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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS ESCOLAS DO CAMPO: A
ESCOLA NA VIDA E A VIDA COMO ESCOLA
AUTORA: MARIA DO SOCORRO SILVA
ORIENTADORA: PROFA DRA MARIA ELIETE SANTIAGO
RECIFE, 2009.
2
MARIA DO SOCORRO SILVA
AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS ESCOLAS DO CAMPO: A ESCOLA NA VIDA
E A VIDA COMO ESCOLA
Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação na Linha de Pesquisa Formação de Professores e Prática Pedagógica sob a orientação da Profa Dra. Maria Eliete Santiago para obtenção do título de Doutora em Educação.
Recife, 2009.
3
4
A João Francisco de Souza estrela no firmamento desde
2008 que me fortaleceu a ideia de que a Educação se faz
no fluir da vida, exatamente por isto, os saberes científicos
devem dialogar com os saberes populares para contribuir na
nos diversos e diferentes quadrantes da pós-
Ao meu pai Delfino estrela no firmamento desde 2008
saudades, que transcende ao presencial da vida no plano em
que circunstancialmente estamos. E que me ensinou que a
vida é uma escola, mas que eu precisava buscar o mundo da
escola, para entender a vida e viver melhor.
Ás Educadoras e Educadores do Campo que, no cotidiano
da sala de aula materializam uma nova forma de fazer a
Escola, e que com suas práticas reinventam a escola na
perspectiva da emancipação humana.
5
AGRADECIMENTOS
Trago dentro do meu coração,
Como um cofre que não se pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os pontos a que cheguei
Todas as paisagens que vi através de janelas
ou vigias ou de tombadilhos sonhando.
E tudo isso, que é tanto, é pouco
Para o que eu quero.
Fernando Pessoa
Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas que
colaboraram com a feitura deste trabalho, e mais uma vez me confirmaram que
chega à parte alguma só . Assim é que agradeço:
A essência divina, que possibilita a nossa existência enquanto seres capazes de amar e
intervir no mundo para torná-lo mais bonito e decente; e que me reanimou durante essa
itinerância nos momentos que o caminho se tornava mais difícil, me levando a conhecer algo
ou alguém que me animava a continuar caminhando.
Aos meus filhos, Raphael e Raquel, que não viam à hora desse doutorado terminar para
ter tempo de compartilhar mais da vida; e especialmente para meu neto Gabriel, que durante
essa itinerância sempre me conseguiu fazer sorrir, mesmo quando resolvia digitar no
computador para ajudar na minha escrita. No entanto, é eles mesmos a razão disso tudo, e a
eles que ofereço
Aos meus familiares: em especial a minha mãe Jeana, de quem sempre encontrei apoio
em todas as decisões que tomei na vida, estando sempre disponível para ajudar e colaborar para
concretizar essas opções.
A Manoel, companheiro querido, por partilhar comigo todos os momentos dessa
itinerância, as alegrias, as tristezas, as dúvidas, o cansaço e a satisfação de aprender.
6
A Maria Eliete Santiago, orientadora e amiga, que num momento difícil dessa
itinerância, se dispôs a caminhar comigo, ouvir e dialogar com interesse sobre todas as
questões, dúvidas e problemas que surgiam durante o processo de elaboração do trabalho. Pela
alegria e o aprendizado de trabalharmos juntas.
Aos professores (as), técnicos administrativos, estudantes e famílias da Escola Família
Agrícola de Orizona, Escola Rural de Massaroca, Escola Francesco Mauro, Escola Catalunha e
Escola Henrique Gouveia, que me acolheram e partilharam comigo de suas práticas, suas vidas,
saberes e sabores para sistematização desse trabalho.
As organizações do campo, Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, Confederação
Nacional dos Trabalhadores (as) na Agricultura, a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro e
ao Serviço de Tecnologia Alternativa e a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas que
contribuíram para chegasse no chão das escolas, e sempre estiveram disponíveis para me apoiar
durante a caminhada.
As amigas e amigos da Secretaria de Desenvolvimento Territorial Tania, Berenice,
Graça, Humberto e Reinaldo, que me possibilitaram iniciar este trabalho e aos amigos do
Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido Marcio, Hugo, Estrela e Irelânio, que
chegaram aos 40 minutos do segundo tempo, mais que foram fundamentais para que pudesse
concluir minha itinerância.
Aos colegas do doutorado pela partilha de aprendizados e dúvidas, e pela contribuição
com suas sugestões para a feitura do trabalho, em especial, Ana, Edilamar, Henrique e
Cleidiane.
A Fabiana, Fernando e João que me ajudaram a dar boniteza às palavras, as ilustrações e
a formatação deste trabalho.
E a Professor João Francisco com carinho.
A todos (as) agradeço, profundamente, e dedico os resultados deste trabalho.
7
Escola é
... O lugar que se faz amigos.
Não se trata só de prédios, salas, quadros,
Programas, horários, conceitos...
Escola é, sobretudo, gente
Gente que trabalha, que estuda
Que alegra, se conhece, se estima.
O Diretor é gente,
O coordenador é gente,
O professor é gente,
O aluno é gente,
Cada funcionário é gente.
E a escola será cada vez melhor
Na medida em que cada um se comporte
Como colega, amigo, irmão.
Nada de conviver com as pessoas e depois,
Descobrir que não tem amizade a ninguém.
Nada de ser como tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só.
Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,
É também criar laços de amizade. É criar ambiente de camaradagem,
Ora é lógico...
Numa escola assim vai ser fácil! Estudar, trabalhar, crescer,
Fazer amigos, educar-se, ser feliz.
E por aqui que podemos começar a melhorar o mundo.
(Paulo Freire)
8
RESUMO
No presente trabalho tratamos das práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas do
Campo e que se filiam ao discurso político, pedagógico e epistemológico da Educação do
Campo, posto em circulação por diferentes organizações sociais, principalmente a partir dos
anos de 1990 no Brasil. Analisamos as semelhanças e as singularidades nas propostas e práticas
pedagógicas dessas escolas, identificando as contribuições para a organização do trabalho
pedagógico escolar no campo. Prática Pedagógica, como ação coletiva organizada e
institucional conformada pelas práticas docente, discente e epistemológica (Souza, 2001,
2009); Educação Popular, teoria e prática da educação que toma a realidade social como
conteúdo pedagógico e finalidade de emancipação humana e da transformação das relações
assimétricas existentes na sociedade Calado (2000); Freire (1978, 1996, 2008); Paludo (2001,
2009); Rosas (2008); Souza (1999, 2000); e a Educação do Campo enquanto concepção e
prática político-pedagógica, fundamentada na realidade social dos sujeitos do campo e na
produção de sua existência social na relação com o meio ambiente Arroyo (2004); Caldart
(2000); Gimonet (2007); Moura (2003); Reis (2004), foram as categorias analíticas centrais
dessa pesquisa. A abordagem dialética orientou o processo investigativo para três
procedimentos de coleta e produção de dados: o estudo exploratório, a pesquisa documental e o
estudo etnográfico. A heterogeneidade do Movimento da Educação do Campo definiu os
lugares institucionais, o tempo e o ritmo da pesquisa. Os resultados evidenciaram que o
Movimento da Educação do Campo se configura como uma rede plural, cuja dinâmica dá
visibilidade a um novo jeito de fazer a Escola do Campo. Além disso, que os traços de
semelhanças das propostas partem da matriz da Educação Popular e do Itinerário Pedagógico e
que as singularidades são tecidas nos contextos sociais e políticos, nas relações equipe
educativa-comunidade, conforme características das redes a que se vinculam. Apesar da
precariedade das condições materiais das escolas, o trabalho docente e a interação com a
comunidade redimensionam os espaços educativos, o tempo curricular e o trabalho docente,
extrapolando o espaço da sala de aula e reinventando a Escola do Campo.
Palavras Chaves: Prática Pedagógica, Prática Docente, Educação do Campo, Currículo da
Escola do Campo.
9
RÉSUMÉ
Le travail présenté traite des pratiques pédagogiques mises dans les Écoles
primaires en milieu rural et qui sont liées au discours politique, pédagogique et
épistémologique de l'Éducation Rurale, développée par différentes organisations sociales,
principalement à partir des années 1990 au Brésil. Nous analysons les similitudes et les
spécificités des propositions et des pratiques pédagogiques dans ces écoles, en identifiant les
contributions apportées à l'organisation du travail pédagogique scolaire en milieu rural. La
Pratique Pédagogique, comme action collective organisée et institutionnelle conformée par
les pratiques de gestion et épistémologique des professeurs et des élèves (Souza, 2001, 2009) ;
Éducation Populaire, comme théorie et pratique de l'éducation qui prend la réalité sociale
comme contenu pédagogique au service de l'émancipation humaine et de la transformation
des relations asymétriques existantes dans la société (Calado, 2000; Freire, 1978, 1996.2008 ;
Paludo, 2001, 2009; Rosas, 2008 et Souza, 1999, les 2000) et Rurale en tant que
conception et pratique politico-pédagogique, basée sur la réalité sociale des sujets ruraux et
sur la construction de leur existence sociale en relation avec leur environnement (Arroyo,
2004; Caldart, 2000; Gimonet, 2007; Moura, 2003; Reis, 2004), ont été les bases théoriques
de cette recherche. L'abordage dialectique a guidé le processus de
trois procédures de collecte et de production de données : l'étude exploratoire, la recherche
documentaire et l'étude ethnographique. L'hétérogénéité du Mouvement de l'Éducation Rurale
a défini les lieux institutionnels, le temps et le rythme de la recherche. Les résultats ont
montré que le Mouvement lié à l'Éducation Rurale se configure comme un réseau pluriel, dont
la dynamique donne de la visibilité à une nouvelle manière de concevoir l'École Rurale. Les
similitudes dans les propositions se réfèrent au modèle de l'Éducation Populaire et à son
Itinéraire Pédagogique, les singularités sont, quant à elles, issues des contextes sociaux et
politiques, liées aux relations entre les équipes éducatives et les communautés,
caractéristiques des réseaux auxquels elles se rattachent. Malgré la précarité des conditions
matérielles des écoles, le travail des enseignants et l'interaction avec la communauté
redimensionnent les espaces éducatifs, le temps scolaire et le travail en
extrapolant l'espace pédagogique de la salle de cours et en réinventant l'École Rurale.
Mots Clés : Pratique Pédagogique, Pratique des professeurs, Éducation Rurale, Curriculum de
l'Éducation Rurale.
10
ABSTRACT
This term paper is the result of a study a teaching practices that was developed in the field
high school and is connected to political, teaching, and epistemological
Discourse of Field Education that different social organizations put them in practice
xamines in the similarity and singularity in
the teaching practices and proposal those schools, identifying the contributions to teaching
field work organization. Teaching practices, as organized collective action and institutional
formed by teaching staff, pupil staff, head teacher and epistemological (Souza, 2001, 2009);
Popular Education; Education theory and practice that take the social reality as teaching
contents how to help the transformation of human emancipation in the asymmetric relations
that exist in the society (Calado, 2000; Freire, 1978, 1996, 2008; Paludo, 2001, 2009; Rosas
2008 e Souza, 1999, 2000) and the Field Education as political teaching conception and
practice, motivated in the social reality in the field people and in his/her environment social
life production (Arroyo, 2004; Caldart, 2000; Gimonet,2007; Gimonet, 2007; Moura, 2003;
Reis, 2004), we are based on that theoretical to this research. The dialectical approach has
directed investigative process in three procedures of writings and data production: the
exploring study; the documental research and the ethnographic study. The field Education
Movement heterogeneously determined the institutional places, the time and the research
rhythm. The results signed that: The Field Education Movement configures itself as a plural
network, whose dynamic gives us possibility a new way to do a Field School. The similarities
of the proposals stating from source of Popular Education and the teaching route and
singularities are entangled in the social and political context in the community-educative
relations team, according networks characteristic that links them. In spite of, the school
material failing condition, the teach staff, and interaction with the community increase the
educate spaces curriculums time, and the work of teach staff are going way, outside, and not
stay just into classroom. And all that renews the Field School so much.
Key words: Teaching Practice, Teach staff Practice, Field Education curriculum.
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 1 Mapeamento das Iniciativas da Educação do Campo 66
GRÁFICO 2 Representação dos pólos constituintes da prática pedagógica 73
GRÁFICO 3 Distribuição percentual de escolas do Ensino Fundamental localizadas no campo, segundo o tipo de organização Brasil 2006
83
GRÁFICO 4 Distribuição percentual de estabelecimentos e matrículas do Ensino Fundamental da zona rural, segundo o tipo de organização Brasil 2006
85
GRÁFICO 5 Recursos de apoio educacional nas escolas de Ensino Fundamental Brasil Rural - 2002/2005
92
GRÁFICO 6 Percentual de escolas que oferecem o Ensino Fundamental segundo o acesso aos serviços básicos pela escola - Brasil- Rural 2002/2005
92
GRÁFI CO 7 Rede do Movimento da Educação do Campo 145
GRÁFICO 8 Elementos que compõem o Sistema CEFFAS 161
GRAFICO 9 Pilares dos CEFFAS: finalidades e meios 164
GRÁFICO 10 Organização dos tempos-espaços da alternância 194
GRÁFICO 11 Itinerário da produção do conhecimento na EFA 198
GRÁFICO 12 Itinerário de produção do conhecimento no MST 207
GRAFICO 13 Itinerário de produção do conhecimento na PEADS 218
GRÁFICO 14 Itinerário Pedagógico das ECSA 232
GRÁFICO 15 Constituição da formação por alternância 243
GRÁFICO 16 Itinerário de Produção do Conhecimento na Escola PEADS 279
12
GRÁFICO 17 Equipes de trabalho das Escolas do MST com respectivas funções
296
GRÁFICO 18 Dinâmica de Planejamento das Escolas do MST 297
GRÁFICO 19 Itinerário de produção do conhecimento nas Escolas do MST 303
GRÁFICO 20 Organização Curricular ERUM 322
GRÁFICO 21 Itinerário Pedagógico da ERUM 324
GRÁFICO 22 Tempo de experiência dos educadores (as) na escola 359
GRÁFICO 23 Composição da Equipe Educativa das Escolas do MST 363
GRÁFICO 24 Faixa etária dos educadores (as) em exercício nas Escolas do Campo
365
GRÁFICO 25 Nível de Escolaridade dos Educadores(as) das Escolas do Campo
366
GRÁFICO 26 Dimensões dos conteúdos trabalhados nas Escolas do Campo 373
ILUSTRAÇÃO 1 Localização de Orizona no estado de Goiás 238
ILUSTRAÇÃO 2 Mapa do Estado da Paraíba com a localização do Município de Soledade
265
FIGURA 3 Localização do Município de Santa Maria da Boa Vista no Estado de Pernambuco
285
FIGURA 4 Localização do Distrito de Massaroca em Relação a Juazeiro 307
FOTO 1 Entrada da EFAORI 240
FOTO 2 Organização das mudas para viveiro 242
FOTO 3 Limpeza de alho para armazenamento 242
FOTO 4 Momento da reflexão 254
FOTO 5 Assembleia das Familias
255
13
FOTO 6 Assembleia Geral 255
FOTO 7 Pesquisa da temática avicultura 260
FOTO 8 Elaboração do projeto do galinheiro 260
FOTO 9 Dia de EFA na comunidade 262
FOTO 10 Prédio da Escola 268
FOTO 11 Espaço da leitura 269
FOTO 12 Socialização da pesquisa 277
FOTO 13 Divulgação da PEADS no rádio 277
FOTO 14 Agrupamento para sistematização da pesquisa 281
FOTO 15 Socialização das informações coletadas 281
FOTO 16 Cartazes com a sistematização dos conhecimentos da pesquisa 282
FOTO 17 Frente da Escola Francesco Mauro 288
FOTO 18 Antiga sede da escola num galpão da fazenda 292
FOTO 19 Prédio atual da Escola 293
FOTO 20 Espaço improvisado para a biblioteca 294
FOTO 21 Reunião de planejamento do coletivo de educadores (as) 294
FOTO 22 Mística de abertura do coletivo de educadores (as) 298
FOTO 23 Atividade política na sede do município 301
FOTO 24 Atividade político-cultural no assentamento 301
FOTO 25 Bandeira das Comunidades de Fundo de Pasto 308
FOTO 26 Mural do processo de construção da escola 310
FOTO 27 Frente do prédio da ERUM 312
FOTO 28 Horta Pedagógica 313
14
FOTO 29 Desenho do Itinerário Pedagógico feito por estudante 321
FOTO 30 Mural com a divisão das equipes 325
FOTO 31 Narrativa da história da comunidade por moradora 328
FOTO 32 Educando localizando os pontos cardeais da comunidade 329
FOTO 33 Mapa mental da comunidade Caldeirão do Tibério 330
FOTO 34 Entrevista com os moradores 330
FOTO 35 Entrevista com os moradores 330
FOTO 36 Painel de registro das lendas 334
FOTO 37 Painel de registro das danças da comunidade 334
FOTO 38 Devolução na comunidade 336
FOTO 39 Devolução na comunidade 336
FOTO 40 Espaço da biblioteca 350
FOTO 41 Espaço para atividade esportiva e recreação 350
FOTO 42 Mural de horários das aulas e aniversariantes do mês 353
FOTO 43 Mural com textos produzidos pelos estudantes 353
FOTO 44 Limpeza da escola para construção de jardim 361
15
LISTA DE TABELAS E QUADROS
TABELA 1 Matrícula na Educação Básica, distribuição por escola conforme númeo de educandos(as0 e por nível de ensino Rural - 2006
82
TABELA 2 Escolas de Ensino Fundamental por abrangência, localização e número de salas de aula 2005
86
TABELA 3 Distribuição das escolas de Ensino Fundamental e matrículas segundo localização -1997-2007
88
TABELA 4 Defasagem idade-série na Educação Fundamental por abrangência geográfica, localização, ano 2005
94
TABELA 5 Defasagem idade-série no Ensino Médio por abrangência geográfica, localização, ano 2005
95
TABELA 6 Número de Funções Docentes exercendo atividades em Sala de Aula, por localização e Dependência Administrativa, segundo a Região Geográfica e a Unidade da Federação - Rural - 2006
96
TABELA 7 Número de Funções Docentes na Educação Básica do Campo, por Nível de Formação, nos anos de 1997 e 2006
97
TABELA 8 Distribuição dos estudantes por ano e indicadores de resultado 2000-2008 - EFAORI.
247
TABELA 9 População residente no município por localização geográfica e faixa etária 2007
266
TABELA 10 População total e ponderada, área e densidade demográfica do Município de Santa Maria da Boa Vista PE- 2007.
284
TABELA 11 População por localização geográfica e faixa etária do Município de Santa Maria da Boa Vista PE 2005
284
TABELA 12 Número de estabelecimentos de acordo com o setor econômico 2002
286
16
QUADRO 1 Atividades de coleta e análise dos dados 59
QUADRO 2 Mapeamento das entidades que atuam com Educação do Campo Escolar e Não-Escolar
60
QUADRO 3 Distribuição das iniciativas de Educação do Campo por área de atuação, tipo de entidade, ação desenvolvida, característica, participantes.
61
QUADRO 4 Lugares Institucionais e iniciativas da Educação do Campo 65
QUADRO 5 Corpus documental da legislação: fontes e ementa 67
QUADRO 6 Mapeamento dos sentidos das Propostas Pedagógicas conforme os Lugares Institucionais
69
QUADRO 7 Composição do Campo investigação por Lugar Institucional, localização e critério de escolha
71
QUADRO 8 Mapeamento dos sentidos sobre os limites e possibilidades da prática
72
QUADRO 9 Categorias empíricas da prática pedagógica 74
QUADRO 10 Iniciativas Educativas que compõem a Rede CEFFAS no Brasil 160
QUADRO 11 Metodologia para elaboração do Plano de Formação EFAORI 2008
192
QUADRO 12 Instrumentos de pesquisa e planejamento na Pedagogia da Alternância: conceito
199
QUADRO 13 Instrumentos de socialização e comunicação do conhecimento da Pedagogia da Alternância: conceito
200
QUADRO 14 Instrumentos didáticos e de avaliação da Pedagogia da Alternância: conceito
201
QUADRO 15 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS com sua definição
e finalidade
219
QUADRO 16 Distribuição dos estudantes matriculados por série, sexo e faixa etária EFAORI - 2008.
221
17
QUADRO 17 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para socialização e comunicação dos conhecimentos
223
QUADRO 18 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para avaliação do processo de aprendizagem
224
QUADRO 19 Distribuição dos estudantes matriculados por série, sexo e faixa etária EFAORI 2008
245
QUADRO 20 Monitores(as) com escolaridade, carga horária, vínculo administrativo e respectivas disciplinas EFAORI - 2008
250
QUADRO 21 Pessoal técnico-administrativo com cargo, vínculo e escolaridade EFAORI, 2008
251
QUADRO 22 Número de educandos(as) matriculados por turma - 2008 274
QUADRO 23 Distritos do Município de Juazeiro, distância da sede e população 306
QUADRO 24 Distribuição das famílias por comunidades rurais Massaroca Juazeiro Bahia 2008
309
QUADRO 25 Distribuição dos alunos matriculados e evadidos da ERUM 2001-2008
314
QUADRO 26 Taxa de repetência por série 2004-2007 315
QUADRO 27 Pessoal docente por atuação, sexo, escolaridade, tempo na escola e local de moradia 2008
316
QUADRO 28 Pessoal Técnico-Administrativo da ERUM por sexo, tempo de atuação e local de moradia 2008
318
QUADRO 29 Bloco temático, tematização e disciplina coordenadora 323
QUADRO 30 Sistematização das informações a serem apresentadas a comunidade
332
QUADRO 31 Temáticas a serem trabalhadas em cada turma 333
18
LISTAS E SIGLAS E ABREVIATURAS
Acefarj Associação das Casas e Escolas Famílias Agrícolas do Rio de
Janeiro
Aecofaba Associação das Escolas Comunitárias e Famílias Agrícolas da Bahia
Aefacot Associação das Escolas Famílias Agrícolas do Centro-oeste
Aefapi Associação Regional das Escolas Famílias Agrícolas do Piauí
Aefaro Associação das Escolas Famílias Agrícolas de Rondônia
Amefa Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas
Arcafar Articulação das Casas Familiares Rurais
Assessoar Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural
CAA Centro de Agricultura Agroecológica da Bahia
CAANM Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas
CAAM Comitê Associações Agropastoril de Massaroca
Caatinga Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Organizações Não Governamentais
CAT Conhecer, Analisar, Transformar
CEAAL Conselho de Educação de Adultos da América Latina
CEB Câmara de Educação Básica
CEBS Comunidades Eclesiais de Base
CEE Conselhos Estaduais de Educação
19
CEFFAS Centro de Formação Familiar em Alternância
CFR Casa Familiar Rural
Cimi Conselho Indigenista Missionário
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educação
CONAE Conferência Nacional da Educação
Condraf Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural da Agricultura Familiar e da Reforma Agrária
Consed Conselho Nacional dos Secretários de Educação
Contag Confederação Nacional de Trabalhadores (as) na Agricultura
CPC Centro Popular de Cultura
CPT Comissão Pastoral da Terra
CTA Centro dos Trabalhadores da Amazônia
CUT Central Única dos Trabalhadores
DIP Departamento de Informação e Propaganda
DTIE Departamento de Tratamento das Informações Educacionais
ECORS Escola Comunitária Rural
Enera Encontro Nacional de Educação na Reforma Agrária
EFA Escola Família Agrícola
EFAORI Escola Família Agrícola de Orizona
EJA Educação de Jovens e Adultos
20
Erum Escola Rural de Massaroca
EP Educação Popular
FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
Fase Federação dos Órgãos Sociais e Educacionais
FNEP Fundo Nacional de Educação Primária
Fetraf Federação dos Trabalhadores (as) da Agricultura Família
Fundef Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
Geperuaz Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo da Amazônia
JAC Juventude Agrária Católica
JEC Juventude Estudantil Católica
JIC Juventude Independente Católica
JOC Juventude Operária Católica
JUC Juventude Universitária Católica
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Icores Instituto Coração de Estudante
IFAS Instituto de Formação e Assessoria Sindical Rural
IES Instituição de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
21
IRPAA Instituto Regional de Agropecuária Apropriada
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MCP Movimentos de Cultura Popular
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEB Movimento de Educação de Base
MEC Ministério da Educação
Mepes Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo
MOC Movimento de Organização Comunitária
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Trabalhadores (as) Rurais Sem Terra
ONU Organização das Nações Unidas
ONG Organização Não Governamental
PAER Programa de Educação Rural
PATAC Programa Alternativo de Tecnologia Adaptado as Comunidades
PEADS Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável
Pecemeal Programa de Educação Contextualizada do Município de Estrela de
Alagoas
PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola
Prece Programa de Educação em Células
Procampo Programa de Licenciatura em Educação do Campo
22
Promunicípio Projeto de Cooperação Técnica e Financeira dos Municípios
Pronera Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
Pro-rural Projeto Integrado de Apoio do Pequeno Produtor Rural
Raefap Rede das Associações das Escolas Famílias do Amapá
Refaisa Rede das Escolas Famílias Agrícolas integradas do Semi-Árido
RESAB Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro
SAB Semi-Árido Brasileiro
Secad Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
SDT Secretaria do Desenvolvimento Territorial
SERTA Serviço de Tecnologia Alternativa
STR Sindicato de Trabalhadores (as) Rurais
Uaefama União das Associações das Escolas Família Agrícola do Maranhão
UFCG Universidade Federal de Campina Grande
UFPA Universidade Federal do Pará
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UnB Universidade de Brasília
Undime União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação
Unefab União das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil
UneB Universidade do Estado da Bahia
23
Unesco Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a
Cultura.
Unicampo Universidade Camponesa
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
24
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTO
EPIGRAFE
RESUMO
RESUME
ABSTRACT
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE TABELAS E QUADROS
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 31
1. Minha Itinerancia na Educação do Campo 32
2. A definição do problema e do objeto 37
I PARTE - CHÃO POLÍTICO PEDAGÓGICO EPISTEMOLÓGICO DA
PESQUISA: CONSTRUINDO CAMINHOS DE APROXIMAÇÃO COM O
OBJETO DA PESQUISA
46
Introdução 47
I CAPITULO - CAMINHOS E VEREDAS: OS FIOS TEÓRICOS E
METODOLÓGICOS QUE TECERAM A ITINERÂNCIA DA PESQUISA
49
1.1.Abordagem Metodológica da pesquisa 50
25
1.2. Procedimentos e instrumentos da pesquisa 52
- O estudo exploratório: mapear o campo de pesquisa 58
- Lugares Institucionais 64
- Pesquisa documental: compreendendo as propostas pedagógicas e as políticas educacionais específicas do campo
66
- Abordagem etnográfica: fincando o pé no chão da escola
70
II CAPITULO - PAISAGENS DAS ESCOLAS NO CAMPO E A EMERGÊNCIA
DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS ESPECÍFICAS: A LUTA PELO DIREITO A
TER DIREITOS
76
2.1 Na trilha da memória: a implantação da Escola no Campo 78
2.2. Paisagens das Escolas no Campo 82
2.3. A Emergência das Políticas Educacionais Específicas: a Educação do Campo como direito
98
III CAPITULO - EDUCAÇÃO POPULAR COMO TEORIA E PRÁTICA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO
109
3.1. Educação Popular: mudanças e continuidades 111
3.2 A Constituição do Campo Popular e da Educação Popular: o aprendizado da liberdade
116
- Os Movimentos Educativos Populares: a sementeira da Educação Popular 119
- As primeiras organizações camponesas: a semente da organização de classe
121
3.3 A interdição do Campo Popular e da Educação Popular: o aprendizado da perseverança
122
26
3.4. A ressignificação da Educação Popular: o aprendizado do direito e da autonomia
125
IV CAPÍTULO - A CONSTITUIÇÃO DO MOVIMENTO POLÍTICO
PEDAGÓGICO E EPISTEMOLÓGICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO:
PRINCÍPIOS E LUGARES INSTITUCIONAIS
135
4.1. Educação do Campo: concepção e prática político pedagógica 137
4.2. Uma rede constituída de várias redes 143
4.3. O Movimento da Educação do Campo e seus fundamentos político-pedagógicos e epistemológicos
146
4.4. Lugares Institucionais da Educação do Campo 159
- Centro de Formação Familiar por Alternância - CEFFAS 159
- Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo 166
- Rede de Educação do Semiárido Brasileiro RESAB/ECSA 172
- Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável SERTA/PEADS
176
- Considerações 180
II PARTE A REINVENÇÃO DA ESCOLA DO CAMPO: O ITINERÁRIO
PEDAGÓGICO COMO ORIENTADOR DA DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO PEDAGÓGICO
183
Introdução
184
V CAPÍTULO PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO
187
27
5.1. Núcleos de Singularidades das Propostas Pedagógicas: a diferença dentro da diferença
189
5.2. Escola Família Agrícola: alternância, participação da família, formação integral e desenvolvimento do meio
191
- O itinerário pedagógico na alternância e seus dispositivos pedagógicos 191
- A participação das famílias: forma de ser e fazer a escola 202
- A formação do jovem e o desenvolvimento do meio
203
5.3. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: a mística da luta, terra, trabalho e organização coletiva
204
- A mística como motivação para a luta 206
- A luta pela terra como formação de militantes 210
- O trabalho coletivo e os tempos educativos
211
5.4. Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável: a pesquisa da realidade, a sistematização da prática e o desenvolvimento sustentável
213
- A pesquisa e a sistematização como principio educativo 216
- O desenvolvimento sustentável: o município como sala de aula 225
- Gestão participativa: participação das famílias e planejamento coletivo
227
5.5. Educação Contextualizada no Semiárido: pluralidade da rede, contextualização e convivência com o Semiárido
229
- A pluralidade de redes 229
- A contextualização do currículo 230
28
- A convivência como orientador do itinerário pedagógico
231
VI CAPÍTULO LUGARES INSTITUCIONAIS: CENÁRIOS E PRÁTICAS DAS
ESCOLAS DO CAMPO
235
6.1. Escola Família Agrícola de Orizona EFAORI 237
- A estrutura educativa como espaço de aprendizagem 239
- Organização do trabalho pedagógico: a alternância como organizadora do tempo
e espaço pedagógico
242
- Os Educandos (as): a autonomia e a convivência como aprendizado 245
- A equipe educativa: o trabalho coletivo como exercício da docência 248
- A prática gestora: o aprendizado da participação 253
- A dimensão epistemológica: o contexto como conteúdo educativo
258
6.2. Escola Municipal Henrique Gouveia\PEADS
264
- Estrutura educativa: uma proposta forte numa estrutura precarizada 268
- Organização do trabalho pedagógico: a reinvenção do fazer pedagógico 270
- Sujeitos cognoscentes e prática gestora da Escola: a participação e a inserção na comunidade
273
- Dimensão epistemológica: a pesquisa, o aprofundamento dos conteúdos e a sistematização como instrumentos de construção do conhecimento
277
6.3. Escola Municipal Francesco Mauro e Escola Municipal Catalunha\MST
283
29
- Ambiente Educativo da Escola Francesco Mauro (Assentamento Safra) 287
- Educandos (as) e Educadores 290
- Ambiente Educativo da Escola Municipal Catalunha 292
- Educandos (as) e Educadores (as): aprendendo e ensinando em interação 294
- Prática Gestora das Escolas Catalunha e Francesco Mauro 295
- Dimensão epistemológica: os temas da realidade como conteúdos pedagógicos
300
6.4. Escola Rural de Massaroca ERUM 306
- Ambiente Educativo: a participação da comunidade 311
- Os Educandos (as): aprendendo a viver e conviver com o semiárido 313
- Equipe Educativa: o trabalho coletivo 315
- Pratica gestora: participação na gestão 318
- Dimensão epistemológica: a concretização dos conteúdos da realidade no itinerário pedagógico
320
VII CAPÍTULO ESCOLAS DO CAMPO: CENÁRIOS PLURAIS DE REDE DE
RELAÇÕES DE SABERES, DE SUJEITOS E RITUAIS
338
7.1. O itinerário pedagógico das Escolas do Campo como tessitura de saberes, fazeres e sujeitos na mediação com o conhecimento
340
7.2. Prática Gestora da Escola: o aprendizado da participação e da autonomia 354
7.3. Prática Discente: o aprendizado da auto-organização 359
7.4. Prática Docente: múltiplos papeis e saberes plurais 363
30
7.5. Dimensão epistemológica: Contexto e prática social dos sujeitos como conteúdo educacional
371
Considerações
379
CONSIDERAÇÕES FINAIS OS FRUTOS COLHIDOS GERAM
NOVOS APRENDIZADOS E LANÇAM NOVAS SEMENTES
380
REFERENCIAS
390
APÊNDICE E ANEXOS
407
31
INTRODUÇÃO
32
1 Minha itinerância na Educação do Campo
A paixão com que conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo. Conheço com meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também.
Paulo Freire
A presente pesquisa, desenvolvida no Núcleo de Pesquisa de Formação de Professores e
Prática Pedagógica do Programa de Pós Graduação do Centro de Educação da UFPE, tem
como objetivo compreender as práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas Básicas
do Campo, que se filiam ao discurso político-pedagógico e epistemológico da Educação do
Campo, posto em circulação por diferentes organizações sociais, principalmente a partir dos
anos de 1990 no Brasil.
As motivações para o estudo foram tecidas por diferentes fios, nos diversos contextos
escolares e não escolares da nossa itinerância como professora da educação básica e superior e
como educadora popular junto aos movimentos sociais do campo.
Primeiramente, tínhamos o desejo de contribuir com subsídios para o aprofundamento
teórico e prático sobre a Educação do Campo, a partir da socialização e estudo sobre as
práticas pedagógicas que constituem o Movimento da Educação do Campo, foi um desses fios.
Evidencia-se, assim, como se processa o diálogo do Movimento da Educação do Campo a
partir de sua especificidade, com a teoria pedagógica e as questões gerais da Educação,
explicitando a contribuição que traz para formulação de um projeto de desenvolvimento
sustentável e solidário no país.
Foi também nossa motivação a necessidade de interactuar com o debate das Políticas
1/2002, do Conselho Nacional de Educação, e a criação dos Cursos de Licenciatura em
Educação do Campo, nas Universidades Públicas. Essas duas iniciativas são exemplos do
processo de proposição e reivindicação dos movimentos sociais do campo por uma política
pública para as Escolas do Campo.
Ademais, haverá a necessidade de novos conhecimentos sobre a Educação do Campo,
na formulação de pesquisas sobre os fenômenos educativos, estimulando a produção
33
acadêmica, que envolvam os sujeitos do campo e a formulação de uma teoria pedagógica que
subsidie as práticas educativas e a formação dos profissionais da Educação do Campo.
A pesquisa que realizamos no mestrado sobre os saberes do professorado rural, nos
possibilitou o conhecimento da prática pedagógica que começava a se concretizar nas escolas
da rede pública de municípios do Estado de Pernambuco. Essa pesquisa suscitou o
envolvimento com outras iniciativas de educação em diferentes Estados, o que despertou nosso
interesse para entender as mudanças decorrentes do Movimento da Educação do Campo, que
se opunha à escola rural que conhecíamos na nossa itinerância pessoal e profissional.
A aprendizagem que construímos na nossa itinerância possibilitou, por um lado, a
vivência do modelo de escola pública que chegou ao campo: descontextualizada da vida, do
trabalho e da cultura dos sujeitos sociais a quem se destinava pautada no conceito da
Educação Rural; e, por outro lado, a participação nas práticas pedagógicas que se instituíram
com as lutas das organizações sociais do campo, por uma escola contextualizada na realidade,
no trabalho e na cultura, como ponto de partida da produção de seus conhecimentos, práticas
essas que construíram o Movimento da Educação do Campo.
O paradigma da Educação Rural emerge na esfera das políticas governamentais a
partir da década de 1930, numa visão dicotômica (urbano/rural, indústria/agricultura,
científico/popular, atrasado/moderno), gerando o modelo urbanocêntrico1. Modelo que se
afirma com as políticas desenvolvimentistas a partir da década de 1950, na qual o campo é
encarado como lugar do atraso, residual e em processo de extinção na sociedade brasileira, a
partir do desenvolvimento da indústria e da urbanização do País.
Esse discurso tem omitido ao longo da história a existência dos camponeses (as) ou,
quando faz menção à sua existência, é para sinalizar a sua incapacidade, a sua ignorância, a
necessidade de serem adaptados ao processo de modernização, a sua - até - falta de higiene, e
escola contribuir para a superação desse déficit cultural da população do campo.
Esse preconceito sobre a imagem do ambiente rural, arraigado em nossa sociedade, e
sobre a relação dela com a Educação oferecida aos moradores do campo
[...] trata os valores, as crenças, os saberes do campo de maneira romântica ou de maneira depreciativa, como valores ultrapassados, como saberes tradicionais, pré-científicos, pré-modernos. Daí que o modelo de educação básica queira impor para o campo currículos da escola urbana, saberes e
1 O termo urbanocêntrico é aqui utilizado para se referir a uma visão na qual a concepção de educação e modelo
didático-pedagógico utilizado nas escolas da cidade é transferido para as escolas localizadas nas áreas classificadas pelos órgãos oficiais como rurais, cuja centralidade é a cidade e o processo de urbanização.
34
valores urbanos, como se o campo e sua cultura pertencessem a um passado a ser esquecido e superado. (ARROYO, 2004, p. 79).
sociologia das
cuja lógica produz a não existência de uma dada realidade, entidade ou agentes, a
partir de sua desqualificação, que a torna invisível ou descartável. Essa visão epistemológica
fez com que a realidade do campo, seus sujeitos sociais e a escola que lhe foi destinada fossem
tratados pela racionalidade hegemônica, como
[...] o ignorante, o residual, o inferior, o local e o improdutivo. Trata-se de formas sociais de inexistência porque as realidades que elas conformam estão presentes apenas como obstáculos em relação às realidades científicas, avançadas, superiores, globais ou produtivas. São, pois, partes desqualificadas de totalidades homogêneas que, como tal, confirmam meramente o que existe e tal como existe. São o que existe sob formas irreversivelmente desqualificadas de existir. (SANTOS, 2005, p. 14-15).
a única forma de racionalidade e, por conseguinte, não se aplica a descobrir outros tipos de
racionalidade ou, se o faz, fá-lo apenas para torná-las em matéria- (SANTOS, 2005, p.
6). Pauta durante décadas a elaboração das políticas educacionais do país a partir de um
modelo globalizante e universalizante, na medida em que nega a diversidade dos sujeitos
sociais.
Para Boaventura Santos (2005, p. 5), neste modelo de racionalidade,
[...] não há compreensão nem acção que não seja referida a um todo e o todo tem absoluta primazia sobre cada uma das partes que o compõem. Por isso, há apenas uma lógica que governa tanto o comportamento do todo como o de cada uma das suas partes. Há, pois, uma homogeneidade entre o todo e as partes e estas não têm existência fora da relação com a totalidade. As possíveis variações do movimento das partes não afectam o todo e são vistas como particularidades. A forma mais acabada de totalidade para a razão metonímica é a dicotomia, porque combina do modo mais elegante, a simetria com a hierarquia. A simetria entre as partes é sempre uma relação horizontal que oculta uma relação vertical. Isto é assim porque, ao contrário do que é proclamado pela razão metonímica, o todo é menos e não mais do que o conjunto das partes. Na verdade, o todo é uma das partes transformada em termo de referência para as demais.
Nessa racionalidade, a distribuição do conhecimento, na escola, é marcada por critérios
restritos de seleção do que constitui a cultura de uma sociedade, na qual dimensões
importantes da vida e dos saberes gestados por grupos sociais específicos são negados. Essa é
seus programas e
35
seus cursos senão um espectro estreito de saberes, experiências, de formas de expressão, de
Essa perspectiva da prática pedagógica sob o ângulo da racionalidade instrumental ou
metonímica reforça a dimensão da dominação, da reprodução e do monoculturalismo presentes
na sociedade capitalista, o que gerou um modelo único de escola, descolada da realidade e da
diversidade existente no país.
Foi com esse modelo de escola que nos deparamos, ao começar a docência numa turma
multisseriada2 no final da década de 1970. A inquietação com essa realidade nos levou aos
primeiros ensaios de um fazer docente que estimulasse no grupo o trabalho coletivo, a troca de
experiências e saberes, na perspectiva de facilitar o processo de aprendizagem, o que se
aprendizes se ajudavam uns aos outros a aprender, trocar saberes, vivências, significados,
culturas. Trocando questionamentos seus, de seu tempo cultural, trocando incertezas,
a agir pela sua experiência3, conforme explicitamos em pesquisa anterior (SILVA, 2000).
Quando entramos na Universidade, os saberes da formação4, advindos das diferentes
disciplinas sobre desenvolvimento e aprendizagem humana, a relação entre sociedade e escola,
estratégias didáticas para atuação na Educação Básica, contribuíram significativamente para
uma maior eficácia na ação pedagógica que desenvolvemos. No entanto, não estudávamos a
diversidade dos sujeitos da ação pedagógica nem a relação entre o campo e cidade e a
organização do trabalho pedagógico nessa realidade.
Esse fazer docente se ressignificou à medida que tivemos contato com a Teologia da
Libertação e com a Educação Popular, pois, entre outras questões, percebemos que, embora
sem acesso à escolarização, as comunidades rurais vivenciavam processos educativos:
encontros de estudos, romarias, mutirões, celebrações, festas, lutas pela terra, práticas
2 Turma organizada com mais de uma série e um único professor. Forma de organização escolar predominante,
desde o início da escola no campo. Mesmo com a criação dos grupos escolares no final da década de 1920, período em que se instituiu o regime de organização escolar seriado, a orientação de trabalhar sob a estratégia multisseriada continuou adotada nos distritos e áreas rurais. Tal organização de ensino permanece até hoje como o modelo de escola predominante no campo brasileiro.
3 Tardif e Lessard (1991) enfatizam os saberes de experiência, como um conjunto de saberes apreendidos, construídos e atualizados na práxis educativa, transformam um conjunto de representações a partir das quais os docentes interpretam, compreendem e orientam sua profissão e prática cotidiana em todas as suas dimensões.
4 Saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica): conjunto de saberes transmitido pelas instituições de formação (escolas normais ou faculdades de ciências da educação). Apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de diferentes ciências da educação para serem incorporados ao fazer pedagógico do professorado. (TARDIF &LESSARD, 1991).
36
produtivas, que levavam ao entendimento da educação como processo de formação e
emancipação humana.
Essa percepção foi reafirmada a partir do trabalho que desenvolvemos junto aos
movimentos sociais do campo e a formação continuada do professorado rural, o que nos levou
à pesquisa do mestrado sobre a constituição dos saberes do professorado rural para o exercício
docente nas escolas do campo.
Os resultados dessa pesquisa (SILVA, 2000) mostraram, por um lado, a desarticulação
entre os saberes da formação e a realidade concreta na qual o professorado desenvolvia seu
trabalho pedagógico; e, por outro, o reconhecimento do professorado como um ser de práxis
que conduz sua ação educativa no contexto das Escolas do Campo constituído por uma
heterogeneidade de saberes construídos na interação com a realidade e com a prática social dos
sujeitos.
Esse trabalho contribuiu para identificar que a precarização da formação inicial constitui
um desafio à prática docente, nem sempre superada pela formação continuada, visto que o
professorado se vê instigado no cotidiano da sala de aula à improvisação, criação e à
aprendizagem de conhecimentos que o ajudem a enfrentar as situações da profissão, a partir da
interação com os colegas, com os estudantes, com as famílias, com a experiência em sala de
aula, constituindo, assim, os saberes de experiência que se tornam o fio condutor do seu
trabalho em sala de aula e na escola.
Essa itinerância em práticas educativas do campo, como educadora e pesquisadora,
tornou-me co-autora de muitas iniciativas de Educação do Campo, inquietando-me sobre
algumas questões: como o processo de mobilização do Movimento da Educação do Campo
tem influenciado as práticas pedagógicas das Escolas do Campo? A elaboração de um marco
jurídico específico trouxe modificações à organização da escola? Era o ponto de partida para
uma nova pesquisa.
2 A definição do problema e o objeto
O movimento político, pedagógico e epistemológico da educação do campo nasceu
como mobilização, proposição e pressão dos movimentos sociais por uma política educacional
que fortalecesse as práticas educativas existentes e a criação assim como a ampliação de
escolas públicas da Educação Básica nas comunidades e assentamentos.
37
A origem desse movimento tem o seu lugar no processo, experimentado por
organizações sociais e suas lutas por mudanças no campo brasileiro, e no questionamento da
concepção e prática de Educação Rural implementada no Brasil. Assim, a concepção de
Educação do Campo emerge com a dinâmica das lutas dos movimentos sociais por um projeto
de desenvolvimento sustentável e solidário para a sociedade brasileira e como questionamento
ao modelo monocultural e descontextualizado da Educação Rural.
Com isso, o Movimento da Educação do Campo problematiza o paradigma hegemônico
de sociedade que concentra terras, águas, alimentos e riquezas e o modelo de educação -
que desconsidera a forma dos sujeitos produzirem sua vida, seus saberes e afetos. Emerge da
materialidade da prática política, social, cultural e educacional dos Povos do Campo5 em sua
diversidade na forma de produzir e reproduzir a vida no seu contexto sócio-ambiental.
Na dimensão política, o Movimento da Educação do Campo, coloca os Povos do Campo
como sujeitos de direitos, dentre os quais se evidencia a educação. A luta pelo direito ao
acesso e a permanência na Escola torna-se uma das reinvidicações centrais das diferentes
instituições e organizações sociais que constituem o Movimento da Educação do Campo. Mais
do que um direito dos sujeitos do campo, e de afirmação da cidadania, a Educação se constitui
enquanto processo de formação da humanidade do ser humano numa perspectiva
emancipadora, e de intervenção na realidade. Trata-se de um projeto educativo centrado no
diálogo-libertador, que valoriza o empoderamento dos sujeitos, o seu pertencimento a um
grupo e a um contexto social.
Trata-se, portanto, de educar as pessoas como sujeitos históricos e coletivos6, na
perspectiva de que se tornem autores sociais7, sujeitos da construção de uma nova
sociabilidade e de uma nova escola.
Sendo assim, surge a identidade da escola definida a partir dos sujeitos sociais a quem
se destina, e que tem a realidade como o conteúdo básico da sua organização curricular. A
5 O termo Povos do Campo é usado em diferentes documentos de movimentos sociais para se referir à
heterogeneidade dos sujeitos sociais do campo: agricultores (as) familiares, assentados (as) e acampados (as), reassentados, ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais, comunidades quilombolas, caiçaras, comunidades de fundo de pasto, pantaneiros, vaqueiros, gerazeiros, faxinalenses que produzem e reproduzem sua vida numa relação direta com a terra, a floresta e as águas considerando suas diferentes modulações de gênero, geração, raça, etnia e orientação religiosa
6 Os sujeitos sociais lutam pelas transformações do cotidiano, das inter/subjetividades. Os sujeitos coletivos, históricos, absorvendo as lutas sociais se organizam pelas transformações das conjunturas e das estruturas em função de uma maior participação social e pessoal, pela afirmação da dignidade de todos, homens e mulheres das diferentes etnias, idades, condições sociais, opções sexuais, e culturais em novas relações de poder numa institucionalidade estatal ressignificada. (SOUZA, 2006).
7 Adotaremos a definição de João Francisco de Souza (2006) de autores sociais como gestores de seus processos sociais, participantes do processo social do conjunto da sociedade, fazedores da história e de sua própria história.
38
diversidade dos Povos do Campo na sua forma de produção e reprodução social da vida marca
também a pluralidade das escolas e de suas práticas.
Com a finalidade de compreender as práticas das Escolas do Campo, orientamos a
pesquisa a partir de quatro pressupostos.
O primeiro é o de que o Movimento da Educação do Campo se constitui e abstrai das
iniciativas educativas para formulação de propostas pedagógicas, que trazem na sua gênese a
matriz da Educação Popular, ocorrida na América Latina nos anos de 1960, especialmente na
obra e prática de Paulo Freire. Seus princípios filosóficos, políticos, sociológicos e
pedagógicos orientam a compreensão da Educação como atividade cultural capaz de contribuir
no processo de emancipação humana e tran
capacidade humana de reinventar a si mesmo e a sociedade, de transcender a partir de sua
Essas práticas educativas se referenciam nas experiências da década de 1960 na
Educação Popular, que propunham a formação de sujeitos coletivos e populares, capazes de
constituírem-se em protagonistas das mudanças sociais e políticas contra a opressão e a
exploração, e que foram silenciadas com a repressão desencadeada pela ditadura militar.
Assim, a Educação Popular, enquanto uma teoria da educação teve uma contribuição
significativa na elaboração das Propostas Pedagógicas das entidades que compõem o
Movimento Político-Pedagógico e Epistemológico da Educação do Campo.
