento capaz de determinar isquemia
miocrdica, cuja manifestao ecocardiogrfica inicial a disfuno
diastlica, seguindo-se o principio demonstrado por HEYNDRICKX et al.,
(1978) que estabeleceram a seguinte cascata isqumica: heterogeneidade
de perfuso, alterao metablica, disfuno diastlica do VE, discinesia
regional, alteraes eletrocardiogrficas e dor precordial.
18
O efeito deletrio da congesto miocrdica sobre a funo diastlica
j foi demonstrado por outros pesquisadores (DAVIS et al., 1995; PRATT et
al., 1996).
Adelgaamento miocrdico
ROCHITTE et al., (2007) demonstraram com ressonncia nuclear
magntica (RNM), que na cardiopatia chagsica crnica, reas de afilamento
miocrdico e fibrose, predominam em regies de dupla irrigao arterial:
pex ventricular (entre a artria interventricular anterior e interventricular
posterior) e na regio pstero-lateral do VE (entre a artria coronria direita
e circunflexa), ver figura 9.
Figura 9: reas de adelgaamento miocrdico (borro negro) em territrios de dupla irrigao arterial. Extrado de Rochitte et al., (2007).
Vale ressaltar que alteraes de perfuso miocrdica foram
observadas em portadores da doena de Chagas com dor torcica, sem
obstruo das artrias coronrias MARIN-NETO et al., (1992). Estas
19
alteraes de perfuso miocrdica podem ser responsveis pela fibrose
observada por meio de RNM nos portadores da doena de Chagas com
insuficincia cardaca ou arritmia ventricular, nas mesmas localizaes
observadas na necropsia: pice do VE e regies pstero-laterais, ver figuras
10 e 11.
FIGURA 10: Corao chagsico com leso vorticilar (seta) e aumento discreto das quatro cmaras cardacas. Autoria JS Meira-Oliveira. Reproduzido de MARIN-NETO et al., Pathogenesis of chronic Chagas' heart disease. Circulation (New York, N.Y.), Boston, MA, USA., v. 115, p. 1109-1123, 2007. Disponvel em Acesso em 17 de maio de 2014.
20
FIGURA 11: Afilamento miocrdico da regio pstero-lateral e basal do ventrculo esquerdo, com substituio por fibrose. Extrado de Higuchi et al., (2003).
Sobre o adelgaamento miocrdico na cardiopatia chagsica crnica,
gostaramos de salientar que a funo miocrdica adequada depende da
qualidade da funo celular e esta por sua vez depende de condies timas
do meio ambiente no qual as clulas vivem, o lquido extracelular, para que
seja realizado o intercmbio entre escorias do metabolismo celular e
substncias nutritivas, como por exemplo, oxignio.
Um meio ambiente timo para atividade celular, somente pode ser
mantido com adequado fluxo sanguneo arterial aos tecidos. Entretanto, o
fluxo arterial depende entre outras coisas, de uma adequada circulao
venosa, pois a falha desta compromete sobremaneira o equilbrio necessrio
perfuso tissular.
A falha na drenagem venosa por parte do SC pode ocasionar um
transtorno na circulao venosa coronariana com repercusso retrgrada,
capaz de determinar isquemia.
21
Evidentemente, as reas do corao com dupla irrigao arterial
apresentariam leses mais intensas, devido a maior necessidade de
drenagem venosa.
O pex cardaco constitudo em sua maior parte pelo VE e em
menor proporo pelo ventrculo direito (VD). O segmento anterior do pex
irrigado pela artria coronria descendente anterior (ramo da artria
coronria esquerda) e drenado pela veia cardaca magna, principal tributria
do SC. O segmento posterior do pex cardaco irrigado pela artria
coronria interventricular posterior (ramo da artria coronria direita) e
drenado pela veia cardaca mdia ou interventricular posterior, que tambm
tributria do SC, ver figura 12.
FIGURA 12: Disposio das artrias coronrias na superfcie cardaca. Fonte: adaptado de Acesso em 15 de maio de 2014.
Como se v, as reas de dupla irrigao arterial remontam sobretudo
ao VE e so drenadas por veias que tributam em sua quase totalidade ao
SC. Diante da hiptese de alterao no mecanismo de drenagem do SC,
acreditamos que haveria em nvel retrgrado, principalmente nas reas de
http://www.texasheartinstitute.org/
22
dupla irrigao arterial, tendncia a congesto na microcirculao, aumento
da presso hidrosttica e formao de edema miocrdico, assim como
aumento da resistncia e limitao ao fluxo arterial no territrio
microvascular, podendo causar isquemia miocrdica, no por ocluso
arterial coronariana, mas por um possvel estado de insuficincia venosa
coronariana, situao que etimologicamente pode ser melhor designada
como insuficincia venosa cardaca (IVC), ver figura 13.
FIGURA 13: Fenmeno isqumico no territrio microvascular, devido a insuficiente drenagem venosa coronariana. Fonte: Elaborado pelo autor.
Este conceito fisiopatolgico poderia explicar a ocorrncia de
fenmenos de isquemia miocrdica, com artrias coronrias prvias, achado
frequente na cardiopatia chagsica crnica.
Note-se que o mecanismo fisiopatolgico de isquemia na cardiopatia
chagsica crnica no ocorre pela forma mais prevalente, em que a
obstruo ao fluxo sanguneo em nvel arterial, habitualmente causada por
um trombo que se instala sobre uma placa aterosclertica rota,
responsvel pela isquemia do segmento distal, ver figura 14.
23
FIGURA 14: Isquemia no territrio distal a obstruo arterial, causada por um trombo, no leito arterial coronariano. Fonte: Elaborado pelo autor.
A falha na drenagem venosa pelo SC tambm poderia explicar
algumas alteraes vasculares descritas na cardiopatia chagsica crnica,
como por exemplo, a hipertrofia da camada mdia arterial, denominada
leso de Magarinos Torres, e a dilatao arteriolar demonstrada por
HIGUCHI et al., (1999).
Para ns, estas alteraes representam mecanismos compensatrios,
ou seja, consequncias retrgradas originadas pela falha no mecanismo de
drenagem do SC, no sendo, portanto, responsveis por alteraes na
perfuso distal.