A relação com os movimentos sociais, como espaços educativos e constituintes da
formação do ser humano e como formuladores de um projeto de campo e de sociedade para o
país, é um princípio fundamental nas propostas das escolas. As práticas educativas gestadas no
campo trazem a concepção de campo como lugar de vida, de contextos plurais, articulador de
saberes e da relação do ser humano com a natureza, consigo mesmo e com os outros.
O segundo pressuposto é o de que há uma vinculação orgânica entre a cultura, a
educação e a Escola do Campo, visto que a prática pedagógica tem como conteúdo educativo
básico o contexto das comunidades articulado com o debate das questões mais gerais da
sociedade, o que gera as possibilidades de intervenção no mesmo.
A ação educativa contextualizada tem como propósito fundante a valorização dos
saberes da prática social constituídos no plano econômico, social político e cultural num
diálogo crítico com os conhecimentos científicos e tecnológicos, constituindo uma perspectiva
de educação intercultural que questiona
39
O formato universalista de ensino, que não tocava nas contradições do mundo, nem levava em consideração o chão onde pisava. Aliás, tanto a noção quanto as práticas que ela anima e inspira, advém da crítica feita a esta
educação escolar, de suas práticas e saberes. (MARTINS, 2004, p. 29).
(SILVA, 2000, p. 81) e questiona os
estereótipos sociais, sexuais, étnicos e culturais homogeneizadores, na perspectiva de construir
um diálogo intercultural permanente como ponto de partida e de chegada para construção de
uma política educacional e de uma sociedade multicultural que
[...] não se constitui na justaposição de culturas, muito menos no poder exarcebado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se a cada cultura no respeito uma da outra, correndo risco livremente de ser diferente, sem medo de ser diferente, de ser cada uma para si, somente como se faz possível crescerem juntas e não na experiência da tensão permanente provocada pelo todo-poderoso uma sobre as demais, proibidas de ser. (FREIRE, 1994, p. 156).
No final da década de 1970, a luta dos Povos Indígenas pela terra, desencadeou
iniciativas que favoreceram a articulação entre aldeias e povos nas assembléias indígenas,
como forma de solidariedade interétnica e fortalecimento dos movimentos e organizações
indígenas: a criação de entidades de apoio à causa indígena, que estimulou o processo de
reflexão crítica sobre o processo de exploração colonialista; e a construção de alianças com
diferentes entidades e organizações, que desembocaram na construção da educação escolar
indígena como direito, afirmando as identidades étnicas, o fortalecimento das memórias
históricas, a valorização das línguas e saberes dos Povos Indígenas.
A mobilização dos Povos Indígenas com o apoio de várias entidades nacionais8 e
internacionais garantiu, na Constituição Federal de 1988, o direito a uma educação
diferenciada, reforçado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/96, e a
Resolução CEB n° 3, de 10 de novembro de 1999, que fixou Diretrizes Nacionais para o
funcionamento das escolas indígenas com ordenamento jurídico próprio, ao assegurar que os
8
fundadores e coordenadores das mais significativas ONGs de caráter civil que se formaram nesse período, como é o caso da Comissão Pró-Índio de São Paulo, Comissão Pró-Índio do Rio de Janeiro e Comissão Pró Índio do Acre, do Centro de Trabalho Indigenista de São Paulo, da Associação Nacional de Apoio ao Índio da Bahia, e do Centro Magüta em Benjamim Constant, do Conselho Indigenista Missionário CIMI; e da Operação Anchieta OPAN para citar algumas delas.
40
sistemas de ensino devem desenvolver programas específicos para atendimento escolar e
produção de material didático diferenciado aos Povos Indígenas.
A implementação dessa política teve como objetivo assegurar a oferta de uma educação
de qualidade aos Povos Indígenas, caracterizada como comunitária, específica, diferenciada,
intercultural e bilíngue/multilíngue, na qual a comunidade educativa9 indígena seja a principal
protagonista na formulação da política. Formar professores(as) indígenas, membros de suas
respectivas etnias, para que assumam a docência e a gestão das escolas em terras indígenas, é o
principal desafio para a consolidação dessa proposta de educação.
Como resposta a essa demanda, foi criado em 2005 o Programa de Apoio a Formação
Superior e Licenciaturas Indígenas PROLIND, que, segundo dados do MEC, tem
atualmente cerca de 1.044 professores indígenas inseridos em nove universidades públicas
federais e estaduais de estados das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste, e, a partir de 2008,
Universidades da Região Nordeste se incorporaram ao programa para a oferta destas ações de
formação, dentre as quais destacamos a Universidade Federal de Pernambuco e a
Universidade Federal de Campina Grande.
A luta dos Povos Indígenas pela Educação Intercultural também serviu de referência
para que outros Povos do Campo começassem, a partir do final da década de 1980, a inserir,
nas suas pautas de mobilizações pela democratização do país, a luta por direitos humanos,
Reforma Agrária, Políticas Agrícolas e Sociais para o Campo Brasileiro e pelo direito à
Educação.
Um terceiro pressuposto refere-se à construção dos projetos pedagógicos das Escolas do
Campo, para superar a dissociação entre a dimensão política e pedagógica, entre os
conhecimentos científicos e os populares, com uma teoria pedagógica que estimula o diálogo
entre os diferentes saberes, num movimento de contextualização do conhecimento, portanto,
É uma quque sequer dá o tempo suficiente para que os sujeitos possam organizar uma auto-definição e auto-qualificação. Antes, disso, porém, eles já estão nomeados, qualificados, representados numa caricatura na qual sequer podem se reconhecer. (...) Contextualizar, portanto, é esta operação mais complicada de descolonização. Será sempre tecer os movimentos de uma
9 A comunidade educativa é formada por todas as pessoas que trabalham e colaboram para a construção de uma
educação de qualidade na comunidade, como as lideranças, os sábios/velhos, os xamãs, curandeiros, pajés, os pais, as mães, os educandos (as), a equipe que trabalha na escola educadores (as), coordenador (a) pedagógico (a), merendeira, faxineira, vigia entre outros envolvidos com a educação, conforme a realidade de cada povo ou escola. (Conferência Nacional da Educação Indígena, 2009).
41
tantas questões silenci
historicamente. (MARTINS, 2004, p. 34).
A contextualização da ação educativa é uma forma de intervenção no mundo,
enquanto experiência humana, portanto, ideológica. O reconhecimento da dimensão política
da ação educativa repousa na sua dimensão humana relacional e possibilita o que Pedro Demo
(1996) denomina de homem político, enquanto ser que se insurge contra o ser apenas objeto.
Assim,
O homem político é aquele que tem consciência histórica, sabe dos problemas e busca soluções. Não aceita ser objeto. Quer comandar seu próprio destino. E amanhece o horizonte dos direitos, contra os dados e contra a imposição. Ator, não expectador. Criativo, não produto. Distinguimos nas civilizações e nas culturas a marca do que o homem foi e é capaz de fazer. (DEMO, 1996, p. 17).
Na sua dimensão política e epistemológica, a contextualização referencia as práticas
curriculares das escolas, possibilitando que novas informações e conhecimentos possam entrar
em relação com os conhecimentos que os sujeitos já possuem sobre sua realidade social.
Dessa forma, o processo de teorização da realidade amplia os conhecimentos existentes, dá
significação ao que se aprende e se vivencia, imprimindo sentido à prática pedagógica, para a
compreensão e intervenção na realidade.
O quarto pressuposto reconhece que o direito à educação se afirma como ação coletiva e
organizada dos movimentos sociais populares. O processo de redemocratização do país, a
partir do início dos anos de 1980, assumido pelo Campo Popular10, tem um papel protagonista
na proposição e formulação de práticas e políticas, que se contraponham ao modelo
hegemônico de sociedade.
A luta histórica por acesso e permanência com sucesso na escola ganha novos contornos
com a expectativa de democratização da gestão, redução das desigualdades sociais,
participação política da população na conquista de seus direitos, de justiça social e de
profissionalização dos educadores (as). Esse processo de organização e mobilização pelo
10 Segundo Conceição Paludo (2009, p. 46), os campos populares constituíram-se como movimentos contra-
hegemônicos (muitas vezes designado, nos textos, como esquerda) e se orientaram por utopias de transformação social, às quais foram atribuídas as mais diversas denominações, dentre elas: projeto histórico; projeto libertador; novo contrato social; nova sociedade; sociedade sem oprimidos e opressores; projeto alternativo de sociedade e sociedade socialista.
42
direito à Educação tem como ponto de partida a resistência para não perder as escolas nas
comunidades e, ao mesmo tempo, questionar o modelo hegemônico de escola.
Essa mobilização por políticas públicas contribuiu para a construção de um marco legal
específico da Educação do Campo, gerando o desafio de tais políticas contemplarem a
universalidade e a diversidade posta pela complexa realidade do país. Neste sentido, o respeito
às diferenças e o pertencimento do ponto de vista educacional dá-se pela equidade e
diversidade nas políticas públicas.
A aprovação das Diretrizes Operacionais da Educação Básica11 das Escolas do Campo
(Resolução nº 01, de 03 de Abril de 2002/CNE/MEC) e, posteriormente, das normas
complementares para o atendimento da Educação Básica do Campo (Resolução CNE/CEB nº
2/2008) constituíram arcabouço legal de afirmação de uma política educacional específica do
campo. As diretrizes expressam o modo próprio de vida, de utilização e de pertencimento do
espaço/território como elementos essenciais para a constituição da identidade da população do
campo. Identidade que não é única, que contém contradições no seu interior, a partir das
condições sociais e materiais, que cada grupo está vinculado.
A inserção cidadã dessa população na definição dos rumos da sociedade brasileira e a
necessidade de definir procedimentos relativos para garantir a universalização do acesso à
Educação básica aos Povos do Campo foram assumidas na agenda pública dos Movimentos
Sociais do Campo e influenciaram diretamente a elaboração do marco legal do país.
A luta pelo direito dos Povos do Campo, por políticas públicas de saúde, moradia, infra-
estrutura, seguridade social, lazer, assessoria técnica e extensão rural, torna-se estratégia
fundamental para a construção, ampliação e fortalecimento das Escolas do Campo. Tais
políticas precisam ser efetivadas por mecanismos e recursos orçamentários claramente
definidos e publicamente transparentes, para sua efetivação, que, em resumo, são desafios
atuais.
Nessa perspectiva, no Brasil, foram os movimentos sociais que questionaram o modelo
urbanocêntrico de escola implantada no campo, o que evidencia a necessidade de que os
movimentos sociais sejam vistos como espaços educativos e interlocutores da escola na
formulação da prática e teoria educacionais.
Assim, na origem da formulação da Educação do Campo, há uma indissociabilidade
entre processos sociais e históricos desenvolvidos pelos Movimentos Sociais do Campo,
11 Educação Básica é entendida, conforme a Lei nº 9394/96, como constituída pela educação infantil, educação
fundamental, ensino médio e educação profissional.
43
orientados por uma utopia transformadora, e a formulação de uma prática pedagógica escolar
do campo.
Esses pressupostos deram origem às seguintes indagações: como se estruturam e se
dinamizam as práticas pedagógicas nas escolas do campo? Quais as matrizes que
fundamentam as propostas pedagógicas dessas iniciativas? Como as propostas pedagógicas das
diferentes iniciativas se efetivam na prática? Quais os limites e possibilidades dessas práticas
pedagógicas?
Essas questões relevam três dimensões neste estudo: a primeira incide sobre a
pertinência da Educação do Campo à luz do contexto social, político e educativo atual, na
perspectiva de contribuir com uma prática pedagógica, para que as instituições educativas
possam construir um diálogo inter e multicultural como fundamental para a construção de uma
sociedade democrática; uma outra incide sobre a análise da concepção: suas origens
históricas, as fronteiras que a delimitam, as diferentes expressões que assumem o papel
institucional que representa e as concepções e práticas que lhe dão forma, implicando um
debate conceitual que tenta apreender um fenômeno em sua constituição histórica; e,
finalmente, a terceira, que diz respeito ao reconhecimento das singularidades dessas práticas,
que se constituem em exemplos concretos na nossa realidade educacional e que evidenciam a
escritas dos autores(as) das referidas propostas.
Assim, tomando como referência o Movimento da Educação do Campo e a prática
pedagógica das Escolas do Campo, elegemos como núcleo problemático a compreensão das
práticas pedagógicas desenvolvidas nas Escolas do Campo, tentando clarificar suas
vinculações com a matriz da Educação Popular.
A partir desse ponto, procedemos à condução analítica da pesquisa, objetivando
compreender as práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas do Campo, procurando
sistematizar elementos que possam contribuir com novas possibilidades educativas para a
escolarização no campo. Especificamente, buscamos analisar os traços de semelhanças e
singularidades existentes nas propostas e práticas pedagógicas das Escolas do Campo e
identificar sua contribuição para a organização do trabalho pedagógico na escola.
Portanto, a escolha por determinadas iniciativas educativas neste trabalho não terá o
propósito de fazer comparações, nem tampouco compreender o sentido pleno de todo o
Movimento da Educação do Campo, mas reconhecer suas singularidades e possibilidades de
contribuir com os projetos pedagógicos das Escolas. Para isso, fizemos uma itinerância teórica
44
e metodológica para responder à problemática da pesquisa, explicitar os procedimentos e
instrumentos utilizados, a definição do campo de pesquisa, o tratamento e análise dos dados e,
por fim, a estruturação do trabalho.
A tese esta estruturada em duas partes. Na introdução, apresentamos o objeto a partir da
nossa itinerância profissional e pessoal, dialogando com os elementos do Movimento da
Educação do Campo, cujas práticas pedagógicas serão nosso objeto de estudo.
A primeira parte da tese é constituída de quatro capítulos, que fundamentam o chão
político, pedagógico e epistemológico da pesquisa, possibilitando a construção dos caminhos
que ajudaram na compreensão do objeto de pesquisa.
O primeiro capítulo trata da itinerância teórica e metodológica para compreender as
práticas pedagógicas das Escolas do Campo. Tomando como referência a abordagem dialética,
construímos três procedimentos de coleta e produções de dados: o estudo exploratório, a
pesquisa documental e o estudo etnográfico, que possibilitaram entender o proposto e o vivido
nas escolas campo de pesquisa.
O segundo mostra as paisagens das escolas localizadas no campo e a emergência de um
marco jurídico para as políticas educacionais específicas, evidenciando as condições materiais
das escolas, os limites e possibilidades da legislação na heterogeneidade dos municípios
brasileiros.
O terceiro capítulo delimita a concepção de Educação Popular adotada no trabalho
como uma teoria e prática da educação, e como matriz fundamental das práticas educativas
escolares do campo.
O quarto capítulo contextualiza a origem e os fundamentos do Movimento Político,
Pedagógico e Epistemológico da Educação do Campo, evidenciando os Lugares Institucionais,
cujas práticas pedagógicas constituíram o objeto da investigação.
A segunda parte da tese é composta de três capítulos, que tratam do Itinerário
Pedagógico como orientador da dinâmica e da organização do trabalho pedagógico, e que no
cotidiano reinventam a Escola do Campo.
O quinto capítulo trata das propostas pedagógicas dos Lugares Institucionais campo da
pesquisa, identificando seus fundamentos e princípios, bem como os traços de semelhanças
existentes em suas proposições.
O sexto capítulo analisa o ambiente educativo e a organização do trabalho pedagógico
nos Lugares Institucionais da Educação do Campo, buscando compreender como as propostas
pedagógicas se materializam nas práticas pedagógicas das Escolas a partir de suas
singularidades.
45
E o sétimo capítulo aborda a dinâmica de funcionamento, a organização do trabalho
pedagógico e suas práticas curriculares que se concretiza no e com o Itinerário Pedagógico.
Por fim, procuramos tecer algumas considerações sobre os achados desta pesquisa,
destacando as contribuições que essas práticas trazem para a organização curricular das
Escolas do Campo.
46
I PARTE - CHÃO POLÍTICO PEDAGÓGICO EPISTEMOLÓGICO DA PESQUISA: CONSTRUINDO CAMINHOS DE APROXIMAÇÃO COM O OBJETO DA PESQUISA
47
INTRODUÇÃO
Meu papel no mundo não é só de quem constata o que ocorre, mas também de quem intervém como sujeitos de ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas sou sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar. Paulo Freire
A intenção desta primeira parte é contextualizar o chão político, pedagógico e
epistemológico da pesquisa. Para isto, começamos pelo delineamento do desenho
metodológico do referencial adotado com a finalidade de compreender as práticas
pedagógicas vivenciadas nas Escolas Básicas do Campo.
Para a construção metodológica, tivemos como referência os trabalhos de autores
(ANDRÉ, 1995; BARDIN, 1988; CHIZZOTTI, 2000; FAZENDA, 2002; KOSIK, 1986;
LUDKE, 1986; MINAYO, 1994) que fundamentaram os procedimentos adotados no estudo
exploratório, na análise documental e no estudo etnográfico; e que nos possibilitaram uma
aproximação epistemológica e metodológica com o objeto de pesquisa.
Nesse processo de aproximação e compreensão do objeto, as categorias analíticas
Prática Pedagógica, Educação Popular e Educação do Campo, orientaram o trabalho.
A categoria analítica Prática Pedagógica foi entendida conforme posto por João
Francisco de Sousa (2009, p. 28-29):
Enquanto ações coletivas institucionais, formalmente organizadas, num determinado contexto cultural, perseguido determinada finalidade e vários objetivos (intencionais). (...) conformada pelas interações de seus diferentes sujeitos (docentes, discentes e gestores) na construção de conhecimentos ou no trabalho dos/com conteúdos pedagógicos (prática epistemológica ou gnosiológica), contribuindo para a formação humana de sujeitos sociais, na qual se inclui também, mas nem sempre, a formação profissional.
Com isso, evidenciamos nossa filiação ao pensamento deste autor, ao considerar que a
prática pedagógica não equivale apenas à prática docente, embora o professor(a) tenha um
papel fundamental e específico dentro do trabalho pedagógico, enquanto um sujeito/autor da
mesma. Portanto, nosso olhar focou a práxis pedagógica constituída de quatro pólos: prática
docente, prática discente e prática gestora, que se inter-relacionam para garantir o quarto pólo,
48
que é o epistemológico ou dos conteúdos educativos, dentro do contexto socioeconômico e
cultural do campo brasileiro.
A explicitação da concepção que adotamos de Educação Popular, enquanto teoria e
prática da educação que toma a realidade social como conteúdo pedagógico a serviço da
emancipação humana e da transformação das relações assimétricas existentes na sociedade,
possibilitou identificar a influência dessa matriz pedagógica nos fundamentos e princípios das
Propostas Pedagógicas das iniciativas da Educação do Campo.
O diálogo entre a Educação Popular e as reflexões advindas dos estudos pós-
coloniais12 e os estudos culturais13, principalmente a partir da década de 1990, contribuiu para
o debate sobre a diversidade social nas práticas pedagógicas, conforme podemos ver em
diferentes autores (CARVALHO, 2004; FREIRE, 1974; MOREIRA, 1990, 1997; SILVA,
1999, 2004). Inclusive sobre as que foram constituindo o Movimento da Educação do
Campo, em seus fundamentos políticos, pedagógicos e epistemológicos.
A construção da concepção de Educação do Campo, como prática político-
pedagógica, fundamentada na realidade social dos sujeitos do campo e na produção de sua
existência social na relação com a terra, a água e as florestas, posto na perspectiva dos
direitos sociais ajudou a revisitar a paisagem das escolas localizadas no campo e analisar no
corpus documental os limites e possibilidades sinalizados pelas políticas educacionais na
concretização desse direito nas esferas dos estados e municípios.
Com essas finalidades, sistematizamos essa parte da tese apoiada nas informações do
estudo exploratório, da análise documental e da revisão bibliográfica sobre a história da
Educação (ALMEIDA, 2000; CARVALHO, 2004; PAIVA, 1987; ROMANELLI, 1982); na
fundamentação do conceito de Educação Popular e relações com o Campo Popular nos
baseamos em (CALADO, 2000; FREIRE, 1978, 1979, 1987; PALUDO, 2001, 2009; ROSAS,
2008; SOUZA, 1999, 2000, 2009); na contextualização e fundamentos do Movimento da
Educação do Campo apoiamo-nos em (ARROYO, 2004; CALDART, 2000; MOURA, 2003;
GIMONET, 2007; REIS, 2004) e nos documentos e publicações dos lugares institucionais
campo de pesquisa.
12 Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2004, p. 125), a teoria pós-colonial tem como objetivo analisar o complexo
das relações de poder entre as diferentes nações que constroem o Outro colonial enquanto um objeto de conhecimento e como um sujeito subalterno. Essa perspectiva teórica conta com a participação de autores como Peter McLaren, Homi Bhabha e outros.
13 Ainda segundo Tomaz Tadeu da Silva (2004, p. 133), os estudos culturais concentram-se na análise da cultura como campo de luta em torno da significação social. A cultura é um campo de luta em torno da produção de significados pelos diferentes grupos sociais envolvidos por relações de poder, que lutam pela imposição de seus significados à sociedade como um todo.
49
I CAPÍTULO - CAMINHOS E VEREDAS: OS FIOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS QUE TECERAM A ITINERÂNCIA DA PESQUISA
50
Neste claro-escuro de lutas e consensos, mais do que verificar ou falsificar teorias, o nosso trabalho metodológico consiste em avaliar teorias. E nesta avaliação várias teorias divergentes são aprovadas, ainda que raramente com as mesmas classificações. E as classificações não são ferretes que imprimimos nelas a fogo. São olhares que lhes lançamos do ponto movente em que nos encontramos um ponto situado entre as teorias e as práticas
specífico, o do conhecimento cientifico na teia de relações entre teorias e práticas. (...) Melhores ou piores, as teorias somos nós a passar no espelho da nossa prática cientifica dentro do espelho maior da nossa prática de cidadãos. Boaventura de Souza Santos
1.1.Abordagem Metodológica da Pesquisa
O presente capítulo evidencia os fios teóricos e metodológicas que orientaram o olhar
das práticas pedagógicas nas Escolas do Campo, com a finalidade de compreender a vida das
escolas e das salas de aula, e em que medida o referencial da Educação do Campo influencia a
efetivação dessas práticas.
Como ponto de partida, assumimos a crítica feita por diferentes autores à
racionalidade científica instrumental, que nega o caráter racional das formas de conhecimento
que não se pautam pelos seus princípios epistemológicos.
Essa racionalidade instaura uma separação rígida entre sujeito e objeto, como se a
construção do conhecimento humano fosse uma realidade independente do contexto sócio-
histórico e da própria vida dos sujeitos que o elaboram, acarretando a ausência de um
processo que garanta a discussão do papel da ciência, da cultura e da sociedade.
A partir da constatação de que método e resultado, como também sujeito e objeto não
se separam, a opção por uma metodologia passa a configurar-se como uma decisão tão
importante quanto à escolha do objeto da pesquisa.
Pode-se mesmo dizer que, em ambos os casos, trata-se da mesma escolha, uma vez
que os resultados pretendidos não podem ser dissociados da metodologia escolhida. A escolha
de um referencial teórico e metodológico parte de um pressuposto inicial, com o qual
possuímos concordância, segundo a síntese afirmativa de Gaudêncio Frigotto (1998, p. 26):
Um pressuposto fundamental, quando nos propomos ao debate teórico, entendemos deva ser que as nossas escolhas teóricas não se justificam nelas mesmas. Por trás das disputas teóricas que se travam no espaço acadêmico, situa-se um embate mais fundamental, de caráter ético-político, que diz respeito ao papel da teoria na compreensão e transformação do modo social mediante o qual os seres humanos produzem sua existência, neste fim de século, ainda sob a égide de uma sociedade classista, vale dizer, estruturada na extração combinada de mais-valia absoluta, relativa e extra. As escolhas teóricas, neste sentido, não são nem neutras e nem arbitrárias - tenhamos ou
51
não consciência disto. Em nenhum plano, mormente o ético, se justifica teorizar por teorizar ou pesquisar por diletantismo.
Adotamos a metodologia dialética na qual a construção do conhecimento é entendida,
conforme Karol Kosik (1986, p. 27), como
ou explicitamente, sobre uma determinada teoria da realidade e pressupõe uma determinada
concepção da realidade mesma Nela as diversas partes do real organizam-se em um
processo de interdependência ativa, relacionam-se e condicionam-se reciprocamente,
constituindo numa totalidade.
duto social histórico e reconhece
a dinamicidade da realidade, como é possível acompanhar no trecho a seguir:
[...] Se a realidade é entendida como concreticidade, como um todo que possui sua própria estrutura (e que portanto, não é caótico), que se desenvolve (e, portanto, não é imutável nem dado uma vez por todas), que se vai criando (e que, portanto, não é um todo perfeito e acabado no seu conjunto e não é mutável apenas em suas partes isoladas, na maneira de ordená-las), de semelhante concepção da realidade concepção da realidade decorrem certas conclusões metodológicas que se convertem em orientação heurística e princípio epistemológico para estudo, descrição, compreensão, ilustração e avaliação de certas seções tematizadas da realidade [...] (KOSIK, 1986, p. 36).
Essa visão da realidade como processo é um devir permanente; supera a dissociação
sujeito-objeto e situa os dois elementos fundamentais da relação cognitiva nas condições
materiais históricas, mediadoras dessa relação. Assim, o sujeito estabelece uma relação
dinâmica com um objeto construído com base em um instrumental teórico-metodológico que
permeia a relação, ao mesmo tempo em que a construção do objeto afeta também e enriquece
o sujeito da relação.
É importante destacar que a dialética, no entendimento das relações sociais, partindo
de construção, não se fechando num único foco, num único ponto de vista. De acordo com
deverá apresentar-se ao leitor de tal forma que ele o apreenda em sua totalidade. Para isso são
necessárias aproxim
A opção por essa abordagem teve como finalidade possibilitar o contato direto do
pesquisador com os sujeitos do estudo, com seu contexto e prática, procurando entender os
52
fenômenos que aconteciam na escola a partir das perspectivas dos participantes para então,
interpretá-los. De acordo com Maria Cecília Minayo (1999, p. 21),
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes.
Desse modo, a contribuição da abordagem dialética para o entendimento da realidade
numa totalidade de fenômenos que se interelacionam a partir das ações humanas e dos
significados que os seres humanos atribuem a elas, institui um movimento de inacabamento e
de mudança, vir-a-ser permanente na vinculação teoria e prática.
1.2 Procedimentos e Instrumentos da Pesquisa
A definição teórica e metodológica orientou o processo investigativo para três
procedimentos de coleta e produção de informações: o estudo exploratório, a pesquisa
documental e o estudo etnográfico, que foram articulados e interdependentes durante a
pesquisa.
O estudo exploratório objetivou conhecer o fenômeno que queríamos investigar. Por
isso, partimos do mapeamento das práticas educativas escolares do campo, delimitamos os
lugares institucionais construtores da concepção e prática pedagógica da Educação do Campo,
construímos um marco teórico conceitual e selecionamos os lugares institucionais campo de
pesquisa.
Nesse sentido, o estudo exploratório possibilitou identificar enfoques, percepções e
terminologias novas, contribuindo para que, paulatinamente, o modo de pensar e entender o
objeto fossem se ampliando e/ou modificando.
O trabalho permitiu, portanto, aliar as vantagens de se obter os aspectos qualitativos
das informações à possibilidade de quantificá-los posteriormente. Esta associação realizou-se
em nível de complementaridade, possibilitando ampliar a compreensão das práticas
pedagógicas das Escolas do Campo. As informações coletadas e analisadas nesta fase da
pesquisa constituem o capítulo quatro da tese.
A Pesquisa Documental, segundo Oliveira (2007, p. 69), caracteriza-
informações em documentos que não receberam tratamento científico, como relatórios,
53
reportagens, revistas, cartas, fotografias, entre outros materiais de divulgação . É uma
técnica importante na pesquisa qualitativa, seja complementando informações obtidas por
outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema.
A pesquisa documental nesse trabalho teve como finalidade analisar as políticas
específicas da Educação do Campo e as propostas pedagógicas dos lugares institucionais
selecionados: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra-MST, Rede de Educação do
Semiárido Brasileiro-Resab, Centro de Formação Familiar em Alternância- Ceffas e a
Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável - Peads. Demandou,
portanto, a análise dos documentos produzidos por esses lugares institucionais: Revistas da
Formação da Alternância, Revistas da Resab, Dossiê do MST, publicações da sistematização
da Peads, como também textos pedagógicos das iniciativas e artigos produzidos por autores
que se vinculam organicamente a cada um dos lugares institucionais.
Realizamos os seguintes procedimentos: levantamento bibliográfico da produção dos
lugares institucionais e das escolas e levantamento das políticas educacionais específicas do
campo. Para a análise dos documentos, nos referenciamos na análise temática, conforme
que se liberta
naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à
A Pesquisa Etnográfica14, segundo Marli André (2005, p. 27), leva a aprofundar a
significação das práticas dos sujeitos e permite que se chegue bem perto da escola para tentar
-a-dia os mecanismos de dominação e resistência, de
opressão e de contestação ao mesmo tempo em que são veiculados e reelaborados
conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de ver e
proximidade que foi vital para a compreensão do objeto da pesquisa.
descrição densa
do trabalho de campo, exige uma flexibilidade no processo de observação para se captar as
interações imprevistas e reveladoras dos valores e das contradições da prática a partir de tudo
que foi visto, escutado, registrado nos diferentes lugares, tempos e espaços de interação com
os sujeitos da pesquisa. A descrição e problematização do observado nos levou a conhecer a
14 Existe, pois, uma diferença de enfoque nessas duas áreas, o que faz com que certos requisitos da etnografia
não sejam cumpridos pelos investigadores das questões educacionais. Requisitos sugeridos como, por exemplo, uma longa permanência do pesquisador em campo, o contato com outras culturas e o uso de amplas categorias sociais na análise de dados são adequados para estudos antropológicos, mas não necessariamente para a área de educação.
54
heterogeneidade das situações com que nos deparamos durante a pesquisa (ANDRÉ, 1995;
TRIVINOS, 1987).
Seguindo as características da abordagem qualitativa que estamos adotando,
utilizamos procedimentos de diferentes naturezas que nos permitam uma triangulação das
informações. Utilizamos a triangulação (TRIVINOS, 1987) como um recurso sistemático que
dá um valor de consistência às conclusões da pesquisa, pela pluralidade de referências e
perspectivas representativas de uma dada realidade. O autor subdivide este procedimento em
três momentos: processos e produtos centrados no sujeito; elementos produzidos pelo meio do
sujeito; processos e produtos originados pela estrutura socioeconômica e cultural.
Assim, utilizamos a triangulação na seguinte perspectiva: a) a triangulação das
informações, realizando cruzamentos e relações entre os registros das observações, os
registros textuais existentes na escola e entrevistas; b) triangulação das bases teóricas que
amparavam as análises num diálogo permanente com as categorias analíticas Prática
Pedagógica, Educação Popular e com a categoria empírica Itinerário Pedagógico.
Para coletar as informações, usamos diferentes instrumentos: observação participante,
diário de campo e entrevista.
A observação participante designa o trabalho de campo, desde a chegada do
investigador ao campo de pesquisa, quando inicia as negociações que lhe darão acesso a ele,
até o momento em que termina a observação (MINAYO, 1999; THIOLLENT, 1977; VIANA,
2007). Colocar-se dentro do grupo e contribuir com seus interesses, experimentar,
pessoalmente e ao mesmo tempo, essas experiências em conjunto com os demais, torna a
observação mais próxima. Durante essa inserção, anotações cuidadosas e detalhadas no
sentido de descrever o observado, incluindo o maior número possível de aspectos que são
essenciais para responder às questões de pesquisa, tornaram-se fundamentais
Na observação participante, não trabalhamos com esquemas predeterminados que nos
dirigissem o olhar para pontos fixos, ao contrário buscamos observar as diferentes situações e
anotar o que parecesse relevante ou não no diário de campo. Embora tivéssemos algumas
provenientes da análise documental das Propostas Pedagógicas, dos
documentos das escolas, do material produzido pelos estudantes e dos registros no diário de
campo das conversas informais de corredor, no transporte escolar, no pátio, no refeitório, no
dormitório, muitas vezes nos deu a sensação de que o material era tanto e tão variado que não
conseguiríamos organizar e compreender todo ele, para se tornar viável a análise.
As informações, as pessoas, os gestos e os ritos são considerados importantes. Por
isso, nosso olhar estava sempre atento às relações entre os educadores (as) e educandos (as)
55
dentro e fora da sala de aula, à organização dos espaços, às normas do trabalho pedagógico,
ao envolvimento das crianças e adolescentes nas atividades, enfim, ao processo que se
evidenciava no cotidiano das escolas.
O diário de campo, no qual registramos as observações e as impressões percebidas
sobre o cotidiano das escolas, as dinâmicas, os fatos e depoimentos que nos chamavam a
atenção em espaços formais e informal foi um instrumento complementar de fundamental
importância para o registro da diversidade de processos vivenciados na escola.
Nesse processo, a conversa corrente e ordinária foi um elemento constitutivo de
hora do café
da manh
escola, uma importância fundamental na troca de experiências, de conhecimentos, de acordos
vidade,
refeições, uma vez que representam um momento significativo de troca de conhecimentos,
afetos e convivência.
Nessas situações de imprevisibilidade e de observação, os diálogos foram importantes
para a apreensão de sentidos e significados atribuídos à prática vivenciada dentro da escola, o
que nos evidenciou os espaços e tempos de convivência e interação nas escolas do campo,
como sendo de aprendizagem, produção de saberes, afetos e atitudes, em sua maioria com um
conteúdo da práxis intencional (VAZQUEZ, 1988), na qual se encontra a interferência da
esfera da consciência como um processo de realização de uma intenção.
As observações das práticas pedagógicas no contato com as crianças e jovens
possibilitaram o acesso a desenhos e produções escritas feitas por eles a respeito das
atividades desenvolvidas na escola. Portanto, coletamos informações provenientes dos
materiais produzidos pelos estudantes, tais como: relatórios de atividades, caderno da
realidade, caderno de acompanhamento, registros de pesquisa, projeto de estágio e mapas.
Nas transcrições de falas e depoimentos, foram deliberadamente retirados os nomes
dos sujeitos e outros elementos que poderiam identificá-los. Para isso, usamos codificação
de letras, de acordo com sua denominação em cada lugar institucional e de números para a
seqüência da codificação.
Na fase final do trabalho de campo, realizamos entrevistas com diferentes sujeitos das
práticas pedagógicas: educadores (as), gestoras, educandos (as) e técnicos administrativos15.
15 As falas dos pais foram coletadas e registradas no diário de campo nos momentos de reuniões e idas nas
comunidades.
56
A realização das entrevistas considerou o que observamos no ambiente educativo como
fenômeno não isolado, porém como algo que, nas suas determinações e condicionamentos
imediatos, insere a escola em um movimento histórico mais amplo, mas como singularidade
desse mesmo movimento.
Dessa forma, esse procedimento teve como finalidade perceber como os sujeitos
sociais identificavam as mudanças existentes nessa prática pedagógica com relação a outras
escolas.
Para a organização e análise das informações, buscamos referência na Analise de
Conteúdo, de Laurence Bardin (1988, p. 42), que pode ser definida como
Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo as mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens.
Maria Cecília Minayo (1999, p. 74) também enfatiza que a Análise de Conteúdo visa
escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e\ou simbolicamente explicitado sempre
será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto (seja ele explicito e\ou
No processo de análise do conteúdo dos materiais, adotamos as etapas fundamentais,
conforme apontada por Laurence Bardin (1988): (1) a pré-análise, (2) a exploração do
material e (3) o tratamento dos resultados e a interpretação. Metodologicamente, seguimos
essa proposta de trabalho, com as adaptações devidas. Para o tratamento das informações a
técnica da análise temática ou categorial foi utilizada e baseia- de
desmembramento do texto em unidades, ou seja, descobrir os diferentes núcleos de sentido
que constituem a comunicação, e posteriormente, realizar o seu reagrupamento em classes ou
Nessa fase da pesquisa, foi realizada uma primeira organização do material, quando se
tornou indispensável olhar para o conjunto de documentos de forma analítica, buscando
averiguar como poderíamos proceder para torná-lo inteligível, de acordo com o objetivo de
investigar as concepções políticas, pedagógicas e epistemológicas presentes nas propostas
pedagógicas dos lugares institucionais.
Organizar o material implicou processar a leitura segundo critérios da análise de
conteúdo, comportando algumas técnicas, tais como: fichamento, levantamento quantitativo e
57
qualitativo de termos e assuntos recorrentes, criação de códigos para facilitar o controle e
manuseio dos dados. Dessas ações, no estudo realizado, resultaram os quadros n° 5 e 6.
O primeiro deles sintetizou os principais documentos da legislação educacional da
Educação do Campo. Montamos um quadro com as fontes, do que tratam e o que normatizam,
considerando o período de 1980 a 2007. A análise desse material resultou no capítulo
segundo desta tese.
Realizamos uma leitura flutuante dos d
contacto com os documentos a analisar e conhecer o texto deixando-se invadir por impressões
pertinência e validade das respostas em análise e, por outro, começar a delinear as categorias
de análise, de acordo com a teoria que estava nos orientando no trabalho.
Para análise e compreensão das Propostas Pedagógicas dos lugares institucionais,
foram identificados e consultados dois tipos de documentação: o de pesquisadores (as)
vinculados aos lugares institucionais, que tratam de temáticas relacionadas às suas propostas
pedagógicas, e os documentos produzidos coletivamente, que expressam suas concepções e
práticas.
A Proposta Pedagógica entendida enquanto um documento que consolida os
posicionamentos pedagógicos que vão servir de base à elaboração do projeto pedagógico
categoria importante para a seleção dos documentos dos lugares institucionais. Esses
documentos expressam as opções teóricas, políticas, epistemológicas e metodológicas que
constituem orientações para as práticas pedagógicas nas escolas, que se vinculam a cada
Lugar Institucional.
Assim, a Proposta pedagógica tem como finalidade dar concretude à teoria
pedagógica no que se refere à: concepção de educação, concepção de sociedade, concepção de
ser humano, finalidades e objetivos dos processos educativos, conteúdos pedagógicos16 e
dispositivos de diferenciação pedagógica17.
Nesse caso, tomamos como referência para análise as dimensões de uma Proposta
Pedagógica, apontadas por João Francisco de Souza (2009), juntamente com outros
16Adotamos como referência para a análise do material o conceito de conteúdos pedagógicos conforme posto por
SOUZA (2007) constituído por: conteúdos educacionais, conteúdos instrumentais e conteúdos operativos. 17 Bernstein recorre a este conceito para analisar a estrutura da comunicação escolar. Segundo ele, o dispositivo
pedagógico desenvolve-se em três contextos: i) o da produção/reprodução da cultura; ii) o da transmissão dessa cultura; iii) o da sua aquisição e é regido pelas regras de distribuição (que distribui diferentes formas de consciência a diferentes grupos), de recontextualização (que regula a constituição de um discurso pedagógico específico) e de avaliação (que constitui a prática pedagógica e concentra em si todo o sistema).
58
elementos que emergiram da leitura. São elas: a) Concepção de sociedade (projeto de
sociedade; b) Concepção de homem e mulher (ser humano); c) Concepção de Educação; d)
Concepção de Escola (identidade e papel da Escola do Campo); d) Finalidades e objetivos
dos processos educativos; e) Conteúdos Pedagógicos (conhecimentos e saberes); f)
Metodologia (instrumentos, itinerário pedagógico); g) Formação de educadores (as) e h)
Gestão participativa
Com base nessas unidades de significação, fizemos a categorização do material,
organizando os elementos à medida que eram encontrados nos documentos o procedimento de 18 19, conforme Laurence Bardin (1988, p. 119). Para isso,
identificamos cada dimensão com cores diferenciadas, agrupando cada uma delas pelas
temáticas mais recorrentes.
A organização e a identificação dos temas mais frequentes, que foram transformando-
em unidades comparáveis de categorização para análise temática e de modalidades de
co . Essas temáticas evidenciaram as regularidades
existentes entre as diferentes Propostas Pedagógicas.
Para isso, seguimos as regras propostas na análise de conteúdo no que se refere a:
exaustividade (levantamento bibliográfico junto a cada lugar institucional que tratava sobre a
proposta pedagógica); pertinência (análise de material dos lugares institucionais que
atendessem à intencionalidade e aos pressupostos da pesquisa) e a expressividade (materiais
que são considerados por cada lugar institucional como expressivos de suas concepções). Esse
procedimento de organização das informações possibilitou uma codificação dos dados e uma
inferência de significados sobre os mesmos, viabilizando a sua interpretação, que constituiu o
capítulo quinto da tese.
O estudo exploratório: mapear o campo de pesquisa
O lugar de consultora e pesquisadora, no Grupo Temático de Educação do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Rural da Agricultura Familiar e Reforma Agrária
CONDRAF, do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, composto por representantes
18 dos fundamentos teóricos e de categorias
existentes. (BARDIN, 1988, p. 119). 19
(BARDIN, 1988, p. 119).
59
dos movimentos sociais e dos Ministérios que atuam com Educação Escolar e Não Escolar
dirigido a populações do campo e comunidades indígenas possibilitou a participação em
várias atividades desenvolvidas por essas instituições e organizações, bem como a formulação
dos instrumentos do estudo exploratório que foram construídos de forma coletiva com os
participantes do grupo.
Entre as atividades encontram-se a participação em seminários e o mapeamento das
entidades de educação do campo. O quadro a seguir mostra estas atividades, o procedimento
que adotamos de coleta de informações e o produto que obtivemos.
Atividades
Procedimento Período Produto
Atividade 1 Participação nos Seminários Estaduais da Educação do Campo
Levantamento dos principais temas tratados e avanços e limites das políticas educacionais - palestrante - análise dos relatórios
2006 -Síntese dos principais temas tratados; - avanços e limites das políticas educacionais nos estados
Atividade 2 Mapeamento das entidades que atuam com Educação do Campo
Questionário enviando por correio 2007 - Mapeamento das entidades que atuam com educação; - identificação dos lugares institucionais da pesquisa
Fonte: sistematizado pela autora Quadro 1 Atividades de coleta e análise dos dados
Os Seminários Estaduais de Educação do Campo20 foram promovidos pelo Ministério
da Educação, e as Oficinas Estaduais de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial,
realizadas pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial, em parceria com as Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação, Conselhos Estaduais de Educação, Organizações Sociais
do Campo, a União dos Dirigentes Municipais de Educação e o Conselho Estadual de
Educação, durante os anos de 2005 e 2006.
Nesses seminários, também atuamos como palestrante, o que possibilitou uma
primeira escuta das principais dificuldades, avanços e desafios vivenciados nas práticas da
Educação do Campo. Realizamos também um levantamento das entidades de educação do
20 Apenas São Paulo e Distrito Federal não realizaram Seminários Estaduais. Participamos como palestrante em
15 desses seminários realizados em estados diferentes.
60
campo, a partir da listagem dos participantes, e as catalogamos por estado, nome da
instituição e finalidade, conforme exemplificamos no quadro n° 2
ESTADO NOME DA INSTITUIÇÃO FINALIDADE Paraíba UNICAMPO - UNIVERSIDADE
CAMPONESA Educação e formação para os agricultores familiares; trabalho de extensão e pesquisa
Paraná ASSESSOAR ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS, ORIENTAÇÃO E ASSISTENCIA RURAL
Educação Popular e formação de agricultores em agroecologia Educação do Campo
Bahia ADAC- ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO COMUNITÁRIA
Organização para o desenvolvimento sustentável e formação dos agricultores; educação contextualizada ao semi-árido brasileiro
Fonte: Levantamento das entidades participantes nos Seminários Estaduais de Educação. Quadro 2 Mapeamento das entidades que atuam com Educação do Campo Escolar e Não-Escolar
Nesse quadro, sistematizamos os dados de cerca de 300 instituições/organizações nos
diferentes estados brasileiros, cujas informações nos evidenciaram que: a diversidade das
práticas educativas com os sujeitos do campo e diferentes níveis e formatos de articulação e
diferentes tipos de ação: escolar e não escolar.
Com base nesse levantamento, elaboramos um questionário para o Mapeamento das
iniciativas de Educação do Campo, que teve como finalidade traçar um perfil das práticas
educativas escolares que se desenvolvem com Educação do Campo. O questionário foi
encaminhado por correio para as entidades constantes no levantamento que atuavam com
escolarização. Dos 90 enviados, foram devolvidos 50 questionários.
Os questionários permitiram a elaboração de um quadro que mostra as iniciativas em
forma de projetos/programas/redes21, as quais assumem em seu discurso a afiliação ao
Movimento Político Pedagógico da Educação do Campo, como podemos ver no quadro n° 3 a
seguir22.
21 No texto, optamos por utilizar os termos projetos/programas/redes pelo fato de muitas iniciativas assumirem
diferentes formas de organização e atuação. Podendo ser um projeto (ação educativa com estratégias específicas que se desenvolvem para resolver ou modificar uma determinada situação ou problema); programas (conjunto de ações educativas que envolvem um grau de planejamento, duração e coordenação institucional entre diferentes sujeitos sociais) ou rede (envolve um conjunto de iniciativas educativas, grupos e instituições públicas e privadas que se relacionam para atender às demandas, difundir determinadas orientações gerais, articular experiências, desenvolver ações de educação).
22 O mapeamento completo é objeto do APÊNDICE A.
61
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Centros Familiares de Formação em Alternância CEFFAS
Nacional - 23 Estados Brasileiros
Rede de Escolas com base comunitária - ensino público não estatal
1ª fase Implantação no município de Anchieta no Espírito Santo em 1969
2ª fase Adequação as normas educacionais brasileiras 1970-1980
3ª fase - Expansão a partir de 1980 para outros Estados e regiões do Brasil
Ensino fundamental
Ensino médio Ensino técnico profissionalizante
Plano de formação das famílias
Formação continuada para o professorado e monitores
Pedagogia da Alternância
Formação integral do educando(a)
Educação que valoriza a família, a cultura dos adolescente e jovens do campo
Integra teoria e prática trabalhando os conteúdos curriculares a partir de temas geradores do contexto social, e cultural dos educandos(as)
A participação das famílias na gestão e administração do projeto, responsabilizando se pela educação dos filhos numa perspectiva de desenvolvimento sustentável.
265 escolas
20.670 estudantes
850 professores(as)
Fonte: Sistematização dos questionários enviados para as entidades Quadro 3 Distribuição das iniciativas de Educação do Campo por área de atuação, tipo de entidade, ação desenvolvida, característica, participantes.
62
As iniciativas da Educação do Campo são plurais e ocorrem a partir de diversos
espaços, tendo sido analisadas a partir de sua abrangência de oferta, o tipo de ação e relação
com o poder público.
No que se refere à abrangência, as ações em diferentes níveis e modalidades de ensino
foram: educação infantil, ensino fundamental com crianças e adolescentes, alfabetização e
escolarização de jovens e adultos, ensino médio profissionalizante com jovens e adultos,
ensino superior, formação continuada do professorado, de educadoras (es) dos movimentos
sociais que atuam em programas governamentais de escolarização, de coordenadores (as)
pedagógicos e formação de gestores e lideranças. Além do desenvolvimento de ações
complementares à escola, como, por exemplo: jornada ampliada, formação de agentes de
leitura, formação em educação ambiental etc.
Há uma heterogeneidade de perfis das entidades: Movimentos Sociais e Sindicais,
Organizações Não Governamentais, Centros de Alternância, Pastorais Sociais, Universidades,
Prefeituras Municipais, Secretarias Estaduais de Educação, Ministérios e Organismos
Internacionais.
As entidades da sociedade civil caracterizam-se pela diversidade de ações escolares e
não escolares, que se desenvolvem com diferentes sujeitos do campo: crianças, adolescentes,
jovens e adultos. O papel das organizações não governamentais, geralmente, situa-se no
âmbito da assessoria político-pedagógica em convênio com as Secretarias Municipais e
Estaduais de Educação, participação na coordenação de programas governamentais de
Educação do Campo e assessoria aos movimentos sociais do campo. As práticas educativas
vinculadas à sociedade civil apresentam propostas específicas de formação continuada dos
profissionais da educação do campo: professores (as), educadores (as), coordenadores (as)
pedagógicos, auxiliares e gestores (as).
A prática gestora assume diferentes formatos: comunitária em convênio com o poder
público, pública em parceria com movimentos sociais e pública em parceria com organizações
não governamentais.
As ações do poder público, com ênfase nas Secretarias Municipais que vêm
assumindo nas suas políticas a concepção da Educação do Campo, em sua maioria, tiveram
como origem o trabalho desenvolvido na parceria com organizações não governamentais ou
com os movimentos sociais do campo. O foco dos programas governamentais é a Educação
de Jovens e Adultos. De modo geral, esses programas são desarticulados entre si, adotam
concepções e práticas pedagógicas heterogêneas e, às vezes, desenvolvem-se no mesmo
espaço geográfico sem estabelecerem nenhum tipo de comunicação e interação.