Cabe destacar, que alteraes arteriais com ou sem hiperplasia mural
(mas no ateromatosas), foram cogitadas como responsveis por leses
miocrdicas isqumicas, afirmativa j rechaada, uma vez que estas so
irregulares (no sistematizadas), muito dispersas e descontnuas ao longo
dos vasos (CASTAGNINO & THOMPSON, 1980).
Mas afinal, para onde vai o fluxo sanguneo que no circula
adequadamente no territrio de dupla irrigao arterial coronariana? GOMES
et al., (1979) demonstraram experimentalmente, por meio de hiperperfuso
coronria, que o territrio drenado pelo SC capaz de apresentar um
fenmeno denominado derivao de fluxo coronrio, que consiste na
passagem do fluxo sanguneo desde o compartimento intravascular para o
24
interior das cmaras cardacas. Este fenmeno ocorre por intermdio dos
vasos tebesianos e arterioluminais.
Como j mencionado, a congesto venosa ocasionada por uma
possvel falha na drenagem pelo SC, pode ser responsvel pela dilatao
arteriolar existente na cardiopatia chagsica crnica, demonstrada por
HIGUCHI et al., (1999). Esta dilatao arteriolar denota a existncia de
sobrecarga de volume intravascular e, portanto factvel existncia do
mencionado fenmeno de derivao de fluxo coronrio.
Estas observaes concordam com o carter focal das leses, bem
como outro aspecto fisiopatolgico, que considera o mecanismo de
produo das leses isqumicas da cardiopatia chagsica crnica, como
leses de reperfuso (ROSSI & RAMOS, 1996).
Possivelmente, tambm corrobora a hiptese de IVC, o achado de
MIGNONE (1958) ao verificar topograficamente, que as leses miocrdicas
de infiltrao celular difusa e de esclerose, ambas em grau pronunciado,
predominam nos dois teros internos da espessura da parede do VE,
podendo segundo o autor falar-se em predileo por estas regies. J no
VD, a esclerose menos pronunciada do que no esquerdo e no demonstra
preferncia por localizao especial.
Didaticamente, a rea isqumica pode ser caracterizada pela figura
geomtrica de uma pirmide, cuja base est voltada para o endocrdio e o
vrtice para o epicrdio. Entretanto, quando o dficit de perfuso
responsvel pela rea isqumica, tem origem no leito arterial coronariano,
esta pirmide apresenta um maior ngulo conformado por seu vrtice
(pirmide tipo A). Ao contrrio, quando o dficit de perfuso tem origem no
leito venoso coronariano, a pirmide apresenta um menor ngulo
conformado por seu vrtice (pirmide tipo B), ver figura 15.
A base da pirmide isqumica representa a rea em que se inicia o
acometimento miocrdico, podendo estender-se ao longo do endocrdio e
em direo ao epicrdio, cujo maior ou menor ngulo formado pelo vrtice,
poderia explicar porque o aneurisma chagsico possui colo estreito e o
25
aneurisma ps-infarto, propriamente dito, possui colo largo, como veremos
adiante.
FIGURA 15: Representao esquemtica das reas de acometimento miocrdico na cardiopatia chagsica crnica, que predominam nos teros interno e mdio (endocrdio e mesocrdio) do ventrculo esquerdo, representados pelas setas cheias. Na margem inferior, observam-se as pirmides isqumicas, tipo A e B. Fonte: Elaborado pelo autor.
Aneurisma apical
Em alguns casos o pex cardaco exibe intenso afilamento, com
posterior dilatao aneurismtica, considerada leso patognomnica da
cardiopatia chagsica crnica, designada como leso vorticilar esquerda por
RASO (1964), devido localizao neste vrtex cardaco. Esta leso
constituda por uma zona de fibrose, que representa seu substrato
histopatolgico. Tende a ser mais acentuada na regio endocrdica, e pode
existir tecido muscular ntegro nas adjacncias da rea subepicrdica. Em
ocasies, a parede da leso constituda pela sobreposio do endocrdio
26
com o epicrdio, como consequncia da total desapario do tecido
muscular (ANDRADE & ANDRADE, 1955; CAPRIS et al., 1969).
Com relao aos aneurismas ps-infartos, a maioria apresentam
focos de necrose franca ou de necrobiose com substituio fibrosa, podendo
isto ser demonstrado mesmo em leses antigas. Inicialmente, a isquemia
acomete a regio endocrdica, formando-se uma leso constituda por uma
rea central necrtica, uma rea de injria e uma rea de isquemia, ver
Figura 16.
FIGURA - 16: Na figura acima se observam as caractersticas histolgicas do infarto miocrdico: rea de necrose (1), rea de injria (2) e rea de isquemia (3). Fonte: Elaborado pelo autor.
No aneurisma chagsico, no aparece necrose nem necrobiose,
encontrando-se uma atrofia parietal por miocitlise com substituio por
tecido conectivo, inicialmente muito mais frouxo que o tecido cicatricial
fibroso por infarto (CASTAGNINO & THOMPSON, 1980, p.130).
27
Por meio de CPM, SIMES et al., (2007) avaliaram
comparativamente o aneurisma ps-infarto e o chagsico, sendo identificada
importante diferena estrutural entre ambas as leses: a primeira
apresentando colo mais largo e a segunda um colo estreito.
Cogitamos que estas leses sejam originadas a partir de diferentes
mecanismos de isquemia e por isso apresentam diferentes expresses
anatmicas. A ocluso arterial trombtica, causadora do infarto, determina
uma leso constituda por uma rea de necrose, injria e isquemia.
Evidentemente, a forma radial com que estas reas esto dispostas,
determina uma leso com maior extenso, do que aquela existente na
cardiopatia chagsica crnica.
A ocluso trombtica determina uma pirmide isqumica tipo A. Na
CCC, a falha no mecanismo de drenagem venosa do SC determina uma
pirmide isqumica tipo - B, ver figuras 17a e 17b.
FIGURA 17a: Aneurisma sobre rea isqumica consequente a ocluso arterial trombtica. A extenso da rea isqumica significativamente maior na regio epicrdica, proporcionando maior dimenso ao colo da leso aneurismtica. Fonte: Elaborado pelo autor.
28
FIGURA 17b: Leso vorticilar sobre rea isqumica, consequente a falha na drenagem venosa do seio coronrio. A extenso da rea isqumica causada por este mecanismo significativamente menor na regio epicrdica, proporcionando menor dimenso ao colo da leso vorticilar. Fonte: Elaborado pelo autor.
Leses do sistema excito-condutor cardaco - SEC
Na CCC, o bloqueio do ramo direito o transtorno de conduo mais
frequente, diferente das outras miocardiopatias em que predominam o
bloqueio do ramo esquerdo (CASTAGNINO & THOMPSON, 1980).
Em estudos histopatolgicos, as leses do ramo direito que poderiam
causar distrbios de conduo em chagsicos crnicos foram localizadas em
seu segmento inicial e/ou no segmento intramiocrdico (OLIVEIRA et al.,
1972), assim como na trabcula septo marginal do ramo direito (ROCHA et
al.,1994).
Ao estudar o SEC com cortes histolgicos seriados, ANDRADE
(1974) descreveu um achado curioso: o ramo esquerdo originando-se do
feixe de His como finos feixes que se orientam para o subendocrdio e aps
todos ou quase todos os fascculos terem tido origem que surge o ramo
direito. Desta forma, o ramo anterior esquerdo no se originaria do ramo
esquerdo e sim do ramo direito. O referido autor relata ter encontrado as
29
duas pores do ramo esquerdo de uma maneira algo arbitrria,
considerando uma metade posterior (a primeira a aparecer nos cortes
histolgicos seriados) e a outra metade anterior (geralmente surgindo da
bifurcao com o ramo direito).
ANDRADE (1974) descreveu ainda que na maioria dos casos,
caracteristicamente, as leses envolvem a poro inferior do n
atrioventricular (NAV), a metade direita do feixe principal de His, a zona de
bifurcao do ramo direito com os fascculos anteriores do ramo esquerdo,
e o ramo direito (poro proximal). Estes casos exibiam ao
eletrocardiograma (ECG), bloqueio completo do ramo direito (BCRD) e
hemibloqueio anterior esquerdo, fornecendo excelente correlao com os
achados histopatolgicos.
Para explicar a possvel relao do SC com os transtornos de
conduo do estmulo eltrico na cardiopatia chagsica crnica, devemos
salientar que o SC repousa sobre o sulco atrioventricular, na superfcie
posterior do corao, contornando dois teros do anel mitral, quando ento
penetra no miocrdio, prximo crux cordis e dirige-se ao interior da
cavidade atrial direita. Esta poro penetrante do SC encontra-se em
relao anatmica com estruturas macroscpicas do trio direito,
representadas na figura 18, e microscpicas da regio designada juno
AV.
30
FIGURA 18: Vista interna do trio direito por meio de abertura em sua parede anterior. Em linhas tracejadas observa-se a poro final ou penetrante do seio coronrio, em relao com a vlvula tricspide (1), tendo de Todaro (2), stio do seio coronrio (3) e vlvula de Thebesio (4). Fonte: Modificado de Burkhardt, (2007).
Do ponto de vista macroscpico, a desembocadura do SC em
conjunto com o tendo de Todaro e a vlvula tricspide formam o tringulo
de Kock, importante referncia anatmica, habitualmente preservada em
atos cirrgicos, por conter dentro de seus limites o NAV e a poro inicial do
feixe de His, estruturas microscpicas da juno AV.
A poro penetrante do SC passa por trs e por baixo do NAV, para
ento terminar mais adiante direita do feixe de His, ver figura 19.
Diante do exposto, cogitamos a possibilidade de que as leses no SC
possam se estender para o lado direito do feixe de His e a poro inferior do
NAV.
31
FIGURA 19: A seta tracejada representa a poro penetrante do seio coronrio e sua relao com o nodo atrioventricular (NAV) e o feixe de His (HIS). O feixe de His localiza-se entre o septo muscular (S.MUSC.) e o septo membranoso (S.MEMB.), ramificando-se em sua extremidade distal nos ramos esquerdo (RE) e direito (RD). Adaptado de Acesso em 15 de junho de 2014.
Inflamao na cardiopatia chagsica crnica
Pacientes com insuficincia cardaca, de causa no chagsica,
habitualmente apresentam nveis elevados de citocinas pr-inflamatrias.
Acredita-se que a congesto venosa cause alterao da permeabilidade
intestinal, permitindo a translocao para a circulao sistmica de bactrias
ou suas toxinas, ativando o sistema imune.
Para investigar a origem da produo de citocinas pr-inflamatrias
em pacientes com insuficincia cardaca de causa chagsica, VILAS-BOAS
(2002) dosou a concentrao srica destas substncias na Ao, no SC e na
veia supra-heptica, encontrando concentrao de TNF- no SC maior que
na Ao e que na veia supra-heptica. Identificou ainda, que os estados
congestivos, avaliados por meio de medidas clnicas e/ou hemodinmicas,
parecem influenciar o processo pr-inflamatrio, concluindo o referido autor,
32
que essas evidncias podem permitir uma melhor compreenso do processo
envolvido na ativao do sistema imune em pacientes com insuficincia
cardaca de etiologia chagsica.
A este respeito, pode-se cogitar que o estado congestivo seja
responsvel pela ativao das clulas endoteliais das veias coronrias, que
possuem a capacidade de modular a atividade inflamatria, como
demonstrado por MOHL (2008), em ensaio clnico randomizado de pacientes
com infarto agudo do miocrdio (IAM) que apresentaram recuperao
miocrdica e melhoria clinicamente significativa. Estes resultados so
creditados ao efeito da teraputica endovascular PICSO (presso
intermitente de ocluso do seio coronrio) sobre o endotlio das veias
coronrias, que segundo os autores, gera estmulos moleculares capazes de
alterar padres de mediao inflamatria, que induzem a regenerao
miocrdica. Para se alcanar estes resultados com PICSO, necessrio
estrito controle da presso e durao do perodo de ocluso.
Com respeito cardiopatia chagsica crnica, no h que se fazer
ilao sobre regenerao miocrdica. Entretanto, o mecanismo
fisiopatolgico para modulao da atividade inflamatria por intermdio do
endotlio das veias coronrias pode sinalizar um caminho para novas
investigaes na CCC.