63
As articulações das iniciativas ocorrem nos fóruns, redes e associações regionais e
nacionais, superando, assim, o isolamento característico do momento inicial de suas
formulações. Essas articulações envolvem várias entidades que possuem dinâmica,
organização, focos de atuação e sujeitos diferenciados. No entanto, se filiam ao discurso
político-pedagogico da Educação do Campo, possuindo traços de semelhanças entre si.
A maioria das iniciativas constrói parcerias com as Universidades e mais
recentemente, por meio do Ensino e da Pesquisa, possui caráter institucional. Essas
Universidades vêm assumindo ações específicas para a Educação do Campo, com a criação
de núcleos/grupos de pesquisa, cursos de graduação e pós-graduação para os sujeitos do
campo, como, por exemplo, a criação da Unidade Acadêmica de Educação do Campo na
Universidade Federal de Campina Grande, com Cursos de graduação e pós-graduação
contextualizados na realidade do campo; e os Cursos de Especialização em Agricultura
Familiar e Camponesa e Educação do Campo, realizados por diferentes Universidades23
vinculadas ao Programa Residência Agrária24.
A repercussão das iniciativas tem influenciado a base jurídica do País, principalmente
a partir de 2001, na formulação de Políticas Educacionais específicas para os sujeitos do
campo, como também na formulação e proposição de programas governamentais como, por
exemplo, o Programa Saberes da Terra25 para escolarização de jovens e adultos do campo em
parceria com as Universidades Públicas e Secretarias de Educação.
As entidades que assumem um papel de articuladores do debate da Educação do
Campo em nível nacional, participando de forma ativa dos fóruns e espaços de proposição das
políticas públicas, possuem número significativo de escolas envolvidas no trabalho, assumem
papel de sujeito coletivo na interlocução, formulação e controle social das políticas públicas,
realizam divulgação e socialização de suas propostas em diferentes espaços.
23Na primeira fase do Programa, organizaram Cursos de Especialização as seguintes Universidades: Universidade
Federal do Pará; Universidade Federal do Acre; Universidade Federal do Ceará; Universidade Federal da Paraíba; Universidade Federal Rural de Pernambuco; Universidade Federal de Sergipe; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade Federal de Goiás; Universidade Federal de Santa Maria; Universidade Federal do Paraná; Universidade Estadual do Mato Grosso- UNEMAT e Universidade Estadual de Campinas UNICAMP.
24 O Programa Residência Agrária foi criado em 2004, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, com o objetivo de formar especialistas das Ciências Agrárias para atuação nas áreas de Reforma Agrária e Agricultura Familiar.
25 O Programa Saberes da Terra ProJovem Campo, foi criado em 2005 pelo Ministério da Educação, com a finalidade de escolarização de jovens do campo no ensino fundamental conjuntamente com a qualificação social e profissional. A experiência piloto do Programa foi vivenciada entre os anos de 2005 e 2007, em doze Estados de todas as regiões do país Rondônia, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.
64
O estudo exploratório evidenciou a diversidade dos Lugares Institucionais da
Educação do Campo, sua heterogeneidade no que se refere à natureza, abrangência, tipo de
ação, nível de intervenção no debate nacional da Educação do Campo, determinando que a
escolha do campo empírico da pesquisa não recai apenas numa iniciativa, mas busca
contemplar essa realidade, elencando critérios que contribuíram para a escolha desses lugares
representativos da diversidade política e organizativa do Movimento.
O conceito Lugar Institucional, nesta pesquisa, apóia-se nos trabalhos de Rosângela
Carvalho (2004), considerando-o enquanto instituidor e instituído de um discurso político-
pedagógico, construtor de uma nova base epistemológica e de uma materialidade de onde
emergem as concepções, as práticas pedagógicas e interagem os sujeitos docentes, discentes e
gestores mediados pelos conteúdos pedagógicos dentro do contexto do campo.
Lugares Institucionais
A seleção dos Lugares Institucionais que passaram a compor o campo empírico da
pesquisa tomou como referência as iniciativas de Educação do Campo que respondessem aos
seguintes critérios:
- atuassem com escolarização básica em diferentes etapas, uma vez que o foco da
pesquisa são as práticas pedagógicas escolares;
- tivessem uma participação no debate nacional26 da Educação do Campo e a
interlocução com os poderes local e nacional na proposição das políticas educacionais;
- atuassem há mais de 05 anos com escolarização junto à população do campo;
- refletissem diferentes tipos de práticas gestoras: pública estatal, pública comunitária
e estatal com gestão comunitária;
- atuassem em diferentes níveis de abrangência : nacional, regional e estadual;
- realizassem proposta específica de formação para os sujeitos envolvidos em suas
práticas educativas.
A partir desses critérios, compomos o mapa dos Lugares Institucionais, onde
buscamos e produzimos informações acerca das iniciativas de Educação do Campo, e que 26 Um dos subsídios para identificação desta participação foi o levantamento nos relatórios dos 25 (vinte e cinco)
Seminários Estaduais de Educação do Campo, realizados pelo MEC em parceria com Secretarias de Educação e organizações sociais, durante os anos de 2004 e 2005 (apenas São Paulo e Distrito Federal não realizaram Seminários Estaduais), como também no processo de participação nas audiências públicas para elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo.
65
apresentamos no quadro a seguir.
LUGAR INSTITUCIONAL INICIATIVA27 CRITÉRIO DE INCLUSÃO
COMO CAMPO EMPÍRICO Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST
-influência no discurso e na intervenção política da articulação nacional; -maior número de iniciativas escolares em diferentes níveis e modalidades - ter uma produção acadêmica sobre sua proposta pedagógica
Centro de Formação Familiar por Alternância CEFFAS
Escola Família Agrícola
- primeiro tipo de iniciativa do CEFFAS no Brasil - tem atuado com escolarização articulado com formação profissional - oferta de ensino médio
Rede de Educação do Semiárido Brasileiro RESAB
Escola da Rede Pública com gestão comunitária
- ser uma das precursoras da proposta de Educação contextualizada da rede -atuação localizada numa comunidade - vínculo com a Rede Pública e gestão comunitária
Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável PEADS/ SERTA
Escola da Rede Pública com organização multisseriada
-ser um tipo de organização de escolaridade muito presente no campo brasileiro -escola da Rede Pública Municipal - acompanhamento pela Secretaria Municipal de Educação - assessoria de uma organização governamental
Fonte: Sistematizado pela autora a partir do questionário de mapeamento das iniciativas. Quadro 4 Lugares Institucionais da Educação do Campo e critérios de sua seleção como campo empírico da pesquisa
27 Nesse momento as escolas ainda não estavam definidas, o que foi feito após essa seleção e a discussão com
cada Lugar Institucional.
66
Essa seleção possibilitou um mapeamento da localização dessas iniciativas conforme
posto no gráfico abaixo:
Gráfico 1 Mapeamento das Iniciativas da Educação do Campo28
Essa etapa orientou o levantamento dos documentos base de cada lugar institucional:
documentos das propostas pedagógicas, publicações de educação, textos produzidos por
autores que atuam com as iniciativas, legislação específica da Educação do Campo, que foram
constituir o corpus documental da pesquisa.
A Pesquisa documental: compreendendo as propostas pedagógicas e as políticas
educacionais específicas do campo
A pesquisa documental, do ponto de vista da legislação educacional, realizou-se com a
seleção e análise das principais leis que tratam especificamente da Educação do Campo,
conforme apresentamos no quadro n° 5.
28 Elaborado a partir de informações fornecidas pelas coordenações do CEFFAS, MST, RESAB E SERTA.
67
FONTES EMENTA Lei nº 9.394, de dezembro de 1996 Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007
Lei de Diretrizes e Bases da Educação que define e regulariza o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição. Artigo 28 que propõe adequações da escola ao campo. Lei do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica FUNDEB Distribuição diferenciada dos recursos para a manutenção e o desenvolvimento para as escolas de ensino fundamental e médio do campo
Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002
Diretrizes Operacionais da Educação Básica do Campo Aspectos normativos, tratando das questões específicas no que se refere ao atendimento da Educação Básica do Campo.
Parecer CNE/CEB nº 1/2006 Resolução CNE/CEB nº 2/2008
Dias letivos para aplicação da Pedagogia da Alternância Normatização do tempo pedagógico adotado pela Pedagogia da Alternância. Diretrizes complementares para o atendimento da Educação Básica no Campo Estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo- principalmente no que se refere ao processo de nucleação
Fonte: Sistematização realizada pela autora Quadro 5 Corpus documental da legislação: fontes e ementa
Esse processo de formulação de leis educacionais foi marcado pela descentralização
administrativa e orçamentária das políticas públicas, envolvendo processos de distribuições,
redistribuição ou reordenamento do poder na sociedade, que conferem autonomia aos Estados,
Municípios e Distrito Federal. Como também maiores responsabilidades para os movimentos
sociais e a sociedade civil na gestão das políticas, principalmente no que se refere à
contribuição na formulação dessas leis e no controle social para sua implementação.
A elaboração dessas leis e o trato específico da Educação do Campo constituíram-se
num processo de debate e participação de diferentes instituições e movimentos sociais do
68
campo. Esses movimentos tiveram papel determinante na afirmação da especificidade e do
direito dos sujeitos do campo a uma política pública de Educação vinculando sua prática à
realidade, à temporalidade, à ciência, à tecnologia e aos Movimentos Sociais.
A análise da legislação evidenciou um avanço significativo do marco jurídico do país,
no que se refere à normatização da Educação do Campo, para assegurar uma escola com
qualidade no campo, no que refere a:
- manutenção de uma escola de qualidade nas comunidades rurais, enquanto
responsabilidade do poder público;
- reconhecimento e respeito à diversidade da organização do trabalho escolar, ao
tempo e espaço pedagógico;
- necessidade de uma organização curricular que articule os conhecimentos da base
comum nacional à realidade social na qual se insere as escolas;
- instituição de uma política de formação inicial e continuada dos profissionais da
Educação do Campo;
- participação da comunidade escolar e dos movimentos sociais na construção do
Projeto Político Pedagógico das Escolas, valorizando a diversidade cultural, a gestão
democrática, o acesso ao avanço cientifico das diferentes áreas das ciências, os princípios
éticos da solidariedade e da colaboração;
- formulação de políticas de financiamento da Educação Básica, que regulamente a
especificidade do campo no atendimento às exigências de materiais didáticos, equipamentos,
laboratórios, condições de deslocamento e remuneração e condições de trabalho dignas para
seus profissionais;
- construção de um projeto institucional com a participação da comunidade escolar e
consolidação de parcerias entre os sistemas educacionais e as demandas provenientes dos
movimentos sociais.
- implementação das normas em cada Município e/ou Estado, conforme resultados dos
Seminários Estaduais de Educação, apresentam uma heterogeneidade de acordo com os
contextos políticos e sociais de cada lugar, cenário que trataremos no segundo capítulo da
tese.
Do ponto de vista das Propostas Pedagógicas dos lugares institucionais, buscamos
identificar quais os sentidos existentes nas mesmas, a partir de sua produção documental,
conforme quadro n° 6.
69
Dimensões /categorias
RESAB/ERUM MST/EMFM/EMC PEADS/EM CEFFAS/EFAORI
Concepção de Educação
Educação como direito dos sujeitos do campo
Educação para intervenção social
Educação como formação humana
Educação como formação humana
Concepção de sociedade
Construção humana, multifacetada, com todas as suas contradições de classe, raça, cultura, religião, cor, ideais políticos e ideológicos
Projeto Político Popular centrado na Reforma Agrária e na Agricultura Camponesa
Projeto de Desenvolvimento Sustentável e solidário com base na Agricultura Familiar
Projeto de Desenvolvimento Sustentável e solidário com base na Agricultura Familiar
Concepção de homem e mulher (ser humano)
Ser biossocial, ser da natureza e da sociedade sujeitos da intervenção social
Seres históricos sujeitos da transformação social e da luta permanente por dignidade, justiça e felicidade
Seres históricos que através da interação e das inter-relações intersubjetivas com mundo e com as demais pessoas intervêm na realidade
Ser multidimensional, indivisível e omnilateral atuante em sua realidade.
Concepção de Escola (identidade e papel)
Espaço privilegiado de trocas de conhecimentos e saberes e de construção de novos referenciais.
Relacionada à identidade dos sujeitos a quem se destina e vinculada com a luta pela Reforma Agrária
Espaço privilegiado de trocas de conhecimentos e saberes e de construção de novos referenciais
Espaço privilegiado de trocas de conhecimentos e saberes e de construção de novos referenciais
Finalidades e objetivos dos processos educativos
Desenvolvimento sustentável e solidário
Intervenção social para transformação da realidade.
Desenvolvimento sustentável e solidário
Desenvolvimento sustentável e solidário
Conteúdos Pedagógicos (conhecimentos e saberes)
Contexto como conteúdo pedagógico
Seleção de conteúdos formativos socialmente úteis e eticamente preocupados com a formação humana integral
Contexto como conteúdo pedagógico
Contexto como conteúdo pedaggico
Metodologias (instrumentos e itinerário pedagógico)
Materiais didáticos específicos da iniciativa Relação prática-teoria-prática
Tempos e espaços pedagógicos múltiplos Relação prática-teoria-prática
Materiais didáticos específicos da iniciativa Relação prática-teoria-prática
Tempos e espaços pedagógicos múltiplos Relação prática-teoria-prática
Formação dos educadores (as)
Direito dos educadores/as Contextualizada na realidade
Direito dos/as educadores/as Organizada a partir dos coletivos de educadores, da organização social do movimento
Direito dos/as educadores/as deve também ser assumido como um compromisso por todos os agentes do processo educativo
Permanente, continua e contextualizada na realidade. Direito dos/as educadores/as
Gestão participativa
Relação efetiva com a comunidade e trabalho coletivo
Gestão democrática- auto-organização dos educandos e educadores nos coletivos
Relação efetiva com a comunidade e trabalho coletivo
Vinculação orgânica das escolas as famílias e as comunidades
Fonte: sistematização realizada pela autora Quadro 6 Mapeamento dos sentidos das Propostas Pedagógicas conforme os Lugares Institucionais
70
A análise das propostas pedagógicas indica que existem traços de semelhanças entre
elas, a partir de princípios e fundamentos que referenciam suas concepções de Educação, de
ser humano, das finalidades e objetivos dos processos educativos e dos conteúdos
pedagógicos, das quais trataremos no capítulo quinto deste trabalho.
Abordagem etnográfica: fincando o pé no chão da escola
A abordagem etnográfica, segundo Marli Andre (1995), suscita a observação direta do
que é realizado, como é estruturada, qual a dinâmica de cada Escola. Para isto, realizamos a
aproximação do campo de pesquisa, utilizando diferentes estratégias: contato com a
coordenação de cada lugar institucional, participação em reunião com professorado ou com a
secretaria municipal de Educação.
No processo de entrada de campo, apresentamos o projeto de pesquisa com sua
temática, objeto, objetivos e os critérios que utilizamos para compor o campo. Foram eles:
- Escola indicada pela própria organização, na perspectiva de auto-identificação de
afiliação ao discurso da Educação do Campo, a partir do lugar institucional dessa
organização;
- Existência de processo formativo específico da Educação do Campo para os
profissionais da Escola, realizado em parceria ou não com o poder público ou outras
entidades;
- Funcionamento regular na oferta da Educação Básica, uma vez que não era nossa
intenção observar programa governamental da Educação do Campo, mas a prática pedagógica
desenvolvida pela escola regular e com diferentes tipos de gestão e níveis de ensino.
A partir desses critérios, definimos as escolas cujas práticas pedagógicas seriam
campo da pesquisa. No quadro n° 7 apresentamos de forma panorâmica as escolas campo de
pesquisa, visto que trataremos delas de forma mais detalhada, no capítulo sexto e sétimo da
tese.
71
LUGAR INSTITUCIONAL
ESCOLA LOCALIZAÇÃO CRITÉRIO DE ESCOLHA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST
Escola Municipal Francesco Mauro Escola Municipal Catalunha
Assentamento Safra Santa Maria da Boa Vista PE Assentamento Catalunha Santa Maria da Boa Vista PE
As escolas localizam-se em duas áreas precursoras da luta pela Reforma Agrária no Estado. Assumem a proposta de Educação do MST Funcionam com Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA São da Rede Pública Municipal com acompanhamento pedagógico do MST
Rede de Educação do Semiárido Brasileiro RESAB
Escola Rural de Massaroca ERUM
Comunidade de Lagoinha Distrito de Massaroca Juazeiro
BA
Precursora na formulação da Educação Contextualizada Participou na criação da RESAB Atende às comunidades de Fundo de Pasto29 Gestão compartilhada entre poder público e Comitê das Associações de Fundo de Pasto Funciona com Educação Infantil, Educação Fundamental com salas seriadas e multisseriadas
Centro de Formação Familiar em Alternância CEFFAS
Escola Família Agrícola de Orizona
EFAORI
Município de Orizona GO
Escola pública comunitária Gestão da associação de agricultores Vinculada a União das Escolas Famílias Agrícolas Funciona com Ensino Médio e Técnico Profissionalizante Atende agricultores familiares de municípios do Cerrado Goiano.
Proposta de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável PEADS/SERTA
Escola Municipal Antonio Henrique de Gouveia
Comunidade de Santa Luzia Município de Soledade PB
Escola Pública Municipal com assessoria pedagógica do SERTA Funciona com turma multisseriada nos anos iniciais do ensino fundamental Atende 05 comunidades de agricultores familiares de região semiárida. Escola existe há mais de 20 anos com organização multisseriada
Fonte: Sistematização realizado pela autora Quadro 7 Composição do Campo investigação por Lugar Institucional, localização e critério de escolha
No contato com as escolas selecionadas, vivenciamos diferentes procedimentos de
acordo com a dinâmica de cada escola: reunião com gestora e professoras para apresentação
do projeto de pesquisa e apresentação do projeto numa reunião coletiva com toda a escola:
professorado, estudantes e funcionários.
29 As comunidades de Fundo de Pasto são comunidades rurais, alicerçadas em relações familiares antigas, com
propriedade coletiva, onde se realiza, predominantemente, o pastoreio comunitário extensivo de caprinovinocultura, associado à agricultura de subsistência e à vegetação nativa em propriedade coletiva.
72
O trabalho junto às cinco escolas foi desenvolvido no ano de 2008. A especificidade de
cada uma e de seu projeto pedagógico definiu tempo e forma de permanência: semanas
integrais e dias alternados. Idas para a comunidade, assembleia de pais, encontro de formação
dos educadores/as etc.), possibilitaram uma interação com os sujeitos da prática pedagógica
em diferentes momentos e espaços: sala de aula, escola, comunidade, eventos formativos na
escola e na sede do município.
Uma postura fundamental esteve presente durante toda a pesquisa: o encontrar, o
registro e a escuta dos relatos cheios de emoção e de sabedoria, que, com confiança, foram
feitos. Isso nos tornou muito mais próxima e respeitosa à prática desenvolvida nas escolas e
suas possibilidades de materialização.
Uma das assertivas que a escuta traz para o campo da pesquisa: há sempre o que se
escutar, por mais que o tema esteja exaustivamente questionado e que alguém, em algum
lugar, afirme que não há mais o que saber. Por conseguinte, a prática humana e social é
percebida como portadora de uma multiplicidade de referências que ninguém, nem mesmo o
sujeito da prática, poderá esgotar numa análise.
A partir de uma entrevista aberta, com três eixos principais, buscamos mapear os
sentidos sobre as mudanças na prática, limites e possibilidades da escola. Realizamos a
conversa com os seguintes sujeitos: professores (as), representantes dos estudantes; gestoras
das escolas, cujos sentidos mapeamos no quadro n° 8:
PROBLEMÁTICA ENTREVISTA P1 ENTREVISTA G2 ENTREVISTA E1
Limites Falta de apoio do
poder público
Falta de apoio do poder
público
Infra-estrutura da
escola
Possibilidades Construção de
conhecimentos que
contribuem para o
desenvolvimento das
famílias e da
comunidade
Construção de uma
prática de gestão
compartilhada e
democrática
Educação voltada
para o campo, para o
desenvolvimento da
família
Mudanças na prática Autonomia do trabalho
docente e trabalho
coletivo
Participação da família
na escola e trabalho
coletivo na gestão
Relação entre
professores e
estudantes, baseado
no diálogo e
participação
Fonte: Sistematização feita pela autora a partir das entrevistas Quadro 8 Mapeamento dos sentidos sobre os limites e possibilidades da prática
73
No que diz respeito às entrevistas, realizamos codificação para manter o anonimato.
Para isso, adotamos a seguinte codificação: as professoras receberam a letra P, para a função
professor(a), e um numeral da sequência na entrevista. Assim, por exemplo, P1, é professora
numero um. Já os estudantes receberam a letra E e o numeral da sequência da entrevista. A
letra G e um numeral da sequência foram destinados também para as gestoras.
Tratamos o corpus de análise, fazendo associar cada uma das categorias identificadas
às contribuições das falas e das observações. Em João Francisco de Souza (2009), buscamos a
categoria analítica prática pedagógica entendida como uma ação coletiva institucional e
intencional, dentro de um fenômeno social mais amplo que é a educação, portanto, permeada
por uma teoria da educação pela interação entre os sujeitos e o conhecimento.
Para este autor, a prática pedagógica supõe uma teoria da educação que oriente suas
finalidades e objetivos para a formação humana na perspectiva da transformação da
sociedade. Portanto, uma ação coletiva e institucional é composta por quatro pólos: prática
docente, prática discente e prática gestora que se inter-relacionam para garantir o quarto pólo
que é o epistemológico ou dos conteúdos educativos, conforme representado no gráfico 2:
Fonte: Holmes, 200630. Gráfico 2 - Representação dos pólos constituintes da prática pedagógica
30 Este gráfico encontra-se na dissertação de Mestrado de Fátima Holmes (2006). A prática pedagógica mediada pela ludicidade na Educação de Jovens e Adultos. Recife: Mestrado em Educação. Centro de Educação\UFPE.
SUJEITO DISCENTE
CONHECIMENTO/ conteúdo
SUJEITO DOCENTE
INSTITUIÇÃO
PRÁTICA PEDAGÓGICA
74
Considerando esses pólos da prática pedagógica, identificamos as principais temáticas
em cada uma deles, conforme podemos visualizar no quadro n° 9:
PÓLOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
TEMÁTICAS
OBSERVAÇÕES
ENTREVISTAS
Prática docente
Formação inicial e continuada Condições de trabalho Autonomia
Permanente, contínua e contextualizada Militância no fazer docente Trabalho coletivo
Direito e compromisso dos agentes públicos Múltiplos papéis Participação na gestão e decisão em sala de aula
Prática discente Participação Afetividade Autonomia Compromisso com a realidade
Assembleias, reuniões, atividades culturais Convivência com os professores e colegas Grupos de trabalho/coletivos Envolvimento nas atividades nas comunidades
Organização dos espaços e das atividades Interação e dialogo com os professores Diálogo na escola Participação na família e na comunidade
Prática gestora Planejamento coletivo Participação da comunidade Participação ativa da família Gestão participativa Organização do tempo e espaço Normas e rituais
Trabalho coletivo sistemático Assembleias/reuniões Visitas às famílias/aulas de campo Participação do coletivo
Trabalho coletivo Conselhos de classe Devolução dos estudos/formação com a família Diferentes tempos Infra-estrutura precária
Conteúdos pedagógicos Contexto como conteúdo educacional Itinerário pedagógico Rede de relações e sujeitos
Contextualização Articulação teoria e prática Envolvimento de diferentes sujeitos
Interdisciplinaridade Articulação teoria e prática Diálogo entre diferentes saberes
Quadro 9 Categorias empíricas da prática pedagógica
Dessa forma, a prática pedagógica enquanto prática social específica de formação do
sujeito humano assume sua dimensão social ao se situar historicamente dentro de um
determinado contexto cultural, organizar-se de maneira planejada e intencional, e ser
75
conformada pelos seus diferentes sujeitos para atingir objetivos e finalidades a partir dos
conteúdos pedagógicos, e permeada pela afetividade, autonomia, participação e organização
social, que nas Escolas do Campo se materializam no itinerário pedagógico.
O itinerário pedagógico é concebido como o processo vivencial do currículo nas
dimensões pedagógicas e metodológicas, envolvendo os sujeitos cognoscentes (educadores
(as), educandos (as) e gestores), mediando a articulação entre os saberes populares e os
conteúdos pedagógicos a serem transmitidos, ampliados e sistematizados em sala de aula num
diálogo permanente com os sujeitos sociais (família, grupos da comunidade, técnicos,
organizações e movimentos sociais).
76
II CAPÍTULO - PAISAGENS DAS ESCOLAS NO CAMPO E A EMERGÊNCIA DE
POLÍTICAS EDUCACIONAIS ESPECÍFICAS: A LUTA PELO DIREITO A TER
DIREITOS
77
O ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade de ambos.
Paulo Freire
A finalidade deste capítulo é contextualizar as condições materiais das escolas
localizadas no campo. Pretendemos evidenciar as características sociofísicas das escolas e
como podem potencializar ou dificultar a organização do trabalho escolar, na compreensão
que essas condições são resultados de diferentes processos pelos quais ela é modificada.
È nessa perspectiva que pretendemos trazer as mudanças postas pela legislação, no
dito, que foi escrito sob a forma de lei e que está sendo apresentado ou que está se dando a
conhecer ao povo, inclusive para ser lido e
A emergência de um conjunto de normas específicas para a Educação do Campo traz
mudanças no marco jurídico do país, numa perspectiva de reconhecimento do direito dos
Povos do Campo à Educação Básica com qualidade social e de uma educação contextualizada
a sua realidade.
Essa base jurídica tem sido divulgada entre os gestores (as) e educadores (as) do
campo, principalmente com a realização dos Seminários Estaduais de Educação do Campo31,
estratégia formulada pelos Movimentos Sociais do Campo e assumida pelo Ministério da
Educação e parceiros.
Os Seminários Estaduais de Educação do Campo tiveram como objetivo avaliar e
construir encaminhamentos das políticas de educação com base nas Diretrizes Operacionais
da Educação Básica das Escolas do Campo, estimular ações articuladas entre os setores
públicos e privados, os movimentos sociais e as organizações não-governamentais e constituir
os Comitês Estaduais de Educação do Campo vinculados às Secretarias Estaduais de
Educação.
31 O Ministério da Educação realizou os Seminários Estaduais de Educação do Campo em 25 estados deste País, nos quais o principal tema foi a busca de soluções para combater as desigualdades do cotidiano escolar. Os Seminários foram coordenados pela SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, que atua no desenvolvimento de políticas educacionais para o acesso e a permanência dos povos do campo em todos os níveis de educação, além de incentivar a construção de relações baseadas no respeito e na valorização dos milhões de brasileiros que tiram seu sustento da terra.
78
Recentemente foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação a Resolução nº 2, de
28 de Abril de 2008, que estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o
desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo.
2.1 Na trilha da memória: a implantação da Escola no Campo
Os estudos de Julieta Calazans (1993) demonstraram que, historicamente, a
implementação de projetos educacionais para o campo esteve sucessivamente conectado a
projetos econômicos de fortalecimento do capital, indicando que a escola faz parte de uma
totalidade e tende a incorporar a forma como se estruturam as relações de trabalho na
sociedade. O que resultou na organização de uma rede escolar voltada para a elite do país,
enquanto a maioria da população ficou marginalizada do acesso aos direitos políticos, civis e
sociais, dentre os quais o acesso à escolarização.
A concepção da Educação Rural surge na década de 1920, num jogo de interesses
entre a burguesia industrial emergente, a oligarquia agrária e o movimento dos pioneiros da
educação32, afirmando-
educar as populações rurais, povoar e sanear o interior, é a época do lema Instruir para
Essa concepção da Educação como redentora da miséria e da pobreza implantou no
patrocinado por organismos de "cooperação" norte-americana e difundido através do sistema
de assistência técnica e extensão rural33 (CALAZANS, 1993). Com a finalidade de adaptar a
população do campo ao projeto desenvolvimentista, que subordinou a agricultura à
industrialização, centrada na concepção de que o Brasil para se desenvolver precisaria se
industrializar e urbanizar.
32 Grupo de educadores e teóricos brasileiros que na década de 1920 elaboraram um manifesto em defesa da
escola pública, gratuita e laica, dentre estes podemos destacar: Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Carneiro Leão.
33 A extensão rural no Brasil surgiu na década de 1940, sob o comando do capital, com forte influência norte-
para que ele passasse a adquirir equipamentos e insumos industrializados necessários à modernização de sua que a
população fosse incluída de forma perversa na dinâmica da sociedade de mercado, aumentando sua produtividade nesse sentido, durante décadas a extensão volta-se para o trabalho com a agricultura patronal e de agroexportação.
79
Do ponto de vista educacional vamos ter dois discursos pedagógicos que vão
influenciar o modelo de escola rural no Brasil: o ruralismo pedagógico (décadas de 1920-
1940) e o urbanismo pedagógico (1950 aos dias atuais).
O Ruralismo Pedagógico foi um discurso que atribuiu a falta de desenvolvimento do
campo e a não fixação do homem à terra à inexistência de escolas rurais sendo uma situação
predominantemente cultural. Portanto, a escola teria o papel de realizar uma mudança no
campo, tirando-o do atraso e da ignorância, impedindo assim a migração de sua população
para a cidade.
Esse discurso trouxe pela primeira vez os problemas concretos das escolas na área
rural, mas, ao mesmo tempo, imprimiu a esta discussão uma postura política conservadora
que passa a acompanhar os movimentos oficiais de Educação Rural até décadas recentes.
A partir de 1950, o discurso baseado numa visão social e política urbanizante e
desenvolvimentista vem se contrapor ao discurso do ruralismo pedagógico. Para o discurso
urbanizador (ABRAÃO, 1986), as populações migrantes rurais têm uma mentalidade que não
se ajusta ao racionalismo da cidade, cabendo à escola preparar culturalmente aqueles que
residem no campo para o inevitável êxodo rural, portanto, para o processo de urbanização e
industrialização, que em décadas extinguiria o rural enquanto uma realidade socioeconômica
e cultural.
Por isso, a escola deveria se preocupar com a formação de uma cultura geral e
universal e não, com formação específica vinculada ao trabalho, visto que a agricultura
passaria por um processo de industrialização e modernização, tornando-se uma atividade
econômica do mundo urbano.
Assim, não se justificava uma escola diferenciada, mas um ensino comum, que
formasse uma mentalidade nacional a partir da referência da urbanização e da
industrialização. Nesse sentido, Roberto Moreira (1949), ressalta que
A educação das crianças e jovens das áreas rurais é fundamental para que possamos chegar como povo integrado numa sociedade nacional, à compreensão da estrutura e dos aspectos operacionais da economia nacional e do lugar que a agricultura, a pecuária, e a produção extrativa, aí devem ocupar. Por isso, todo programa da educação rural - da escola elementar aos demais níveis - deve procurar desenvolver nas populações do interior a noção mais exata e operacional possível dos caminhos a serem palmilhados pela evolução econômica, política e social das áreas rurais dentro do contexto das relações de toda a nossa sociedade, de modo a que possa participar inteligentemente para o levantamento do nível de vida dessa sociedade, o que significará o progresso e desenvolvimento do rurícola. (MOREIRA, 1949, p. 102).
80
dade dessas escolas é a de transformar o homem do campo num homem de
ação, ou seja, dar-
se preocupar com a formação do aluno para o exercício da cidadania.
A partir da década de 1950, o discurso sociológico de extinção do rural passa a ser
hegemônico dentro e fora da academia, numa perspectiva de que
ABRAÃO, 1986, p. 98).
De acordo com Maria Tereza Fonseca (1985), na história da educação da classe
trabalhadora rural, os anos 1940 representam dois problemas contra os quais ela luta até hoje:
a negação da escola para si e seus filhos, ou seja, a impossibilidade real e concreta de acesso
ao saber sistematizado e o predomínio de projetos e campanhas34 pela reprodução ampliada
do capital para qualificar mão de obra. Isto leva a autora a
[...] inferir que a negação da escola traz embutida em si a negação da cidadania, isto é, da participação social e política, enquanto os projetos especiais trazem a compulsoriedade de uma ação política pedagógica que acomode e adestre essa mão-de-obra de acordo com as necessidades da divisão social do trabalho e dentro dos estreitos limites de sua utilidade econômica. (FONSECA, 1985, p. 19).
Esse vínculo entre educação e crescimento econômico mostrou o aumento da riqueza
das nações e gerou o empobrecimento das populações, porque não veio articulado com
políticas redistributivas que possibilitassem melhores condições de vida para a população.
A questão social se agravou, atrelada ao processo de exclusão educacional, que, para
Miguel Arroyo (2000, p.12), é também identificado na organização e na estrutura do nosso
onceitos de raça,
A partir de 1960, as lutas contra a exclusão da população da escolarização, pela
Reforma Agrária e Reformas de Base vão contribuir para a redefinição da educação, a partir
das práticas da Educação Popular, das quais trataremos no capítulo terceiro.
Do ponto de vista das políticas governamentais e da legislação em vigor, pouco se
falou sobre a educação rural até o início dos anos de 1980. A Lei n° 4.024/61 deixou a cargo
dos municípios a organização da esc
34 No final da década de 1940, com recursos provenientes do Fundo Nacional da Educação Primária (FNEP),
foram financiadas as campanhas de alfabetização de adultos, estratégia que predominou a partir deste período para as ações de alfabetização da população adulta.
81
35, ampliando cada vez mais o número de escolas com turmas
multisseriadas36 no campo, cuja localização geográfica atendia mais aos interesses políticos
eleitoreiros da oligarquia agrária do que às demandas das comunidades.
Essas turmas multisseriadas foram tratadas sistematicamente, pelas Secretarias de
deslegitimá-las como forma adequada de ensinar (...) as suas formas de organizar a sala, o
Dessa forma, sem apoio nos planos pedagógicos, administrativos e financeiros as
escolas rurais tornaram-se residuais ao sistema. Para elas, são enviados os móveis e
equipamentos usados, que são substituídos por novos na cidade, professores que não são
conteúdos descontextualizados ou na sequência estabelecida pelos livros didáticos. Por isso,
no meio rural, excetuando os movimentos de educação de base e de educação popular, o processo educativo sempre esteve atrelado à vontade dos grupos hegemônicos do poder, não conseguindo deslocar seus objetivos e a própria ação pedagógica para esferas de caráter sócio-cultural especificamente campesinas. (LEITE, 2002, p. 111-112).
Chegamos ao início do século XXI, encontrando em várias partes do Brasil esse
modelo de escola localizada no campo, improvisada, misturando doméstico com o público,
sem condições materiais, ausência de políticas permanentes e contextualizadas de formação
inicial para seus profissionais (professorado e técnicos administrativos), sem equipamentos de
apoio pedagógico. Situação agravada com a Lei n° 5.692/71 que municipalizou o ensino
rural, sem assegurar os mecanismos do regime de colaboração entre os entes federados, o que
levou a uma retração dos Estados e da União em assegurar a universalização da Educação
Básica no Campo em todos os níveis e modalidades.
O final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 foram marcados pela luta em favor
da democratização da sociedade e da educação, da defesa pela universalização da
escolarização para todos e da reinvidicação de uma maior participação da comunidade na
gestão escolar. Dentro desse processo de democratização, questiona-se a ausência de políticas 35 Essas escolas foram os primeiros prédios públicos construídos nas comunidades, geralmente compostas de 01
sala de aula, pátio coberto, banheiros e casa para a professora. 36 Constituída essencialmente por sala multisseriada e unidocente, essa escola se caracteriza por possuir uma sala
e ter um só professor que ministra aulas para as quatro séries iniciais do Ensino Fundamental, no mesmo local e ao mesmo tempo
82
educacionais específicas para as Escolas do Campo e ausência de dotação financeira que
superasse o cenário de precariedade das escolas (SILVA, 2000).
2.2 Paisagens das Escolas no Campo
Com uma taxa de atendimento de mais de 90% para a população de 7 a 14 anos, o que
demonstra avanços significativos, na perspectiva da universalização do acesso à
escolarização, essa taxa se redimensiona no campo, quando consideramos a oferta das escolas
próximas ao local de moradia em quantidade e qualidade adequadas.
Não pretendemos reduzir a relevância da conquista de uma escola pública para todos.
Apenas cuidamos de não ofuscar a ambivalência que atravessa a busca pela escola pública
como direito, por meio de uma histórica luta, principalmente dos profissionais da educação,
que vai se constituindo, no espaço da contradição entre a reprodução das desigualdades
sociais e a possibilidade de uma escola com qualidade social e democrática.
Ao tratar das Escolas do Campo, outras questões também necessitam ser consideradas,
como, por exemplo, a densidade demográfica da região na qual se localiza a escola.
Considerando esse aspecto, as escolas localizadas no campo apresentam número reduzido de
estudantes matriculados, conforme podemos ver na tabela n° 1.
Nível de Ensino Escolas com menos de 51 educandos
Escolas com 51 a 150 educandos
Escolas com 151 a 300 educandos
Escolas com mais de 300 educandos
Até a 4ª Série 1.510.105 1.599.976 552.670 258.182
5ª a 8ª Série 156.558 659.976 486.932 342.033
Ensino Médio 9.811 33.243 625 70.557 Fonte: MEC, 2006. TABELA 1- Matrícula na Educação Básica, distribuição por escola conforme número de educandos (as) e por nível de ensino Rural - 2006.
Pela tabela n° 1, percebemos que a maioria das escolas possui menos que 150
estudantes. Portanto, são de pequeno porte. Cerca de 70% das escolas que oferecem Ensino
Fundamental, de 1ª a 4ª37, atendem a até 50 estudantes, e nelas, estão matriculados 38% dos
37 No trabalho quando tratarmos de dados anteriores a 2000, usaremos a nomenclatura série, pois os mesmos
ainda não estavam organizados na perspectiva de anos iniciais e finais do Ensino Fundamental. No entanto,
83
estudantes do campo desse nível de ensino. No Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries, cerca de
50% dos estudantes estão matriculados em Escolas com mais de 151 estudantes.
Essa questão, ao invés de representar uma polêmica entre os gestores públicos,
necessitava ser entendida como uma especificidade deste contexto e, consequentemente,
formular-se estratégias de atendimento com qualidade, para assegurar o direito dos sujeitos de
estudarem próximo a sua moradia, o que necessariamente leva a uma reformulação da
estratégia de nucleação em curso no Brasil.
O gráfico n° 3 evidencia o processo de municipalização, pois 93,0% dos
estabelecimentos da área rural que ministram o ensino fundamental de 1ª a 4ª séries
pertencem à rede municipal. A mesma situação também está presente no ensino fundamental
de 5ª a 8ª séries, com 78% das escolas rurais sendo da Rede Pública Municipal, o que
significa que, para implementação das políticas educacionais, o município é um interlocutor
fundamental neste processo. Vejamos o gráfico 3:
Fonte: MEC/INEP, 2006.
GRÁFICO 3 - Distribuição percentual de escolas do Ensino Fundamental localizadas no campo, segundo o tipo de organização Brasil 2006
A oferta de educação básica no campo, pela esfera federal, é muito pequena, com
4,59% das escolas. O mesmo ocorre com a rede privada, cujo atendimento corresponde a 304
quando nos referirmos à organização das Escolas campo de pesquisa, usaremos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.
E.F. 1ª a 4ª 1ª a 8ª Ensino Médio0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
93,00%
78,00%
26,61%
7,00%
21,00%
62,39%
1,00% 4,59%6,42%
ParticularFederalEstadualMunicipal
84
estabelecimentos que oferecem as séries iniciais do ensino fundamental e atendem a 24.611
estudantes; 142 escolas que oferecem as séries finais do ensino fundamental e atendem a
13.075 estudantes; e 74 escolas que atendem a 7.899 estudantes do ensino médio. No caso
deste nível, o maior número de escolas pertence à rede estadual de ensino, e a rede federal
atende a 12.187 alunos em 39 escolas.Esses dados evidenciam que a oferta dos anos finais do
Ensino Fundamental e Ensino Médio ocorre predominantemente na sede do município,
portanto, os adolescentes e jovens do campo são transportados diariamente para as escolas
localizadas nas sedes dos municípios, em transportes que nem sempre apresentam condições
de segurança conforme o previsto na legislação.
O predomínio do poder público municipal na oferta da Educação no Campo requisita
uma reflexão sobre a descentralização e o regime de colaboração38 entre os entes da
federação39. Alguns teóricos afirmam que no Brasil ocorreu na verdade um processo de
desconcentração das políticas que representam a distribuição das responsabilidades executivas
das políticas e programas, sem transferência da autoridade e autonomia decisória.
A descentralização ou transferência para estados e municípios de grande parte da
gestão das políticas sociais é segundo Janete Azevedo (2002, p. 55), colocada como
instrumento de modernização gerencial da gestão pública, numa visão que ela denomina de
-
cabe colocar em
necessariamente uma maior transparência, eficiência e participação na formulação e
implementação das políticas públicas.
A descentralização entendida na dimensão política de autonomia, participação da
comunidade e democracia, enfim, como possibilidade efetiva de redistribuição de poder,
como ato político, mais do que administrativo, se aplica também ao financiamento e à
manutenção dos diferentes níveis, etapas e modalidades da educação. A efetiva
descentralização torna-se um desafio para a consolidação da democratização do poder nas
estruturas organizacionais do Estado Brasileiro.
Na oferta da Educação do Campo, existe um número significativo de escolas, que, no
entanto, em sua maioria ofertam apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental, com uma
localização geográfica que não considerou critérios populacionais e educacionais, o que 38 O Art 211 da Constituição trata do Regime de Colaboração como forma de evitar a fragmentação das ações
entre o poder público na área de educação. Embora cada nível de governo tenha autonomia e responsabilidades, precisam atuar em colaboração para garantir o direito à escolarização na divisão dos encargos, no estabelecimento de normas e no planejamento da educação.
39 Entende-se nesse texto por Federação o Estado Soberano constituído pela União, estados, Distrito Federal e municípios.
85
acarreta áreas extensas sem escola e outras com concentração de escolas atendendo ao mesmo
nível da educação básica. Sem considerar critérios geográficos, sociais e educacionais, e as
características específicas do campo, no que se refere a: densidade demográfica, formas de
deslocamento, biomas, condições climáticas, tem-se um quadro de 59% dessas escolas
organizadas de forma multisseriadas ou unidocentes.
As escolas multisseriadas atendem a 1.371.930 estudantes, equivalia, em 2006, a 24%
das matrículas do campo, somando um percentual de 26 estudantes por turma. Cerca de 20%
das escolas são seriadas e concentram pouco mais da metade das matrículas. As demais são
escolas mistas (com turmas multisseriadas e seriadas), que respondem por um quarto das
matrículas do campo, conforme mostra o gráfico n° 4.
Fonte: MEC/INEP, 2006
Gráfico 4 Distribuição percentual de estabelecimentos e matrículas do Ensino Fundamental da área rural, segundo o tipo de organização Brasil 2006
Algumas dessas escolas surgiram em decorrência da criação dos assentamentos rurais,
o que fez com que nos últimos anos as Secretarias de Educação estabelecessem um sistema de
classes anexas a escolas maiores, sob o argumento de que a criação de uma nova escola não é
um processo simples, mas exigiria encaminhamentos administrativos e financeiros, e uma
decisão política do município na perspectiva de assegurar uma escola de qualidade no campo.
A tabela n° 2 mostra essa realidade.
Exclusivamen -te Multiseria-da
Exclusivamen -te Seriada
Mista (Multi-seriada e Se-riada)
0
5
10
15
2025
30
35
4045
50
55
60 59
20 2024
51
25
Estabelecimen-toMatrícula
86
Fonte: INEP/MEC/DTIE, 2005. Tabela 2 Escolas de Ensino Fundamental por abrangência, localização e número de salas de aula 2005
Os dados do Censo Escolar 2006 mostram que 50% das escolas do país estão
localizadas no campo, aproximadamente a metade tem apenas uma sala de aula e oferecem
exclusivamente os anos iniciais do Ensino Fundamental. Além das dificuldades que enfrenta,
construiu-se uma imagem de que esse ensino é de segunda categoria e sem alternativa de
melhoria. Partindo desse ponto de vista, muitos educadores e gestores optaram por esquecê-lo,
econômico que expulsou para as cidades, nas últimas décadas, enorme contingente da
população do campo, ou pelo processo de nucleação.
Segundo Salomão Hage (2006), no caso da condução do processo pedagógico, o
professorado mostra dificuldade diversas, sobretudo, quando assume a visão da multisérie,
como junção de séries na mesma sala sob a orientação de um/uma professor/a, exigindo
planos e estratégias de ensino e avaliação diferentes. Portanto, não consegue identificar as
semelhanças que existem entre o grupo, nem implementar uma mediação coletiva de trabalho.
A ausência de uma proposta pedagógica específica para a realidade das multisseriadas
é fortalecida pelas Secretarias de Educação, quando definem encaminhamentos pedagógicos e
administrativos padronizados sem considerar a diversidade dessas escolas. Para esse autor,
As escolas multisseriadas devem sair do anonimato e ser incluídas na agenda das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, do Ministério da Educação, das universidades e centros de pesquisa e dos movimentos sociais do campo. Elas não podem continuar sendo tratadas como se não existissem, excluídas até das estatísticas do censo escolar oficial. Não há justificativa para tamanha desconsideração do poder público e da sociedade civil para com os graves problemas de infra-estrutura e de condições de trabalho e aprendizagem que enfrentam os professores e estudantes das escolas multisseriadas, que, em geral, se encontram abandonadas às situações contingentes próprias das comunidades em que se localizam; afinal, delas depende atualmente a iniciação escolar da maioria das crianças, adolescentes e jovens do campo. (p. 310).
Abrangência geográfica Total Escola de
01 Sala Escola de 2 a 5 salas
Escolas de 6 a 10 salas
Escolas com mais de 10 salas
Brasil 90.413 40.631 41.821 6.740 1.221 Norte 18.167 11.143 5.927 914 183 Nordeste 51.624 23.203 24.852 3.044 525 Sudeste 10.763 3.275 6.081 1.165 242 Sul 7.483 2.198 3.998 1.148 139 Centro-Oeste 2.376 812 963 469 132
87
Hoje, os percalços de ser professor/a nas escolas multisseriadas estão cada vez mais
visíveis, em decorrência dos processos de modificações propostas pela Lei nº 11.274, de 06 de
fevereiro de 2006, que amplia a obrigatoriedade do Ensino Fundamental para nove anos,
definindo, no artigo 5º, até 2010 o prazo, para que todos os sistemas se adaptem, inclusive as
salas multisseriadas. Essas mudanças são encaminhadas, sem melhores condições estruturais
do ponto de vista físico e pedagógico, nem repensar a organização curricular e propiciar
formação para que o professorado possa trabalhar com a diversidade de temporalidades
existentes nas Escolas do Campo, ou como coloca Miguel Arroyo (2006, p. 113-114):
Superar a reação tão freqüente contra as escolas multisseriadas. As escolas do campo não são multisseriadas. São multiidades. Que é diferente! Os educandos estão em múltiplas idades. Múltiplas temporalidades. Temporalidades éticas, cognitivas, culturais, identitárias. (...) Classificar a escola do campo como multisseriadas leva a uma visão sempre negativa e a tendência dos professores a organizar a escola por séries, apesar de terem
caos! A pergunta: vamos acertar com uma organização da escola do campo que não seja cópia da escola seriada da cidade que queremos já destruir? Eu sou um grande defensor que esta escola seriada seja desconstruída e que se organize a partir das temporalidades humanas.
Assim, não se trata de fechar as escolas multisseriadas para levar as crianças e
adolescentes do campo para uma sala seriada, trata-se de assegurar o direito à educação no
lugar que vive e trabalha os sujeitos do campo, numa escola organizada a partir de outros
referenciais que não a seriação, com elaboração de uma proposta pedagógica específica essa
realidade e com formação continuada para os educadores (as) que lhe possibilite ferramentas
para prática com essa heterogeneidade.
Para responder a realidade das turmas multisseriadas, o governo brasileiro, a partir de
1975, no âmbito do Promunícipio (Projeto de Cooperação Técnica e Financeira
Estado/Município), iniciou a estratégia política da nucleação40 das escolas multisseriadas,
garantindo o transporte dos estudantes para as sedes dos municípios, e estratégia do
Fundescola com a implantação do Projeto Escola Ativa41.