Disfuno do ventrculo direito
Uma particularidade da cardiopatia chagsica crnica o predomnio
das manifestaes da disfuno ventricular direita, cujas explicaes
fisiopatolgicas no esto bem claras, embora existam algumas hipteses
(MARIN-NETO & ANDRADE, 1991). Os sinais e sintomas de congesto
sistmica somente surgem quando a disfuno esquerda se instala. O bom
desempenho funcional do VE mascara a disfuno direita, que s se
manifestaria quando a disfuno esquerda estiver instalada. Em estudos
33
experimentais realizados em ces, existe nitidamente predominncia da
leso do VD (ANDRADE et al., 1980)
Antes de expor algumas reflexes acerca da disfuno do VD na
cardiopatia chagsica crnica, devemos mencionar que o estudo do VD
um campo relativamente novo na cardiologia, tendo sido designado em 2006
pelo Instituto Nacional do Corao, Sangue e Pulmo dos Estados Unidos
(National Heart, Lung, and Blood Institute) como prioridade em pesquisa
cardiovascular (VOELKEL et al., 2006).
Sir. William Harvey foi o primeiro a descrever a importncia do VD em
1616, em seu tratado De Motu Cordis, mas essa importncia permaneceu
subestimada pela comunidade cientfica por um longo perodo. A cardiologia
ocupou-se com o estudo do (VE), sua fisiologia e estrutura, subestimando o
estudo do VD (HADDAD et al., 2008 a e b).
Na primeira metade do sculo XX, os estudos do VD ficaram limitados
a um pequeno grupo de pesquisadores que se viram intrigados pela hiptese
de que a circulao humana podia funcionar adequadamente sem a funo
contrtil do VD (grande equvoco provocado pelo uso de um modelo canino
com pericrdio aberto). A partir da dcada de 1950 at 1970, cirurgies
cardacos reconheceram a importncia do lado direito do corao ao avaliar
procedimentos paliativos para hipoplasia do corao direito. Desde ento, a
funo do VD foi reconhecida na insuficincia cardaca, no IAM do VD,
doena cardaca congnita e hipertenso pulmonar (CASTRO, 2012).
Em relao fisiologia, a funo primria do VD receber o retorno
venoso sistmico e bombe-lo na circulao pulmonar. A despeito de sua
parede fina, o VD pode bombear o mesmo volume de sangue que o VE, pois
os dois esto conectados em srie. Alm disso, tem a seu favor um sistema
de baixa impedncia e maior distensibilidade da vasculatura pulmonar, o que
faz com que trabalhe com 25% da fora de trabalho do VE (GIUSCA et al.,
2010).
A interdependncia funcional do VD e do VE significa que forma,
tamanho e complacncia de um ventrculo interferem com as propriedades
34
hemodinmicas do outro. Isso se deve a: terem uma parede em comum, que
o septo interventricular (SIV), serem circundados por fibras musculares em
continuidade e dividirem o mesmo espao no saco pericrdico
(APOSTOLAKIS & KONSTANTINIDES, 2012).
O maior acometimento do VD direito na cardiopatia chagsica pode
explicar-se pelo fato de que a textura deste diferente do VE. As mioclulas
do VD so normalmente 25% mais finas e menos compactas que as do VE,
o que determina uma maior vascularizao expansiva no por maior
abundncia de vasos fato muito bem avaliado por (LINZBACH, 1948) e
(JANSEN, 1962), o que influencia na patologia de cada parede. Devido
existncia de maior interstcio vascular, o parasitismo e a inflamao podem
ser mais intensos no VD.
Como vimos, na CCC existe um importante acometimento do VD
cujas manifestaes sistmicas so tardias. Entretanto, apesar da ausncia
de manifestaes sistmica, no se pode afirmar que o mesmo ocorra ao
nvel do sistema venoso coronariano. O acometimento do VD pode ser
responsvel por um aumento da resistncia ao fluxo sanguneo no territrio
adiante do seio coronrio, com repercusso direta sobre a circulao
coronariana.
35
2. JUSTIFICATIVA
A patogenia da cardiopatia chagsica crnica explicada em parte por
alteraes vasculares isqumicas vem ganhando espao no meio cientifico,
alm disso, estudo anatmico e funcional do SC (LIOTTA, 1971) aporta
dados que nos permitem reconhecer que o mesmo possa participar
ativamente na circulao venosa cardaca, atuando como uma bomba de
drenagem venosa.
Diante do exposto, aventamos a hiptese de que na cardiopatia
chagsica crnica exista um verdadeiro estado de insuficincia circulatria
coronariana, como bem postulou KBERLE (1962), ao considerar as leses
miocrdicas isqumicas como consequncia de uma insuficincia
coronariana relativa. Entretanto, ao invs de associar tal fenmeno
desnervao cardaca, objetivamos demonstrar a existncia de disfuno do
SC e consequente falha na drenagem de parte da circulao venosa
coronariana, como possvel responsvel por importantes achados da
cardiopatia chagsica crnica.
Ampliar o conhecimento sobre a fisiopatologia do acometimento
cardaco na doena de Chagas poder ajudar a identificar adequadamente
aqueles pacientes que desenvolvero o dano cardaco, e possivelmente
estabelecer intervenes teraputicas precoces.
36
3. OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
Comparar por meio da ecocardiografia transtorcica os dimetros
mximo e mnimo do SC, assim como a diferena entre estes dimetros
(%), entre indivduos com e sem infeco chagsica.
3.2 Objetivos Especficos
Analisar se existe comparabilidade entre os grupos que compem a
amostra deste estudo.
Comparar o resultado dos exames de ECG e CPM (gated-SPECT) entre
os grupos estudados.
Comparar as medidas ecocardiogrficas do seio coronrio [dimetros
mximo e mnimo e a diferena entre os mesmos (%)] entre os grupos
estudados.
Verificar se existe associao entre as medidas ecocardiogrficas do seio
coronrio com as seguintes variveis:
Sexo.
ECG alterado.
Hipoperfuso miocrdica, avaliada pela CPM (gated-SPECT).
Alterao de contratilidade e disfuno diastlica.
Resultado do xenodiagnstico artificial.
37
4 MTODO
Foram realizados exames de ecodopplercardiografia transtorcica,
sempre pelo mesmo mdico ecocardiografista do Servio de Cardiologia do
HUB, que desconhecia a condio clinica dos participantes quanto a serem
ou no portadores de infeco chagsica. A avaliao funcional foi realizada
utilizando-se parmetros definidos pela Sociedade Americana de
Ecocardiografia (LANG et al., 2005), incluindo-se os dimetros transversos
mximo e mnimo do SC, com o modo-M, no corte apical duas cmaras,
durante o ciclo cardaco. As medidas referentes ao menor dimetro do SC
foram obtidas no incio do complexo QRS do ECG e as medidas do maior
dimetro, durante a contrao ventricular.