40 O modelo de nucleação de escolas norte americano, construído em meados do século XIX, foi implantado
neste mesmo período em diversos países, como Índia, Costa Rica, Líbano e Irã. 41 Essa estratégia metodológica, segundo o MEC (1999), foi iniciada na Colômbia, na década de 1980. A partir
de 1997, foi implementada no Brasil, tendo início com o Projeto Nordeste nos Estados do Piauí, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão, sendo que no ano de 1998, o Fundo de Fortalecimento da Escola deu continuidade à proposta e a estendeu para as regiões Norte e Centro Oeste. Atualmente, mais de 6.000 escolas multisseriadas participam deste projeto.
88
No Brasil, a nucleação consistiu prioritariamente em agrupar as escolas consideradas
isoladas (multisseriadas), para os distritos, povoados e sede do município. Esse processo foi
acentuado a partir das reformas promovidas no Ensino Fundamental, com a edição da Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
que atribui ao município a responsabilidade pela oferta do Ensino Fundamental.
Em decorrência, os municípios, argumentando a redução de gastos com a economia de
recursos humanos e infra-estrutura, com política de municipalização do ensino básico,
optaram por desativar as escolas multisseriadas, reunindo os estudantes das unidades
desativadas em escolas maiores, geralmente nas sedes dos municípios. Segundo dados do
INEP (2003), o transporte escolar era utilizado por 3,9 milhões de estudantes residentes no
campo brasileiro, o que ocasionou um desmonte das escolas existentes no campo. Segundo
Antônio Munarim (2006, p. 24)
A política de transporte escolar (...) bem como a política de nucleação das escolas isoladas no campo brasileiro, acabou por gerar uma situação de estímulo ao fechamento de escolas do campo. Em consequência, crianças são submetidas a longas horas diárias de transporte cansativo e inadequado, ao mesmo tempo em que passam a receber escolarização totalmente descontextualizada.
Opera-se uma redução das escolas multisseriadas como mostra a tabela 3,
evidenciando-se assim, os resultados do processo de nucleação implementado no país.
ANO NÚMERO TOTAL DE ESCOLAS NÚMERO DE ESCOLAS EM ÁREAS RURAIS
1997 196.412 129.367 66% 1998 187.493 119.163 64% 1999 183.448 113.236 62% 2000 181.504 110.333 61% 2001 177.780 105.823 60% 2002 172.508 99.806 58% 2003 169.075 95.573 57% 2004 166.484 92.739 56% 2005 162.727 88.989 55% 2006 159.016 86.170 54% 2007 154.321 82.663 53% Fonte: Censo Escolar 1997-2007 Tabela 3 Distribuição das escolas de Ensino Fundamental e matrículas segundo localização -1997-2007
89
Conforme os dados, no período de dez anos, foram desativadas 46.704 escolas
localizadas no campo, evidenciando que a nucleação, foi a principal estratégia adotada pelos
governos para lidar com a situação das multisseriadas. Essa política contraria o defendido
pelo Movimento da Educação do Campo e o que propugna as Diretrizes Operacionais da
Educação do Campo, na defesa da permanência das escolas nas comunidades rurais, e no
direito dos Povos do Campo estudarem onde vivem e trabalham.
As experiências de nucleação no país têm ocorrido predominantemente sem um
diálogo com as comunidades rurais, e com a comunidade escolar42, indicando que nem
sempre se encontra subjacente à ação governamental a preocupação com os impactos dessa
medida sobre a vida das comunidades e sobre a construção de identidades das escolas e dos
sujeitos do campo, o que contraria as recomendações das Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica da Escola do Campo, e as normas complementares de atendimento da
Educação Básica do Campo, que, em seu artigo 3°, coloca que a
anos iniciais do Ensino Fundamental serão sempre oferecidos nas próprias comunidades
rurais, evitando-se os proc
A nucleação foi implementada com a justificativa de garantir igualdade de
oportunidades educacionais para alunos do campo ao serem deslocados para uma escola com
uma infra-estrutura física e pedagógica, ao invés de se buscar constituir essas condições
materiais e pedagógicas no espaço do campo. Esse processo foi acentuado pela política de
transporte escolar adotada pelo MEC, a partir da década de 1980, cujas críticas destacavam:
as péssimas qualidades do transporte escolar, o tempo do trajeto de casa para escola e o
estímulo à saída das famílias de suas terras, pois a preocupação com a segurança dos filhos
(as) e a garantia de continuidade dos estudos suscita uma mudança para a sede dos municípios
e o desenraizamento das crianças de seu contexto cultural.
desagregadora da memória: sua causa é o predomínio das relações de dinheiro sobre outros
está diretamente ligado ao itinerário de vida, pessoal e
comunitário. O importante é perceber que a existência da escola pública na comunidade
interessa não apenas aos alunos, mas à coletividade, já que a educação escolar constitui um
meio de inserir as novas gerações no patrimônio cultural acumulado pela humanidade, dando-
lhe continuidade.
42 Neste trabalho entende-se por comunidade escolar o conjunto de docentes, especialistas, pessoal técnico
administrativo, pais ou responsáveis pelos educandos, matriculados na instituição. E por comunidade, entende-se a população que reside no entorno da escola, nas localidades circunvizinhas, a qual a escola procura servir.
90
A outra estratégia implementada pelo governo federal para as escolas multisseriadas é
o projeto Escola Ativa. A Escola Ativa é uma proposta metodológica voltada para classes
multisseriadas, que combina, na sala de aula, uma série de elementos e de instrumentos de
caráter pedagógico/administrativo, com a finalidade de aumentar a qualidade do ensino
oferecido naquelas classes.
Esse projeto tem como matriz orientadora a chamada Pedagogia Renovada, ligada ao
movimento da Escola Nova ou da Escola Ativa, ocorrido no Brasil na década de 1920, mais
acentuadamente na década de 1930, e retomada a partir dos anos de 1960, a partir da
epistemologia genética de Jean Piaget. O estudo sobre a Pedagogia da Escola Nova no Brasil
torna- se relevante no sentido de esclarecer o aporte teórico que fundamenta o Projeto Escola
Ativa, e suas perspectivas de abertura de um projeto educacional, hoje, no espaço rural.
As concepções que orientam a prática pedagógica nas classes multisseriadas a partir
da implantação do projeto não são inéditas, uma vez que tais discussões já ocorreram no
Brasil de maneira efervescente, sendo interrompidas pelo golpe de 1964. O que temos na
atualidade é a releitura da Pedagogia Renovada, agregando as contribuições da Psicologia
Genética de Jean Piaget, a Psicologia Histórico Cultural de Vygotsky e a Psicogênese da
Leitura e da Escrita de Emília Ferreiro dentre outros.
Dessa forma, o eixo central da proposta é a abordagem psicológica do
desenvolvimento e da aprendizagem do aluno e as mudanças nas estratégias didáticas na sala
de aula, a partir de diferentes instrumentos pedagógicos. Ao considerar que a questão das
turmas multisseriadas resume-se à dimensão pedagógica, o projeto descontextualiza os
sujeitos da materialidade de sua vida, das contradições existentes dentro da sociedade e do
campo brasileiro. Todavia, o processo de reprodução social dos sujeitos do campo e de suas
famílias, seu trabalho e cultura não podem ser restritos a uma visão de educação que se reduz
à escolarizar os saberes. Os conhecimentos que são construídos em sala de aula, não têm um
fim em si mesmo, por seu caráter político-pedagógico, tornam-se mediadores das
transformações sociais e dos sujeitos possibilitando sua intervenção na realidade.
As mudanças produzidas pela humanidade diversificaram e ampliaram o saber e a
cultura, por isso o diálogo entre o saber do educando (a), o saber construído na história das
comunidades e o conhecimento científico desafia a escola a repensar suas propostas
pedagógicas e sua organização dos tempos e espaços pedagógicos.
Portanto, as necessárias mudanças que precisam ocorrer nos processos pedagógicos
escolares tornam-se insuficientes, caso não superem a dicotomia entre o político e o
91
pedagógico, os saberes populares e os saberes científicos, a fragmentação das áreas do
conhecimento, e principalmente, possibilitem a reflexão na práxis da vida e da organização
social do campo.
Além disso, o poder público necessita reconhecer as diversas iniciativas que existem
no campo brasileiro, porque o fortalecimento das políticas públicas da escolarização do
campo passa pela diversidade dos sujeitos e das propostas pedagógicas existentes. O campo
não comporta um modelo único, e pretensamente universal, como também não se fecha em
visões focalistas da realidade. Mesmo tendo aspectos comuns, por serem predominantemente
municipais, multisseriadas, as escolas possuem características específicas que precisam ser
levadas em consideração na sua organização e na formulação e implementação das políticas
educacionais.
Desse modo, as políticas públicas precisam articular a universalidade do direito com
as especificidades exigidas pela heterogeneidade do nosso país (o espaço rural mantém
particularidades históricas, sociais, culturais e ambientais, que o recortam como uma realidade
própria, da qual fazem parte, inclusive, as próprias formas de inserção na sociedade que o
engloba); e abertas e integradas com o global (universo socialmente integrado ao conjunto da
sociedade brasileira e ao contexto atual das relações internacionais), o que implica o
reconhecimento e a valorização da diferença entre as pessoas e, ao mesmo tempo, a unidade
na diversidade no trato com as políticas econômicas, sociais, ambientais e culturais (SILVA,
2007).
O Brasil avançou muito nas últimas décadas em relação à garantia dos direitos
educacionais, contudo, a ausência histórica de uma política de financiamento público na
educação, no campo brasileiro, resultou numa dívida social significativa, sobretudo nas
condições materiais das escolas, conforme podemos ver no gráfico n° 5.
92
Fonte: Censo Escolar/MEC/INEP, 2002, 2005.
Gráfico 5 Recursos de apoio educacional nas escolas de Ensino Fundamental Brasil
Rural - 2002/2005
As condições materiais das escolas são caracterizadas por aquelas variáveis sobre as
quais os gestores da educação têm, ou deveriam ter algum controle: estrutura física, salário e
condições de trabalho, equipamentos de apoio pedagógico e assim por diante. É claro que, na
prática, restrições legais, financeiras e institucionais limitam o escopo de ação dos gestores de
escolas ou redes educacionais, mas, em princípio, são variáveis que se encontram sob o
controle do Estado, portanto, poderíamos ter as escolas com condições de trabalho dignas e
favoráveis ao processo de ensinar e aprender. No entanto, embora tenhamos mudanças na
melhoria da infra-estrutura das escolas, os serviços básicos ainda não foram universalizados,
conforme podemos ver no gráfico 6:
Fonte: Censo Escolar/MEC/INEP, 2002, 2005. Gráfico 6 - Percentual de escolas que oferecem o Ensino Fundamental segundo o acesso aos serviços básicos pela escola - Brasil- Rural 2002/2005
Biblioteca Laboratório de Informática
Laboratório de Ciências
Quadra de Esportes
0,51
1,52
2,53
3,54
4,55
5,56
6,5
5,2
0,5 0,5
4
6,1
1,4
0,7
5,6
20022005
Água Energia Elé-trica
Esgoto Sanitário0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100 96,4
58,3
78,3 79,2
98,9
71,5
84,5 87
20022005
93
Apesar do aumento da cobertura destes serviços básicos, a situação das escolas rurais
continua precária. Nas escolas a falta de energia elétrica é maior que a falta de abastecimento
de água. Quase uma em três escolas rurais (28,9%) encontra-se sem nenhum tipo de
abastecimento, seja pela rede pública, seja por gerador próprio ou energia solar/eólica.
No que se refere ao esgoto sanitário, a diferença percentual de atendimento entre
escolas rurais, de um lado, e escolas urbanas e metropolitanas, de outro, também é expressiva.
Em 2005, 99,69% das urbanas e 99,90% das metropolitanas contavam com esgotamento
sanitário, enquanto apenas 84,22% das escolas rurais possuíam essa infra-estrutura instalada
nas escolas. Esse quadro das escolas reflete a realidade do campo brasileiro, no qual a maioria
não possui nem sanitário nem esgoto sanitário instalados.
A pesquisa, realizada pelo Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada IPEA (2007)
evidenciou uma expressiva melhoria nas condições de infra-estrutura nas escolas estaduais,
nas escolas municipais esse processo é menos expressivo, principalmente nas multisseriadas,
expressando a fragilidade e a heterogeneidade na implementação das políticas educacionais
que assegurem condições de trabalho e qualidade nas escolas do campo.
O que o Movimento da Educação do Campo tem afirmado é a importância da infra-
estrutura básica43, para assegurar a qualidade da educação. Requisita as condições de trabalho
dos profissionais que atuam nas Escolas do Campo e o cumprimento do que estabelece o
Plano Nacional de Educação, Lei 10.172/2001, no que se refere ao padrão de qualidade das
construções dos prédios das escolas que exigem:
b) sala ambiente; c) banheiros; d) áreas de lazer; e) espaço apropriado para a prática de
Plano Nacional de Educação, 1999).
A qualidade do ensino no campo é outra questão crucial, devido às dificuldades
encontradas no desempenho escolar. Isso mostra que existem outras causas relacionadas a
permanência com sucesso na escola, tais como: a precariedade da infra-estrutura das escolas,
a descontextualização curricular, a concentração de terras, a ausência de políticas agrícolas a
marginalidade social em que vivem parcelas significativas da população brasileira,
concentrando-se em bolsões de pobreza nas periferias urbanas e nas áreas rurais.
43 Entende-se por infra-estrutura básica da escola o abastecimento de energia elétrica, de água e esgoto sanitário,
bem como a existência de sanitário na escola
94
Um dos indicadores que podemos analisar nessa qualidade de ensino é a taxa de
defasagem idade-série, que indica o nível de desempenho escolar e capacidade do sistema
educacional manter a frequência do aluno em sala de aula.
As taxas indicam as desigualdades existentes no sistema de ensino, tanto no que se
refere a diferenças regionais como a localização geográfica, visto que, o quadro no campo se
mostra ainda mais grave, enquanto na área urbana a taxa é de 36.7 na área rural atinge 45,6%.
Aparecendo também as diferenças regionais, pois a área rural da Região Norte atinge uma
taxa de 56,4% e da Região Nordeste de 49,8%, portanto, superiores aos índices nacionais,
conforme dados da tabela n°. 4
Abrangência geográfica Defasagem idade-série
Total Urbana Rural
Brasil 30.0 26.7 45.6
Norte 43.4 37.7 56.4
Nordeste 43.9 41.3 49.8
Sudeste 17.7 18.2 27.9
Sul 17.9 17.6 20.0
Centro-Oeste 28.0 27.1 37.9 Fonte: INEP/MEC, 2005. Tabela 4 Defasagem idade-série na Educação Fundamental por abrangência geográfica, localização, ano 2005
No Ensino Médio a inadequação idade-série se torna mais grave na área rural. A
média nacional chega a 59,1% dos estudantes matriculados. A distorção idade-série apresenta
grandes diferenças entre as regiões do País, com destaque para o Norte e Nordeste, que
chegam a atingir taxas de distorção de 73,1% % e 71,6%, respectivamente. Esses dados
revelam um cenário discrepante entre as regiões no que concerne a esses indicadores,
conforme podemos verificar na tabela 5.
95
Abrangência Geográfica
Defasagem idade-série
Total Urbana Rural
Brasil 46.3 46.0 59.1 Norte 65.8 65.6 73.1
Nordeste 64.6 64.4 71.6
Sudeste 35.0 34.9 43.6
Sul 29.8 29.7 31.5
Centro-Oeste 44.3 44.1 53.6 Fonte: MEC/INEP, 2005. Tabela 5 Defasagem idade-série no Ensino Médio por abrangência geográfica, localização, ano 2005
Os dados nos mostram que o direito à escolarização não se restringe ao acesso à
escola. É preciso que se apresentem condições de aprendizagem para os educandos (as),
condições dignas de trabalho para os profissionais, exercício democrático na gestão da escola,
o respeito aos saberes dos sujeitos sociais e uma organização curricular integrada e
contextualizada. Só assim poderemos falar de universalização da escolarização como direito
que se reflete na qualidade social e educacional.
A esse respeito, Jamil Cury (2005, p. 3) afirma que o direito à educação deve ser
garantido e, para isto, a primeira garantia é que ele esteja inscrito no coração de nossas
Uma questão importante para assegurar o direito à escola de qualidade no campo
refere-se ao professorado que atua nas Escolas no Campo. A literatura mostra a ausência de
políticas de profissionalização docente ao longo da história, o que evidencia uma baixa
qualificação desses profissionais. Enfrentam sobrecarga de trabalho, dificuldade de acesso à
escola pelas condições dos transportes e das estradas e rotatividade de profissionais nas
escolas. Segundo Miguel Arroyo (2006, p. 114), isso constitui um problema na composição
sócio-profissional destes profissionais:
Outra realidade que enfraquece a escola do campo são os fracos vínculos que têm o corpo de profissionais do campo com as escolas do campo. Não é um corpo nem do campo, nem para o campo, nem construído por profissionais do campo. É um corpo que está de passagem no campo e quando pode se liberar sai das escolas do campo. Por aí não haverá nunca um sistema de educação do Campo! Isso significa dar prioridade às políticas de formação de educadores.
96
Do ponto de vista do vínculo funcional, a maioria do professorado que atua no campo
vinculam-se à Rede Municipal, conforme tabela n° 6.
Unidade da
Federação
Funções docentes exercendo atividades em sala de aula
Total Federal Estadual Municipal Privado
Brasil 380.965 1.575 50.443 323.466 5.481
Norte 56.290 97 8.618 47.033 542
Nordeste 209.897 607 9.289 197.378 2.623
Sudeste 59.161 423 15.283 41.917 1.538
Sul 41.388 229 14.013 26.645 501
Centro-Oeste 14.229 219 3.240 10.493 277 Fonte: MEC/INEP/DTIE 2006. Tabela 6 Número de Funções Docentes exercendo atividades em Sala de Aula, por localização e Dependência Administrativa, segundo a Região Geográfica e a Unidade da Federação - Rural - 2006
Considerando esse perfil, a necessidade da formulação de plano de carreira específico
para todos os profissionais da educação que abranja piso salarial nacional, jornada de trabalho
em uma única instituição de ensino, com tempo destinado à formação e planejamento;
condições dignas de trabalho constituem a agenda de debate do Movimento da Educação do
Campo, inclusive nas Conferências Municipais e Estaduais da Educação, realizadas durante o
ano de 2009 em preparação para a Conferência Nacional de Educação44.
No que se refere à escolaridade do professorado, diferentes iniciativas45 foram
tomadas para diminuição do número de professores leigos no sistema de ensino. Embora
tenhamos um incremento na formação dos docentes do campo, conforme podemos verificar
na tabela 7, precisamos de uma avaliação sistematizada da qualidade desta formação.
44
Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e E 45
professorado leigo: aposentadoria compulsória, demissão por não serem concursados ou redefinição de função, muitas professoras passaram a trabalhar como merendeiras por falta da formação exigida na lei.
97
Ano Total Ensino Fundamental Ensino
Médio
Ensino Superior
1997
347.512 106.878 197.936 42.658
2006
380.965 8.570 238.223 151.585
Fonte: MEC/INEP/1997-2006. Tabela 7- Número de Funções Docentes na Educação Básica do Campo, por Nível de Formação, nos anos de 1997 e 2006
A necessidade da formação inicial em curso superior posta pela Lei n° 9354/96 é a
demanda atual, considerando que a maioria do professorado em serviço no campo possui
Ensino Médio. A formação inicial e continuada precisa considerar que o repertório de
conhecimentos para ensinar46 do professorado é constituído por saberes plurais, oriundos de
diferentes fontes, e que no cotidiano são constantemente mobilizados na condução de sua
ação em sala de aula (SILVA, 2000).
Por isso, as propostas formativas devem superar a dicotomia entre ensino, pesquisa e
extensão, entre formação acadêmica (teoria) e realidade prática, estabelecendo um diálogo
permanente entre os saberes pedagógicos47, curriculares48 e os saberes de experiência49 do
professorado.
È preciso, sobretudo, que o cotidiano do professorado do campo, a cada momento,
seja confrontado com situações muito diversas, devendo tomar decisões pedagógicas cujos
resultados são incertos, mais objetivamente intencionados, dentro de um contexto de densa
complexidade. Isso exige que os centros formativos reconheçam que os saberes transbordam
de muito dos muros da escola e das instituições de ensino.
O direito à formação desafia as Universidades públicas, visto que segundo dados do
INEP/2007, o setor privado responde por 74,1% das matriculas em cursos de graduação,
sobretudo em cursos noturnos ou à distância. Muitos professores (as) chegam a trabalhar em 46 Expressão utilizada por Gauthier et al (1996) para designar o conjunto de conhecimentos constituintes da
identidade profissional do professorado e dos saberes, das habilidades e das atitudes que são envolvidas no exercício do magistério.
47 Conjunto de saberes acerca da escola, advindos das ciências da educação e da tradição pedagógica, que constituiu um saber profissional específico que não está diretamente ligado à ação pedagógica, mas serve de pano de fundo para os procedimentos adotados em sala de aula. (TARDIF; LESSARD; LAHAYE; 1991)
48 Correspondem à seleção e organização dos saberes produzidos pelas ciências, que se transformam nos programas escolares, geralmente produzidos por outros agentes que não o professorado. (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991).
49 São construídos no interstício da práxis cotidiana do professorado em interação com outros sujeitos. Eles não se aplicam à prática para melhor conhecê-la, eles se integram a ela e são partes constituintes dela enquanto prática docente. Formam um conjunto de representações a partir dos quais o professorado interpreta, compreende e orienta sua profissão e sua prática cotidiana em todas as dimensões. (SILVA, 2000).
98
até três turnos por dia para receberem um salário razoável. Com essa rotina, dificilmente têm
tempo para se dedicarem aos estudos, à sua formação. Nesse caso, acabam, na maioria das
vezes, fazendo cursos de fim de semana ou mesmo cursos superiores à distância, nos quais o
acompanhamento docente se dá, na maioria dos casos, virtualmente.
O Movimento da Educação do Campo se coloca também na perspectiva de que se
modifique esse cenário da Escola no campo brasileiro, que se assegure o direito a uma
educação de qualidade, na construção de uma política educacional nacional, que garanta o
atendimento adequado das necessidades educativas dos sujeitos sociais que ali vivem e
trabalham, e é nesse sentido que vem formulando as suas propostas pedagógicas.
2.3 A Emergência das Políticas Educacionais Específicas: a Educação do Campo como
direito
As mobilizações para formulação da Constituição Federal de 1988, pela
democratização do país e afirmação de uma cultura de direitos, garantiram importantes
conquistas populares e espaços de participação na legislação, ao incorporar o princípio da
participação direta na administração pública, além da criação de conselhos gestores como
forma de intervenção popular nas políticas públicas do país.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988, preconizou o direito ao acesso universal a
serviços e bens coletivos. Para isso, foram criados os mecanismos institucionais para os
processos descentralizadores que se seguiriam e ampliaram-se as perspectivas da participação
cidadã na concepção e implementação das políticas públicas.
O Movimento da Educação do Campo, em seu processo de mobilização pela
afirmação e fortalecimento das práticas pedagógicas das Escolas do Campo, instiga as
políticas públicas, a compreenderem o campo como um espaço emancipatório, como um
território fecundo de construção da democracia e da solidariedade, e de lutas pelo direito à
terra, às águas, a floresta, à soberania alimentar, à saúde, à educação, ao meio-ambiente
sustentável, enfim, um lugar de direitos. Assim,
[...] trata-se um movimento que teve início antes no seio da sociedade civil organizada, mais propriamente, neste caso, no seio das organizações sociais do campo, em forma de experiências de educação popular na formação de seus quadros dirigentes e de suas bases e, mais recentemente, em forma de
síntese do conceito de política pública. Assim, seria mais apropriado dizer que o MEC abre espaço na máquina estatal para as vozes
99
desses sujeitos que já vinham sedimentando as bases de uma política pública de Educação do Campo. (MUNARIM, 2006, p. 8)
Esse movimento, construído a partir do vínculo orgânico que tem se estabelecido entre
a luta por educação e as lutas pela transformação das condições sociais de vida no campo, tem
influenciado a decisão do governo brasileiro em propor uma política nacional que contemple a
diversidade dos sujeitos sociais do país50.
Conforme Sergio Henrique Abranches (1998), o processo de formulação, implantação,
avaliação e controle das políticas públicas que visam ao atendimento de demandas sociais
específicas relaciona-se com as escolhas que, em determinadas conjunturas, os governos
fazem. A definição dos objetivos das políticas de cunho social, o seu caráter e extensão estão
vinculados a projetos e concepções de governo e de organização social. Esse autor observa
que:
se a política fosse apenas contrato, a política social seria a clausula inarredável do capítulo das obrigações coletivas, a cargo do Estado. Política, porém é conflito. Oposição e contradição de interesses. Conflito negociado, regulado por instituições políticas de natureza vária, condicionado por mediações que tornam possível reduzir os antagonismos e projetá-los em um movimento positivo. Política é, também, poder, transformando-se, freqüentemente, em um jogo desequilibrado, que exponencia os meios dos mais poderosos e reduz a chance dos mais fracos. Quem detém determinados instrumentos eficazes de pressão tem maior probabilidade de obter mais da ação do Estado do que aqueles que dependentes dessa própria ação para conseguir o mínimo indispensável à sua sobrevivência.
Essa estreita vinculação do movimento educativo com a sociedade coloca um
problema crucial dos limites e das possibilidades da educação como instrumento de
conservação e de mudança social. Essa limitação da educação precisa ser entendida dentro das
contradições do Estado na sociedade capitalista, do contexto social e da escola, ou seja, nos
50 Em 2007 foi criada a Comissão Nacional de Educação do Campo, junto ao Ministério da Educação (Portaria
1258, 19 de dezembro de 2007). Trata-se de um órgão colegiado, de caráter consultivo, com a atribuição de assessorar o Ministério da Educação na formulação de políticas públicas de educação do campo. A composição da Comissão tem dois grandes segmentos: 1) Representantes do governo federal, por meio das secretarias vinculadas ao Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); por representante da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (CONSED); 2) A sociedade civil representada por 8 entidades Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAS); Confederação Nacional dos Trabalhadores(as) da Agricultura(CONTAG); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF); - Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento das Mulheres Camponesas (MMC); Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Rede da Educação do Semirido Brasileiro´(RESAB). Essas iniciativas instigam os pesquisadores a analisarem os desdobramentos oriundos da relação governo e sociedade civil na construção de políticas públicas.
100
encaminhamentos das lutas políticas e ações coletivas, da construção de novas sociabilidades,
das relações com a natureza e de uma formação humana emancipatória essa disputa ocorre
dentro da materialidade do capitalismo que busca frear todas as perspectivas de mudanças e
emancipação do ser humano. E é dentro desta abordagem que nos situamos na compreensão
do papel da escola permeada pelo movimento contraditório da sociedade e da prática interna
dos seus sujeitos
No campo educacional, a discussão e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), lei nº 9.394 de dezembro de 1996, momento de inúmeros debates e
enfrentamentos, nos quais a tendência homogeneizadora do Ministério da Educação,
principalmente no que se refere ao controle, avaliação e formação dos profissionais da
educação, colocou-se frontalmente contrário aos anseios de democratização postos pelos
movimentos sociais.
Sendo assim, a versão final foi construída com a participação de diferentes sujeitos e
atores sociais. Isso fez com que ela assumisse um caráter "polifônico" - segundo expressão de
Carlos Jamil Cury - onde distintas vozes podem ser ouvidas a partir da leitura do seu texto.
Ao mesmo tempo, a LDB, recoloca a educação na perspectiva da formação e do
desenvolvimento humano, como finalidade social dos processos educativos formais, não
formais e informais51.
Nessa perspectiva, uma ampliação do conceito de Educação, que não se restringe mais
aos processos de aprendizagem no interior da escola, transpõe seus muros conforme posto no
A educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais
O Movimento da Educação do Campo também compreende a educação nessa
concepção ampla, o que leva a buscar diferentes espaços formadores, faz com que a Escola do
Campo não seja fechada nos seus muros e tenha uma organização curricular permeada pelo
diálogo entre os sujeitos e diferentes saberes. A lei pelo artigo 3°, ao valorizar a experiência
extra-escolar, a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais reforça
essa concepção.
51 Ações formais: escolarização básica e superior desenvolvida pelo sistema de ensino nas esferas pública e
privada; ações não formais: formação política, sindical, técnica, produtiva, religiosa, cultural desenvolvida por instituições governamentais de extensão rural, assistência técnica, pesquisa e por órgãos não governamentais da sociedade civil; ações informais: as que se desenvolvem na família, na comunidade, nas manifestações culturais, nos meios de comunicação, no trabalho, muitas vezes espontâneas, vindas não só de organizações, mas, sobretudo de pessoas, que na vida cotidiana promovem ações educativas.
101
A LDB, no seu artigo 28, remete para a adequação dos sistemas de ensino a
especificidade da realidade do campo, ao colocar que:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III. Adequação à natureza do trabalho na zona rural.
Respaldado por este artigo, o Conselho Nacional de Educação deliberou sobre a
realização de audiências públicas para ouvir as propostas dos representantes dos órgãos
normativos estaduais e municipais, dos movimentos sociais do campo, das Universidades,
Ong's e demais setores da sociedade que atuam na realidade do campo brasileiro. Foram
realizadas três audiências públicas nas quais as diversas organizações e instituições tiveram
oportunidade de apresentar suas propostas para as Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo - DOEBEC52.
È possível conferir que as diretrizes inovam sobre a organização da escola,
responsabilidades do poder público, gestão e formação do professorado. A DOEBEC é um
documento que possibilita um suporte legal para a construção de uma política nacional da
Educação do Campo. Portanto, o que traça as diretrizes é uma necessidade de que os sistemas
de Ensino incorporem a Educação do Campo como parte de suas políticas educacionais.
Recentemente o Conselho Nacional de Educação aprovou a Resolução nº 2, de 28 de
Abril de 2008, para complementar as normas de atendimento a Educação Básica do Campo,
em seu artigo 1° define que
A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suas etapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida - agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros.
52 Diretrizes são normas e critérios políticos, pedagógicos, administrativos e financeiros que têm fundamentos
legais e servem para orientar a organização das escolas do campo e cujas regras devem ser regulamentadas pelos sistemas de ensino municipal, estadual e federal, na oferta da Educação Básica. Ou seja, todos os sistemas de ensino, na oferta desse nível de educação para a população do campo, deverão seguir o que está previsto nas diretrizes.
102
Reafirma, assim, o que estava posto anteriormente pelas Diretrizes Operacionais da
Educação do Campo e explicita todas as etapas e modalidades da Educação Básica. As duas
resoluções começam definindo a identidade da escola do campo
modo próprio de vida social e de utilização do espaço do campo onde as pessoas se inscrevam
sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas 53.
resguardando- rtanto, não se trata de identidade circunscrita a um
espaço geográfico, mas sim, vinculada aos povos do campo, seja os que vivem no meio rural,
seja os que vivem nas sedes dos 4.485 municípios rurais do país54. O que requer um repensar
dos conceitos de rural e urbano que orientam as pesquisas e as políticas públicas em nosso
País.
No que se refere às propostas pedagógicas das escolas do campo, a articulação das
iniciativas educativas com estudos e pesquisas voltadas para o mundo do trabalho e o
desenvolvimento sustentável é imprescindível para um redimensionamento da organização
curricular da escola e para sua contribuição ao desenvolvimento sustentável.
No entanto, a realidade brasileira ainda mostra que a maioria dos municípios não
possui um processo democrático e participativo na elaboração dos seus planos municipais de
educação e dos projetos político-pedagógicos, que são elaborados em gabinetes sem a
participação efetiva da comunidade escolar.
A necessidade de elaboração de Planos Estaduais e Municipais de Educação,
baseados num diagnóstico da realidade e com a participação dos sujeitos sociais,
considerando o que prevê as DOEBC, e os objetivos e as metas estabelecidas no Plano
Nacional de Educação (Lei 10.172/2001), foi pautada por todos os Seminários Estaduais de
Educação do Campo, o que evidencia a não participação da população no processo de
formulação, gestão e controle social das políticas públicas no País.
A identidade da Escola do Campo é reconhecida pela heterogeneidade dos sujeitos
sociais e a necessidade de uma organização pedagógica que considere o instituído nos artigos
da LDB (Art. 23), que tratam da organização da escolaridade em diferentes formas, de uma
53 Artigo Art. 2°, § único da DOEBEC 54 Para aprofundar essa questão vide Cidades Imaginárias de José Eli da Veiga.
103
organização curricular que considere a relação entre o universal e o particular (LDB, Art. 26),
e o respeito às diferenças e o direito à igualdade, conforme a LDB (Art. 28). 55
No movimento da Educação do Campo, entretanto, encontramos uma diversidade de
formas organizativas dos tempos e espaços de aprendizagem. Isso indica uma preocupação
específico e ao mesmo tempo integrado no conjunto da sociedade, exigindo da política
educacional a definição de diretrizes que contemplem a diversidade sociocultural no âmbito
Com respeito à organização do espaço pedagógico, enquanto espaço físico e de
aprendizagem, que extrapola o espaço da escola, o artigo 7°, §1, ressalta os espaços da
família, das comunidades, dos municípios, como espaços pedagógicos e da aprendizagem.
Vejamos:
As atividades constantes das propostas pedagógicas das escolas, preservadas as finalidades de cada etapa da educação básica e da modalidade de ensino prevista, poderão ser organizadas e desenvolvidas em diferentes espaços pedagógicos, sempre que o exercício do direito à educação escolar e o desenvolvimento da capacidade dos alunos de aprender e de continuar aprendendo assim o exigirem.
Em relação à organização do tempo pedagógico, a lei preconiza que seja assegurado
o tempo adequado para a formação, e que o mesmo possa se estruturar de diferentes formas,
no entanto, embora existam iniciativas na Educação do Campo de organização do tempo
escolar em regime de alternância ou jornada integral, não é assegurado aos profissionais que
atuam nestas escolas condições de trabalho adequadas ao tempo curricular existente nas
mesmas, além disto, a homogeneização do calendário escolar conforme o ano civil predomina
na maioria dos Estados e Municípios brasileiros56, mesmo que a lei no art. 7° § único reze
que: o ano letivo poderá ser estruturado independente do ano civil, salvaguardando o direito à
escola de qualidade para todos/as.
As diretrizes também tratam da responsabilidade do poder público, conforme os
princípios do regime de colaboração, para proporcionar a Educação Infantil e Fundamental
nas comunidades rurais, inclusive para os que não concluíram na idade prevista, assim como
dedicar especial atenção às condições necessárias para o acesso ao Ensino Médio e à
Educação Profissional de Nível Técnico, nos termos do Art.6º:
55 Artigo 5° das Diretrizes Operacionais da Educação Básica do Campo. 56 Com algumas exceções como, por exemplo, o Estado do Acre e do Mato Grosso do Sul,
104
O Poder Público, no cumprimento das suas responsabilidades com o atendimento escolar e à luz da diretriz legal do regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, proporcionará Educação Infantil e Ensino Fundamental nas comunidades rurais, inclusive para aqueles que não o concluíram na idade prevista, cabendo em especial aos Estados garantir as condições necessárias para o acesso ao Ensino Médio e à Educação Profissional de Nível Técnico.
O direito a estudar próximo ao local de moradia foi reforçado na Resolução CNE/CEB
nº 2/2008, que trata de normas complementares para o atendimento da Educação Básica do
Campo, inclusive do atendimento dos jovens
Educação de Jovens e Adultos também deve considerar que os deslocamentos necessários
sejam feitos nas menores distâncias possíveis, preservado o princípio intra-campo 57
Sobre a forma de gestão das escolas e a construção de parcerias58, as diretrizes
sintonizadas com a necessidade de democratização da escola59, a partir de mecanismos que
propugnam para um projeto de desenvolvimento que torne possível a população do campo
movimentos sociais têm o direito assegurado de participar na discussão do funcionamento da
escola, na proposta pedagógica e na discussão do uso dos recursos financeiros e sua
Dessa forma, as demandas provenientes dos movimentos sociais poderão subsidiar os
componentes estruturantes das políticas educacionais. Embora essa questão represente um
avanço significativo do ponto de vista da gestão e da compreensão do papel dos movimentos
sociais nas Escolas do Campo, na prática essa relação não se efetiva, por diferentes fatores,
dentre os quais podemos destacar: o conservadorismo de muitos gestores, a burocratização do
Estado que impossibilita a construção de parcerias mais sistemáticas com a sociedade civil, o
desconhecimento da legislação, o patrimonialismo que ainda persiste no Estado e a falta de
compromisso em assegurar uma escola de qualidade para os Povos do Campo.
Esse cenário político, dificulta sobremaneira a implementação, do que está previsto na
legislação, no que se refere à profissionalização do professorado rural, visto que o acúmulo
sobre formação inicial e continuada deste profissional encontra-se nos movimentos sociais e
57
atendimento do transporte escolar intra-campo, todavia, encontra dificuldade de operacionalização devido ao alto índice de inadimplência dos municípios brasileiros, o que restringe o acesso aos referidos recursos.
58 A gestão escolar é tratada nas Diretrizes nos artigos 8, 9, 10 e 11. 59 Artigo 10 das Diretrizes Operacionais
105
organizações não governamentais, e mais recentemente, em algumas Universidades Públicas,
que desenvolvem formação inicial e continuada específicas para o professorado,
coordenadores pedagógicos das Escolas do Campo.
O envolvimento dos sujeitos sociais torna-se pressuposto para o exercício da
trad
A gestão democrática torna-se o fundamento de toda a reorganização da instituição escolar
inserida nas políticas de autonomia da escola, que tem no engajamento dos seus profissionais
e da comunidade sua principal condição.
estabelecimento e se coloca como um desafio de novas relações (democráticas) de poder entre
o Estado, o sistema educacional e
que pressupõe um efetivo comprometimento das secretarias municipais e estaduais de
educação, num diálogo permanente com as equipes educativas existentes em cada escola, para
que possam realmente ser ouvidas e participem da elaboração das políticas e das tomadas de
decisão.
curso de licenciatura estabelecendo como qualificação mínima para a docência na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o curso de formação de professores em
professores da Educação Básica60.
Além disso, precisamos lembrar que ainda temos a presença de docentes que não estão
titulados, pois dos 228.94661 que estão atuando de 1ª a 4ª série na área rural, 55.161 possuem
apenas o Ensino Fundamental. Daí a importância de se ter assegurado no art. 12, § único, a
responsabilidade dos sistemas de ensino
continuada, habilitando todos os professores leigos e promovendo o aperfeiçoamento
A preocupação levantada nos Seminários Estaduais de Educação do Campo era de que
as estratégias de formação para esse professorado tivessem como referência dois eixos que,
até hoje, têm influenciado sua existência, dentro do sistema de ensino: o eixo político ( a
participação efetiva na formulação, coordenação e avaliação dos processos formativos pelos
60 Artigos 12, 13, 61 e 62 da LDB e Resoluções n° 3/1997 e n° 2/1999, ambas do CNE. 61 Censo Escolar, 2002 - MEC
106
sujeitos envolvidos nas mesmas) e o eixo epistemológico (conhecimentos contextualizados na
realidade social, no trabalho e nas culturas dos povos do campo).
O eixo político significa institucionalizar políticas de formação continuada que
considere a organização dos profissionais da educação, condições de trabalho e salários
dignos, e que sejam permanentes, sistemáticas e contextualizadas na realidade.
No eixo epistemológico (que também é político), precisamos construir uma proposta
de formação que leve em conta os saberes de que esse professorado tem se apropriado na sua
experiência cotidiana dentro da sala de aula no campo, que considere não somente os saberes
pedagógicos e curriculares como formadores do docente, mas, sobretudo, que leve em conta
os saberes de experiência que o professorado foi elaborando durante sua práxis educativa,
conforme coloca Jacques Therrien (1994), ao considerar que
O docente domina uma pluralidade de saberes que o habilitam em situações complexas, não a utilizá-las diretamente de modo técnico, mas a deliberar, analisar, interpretar situações e a tomar decisões. (...) Trata-se de um saber profissional, plural, construído no cotidiano da prática que lhe dá um caráter de experiência, legitimando-o para tomada de decisões em situações de interação (...).
O que pressupõe uma mudança curricular nos cursos de formação de professores (as),
cujo referencial necessita articular a teoria à prática, enfocando a diversidade da forma de
produzir a vida no campo brasileiro, a diversidade dos sujeitos sociais e das relações sociais
que se efetivam a partir do diálogo com o mundo urbano. Assim, os Centros de Formação de
Professores (as) precisam considerar:
1. O respeito à diversidade cultural e aos processos de interação e
transformação existentes no campo brasileiro; 2. O efetivo protagonismo das
crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade
social de vida individual e coletiva; 3. O acesso ao conhecimento cientifico e
tecnológico, tendo por referência os princípios éticos e a democracia. Isso
supõe entre outras coisas, superar a cultura da reprovação, da retenção e da
seletividade, centrar a atenção nos níveis de desenvolvimento cognitivo,
afetivo, social, moral, ético, cultural, profissional. (DOEBC, artigo 13).
.No que se refere ao financiamento da Educação, no âmbito das políticas educacionais,
destacaram-se as modificações de ordem jurídico institucional, dentre os quais se destaca a
aprovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica- FUNDEB (Lei nº 11.494, de
107
20 de junho de 2007), que ampliou o aporte para a Educação Básica, e não apenas para o
ensino fundamental. Estabelece entre seus numerosos dispositivos, no art. 10,
a distribuição proporcional de recursos dos Fundos levando (levará) em conta as diferentes etapas, modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da Educação Básica, com destaque aos seguintes incisos: VI anos iniciais do Ensino Fundamental no campo; VIII anos finais do Ensino Fundamental no campo; XI Ensino Médio no campo.
Embora não tenha atendido a todas as reinvidicações dos trabalhadores em educação,
foi um avanço em relação ao antigo Fundef, que priorizava apenas o ensino fundamental,
desconsiderando as outras etapas e modalidades da Educação Básica. A fragilidade
identificada nos Seminários Estaduais de Educação do Campo refere-se ao controle social no
que tange a aplicação destes recursos para assegurar a qualidade da Educação e as
especificidades das Escolas do Campo, considerando o sucateamento material a que foi
submetida historicamente.
A discussão do financiamento da Educação nas Escolas do Campo, tratada na
DOEBC, nos seus artigos 14 e 15, inciso I, II e III, coloca que
O financiamento da educação nas escolas do campo, tendo em vista o que determina a Constituição Federal, no artigo 212 e no artigo 60 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, a LDB, nos seus artigos 68, 69, 70 e 71, e a regulamentação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério Lei 9424/1996, será assegurado mediante cumprimento da legislação a respeito do financiamento da educação escolar no Brasil.
Para que isso aconteça, além de uma decisão política do poder público, necessitamos
de uma reforma tributária pautada pela justiça social, o equilíbrio regional e a efetivação de
direitos sociais e distribuição de renda, de tal modo que as políticas fiscais não prejudiquem o
financiamento público da educação.
Por outro lado, não podemos desconsiderar que existe uma significativa diferença
entre direitos proclamados e direitos efetivamente assegurados. De acordo com Norberto
Bobbio (1992, p.10), quando diz que:
Uma coisa é proclamar esse direito e outra é desfrutá-lo efetivamente. A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reinvidicaçoes dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos
108
materiais e morais; mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecimento e protegido.
O exercício da democracia de um Estado que diz de direito proclamado em
documentos nacionais, que ao atender pela pressão as reinvidicações da população na
formulação de políticas públicas dificulta ao máximo sua efetivação na realidade das escolas e
do trabalho cotidiano dos professores (as).
Essa contradição na materialização dos direitos conquistados evidenciou-se na
avaliação realizada nos Seminários Estaduais de Educação do Campo, como também na
observação que realizamos nas Escolas, campo empírico da pesquisa, o que mostra a real
prioridade que elas conseguem ter no cenário educacional.
109
III CAPÍTULO - EDUCAÇÃO POPULAR COMO TEORIA E PRÁTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
110
O movimento para a liberdade deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização.
Paulo Freire
Este capítulo tem como finalidade delimitar o conceito que adotamos de Educação
Popular-EP, considerando-a como uma teoria e prática da educação e como matriz fundamental
para a implementação das práticas educativas escolares e não escolares do campo.
A necessidade de uma fundamentação para a prática da Educação do Campo coloca a
importância de se pensar uma teoria da educação que torne cada vez mais consistentes e
contextualizadas as práticas educativas desenvolvidas.
Essa teoria da educação que tem a metodologia dialética como dimensão epistemológica
fundamental possibilita uma reinvenção permanente dessas práticas, além da ênfase no caráter
político que a escola assume na sociedade, principalmente no diálogo que estabelece com os
movimentos sociais populares. Entendemos que essa contribuição advém das práticas
educativas e dos educadores (as) latino-americanos (as) nos últimos 50 anos, especialmente da
obra de Paulo Freire.
Os movimentos sociais62 populares do Campo, enquanto práticas sociais, políticas e
culturais constitutivas de sujeitos coletivos têm uma dimensão educativa, à medida que
constroem um repertório de ações coletivas, que demarcam interesses, identidades sociais e
coletivas que visam à emancipação humana e à transformação da realidade assumidas na
formulação das políticas educacionais no campo brasileiro.
Não pretendemos fazer uma leitura histórica conceitual sobre Educação Popular,
conforme podemos encontrar em outros estudos (MELO NETO, 1999, 2003; ROSAS, 2008,
PALUDO, 2001), nos quais podemos compreender como a educação vai se institucionalizando
nas diferentes formações sociais, ao longo da nossa história, e como a escola vai assumindo um
caráter político, no qual se reproduzem ou se transformam as concepções de ser humano,
sociedade e mundo, mas desvendar a concepção de Educação Popular que referencia este
trabalho.
62 De acordo com SHERER-
práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (ideologia) e sob uma organização mais ou menos definida (a organização e sua direção).
111
Essa opção decorre da diversidade semântica que historicamente foi utilizada para este
conceito e de compreendermos o papel que os movimentos sociais populares, especialmente, do
campo brasileiro tiveram nesse processo. Para isso, algumas questões orientarão o itinerário de
construção teórica deste capítulo: Qual o conceito de Educação que estamos adotando? Como a
conformação do Campo Popular influencia na conceituação da Educação Popular? Quais
conceitos da Educação Popular são fundamentais para as práticas da Educação do Campo?
A construção conceitual da EP, seus princípios e fundamentos tornam-se fundamentais
considerando que não são homogêneos na América Latina, constituindo diferentes itinerâncias,
dependendo do contexto histórico e da instituição que desenvolve a prática educativa. Para isso,
apoiamo-nos na literatura em (CALADO, 2000; CARVALHO, 2004; FREIRE, 1978, 1979,
1987; PAIVA, 1987; PALUDO, 2001, 2009; ROSAS, 2008; SOUZA, 1999, 2000, 2001 e
2009; e ROMANELLI, 1982), tecendo os fios conceituais de Educação Popular para este
trabalho.
3.1 Educação Popular: mudanças e continuidades
A Educação é entendida como prática social que tem o objetivo de contribuir, direta e
intencionalmente, no processo de construção histórica das pessoas, na formação da humanidade
do ser humano que nasce em mundo humano. Para sobreviver, há de adaptar-se a esse mundo.
Essa adaptação só é possível porque outros seres humanos (os seus pais, os adultos) cuidam
dela e lhe mostram ou ensinam o que possibilita sobreviver nesse mundo. A socialização do ser
humano se dá através da linguagem e da ação do seu grupo social.
O processo de educar-se pode ser compreendido, tal como afirma Bernard Charlot
- -se membro de uma
- -se como um
ver-se submetido à obrigação de aprender, pois,
para esse autor,
Nascer é penetrar nessa condição humana. Entrar em uma história, a história singular de um sujeito, inscrita na história maior da espécie humana. Entrar em conjunto de relações e interações com outros homens. Entrar em um mundo onde ocupa um lugar (inclusive social) e onde será necessário exercer uma atividade. (p. 53)
112
O processo de inacabamento e inconclusão do ser humano faz com que as experiências
ao longo vida os tornem humanos ou desumanos. Essa visão de Paulo Freire (1978) sobre a
aprendizagem da humanidade como um fazer permanente é fundamental. A educação pode
ajudar a transformar o homem e a mulher em sujeitos da História. Não qualquer tipo de
educação, mas uma educação crítica e dirigida à tomada de decisões e à intervenção social e
política, assim manifesta uma concepção de Educação na qual:
Os homens são vistos como seres históricos e, portanto, inacabados: na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação um que fazer permanente. (p.73)
A inconclusão do ser humano suscita que a prática educativa busque cotidianamente sua
própria mudança, considerando a diversidade dos processos de socialização do ser humano, a
partir da interação com a cultura, pela formas de organização do trabalho, pelas interações que
medida em que contribuir para a humanização do homem. Na medida em que se inscrever na
direção
Para João Francisco de Souza (2000), o processo de humanização requer uma
ressocialização dos seres humanos, implicando transformações de nossas formas de pensar, de
fazer, de sentir. Essa ressocialização se dá por dois processos. Primeiro, dá-se pela recognição,
que são as mudanças nas nossas formas de pensar, de compreender a nós mesmos, aos outros, a
natureza, a cultura, as instituições sociais, enfim, de ressignificar o mundo, possibilitando a
desconstrução de ideias anteriores e a construção de outra compreensão dos assuntos e
problemas. O outro processo pelo qual se dá a ressocialização é a reinvenção, ou seja, as
mudanças nas emoções, nas formas de agir, no gosto de viver e conviver.
Sendo assim, a aprendizagem acontece a partir do confronto entre as diferentes formas
de pensar, emocionar-se e agir, no diálogo, na escuta, na comparação entre as ideias, saberes e
valores, construindo novos saberes e sentires, que busquem contribuir para a humanidade do
ser humano.
Uma educação para a humanização, portanto, supõe a promoção de um processo
educativo que possibilita ao sujeito se constituir enquanto ser social responsável, autônomo e
113
criativo; capaz de refletir sobre sua atividade e seu mundo. Consequentemente, demanda uma
ação cultural, de construções pessoais, interativas e sociais de modo de ser, de viver, de pensar,
sentir e agir dentro dos limites e possibilidades da sociedade em que se encontra.Assim, A educação, neste caso, passa a ser compreendida como atividades culturais para o desenvolvimento da cultura, promovendo suas positividades e ajudando a superar suas negatividades na direção da construção da humanidade de todos os seres humanos em todos os quadrantes da Terra. (SOUZA, 2009, p. 121).
As pessoas se educam e se humanizam construindo processos identitários, pelo
reconhecimento e pelas interações entre suas diferenças. Cada pessoa se constitui,
propriamente, como ser humano na medida em que aprende as culturas que constituem e
atravessam o contexto social em que vivem, ou seja, um processo humanizador e histórico que
faz o entrecruzamento do conhecimento da vida com o conhecimento sistematizado, como
salienta Paulo Freire (1978, p. 78):
A educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar e
Educação problematizadora consiste de caráter autenticamente reflexivo, implica num constate ato de desvelamento da realidade.
Nesse sentido, a educação é um processo que permite ao ser humano a produção de si
mesmo, na medida em que está presente a mediação e a ajuda do outro, possibilitando a
construção da pessoa humana enquanto ser social e singular. Para Alder Júlio Calado (2000),
deve associar e articular a realidade social para além das leituras científicas do mundo,
dialogando com o que forma o ser humano, suas subjetividades, seus desejos e inteligências,
numa relação entre Para isso, conhecimentos e saberes são utilizados
como elementos construtores da humanidade, ao mesmo tempo em que são construídos por ela,
a partir de diferentes instituições, processos culturais, sociais e educativos escolares e não
escolares 63.
Assim, a EP se efetiva a partir das dimensões do processo educativo, como uma opção
que
63 A terminologia formal/não formal/informal, de origem anglo-saxônica, foi introduzida a partir dos anos de
1960, é popularizada, a partir da Conferência sobre a Crise Mundial da Educação (1967), organizada pela UNESCO sob a direção de P. H. Coombs. Esta partição do universo educativo, bem como a sua delimitação terminológica, assim configurada desde a referida Conferência, prolonga-se até aos dias de hoje não de forma exclusiva ou consensual, mas ainda assim abundantemente referenciada quer no âmbito acadêmico, quer nos domínios político ou especificamente educativo.
114
surge da conjunção dialética de vários fatores sociais (econômicos-ideologicos) e pedagógicos inserida na práxis cotidiana de sujeitos coletivos e da escolarização popular. A Educação Popular se compreende como dinamizadora do aspecto organizativo pelo potenciamento da dimensão educativa própria não só das ações sociais, mas também do processo didático escolar. (SOUZA, 2004, p.169)
A necessidade de uma coexistência entre essas dimensões da Educação é enfatizada no
integração e complementaridade das práticas educativas destas diversas áreas, considerando o
Embora historicamente, o termo educação não formal esteja sendo utilizado, para
nomear práticas fora do âmbito das escolas, essa nomeação pode constituir um importante
limitador para a análise das inúmeras iniciativas de educação do campo e sua relação com o
complexo contexto atual, visto que muitas dessas práticas ocorrem como complementares a
educação escolar. Portanto, neste trabalho utilizaremos os termos escolar e não escolar para
nos referirmos aos processos educativos desenvolvidos pela escola, e os que são realizados por
outras instituições.
Essa concepção ampla de Educação foi se constituindo na América Latina e no Brasil,
no final do século XIX, e se firmou no século XX, conjuntamente com a adjetivação de
popular. Ocorreu principalmente a partir dos anos de 1960 e se expandiu a partir dos anos de
1980, delimitando sua singularidade de história e princípios:
A conotação popular converge na direção que identifica a opção filosófica, política, econômica, cultural de estar em sociedade como opção conscientemente crítica. Emerge como educação popular pelo principio de emancipação e propaga-se como projeto social em defesa da libertação humana (ROSAS, 2008, p. 102).
Essa denominação de popular se constitui como resultante dos processos socioculturais
e políticos das lutas das organizações populares, como expressão da resistência às estruturas de
dominação e, principalmente, das diferentes práticas educativas desenvolvidas em diferentes
campesino e posteriormente urbano, da experiência com produção artesanal à industrial. Nasce
103).
115
Na constituição desse conceito nos deparamos segundo Alder Júlio Calado (2000, p.14),
stratégias de dominação de um
lado, e, do outro, as diferentes manifestações de protagonismo dos Movimentos Sociais
conceito tenha apresentado diferentes significados, a partir do projeto de modernidade, o
popular vem sempre vinculado ao termo povo, muitas vezes entendido genericamente como
cidadãos ou população. Contudo, dentro do debate do campo popular, esse conceito assume
outra compreensão.
Segundo Oscar Jara (2009), o termo Povo é compreendido dentro de duas perspectivas:
como os que sofrem na sociedade as assimetrias de qualquer tipo: opressão,
povo político
classe popular, no momento que se articulam, se organizam e se põem em movimento contra a
interdição, a opressão e a segregação, porque sabem ser segregados e possuem, como diz
Paulo Freire (1978), potencial de (re)fundação social.
A discussão sobre o popular e sua vinculação com a educação leva também a uma
reflexão sobre as classes populares64, os movimentos sociais e a constituição do Campo
Popular, que, para Conceição Paludo (2009), são forças políticas e culturais contra-
hegemônicas que se articulam, conformando campos sociais, que guardam relação com a esfera
suas ações numa perspectiva de transformação social.
João Francisco de Souza (1999, p. 75) vincula o popular aos movimentos sociais, que
expressam correntes de opiniões capazes de firmar interesses contrários aos dominantes. O
autor conceitua os movimentos sociais como
grupos de pessoas com posicionamentos políticos e cognitivos similares, que se sentem parte de um conjunto, além de se perceberem como força social capaz de formar interesses frente a posicionamentos contrários de outros grupos. Pessoas que agem, afirmam posições e se sentem vinculadas. Expressam-se como correntes de opiniões sobre diversos campos da existência individual e coletiva, sobretudo dos segmentos sociais explorados, oprimidos e subordinados que passam a competir no mercado das idéias e no sentimento de pertenças (...) são força social atuante que se manifesta através de organizações e grupos de diversas e divergentes naturezas, amplitude e vigor.
64 Na conceituação de Wanderley (1987), classes populares no plural, compreende o operariado industrial, os
trabalhadores em geral, os desempregados, os indígenas, o campesinato, os funcionários públicos.
116
Portanto, os movimentos sociais começam a ser entendidos também como práticas
sociopolíticas e culturais da sociedade civil que visam à realização de seus projetos por uma
vida melhor (SCHERRER-WARREN, 1998), por conseguinte, sujeitos coletivos que se
articulam a partir de identidades pessoais e coletivas, na luta pelo reconhecimento de seus
direitos e pela afirmação de sua cidadania.
Nessa perspectiva, Povo, nesse contexto, longe de significar uma homogeneização
social, significa a diversidade dos explorados e interditados dentro de uma formação social. Na
, para nos referirmos aos
que produzem e reproduzem sua vida numa relação direta com a terra, a floresta e as águas, e
sofrem algum tipo de assimetria no campo brasileiro.
Para Oscar Jara (2009), o popular faz referência a um processo que busca superar as
struir relações eqüitativas,
justas, respeitosas da diversidade e da igualdade de direitos na busca do desenvolvimento pleno
Dessa forma, a construção da Educação Popular no Brasil, inclusive conceitualmente,
será marcada pelas contradições dos processos sociais e históricos e, principalmente pela
ressiginificação que ocorre no denominado Campo Popular, no que se refere ao papel dos
movimentos sociais populares dentro da sociedade, na sua relação com o Estado e nas
finalidades da Educação para o fortalecimento do protagonismo das classes populares dentro de
cada contexto histórico.
realidade. Realmente instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e
106). Assumindo, uma concepção epistemológica que compreende o ser humano como sujeito
epistêmico, interativo, singular, constituído e constitutivo das relações sociais e culturais.
3.2 A constituição do Campo Popular e da Educação Popular: o aprendizado da liberdade
Um significativo tempo de construção da teoria e prática da Educação Popular teve nos
movimentos de cultura popular e de educação de adultos instrumentos de transformação social
e conscientização dos trabalhadores enquanto classe social e em Paulo Freire, o seu principal
referencial. O processo de formulação da concepção da Educação Popular começa no início dos
anos de 1960, tecidos inicialmente fora dos muros escolares, como o Movimento de Educação e
117
Cultura Popular, que foi precursor da visão crítica da escola e da educação intercultural no
Brasil (CARVALHO, 2004).
O marco dessa redefinição é o II Congresso Nacional de Educação de Adultos realizado
em julho de 1958 no Rio de Janeiro, que tinha como uma das finalidades uma avaliação por
parte dos profissionais da educação do que estava acontecendo no país com relação à educação
de adultos, visando ao seu aperfeiçoamento.
A multiplicidade de posições ideológicas defendidas pelos participantes começa a se
expressar a partir dos Seminários Regionais Preparatórios, quando começam a surgir novas
ideias da educação de adultos como instrumento de transformação social, cuja proposta foi
configurada no Seminário Regional de Pernambuco.
Nesse seminário, um documento foi organizado por uma pequena equipe da qual
participava Paulo Freire, que apresentou um documento intitulado: A Educação de Adultos e as
Populações Marginais: mocambos, chamando a atenção para as causas sociais do
analfabetismo e a importância de sua eliminação. Observa que, para isso, se faz necessário
partir do contexto no qual se realiza o processo educativo, pois, conforme o documento:
ínseca ao processo educativo, que não o permite reduzir-se a um simples processo intelectual, exige dele uma concordância com o contorno histórico-social da sociedade a que se pretende aplicar. (...) Conhecida, tão criticamente quanto possível esta realidade, em mudança constante, passará o processo educativo a trabalhá-la. (...), é fator também de mudança enquanto pode criar novas disposições mentais no homem, capazes de inseri-lo melhor na contextura histórico-cultural. Novas disposições mentais que lhe dêem, sobretudo, a possibilidade de melhor compreender a sua situação neste contexto. (FREIRE, 1958, p. 2).
A educação de adultos é uma referência para a constituição dos movimentos
pedagógicos que vão se estruturar a partir de então. De acordo com Vanilda Paiva (1985, p.
210-211), esse Congresso marca
O início da transformação do pensamento pedagógico brasileiro, com o
elaboração das idéias pedagógicas. Além disso, ele serviu também como estímulo ao desenvolvimento de idéias e novos métodos educativos para adultos. (...) nele predominou a posição do grupo mais favorável à participação política, através das bases eleitorais e à aceitação de que os problemas brasileiros se resolveriam através do aceleramento do processo de desenvolvimento e da mudança social que deveria acompanhá-lo.
118
O documento da equipe de Pernambuco trazia novos conceitos antropológicos com
relação aos adultos, à necessidade de uma maior eficiência tecnológica e metodológica no
ensino e, principalmente, pela reflexão sobre o social no pensamento educacional. Assim, o
reduzir-se a um mero trabalho de alfabetização, ou de simples suplementação ou
seja, precisava preparar
desenvolvimento, por isso
Afasta ou invalida, de saída, qualquer trabalho educativo que se faça sobre ou para o homem. De fato, a consciência crítica de processo em que nos achamos, nos chegará na medida em que trabalharem conosco e não sobre nós. Conosco e com nossa realidade, mergulhados nela. E o trabalho educativo numa democracia, parece-nos, dever ser eminentemente um trabalho com Nunca um trabalho verticalmente sobre ou assistencialisticamente para o homem (FREIRE, 1958, p. 3 grifos do autor)
No interior desse Congresso, conforme Vanilda Paiva (1985, p. 209), é possível
identificar quatro posições diferentes, assumidas pelos educadores presentes:
a) a posição que entende a educação de adultos como instrumento que previne a
subversão (...);
b) a posição que vê a educação como um risco para evitar perturbações sociais, que
poderiam ocorrer com uma alfabetização em massa da população rural, sem as
medidas efetivas para sua fixação no campo;
c) a posição que vê a erradicação do analfabetismo, a fim de que houvesse uma
verdadeira democracia; e
d) a posição que vê a educação como instrumento de transformação social e construção
da sociedade futura, sob a influência do nacionalismo.
Segundo a autora, as disputas existentes dentro e fora do II Congresso não
possibilitaram que medidas governamentais concretas fossem tomadas na direção dessa
concepção. No entanto, mudanças significativas começam a acontecer no Campo Popular no
119
Os Movimentos Educativos Populares: a sementeira da Educação Popular
A contribuição dos movimentos educativos populares tecida inicialmente fora dos
muros escolares, como movimentos de Cultura Popular, nos Círculos de Cultura, como uma
ser compreendidas também como estratégias de luta para a sobrevivência e libertação das
camadas populares, que vão influenciar o surgimento de diversos movimentos de Educação
Popular (CPC65, MCP66, MEB67, De Pé no Chão também se aprende a ler68); e movimentos da
ação católica (JAC, JEC, JIC, JOC, JUC)69, na proposta da Pedagogia da Alternância70, que
se desenvolvia no país desde o final dos anos de 1960 e no surgimento das primeiras
organizações camponesas (Ligas Camponesas, ULTAB, MASTER).
Os movimentos ligados à Igreja Católica71 foram construídos sob a influência do
Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, baseados no pensamento teológico de
Jacques Maritain e no personalismo de Emmanuel Mounier e Teilhard de Chardin, com uma
forte participação de leigos engajados nos movimentos populares da Educação.
A partir da organização do laicato jovem para intervenção na realidade, esses
movimentos desenvolvem uma metodologia conhecida como Revisão de Vida, cujo método
VER-JULGAR-AGIR, desenvolve-se em três momentos: partir da realidade, da vida dos
jovens (ver), confrontar os desafios levantados pela realidade com a fé (julgar) e partir para
uma ação transformadora do meio (agir). Tal metodologia enfatiza a Formação na Ação, a
65 Os Centros Populares de Cultura, vinculados à União Nacional dos Estudantes, foram criados em abril de
1961. Cujo foco de ação era o trabalho com cultura e alfabetização. 66 O Movimento de Cultura Popular, criado em maio de 1960, era vinculado à prefeitura do Recife, com trabalho
na área de cultura, formação profissional, alfabetização, esportes e atividades para adolescentes e educação infantil.
67 O Movimento de Educação de Base, criada pela CNBB, em 1961, atuava com uma rede de escolas radiofônicas para alfabetização e escolarização.
68 A Campanha de Pé no Chão também se aprende a ler, criada em fevereiro de 1961, pela Secretaria Municipal de Educação de Natal, resultou da própria evolução da rede escolar municipal, por meio da ampliação da escolarização com as crianças, jovens e adultos.
69 Os grupos da Ação Católica Especializada - JAC (Juventude Agrária Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica), JIC (Juventude Independente Católica), JOC (Juventude Operária Católica) e a JUC (Juventude Universitária Católica).
70 A Pedagogia da Alternância é considerada por Claude Gimonet (2007) como a pedagogia da complexidade e cooperação porque busca articular a formação, integrando dois espaços: a escola e a família/comunidade e conta para isto com vários atores, não se restringindo à ação educativa apenas para alunos e professores(as) em sala, mas com pais, profissionais do meio, lideranças das comunidades, etc...
71 A Ação católica especializada deve muito ao Pe. Cardjin que, trabalhando com jovens operários na periferia de Bruxelas, formulou os alicerces para o trabalho, como, por exemplo, o laicato como elemento fundamental para a organização, uma formação na ação e não apenas teórica, uma fé vivida no engajamento social e pedagogias para despertar o espírito crítico.
120
organização de pequenos grupos em cada comunidade, escola ou local de trabalho, na seleção
dos conteúdos da formação a partir da realidade social dos jovens e afirmação de uma prática
transformadora.
Esse trabalho formativo contribuiu para abrir caminhos no engajamento da Igreja em
questões políticas e sociais e na formação das lideranças jovens que se inseriram nas lutas
estudantis, sindicais e políticas desse período e posterior a ele.
Essa experiência resultou em várias práticas educativas no campo que, hoje, com suas
devidas reformulações, utilizam metodologias similares no sentido de partir da realidade,
aprofundar o conhecimento e ter uma ação transformadora na realidade, tendo esta como
elemento central dos conteúdos a serem trabalhados na formação.
Outra iniciativa educativa vinculada à Igreja foi à desenvolvida pelo Movimento de
Educação de Base MEB, que desenvolveu uma metodologia através de uma rede radiofônica
descrita como
O sistema composto de professores, supervisores, locutores e pessoal de apoio que se encarregavam da preparação dos programas transmitidos pelas emissoras das dioceses e acompanhados pelos monitores da própria comunidade, formados pelo MEB para orientar os alunos sob as aulas transmitidas pelo rádio. (PAIVA, 1985, p.112).
O trabalho educativo tinha como finalidade a conscientização e mudança de atitudes.
Por isso, extrapolava a escola radiofônica, atuando nas comunidades rurais, principalmente com
a participação na sindicalização rural com trabalho nas escolas rurais e nas paróquias para
formação de lideranças rurais apoiadas pela Campanha Nacional de Educação Rural - CNER72.
Uma das formas mais ricas de trabalho pedagógico desenvolvido foi a Animação
Popular, baseada numa experiência do Senegal, que consistia em encontros das comunidades
para reflexão política, aprofundamento das discussões e ação para a transformação de situações
vividas pela comunidade.
Assim, fomentou-se uma base coletivo-associativa, a partir da realização de mutirões de
trabalho, festas, mobilizações por educação e saúde, teatros populares, produção artesanal,
fortalecimento dos grupos e manifestações folclóricas da comunidade etc., formando lideranças
que passavam a coordenar os trabalhos em cada comunidade. O MEB foi um dos programas
72 Campanha Nacional de Educação Rural, criada em 1952, com o objetivo de investigar e pesquisar as
condições econômicas, sociais e culturais do campo, preparar técnicos para realizar educação de base ou fundamental no campo, por meio dos centros de treinamento de lideres rurais, os centros sociais rurais, as missões rurais e as semanas educativas. Sua tônica era o desenvolvimento comunitário.
121
que não se extinguiu com o golpe militar em 1964, embora tenha sofrido diminuição em suas
atividades e alterações na sua coordenação e concepção político-pedagógica.
A concepção da educação como emancipação humana, de uma educação do povo e não
para o povo, o resgate dos valores culturais, a comunicação, a criatividade, o estímulo a
participação e criticidade foram princípios construídos com essas diferentes práticas educativas,
e que constituíram as sementes da concepção da Educação Popular.
As primeiras organizações camponesas: a semente da organização de classe
A aceleração do processo desenvolvimentista a partir da década de 1950 acarreta
mudanças econômicas e sociais, aprofundando a situação de miséria, em que vivia a população
do campo. O aumento dos trabalhadores (as) assalariados, sem direitos trabalhistas, a relação
tutelada dos moradores com os fazendeiros da cana de açúcar e do café, o aumento da migração
em busca de terras e a influência do pensamento socialista e cristão fizeram surgir as primeiras
organizações camponesas.
O Movimento dos Agricultores Sem Terra (Máster) foi a primeira organização a surgir
no campo, em 1950, no Rio Grande do Sul, a partir da resistência de 300 famílias de posseiros,
pela permanência na terra. Inovava com relação às formas de luta, pois executava a ocupação
de terras, formando acampamentos e organizando estratégias de defesa, dentro das terras dos
latifundiários, em áreas previamente escolhidas.
A União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB) foi criada sob
a influência dos comunistas no campo brasileiro. A entidade foi fundada na II Conferência
Nacional em São Paulo, em 1954, com o objetivo de criar as organizações locais nas
comunidades rurais e a sindicalização rural, assumindo como bandeiras de lutas: direitos civis e
políticos dos camponeses, direito dos assalariados rurais, luta pela reforma agrária e luta pela
soberania nacional.
As Ligas Camponesas têm sua referência de criação na luta empreendida por moradores
do Engenho Galileia em Pernambuco, em 1955, que se tornou uma das maiores referências da
luta camponesa na região Nordeste. Faziam um trabalho de denúncia, agitação, resistência na
terra e mobilizações, utilizando de diferentes estratégias para organizar e formar os
trabalhadores: conversas na feira, na missa, nos locais de trabalho, boletins, cordéis etc. e,
dentre as reivindicações das Ligas, a escola já aparecia como um direito importante para os
trabalhadores (as) do campo.
A existência das Ligas Camponesas, da ULTAB, do Master e a influência do PCB e da
122
Ação Popular- AP73 fizeram com que a organização dos trabalhadores (as) rurais nas ligas
camponesas e nos sindicatos fosse acelerada, as bandeiras de lutas atualizadas e ampliadas e
estabelecidas linhas de ação comum. O processo de articulação entre essas três organizações
em torno de lutas comuns, apesar das diferentes correntes de pensamento existentes em cada
uma delas, culminou como Congresso Nacional para criação da Confederação, o que ocorreu
em 22 de dezembro de 1963, com a participação de trabalhadores rurais de 18 estados. Nesse
torna-se a primeira entidade sindical camponesa de caráter nacional.
Ajustou em seu interior diversas concepções e correntes de pensamentos, setores da Igreja,
CONTAG).
Essas diferentes iniciativas políticas e educativas vão ser o celeiro para a formulação de
uma nova concepção de Educação Popular, reforçando a afirmação de João Francisco de
SOUZA (1999), no sentido de que os movimentos sociais populares que surgiram neste período
representam um encontro cultural entre intelectuais e populares, à medida que são resultados
dos processos de dominação existentes na sociedade e a organização de grupos de reflexão, da
ação cultural, de ajuda mútua, de reinvidicação, construindo, assim, uma concepção que é
política e pedagógica da Educação Popular, como uma prática educativa vinculada aos
movimentos sociais na perspectiva da transformação social.
Portanto, a Educação Popular se constrói na relação com os movimentos sociais,
realizados por setores mobilizados da sociedade civil, tendo como sujeitos mulheres e homens,
jovens e adultos, das classes populares, é impulsionadora e resultante da luta destes
movimentos por vida digna e justiça social.
3.3 A interdição do Campo Popular e da Educação Popular: o aprendizado da
perseverança
O golpe de 1964, que implantou o Estado da força e da repressão institucionalizada,
violentou a concepção de educação que vinha se desenhando no Brasil a partir das diferentes
iniciativas pedagógicas e políticas organizadas pela sociedade civil, com o fechamento dos
canais de participação e representação, impondo limites e controle ao acesso dos segmentos
73 Foi formada em Belo Horizonte (MG), em 1962, a partir de grupos de operários e estudantes ligados à Igreja
Católica: a Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude estudantil Católica (JEC). Deslocou militantes para a área rural do nordeste para realização de trabalho de formação política e alfabetização junto aos camponeses.
123
populares aos bens educacionais e sociais. Educadores (as) comprometidos(as) e lideranças
foram perseguidos e exilados, as Universidades sofreram intervenções e os movimentos
populares foram desarticulados e extintos.
perigo para a estabilidade do regime, para a preservação da o
p. 259). Nesse sentido, desencadearam-se forte repressão sobre as organizações populares,
movimentos de Educação Popular, de intelectuais e estudantes, deixando-se de lado durante os
dois primeiros anos do governo militar qualquer iniciativa no campo da educação de adultos.
As ações de alfabetização começam a ser retomadas apenas em 1966, a partir da pressão
exercida pela UNESCO, com relação ao problema do analfabetismo e suas implicações para o
desenvolvimento do País.
O contexto político da ditadura militar, marcado pela forte repressão contra os
educadores (as) populares, as organizações políticas e, especificamente, as organizações
camponesas, aliadas à concepção tecnicista que se instala na educação e um pessimismo
pedagógico, resultado de certa leitura das teorias da reprodução74, fazem com que as iniciativas
de resistência à ditadura militar, com formação de grupos de educação de adultos, de formação
sindical e popular, ocorram principalmente a partir da Igreja e das organizações não
governamentais.
A Conferência dos bispos da Igreja Católica em Medellín, em 1968, formula a Teologia
da Libertação, expressão genuína da igreja na América Latina, que retoma nos seus
fundamentos e princípios pedagógicos a Educação Popular, iniciando em várias partes do País
um trabalho de formação de lideranças e organização de comunidades eclesiais de base que vão
ser a semente de muitas organizações operárias e camponesas, de resistência às ditaduras
implantadas na maioria dos países latinos americanos.
Desse processo, surgem as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs e as diversas
pastorais, sempre ligadas aos grupos sociais minoritários, a saber: Pastoral da Terra, do Menor,
da Mulher Marginalizada, da Criança, da Juventude, Migrantes, dentre as quais destacamos a
Comissão Pastoral da Terra- CPT, que iniciou seu trabalho pastoral em 1975, na organização
dos camponeses para resistir na terra e lutar pela Reforma Agrária. O trabalho comunitário e de
pequenos grupos foi a estratégia adotada durante muitos anos para resistir e formar novas
74 As teorias da reprodução em educação (Althusser, Bourdieu e Passeron) ganharam nos espaços educativos
uma leitura superficial e restrita a alguns conceitos, o que levou muitos educadores(as) a não apostarem na escola enquanto um espaço de construção de um sujeito crítico e transformador.
124
lideranças durante a fase da ditadura. Eram organizações quase clandestinas em grande parte
fomentadas ou apoiadas pela Igreja.
A Educação Popular buscou novos caminhos, atuando às margens das práticas oficiais
implementadas pelo governo militar e, com isso, desenvolveu também um sistema alternativo e
paralelo ao Estado, centrado principalmente na Educação de Adultos. E é dentro desse
contexto, inclusive, que se organizam as Escolas da Pedagogia da Alternância no final da
década de 1960. Trataremos dessa Pedagogia no capítulo quatro deste trabalho. Dessa ótica,
não pode ser realizada pelo
Estado, que, afinal, aparece como inimigo, na medida em que se dá por suposto uma perfeita
identidade entre ele e as classes dominantes, entre ele e o capital (PAIVA, 1985, p. 82).
No final da década de 1970, diferentes análises tornam visíveis e publicizam a falácia
desse modelo desenvolvimentista, que tem como consequência as desigualdades regionais, a
pobreza crescente, a negação de liberdades individuais e coletivas, a concentração da riqueza.
A sociedade começa a reagir aos tempos de autoritarismo e repressão. Os movimentos sociais
assumem um caráter de luta pela democratização da sociedade, de conscientização popular e
reinvidicação dos direitos, fazendo com que os diferentes trabalhos situados no campo da
educação popular (educação política, formação de lideranças, alfabetização de adultos)
comecem a ser pensados dentro de uma análise crítica de sua relação com a educação escolar e
da formação para o trabalho.
Nesse período, esses movimentos buscavam autonomia perante o Estado autoritário
(1964-1985) marcado fortemente pela centralização das decisões e dos recursos financeiros,
negando-se as relações clientelistas e de tutela.
A Educação Popular que, nas décadas de 1960 e 1970, era tida como a prática que se
desenvolvia na educação não formal, especialmente, com adultos, concepção aprofundada pela
leitura da obra de Althusser de que a escola seria espaço de reprodução da ideologia do sistema,
em função do controle que o Estado exercia sobre a mesma e seus agentes.
A década de 1980, marcada pelo processo de democratização da sociedade, coloca a
escola como espaço de confronto e de disputa de interesses. A visão da prática educativa,
contribuindo para a resistência e a transformação, suscita o debate da escola como espaço
fundamental de proposição e prática da Educação Popular.
125
3.4 A ressignificação da Educação Popular: o aprendizado do direito e da autonomia
O início da abertura política e da redemocratização do país na década de 1980 vai
encontrar uma sociedade civil ávida por sua autonomia em relação ao Estado, com necessidade
de organizações de base, de mobilizações de massa para encher as ruas, praças e campo do
país.
O contexto nacional e internacional de implementação do projeto neoliberal, a
submissão do Brasil ao mercado global, o crescimento da pobreza e a concentração da riqueza
dentre outros aspectos vão provocar mudanças nas estratégias de intervenção social dos
que se refere às formas de lutas, aos paradigmas que norteavam os movimentos e aos desafios
da globalização.
Na década de 1980, esses movimentos começam a mudar a estratégia em sua relação
com o Estado. O tema da participação da sociedade civil nos espaços públicos de decisão ganha
força durante o processo de transição do regime autoritário para o democrático. Nesse
momento, buscava-se o direito ao voto, à organização e a se manifestar livremente. As lutas dos
movimentos sociais se intensificam durante o processo Constituinte, demandando, entre outras
questões, o reconhecimento dos direitos educacionais da população.
A implementação do projeto neoliberal mais aceleradamente nos anos 1990 traz uma
redução do papel do Estado nas políticas públicas, com a chamada Reforma de Estado, o que
impacta sobremaneira a democratização em curso e as estratégias vivenciadas pelos
movimentos sociais populares. Enquanto o liberalismo político clássico colocou a educação
entre os direitos do homem e do cidadão, o neoliberalismo, segundo Tomás Tadeu da Silva
(1995, p.21), promoveu a regressão da esfera pública, na medida em que aborda a escola no
âmbito do mercado e das técnicas de gerenciamento, esvaziando, assim, o conteúdo político da
cidadania, substituindo-o pelos direitos do consumidor.
Pode mesmo dizer-se que a construção dos modernos Estados-nação não prescindiu da
educação escolar na medida em que esta se assumiu como lugar privilegiado de transmissão (e
legitimação) de um projeto societal integrador e homogeneizador, isto é, um projeto que
pretendeu sobrepor-se às múltiplas subjetividades e identidades culturais, raciais, linguísticas e
religiosas originárias. Boaventura Souza Santos (2001, p. 26), a esse propósito, afirma:
126
Os Estados-Nação têm tradicionalmente desempenhado um papel algo ambíguo. Enquanto, externamente, têm sido os arautos da diversidade cultural, da autenticidade da cultura nacional, internamente, têm promovido a homogeneização e a uniformidade, esmagando a rica variedade de culturas locais existentes no território nacional, através do poder da polícia, do direito, do sistema educacional ou dos meios de comunicação social, e na maior parte das vezes por todos eles em conjunto.
No Campo Popular, começamos a perceber que existem diferentes formas de opressão e
subordinação dos seres humanos, que a classe é uma delas e que, mesmo a classe trabalhadora
do campo, não possuía uma única fisionomia, era plural, heterogênea na forma de produzir e
essa idéia, ao demonstrar a possibilidade prática da pluralidade de sujeitos em lutas por
impactos da globalização neoliberal, a emergência de temáticas relacionadas ao meio ambiente,
à questão de gênero, geração, raça/etnia e o surgimento de novos movimentos sociais quebram
a homogeneidade de uma leitura política centrada num sujeito único da transformação social e
a percepção de que existem diferentes formas de opressão e subordinação dos seres humanos,
sendo a classe uma delas. Portanto, a classe trabalhadora tem uma identidade plural,
movimentos sociais, no Brasil e no Mundo, derrotou essa idéia, ao demonstrar a possibilidade
prática da pluralidade de sujeitos em lutas por transformações em campos diferenciados da vida
reinvidicação, mobilização e denúncia à proposição e participação no controle e gestão social
das políticas públicas.
Num processo de conflito, disputa e negociação permanentes, os movimentos sociais
perspectiva de pensar o projeto político de transformação.
Para Conceição Paludo (2001), a estratégia geral do campo popular foi a construção do
poder popular e, nesse sentido, o grande aprendizado da década de 1990 foi a compreensão de
que não é mais possível concentrar todos os esforços num único movimento (...) dada a pluralidade de sujeitos que compõem esse campo, com suas diversas práticas dos movimentos organizados verticalmente, aos pequenos grupos, as redes e outras formas (...) e, portanto o grande desafio é articular esta pluralidade de métodos, ou formas organizativas e opções de intervenção política que fizeram avançar na formulação de um projeto futuro que parece tomar a forma de um novo projeto para o Brasil, buscando ampliar ainda mais
127
esse campo a partir do estabelecimento de identificações em referenciais mais gerais, tanto teórico-político quanto de valores, capazes de nessa pluralidade, sedimentar um sentido comum de direção. (PALUDO, 2001, p. 204).
Nessa perspectiva, Paulo Freire (2008) é bastante enfático ao salientar a necessidade da
unidade na diversidade dos que possuem, entre si, diferenças não antagônicas. É preciso que os
diferentes ultrapassem o seu grupo e compreendam que a unidade é fundamental para a
transformação radical do sistema que causa e intensifica, por exemplo, o machismo e o
(FREIRE,
2008, p. 69).
A redemocratização da sociedade, a partir dos anos de 1980, coloca do ponto de vista
organizativo outro elemento que é o surgimento dos Centros de Educação Popular, ou entidades
de apoio, constituídos em sua maioria por militantes cristãos, estudantes, intelectuais, que
buscaram resgatar a concepção de Educação Popular gestada nos trabalhos da década anterior,
com a finalidade de assessorar o movimento sindical e popular que começava a se rearticular
no país.
A institucionalização das Organizações Não Governamentais
ser denominadas de terceiro setor, e se situam pretensamente entre o Estado (primeiro setor) e o
Mercado (segundo setor), será a principal instituição a partir da década de 1980 no trabalho da
Educação Popular.
Mesmo nas ONGs que tiveram uma origem vinculada aos movimentos sociais, nem
sempre a direção política vinculou-se às suas decisões, visto que, enquanto para os movimentos
sociais a essência de sua existência é a da militância, para as ONGs, o cerne de suas realizações
é o trabalho. No entanto, sempre tivemos organizações que assumiram a assessoria dos
movimentos sociais na formação dos trabalhadores (as) e no desenvolvimento de atividades
técnicas.
inclusive para implementar políticas governamentais, numa relação financeira e política direta
com o Estado, buscando construir convênios junto ao poder público e/ou privado e conseguindo
subsídios financeiros e/ou operacionais, a fim de implementar suas propostas de ações.
Em alguns casos são apoiadas por outras ONGs, gerando assim uma rede social que tem
como compromisso encontrar soluções para os problemas da sociedade. Como apresenta Glória
128
Gohn (2006, p. 315), as ONGs saíram da sombra, deixaram de ser meros suportes técnicos em
orientações tidas como pedagógicas e financeiras às lideranças.
Nesse sentido, há uma presença significativa das organizações não governamentais na
rede da Educação do Campo, no trabalho de assessoria ao poder público, na produção de
materiais didáticos, no acompanhamento e coordenação de programas governamentais de
escolarização e no desenvolvimento de ações complementares à escola.
Na EP os anos de 1980 trazem a perspectiva de atuação dentro do sistema educacional.
A escola pública torna-se um espaço importante para o desenvolvimento da teoria e prática da
educação popular. Essa questão foi objeto de debates intensos entre os teóricos da EP que se
posicionavam favoráveis ou contrários a essa área de atuação.
Uma primeira visão identificava a educação popular, prioritariamente, como o conjunto
das práticas educativas vinculadas aos movimentos sociais de base, que fortaleceriam as classes
populares como o sujeito do poder popular na luta pela hegemonia.
Dentro desta visão, identificamos a produção de Silva Manfredi (1987), que defende a
Educação Popular como aquela que se associa as lutas situadas na esfera da sociedade civil,
portanto, que não passe pela normatização do Estado e de seus signos ideológicos. Dessa
forma, a Educação Popular só poderia ser desenvolvida nos espaços dos movimentos sociais e
das organizações da sociedade civil
Por outro lado, o sistema escolar tem como sujeito precípuo o Estado, tradicionalmente
estruturado e controlado pelas classes dominantes:
Se aceitarmos as premissas gramscianas de que a maior parte dos organismos culturais, principalmente a escola, assegura a transmissão de uma concepção de mundo que permite a hegemonia da classe dominante sobre as demais classes, e que a concepção de mundo das classes subalternas é por essência heteróclita (pois constitui um amálgama de concepções de mundo da qual também, e, principalmente, fazem parte elementos da ideologia dominante), uma prática educativa que pretenda ser um veículo de contra ideologia deveria caracterizar-se por ser uma prática independente e autônoma do ponto de vista ideológico. (MANFREDI, 1987, p. 55).
Esse argumento é reforçado pelos teóricos vinculados à teoria crítico-social dos
conteúdos, ao colocar que a Educação Popular realçava excessivamente as metodologias em
sala de aula, as relações democráticas e o universo cultural dos educandos(as), não
considerando apropriadamente a importância do conteúdo curricular.
129
Portanto, não era adequada como teoria para a educação escolar, pois esvaziaria a escola
de sua finalidade, a de transmitir um saber sistematizado de qualidade, por enfatizar não a
aquisição do conhecimento, mas os métodos de sua aquisição.
A simplificação desses argumentos fez com que o embate teórico, político e
epistemológico, inicialmente, não avançasse na formulação de teorias pedagógicas para as
escolas destinadas às camadas populares do Campo, das cidades do interior e das periferias
urbanas. Tais argumentações apontam para uma desvalorização da escolarização universal e
gratuita como uma conquista dos trabalhadores e passa a ser vista apenas como espaço de
preparação da formação de trabalho para o capital e de reprodução ideológica das classes
dominantes.
Posicionamento diferente encontramos, dentre outros autores, em Vanilda Paiva (1987),
cuja análise desenha-se em torno de uma crítica a essa postura. Recolocando a problemática da
relação Estado e Educação Popular, compartilha não somente da dúvida sobre os pressupostos
que subjazem à rejeição do Estado como uma região possível de promoção da EP, como
também colabora para tecer teoricamente a produção de um deslocamento e de uma fissura na
centralidade mesma do significado da expressão Educação Popular. Vejamos essa questão nas
palavras da própria autora:
Tendemos hoje a considerar a educação popular, definida como aquela que atende aos interesses das classes populares, é uma educação que se passa fora do sistema formal de ensino, sendo portanto basicamente educação de adultos (seja aquela que visa à aprendizagem de conteúdos específicos diversos, vinculados aos anseios e iniciativas da população e à sua educação política, seja a que se realiza através de diferentes formas de luta social: luta pela terra, pelos terrenos urbanos para habitação, luta sindical, etc.). Acredito que boa parte dos presentes incluindo-me entre eles estaria de acordo em privilegiar esta forma de educação popular, ou seja, aquela que ocorre no bojo do movimento popular. Isto, porém, não nos deve impedir de ver que a educação popular não se restringe a ela, mas engloba toda a educação que se destina às classes populares: a que se vincula ao movimento popular de forma direta, mas também a que é organizada pelo Estado, incluindo-se aí o ensino através do sistema de educação formal destinadas aos jovens e adultos e também a população em idade escolar. (PAIVA, 1987, p.80).
Assim, dizer que a Educação Popular não cabe na escola é pouco. É preciso explicitar
em que escola de que sociedade ela não cabe. Dessa forma,
Admite-se e deseja-se, nestes novos tempos, que esta concepção de Educação popular não seja adequada exclusivamente para os espaços não-formais de educação. Aposta-se na sua capacidade de disputa na rede oficial de ensino, embora se admita que sua ressignificação e fecundidade sejam maiores nos
130
espaços não-formais, visto que muito mais liberta das amarras que prendem os espaços formais e porque exercida por indivíduos que possuem por ela uma opção clara, o que não significa estar, como tudo na vida, isenta de contradições. Considera-se que esta tarefa é mais fácil de ser levada a efeito quando existem governos democráticos e populares, mas também quando eles existem, admite-se a possibilidade, desde que os sujeitos educadores queiram orient
subalternas. (PALUDO, 2001, p. 206-207).
O ponto de partida deve ser exatamente a crítica ao projeto educativo imposto pelo
interesse ideológico dominante, a contraposição a esse projeto e a configuração de uma escola
com os princípios e fundamentos da Educação Popular, transformando sujeitos que poderão
fazer opções humanas fundadas na autonomia, na liberdade, na democracia, na construção de
conhecimentos que favoreçam o seu engajamento nas ações e organizações de emancipação da
sociedade. Ou como nos coloca Conceição Paludo (2001, p. 76):
Situar a escola perpassada pela luta de classe remete a Gramsci e para além das teorias sociológicas funcionalistas e crítico-reprodutivistas das relações entre escola-sociedade, fazendo compreender que a educação é uma prática social que está inserida num contexto global, mas construída cotidianamente por pessoas concretas, com as leis e apesar das leis. Isto é a educação como prática social instituída, é um espaço importante de disputa de hegemonia, de produção individual e coletiva de significados e práticas que podem indicar para além da promoção de oportunidades individuais de melhoria de vida para alguns, apontando na direção da articulação da construção do saber escolar
(trabalho formal, informal e autônomo) e com a política, concretizando no cotidiano a formação do homem omnilateral e de uma concepção de mundo.
Moacir Gadotti (1982), por exemplo, acentua o fato de que o Estado não é somente
contraditório, mas complexo e plural. Graças a isso, ele se configura como uma instância
demandatária de políticas públicas de todas as ordens. Desse modo, a sociedade precisa
demandar e exercer o controle social adequadamente das políticas públicas em função de seus
interesses concretos. Nessa perspectiva, coloca o autor que
A educação popular implica não só a formação consciente do cidadão sua função conscientizadora mas também o fortalecimento das organizações do controle público, popular e comunitário sobre o Estado sua função organizadora. Só o controle político da sociedade civil, altamente organizada, sobre o Estado, pode garantir as conquistas democráticas na sociedade. (p. 65).
131
Nesse cenário de democratização das estruturas políticas e espaços públicos,
precisamos pensar o alcance e os limites de uma prática educativa que contribua para a
cidadania:
Não dá para dizer que a educação crie a cidadania de quem quer seja. Mas, sem a educação, é difícil construir a cidadania. A cidadania se cria com uma presença ativa, crítica, decidida, de todos nós com relação à coisa pública. Isso é dificílimo, mas é possível. A Educação não é a chave para a transformação, mas é indispensável. A Educação sozinha não faz, mas sem ela também não é feita a cidadania. (FREIRE, 1995, p. 74).
É nessa perspectiva que as lutas dos movimentos sociais populares começam a
incorporar em sua agenda a escola pública como fundamental para a afirmação de sua
cidadania e de sua constituição, enquanto sujeito social e político. Numa perspectiva posta por
Eliete Santiago (1990, p. 27), a escola
não se restringe ao estritamente escolar. Não se limita à abordagem interna da educação, mas estando integrada à finalidade social mais ampla, a de servir como um dos instrumentos úteis á transformação estrutural da sociedade, ao permitir que os filhos dos trabalhadores elaborem, ampliem, se apropriem e usem o conhecimento que lhes permitirá o acesso e o trânsito na sociedade, compreendendo-a.
No entanto, a Educação Popular como teoria e prática da Educação é mais do que a luta
pela cidadania, incorpora necessariamente a emancipação humana como finalidade da prática
educativa, é um instrumento para a transformação de todas as formas de assimetrias e opressão
dentro da sociedade de classe.
Assim, precisa ultrapassar os avanços significativos postos pela luta pela cidadania
como parte integrante da emancipação política, por isso mesmo deve ser superada não, porém
(...) como um momento histórico para além do capital, é que representa o espaço
indefinidam
2005, p.241).
Desse modo, a Educação Popular retoma vigência e sentido, porque é necessário
recuperar seu papel de contribuir para a emancipação humana, no sentido de construção de
autonomia, de uma nova sociabilidade na qual os seres humanos sejam realmente livres, e
tenham acesso a todas as produções materiais e imateriais que constituem o patrimônio da
humanidade para além das limitações e alienação imposta pelo capitalismo.
132
A Educação torna-se mediadora para a construção desta sociabilidade plenamente
emancipada, portanto, atravessada pelos antagonismos sociais da sociedade de classes em que
vivemos. Pois,
o ente para acabar com as classes sociais e decretar a inexistência de interesses antagônicos entre elas, como não tem forças para acabar com os conflitos e a luta entre elas. (...) A luta não nega a possibilidade de acordos, de acertos entre partes antagônicas. Os acordos fazem parte da igualmente da luta. (FREIRE, 2008, p.93).
Nessa itinerância que fizemos pela Educação Popular, percebemos que ela é, ao mesmo
tempo, frágil e múltipla, aparece em diferentes cenários, envolve sujeitos diversos sempre na
perspectiva de atores/autores sociais, pessoas humanas, que sonham aprender e conhecer o
mundo, e agir nele. Revisita, sem cessar, uma ideia posta por Paulo Freire (2008, p. 70-71):
partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer. superá-lo não é ficar nele.
O conhecimento do contexto histórico e social, em suas dimensões universais e
particulares, é requisito fundamental, pois o processo educativo se desenvolve em situações
concretas. A realidade e sua teorização se assentam, portanto na materialidade das formas de
produção e reprodução da vida, e a escola tem o papel de ajudar o sujeito a se apropriar,
sistematizar e ampliar estes conhecimentos.
O grande aprendizado da atualidade é de que o desafio histórico é construir algo novo, o
históricas,
-
construir as condições para que a essência da humanidade se materialize no cotidiano.
A Educação Popular fomentadora de uma práxis libertadora, oferece muitas reflexões
para repensar o mundo atual à luz do projeto de reconstrução da ação crítica libertadora. O
ponto de partida dessa tarefa reside no fato de que a exclusão e opressão social não
desapareceram. Muito pelo contrário, ampliaram seus quadros acrescentando a novos
contingentes populacionais as consequências de sua lógica perversa. Neste sentido,
133
não é a educação que forma para, mas são os diferentes sujeitos que vão criando uma nova educação, que se traduz em novas formas de relações sociais, na medida em que se inserem em processos, vivenciam e refletem sobre o realizado. O conhecimento dos próprios sujeitos, o conhecimento científico, os métodos de análise, a crítica e a auto-crítica, etc. são instrumentos através dos quais os educadores, os educandos, as lideranças, os dirigentes, enfim, os diferentes sujeitos estudam a realidade no seus múltiplos aspectos, buscando conhecê-la e transformá-la.(PALUDO, 2001, p. 189).
A Educação Popular, neste trabalho é vista como prática educativa e uma teoria da
educação, e vincula-se a uma multiplicidade de ações, que tem como princípios fundamentais:
A concepção do ser humano como sujeito construtor da história individual e coletiva;
A realidade tomada como conteúdo pedagógico básico da escola;
O papel das classes populares no processo de transformação da sua realidade;
A necessidade da organização, da articulação, construção de redes e fortalecimento do
protagonismo político;
A dimensão cultural como fundamental para uma leitura crítica da realidade;
A construção das identidades e a vivência da interculturalidade;
A dimensão ética como aporte para a vivência dos valores, do diálogo, da participação;
A dimensão psicoafetiva e a importância que tem o amor, a alegria, a afetividade e a
espiritualidade para a formação humana.
Portanto, a formação humana integral pressupõe necessariamente a emancipação
humana. Discutir a emancipação humana, como um dos constituintes da Educação Popular
(EP) requer explicitar as ideias em torno do projeto de libertação humana, que se inscreve na
perspectiva do materialismo histórico e dialético, sendo a liberdade uma luta pela humanização
e hominização e contra a coisificação por qualquer estrutura assimétrica de poder e saber.
A EP enquanto teoria e prática requer uma opção político-pedagógica dos sujeitos da
escola, por uma utopia orientadora do processo educativo, conforme MELO NETO (2004, p.
159):
Ser popular é tentar alternativas. É estar realizando o possível, mas que, ao se realizar, abre, contraditoriamente, novas possibilidades de utopias, cuja negação trata os elementos já efetivados e tentativas de novas realizações. (...) A utopia da democracia tem um valor permanente e deve ser vivida sem qualquer entrave. Precisamente, nos espaços da realização e da não realização, estas são suas contradições e dificuldades maiores. Entretanto, não podem transformar -se em agentes impeditivos da intransigente e radical busca por novas concretizações de sonhos de liberdade e de felicidade.