A variao no dimetro do SC (%), ou seja, a diferena percentual
entre o maior e o menor dimetro foi avaliada por meio da seguinte equao:
Onde: Mx. seio coronrio e Mn. seio coronrio representam a mdia
dos maiores e menores dimetros do seio coronrio respectivamente.
As variveis ecodopplercardiogrficas obtidas foram correlacionadas
com dados adquiridos nos exames de cintilografia de perfuso miocrdica
(CPM), ECG e xenodiagnstico, este ltimo foi realizado apenas nos
portadores de infeco chagsica.
Os exames de CPM foram realizados no Servio de Medicina Nuclear
do HUB, desconhecendo-se a condio clinica dos participantes quanto a
serem ou no portadores de infeco chagsica. As imagens tomogrficas
(gated-SPECT), foram obtidas aps a administrao endovenosa de
Sestamib 99mTc, com dose no repouso de 30 mCi e no estresse de 30 mCi.
Foi utilizado protocolo repouso/estresse de um dia: Estresse miocrdico sob
38
o uso de dipiridamol, na dose de 10 mg/20kg EV. Uso de aminofilina 240 mg.
Injeo de Sestamib 99mTc aps o dipiridamol. O processamento foi
realizado com cortes tomogrficos de 6 mm de espessura nos trs eixos do
corao e reconstruo de imagens tridimensionais. O aparelho utilizado foi
o Millenium MG da marca GE.
Os exames de ECG foram realizados no Servio de Cardiologia do HUB,
com registro padro de 12 derivaes mais o traado longo da derivao DII.
O registro foi obtido em aparelho da marca Micromed, modelo Wincardio,
com velocidade do papel em 25 m/s e calibrao de 1mV = 1 cm. Cada
traado foi identificado com o nome completo do participante, idade, sexo e
data de realizao do exame. A interpretao dos ECGs foi realizada por um
nico cardiologista, que desconhecia se os participantes eram ou no
portadores de infeco chagsica.
Para o xenodiagnstico artificial, foram utilizadas ninfas da espcie
Rhodnius prolixus de terceiro e quarto estgio. Antes de examinar o
xenodiagnstico de cada paciente, foi anotado o nmero de triatomneos
vivos que mudaram de estgio. Os triatomneos foram examinados pelos
tcnicos da seo de xenodiagnstico do Ncleo de Medicina Tropical
(NMT), que tem experincia neste mister h mais de 20 anos. A unidade de
exame foi o pool, constitudo pelo contedo intestinal de cinco triatomneos.
4.1 Tipo de estudo
Estudo comparativo de prevalncia de alteraes ecocardiogrficas
do SC em pessoas com e sem infeco chagsica.
4.2 Locais em que os exames foram realizados
Ncleo de Medicina Tropical da UnB, Braslia DF.
Ambulatrio de Doenas Infecciosas e Parasitrias, Servio de
Cardiologia e Servio de Medicina Nuclear do HUB, Braslia DF.
39
4.3 Durao
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comit de tica em 20 de
novembro de 2013, procedendo-se aps o aceite, coleta dos dados e
posteriores analises estatsticas, findando-se os trabalhos em 10 de julho de
2014.
4.4 Amostra
Participaram voluntariamente do estudo, portadores de infeco
chagsica em acompanhamento no ambulatrio de Doenas Infecciosas e
Parasitarias do HUB, com sorologia confirmada em dois exames de
diferentes metodologias, sendo a combinao mais frequente
imunoflourescncia e hemoaglutinao indireta. A amostragem deste grupo
foi realizada a partir de uma lista de 350 pacientes, com posterior seleo
pela data de nascimento at o limite de 45 anos para mulheres e 40 anos
para homens. Em seguida foi feito contato telefnico e o convite para
participar do estudo.
Para compor o grupo sem infeco chagsica, foram convidados
funcionrios do HUB e do NMT, que posteriormente foram confirmados
como no portadores de infeco chagsica pela sorologia negativa com
quimioluminescncia, realizada no laboratrio do HUB.
Os portadores de infeco chagsica foram alocados no grupo 1 e
os no portadores de infeco chagsica no grupo 2.
4.5 Definio clnica dos participantes
Foram considerados como no portadores de infeco chagsica
aqueles que apresentaram a respectiva sorologia negativa.
40
Foram considerados como portadores de infeco chagsica, aqueles
que apresentaram sorologia positiva, em dois exames com diferentes
mtodos.
Foram considerados como portadores de cardiopatia chagsica
crnica, os participantes que alm da sorologia positiva apresentaram
anormalidades eletrocardiogrficas compatveis com doena de Chagas,
estando sintomticos ou no (Ministrio da Sade, 2005).
4.6 Critrios de incluso
Foram includos no estudo, voluntrios de ambos os sexos, com idade
mnima de 18 anos e mxima de 40 anos para os homens e 45 anos para as
mulheres.
4.7 Critrios de excluso
Foram excludos os voluntrios com diagnstico de hipertenso
arterial sistmica, diabetes mellitus, indivduos alrgicos ou sensveis a
medicamentos, corantes, iodo, marisco ou ltex.
4.8 Variveis investigadas
4.8.1 Na avaliao ecodopplercardiogrfica foram avaliados os
dimetros mximo e mnimo do SC, assim como a diferena entre estes
dimetros (%).
4.8.2 No ECG foram avaliadas alteraes no ritmo e/ou conduo do
estimulo eltrico, assim como sinais de sobrecarga das cmaras cardacas.
4.8.3 Na CPM foram avaliadas a perfuso miocrdica e a funo
ventricular.
4.8.4 O xenodiagnstico foi avaliado quanto ao resultado positivo ou
negativo
41
4.9 Protocolo
Aps avaliao clnica realizada pelo autor deste trabalho, os
voluntrios foram submetidos ao exame ecodopplercardiogrfico
transtorcico, no servio de Cardiologia do HUB, com aparelho Aplio 400
(Toshiba), sempre com o mesmo mdico ecocardiografista, a fim de manter
as mesmas condies de exame para todos os pacientes.
Os eletrocardiogramas foram realizados no servio de Cardiologia do
HUB, com aparelho digital de 12 canais Wincardio (Micromed).
As cintilografias miocrdicas foram realizadas em aparelho Millenium
MG (GE Medical Systems) no servio de Medicina Nuclear do HUB.