134
Emancipar-se só é possível, no contexto de sociedades democráticas, por exigir um
exercício anterior de noções como liberdade, igualdade, autonomia e desalienação, pois para
exercer a emancipação, é necessário viver em sociedade, usufruindo direitos civis, políticos e
sociais, nos âmbitos individual e coletivo, o que se desdobra em questões morais e éticas.
A partir destes princípios, adotamos o conceito de Educação Popular, conforme posta
por Paulo Freire (1995, p. 101-102) Como sendo aquela educação que:
a) substantivamente democrática não separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade; b) estimula a presença organizada das classes populares... no sentido da superação das injustiças sociais; c) respeita os educandos... e por isso mesmo leva em consideração seu saber de experiência feito, a partir do qual trabalha o conhecimento com o rigor de aproximação dos objetos; d) trabalha, incansavelmente, a boa qualidade do ensino; e) capacita suas professoras cientificamente à luz dos recentes achados em torno da aquisição da linguagem, do ensino da escrita e da leitura; f) em lugar de negar a importância da presença dos pais, da comunidade, dos movimentos populares na escola, se aproxima dessas forças com as quais aprende para a elas ensinar também; g)supera preconceitos de raça, de classe, de sexo e se radicaliza na defesa da substantividade democrática; ao realizar-se assim, como prática eminentemente política, tão política quanto a que oculta, nem por isso transforma a escola onde se processo em sindicato ou partido.
Portanto, enquanto Educação Popular organiza e vivencia o conteúdo na perspectiva da
formação humana, de apropriação e ampliação dos saberes, a serviço da transformação das
relações assimétricas existentes na sociedade e, para isso, reorganiza o trabalho escolar numa
perspectiva de construir sujeitos críticos, criativos e participativos dentro de fora do espaço
escolar.
Essa compreensão de Educação Popular orienta o diálogo que estabelecemos na escuta
das práticas pedagógicas e na análise de conteúdo que realizamos nas propostas pedagógicas do
campo empírico da pesquisa.
135
IV CAPÍTULO - A CONSTITUIÇÃO DO MOVIMENTO POLÍTICO PEDAGÓGICO E EPISTEMOLÓGICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: PRINCÍPIOS E LUGARES INSTITUCIONAIS
136
Não gostaria de ser mulher ou homem se a impossibilidade de mudar o mundo fosse verdade objetiva que puramente se constatasse e em torno de que nada se pudesse discutir. Gosto de ser gente, pelo contrário, porque mudar o mundo é tão difícil quanto possível. É a relação entre a dificuldade e a possibilidade de mudar o mundo que coloca a questão da importância do papel da consciência na história, a questão da decisão, da opção, a questão da ética e da educação e de seus limites. Paulo Freire
Este capítulo contextualiza o Movimento Político-Pedagógico e Epistemológico da
Educação do Campo no Brasil, no que se refere ao seu processo de constituição. Trata dos seus
fundamentos e princípios, que o caracterizam como uma coletividade educativa e política, que
se institucionaliza a partir da mobilização dos movimentos sociais do campo.
A intencionalidade é contribuir com o processo de formação de sujeitos sociais e
coletivos, fortalecer a reflexão e sistematização das práticas educativas existentes em todo o
país e fomentar a interlocução entre as lutas dos movimentos sociais pela produção da vida na
terra, na floresta e nas águas e a proposição e o controle social de políticas públicas sociais para
o campo.
A concepção da Educação do Movimento se referencia nos processos econômicos,
sociais, políticos e culturais empreendidos pelos sujeitos sociais e coletivos do campo, que se
constituem como formadores do ser humano, constituintes de um projeto de educação
emancipatória, pautado por uma postura político-pedagógica crítica, dialética e dialógica que
orienta as diferentes Propostas Pedagógicas do Movimento que evidenciam a materialidade de
sua origem.
A Educação do Campo nasceu tomando posição contra a lógica e o modelo de
desenvolvimento gerador de assimetrias sociais, políticas e econômicas construídas
historicamente no Brasil. O entendimento de que o campo comporta uma diversidade de
agroecossistemas, etnias, culturas, relações sociais, padrões tecnológicos, formas de
organização social e política, e da necessidade de fortalecer uma ruralidade pautada pela
agricultura familiar/camponesa se contrapõe ao discurso hegemônico da modernização pela
urbanização e pelo agronegocio75.
75 Agronegócio é uma palavra nova, da década de 1990. É também uma construção ideológica para tentar mudar a
imagem latifundista da agricultura capitalista. Procura representar a imagem da produtividade, da modernização, da geração de riquezas para o país a partir da exportação e geração de commodities.
137
A constatação de que o modelo desenvolvimentista, por meio da industrialização, não
foi capaz de tirar o país da velha condição de exportador de produtos primários (café, algodão,
minério de ferro, cacau, açúcar, laranja, soja, cana-de-açúcar), não alterou a estrutura fundiária
concentradora de terras, riquezas, devastadora do meio ambiente, fomentadora da
a-se
fundamento da crítica a esse modelo de desenvolvimento.
As práticas educativas construídas pelos movimentos camponeses e organizações
correlatas construíram a concepção de Educação do Campo, interagindo com as outras
dimensões da vida do campo. Esse processo aconteceu com a participação de diferentes
entidades, dentre as quais podemos destacar: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST),
da Confederação Nacional dos Trabalhadores (as) na Agricultura (CONTAG), da União
Nacional das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil (UNEFAB), da Associação Regional das
Casas Familiares Rurais (ARCAFAR), da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro
(RESAB), principalmente com a articulação das práticas pedagógicas existentes no campo.
4.1 Educação do Campo: concepção e prática político pedagógica
O conceito de Educação do Campo, enquanto uma concepção e prática político-
pedagógica, encontra-se em construção na última década, no contexto histórico e das
contradições da sociedade brasileira, no que se refere à relação entre campo e cidade no projeto
de desenvolvimento e ao papel da escola neste processo.
A Educação do Campo é definida a partir de sujeitos: agricultores/as familiares,
assalariados/as, posseiros, assentados/as, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas, pescadores,
artesanais, indígenas, remanescentes de quilombolas, comunidades de fundo de pasto
gerazeiros, enfim, todos os Povos do Campo brasileiro. Essa concepção está expressa no art.
2,º § único das diretrizes, quando diz que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.
138
Tal concepção fortalece uma Educação centrada nos sujeitos sociais a quem se destina
e nos seus processos produtivos, culturais, ambientais dentro da materialidade de nossa
sociedade. O trabalho e a cultura definem a identidade dos sujeitos do campo e tornam-se os
elementos centrais na elaboração das propostas pedagógicas da Escola do Campo. Assim,
O novo, pois, não está na originalidade da proposta ou, na invenção de uma nova teoria pedagógica, mas sim, na prática concreta que está conseguindo talvez recuperar a essência do ato educativo: não é original dizer que a educação é importante nos processos de transformação social, mas é nova a valorização prática da educação nas lutas populares, no vínculo direto com as demais experiências educativas dos educandos e seus familiares, com a organização coletiva, consciente e militante pelas causas sociais. (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p. 27).
Quando falamos do papel exercido pela escola na PEADS, queremos falar do significado, da função pedagógica, social, política que a escola exerce. Outra maneira de colocar a questão é perguntar para que a escola e o porquê dela. A escola preocupa-se com o que acontece dentro e fora, porque a aprendizagem acontece, e os valores são construídos dentro e fora dos muros, em interação com a comunidade e a partir da vida da mesma. (PEADS, 1998, mimeo).
Essa concepção traz consigo um redimensionamento do rural, a partir do conceito de
ruralidade, pois não se restringe à atividade agrícola, engendrado e engendrando relações que
extrapolam (talvez como sempre extrapolaram) os limites geográficos do que se entende,
hegemonicamente, como rural. Nessa perspectiva, ruralidade
es una palabra polisémica y no específica que sugiere una considerable diversidad de imágenes cuando es mencionada [...] Ruralidad es una construcción social contextualizada...Como cualquier otra construcción social, la ruralidad tiene una naturaleza reflexiva; es decir,es el resultado de acciones (o está condicionada por ellas) de sujetos humanos que tienen La capacidad de interiorizar, debatir o reflexionar acerca de las circunstancias y requerimientos socioculturales que en cada situación espacio-temporal se les presentan. La naturaleza reflexiva de la ruralidad se manifesta en su capacidad para adoptar los influjos de las acciones socioeconómicas endógenas o exógenas que interfieren sobre ella y para adaptarse a los efectos de esas acciones. (DURÁN, 1998, p. 76-77).
Embora haja uma intensificação dos processos macrossociais de urbanização, o mundo
rural não se reduz à homogeneização da sociedade contemporânea, pois há particularidades de
modos de vida e na relação com a natureza que permitem que sejam observadas
permanências, reconstruções, emergências de processos sociais que dão especificidade a essa
forma socioespacial que é a ruralidade.
139
Na trilha dessa tendência, encontramos autoras como Nazaret Wanderley (2000) e
Maria José Carneiro (1998), que se voltam para o rural na contemporaneidade,
ressignificando os sentidos deste espaço, quer entendendo-o como singular e ator coletivo
(WANDERLEY, 2000), quer problematizando-o como novas identidades em construção,
produto das novas relações campo-cidade (CARNEIRO, 1998).
Assim, essas reflexões na atualidade exigem tanto um repensar do campo nas suas
relações com a cidade, como nas suas relações internas e específicas. A possibilidade dessa
análise, supõe, portanto,
a compreensão dos contornos, das especificidades e das representações deste espaço rural, entendido, ao mesmo tempo, como espaço físico (referência à ocupação do território e aos seus símbolos), lugar onde se vive (particularidades do modo de vida e referência identitária) e lugar de onde se vê e se vive o mundo (a cidadania do homem rural e sua inserção nas esferas mais amplas da sociedade. (WANDERLEY, 2000, p. 2).
território de identidades, lugar de moradia, de trabalho, de cultura, de vida, tendo a produção
familiar como referência das relações sociais, econômicas, culturais e ambientais. No entanto,
não dilui as contradições postas pela modernização capitalista geradora de assimetrias e
opressões em nossa sociedade. Traz uma articulação dentro do espaço rural e deste com o
urbano, que não resulta na sua diluição no urbano², pois
o sentimento de pertencimento a um lugar, a uma cultura significa conhecer e viver a sua própria historia sua própria cultura. Embora que viver em um lugar não signifique necessariamente estar fechado nele, mesmo porque, numa compreensão mais ampla somos formados pelo que é local como também pelo que é universal, global. (RESAB, 2005, p. 112)
Esse debate contribui para refletir sobre a configuração territorial brasileira. O estudo de
Jose Eli da Veiga76 é elucidativo, nesse sentido, ao mostrar que a maioria dos municípios
76 Veiga (2000) chama a atenção para demonstrar que o Brasil é menos urbano do que se calcula, se utilizarmos os
pensamento brasileiro sobre as tendências da urbanização e de suas implicações sobre as políticas de que têm implicação para a população rural e urbana
brasileira. Chama a atenção também para o fato de que o rural é necessariamente territorial e não setorial como os programas governamentais insistem em propor e executar. Porém, o corte rural-urbano de nossas políticas públicas, além de encontrar respaldo nos clássicos das Ciências Sociais do século XIX, que apontavam para o inexorável esvaziapensadores contemporâneos, formuladores e gestores de políticas públicas, além de lideranças representativas do setor patronal rural que defendem a maximização da competitividade do agronegócio, que passaria pela eliminação
portanto, um campo sem gente.
140
brasileiros são rurais,77 sendo assim, o espaço rural não significa apenas uma localização
geográfica, e sim, uma forma específica de organização social, de modo de vida de relação com
a natureza, de produção e reprodução social da vida.
A visão do processo de urbanização do Brasil é pautada por uma regra que considera
urbana toda sede de município (cidade) e de distrito, sejam quais forem suas características
estruturais ou funcionais. Essa conceituação do Decreto Lei 311/38 do Estado Novo definiu o
que era cidade e o que era campo, aprofundando-se com o modelo desenvolvimentista, pautado
na industrialização e na urbanização como lógicas predominantes para modernizar o Brasil.
Mesmo com modificações legais, essa discrepância da divisão territorial brasileira
permaneceu até os dias atuais, pois continua-se a computar como população urbana aqueles que
vivem em povoados, pequenos municípios, inseridos numa dinâmica econômica e social
pautada pelos referenciais do mundo rural (VEIGA, 2002, p. 2).
A superação dessa dicotomia é fundamental para construção de um projeto de
sociedade. Nessa direção, caminha a Educação do Campo, em consonância com Nazareth
Wanderley (2000), quando coloca que, nas sociedades modernas, a distância física e social
entre habitantes do urbano e do rural foi sendo progressivamente diminuída, por meio de
indicadores econômicos, sociais e de comunicação, no entanto, essas condições não
eliminaram modos de vida particulares em um ou outro espaço social.
Com isso, o Movimento da Educação do Campo afirma a territorialidade, como
construção de identidades num determinado tempo e espaço, composto por uma pluralidade
de gestos, linguagens, modos de vida, sujeitos, saberes, de crenças, costumes, e é a articulação
das práticas educativas as lutas desenvolvidas pelas classes subalternas pela produção e
reprodução de sua vida, que geram possibilidades de uma prática emancipatória. Isso significa
que precisamos pensar um projeto de desenvolvimento para o país que supere essas
desigualdades geográficas, regionais, sociais, e culturais.
Nesse sentido, a escola tem o papel de
ajudar no desenvolvimento do meio rural, promovê-lo, é um compromisso do CEFFA, pois este nasce a partir de trabalhos comunitários envolvendo famílias, lideranças e movimentos preocupados com a promoção e o desenvolvimento do campo. Quanto mais o CEFFA estiver inserido na realidade local e regional, mais responderá às necessidades das famílias.
77 Segundo Veiga (2002), de um total de 5.507 sedes de município existentes em 2000, havia 1.176 com menos de 2
mil habitantes, 3.887 com menos de 10 mil, e 4.642 com menos de 20 mil. Todas com estatuto legal de cidade idêntico ao que é atribuído aos inconfundíveis núcleos que formam as regiões metropolitanas. Em 2000, apenas 224 dos 5507 municípios 4% do total tinham população superior a 100 mil habitantes e densidade demográfica superior a 80 habitantes por Km.
141
Portanto, o CEFFA torna-se um dos meios importantes para contribuir com o desenvolvimento sócio-econômico, técnico e cultural da região. Pensar em desenvolvimento nos remete à necessidade de aliá-lo à sustentabilidade, à preocupação com as gerações futuras, o ecológico, a harmonia entre os seres, a defesa da vida. (REVISTA DA ALTERNANCIA, 2007, p. 6).
A construção de outro modelo de desenvolvimento em nosso País requisita uma
compreensão autônoma e criativa dos problemas e soluções possíveis para eles, e a escola pode
dar uma
parcela de contribuição aos esforços de implementação do desenvolvimento sustentável melhorar as condições de produção da existência dos grupos humanos condições relacionadas às potencias existentes nos próprios meios sócio-ambientais que estes grupos humanos estão inseridos (RESAB, 2005, p.37).
Uma das especificidades associadas à visão de rural é a sua associação com a natureza.
A compreensão de tal especificidade remete ao entendimento de como as sociedades elaboram
conhecimentos associados à dinâmica da natureza e da vida e de como realizam a distribuição
desse conhecimento dentro da sociedade.
O conhecimento assume um papel importante na construção das estratégias de
sustentabilidade, entendida como relação do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com o
planeta; relações que implicam transformação, criação e, ao mesmo tempo, preservação e
cuidado; que se apresentam em oposição a uma lógica predatória. A noção de sustentabilidade
do meio se baseia sobre a leitura da realidade de vida. Trata-se primeiro de partir dos recursos
locais e de valorizá-los; não se trata de propor um modelo a ser reproduzido, mas de tomar
1999, p. 67).
A valorização dos recursos endógenos e o reconhecimento de que os agricultores/as
familiares constroem suas capacidades e maneiras de pensar e interpretar o mundo segundo
determinadas pautas culturais78 e sociais, torna-se o ponto de partida para o trabalho com os
conteúdos das Escolas do Campo.
Essa é uma das razões para a Educação do Campo alicerçar seu trabalho pedagógico no
diálogo com a Pedagogia do Oprimido (1978) e na tradição pedagógica decorrente das
78 Uma pauta cultural explica um padrão de comportamento típico de uma determinada sociedade. Assim, sem
trabalhar a cultura e o sentimento coletivo, não existe mudança sustentável. Os Povos do Campo possuem, portanto, um patrimônio material e sócio-cultural de reprodução de um modo de vida.
142
experiências da Educação Popular na América Latina, que incluem o diálogo com as matrizes
pedagógicas da opressão (a dimensão educativa da própria condição de oprimido); da cultura
(aprendizado de significar ou ressignificar suas ações, valores e comportamentos); do trabalho
(na produção de bens, na mudança das relações com a natureza); da práxis (prática e teoria
combinadas, conhecimento como compreensão da realidade para transformá-la); da
convivência (do convívio entre as pessoas e da interação efetiva entre elas e o contexto em que
vivem); e na construção de coletividades (as pessoas aprendem a ser humanas na partilha de
conhecimentos, de sentimentos e de ações com outros seres humanos).
O resgate desta matriz pedagógica se faz presente no processo de articulação do
Movimento da Educação do Campo, conforme Documento Base da II Conferência Nacional da
Educação do Campo, realizada em 2004, como indicamos em seguida: A nossa caminhada se enraíza nos anos 60, quando movimentos sociais, sindicais e algumas pastorais passaram a desempenhar papel determinante na formação política de lideranças do campo e na luta pela reivindicação de direitos no acesso a terra, crédito diferenciado, saúde, educação, moradia, entre outras. Fomos então, construindo novas práticas pedagógicas através da educação popular que motivou o surgimento de diferentes movimentos de educação no e do campo, nos diversos estados do país. Mas foi na década de 80 / 90 que estes movimentos ganharam mais força e visibilidade. (II Conferência Nacional da Educação do Campo, 2004).
É desse lugar que a Educação do Campo faz o diálogo com a teoria pedagógica,
considerando a especificidade e a diversidade dos contextos e práticas sociais dos Povos do
Campo, e a preocupação com a educação do conjunto da população.
O caráter processual de um Movimento que se constitui e institui a partir das práticas
educativas desenvolvidas com uma diversidade de sujeitos e de contextos produtivos, sociais e
culturais, práticas plurais, nos seus ritmos, ritos, organização e dinâmicas, assim como são
plurais os sujeitos do campo, no entanto, evidencia traços de semelhanças nos seus
fundamentos e princípios, que sinalizam para uma unidade na diversidade ou, como lemos em
68).
A especificidade exige a capacidade de reconhecer o diferente e o outro na condição de
sujeito, jamais como estranho e, dessa forma, estabelecer um modo de pertencimento das
pessoas, sem que as diferenças transformem-se em desigualdades. Faz parte de a humanidade
encontrar meios para realizar a mais ampla condição de igualdade e bem estar dos seres
143
humanos, entendendo-se que todos são protagonistas de uma história a partir da sua inserção na
luta coletiva por uma existência digna.
É nesse contexto que se insere a Educação do Campo, tendo como referência o projeto
de campo, políticas públicas necessárias à efetivação e consolidação de práticas pedagógicas
que contribuam para a construção desse sujeito emancipado e busca de uma nova sociabilidade
4.2 Uma rede constituída de várias redes
A emergência do debate da Educação do Campo na agenda pública contemporânea
ocorre a partir da década de 1990, com diferentes ações, dentre as quais destacamos: inserção
na agenda pública governamental do debate das políticas específicas, como uma questão de
interesse nacional e como direito desses povos; a expansão e articulação nacional dos Centros
de Formação Familiar em Alternância; o fortalecimento da articulação entre as organizações
não governamentais que trabalham com escolarização no campo; as experiências alternativas
de escolarização em acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária; a constituição de
Fóruns Estaduais de Educação do Campo79; e a instituição de programas governamentais
específicos do campo, como, por exemplo, o Pronera80.
Nesse quadro, o Pronera pode ser considerado como uma iniciativa importante, ainda
que específico às áreas da Reforma Agrária, inovou em diferentes aspectos, seja por construir e
empregar metodologias contextualizadas na realidade sociocultural dos assentamentos, seja por
exercitar um modelo de gestão colegiada tripartite entre governo federal, universidades e
movimentos sociais, proporcionar e suscitar uma produção de conhecimento sobre a realidade
educacional do campo e contribuir com sua prática e com pesquisas para a materialização de
uma proposta pedagógica específica para os sujeitos do campo.
Todavia, após dez anos de existência, o Pronera apresenta a descontinuidade dos
programas governamentais, que não conseguem se constituir enquanto uma política pública
estratégica para a população jovem e adulta dos acampamentos e assentamentos da Reforma
Agrária.
79 Espaços multidisciplinares e interinstitucionais compostos por movimentos sociais, universidades, secretarias
municipais e estaduais de educação, programas governamentais de educação, organizações não governamentais para formulação, sistematização, proposição de pesquisas e políticas públicas para a Educação do Campo.
80 O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária foi criado em abril de 1998, a partir da demanda e pressão dos movimentos sociais sobre o então Ministério Extraordinário da Reforma Agrária, posteriormente Ministério do Desenvolvimento Agrário, para desenvolver processo de escolarização de jovens e adultos nas áreas de acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária.
144
A heterogeneidade das práticas educativas do campo se expressa em diferentes
dimensões: a natureza das instituições (organizações não governamentais, movimentos sociais,
centros de alternância, secretarias municipais de educação, pastorais sociais, universidades); a
abrangência (ações nacionais, regionais, interestaduais ou municipais); a ação desenvolvida
(escolarização de crianças, adolescentes, jovens e adultos, formação de educadores, gestores,
equipes pedagógicas e conselhos escolares, elaboração de materiais didáticos e pedagógicos,
ações complementares à escola: jornada integral, leiturização etc).
Uma característica importante no processo de constituição do Movimento da Educação
do Campo é como as diferentes práticas educativas vão se articulando e constituindo diferentes
, constituindo uma base conceitual para a prática a partir
das experiências que se desenvolviam na educação escolar e não escolar. Portanto, não se trata
de ato isolado, mas de coletivo historicamente contextualizado e permeado por princípios e
fundamentos que tecem suas singularidades nos seus contextos.
Dessa forma, a dinâmica de um Movimento, constituído de redes plurais, dá visibilidade
às Propostas e Práticas Pedagógicas, entre as quais destacamos: a Articulação Nacional por
uma Educação do Campo (MST), Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), os
Centros
organizações não governamentais que atuam de forma mais localizada, dentre elas, o Serviço
de Tecnologia Alternativa (SERTA).
145
Gráfico 7 - Rede do Movimento da Educação do Campo
Essa configuração mostra o que Scherer-Warren (1999) concebe como redes e sua
finalidade no contexto atual. Constitui-se, portanto em,
formas horizontalizadas de articulação entre o local e o global, entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores com o pluralismo. Enfim trata-se de buscar os significados dos movimentos sociais num mundo que se apresenta cada vez mais como interdependente, intercomunicativo. (p. 10).
As redes representam a capacidade dos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil explicitarem a sua riqueza intersubjetiva, organizacional e política de
concretizar acordos e compromissos de atuação coletiva.
Para Manuel Castells (1999), as redes são estruturas abertas com possibilidade de
expansão ilimitada, desde que os novos nós compartilhem os mesmos códigos de comunicação.
Essas possibilidades de trabalho em rede geralmente estão relacionadas a pressupostos de
flexibilidade, democratização, menor grau de hierarquização, indicando a ampliação de espaços
públicos de negociação.
146
Na medida em que um movimento social interage com outras organizações coletivas,
nasce uma nova solidariedade, expressa nas "redes de movimentos". Essas redes oportunizam
transformações mais abrangentes, que transcendem os limites locais, pois, através da
comunicação entre grupos organizados, disseminam-se os temas e as estratégias de luta que
envolvem a superação de problemas pertinentes às questões da cidadania. Dessa forma, as
ações coletivas tornam-se aptas para influir na elaboração de políticas gerais de melhoria do
contexto societal.
Assim, inscreve-se como expectativa a possibilidade de reinventar as experiências
existentes no campo, confrontando as experiências hegemônicas, que foram impostas
historicamente a esses povos. As práticas educativas construídas dentro desse paradigma se
constituem, ao mesmo tempo, como parte do sistema nacional de educação, na sua
universalidade e na especificidade sociocultural dos grupos sociais a quem se destina.
A heterogeneidade dos sujeitos sociais da Educação do Campo, dos seus contextos e
redes de relações constitui suas singularidades, das quais trataremos no capítulo sexto.
Contudo, a análise de suas propostas pedagógicas evidencia semelhanças, sobretudo, no que se
refere aos seus princípios e fundamentos dos quais trataremos neste capítulo.
4.3. O Movimento da Educação do Campo e seus fundamentos político-pedagógicos e
epistemológicos
A dimensão da Educação como um ato político, referenciada no processo de
emancipação humana e de transformação da realidade, é a finalidade primordial do processo
educativo nas diferentes propostas pedagógicas dos Lugares Institucionais. A humanização que
promove a emancipação rejeita as atuais formas de opressão existentes em nossa sociedade,
assim a educação deve buscar contribuir para a liberdade pessoal e coletiva do ser humano na
perspectiva de ruptura com os modelos hegemônicos de alienação do ser humano.
A concepção de Educação como processo de formação e humanização do ser humano
referenciada em Freire (1978, 1987) coloca a humanização e a desumanização, na história,
como possibilidade dos seres humanos enquanto inconcluso e consciente de sua inconclusão e
ainda sendo como multidimensional (dimensão cognitiva, emocional, intrapessoal e
interpessoal); indivisível (corpo, sentimento, psique, linguagem, pessoa distinta e completa em
si mesmo); social (componente integrado num contexto de relações sociais, culturais, políticas,
147
econômicas e cósmicas), envolvido numa ética eco-relacional de respeito às diferenças e ao
meio ambiente.
Nesse sentido, a educação é um processo que permite ao ser humano a produção de si
mesmo, na medida em que nela está presente a mediação e a ajuda do outro, possibilitando a
construção da pessoa humana enquanto ser social e singular. Tal processo de aprendizagem se
desenvolve nas próprias relações interpessoais e sociais: os seres humanos se educam em
relação, mediatizados pelo mundo, diz Paulo Freire.
A Educação como emancipação humana compreende que os sujeitos possuem história,
participam de lutas sociais, sonham, têm nomes, gêneros, etnias diferenciadas e que, ao lutar
pelo direito à terra, à floresta, à água, à soberania alimentar, a matrizes tecnológicas com
princípios agroecológicos, a estratégias de produção e comercialização solidárias, vão
recriando suas pertenças, reconstruindo a sua identidade na relação com a natureza, com o
trabalho e a cultura. Também vão superando as situações de assujeitamento e transformando a
realidade na qual estão inseridos (as), numa perspectiva de integralidade, pois
a realidade para nós é inteira, as distinções são criadas apenas para análise, para unir melhor; como dizia Jacques Maritain, distinguir para unir, jamais para separar as realidades. Todas as dimensões fazem parte do real, da vida, e os processos educativos são construídos levando em conta a interdimensionalidade, a integralidade (PEADS/MOURA 2003, p.86).
A formação humana integral tem como pressuposto na prática educativa a
onilateralidade do ser humano. Desse modo,
a práxis educativa revolucionária deveria dar conta de reintegrar as diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por separar, ou seja, uma educação onilateral, que trabalhe em suas práticas as várias dimensões da pessoa humana (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.163).
A onilateralidade pressupõe o usufruto dos direitos civis, políticos e sociais, nos
âmbitos individual e coletivo, o que se desdobra em questões morais e éticas,
como um processo sociocultural em que os sujeitos resgatam, constroem e ressignificam práticas, saberes e experiências numa perspectiva crítica e criativa de empowerament individual e coletivo e de construção e valorização integral dos seres humanos e do meio em que vivem (RESAB, 2007, p.44).
Assim, a Educação precisa ser entendida como maior que a escola, pois está presente
no trabalho, na família, na cultura, nas organizações sociais, etc. Embora a escola seja
importante, ela é apenas um dos tempos e espaços da formação humana. Assim,
148
Educação não é sinônimo de escola. Ela é muito mais ampla porque diz respeito à complexidade do processo de formação humana, que tem nas práticas sociais o principal ambiente dos aprendizados de ser humano. Mas a escolarização é um componente fundamental neste processo e um direito de todas as pessoas. (DOSSIÊ MST, 2005, p. 233).
A Educação, como uma ação cultural, constrói essa vinculação com as diferentes
dimensões do processo formativo do ser humano. A cultura é o que dá sentido à vida e à ação
entre as pessoas, e delas com a natureza. Por isso, a importância de confrontar no diálogo os
diferentes saberes sobre o contexto em que se dá a ação educativa na perspectiva de contribuir
para a autonomia do sujeito e o pensamento crítico, para a
construção e fundamentação de diversos saberes necessários à melhoria das relações sociais, do combate às injustiças, da constituição de uma sociedade mais humana e de um processo de convivência entre as diversidades e as singularidades constitutivas de cada grupo cultural. (RESAB, 2004, p.38).
A compreensão cultural que se afirma nas relações educativas deve ser sensível às
distintas maneiras de interpretação, de ação, isto é, de posicionar-se no contexto da sociedade,
na perspectiva de uma educação verdadeiramente intercultural, anti-racista e anti-sexista, como
espaço de busca, diálogo, confronto, que contribua
para realizar uma dinâmica de articulação multi/intercultural entre políticas de igualdade e de diferença que ratifique os direitos à igualdade quando as diferenças entre os que procuram dialogar os inferiorizem e ratifiquem os direitos à diferença sempre que políticas de igualdade possam aprofundar a descaracterização de pessoas ou grupos que intentam dialogar. (SANTOS, 1995, p. 41).
Uma educação que trabalhe pelo diálogo entre as culturas (interculturalidade) por meio
da realização dele na prática pedagógica. As possibilidades de convivência dos diferentes ou as
probabilidades da fragmentação entre eles caracterizam o clima cultural do momento atual, ou
constituem um tema e tarefas da época atual (SOUZA, 2007). Trata-se da possibilidade de
convivência humana em suas diferentes modulações e das trocas entre diferentes culturas, entre
as diferentes organizações e realidades dos Povos do Campo.
À medida que a escola possibilita a construção de conhecimentos e a problematização
de realidade, que se torna conteúdo pedagógico básico das escolas, numa perspectiva
epistemológica e metodológica de construção coletiva do conhecimento, a partir dos desafios
da prática. Entendida como,
149
Partir da prática é começar identificando os principais desafios e as necessidades da comunidade de que faz parte a escola. Vai refletindo sobre essa questão, e as crianças vão participando da busca de soluções para os seus mais diversos tipos de problemas. (DOSSIE MST, 2005, p.83).
Construção permanente de conhecimentos que contribuam para a organização e o desenvolvimento da comunidade. Hoje, temos uma escola que suscita nos seus atores sociais a construção de valores e princípios que os permitem sonhar com uma escola democrática e cidadã que contribui na formação de cidadãos autônomos, solidários e responsáveis. (PEADS, 2006, p.89).
Essa forma de conceber a educação se propõe a fortalecer as lutas individuais e
coletivas dos sujeitos, numa concepção de homem e mulher como sujeitos históricos
transformadores, que se formam nas relações com os outros e com o mundo. Portanto, tem
como finalidade a formação humana de sujeitos críticos e ativos, que,
através da interação e das inter-relações intersubjetivas com o mundo e com as demais pessoas, tornam-se seres sociais, culturais, políticos, e, portanto, carregados de significações e subjetividades, que modificam a natureza e por ela são levados a se modificarem. (RESAB, 2005, p. 67).
Nesse sentido, o processo de conhecer implica compromissos éticos e políticos, de
intervenção crítica no mundo, e efetiva-se na problematização de situações desafiadoras,
configurando-se como um ato cognoscente, no qual
quanto mais progride a problematização mais penetram os sujeitos na essência
conseqüentemente ler de forma crítica sua realidade e construir estratégias para intervir para modificá-la. (FREIRE, 1987, p.89).
A escola assume, assim, a função social de contribuir para a transformação das
realidades que se traduzem em assimetrias econômicas, sociais, políticas e culturais a que estão
submetidas os sujeitos sociais do campo, fato evidenciado quando:
Temos denunciado a grave situação vivida pelo povo brasileiro que vive no e do campo, e as conseqüências sociais e humanas de um modelo de desenvolvimento baseado na exclusão e na miséria da maioria. Temos denunciado os graves problemas da educação no campo e que continuam hoje. (II CONFERENCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004).
150
As entidades participantes da Conferência colocam a necessidade de superar a
desigualdade social e a miséria, existentes no campo, e afirmam a importância de
fortalecimento da produção camponesa/familiar, que se constitui num projeto de
desenvolvimento sustentável e na superação da dicotomia e subordinação do campo pela
cidade.
Consequentemente, os princípios políticos que orientam as propostas pedagógicas da
Educação do Campo apostam na construção de relações de poder equitativas e justas nos
diferentes âmbitos da vida:
Lutamos por um projeto de sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao agronegócio e que garanta: a realização de uma ampla e massiva reforma agrária; demarcação das terras indígenas; o fortalecimento e expansão da agricultura familiar/camponesa; as relações/condições de trabalho, que respeitem os direitos trabalhistas e previdenciários x dos trabalhadoras e trabalhadores rurais; a erradicação do trabalho escravo e da exploração do trabalho infantil; o estímulo à construção de novas relações sociais e humanas, e combata todas as formas de discriminação e desigualdade fundadas no gênero, geração, raça e etnia; a articulação campo cidade, o local global (II CONFERENCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004)
Com essa afirmação, o Movimento da Educação do Campo não está ratificando o
discurs
(CALDART, 2000, p.179).
No entanto, os valores, os princípios, os rituais, as relações e interações dos sujeitos
com os conhecimentos vivenciados na organização e dinâmica do trabalho educativo
possibilitam um novo modo de vida, ao cotidianizar e institucionalizar relações sociais,
pautadas na participação, autonomia, cooperação e equidade.
Por isso, os processos educativos necessitam ir além da escola, interagindo com o
contexto de vida dos sujeitos sociais, do seu trabalho e de suas organizações. Sendo assim,
Queremos uma escola em movimento, em ação. Onde todos estejam envolvidos em algum tipo de trabalho, criando, inovando, conhecendo e pesquisando. (...) precisamos que os nossos filhos queiram permanecer no campo e que saibam lutar para que esta permanência seja com dignidade e com muita alegria de viver. (...) Preparar as novas gerações para as mudanças sociais. Para lutar pela sociedade sem explorados nem exploradores. E para viver nesta nova sociedade (DOSSIÊ MST, 2005, p. 95)
151
Uma escola que contribua na construção e fundamentação de diversos saberes necessários à melhoria das relações sociais, do combate às injustiças, da constituição de uma sociedade mais humana e de um processo de convivência entre as diversidades e as singularidades constitutivas de cada grupo cultural (RESAB, 2005, p. 37).
A Educação, como direito dos sujeitos do campo, tem como ponto de partida a igualdade
e o reconhecimento dos direitos humanos, e o exercício da cidadania passa também pela busca
da equidade no acesso à educação, ao emprego, à saúde, ao meio ambiente saudável, a uma
reforma agrária ampla e massiva e ao combate a todas as formas de preconceito e
discriminação por motivo de raça/etnia, sexo, orientação religiosa, cultura, aparência ou
condição física, mas significa também o respeito às diferenças dos sujeitos e da sua realidade.
A democratização das políticas educacionais articula acesso à escola em todos os
níveis, a permanência com sucesso, a forma como a escola constrói e produz o conhecimento e
organiza sua gestão. Uma escola que busca contribuir para a construção da auto-estima
individual e institucional, estabelecer o diálogo permanente e o comprometimento dos
diferentes sujeitos sociais envolvidos em seu dia-a-dia, enfrentando o desafio de viver no
cotidiano a gestão democrática e participativa. Assim,
Considerar a democracia como um princípio pedagógico significa dizer que, segundo nossa proposta de educação não basta os educandos estudarem ou discutirem sobre ela; precisam também e principalmente, vivenciar um espaço de participação democrática, educando-se pela e para a democracia social (DOSSIE MST, 2005, p. 193).
A Escola do Campo é entendida como uma concepção político pedagógica definida a
partir dos sujeitos sociais a quem se destina: agricultores(as) familiares, assentados(as) e
acampandos (as), ribeirinhos, extrativistas, indígenas, remanescentes de quilombos, vaqueiros,
pantaneiros, bóias-frias, caiçaras, pescadores, reassentados, considerando a forma de produzir
e reproduzir a vida na sua vinculação com a terra, a floresta e as águas, portanto, apresenta uma
forte vinculação de classe, numa perspectiva de uma escola que se destina aos camponeses e
camponesas nas suas diversas fisionomias e vínculos com o meio ambiente
As propostas pedagógicas se embasam na reflexão sobre: O que os Povos do Campo
precisam aprender na escola? Para que? Por que? Como? Esse processo de indagação e reflexão
contribuiu para repensar a teoria do conhecimento que orientavam o trabalho em sala de aula.
Assim,
152
associada à idéia de construção, veio a idéia do conhecimento como meio, como recurso, como oportunidade, como instrumento e ferramenta de ação. As pessoas precisam estar munidas desse instrumento para viver e para agir. Como explicar uma Escola que passa dez, quinze anos numa comunidade e não oferece subsídios para as pessoas dessa comunidade responderem aos seus problemas?(...) Essa proposta implica conhecer para mudar, para intervir no meio, no ambiente, no entorno, nas propriedades, nos municípios. Para alcançar esse objetivo, foi necessário repensar as formas de construção, aquisição de conhecimento (PEADS/MOURA, 2003, p.61-81)
O conhecimento como uma construção social permanente dos sujeitos envolvidos na
prática pedagógica suscitou a necessidade de uma nova base epistemológica, que tratasse o
conhecimento humano como social e histórico e que atendesse a interesses e valores que se
alteram com o tempo, o contexto, a interação com as descobertas científicas, as mudanças de
valores, e as interações sociais entre os sujeitos.
O conhecimento como uma construção coletiva mediada dialogicamente deve articular
os saberes sociais com os conhecimentos socialmente construídos e sistematizados pelas áreas
de conhecimento.
Faz-se necessário propor aos sujeitos o desafio de cultivar uma postura dialógica e
crítica diante do mundo, que os faça ter compromisso em assumir-se enquanto seres
epistemologicamente curiosos diante dos fatos, realidades e fenômenos que constituem seu
próprio mundo. Assim,
a nossa preocupação enquanto rede é assegurar que os saberes não se restrinjam somente ao âmbito dos conhecimentos escolares, mas que esses se ampliem para os conhecimentos da natureza intelectual, afetiva, emocional, prática, estética, cultural, etc., transmitidos e construídos nas relações dos educandos e educandas com e nas diversas relações e instituições de suas vivências. Respeitando o lugar da escola, da família, do trabalho, dos amigos, dos amores, dos desejos, dos sonhos e da comunidade, entre outros. (RESAB/REIS, 2006, p.58)
Nessa perspectiva de interação entre os diferentes saberes, na relação permanente entre
teoria e prática, a categoria diálogo apresenta-se como fundamento constitutivo e
imprescindível nas propostas pedagógicas das escolas do campo.
Para o Movimento da Educação do Campo, partir da prática é começar identificando os
principais desafios e as necessidades da comunidade de que faz parte a escola, fazendo com que
a escola seja significativa e útil à vida dos estudantes e da comunidade. Nesse sentido,
A Escola é o lugar privilegiado para a escuta e reflexão dos problemas que o jovem vive em seu meio sócio-profissional. Por um lado, receptora dos problemas e, por outro, propulsora da ação refletida. O estudante é sujeito
153
ativo desse processo, numa dinâmica permitida por instrumentos metodológicos específicos. Capta as indagações e problematizações provindas do meio sócio-profissional, leva-as à escola, coloca-as em comum, compara-se com as dos demais colegas, analisa-as interpretando-as e as generaliza. Dessa forma considera que a pessoa se educa mais pelas situações em que vive do que apenas pelas tarefas que realiza na escola. (PROJETO PEDAGÓGICO DA EFAORI, 2005)
O que mais educa as pessoas é sua ação, a sua prática do dia-a-dia. A aproximação
significativa daquilo que se ensina com as experiências e aprendizagens acumuladas pelos
estudantes constroem novos significados, relacionando suas experiências a outras vivências e
ampliando seus saberes. Dessa forma,
(...) A Educação para a Convivência com o Semiárido privilegia e enfatiza a necessidade que as escolas do Semiárido, ao garantir o desenvolvimento das diferentes capacidades cognitivas, afetivas, físicas, estéticas, de inserção social e de relação interpessoal propiciem aos seus alunos os instrumentos sociais necessários para que possam intervir de forma consciente e propositiva no ambiente em que vivem. (NÉRI E REIS, 2004, p.136).81
Essa relação entre ação-reflexão-ação, pautada no diálogo, encontra-se em Paulo Freire,
ao colocar que:
[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de eum sujeito no outro, nem tão pouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 1987, p.79).
O diálogo fortalece a curiosidade como um fundamento epistemológico das propostas
pedagógicas, pois move os educandos (as) a querer conhecer/desvendar, investigar os
fenômenos sociais. A inquietação indagadora (o ato de perguntar) é a condição primordial para
estimular o desejo de conhecer, o desejo de buscar esclarecimento dos acontecimentos,
compreenderem as relações existentes em cada localidade.
Outro ponto de convergência é que ter a realidade como princípio fundamental exige
optar por uma concepção problematizadora de educação, em que educador (a) e educandos (as)
são investigadores críticos da realidade:
81 A complexidade dos processos
ção resultante da I Conferência Estadual de Educação e Educação Contextualizada para a Convivência como o Semiárido no Ceará, realizada em maio de 2003.
154
Um dos princípios fundamentais da proposta pedagógica do MST é o de que nas escolas dos assentamentos toda a aprendizagem e todo o ensino devem PARTIR DA REALIDADE. (...) Realidade e o meio em que vivemos. E tudo aquilo que fazemos, pensamos, dizemos e sentimos de nossa vida pratica. E o nosso trabalho. E a nossa organização. E a natureza que nos cerca. São as pessoas e o que acontece com elas. São os nossos problemas do dia-a-dia e também os problemas da sociedade que se relacionam com nossa vida pessoal e coletiva (DOSSIE MST, 2005, p.51)
Nessa perspectiva se constroem ligações significativas entre o local e o global. O local
constrói uma teia de referências para os processos educativos, ao desvelar os saberes, as
possibilidades e as relações existentes em cada contexto:
o respeito, então, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto cultural. A localidade dos educandos é o ponto de partida para o
análise é a primeira e inevitável face do mundo mesmo. (FREIRE, 2008, p.86).
Para esse autor, é o contexto, interpretado e argumentado, que indica as pautas do fazer
educativo, de seus conteúdos, possibilidades, impossibilidades, obstáculos e chances, dentro do
mundo-humano, que é histórico-cultural e que
(...) quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. (FREIRE, 1978, p.80)
A problematização da realidade carrega a possibilidade da mudança, da utopia, da
viabilidade do inédito, apesar das dificuldades de transformação nas escolas e na sociedade. A
ideia da construção significativa posta pelo Movimento da Educação do Campo aposta no
coletivo como espaço privilegiado para formar uma teia de significados, que ao mesmo tempo
em que se constrói ocorre a desconstrução de contextos. O projeto político, pedagógico e
epistemológico, numa perspectiva de inacabamento e pluralidade, são refletidos nos diversos
lugares institucionais que constituem e instituem esse movimento.
Outra semelhança em todas as propostas pedagógicas dos lugares institucionais refere-se
a valorização e formação dos profissionais da Educação do Campo: educadoras (es), monitoras
(es), coordenadoras (es) pedagógicos, técnicos administrativo.
155
A formação inicial dos profissionais da educação do campo, entendida na perspectiva
social e posta no nível de política pública, há de ser tratada como direito, superando o estágio
das iniciativas individuais para aperfeiçoamento próprio. A formação inicial assumida enquanto
uma política permanente e sistemática deve vir articulada com políticas de trabalho docente
(concursos públicos, plano de carreira, salários dignos, condições de trabalho) que são
indispensáveis para uma política de profissionalização dos docentes e não docentes das Escolas
do Campo.
As políticas devem propiciar a profissionalização dos profissionais que atuam nas Escolas
do Campo com propostas de formação inicial e continuada, condições de trabalho e valorização
salarial, que considere o tempo curricular desenvolvido pelas diferentes práticas educativas do
campo. Nesse sentido, a organização dos coletivos de trabalho nas Escolas constitui espaços de
formação em serviço, conforme expressam os documentos abaixo:
O principio do trabalho de educação através de coletivos pedagógicos está ligado a outro princípio que é igualmente importante: quem educa também precisa se educar continuamente. Os coletivos é um espaço privilegiado de auto formação permanente, através da reflexão sobre a prática, do estudo, das discussões e da própria preparação de atividades de formação promovida pelo MST (DOSSIÊ MST, 2005, p.175)
ao iniciar suas atividades como educador(a) em um CEFFA, temos uma formação específica, independente do grau de formação acadêmica, para poder entender e garantir os princípios filosóficos, metodológicos, político e pedagógicos fundamentais do movimento educativo dos CEFFAS. (...) A formação pedagógica inicial deve seguir os princípios da Pedagogia da Alternância para que possa entender melhor os passos a serem dados na prática pedagógica (REVISTA DE FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA, 2007, p. 26).
A formação continuada precisa considerar os saberes que esse professorado tem
constituído na sua experiência cotidiana dentro da sala de aula no campo, que considere não
somente os saberes pedagógicos e curriculares como formadores do docente, mas, sobretudo,
leve em conta os saberes de experiência que este foi elaborando durante sua práxis docente:
A formação continuada deve ter como principio os saberes práticos do professorado, tematização da prática docente (ação-reflexão) que são levados a problematizar a sua prática confrontando os seus conhecimentos prévios com os novos conhecimentos técnicos-pedagogicos para a construção de novos saberes (RESAB, 2004, p.85).
O conhecimento adquirido na formação acadêmica se reelabora no exercício da
atividade profissional para atender à mobilidade, à complexidade e à diversidade de situações
156
educativas, refletindo sobre os problemas e necessidades da realidade dos educandos /as e das
comunidades do campo:
Priorizar a formação continuada para além dos espaços escolares - o professorado precisa refletir que os espaços extra-escolares também são espaços formativos. A comunidade, a interação com a realidade e com o seu meio cultural, social, histórico, político são elementos determinantes na construção de um projeto político pedagógico. (RESAB, 2004, p.85).
A formação continuada do professorado é um elemento central para o desenvolvimento da PEADS. É um espaço de sensibilização, mobilização, discussão e aprofundamento sobre as bases teóricas da PEADS. É o momento de refletir sobre a prática que desenvolvem na escola. (PEADS, 2006, p.144).
Portanto, a formação faz parte dum processo permanente de desenvolvimento
profissional, vinculada à prática nos diferentes contextos educativos, e passa a ser
compreendida como momentos de construção de uma prática qualificada e de afirmação da
identidade e da profissionalização dos educadores e educadoras do campo.
A gestão democrática e compartilhada entre os diferentes sujeitos que compõe a
comunidade escolar, é outra característica presente nas propostas pedagógicas das Escolas do
Campo. Nesse sentido, democratizar a gestão da educação requer fundamentalmente, que,
a sociedade possa participar no processo de formulação, avaliação e na fiscalização da execução da política educacional por meio de conselhos, comissões, fóruns, etc. Esta presença da sociedade materializa-se através da incorporação de categorias e grupos sociais envolvidos direta ou indiretamente no processo educativo, e que, normalmente, estão excluídos das decisões (pais, alunos/as, funcionários/as, professores/as, movimentos sociais). Ou seja, significa retirar dos governantes e dos técnicos da área o monopólio de determinar os rumos e as diretrizes da educação no município, implica também em construir uma política educacional que tenha como referência os povos do campo enquanto sujeitos de direitos. É necessário que os mecanismos de democratização da gestão da educação alcancem todos os níveis do sistema de ensino. Em qualquer instância, os mecanismos institucionais criados devem garantir a participação do mais amplo leque de interessados possível. Quanto mais representatividade houver, maior será a capacidade de intervenção e fiscalização da sociedade civil (PEADS, 2006, p.97).
A gestão democrática se referencia no projeto político pedagógico da Escola e em
políticas sociais que melhorem a qualidade da vida no campo. A especificidade do campo
exige um conjunto de políticas específicas, que não se restringe apenas à educação, mas se
articula com um projeto de desenvolvimento e de nação que busca superar as desigualdades
sociais:
157
Fortalecer a gestão educacional como instrumento de melhoria da educação do nosso povo só será possível de verdade se nos desafiarmos a descentralizar o poder, a dividir a tomada de decisões, a embasar os nossos projetos sempre no ideário concreto da realidade (RESAB, 2004, p. 73).
A escola, como instituição social educativa, assume, assim, uma função de formação do
cidadão para participar da sociedade, da construção de um projeto político-pedagógico das
Escolas do Campo, desenvolvendo e estimulando as potencialidades do/a educando/a e de sua
família, que passa a assumir uma condição de partícipe do desenvolvimento da escola, de
diferentes formas: presença individual no acompanhamento dos/as filhos/as e presença coletiva,
envolvendo-se nas discussões da escola, de aulas de campo, de conselhos e comissões, etc.
Nesse sentido, os fragmentos que seguem são significativos:
A associação de pais no CÈFFAS representa uma estrutura indissociável da alternância. Ela se torna um meio de implicação na vida da Escola através de participação de diferentes formas. A associação ajuda os pais no aprimoramento de seus papeis educativos e de formação de seus filhos, dando-lhes a oportunidade de se encontrar, de se informar nas reuniões, de assumir diferentes tarefas na escola (GIMONET, 2007, p.85).
A comunidade assentada ou acampada pode contribuir: participando da Coordenação da Escola e das Plenárias de avaliação e de reorientação do processo pedagógico; indicando voluntários seja no acompanhamento dos Núcleos de Base, seja como monitores, seja em mutirões de melhoramento da escola; contribuindo para o aprendizado, e assumindo a escola como parte de uma Comunidade. (DOSSIÊ DO MST, 2005, p.210).
Evidentemente, a construção e consolidação da democracia na escola não são tarefas
muito fáceis, pois temos uma cultura política centralizadora, com práticas autoritárias e
clientelistas, que não possibilitam um empoderamento dos sujeitos escolares e uma plena
participação na construção de um projeto político pedagógico das escolas. Portanto, esse é um
processo permeado por tensões e contradições nas condições de participação da sociedade.
Nas Propostas Pedagógicas analisadas, a discussão da gestão democrática encontra-se
vinculada diretamente à organização curricular das Escolas. As propostas pedagógicas das
diferentes iniciativas sinalizam o currículo como sendo uma dimensão central na modificação
da prática pedagógica dentro das Escolas do Campo na perspectiva de desconstruir o currículo
monocultural e urbanocêntrico que foi implantado historicamente nas Escolas destinadas à
população do Campo.
A escola é um espaço que tem uma intencionalidade construída historicamente
refletida no currículo, visto como um conjunto de práticas que são desenvolvidas de forma
158
planejada pelo coletivo da escola. Nele se definem os conhecimentos que devem ser
ensinados: como trabalhar temas que partam da realidade das crianças, adolescentes e jovens
do campo; o que deve ser ensinado e aprendido; porque ensinar este ou aquele conhecimento.
Nas iniciativas de educação do campo existem diferentes formas de seleção e
organização dos conteúdos como também a construção de variados dispositivos de
diferenciação pedagógica, todavia, todas assumem a perspectiva do currículo integrado como
opção para o desenvolvimento do trabalho, sejam, na estruturação de temas geradores, eixos
temáticos ou na metodologia de projetos.
Uma segunda semelhança na organização curricular das propostas é a valorização dos
saberes culturais dos grupos sociais a quem se destina a escola, as diferentes formas de
organização dos tempos e espaços pedagógicos e a adequação aos ritmos diferenciados de
aprendizagem de cada educando. O itinerário pedagógico de construção do conhecimento
parte da pesquisa da realidade e dos conhecimentos que os educandos (as) já possuem e/ou de
situações vivenciadas em suas comunidades. Essa aproximação das discussões com a vivência
dos sujeitos é o que propicia movimento ao currículo da escola, a partir do qual o
conhecimento vai ganhando uma dimensão de construção, participação, contextualização e
democracia. Incluir o educando (a) na análise e na decisão de questões que lhe dizem respeito
contribui para o desenvolvimento consciente de sua cidadania.
Uma terceira característica é o enfoque interdisciplinar e participativo. São várias as
modalidades de projetos educativos integrados, mas de um modo geral todas envolvem
atitudes interdisciplinares, planejamento conjunto, participação ativa e compartilhada entre
professores (as), educadores (as), coordenadores (as) e educandos (as), bem como aspectos da
realidade cotidiana de ambos.
Dessa forma, todos são co-responsáveis pelo desenvolvimento do trabalho e,
principalmente, vislumbram a possibilidade de cada sujeito expor sua singularidade e
encontrar um lugar para sua participação na aprendizagem.
Assim, na análise das diferentes propostas identificamos um itinerário pedagógico
semelhante nos seus elementos constitutivos (embora tenham ênfase e terminologias distintas
o centro é a relação prática-teoria-prática).
159
4.4 Lugares Institucionais da Educação do Campo
Os Lugares Institucionais que se constituem em campo empírico da pesquisa levaram em
consideração: a abrangência da iniciativa, o tempo que atuam com processos de escolarização
do campo, a participação no debate nacional das políticas educacionais do Campo, a
interlocução com as organizações dos Povos do Campo e com o poder público federal,
estadual e municipal. Foram eles: a Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo,
o Centro de Formação Familiar em Alternância, a Rede de Educação do Semiárido e a Proposta
Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável, das quais trataremos a seguir como
representativos do Movimento da Educação do Campo.
Centro de Formação Familiar por Alternância - CEFFAS82
O CEFFAS é uma associação de caráter comunitário, constituída de famílias,
profissionais e entidades que buscam resolver os problemas de promoção e desenvolvimento do
campo, articulando educação e formação, com base em valores da participação, da cidadania,
da sustentabilidade e solidariedade.
O CEFFAS é um lugar institucional importante na construção do Movimento da
Educação do Campo. Tem origem na sociedade francesa, a partir das Maisons Familales
Rurales - MFR83, e sua expansão para vários países da Europa e diferentes continentes do
mundo organizadas em torno da Associação Internacional das Maisons Familiares Rurales
AIMFR. Objetiva representá-los junto aos organismos supranacionais como FAO, UNESCO,
ONU, assim como incentiva a Pedagogia da Alternância a partir das pesquisas junto às
universidades do mundo inteiro.
A criação do CEFFAS84 em 2001 teve um papel significativo na visibilidade e articulação
das iniciativas da Pedagogia da Alternância com outras práticas existentes no campo. O
CEFFAS é formado pela junção das redes, União Nacional das Escolas Familiares Agrícolas do
82 As referências históricas que compõem a seção foram extraídas do trabalho de LOURDES HELENA SILVA
(2000) e JOÃO BATISTA QUEIRÓZ (1997; 2004). 83 Segundo Gimonet (2007), os fundadores das primeiras MFR na França, em 1935, não tinham nenhuma
trajetória pedagógica. Eram agricultores e um padre, influenciados pela organização sindical e pelo movimento cristão de ação social Le Sillon de onde tiraram os primeiros ensinamentos para construir uma
relação entre experiência e educação e Celestin Freinet com o texto livre, biblioteca de trabalho e aulas passeios, e depois dos anos 1960 o contato com as ideias de Paulo Freire e Jean Piaget.
84 A terminologia CEFFA foi assumida num encontro em Puerto Iguaçu, Argentina. Este encontro aconteceu paralelamente ao Seminário Latino-Americano da Pedagogia da Alternância, realizado na mesma cidade nos dias 07 a 09 de abril de 2001.
160
Brasil (UNEFAB)85, Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Sul do Brasil
(ARCAFAR SUL) e Associação Regional das Casas Familiares Rurais das Regiões Norte e
Nordeste do Brasil (ARCAFAr Norte-Nordeste)86, e das Escolas Comunitárias Rurais
(ECORs).
Nessa estrutura, constam as dimensões estaduais e regionais87, que se diferenciam a
partir de peculiaridades regionais. Além disso, encontramos diferentes tipos de iniciativas que
constituem os Centros de Formação Familiar em Alternância, conforme nos mostra o quadro n°
10.
Escolas Famílias AgrícolasEFAs
Casas Familiares Rurais CFR
Escolas Comunitárias Rurais
Enfatizam a formação escolar dos educandos/as, a partir do regime seriado e regularizado junto às Secretarias Estaduais de Educação (SEE), possuindo também a formação técnica, tanto no Ensino Fundamental, bem como, de forma mais específica, no Ensino Médio, onde se trabalha a Educação Profissional de Técnico em Agropecuária.
Estão localizadas nos diferentes estados do Brasil
As CFRs têm como prioridade a formação técnica do educando/a. Diferenciam-se das EFAs por adotar o regime de suplência. Existem casos de o jovem permanecer duas semanas na Escola e uma semana na família. Por isso, em grande parte, a denominação de Casa Familiar Rural.
Estão localizadas principalmente na Região Sul do Brasil
Possuem as mesmas características metodológicas das EFAs, no entanto, são grupos autônomos que estão ligados a movimentos sociais e eclesiais, que pressionam o poder local para realizar a implantação e a aprovação da Pedagogia da Alternância, para que a experiência possa ter validade. Por isso, muitas experiências surgem com o apoio das prefeituras locais e do Governo do Estado.
Estão localizadas no Norte do Espírito Santo (ES) e na Bahia
Fonte: Nascimento, 2005
Quadro 10 Iniciativas Educativas que compõem a Rede CEFFAS no Brasil
No Brasil, as primeiras experiências do CEFFAS surgiram em 1968, no município de
Anchieta, no Estado do Espírito Santo, com o nome de Escolas Famílias Agrícolas (EFAs),
85 União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil - UNEFAB foi criada em 1982, através de um
processo de discussão e estudo realizados pelas EFAs - Escolas Famílias Agrícolas, buscando ser uma instituição de representação e assessoria à estas escolas, auxiliando no fortalecimento e divulgação da proposta pedagógica da Alternância.
86 Atualmente o quadro das associações regionais que organizam as experiências de formação em alternância,vinculadas ao modelo das CFR no Brasil, é composto pela Arcafar Sul e a Arcafar Norte/Nordeste. Encontram-se em implantação a Arcafar Norte de Minas e a Arcafar Centro-Oeste.
87 A associação Regional agrupa um conjunto de Escolas Famílias por Estado, região ou mais de um Estado. Hoje são onze regionais legalmente constituída: Aecofaba, BA; Aefapi, PI, Aefaro, RO, Aefacot Centro Oeste e Tocantins; Amefa, MG; Acefarj, RJ; Fata, PA; Raceffaes, ES; Raefap, AP; Refaisa, BA e SE e Uaefama, MA.
161
trazida pelo religioso Pe. Umberto Pietrogrande. Contaram com o apoio de lideranças de
agricultores familiares da região e do Movimento Educacional e Promocional do Espírito Santo
(MEPES).
Posteriormente, na década de 1980, surgiram as Casas Familiares Rurais (CFRs). A
despeito de suas especificidades e diferenças, ambos os movimentos têm a Pedagogia da
Alternância como a base da organização de seus projetos educativos. A partir de 1987, essas
iniciativas se expandiram para outros Estados Brasileiros e organizaram suas regionais para
coordenação das Escolas.
Na década de 1990, nasceram as Escolas Comunitárias Rurais (ECORs) e outros
Centros Educativos88, que também assumiram a Pedagogia da Alternância como estratégia
metodológica. A rede CEFFAS se organiza numa articulação permanente entre família, escola,
comunidade e espaço socioprofissional, tendo como referência o contexto social no qual a
escola está inserida, conforme podemos ver no gráfico n° 8
Fonte: Revista da Alternância
Gráfico 8 Elementos que compõem o Sistema Ceffas.
88 Queiroz (2007) denomina de Centros Educativos de Alternância (CEAS) outras experiências que adotam a
Pedagogia da alternância, como por exemplo, o Programa de Formação de Jovens Empresários Rurais de São Paulo (PROJOVEM), Escolas Técnicas Estaduais(ETE), Casas das Famílias Rurais(CDFR) e Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural(CEDEJOR), mas que não assumem necessariamente os quatro pilares da Pedagogia da Alternância que caracterizam os CEFFAS enquanto um movimento político e educativo.
162
A Pedagogia da Alternância, ao articular diferentes espaços e tempos de aprendizagem,
constitui uma rede de relações entre diferentes atores sociais, que colaboram no processo
educativo. Nesse processo o professor/Monitor89 se torna um catalisador da formação, pois é
ele o articulador dessas parcerias. Por isso, uma de suas características básicas deve ser a
capacidade de liderança, animação e comunicação, tanto dentro da equipe, quanto fora da
escola.
O engajamento social torna-se uma matriz pedagógica fundamental, uma vez que não
se concebe aprender fora da realidade. É importante discutir a realidade, refletir sobre ela,
experimentá-la, vivê-la existencialmente e coletivamente. Por isso, torna-se importante o
engajamento do jovem na unidade produtiva da família, nas associações e grupos existentes na
comunidade, nos trabalhos coletivos comunitários, como processo de formação.
O compromisso com a mudança e a transformação de sua realidade individual, familiar
e coletiva origina-se e explicita-se na construção de uma ética do compromisso. A necessidade
de aprender para a organização e a auto-gestão é fundamental para a existência e fortalecimento
da agricultura familiar e para o desenvolvimento pessoal e comunitário dos educandos (as) e
suas famílias.
A pertinência, a originalidade e a heterogeneidade da Rede CEFFAS constrói-se numa
perspectiva de unidade na diversidade, assegurada por alguns traços fundamentais: associação
das famílias, formação integral dos jovens, alternância e desenvolvimento sustentável e
solidário.
A Associação de famílias compartilha o poder educativo. Constitui um espaço de gestão
administrativa, política, jurídica das escolas e de aprendizagem dos princípios cooperativistas e
associativistas. A associação e participação das famílias constituem, assim, componentes
indissociáveis e fundamentais na expressão das realidades, necessidades e desafios presentes no
contexto sócioeconômico, cultural e político da escola, formalizando a justificativa de
existência desse espaço escolar, pressupondo-se que é possível mantê-lo como patrimônio
comunitário rural.
O nível de inserção e participação dos pais e da comunidade na dinâmica da gestão
escolar é talvez seja um dos grandes desafios para a operacionalização de um bom trabalho nos
estabelecimentos de alternância. E os processos de construção, implantação e manutenção
89 Na Pedagogia da Alternância o professor é denominado de Monitor devido a esse termo tem sido usado na
origem da experiência na França para se contrapor ao papel do professor tradicional. No entanto, esse profissional se caracteriza em sua formação e nos papéis que desenvolvem nas Escolas como um docente.
163
dessa proposta nas comunidades são, na sua gênese, indicadores de avaliação da qualidade da
gestão participativa da EFA.
A Formação integral dos jovens rurais visa à aprendizagem de valores, tais como:
criatividade, responsabilidade, solidariedade, espírito de iniciativa, vida comunitária, trabalho
de grupo. Isso pressupõe a organização de uma instituição educativa contextualizada na
realidade dos educandos (as), dando sentido à sua permanência no espaço rural e criando
condições para que vivam, trabalhem neste espaço com qualidade de vida.
Esse processo educativo parte, segundo Pedro Pui
formação profissional, formação social, educação, cidadania, projeto de vida, economia,
família, todos os meios que se referem ou que interferem de uma maneira ou de outra na
-se, com isso, o envolvimento dos jovens com seus espaços de
forma sintonizada com o processo de formação escolar e profissional, na tentativa de criar
possibilidades de interação/intervenção no desenvolvimento de sua realidade.
Outro sujeito fundamental na Pedagogia da Alternância é o professor denominado de
monitor-educador90, cujo perfil deve incorporar conhecimentos dos ambientes sócio-
profissionais do campo, uma formação específica do domínio de conteúdos da sua área e das
tecnologias do conhecimento e capacidade de animar as alternâncias junto ao grupo de
estudantes e demais atores envolvidos na alternância.
A Alternância enquanto princípio e método pedagógico, mais que característica de
sucessões repetidas de sequencias, visa desenvolver, na formação dos jovens, situações em que
o mundo escolar se posiciona em interação com o mundo que o rodeia. O projeto educativo
define o itinerário da formação, no qual a experiência de cada alternante é ponto de partida e de
chegada do processo.
Os dispositivos pedagógicos usados, o papel da escola e da família na construção do
conhecimento e a estrutura educativa e psico-afetiva asseguram a organização e aprendizagem
dos estudantes e da equipe educativa que tem na figura dos monitores um papel fundamental
na mediação do conhecimento, pois
uma das complexidades da alternância está na diversidade de relações com pessoas que colaboram com o processo de formação, com entidades parceiras, com espaços e tempos diferentes (tempo escola e tempo comunidade), com as diversidades culturais do campo, com os diversos campos de saberes: práticos, populares, teóricos, científicos (REVISTA DA FORMAÇÃO DA ALTERNÂNCIA, 2006,p.33).
90 Todas as vezes que no trabalho aparecer o termo monitor (a) estamos nos referindo ao professor (a) na EFA. No
entanto, esse profissional possui formação para o exercício docente.
164
O Desenvolvimento sustentável e solidário tem sua base é no fortalecimento da
agricultura familiar e inserção profissional dos jovens no campo. Os projetos de
desenvolvimento devem estar permeados de valores educativos: da justiça social, da economia
solidária, do respeito à natureza, da equidade de gênero, geração e etnia, da democracia
participativa, com a criação de novos contextos educativos de integração criativa, cooperativa,
solidária, emancipadora e humanizadora, entre os diferentes sujeitos, grupos de pessoas e
comunidades.
È possível acompanhar a configuração dos quatro pilares que fundamentam as práticas
educativas da Pedagogia da Alternância, conforme o gráfico n° 9.
Fonte: PUIG, 2005
Gráfico 9 - Pilares dos CEFFAS: finalidades e meios
Segundo Jean-Claude Gimonet (2007), os pilares do CEFFAS constituem movimento
mundial. No Brasil, contudo, as suas nuances são ressignificadas em função de cada contexto
local e, principalmente, de uma Pedagogia centrada na realidade ou pedagogia da
complexidade,
como cadinho de formação e de
165
Portanto, a realidade é o ponto de partida e de chegada da formação. A articulação entre
a teoria e a prática torna-
gerir os diferentes meios de vida dos adolescentes como fontes de saber, de aprendizagens e
como espaços educativos aglutinadores, sem reduzir os campos de saberes da vida e os campos
Constitui os CEFFAS uma educação específica e enraizada na vida do povo do campo,
que valoriza as experiências vivenciadas na família, na comunidade e no trabalho como
espaços articulados de aprendizagem. Vejamos:
Uma escola e uma educação específica e diferenciada que, enraizada na cultura do campo, contemple no processo de formação os valores, as concepções, os modos de vida dos grupos sociais que vivem no campo. Uma escola que seja, também, instrumento de melhoria nas condições de vida e de trabalho dos agricultores e do meio rural. (SILVA, 2006, p.16).
A Rede CEFFAS está presente em 20 estados brasileiros, ultrapassando o total de 265
estabelecimentos em funcionamento, atendendo a cerca de 20.670 adolescentes e jovens, com
mais de 850 educadores (as)/monitores(as). Esses centros já formaram mais de 30.000 jovens,
dos quais, hoje, 87% permanecem no meio rural, desenvolvendo seu próprio empreendimento
junto às suas famílias ou exercendo vários tipos de profissões e lideranças no campo.
(QUEIROZ, 1997)
Dentre as iniciativas que se afiliam ao discurso do CEFFAs, destacamos a Escola
Família Agrícola EFA, experiência que tem uma maior capilaridade nos Estados Brasileiros e
que, desde sua criação, associa escolarização e qualificação profissional, o que possibilitou
uma alternativa de escolarização para o meio rural, que possibilita ao aluno ter acesso à escola e, ao mesmo tempo, permanecer junto à família, à sua cultura e às atividades produtivas. Na construção dessa lógica explicativa das seqüências dos alunos no meio familiar, no meio escolar e no meio profissional, os argumentos desenvolvidos enfatizam a adequação dessa dinâmica educativa às condições de vida e de trabalho da população rural, sobretudo à necessidade de permanência do jovem na unidade familiar produtiva (REVISTA DA ALTERNÂNCIA, 2006, p.14).
Dessa forma, a Escola Família Agrícola se implementa no Brasil como uma alternativa
para a escolarização dos adolescentes e jovens do meio rural, numa articulação permanente
entre escola, cultura e trabalho.
166
Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo
A Articulação Nacional por uma Educação do Campo é um lugar institucional
importante na construção do Movimento da Educação do Campo no Brasil. A prática
pedagógica e a formulação teórica com origem no MST, o qual desenvolvia processos
educativos nos assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, foi afirmando-se com a
construção do Setor de Educação do Movimento em 1988, mas também por meio de outros
grupos como organização dos Movimentos de Atingidos por Barragens (MAB); Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA); e experiência das Pastorais Sociais: Conselho Indigenista
Missionário (CIMI); Comissão Pastoral da Terra (CPT); e Movimento de Educação de Base
(MEB).
Posteriormente, outros movimentos sociais, organizações não-governamentais e
Universidades foram se afiliando a Articulação Nacional por uma Educação do Campo e
ampliando os seus referenciais político-pedagógicos, evidenciando a diversidade de sujeitos
coletivos que desenvolviam trabalhos educativos com os sujeitos do campo.
A Articulação Nacional se organiza a partir da realização dos Encontros Nacionais dos
Educadores/as da Reforma Agrária (ENERAs), que começaram a acontecer a partir de julho de
199791. Estes foram inicialmente realizados pelo MST, a Universidade de Brasília (UnB) e a
Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que trabalhavam com educação por meio
de diversos organismos, como Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral
da Terra ( CPT), o Movimento de Educação de Base (MEB), bem como por organismos
ligados à Organização das Nações Unidas (ONU), como é o caso da Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a
Infância- UNICEF.
Os encontros contaram com apresentação e debates de experiências dos diferentes
estados e culminaram com o lançamento do Manifesto das Educadoras e Educadores da
Reforma Agrária ao Povo Brasileiro.
Esses encontros foram a base para a realização da I Conferência Nacional de Educação
do Campo realizada em 1998, em Luziania-Goias92, organizada numa parceria entre MST,
91 Antes existiam espalhadas por todo o país, iniciativas isoladas, no entanto, não se articulavam em redes nem
espaços nacionais. O Encontro reuniu cerca de 700 participantes de 19 estados e do Distrito Federal, entre professores de escolas de acampamentos e assentamentos, alfabetizadores de jovens e adultos, educadores infantis e convidados.
92 A Conferência Nacional reuniu cerca de mil participantes, entidades e educadores que trabalhavam com educação básica no meio rural para intercâmbio de experiências e discussão sobre políticas públicas e projeto
167
CNBB, UNESCO, UNICEF e UnB, que assumiram a continuidade da mobilização que deu
origem à Articulação Nacional por uma Educação do Campo. Dois objetivos moveram o seu
surgimento: Mobilizar o povo que vive no campo, com suas diferentes identidades, e suas organizações para conquista/construção de políticas públicas na área de educação e, prioritariamente, da escolarização em todos os níveis. Contribuir na reflexão político-pedagógica da Educação do Campo, partindo das práticas já existentes e projetando novas ações educativas que ajudem na formação dos sujeitos do campo (I CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO, 1998).
A realização do Seminário Nacional por uma Educação do Campo, em Brasília, em
2002, fez ampliar essa articulação, incluindo outros movimentos sociais e Ong`s, entre eles, a
CONTAG, CEFFAS e RESAB, que organizaram a II Conferência Nacional da Educação do
Campo93, em 2004, também em Luziania - Goiás. Conforme o Documento da Conferência esse
momento teve um
Papel significativo no processo de rearticulação da questão da educação da população do campo para a agenda da sociedade e dos governos, e inaugurou uma nova referência para o debate e a mobilização popular: a Educação do Campo que é contraponto tanto ao silêncio do Estado como também às propostas da chamada educação rural ou educação para o meio rural no Brasil. Um projeto que se enraíza na trajetória da Educação Popular (Paulo Freire) e nas lutas sociais da classe trabalhadora do campo (II CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO BÁSICA DO CAMPO, 2004).
A II Conferência, na sua declaração final, afirma seu projeto e o papel estratégico da
Educação. Vejamos:
Lutamos por um projeto de sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao Agronegócio. (...) Lutamos por um projeto de desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e implementação (II CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO BÁSICA DO CAMPO, 2004).
pedagógico que possam garantir a implementação de uma educação básica do campo. (CALDART, 2000, p.176)
93 Assinam a Declaração Final da II Conferência Nacional de Educação do Campo os seguintes Movimentos Sociais e Organizações, a saber: CNBB, MST, UNICEF, UNESCO, UnB, CONTAG, UNEFAB, UNDIME, MPA, MAB, MMC, MDA/INCRA/PRONERA, MEC, FEAB, CNTE, SINASEFE, ANDES, Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Frente Parlamentar das CEFFAs, SEAP/PR, MTE, MMA, MinC, CONSED, FETRAF, CPT, CIMI, MEB, PJR, Cáritas, CERIS, MOC, RESAB, SERTA, IRPAA, Caatinga, ARCAFAR SUL/NORTE.
168
O documento explicita a relação que se estabelece entre o projeto de campo e o papel da
Educação, na formulação dos princípios da Articulação Nacional. Segundo o documento da I
Conferência Nacional, os princípios são os seguintes:
a) transformação no papel da escola e na afirmação da educação como direito: implica
o compromisso ético/moral com cada sujeito das práticas educacionais como pessoas humanas,
singulares e sociais; compromisso com a intervenção social na construção de projeto de
desenvolvimento e formação para o trabalho no campo; compromisso com a cultura do povo do
campo (resgate, conservação, recriação) na educação dos valores, na educação da memória
histórica, na educação para a autonomia cultural. Por isso, a luta dos Povos do Campo por
políticas públicas que garantam o direito à educação que seja no e do campo é determinante
para o debate geral da educação e de um projeto popular de desenvolvimento do país.
b) transformação nos processos de gestão da escola: a reinvidicação pela ampliação
quantitativa e qualitativa das escolas no campo passa por construção de um processo político e
pedagógico de democratização dos espaços escolares, na criação de coletivos pedagógicos de
estudantes e educadores, da participação da família, do diálogo com a comunidade.
c) transformação e construção de um projeto educativo: a educação do campo surge a
partir das práticas educativas desenvolvidas pelos sujeitos do campo. Assim, reafirma e dialoga
com a Pedagogia do Oprimido, ao colocar os oprimidos como sujeitos de sua educação e
libertação e, em ênfase, a cultura como matriz de formação do ser humano; com a Pedagogia
do Movimento, reconhecendo a dimensão educativa da participação das pessoas nos
movimentos sociais e dos ensinamentos pedagógicos das lutas sociais; e reafirma ainda como
especificidade a Pedagogia da Terra94, pela dimensão educativa da relação do ser humano com
o cultivo da terra, a luta da terra, o cuidado com a Terra, com o Planeta.
d) (trans) formação dos educadores/educadoras da escola do campo: pressupõe a
formação permanente, sistemática e específica para atuar nas Escolas do Campo. Assim, são
necessárias a criação de coletivos pedagógicos como espaços de crítica e autocrítica das
práticas pedagógicas. A realização de eventos de intercâmbio para troca de experiências e
aprofundamento das práticas pedagógicas; a reinvidicação de formação inicial com cursos
específicos para os educadores (as) do campo, organizados pelas Universidades Públicas;
criação de programas sistemáticos e permanentes de formação continuada; e eventos
organizados pelas comunidades, assentamentos e movimentos sociais. Tais iniciativas são o
94 O termo Pedagogia da Terra está presente em diversos movimentos que têm em sua pauta de luta questões
ambientais, ligadas a uma conjuntura que vai além da perspectiva do meio ambiente. A expressão Pedagogia da Terra é também o nome dado pelo MST ao seu curso de formação de educadores.
169
estimulo permanente para que os educadores (as) possam refletir, escrever e sistematizar sobre
suas práticas pedagógicas.
A Articulação Nacional assume esses objetivos como orientadores do processo de
organização curricular, entendendo a escola como centro de formação humana. Por isto, as
Escolas do Campo precisam ter um ambiente educativo que combine múltiplas atividades
contemplando a relação com o trabalho na terra, a cultura, a memória e as lutas sociais.
No conjunto das organizações que deram origem à Articulação Nacional, destacamos
como campo de pesquisa o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a partir dos
critérios: o papel que desempenhou na constituição da Articulação e a influência de seu projeto
educativo na sua formulação. O MST coordena escolas em quase todos os Estados Brasileiros
com níveis e modalidades da Educação Básica, colocando-se como formulador de uma prática
e de uma teoria da educação, que denominam de Pedagogia do Movimento.
Roseli Caldart (2004) afirma que essa Pedagogia representa para o Movimento um
reencontro do camponês com a terra e, por conseguinte, consigo mesmo, já que ela representa
sua raiz. É justamente dessa relação entre o camponês e a terra que são criados os processos
pedagógicos que originam os aprendizados do trabalhador no ato da produção e do cuidado
com a mesma.
Para o MST, é na coletividade da organização e da luta pela terra que os Sem Terra
Dossiê MST, 2005, p. 244). Embora a Pedagogia do Movimento extrapole a escola, ela se
torna fundamental para o processo de formação humana dos Sem Terra. Por isso,
Pensar na escola como uma oficina de formação humana quer dizer pensá-la como um lugar onde o processo educativo ou o processo de desenvolvimento humano acontece de modo intencionalmente planejado, conduzido e refletido para isso; processo que se orienta por um projeto de sociedade e de ser humano, e se sustenta pela presença de pessoas com saberes próprios do oficio de educar (DOSSIÊ MST, 2005, p.244).
O MST está organizado em praticamente todo o território nacional e, nesses mais de
vinte anos de luta pela terra, possibilitou o assentamento de cerca de 300 mil famílias em mais
de 16 milhões de hectares. Surgiu a partir do reaparecimento da luta pela terra no Brasil, nos
Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul,
através de ocupações que ocorreram nos anos de 1978 e 1979.
Constituiu- Ocupar,
resistir, produzir omo lema para orientar as lutas do Movimento. A partir de 1995, esse lema
Reforma agrária, uma luta de todos
170
entendimento do Movimento da integração de outros setores sociais na luta contra os processos
de desigualdade e exclusão social, como também da incorporação de sujeitos marginalizados
nas periferias urbanas para a luta da terra.
Em sua trajetória, o MST conseguiu consolidar-se como movimento fortemente
organizado, conquistando importante espaço político na sociedade brasileira. Esta organicidade
permitiu ao Movimento constituir uma dinâmica própria no que se refere à vida das famílias
assentadas e acampadas, propiciando a formulação e a concretização de políticas que dizem
respeito à produção, à educação, à saúde, entre outras áreas.
É nesse sentido que a educação aparece no MST como uma porta de entrada ao
conhecimento teoricamente elaborado, que contribua para a formação e transformação do ser
humano enquanto ser social, membro de uma coletividade, que também produz conhecimento
através de suas vivências nesse coletivo.
Como lembra Roseli Caldart (2000), o ato de ocupar a escola representa, para além de
ter acesso, um ato de reivindicar uma educação que dê conta de atender à realidade das crianças
vinculadas ao Movimento. Assim, para ela,
ocupar a escola quer dizer, em primeiro e básico sentido, produzir a
consciência da necessidade de aprender ou de saber mais do que já se sabe. De
modo geral, quando os sem-terra falam da importância do estudo, podem até
estar se referindo à escola, mas não no sentido restrito de escolaridade, que
remete ao significado historicamente construído de escola como um lugar
onde se deve ir para conseguir um diploma, para então conseguir um emprego
melhor, e de onde se é excluído quando a cabeça não dá prá isso...
(CALDART, 2000, p.215).
Essa autora apresenta três significados para a origem da Escola no MST. O primeiro é a
mobilização das famílias sem-terra pelo direito a uma escola diferente e significativa para os
educandos(as). Essa mobilização, que começou com as mães e professoras, suscitou a
participação dos pais e lideranças do Movimento, seguidos dos próprios educandos (as).
O segundo é a luta para assegurar o direito das crianças à escolarização dentro dos
acampamentos e assentamentos, inicialmente na Fazenda Anoni, no Rio Grande do Sul, por
iniciativa de pais e professores. E, por fim, a luta para garantir escolas públicas na terra
conquistada pela pressão e mobilização de lideranças para constituição de uma escola
específica para as áreas de Reforma Agrária,
A experiência avança para a criação do Setor de Educação do Movimento e dos
coletivos de educação nos municípios, com a função de conduzir o trabalho de mobilização e
171
reflexão sobre a escola no âmbito dos assentamentos e acampamentos. Esses coletivos são
compostos por educadores (as) do Movimento e outras pessoas dos acampamentos e
assentamentos com afinidade ou sensibilidade para com a questão da educação.
O Setor de Educação elaborou a Proposta Pedagógica do Movimento, cujos princípios
filosóficos foram explicitados no Caderno de Formação95: Educação para a Transformação
Social; Educação para o trabalho e a cooperação; Educação voltada para as várias dimensões da
pessoa humana; Educação com/para valores humanistas e socialistas, e Educação como
processo permanente de formação/transformação humana.
O MST tem como finalidades e objetivos da educação: Educação para a
transformação social como educação de classe, na perspectiva de contribuir para a hegemonia
da classe trabalhadora. Por isso, precisa ser organicamente vinculada à luta e organicidade do
MST, como uma educação massiva; a educação para o trabalho e a cooperação,
possibilitando aprendizagens de experiências de cooperação, que preparem as pessoas para
viabilizar a produção coletiva; educação onilateral que trabalhe de forma integrada à formação
político-ideológica, formação organizativa, formação técnico-profissional, formação cultural e
estética, formação religiosa e moral, como um processo permanente de formação e
transformação humana e a Educação com/para valores humanistas e socialistas, para
construção do novo homem e da nova mulher, com valores necessários a uma nova ordem
mundial, que colocam no centro dos processos de transformação a pessoa humana e sua
liberdade, como um ser de relações sociais que visem à produção e à apropriação coletiva dos
bens materiais e espirituais da humanidade, e a justiça na distribuição desses bens (DOSSIÊ
MST, 2005, p.164).
Atualmente o MST acompanha a prática educativa de aproximadamente 950 escolas
públicas, em todo o país. Atinge cerca de 40 mil alunos e 1800 professores. Em alguns Estados
também se desenvolvem experiências de alfabetização de adultos e de educação infantil. O
MST vem, ainda, criando escolas alternativas em nível de Ensino Médio para jovens e adultos
dos assentamentos que querem e precisam aprofundar sua qualificação técnica, especialmente
nas áreas do Magistério, Produção e Administração.
A formação acontece também em nível técnico, por exemplo, no curso de Magistério
para professores de assentamentos, no curso superior de Pedagogia da Terra e no curso técnico
em Administração de Cooperativas, que se desenvolvem no Instituto Técnico de Ensino e
95 Segundo Caldart (2000), trata-se do Caderno de Formação n° 18 do MST, considerado o primeiro material
produzido de forma coletiva pelo Movimento para orientar o trabalho de educação. Depois disso, foi criada uma coleção específica chamada Cadernos de Educação que, a cada número, vai socializando as elaborações da proposta pedagógica do Movimento.
172
Pesquisa em Reforma Agrária (ITERRA), centro de formação vinculado ao MST. Os alunos
desses cursos participam da gestão das escolas e realizam trabalhos práticos nos assentamentos,
com a metodologia da alternância. Além de escolas, cursos e programas, o MST mantém a
Escola Nacional Florestan Fernandes, que oferece aos acampados e assentados o Curso Básico
de Formação de Militantes e Cursos de Formação de Formadores.
Dentre essas iniciativas, destaca-se a Escola Itinerante96, como uma experiência
específica dessa organização, que nasceu das necessidades e da luta dos acampados,
especialmente das crianças.
Rede de Educação do Semiárido Brasileiro RESAB/ECSA
Outro lugar institucional de mobilização da Educação do Campo se constitui a partir de
1998, quando entidades não governamentais, pastorais sociais, Sindicatos de Trabalhadores (as)
Rurais, que atuavam com Povos do Campo no Semiárido Brasileiro, desenvolvendo ações
formativas de convivência com esse ecossistema, a partir dos fundamentos da Educação
Popular e da Agroecologia, iniciam trabalho pedagógico com as escolas da região semiárida.
Esse trabalho pedagógico desenvolvido inicialmente pelo Instituto Regional da Pequena
Agropecuária Apropriada (IRPAA), numa parceria com a Universidade Estadual da Bahia
(UNEB) e a UNICEF na rede pública municipal de Canudos, Uauá e Curaçá; pela Associação
de Desenvolvimento Comunitário (ADAC), em parceria com o CIRAD, em Massaroca-
Juazeiro; pelo Movimento de Organização Comunitária (MOC), na região sisaleira da Bahia;
e pelo Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais
Alternativas (CAATINGA), em Ouricuri Pernambuco, foi posteriormente envolvendo outras
entidades que desenvolviam a Educação Contextualizada do Semiárido (ECSA).
A articulação entre as diferentes entidades culminou com o I Seminário de Educação no
Contexto do Semiárido, em Juazeiro, na Bahia, em 2000, surgindo, assim, a Rede de Educação
do Semiárido Brasileiro (RESAB), como um espaço de articulação política regional da
sociedade organizada, congregando educadores(as) e instituições governamentais e não
governamentais que atuam na área de Educação no Semiárido Brasileiro, defendendo que:
96 A Escola Itinerante nos acampamentos está organizada em etapas, que correspondem ao ensino fundamental
de 1º ao 6º ano, com objetivos e conteúdos próprios a cada etapa. As etapas previstas na Proposta Pedagógica da Escola Itinerante caracterizam-se por flexibilização pela integração. A organização curricular prevista a cada etapa possibilita a apreensão e a sistematização de conhecimentos conforme o processo de cada aluno(a). No momento em que a criança construir as referências correspondentes a cada etapa, ela passará para a seguinte, ficando claro que o ingresso ou a passagem das etapas poderá acontecer em qualquer época do ano letivo, a partir de avaliação realizada pelos professores (as) (CAMINI, 1996).
173
A função primordial da RESAB é fazer dialogar os diversos sujeitos individuais e coletivos e suas experiências, ela deveria também cuidar de
de um lado para outro no processo de sua constituição, e ainda assim, colocar outras questões que ainda não foram colocadas, bem como apontar um lugar mais específico para si própria. [...] Não obstante, sugerir uma proposta de Educação para a Convivência com o Semiárido é um desafio, pois, enquanto rede, não pode correr o risco de sermos reducionistas a ponto de, ao propor uma proposta, tentar uniformizar a rica diversidade de experiências já em curso nas diversas regiões do SAB, cada qual com suas opções metodológicas (RESAB, 2004, p.37).
Na verdade, a RESAB é uma rede que reúne instituições que já contam com suas
próprias propostas político-pedagógicas e metodológicas, de acordo com a natureza do trabalho
educacional que realizam. É assim que o IRPAA97, MOC98, ERUM/ADAC99, na Bahia, o
Caatinga100, em Pernambuco, o Instituto Sertão no Ceará, a Cáritas, em vários Estados, o
CAAM, no norte de Minas Gerais e a CPT, no Sertão na Paraíba, tendo em comum o contexto
e a convivência com o Semiárido, desenvolvem suas próprias propostas de trabalho. Podemos
dizer que:
Assim, a RESAB não se confunde com nenhuma destas instituições: ela não é nenhuma e nem outra; é uma ligação que se tece entre todas elas; é uma rede tecida entre todas. Daí que, se a função primordial da RESAB é fazer dialogar os diversos sujeitos individuais e coletivos e suas experiências, ela deveria também cuidar de estabelecer uma espécie de síntese que têm pululado de um lado para outro no processo de sua constituição, e ainda assim, colocar outras questões ainda não foram colocadas, bem como apontar um lugar mais específico para si própria (RESAB, 2004, p.12 ).
Nesse sentido, duas categorias são fundamentais nas diferentes entidades que se
articulam na Rede: a contextualização e a convivência. Para a ECSA, o contexto extrapola o
espaço físico e o local, pois o
contexto é o conjunto de elementos ou de entidades, sejam elas coisas ou eventos, que condicionam, de um modo qualquer, o significado de um enunciado. O contexto, então, não é apenas físico e objetivo, ele compreende regimes de signos, materiais, móveis, componentes de subjetividades. Sendo
97 O Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, localizada na Bahia que desenvolveu a proposta
educacional denominada Educação para Convivência no Semiárido. Implementada em vários municípios do Estado da Bahia e Piauí.
98 Movimento de Organização Comunitária, atua na região sisaleira da Bahia em Educação do Campo junto a Rede Pública Municipal.
99 Associação do Desenvolvimento Comunitário, atua no Estado da Bahia junto a Rede Pública Municipal, é uma das organizações que presta assessoria a ERUM.
100 Centro de Assessoria e apoio aos trabalhadores e Instituições não governamentais alternativa, localiza-se em Ouricuri, Pernambuco, fortalecendo o processo de formação de professores/as do campo.
174
assim, contextos não se fixam apenas ao local, à sala de aula, à comunidade local, a um território determinado. Ele se estende até um sistema de valores, que extrapolam qualquer fronteira geofísica descuidadamente traçada uma vez que se traçam em redes de conteúdos que fundem o passado e o futuro, o local e o global, o pessoal e o coletivo (RESAB, 2005, p.35).
Conforme Ivânia Souza (2005), a proposta da ECSA aponta para uma visão de currículo
que considera a historicidade dos sujeitos sociais, os processos históricos em que estão
inseridos, no entanto, sem reduzir o ensino/aprendizagem àquilo que o educando (a) já sabe. A
contextualização é a possibilidade de criar significados para aquilo que se vivencia na escola.
ção de sentido ao que se aprende,
Do ponto de vista escolar o currículo torna-se a forma pela qual os saberes na sociedade
são enfatizados ou omitidos dentro do processo ensino aprendizagem. Presenças e ausências
nos currículos expressam uma posição político pedagógica, resultado de disputas de projetos
de sociedade, de embates e conflitos em torno dos conhecimentos, das habilidades e dos valores
que devem ser aprendidos e, portanto, contribuem para a produção de identidades sociais,
sexuais e culturais, dimensão também destacada pela crítica de Paulo Freire à neutralidade com
que são tratados os contextos.
Para a ECSA, o currículo tem uma posição estratégica nas mudanças das escolas,
porque é o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes
significados sobre o social e o político.
A Convivência com o Semiárido é um fundamento dessas práticas educativas. O
processo educativo, enquanto formação humana, busca construir uma convivência101
referenciada na interação ética entre as diferentes identidades, as múltiplas sociabilidades, no
compartilhar, na contestação, na qual se fundamentam os conteúdos e os dispositivos
pedagógicos a serem trabalhados na escola.
Para Oscar Braga (2004), a educação como dimensão convivial supõe três dimensões
importantes:
compartilhar a vida; 2) a do viver comum, que é mais do que estar junto, pois implica aceitar o outro ser vivo (humano e natureza) como legitimo outro, na sua identidade e subjetividade e 3) a da contestação e da luta, da dialética da existência e da afirmação da diferença, onde buscamos o equilíbrio entre as
101 Segundo os documentos da Resab, a concepção de convivência está pautada pelas ideias de Michel Maffesoli
no livro no Fundo das Aparências (2000), de Humberto Maturama, no livro Emoções e Linguagem na Política e na Educação (1998), e de Félix Guattari, no livro As Três Ecologias (1990).
175
forças opostas da vida. Educar para a convivência é trabalhar essas dimensões
Nessa perspectiva, o ser humano é concebido como um ser biossocial, como um ser da
natureza e da sociedade ao mesmo tempo. Por isso, educar para a convivência é desenvolver
uma prática educativa pautada na convivência sustentável e solidária. É também
Possibilitar nos sujeitos a formação de um olhar diferenciado sobre sua realidade, contribuindo para a construção de uma ética na relação das pessoas entre si e destas com o ambiente natural e social, visando contribuir ao desenvolvimento humano e sustentável (BRAGA, 2004, p.40)
Uma das finalidades da ECSA é de educar para que os sujeitos sociais se tornem
sujeitos de intervenção social. A escola como espaço de construção de conhecimentos, valores
e diálogo entre os saberes possibilita uma nova forma de relacionamento com a realidade
ambiental e social, numa perspectiva de ressignificar a sua experiência, dialogar e refletir sobre
a realidade que os envolve e, assim, intervir de forma mais responsável, crítica e comprometida
e que possam desenhar de forma coletiva uma sociedade que supere a desigualdade.
Um espaço em que os sujeitos têm a oportunidade de pensarem sobre si e sobre o
mundo. A escola assume dentro da perspectiva da ECSA um papel im
espaço de diálogo entre vivências, onde as diferenças são respeitadas e as desigualdades
Segundo os documentos da RESAB, a Educação deve contribuir para a construção de
um sujeito social e político que reflete e problematiza a sua história e a história de sua região,
que toma a cultura e o fazer dos sujeitos como um instrumento de mobilização e de
transformação da realidade, focado nos princípios da solidariedade, da cooperação e da justiça
social.
Nesse sentido, os princípios que unem as diferentes iniciativas que compõem essa Rede,
e que são inalienáveis para a prática pedagógica no Semiárido são:
a) Integridade dos atores e atrizes processo educacional; b) equidade na distribuição de rendas e no acesso ao conhecimento cultural,
científico, moral ético e tecnológico, em todos os níveis da educação; c) intersetorialidade na definição das políticas educacionais; d) interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na construção do
conhecimento; e) sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural como elementos
de sustentação dos processos e projetos educacionais;
176
f) respeito à pluralidade e à diversidade de culturas, credos, raças, ideias e de opções metodológicas no processo de ensino aprendizagem;
g) descentralização, transparência e gestão compartilhada; h) autonomia financeira e pedagógica dos sistemas educacionais e unidades
escolares; e i) valorização do magistério e favorecimento das condições de
aperfeiçoamento e de formação continuada e permanente dos/as educadores/as.
j) respeito aos princípios e direitos constitucionais, aos direitos humanos e ao meio ambiente;
k) aplicabilidade dos instrumentos legais que visam a construção de uma educação pública de qualidade;
l) defesa incondicional da escola pública, gratuita e de qualidade no Semiárido e no Brasil; e
m) respeito e promoção dos direitos das crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. (RESAB, 2005, p.15)
A proposta da Educação contextualizada está presente em 215 municípios do Semiárido,
envolvendo diferentes entidades em sua coordenação. Dentre as iniciativas que participam da
Resab, destacamos a Escola Rural de Massaroca ERUM, localizada na comunidade de
Lagoinha, Distrito de Massaroca em Juazeiro da Bahia.
Os critérios utilizados para sua escolha foram: ser uma das precursoras na
implementação da Proposta de Educação Contextualizada, se desenvolver-se numa Escola da
Rede Pública com gestão compartilhada; ter uma organização escolar da Educação Infantil aos
anos finais do Ensino Fundamental; possuir turmas multisseriadas e unisseriadas; e por ser
uma escola destinada às Comunidades de Fundo de Pasto102, uma das populações tradicionais
do Campo Brasileiro.
Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável SERTA/PEADS.
O SERTA - Serviço de Tecnologia Alternativa, é uma entidade não governamental, que
foi criada em 1989, fundamentada nos princípios e metodologia da Educação Popular e da
Agricultura Orgânica, começando sua atuação no Agreste Pernambucano, mais precisamente
nos municípios de Tacaimbó, Gravatá, Chã Grande, João Alfredo, Surubim, Bom Jardim e
102 Embora na maioria do Sertão, por lei, obrigou-se os criadores a cercar os animais, no Nordeste da Bahia, essa
prática do criatório em área coletiva foi mantida. No caso de Massaroca, as comunidades conseguiram os títulos de posse da terra, tanto nas propriedades particulares, como nos fundos de Pasto, numa parceria realizada pelo Instituto de Terras da Bahia INTER-BA.
177
Familiares, Comunidades Eclesiais de Base (CEBS), e na articulação com outras entidades na
área de tecnologias alternativas para a agricultura familiar.
A experiência da entidade com agricultores era centrada nos adultos da família pai,
mãe, avós, etc. e não conseguia envolver as diferentes gerações nas atividades, o que começou
a suscitar a preocupação de seus educadores, no que se referia à sucessão familiar na
agricultura. Além disso, a juventude cada vez mais deixava a área rural, ou se preparava
constantemente para mudar para a cidade, e a escola era a porta de entrada para atingir esse
objetivo. Esse esvaziamento e envelhecimento do campo era um fator de preocupação para uma
política de desenvolvimento sustentável.