Os xenodiagnsticos foram realizados no Ncleo de Medicina Tropical
da Universidade de Braslia.
As informaes obtidas foram armazenadas em planilha do programa
Excel, da Microsoft Office.
4.10 Anlise estatstica
Os dados das variveis categricas foram comparados utilizando
teste no paramtrico de chi-quadrado e nos casos em que foram
identificados valores esperados menores que 5 foi utilizado o valor de
significncia do teste exato de Fisher unicaudal ou bicaudal dependendo da
natureza da comparao.
Para verificar se existia diferena na variao percentual do dimetro
do SC (%) entre os grupos 1 e 2, foi realizada comparao das mdias
entre os grupos com o teste t.
Entretanto, antes de realizar o teste t verificamos se a varivel %
apresentava distribuio normal, com os testes no paramtricos
Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wil, constatando-se que a varivel %
apresentava distribuio normal.
42
Antes de realizar o teste de comparao de mdias, verificamos a
varincia dos grupos, com o mtodo Folder F.
As anlises de correlao entre variveis quantitativas contnuas
foram realizadas por meio do coeficiente de correlao de Spearman.
As anlises estatsticas foram realizadas com software IBM SPSS
Statistics 21.
4.11 Aspectos ticos
Para a devida apreciao tica, o projeto foi submetido Plataforma
Brasil e posteriormente avaliado pelo Comit de tica em Pesquisa em
Seres Humanos da Faculdade de Cincias da Sade da Universidade de
Braslia CEP/FS-UnB, obtendo aprovao em 20/11/2013 sob registro de
nmero 461.680 (Anexo 9.1).
Todos os participantes do estudo assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido (Anexo 9.2).
43
5 RESULTADOS
Foram coletadas informaes de 33 participantes, que compunham
dois grupos: grupo 1, constitudo por 17 participantes com infeco
chagsica e o grupo 2, constitudo por 16 participantes sem infeco
chagsica. A comparabilidade entre os participantes dos grupos de estudo,
realizada por meio dos dados antropomtricos, idade e sexo, encontra-se na
tabela 1.
TABELA 1: Dados antropomtricos, idade e sexo dos participantes de ambos os grupos.
Caracterstica
Grupo 1
(n=17)* DP
Grupo 2
(n=16)* DP
p-valor**
Peso (Kg)
74,31
18,51
73,82
12,60
0,93
Altura (cm) 166,47 9,33 171,0 8,74 0,16
Superfcie corporal (m) 1,82 0,24 1,85 0,18 0,63
ndice de massa corporal (Kg/m) 26,62 5,35 25,23 3,57 0,39
Idade (anos) 35,35 6,70 31,25 7,19 0,10
Sexo (masculino) 7/17 - 7/16 - 0,58
* Variveis contnuas expressas como mdias e variveis categricas expressas em nmeros absolutos. ** Teste de hiptese: chi-quadrado para as variveis categricas e t de Student para as variveis continuas. n = nmero de voluntrios. DP = desvio padro. Kg = quilogramas. m = metros quadrados.
A leitura dos eletrocardiogramas mostrou que entre os participantes
do grupo 1, 14 apresentaram eletrocardiograma normal e 3 (17,64%)
mostraram alteraes. Todos os participantes do grupo 2 apresentaram
exames normais. A tabela 2 mostra os resultados dos traados com as
alteraes encontradas, bem como o resultado da sorologia e a condio
clinica dos participantes de ambos os grupos.
44
TABELA 2: Resultados do eletrocardiograma, sorologia e condio clinica dos participantes de ambos os grupos. SOROLOGIA ECG CONDIO CLINICA TOTAL
Negativa Normal Normal
16
Positiva Normal Forma Indeterminada
14
Positiva BIRD Forma Cardaca
1
Positiva BCRD e ARV Forma Cardaca
1
Positiva Eixo indeterminado, BVPF, ARV e RCRD
Forma cardaca 1
ECG = Eletrocardiograma. BIRD = Bloqueio incompleto do ramo direito. BCRD = Bloqueio completo do ramo direito. ARV = Alterao de repolarizacao ventricular. BVPF = Baixa voltagem no plano frontal. RCRD = Retardo de conduo pelo ramo direito.
Quanto cintilografia miocrdica, dentre os participantes do grupo
1, 11 participantes apresentaram exame normal, enquanto 5 participantes
apresentaram alteraes e 1 participante no realizou o exame. No grupo
2, 15 participantes apresentaram exame normal e apenas 1 apresentou
alterao. Na tabela 3 encontram-se os resultados da cintilografia
miocrdica.
TABELA 3: Resultados da cintilografia miocrdica de ambos grupos.
Resultados
Grupo 1 n = 16
Grupo 2 n = 16
Normal 11 15 Hipoperfuso no segmento apical 2 0 Hipoperfuso na parede anteroseptal 1 0 Hipoperfuso na parede anterolateral do VE 1 0 Hipoperfuso na parede inferolateral do VE 2 0 Hipoperfuso no segmento mdio da parede anterior do VE 0 1 Hipoperfuso na parede inferolateral do VE 1 0 Hipoperfuso na parede anterior do VE 2 0 Nota: Alguns participantes do grupo 1 apresentaram mais de uma alterao.
Na avaliao ecocardiogrfica, as medidas do dimetro transverso do
SC foram realizadas durante o ciclo cardaco, sendo realizadas pelo menos
45
trs medidas para o maior dimetro e trs medidas para o menor dimetro,
em cada participante, dependendo da frequncia cardaca individual.
Posteriormente foi extrada a mdia aritmtica destes valores para cada
participante. As anlises destas variveis encontram-se na tabela 4.
TABELA 4: Comparao dos dimetros mximo, mnimo e % do seio coronrio entre ambos os grupos. Dimetros
(mm)
Grupo 1
n=17
Grupo 2
n=16
Mdia
(IC95%)
DP Mdia
(IC95%)
DP Diferena entre
as mdias
(IC95%)
p-valor
Mximo 8,81
(7,81 a 9,81)
2,23 9,02
(8,41 a 9,81)
1,63 - 0,21
(-1,60 a 1,19)
0,77
Mnimo 4,26
(3,85 a 4,65)
0,97 4,54
(4,04 a 5,04)
1,13 -0,27
(-1,02 a 0,47)
0,46
% 0,51 0,09 0,50 0,1 0,01
(-0,08 a 0,05)
0,73
DP = desvio padro. IC = intervalo de confiana. % = [(maior dimetro do SC menor dimetro do SC) / maior dimetro do SC] x 100.
No houve correlao entre as medidas do seio coronrio e as
variveis sexo e ECG. Observou-se diferena com tendncia estatstica
(P=0,05) na comparao das mdias do % entre participantes com CPM
normal versus CPM alterada, ver tabela 5 e grfico 1.
A diferena no dimetro mximo foi de 1,1 mm (0,67 a 2,88) entre o
grupo com CPM alterada versus CPM normal (p=0,21) e de 0,22 mm (-0,77
a 1,41) entre o grupo com CPM alterada versus CPM normal (p=0,66).
46
TABELA 5: Comparao dos valores mdios das medidas do seio coronrio em relao s variveis sexo, alteraes no eletrocardiograma e na cintilografia miocrdica. Varivel Dimetro
mximo
(DP)
Dimetro mnimo
(DP)
%
(DP)
Diferena entre as
mdias do % (IC 95%)
p-valor*
Sexo Masculino n=14
9,67 (2,42)
4,56 (1,40)
0,53 (0,09)
Feminino n=19
8,36 (1,28)
4,28 (0,69)
0,48 (0,09)
0,05 (-0,02 a 0,11)
0,16
ECG Normal n=30
8,87 (2,01)
4,40 (1,1)
0,50 (0,08)
Alterado n=3
8,30 (0,75)
4,37 (0,58)
0,47 (0,10)
0,03 (-0,02 a 0,11)
0,16
Cintilografia a Normal
n = 26 8,66
(1,88) 4,44
(1,08) 0,48
(0,08)
Alterado n= 6
9,76 (2,12)
4,23 (1,02)
0,56 (0,10)
0,08 (-0,001 a 0,16)
0,05
a = 1 participante do grupo 1 no realizou cintilografia miocrdica. * = p-valor corresponde ao teste de hiptese para a comparao entre as mdias do %. % = [(maior dimetro do SC menor dimetro do SC) / maior dimetro do SC] x 100. DP = desvio padro. IC = intervalo de confiana.
47
GRFICO 1: Distribuio dos valores do % do SC dos participantes com CPM normal e alterada.
Nenhum dos participantes apresentou alterao de contratilidade
segmentar e a disfuno diastlica do ventrculo esquerdo, avaliada pela
relao E/A ocorreu em 5,8% (1/17) dos indivduos do grupo 1 e em 6,25%
(1/16) dos indivduos do grupo 2. Quando avaliada pela frao de
encurtamento (EF), a disfuno diastlica ocorreu em 11,76% (2/17) dos
indivduos do grupo 1 e em 6,25% (1/16) dos indivduos individuo do grupo
2.
Quando se compararam as variveis ecocardiogrficas referentes a
disfuno diastlica do ventrculo esquerdo em relao ao dimetro mximo
do seio coronrio, no foi encontrada correlao significativa, ver tabela 6.
Do mesmo modo, quando se compararam as variveis
ecocardiogrficas que avaliam a funo diastlica do ventrculo esquerdo,
48
em relao ao (%) do seio coronrio, no se encontrou correlao, ver
tabela 7.
Tambm comparamos as variveis ecocardiogrficas referentes ao
Doppler do anel tricspide, em relao ao (%) do seio coronrio, no sendo
encontrado correlao, ver tabela 8.
O xenodiagnstico foi realizado apenas nos indivduos que
compunham o grupo 1 e todos apresentaram resultado negativo.
TABELA 6: Correlao entre o dimetro mximo do seio coronrio e as variveis ecocardiogrficas que avaliam a funo diastlica do ventrculo esquerdo. Varivel Coeficiente de correlao* P-valor
E/A Mitral -0,243 0,17
EF Mitral 0,126 0,48 * = Coeficiente de correlao de Spearman.
TABELA 7. Correlao entre % e as variveis ecocardiogrficas que estimam a funo diastlica do ventrculo esquerdo. Varivel Coeficiente de correlao* P-valor
E/A Mitral - 0,045 0,80
EF Mitral -0,101 0,57 * = Coeficiente de correlao de Spearman.
TABELA 8. Correlao entre % e as variveis ecocardiogrficas referentes ao Doppler do anel tricspide. Varivel Coeficiente de correlao* P-valor
Onda A - 0,05 0,79
Relao E/A - 0,11 0,53
Onda S 0,10 0,58
Onda E - 0,12 0,52 * = Coeficiente de correlao de Spearman.
49
6 DISCUSSO
Para essa investigao, inicialmente foram selecionados 20
participantes para o grupo 1 e 19 participantes para o grupo 2. Porm
houve trs perdas no grupo 1, sendo que um participante desistiu e dois
foram excludos, um por ser portador de hipertenso arterial sistmica e
outro por apresentar idade superior ao limite estabelecido.
Por semelhante modo, no grupo 2 houve trs perdas, uma por
impossibilidade tcnica de visibilizar o SC ao ecocardiograma, uma por
desistncia e uma excluso por hipertenso arterial sistmica. Ao final,
ficamos com uma amostra de 33 participantes, na composio de dois
grupos: grupo 1, constitudo por 17 participantes com infeco chagsica e
grupo 2, constitudo por 16 participantes sem infeco chagsica.
O limite de idade estabelecido em 40 anos para os participantes do
sexo masculino e em 45 anos para o sexo feminino teve por objetivo excluir
participantes cuja idade representasse fator de risco constitucional para
doena aterosclertica coronariana. A populao estudada apresentou
mdia de 35,35 anos no grupo 1 e 31,25 no grupo 2, ou seja, indivduos
jovens, com menor possibilidade de apresentar doena cardaca.
O eletrocardiograma, um exame simples e muito utilizado em nosso
meio, tem sido de grande valia para o estudo da doena de Chagas, graas
a sua boa sensibilidade.
Essa cardiopatia pode mostrar em tese, todas as alteraes
eletrocardiogrficas possveis, apesar de que muitas so alteraes
inespecficas, frequentes em outras cardiopatias. Neste sentido,
(JUNQUEIRA JUNIOR, 1992) demonstrou que diversas manifestaes
eletrocardiogrficas isoladas, podem ocorrer com a mesma frequncia em
pessoas com e sem infeco chagsica. A associao de vrias
manifestaes eletrocardiogrficas inespecficas nos portadores da infeco
chagsica poderia ser considerada o inicio da cardiopatia (bordeline) e
50
determinadas manifestaes, a exemplo do BCRD e hemibloqueio anterior
esquerdo, tem significado claramente patolgico.
Dessa forma, constatamos que a maioria dos participantes do grupo
1, podem no apresentar acometimento cardaco ou estarem em um estgio
incipiente da cardiopatia, j que apenas 3 participantes apresentaram
traado eletrocardiogrfico alterado e apenas 1 participante apresentou
bloqueio completo do ramo direito, achado este que ao lado da sorologia
positiva para doena de Chagas considerado por alguns como
patognomnico da cardiopatia chagsica.
O exame cintilografia de perfuso miocrdica (CPM) no mostrou
diferena estatisticamente significativa entre os grupos. A CPM com tcnicas
de medicina nuclear tem sido utilizada na fase indeterminada da doena de
Chagas, para detectar comprometimento cardaco precoce, entretanto, em
estudos no controlados e com resultados divergentes. Para (ABUHID et al.,
2010), a CPM em repouso-estresse utilizando 99m Tc-MIBI no foi capaz de
detectar precocemente alteraes miocrdicas na fase indeterminada da
doena de Chagas. Todos os seus pacientes apresentaram perfuso normal,
e apenas um apresentou sinais de disfuno ventricular. Ao contrrio, no
estudo de PEIX et al. (2013), realizado com participantes previamente
selecionados por apresentarem alterao de contratilidade segmentar
ecocardiografia com strain, foram encontradas alteraes de perfuso e
motilidade.
No presente estudo, a avaliao ecocardiogrfica convencional de
ambos os grupos mostrou que o exame foi considerado normal, apesar
haver disfuno diastlica em 2 ou 3 participantes, dependendo do critrio
utilizado, mas sem repercusso hemodinmica ou significncia estatstica.
A funo diastlica do ventrculo esquerdo foi avaliada por meio das
velocidades do fluxo mitral: relao E/A (onda E = pico de velocidade do
enchimento rpido; onda A = enchimento tardio devido contrao atrial) e
frao de encurtamento (EF). Estes parmetros expressam o fluxo
51
transmitral e encontram-se alterados quando existe limitao no relaxamento
miocrdico do ventrculo esquerdo, ou seja, disfuno diastlica.
Achamos por bem, ampliar a avaliao da funo diastlica com
parmetros referentes ao septo e parede lateral, no havendo resultado
significante entre os grupos estudados, ver tabela 6A e 7A (Anexo 9.3).
O estudo ecocardiogrfico do seio coronrio por abordagem
transtoracica foi facilmente realizado, tendo sido medido com sucesso os
dimetros transversais mximo e mnimo, desse segmento da circulao
venosa coronariana. Inicialmente tnhamos dvidas quanto realizao do
presente estudo por meio de ecocardiografia transesofgica, mas o estudo
por via transtorcica mostrou-se adequado e sem os inconvenientes de ser
invasivo.
No houve correlao estatisticamente significativa das variveis
relativas aos dimetros do seio coronrio, entre os grupos estudados.
Entretanto, a associao com tendncia estatstica entre o (%) do
SC na ecocardiografia e a hipoperfuso na CPM, sugere que uma possvel
disfuno do seio coronrio precede ou est presente na fase inicial do
acometimento cardaco na doena de Chagas, na amostra estudada.
O resultado encontrado no presente estudo pode representar o
estgio inicial da cascata proposta por HEYNDRICKX et al., (1978), embora
no tenhamos demonstrado todos os seus componentes. A referida cascata
consiste em: heterogeneidade de perfuso, alterao metablica, disfuno
diastlica do VE, discinesia regional, alteraes eletrocardiogrficas e dor
precordial.
Isso poderia explicar porque no obtivemos xito na pesquisa de
disfuno diastlica na ecocardiografia, ou seja, esta aparecer num estgio
posterior. Deve-se considerar que o processo isqumico da CCC de longa
durao e com episdios de reperfuso. Alm disso, os participantes do
presente estudo so jovens, com idade mdia de 35,35 e 31,25 anos entre o
grupo dos portadores e no portadores da infeco chagsica,
respectivamente.
52
A consequncia hemodinmica desta possvel disfuno do seio
coronrio seria a IVC, com repercusso sobre a perfuso miocrdica,
identificada no presente estudo pela alterao na CPM.
O xenodiagnstico foi realizado apenas nos indivduos que
compunham o grupo 1 e apresentou resultado negativo em todas as
amostras, o que provavelmente se explica pelas caractersticas intrnsecas
do mtodo, como sua baixa sensibilidade. Tambm deve-se levar em conta
que a amostra estudada foi constituda por indivduos jovens, que em sua
quase totalidade residem no Distrito Federal, o que pode significar menor
tempo de permanncia em zona rural ou rea endmica, apresentando baixa
ocorrncia de reinfeco. Alm disso, os integrantes do grupo 1, so
assistidos periodicamente no ambulatrio de Doenas Infecciosas e
Parasitarias do HUB e muitos destes j realizaram tratamento com drogas
tripanomicidas. Destacamos, que um participante do presente estudo
quando da realizao do xenodiagnstico, estava em tratamento com
benzonidazol, que fora prescrito por profissional mdico, inadvertido da
pesquisa em curso.
Por tudo o que foi exposto no presente estudo, h indcios de que o
SC possa participar no desenvolvimento da cardiopatia chagsica crnica e
cogitamos que um possvel estado de IVC esteja associado ao
desenvolvimento da leso vorticilar esquerda.
Inicialmente, acreditvamos que o acometimento do VD fosse
responsvel por um aumento na resistncia ao fluxo sanguneo no territrio
adiante do seio coronrio, o que dificultaria a drenagem venosa pelo SC e
possivelmente desencadearia a insuficincia venosa cardaca (IVC).
Por isso, analisamos o Doppler do anel tricspide, no havendo
correlao estatisticamente significativa entre o (%) do SC e as variveis
Dopplerecocardiogrficas desta vlvula, como demonstrado na tabela 8.
Portanto, cogitamos que na CCC possam existir alteraes prprias
do SC.
53
LIOTTA (1971), conclui que o SC ...es entonces, una pequea
bomba aspirante e impelente que drena el 70% de la sangre venosa
produc
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