A partir de 1992, o SERTA foi ampliando e diversificando seu público, passando a
trabalhar com jovens rurais, com professoras e supervisoras municipais de educação, buscando
investigar mais as relações da Escola com a agricultura, o trabalho e a família, os resultados
A troca de experiências com outras entidades, o conhecimento das experiências
desenvolvidas pelas Escolas Famílias Agrícolas, especialmente o Programa de Apoio à
Educação Rural - PAER103, na Paraíba, e os encontros que começaram a realizar com jovens,
professoras e lid
queríamos uma escola alternativa, diferente, queríamos intervir na escola pública municipal,
nas que existiam de fato, fossem quais fossem as suas condições, pois eram nessas que
estuda
Essa partilha com a juventude, com as professoras, com outras entidades que atuavam
na Educação Popular, possibilitou a elaboração da Proposta de Educação Rural, que,
posteriormente, passou a ser denominada de Proposta Educacional de Apoio ao
Desenvolvimento Sustentável PEADS104,
que não foi resultado de um ou mais autores teóricos, nasceu do esforço de responder aos desafios para melhorar a vida dos camponeses, da juventude, de sua organização e articulação com outros sujeitos sociais. (...) nasceu fora dos muros da Escola, e dentro do mundo do trabalho, dos problemas e das
103 Programa de Apoio à Educação Rural, organização não-governamental de caráter educativo, formada por
agricultores, professores e técnicos do meio rural, situada no Estado da Paraíba, que tem como as duas frentes prioritárias de trabalho as Escolas Roçados e o Programa de Difusão e Capacitação em Tecnologia Alternativa.
104 A PEADS serviu de referência para a elaboração de outras propostas pedagógicas desenvolvidas por outras entidades nas redes públicas municipais como, por exemplo, o MOC na Bahia, que, desde 1994, atua na região sisaleira com a proposta CAT ( Conhecer, analisar, transformar); o município de Ariquemes em Rondônia, desde 1997, usa a PEADS; e o município de Estrela de Alagoas que implantou a proposta na rede com a denominação de PECEMEAL.
178
Embora a entidade já possuísse experiência no campo da educação popular, sua
especialização era com a área da agricultura, com a tecnologia, o que constituiu uma primeira
tensão para a equipe coordenadora da proposta:
O receio era de que as professoras entendessem essa mudança como se fossem ensinar coisas de agricultura, bastava acrescentar algo ao currículo e substituir os livros didáticos. (...) precisávamos discutir o papel do conhecimento, o papel social e político da educação como os camponeses, quais os valores que a escola reproduzia com relação ao campo. (...) não podíamos mudar apenas os instrumentos pedagógicos. Era o risco de uma mistificação pedagógica, da discussão das finalidades e objetivos da Educação serem trocados pelos meios (PEADS/MOURA, 2003, p.46-47)
Os princípios da identidade, diversidade e autonomia redefinem a relação a ser mantida
entre os sistemas de ensino e as escolas. A identidade e a autonomia das escolas são exercidas
no contexto constituído por diretrizes gerais de ação e assessoramento à implantação das
políticas educacionais, o que exige dos sistemas educacionais (federal, estaduais ou
municipais), assumir a política e a estruturação de mecanismos de supervisão/ assessoramento,
acompanhamento e avaliação dos resultados do trabalho desenvolvido nas escolas. Alguns
aspectos se tornaram centrais na elaboração na proposta de trabalho:
a) ter como princípio político a intervenção na realidade, a partir da pesquisa da
realidade, seu aprofundamento em sala de aula, na perspectiva de construção de
novos conhecimentos que contribuam para o desenvolvimento sustentável das
comunidades e dos municípios;
b) ter como princípio metodológico a pesquisa e a interdisciplinaridade como estratégia
para construção do conhecimento e integração entre os diferentes sujeitos da prática
pedagógica, e a família; como uma postura diante da realidade. Educando (a) e
educador (a) precisam assumir essa postura com senso crítico, curiosidade e
" e, ao mesmo tempo, cultivar essa ferramenta como
metodologia de ensino; e
c) ter como principio pedagógico que a Educação do Campo tenha uma dimensão
profissionalizante no sentido crítico e criativo, "sabendo ganhar a vida... [...] no
campo ou então em condições de aprender a ganhar a vida na cidade".
179
Essa matriz orientou o processo de elaboração de uma Proposta Pedagógica, que tivesse
como intencionalidade a produção e a contextualização de conhecimentos, a intervenção na
realidade. Assim, a Escola do Campo deveria contribuir para:
a) Formação de um ser humano integral, com capacidades a serem desenvolvidas em
diversas dimensões (pessoal, social, cultural, política, emocional, profissional,
etc..), e como produtor de conhecimentos sobre sua realidade, como protagonista
capaz de modificar o seu entorno e as circunstâncias em que vive;
b) construção do desenvolvimento sustentável e solidário, numa perspectiva de que a
relação do ser humano com a natureza seja de colaboração e facilitação para que
desenvolva as suas leis, numa perspectiva de preservação do meio ambiente e de
construção de políticas econômicas, ambientais e sociais que possibilitem o
fortalecimento da agricultura familiar e da sustentabilidade no campo;
c) construção de valores e conhecimentos para a vida e o trabalho: o papel da escola
do campo é contribuir na construção de valores e conhecimentos das pessoas para a
vida e para o trabalho, na perspectiva de que todos aprendem e ensinam:
professores/as, familiares, educandos (as), lideranças das comunidades, dos
movimentos sociais, técnicos e especialistas, articulando, através da pesquisa e do
diálogo permanente com a comunidade, os saberes populares e os sistematizados
pelas diferentes áreas do conhecimento na fundamentação das ações e intervenções
socioeconômicas e culturais da comunidade.
d) gestão democrática e compartilhada: todos devem participar do planejamento,
acompanhamento e avaliação do processo pedagógico-administrativo, nos seus
variados aspectos, visando à melhoria do ensino e da aprendizagem. Os pais
participam efetivamente, impelidos pela necessidade de aprofundamento da
participação direta na escola de seus filhos, e em muitos casos na sua própria
escola105, chegando até a se auto-organizarem para a escolha de seu representante
nas deliberações do Conselho Escolar. Dessa forma, não é a direção sozinha que
toma decisões, mas sim, o coletivo da escola.
e) formação inicial e continuada especifica e permanente dos profissionais da
educação: professorado, gestores, coordenadores/as, técnicos-administrativos, que
tivesse como fio condutor da formação a pesquisa e os conhecimentos construídos
na prática da sala de aula.
105 Muitos pais voltaram a estudar mediante sua participação na escola sendo ofertadas,no turno noturno, salas de
educação de jovens e adultos.
180
Atualmente a PEADS, é implementada em cerca de 1.105 escolas nos Estados de
Pernambuco, Paraíba e Alagoas, atingindo uma média de 62 mil estudantes. Para a presente
pesquisa, destacamos a Escola Municipal Antonio Henrique de Gouveia, localizada na
Comunidade de Santa Luzia, no Município de Soledade- Paraíba. A escolha dessa escola se
justifica por ser ela da Rede Pública Municipal, multisseriada e unidocente (característica de
quase 50% das escolas localizadas no campo brasileiro).
Considerações
Os traços de semelhanças dos Lugares Institucionais se materializam a partir de
fundamentos e princípios, que constituem as concepções de sociedade, educação e ser
humano, que contribuem para uma crítica ao modelo hegemônico capitalista que avilta os
sujeitos do campo brasileiro, a pensar o papel da educação na construção de um projeto
político na sociedade e a reinventar a organização do trabalho pedagógico nas Escolas do
Campo.
A crítica ao modelo de escola centra-se em todas as propostas no seu caráter
monocultural, descontextualizado da vida dos sujeitos do campo e da precariedade de suas
condições materiais, que não possibilitou o acesso à escolarização em todos os níveis e
modalidades pelas populações do campo, tampouco a permanência com sucesso aos que nela
conseguiram ingressar.
O período depois de 1990 é significativo para a organização do Movimento da
Educação do Campo em todo o País, na sua articulação e constituição, expressa numa rede
constituída por diferentes organizações, que constroem uma agenda de conteúdos comuns
para contribuir com a formulação de políticas educacionais do campo.
A Educação, como política social, se implementa a partir da orientação do Estado
capitalista brasileiro, e das relações que estabelece no cenário internacional, portanto, as lutas
dos movimentos sociais do campo por políticas públicas de Educação se constituem a partir
da pressão, das contradições e fissuras que permeiam o Estado brasileiro.
A luta por um novo marco jurídico no país foi incorporada por todas as organizações,
que constituem o Movimento da Educação do Campo, como forma de resgatar a dívida social
existente com a exclusão da população do campo da escola, como afirmação da Educação
181
como direito dos Povos do Campo e, principalmente, como fortalecimento dos projetos
político pedagógicos que garantam a autonomia e a especificidade das Escolas do Campo.
Além da legislação específica temos também uma série de programas e ações como o
Programa de Apoio a Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
PROCAMPO; Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária PRONERA; Projovem
Campo Saberes da Terra, Observatório da Educação do Campo , que embora se constituam
em políticas afirmativas, são pontuais, insuficientes para atender a demanda existente e
permeada pelas contradições e tensões entre o Estado e as diferentes instituições que atuam
nestas parcerias Universidades, Movimentos Sociais do Campo e Secretarias de Educação,
no entanto, possibilitam o acesso das populações e educadores(as) do campo acessar uma
política pública que historicamente foram excluídos.
Esse momento apresenta uma riqueza na formulação de políticas e propostas
pedagógicas do campo brasileiro, e ao mesmo tempo torna-se desafiador para que os
movimentos sociais do campo mantenham sua autonomia, e não se misture na gestão do
Estado, perdendo sua mobilidade e papel de pressão e organização da luta e ocupação da
arena política de disputa de projeto de desenvolvimento.
O Movimento da Educação do Campo possibilita o debate acerca da prática
pedagógica nas escolas do campo, envolvendo diferentes sujeitos: professores(as), gestores,
pais, estudantes numa indagação sobre o modelo de escola existente em sua comunidade, em
seu município, com a elaboração de propostas e práticas pedagógicas que valorizam na
organização da escolaridade, diversidade dos sujeitos existentes no campo, a cultura da
comunidade, os processos de transformação do campo, a gestão democrática das escolas e a
produção e sistematização de conhecimentos contextualizados a realidade.
O Movimento da Educação do Campo revigora com suas Propostas Pedagógicas a
contribuição da educação para um projeto político emancipador, não como um modelo
fechado e predeterminado, mas como caminhos, fundamentos, princípios, visões de mundo e
de escola, o que expressa à heterogeneidade das redes que compõe este Movimento.
Segundo Paolo Tomasin (1994), os movimentos em redes pressupõem uma ideia de
horizontalidade (descentralização, desconcentração de poder), de diversidade interna de
organizações, flexibilidade e agilidade para lidar com novas situações e, ao mesmo tempo,
vivenciar um processo de articulações que possibilitem sua interlocução com o externo.
Isso significa que não existe um único sujeito do processo de formulação das políticas
educacionais, das propostas pedagógicas e das práticas educativas, mas vários sujeitos
182
políticos coletivos, que vão se configurando através de suas experiências e que vão exigindo
do Estado o trato, em termos de questões públicas, e o atendimento às demandas da oferta de
uma educação com qualidade social no campo, o que dialoga com Paulo Freire quando diz
estar convencido
de que nunca necessitamos tanto de posições radicais, no sentido em que entendo radicalidade na Pedagogia do Oprimido, quanto hoje. Para superamos, de um lado, os sectarismos fundados nas verdades
como se eles tivessem virado imutáveis, tão ao gosto de posições modernas, os primeiros, e pós-modernistas, as segundas, temos de ser pós - modernamente radicais e utópicos. Progressistas. (Freire, 2008, p. 52)
A organização do trabalho escolar passa pela articulação da sala de aula com outros
espaços e tempos de aprendizagem. Os conteúdos buscam a apropriação e apreensão de
categorias e conceitos que dêem condições para leituras, interpretações e intervenções na
realidade, estimulando a participação dos sujeitos no pensar e na realização do planejamento
do processo educativo.
Embora tenhamos um crescimento do Movimento da Educação do Campo, as escolas
ainda enfrentam muitos desafios no que se refere à infra-estrutura, o apoio das secretarias para
o desenvolvimento do trabalho, a formação dos educadores (as) para docência na realidade do
campo, a ausência de bibliotecas, laboratório e outros instrumentos de apoio didático, além da
política de nucleação implementada pelos Estados e Municípios, com o fechamento de escolas
nas comunidades rurais, e o transporte de crianças, adolescentes e jovens para as sedes do
município que continua crescendo em todo o País.
Em resumo, as políticas educacionais formuladas com a participação dos movimentos
sociais do campo e as propostas pedagógicas dos Lugares Institucionais evidenciam a Escola
concebida como uma totalidade imersa numa rede de relações de saberes, sujeitos e
instituições.
183
II PARTE A REINVENÇÃO DA ESCOLA DO CAMPO: O ITINERÁRIO PEDAGÓGICO COMO ORIENTADOR DA DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO
184
Introdução
Enquanto objeto de minha curiosidade, que opera agora
de que toda prática educativa implica sempre a existência de sujeitos, aquele ou aquela que ensina e aprende e aquele ou aquela que, em situação de aprendiz, ensina também, a existência do objeto a ser ensinado e aprendido a ser re-conhecido e conhecido o conteúdo afinal. Paulo Freire
Essa parte do trabalho trata da análise das Propostas Pedagógicas dos Lugares
Institucionais, evidenciando as semelhanças e suas singularidades, a partir da
contextualização de seus ambientes educativos e do registro e reflexão de suas práticas
pedagógicas.
As paisagens das Escolas foram construídas a partir da triangulação entre documentos
produzidos pela escola (atas, proposta pedagógica, material dos estudantes, cadernos de
planejamento); observação participante (dos espaços de sala de aula e das atividades
desenvolvidas em toda a escola); entrevistas e registro das falas e impressos nos caderno de
campo.
Para análise das Propostas Pedagógicas, apoiamo-nos nas informações dos documentos
dos lugares institucionais, nas produções e num diálogo com autores e pesquisadores
vinculados a estas práticas, dentre os quais destacamos (CALDART, 2000, 2003; GIMONET,
1985; 2007; MOURA, 2003; SOUZA E REIS, 2003).
Os sentidos presentes nas propostas pedagógicas indicam que as instituições são
movidas por concepções que orientam suas práticas. A concepção de ser humano presente nas
propostas é a de humanização e emancipação do ser humano, a partir de um processo de
intervenção na realidade na perspectiva de modificar as relações assimétricas existentes na
mesma.
O olhar, a escuta e os registros das práticas pedagógicas das escolas nos forneceram
informações sobre a dinâmica de organização de seus tempos, espaços, relações entre os
sujeitos e o trato com o conhecimento. Buscamos apoiar nossa análise em (FREITAS, 1995,
2004; FREIRE, 1978, 1987, 1996, 2008; SOUZA, 2001, 2004, 2009).
185
A análise das informações evidenciou um processo de reinvenção das Escolas, que a
torna um espaço privilegiado de produção de saberes e fazeres, que instituem uma nova
cultura escolar. Conforme nos coloca João Francisco de Souza (1994),
Reinventar é tomar algo pré-existente e configurá-lo, imprimir-lhe uma outra dinâmica, proporcionar-lhe uma nova práxis (teoria + prática), e um novo gerenciamento. É constituí-lo de uma maneira diferente da que vinha predominando, até então, a partir de indícios inovadores já contidos na prática anterior. É garantir-lhe um novo impulso. É uma refundação. Surge uma nova criatura. (p. 53).
Nas Escolas do Campo, a seleção, organização e circulação desses conteúdos ocorrem
a partir de itinerário pedagógico, que (re) desenha contornos institucionais da escola,
rompendo com a rigidez organizativa de tempos, espaços, campos de conhecimento e com o
isolamento da realidade dos sujeitos do campo que a tem caracterizado desde sua gênese.
Assim, a escola é reconstruída na perspectiva da Educação Popular: como um espaço de
debates, de tomada coletiva de decisões, de produção e sistematização de conhecimento, de
mo
As Propostas Pedagógicas se materializam nos projetos político-pedagógicos de cada
escola, refletindo os contextos em que estão inseridas, as condições sociais, políticas e
culturais de sua comunidade, do seu município e das contradições postas pelas políticas
educacionais do País.
O processo de elaboração das propostas pedagógicas dos diferentes lugares
institucionais é realizado a partir de um processo de reflexão, decisão e elaboração coletiva, a
partir da prática desenvolvida pelos sujeitos, correspondendo, ao que afirma Sánchez Vásquez
(1980), como uma atividade prática material do ser humano que transforma o mundo natural e
social para fazer dele um mundo humano, por
Para Sanchez Vasquez (1988), a práxis é o fundamento do mundo em que hoje nos
desenvolvemos, e por ser justamente o fundamento do mundo real que hoje existe, a práxis
proporciona à ciência, ao conhecimento, não só a sua finalidade como o seu objeto. O que ele
nega realmente é que o conhecimento seja mera contemplação, à margem da prática;
consequentemente, o conhecimento só existe na unidade entre teoria e prática.
A prática pedagógica das escolas analisadas a partir da organização do trabalho
pedagógico, das relações entre os educadores (as), educandos (as) e gestores reinventa na sala
de aula o trato com o conhecimento e, na escola, a vivência de uma gestão participativa,
186
democrática e coletiva. Portanto, redimensiona-se no itinerário pedagógico de cada escola,
permeado pela afetividade, organização, autonomia e participação.
A materialidade da prática pedagógica acontece na sua especificidade a partir da relação
entre os sujeitos envolvidos; docentes, discente e gestores que de forma articulada se
aproximam de conhecimentos e saberes essenciais para desenvolvimento. Portanto, o
itinerário pedagógico torna-se articulador de todas essas dimensões da prática pedagógica
numa determinada realidade social a partir de uma visão de mundo e ser humano.
O diálogo com as famílias, as comunidades, o movimento social do campo
redimensiona a vida na escola, e a vida das comunidades com os saberes produzidos pela
escola, ao tomar como referência os conhecimentos construídos fora da escola, para
questioná-los, ampliá-los e transformá-los numa perspectiva de projeto político pedagógico
emancipador.
187
V CAPITULO - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO DA EDUCAÇÃO
DO CAMPO
188
A única maneira que alguém tem de aplicar no seu contexto, alguma das proposições que fiz é exatamente refazer-me, quer dizer, não seguir-me. Para seguir-me o fundamental é não me seguir.
Paulo Freire
Este capítulo trata das propostas pedagógicas dos lugares institucionais campo da
pesquisa. As propostas pedagógicas, consistem em um conjunto de documentos que abordam
as ideias coletivas dos lugares institucionais a respeito da concepção de ser humano,
sociedade, educação, currículo, aprendizagem, etc., que, de forma consentânea, são definidas
pelos sujeitos sociais envolvidos nas suas práticas educativas.
Essas propostas são embasadas numa teoria pedagógica e subsidiam a formulação dos
projetos político-pedagógicos das escolas, a partir de um projeto histórico106, que referencia a
concepção de Educação, de ser humano e de organização do trabalho pedagógico.
Portanto, as propostas pedagógicas se apóiam segundo Luis Carlos de Freitas (1987),
numa teoria pedagógica que fundamenta suas concepções e finalidades no processo educativo,
que subsidia a elaboração dos projetos políticos pedagógicos das escolas.
Neste caso, a teoria é ent forma de pensamento que tem suas
peculiaridades e ocupa certo lugar no movimento do conhecimento, isto é, deve compreender
não só a descrição de certo conjunto de fatos, mas, também, sua explicação, o descobrimento
de leis a que eles estão (FREITAS, 1987, p.136).
A existência de projeto pedagógico nas instituições educativas não é novidade, embora
tenha sido instituído pela LDB (Lei 9394/96), uma vez que a ideia de projeto antecede às
ações dos homens, mesmo que seja de forma assistemática. Como nos diz Moacir Gadotti
-se para frente, dando sempre a noção
marca a realidade dos homens e das instituições sociais criadas por ele.
Nos Lugares Institucionais da Educação do Campo, o projeto político pedagógico
assume um papel fundamental de sistematização da prática desenvolvida nas Escolas, na qual
o coletivo e a participação são eixos estruturadores. Por isso,
106 Projeto Histórico, segundo Luiz Carlos de Freitas (1987) enuncia o tipo de sociedade ou organização social na qual pretendemos transformar a atual sociedade e os meios que deveremos colocar em prática para a sua consecução. Implica uma
Diferentes análises das condições presentes, diferentes fins e meios geram projetos históricos diversos (p. 123).
189
O projeto pedagógico não é uma peça burocrática e sim um instrumento de gestão e de compromisso político-pedagógico coletivo. Não é feito para ser mandado a alguém ou algum setor, mas sim para ser usado como referência para as lutas da escola. É um resumo das condições e funcionamento da escola e ao mesmo tempo, um diagnóstico seguido de compromissos aceitos e firmados pela escola consigo mesma sob o olhar atento do poder político. (FREITAS, 2004, p. 69)
Para o autor, é o Projeto Político-Pedagógico que define a identidade da instituição. Por
ser um instrumento teórico metodológico, possibilita o pensar sobre a realidade, a interação
dos sujeitos neste pensar e a transformação da mesma. Dizendo de outro modo, é amplo,
global e capaz de integrar a unidade na diversidade. É orgânico e processual, movido pelas
opções de ver, num primeiro momento, de forma individual e, em seguida, julgar e agir, de
forma conjunta, mediante acompanhamento (diagnóstico) permanente.
5.1 Núcleos de Singularidades107 das Propostas Pedagógicas: a diferença dentro da
diferença
-se de um conjunto de
elementos fatos, pessoas, ideias, significados, relações, espaços, tempos, instrumentos
que, ao se combinarem em um dado tempo e espaço, produzem certas configurações que
tornam esta mesma prática distinta de outras, inclusive daquelas com as quais compartilha um
mesmo ambiente ou campo de manifestação (lugar), um mesmo momento de expressão
(tempo) e temática (FALKEMBACH, 1995).
No entanto, a pluralidade das práticas educativas que compõem o Movimento da
Educação do Campo se expressa também na diversidade de teorias pedagógicas, que se
cruzam e entrecruzam em diferentes dimensões nas suas propostas pedagógicas108: o
pensamento pedagógico socialista, principalmente nas contribuições de Anton Makarenko
(1982), Pistrak (1981) e Vygotsky (1987), que trazem a dimensão pedagógica do trabalho e
da organização coletiva, da cultura e do processo histórico no processo de aprendizagem; os
estudos culturais, no que se refere à relação entre currículo e poder, a partir das contribuições
de Michel Apple (1982) e Henry Giroux (1982); os estudos pós-coloniais, no questionamento
de narrativas que constroem o Outro colonial enquanto objeto de conhecimento e como
107 Adotamos o termo núcleos de singularidade, conforme Elza Maria Fonseca Falkembach (2003). 108 A citação de alguns autores não significa que o diálogo ocorre apenas com eles, mas que são representativos
de uma concepção de pensamento, ou porque aparecem com mais frequência nos documentos das iniciativas.
190
sujeito subalterno, com Felix Guattari (1990) e Peter Mc Laren, (1997); a abordagem
ecossistêmica no que diz respeito à religação entre os saberes e o sentir na convivência do ser
humano consigo, com os outros e com o planeta, nas contribuições de Humberto Maturama
(1998) e Leonardo Boff (1999).
A perspectiva dialogal e de releitura dessas contribuições é assumida pelas práticas
educativas como uma postura política e pedagógica de que as mesmas precisam ser refeitas a
partir das lutas e organizações do campo, da realidade na qual as escolas se materializam,
estabelecendo uma interação permanente entre a teoria pedagógica, expressa nas propostas
pedagógicas e a prática pedagógica de cada escola. Como fala Miguel Arroyo vão
, e construindo pedagogias: a Pedagogia da Alternância, a
Pedagogia do Movimento, a Educação para a Convivência com o Semiárido, a Proposta de
Apoio ao Desenvolvimento Sustentável.
Do ponto de vista político, essas Pedagogias se constituíram a partir da organização
dos sujeitos do campo, na crítica ao projeto de campo do agronegócio, a realidade da
Educação Brasileira e, especificamente, na contraposição à concepção e à prática de Educação
Rural que foram implantadas no Brasil. Portanto, a Educação do Campo afirma uma educação
emancipatória vinculada a um projeto histórico de sociedade e de ser humano.
Do ponto de vista da teoria pedagógica, o questionamento sistemático sobre quais
conhecimentos deveriam compor o currículo das Escolas, para que e por que ensinar esses
conhecimentos, como esses conhecimentos deveriam ser produzidos, sistematizados e
socializados e quem deveria ser envolvido neste processo de produção do conhecimento,
fundamentou a organização curricular de cada uma das propostas pedagógicas, que possuem
traços de semelhanças, ao afirmarem a construção coletiva do conhecimento, a pesquisa como
princípio educativo e o diálogo entre os saberes populares e científicos como princípios
organizadores da produção do conhecimento nas Escolas.
Esses traços de semelhanças entre as propostas não existem independentes de suas
singularidades, pois os núcleos de singularidade numa proposta atuam como motivação
interna, para que os integrantes da experiência reflitam sobre o criado, vivido e representado
na e pela prática social e pedagógica, possibilitando sua reflexão e reinvenção no cotidiano da
prática pedagógica em sala de aula.
191
5.2 Escola Família Agrícola: alternância, participação da família, formação integral e
desenvolvimento do meio
A Proposta Pedagógica dos Centros de Formação em Alternância, segundo Jean
Claude Gimonet (2007), é formulada a partir da prática nas comunidades rurais da França e,
progressivamente, em outros continentes, como um processo em que prevaleceu a
experiência. A teorização ocorre inicialmente tomando como referencia as ideias de: Decroly 109; Cousinet, no trabalho livre em grupo; John
Dewey, na relação entre a experiência e a educação; e Jean Piaget, no praticar e compreender
a realidade.
Ao chegar ao Brasil, no final da década de 1960, a proposta estabeleceu um diálogo
mais efetivo com as ideias da Educação Popular originadas na Teologia da Libertação, da
Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, e na perspectiva de organização do trabalho
pedagógico, de Celéstin Freinet.
A rede CEFFAS no Brasil possui um projeto educativo que imprime uma identidade
às escolas que a compõem, todavia, o contexto no qual se insere cada instituição, bem como a
prática social de cada comunidade constroem núcleos de singularidades a cara de cada
escola.
O Itinerário Pedagógico na alternância e seus dispositivos pedagógicos
O Itinerário Pedagógico das Escolas da Alternância torna-se o fio condutor
estruturante das práticas educativas desenvolvidas em cada Escola, numa perspectiva da
alternância como uma pedagogia da complexidade, pois articula uma diversidade de sujeitos,
relações e saberes, numa articulação entre prática-teoria-prática e escola-comunidade.
Esse Itinerário Pedagógico materializa uma organização curricular, constituída de
diferentes dispositivos pedagógicos que envolvem os sujeitos cognoscentes (monitores,
educandos, gestores e técnicos) com os sujeitos sociais (pais, grupos da comunidade, grupos
profissionais, organizações sociais etc); os saberes populares com os conteúdos pedagógicos;
o espaço da escola com o espaço da comunidade; e tem como finalidade a formação integral
do jovem e o desenvolvimento do seu meio. Podemos dizer que
109 Os Centros de Interesse é uma metodologia que se desenvolve em três momentos: a observação (experiência
do aluno), associação (conhecimento adquirido seja entendido no tempo e espaço) e expressão (externalização da aprendizagem por meio da linguagem).
192
Esse ritmo alternado rege toda a estrutura da escola, buscando conciliação entre a escola e o fazer, permitindo ao jovem não se desligar da família. A Escola é o lugar privilegiado para a escuta e a reflexão dos problemas que o jovem vive em seu meio sócio-profissional. Por um lado, receptora de problemas e, por outro, propulsora da ação refletida. O estudante é sujeito ativo desse processo, numa dinâmica mediada por instrumentos metodológicos específicos. Capta as indagações e problematizações provindas do meio sócio-profissional, leva-as à escola, coloca-as em comum, compara-se com as dos demais colegas, analisa-as interpretando-as e as generaliza (EFAORI, 2002, p.7)
Essa é uma escola que busca integrar o pensar, o fazer e o sentir. Nesse sentido, Jean
Claude Gimonet (2007) destaca a alternância como uma situação educativa que possibilita
uma forte interação individual, relacional, didática e institucional, cuja unidade é assegurada
pelo Plano de Formação e o Plano de Estudo-PE.
O Plano de Formação é articulador dos tempos, espaços, conteúdos, dispositivos
pedagógicos específicos da alternância, com a finalidade de adequar as diretrizes curriculares
de cada etapa da educação à realidade dos educandos (as), assegurar a continuidade da
formação na descontinuidade dos tempos e espaços formativos e definir os temas de estudos a
serem aprofundados em cada ano letivo (ANEXO A).
O Plano de Formação contém: a) finalidades e objetivos discutidos e definidos pela
Associação das Famílias com base no contexto
realidade apontada por diagnósticos participativos; c) conteúdos curriculares formais do
ensino da base nacional comum e da educação profissional trabalhados a partir dos temas da
realidade e de forma interdisciplinar. (BEGNANI, 2006, p.36).
A metodologia de sua elaboração se dá conforme o quadro a seguir:
Atividades Atores Quando
1º) Diagnóstico da realidade local e regional
Alunos, pais, monitores e profissionais do meio
Final do ano
2º) Definição dos objetivos da formação para cada grupo.
Alunos, pais, monitores e profissionais do meio.
Final do ano
3º) Levantamento de temas geradores e Planos de Estudo
Alunos, pais, monitores e profissionais do meio
Final do ano
4º) Sistematização do Plano de Formação
Monitores Reunião de planejamento pedagógico no início de cada ano
5°) Apresentação da Sistematização Plano de Formação
Assembleia das Famílias Primeira sessão Escola
Fonte: Coordenação Pedagógica - EFAORI Quadro 11 Metodologia para elaboração do Plano de Formação EFAORI 2008.
193
As ações a serem planejadas e desenvolvidas nos diferentes tempos-espaços de
aprendizagem se constituem a partir do Plano de Estudo. O PE é o instrumento que permite
articular os saberes dos educandos (as), de sua família e do seu meio socioprofissional
mediante a estruturação dos temas geradores, organizados por bimestre e por turma. Os
temas são aprovados em assembleia geral das famílias, estudantes e equipe pedagógica da
escola, portanto, podem ser modificados a cada ano, mediante avaliação deste coletivo.
O PE se constitui num instrumento de organização e planejamento curricular,
organizado num roteiro de pesquisa, observação e reflexão que
possibilite analisar os vários aspectos da realidade do estudante e da sua família. O planto de estudo faz com que a realidade se torne o central na aprendizagem, no entanto, sem se restringir a ele. Pois achamos importante que os estudantes do campo tenham acesso aos conhecimentos universais, agora numa postura crítica. Por isso, que a princípio o Plano desenvolve temas mais próximos da realidade do estudante e de sua família, depois vai caminhando para temas mais complexos de caráter sócio econômico e político mais amplo (Educadora 1) 110
A fundamentação do trabalho com os temas geradores se dá a partir das contribuições
natureza de sua compreensão como a ação por eles provocada, contêm em si a possibilidade
de desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem
A alternância é um princípio pedagógico e uma ferramenta de articulação desses
saberes, tempos, espaços e sujeitos e tem como ponto de partida o processo de construção do
conhecimento, a realidade do jovem e de sua família, a experiência sócio-profissional
desenvolvida na família e na comunidade, e como ponto de chegada sua formação integral e
sua intervenção para o desenvolvimento de sua realidade.
A organização do ensino na alternância conjuga um itinerário com momentos
articulados que podem ser representados com o seguinte gráfico:
110 As falas foram transcritas conforme as normas da escrita
194
Fonte: sistematizado pela autora a partir das informações da proposta pedagógica
Gráfico 10 Organização dos tempos-espaços da alternância
Esse itinerário articula o tempo-espaço escola (sessão escola) e o tempo-espaço
comunidade (sessão família e meio sócio profissional), que são discutidos e aprovados pela
assembléia geral da EFA (composta por estudantes, família, monitores e técnicos
administrativos), estruturando o calendário anual da escola (ANEXO B).
Vejamos então como cada tempo-espaço do itinerário se organiza e dinamiza a escola
e sua prática pedagógica.
O tempo-espaço da escola (sessão escola) é o espaço privilegiado de socialização, do
aprender a ser, a conviver, a trabalhar em equipe. Contempla atividades formais teóricas e
práticas. As primeiras correspondem ao desenvolvimento dos conteúdos curriculares da
formação básica e profissional, estudos e reflexões orientadas para a pesquisa e intervenção
na comunidade e no meio socioprofissional, de análise e síntese dos conhecimentos, da auto-
organização de estudantes e monitores para participar da gestão escolar, do planejamento e
execução das atividades a serem desenvolvidas na sessão escola e na sessão comunidade. As
segundas estruturam-se como atividades informais complementares: culturais, esportivas,
sociais, organizativas e de convivência comunitária, que estimulam a auto-estima, a
criatividade, a autonomia, a cooperação e o diálogo.
Os depoimentos dos estudantes a seguir evidenciam como esse tempo-espaço de
aprendizagem contribui para o processo de formação do jovem:
convivênciaexperiência comunitáriarealização da pesquisa
Família
colocação em comumlevantamento dos conteúdos a partir dos temas e dos resultados da pesquisa aprofundamento dos conteúdos pedagógicos a partir de cada área do conhecimento
Escolaexperimentação\intervenção na realidade formação profissional demandas para novas pesquisas
Família\meio socio profissional
195
Eu considero a pesquisa muito importante para a aprendizagem e para conhecer a realidade de minha propriedade e da comunidade. Hoje eu sei administrar melhor minha propriedade junto com minha família. Porque eu trago esses conhecimentos que temos lá, e aqui eu vejo como aprofundar mais, como tem coisas que a gente fazia que pode ser feito diferente. Meu projeto profissional é na área de avicultura, então as aulas de zootecnia tem me ajudado muito a estruturar o projeto, e ver na prática como já posso ir modificando coisas. (Estudante 1)
A participação nas atividades gerais tem me ensinado muito, pois quando cheguei aqui não fazia nada dessas coisas de limpeza, cozinha, arrumação de dormitório. Hoje quando chego em casa, ajudo minha mãe em todas essas coisas. No início, as pessoas ficavam olhando, achando estranho porque eu sou homem. Depois eu fui dizendo que homem também precisa fazer estas coisas, porque todo mundo vive na casa, então tem que ser responsável pela organização, mais isso eu aprendi aqui na EFA, porque antes eu pensava diferente. (Estudante 2)
Eu gosto muito dos serões porque temos atividades culturais, lazer, e também porque as colaborações externas ensinam muito a gente. Porque cada pessoa convidada tem uma formação e uma experiência diferente, e isso, é importante para a gente aprofundar o nosso conhecimento. (Estudante 3)
Percebemos pelos registros acima como os dispositivos pedagógicos, dentre os quais,
se destacam a pesquisa, as atividades gerais e os serões, constituem-se em espaços-tempos de
vivência curricular, pois, além de possibilitarem a interação entre escola e família, também
propiciam a aprendizagem em diferentes dimensões: cognitiva, social, política, afetiva, o que
contribui para a formação integral dos educandos (as).
O tempo escola é vivenciado em regime de internato, que possibilita a organização de
tempo educativo integral, de período contínuo de interação, convivência e aprendizagem
comunitária, na qual o trabalho coletivo torna-se estratégia fundamental para o processo de
formação integral do jovem. Nesse sentido,
o internato possibilita a valorização dos princípios humanos, além da consolidação de hábitos sociais, superação do individualismo por meio do trabalho e vivência em grupo, bem como a garantia da formação integral pelas reflexões e análises conjuntas da realidade. A presença da equipe de educadores/as que acompanham de forma personalizada, estabelecendo um clima de amizade e respeito mútuo. (EFAORI, 2002, p.11).
O tempo-espaço da comunidade (sessão família e meio sócio profissional) assume
diferentes dimensões: vivência na família: convivência com o cotidiano da família, com seu
196
trabalho e sua cultura; vivencia na comunidade: realização das pesquisas, ampliação dos
conhecimentos estudados na escola, participação em atividades comunitárias e sociais; e de
inserção no meio sócio profissional: experimentação dos conhecimentos aprendidos na escola
num diálogo com os saberes da prática, inserção em práticas que favoreçam a construção de
competências profissionais, contato com as matérias primas, instrumentos de trabalho e
relações entre as pessoas dentro da profissão, além da construção de uma dimensão cultural e
profissional.
No tempo-comunidade alguns dispositivos tornam-se fundantes: o estágio, a
elaboração do projeto profissional do jovem e o caderno de acompanhamento.
O estágio ocorre no primeiro e segundo anos do curso e consiste na vivência dos
conhecimentos adquiridos e sistematizados pelo estudante na escola, realizados em
propriedades agropecuárias, agroindústrias, cooperativas, na própria instituição de ensino e demais escolas do regional (...) o estudante deve familiarizar-se com o meio social, as técnicas, o manejo, a organização, o planejamento, sendo assim um espaço de aprendizagem e concretização das atividades do meio sócio-profissional. (EFAORI, 2007, p.01).
As atividades do estágio são sistematizadas em relatório, acompanhadas pelo
orientador de estágio e pelo mestre de estágio, que são pessoas da comunidade que
apresentam condições de contribuir com a orientação e formação do estagiário, recebendo-o
em sua propriedade ou empresa, ajudando na orientação das atividades a serem executadas,
apresentando ao final, ao Conselho de Estágio, parecer sobre o desempenho do estagiário.
O Conselho de Estágio111 considera, além das competências e habilidades
evidenciadas e pertinentes à formação profissional, o ajustamento e a responsabilidade no
local de estágio. Essa vivência no meio sócio-profissional orienta a formulação do projeto
profissional do jovem, que deverá ser sistematizado e apresentado em defesa pública ao final
do curso. O projeto profissional consiste,
num estudo minucioso da realidade do campo e da conjuntura que envolve, da definição de um objeto de pesquisa-ação dentro de sua formação profissional, que deverá ao longo do curso pesquisar, aprofundar e propor uma estratégia de intervenção. (...) o trabalho deve ser apresentado e defendido ao término do curso, sendo este requisito obrigatório para certificação (EFAORI, 2002, p.12).
111 O Conselho de Estágio é constituído pelo coordenador do curso profissionalizante e diretor da escola, professores que
integram as disciplinas profissionalizantes e profissionais convidados vinculados a EFAORI.
197
O tempo de vivência e a aprendizagem no tempo-espaço da comunidade é
sistematizado. Para tanto, utiliza-se o caderno de acompanhamento, que é uma agenda na
qual o estudante registra todas as atividades desenvolvidas durante a sessão escolar e a sessão
comunidade. O que possibilita às famílias e à equipe pedagógica um elo no acompanhamento
do seu desempenho. Podemos observar um desses registros:
Levantei as 07h30min horas, tratei das galinhas, lavei a ordenha, limpei a casa, fiz o almoço. Fiz as atividades de matemática, o relatório sobre a horta
- s 16 horas fui para o curral montei a ordenha, ajudei a ordenhá-las e lavei a ordenha. E a noite fui à festa na comunidade (Caderno de acompanhamento relato de um dia na sessão família de uma estudante do 2ª ano). Levantei as 06h00min horas, ajudei a ordenha das vacas, lavei a ordenha e limpei a casinha de ração. Fui para a horta limpei e organizei os canteiros, e registrei o procedimento adotado. Após o almoço, ajudei a organizar a cozinha e fui para a reunião da associação da comunidade. À noite fiz tarefa de português (...) (caderno de acompanhamento relato de um dia na sessão família de um estudante do 3° ano)
Os registros acima evidenciam uma concepção presente nas Propostas Pedagógicas das
EFAs, ao tratar a formação do educando, numa perspectiva de equidade de gênero. Enfatizam
a necessidade de que, no processo educativo na família e na escola, os jovens possam realizar
as mesmas atividades na casa, na escola e na propriedade.
Esse processo de aprendizagem possibilita um diálogo permanente entre escola e
família e uma inserção ativa do jovem na sua comunidade, à medida que
realizam atividades de pesquisa da sua realidade, de registro dessa experiência, de práticas que permitem a troca de conhecimento nos vários aspectos. (...) o jovem busca perspectivas, avalia o seu fazer cotidiano, estimulando a tomada de decisões pessoais. Esse itinerário de vai e volta sucessivamente torna o estudante o ator principal do projeto educativo e os demais agentes envolvidos famílias, meio sócio-profissional participantes ativos de seu processo de formação, fazendo valer o princípio de que a vida é o eixo central da aprendizagem, o ponto de partida e chegada da formação ( EFAORI, 2002, p.7-8).
O itinerário da produção do conhecimento se estrutura a partir da relação prática-
teoria- prática, conforme o gráfico n° 11, a seguir.
198
Fonte: sistematizado pela autora a partir da Proposta Pedagógica
Gráfico 11 Itinerário da produção do conhecimento na EFA
Os dispositivos pedagógicos usados na alternância assumem uma dimensão
significativa e diferentes finalidades: pesquisa e planejamento, de socialização e comunicação
do conhecimento e de instrumentos didáticos e de avaliação, conforme podemos ver em cada
passo do itinerário.
No itinerário pedagógico, o primeiro passo é a preparação da pesquisa, motivação dos
estudantes para a pesquisa do tema e elaboração do roteiro de pesquisa ou folha de
observação. Este roteiro é previamente avaliado e levado para a sessão família para sua
aplicação. Na família o jovem realiza a pesquisa, faz uma síntese pessoal das informações
pesquisadas para socializar com a turma em sala. Vejamos no quadro 12 uma síntese dos
instrumentos utilizados.
experiência do
alternante e da familia
1
Plano de estudo
preparação da pesquisa
2
Pesquisa
convivência com a familia
3
Colocação em comum
aprofundamento dos conteúdos
4
ação
intervenção
formação profissional
199
INSTRUMENTO O QUE É
Plano de Formação PF É a organização curricular do Ceffa que articula os conteúdos das diretrizes curriculares nacionais para cada nível de ensino, a parte diversificada e os conteúdos vivenciais da experiência familiar e sócio profissional do alternante.
Plano de Estudo PE O plano de Estudo é um dos instrumentos fundamentais na Pedagogia da Alternância, ligando o saber ao fazer. O P.E. leva o aluno a descobrir práticas, experiências etc. utilizadas pelos seus pais, avós, órgãos e comunidades. Na EFA, são elaboradas perguntas conjuntamente entre monitores e alunos.
Folha de Observação FO
Roteiro de observação ou entrevista construído a partir do Plano de Estudo para orientar a pesquisa no tempo comunidade dos estudantes. Este questionário será trabalhado e pesquisado durante uma sessão no meio sócio-profissional. Quando retornar para as respostas do questionário, será colocado em comum, elaborada uma síntese, cujo texto servirá para estudo nas diversas disciplinas.
Fonte: Sistematizado pela autora a partir dos documentos da Pedagogia da Alternância
Quadro 12 Instrumentos de pesquisa e planejamento na Pedagogia da Alternância:
conceito
No segundo passo tem-se um momento de socialização das produções individuais e
discussão para construção de um texto comum. Esse momento é de problematização mediado
pelo professor, no sentido da participação e da identificação dos pontos que necessitam ser
aprofundados pelas diferentes áreas de conhecimento.
Após a colocação em comum, a equipe de monitores realiza a reunião pedagógica de
planejamento para identificar os conteúdos a serem aprofundados em cada disciplina. Nesse
momento, existe um esforço do coletivo para um planejamento integrado e interdisciplinar.
Vejamos no quadro 13 a sistematização dos instrumentos que contribuem para a organização
do trabalho pedagógico.
200
INSTRUMENTO O QUE É
Colocação em Comum CC Consiste na socialização do que foi vivenciado no tempo comunidade no sentido dos estudos realizados, os conteúdos aprofundados, considerando o que estava previsto no Plano de Estudo. Tem a função de articulação dos dois tempos-espaços da alternância, e para sua problematização a partir das descobertas e da confrontação das ideias
Tutoria Acompanhamento personalizado para motivar os estudos, incentivar as pesquisas, o engajamento social, a integração e vida de grupo, o projeto de vida profissional. Na chegada dos jovens no CEFFA, cada monitor se torna responsável por acompanhar um grupo de alunos, onde cada estudante tem a oportunidade de um momento a sós para tirar dúvidas sobre o processo educativo da Pedagogia da Alternância
Caderno de Acompanhamento CA É um meio de comunicação entre a escola e a família. A família se informa sobre o que ocorreu no CEFFA e traz informações sobre a vida em casa e implica os jovens na realização de suas tarefas e atividades
Visitas às famílias e a comunidade O conhecimento da realidade do aluno e estreitamento da relação escola/família; Realização de processos formativos com a família, estudantes e comunidade; Acompanhamento do Estágio Supervisionado dos estudantes
Serão de Estudo O Serão é um complemento das matérias dadas. Acontece à noite e, geralmente, é dado por um convidado em função de sua ligação com o tema do Plano de Estudo. Quando não se encontra a pessoa adequada ou que as circunstâncias não o permitem, o próprio monitor responsável do dia se encarregará de trabalhar determinado tema com os jovens.
Atividade de Retorno Consistem na fase conclusiva de um tema do Plano de estudo. É o momento da aplicação/ação. O CEFFA, planeja com os jovens a forma como retornar a pesquisa à família/comunidade ou entidades sociais e produtivas, onde o plano de estudo foi realizado.
Fonte: Sistematizado pela autora a partir dos documentos da Pedagogia da Alternância
Quadro 13 - Instrumentos de socialização e comunicação do conhecimento da Pedagogia
da Alternância: conceito
201
O terceiro passo é o de retorno dos estudos para a família, comunidade ou grupos
sociais nos quais a pesquisa foi realizada. Nesse momento, diferentes tipos de ação poderão
ser desenvolvidas: produtivas, organizativas da comunidade e dos produtores, reinvidicação
ao poder público de políticas agrícolas e sociais para comunidade. Vejamos os instrumentos
didáticos e de avaliação usados para aprofundamento do conteúdo e avaliação:
INSTRUMENTO O QUE É
Colaboração externa São palestras, testemunhos ou cursos complementares ao tema pesquisado pelo Plano de Estudo. São convidados agricultores (as), técnicos, lideranças, que tenham experiência com a temática. Os alunos são preparados pelos professores com questões a serem aprofundadas e depois sistematizadas em relatórios que anexam ao caderno de realidade.
Caderno da Realidade CR É um instrumento de registro, síntese e sistematizações das aprendizagens. a partir das pesquisas, debates, colocações em comum. Representa um instrumento de aprofundamento das diferentes atividades vivenciadas na sessão escola e na sessão família.
Projeto Profissional
Ao iniciar seus estudos no CEFFA, o jovem será orientado a construir seu projeto de vida. Será um meio de concretizar as pesquisas do Plano do Estudo, buscando conhecer melhor a realidade socioeconômica, cultural política profissional e regional. Começa a pensar no futuro como profissional montando um projeto que dê um norte a sua vida, sendo aplicado na sua comunidade ou fora dela.
Serão de Auto-avaliação Destinado à auto-avaliação dos estudantes considerando os critérios construídos em cada escola. Neste momento, geralmente são avaliadas as atitudes do cotidiano, o comportamento e as habilidades construídas em cada espaço-tempo de aprendizagem
Fonte: Sistematizado pela autora a partir dos documentos da Pedagogia da Alternância
Quadro 14 - Instrumentos didáticos e de avaliação da Pedagogia da Alternância:
conceito
202
O itinerário de produção do conhecimento retrata o que Paulo Fre5re (1978) propõe a
partir da realidade de vida dos educandos (as) e dos temas que a impregnam, entendendo que
esta realidade reflete e produz a prática social. Assim, o tema se torna o articulador da relação
ser humano-realidade, visto que
(...) o tema não se encontra nos homens isolados da realidade, nem tampouco na realidade separadas dos homens. Só pode ser compreendido nas relações homem-mundo. Desta forma estudar o tema gerador é investigar (...) o pensar dos homens referido à realidade, é investigar sobre sua realidade, que é sua práxis (...)(p.115).
A diversidade dos instrumentos pedagógicos que constam na Proposta Pedagógica da
EFA, com diferentes finalidades, não só dinamiza sua operacionalização, como também
garante uma interação permanente entre família-escola-estudantes.
A participação das famílias: forma de ser e fazer a escola
A participação das famílias na gestão da escola e do conhecimento é uma dimensão
caracterizadora da Escola Família Agrícola. Nesse sentido, as Propostas Pedagógicas das
EFAS colocam a organização da Associação de Agricultores como o marco inicial para
construção e formalização de uma EFA, numa comunidade. É um componente político
fundamental da gestão administrativa, financeira e pedagógica da Escola, responsável por sua
manutenção financeira, construção de parcerias com o poder público, com movimentos e
organizações da sociedade civil, definição de suas normas de funcionamento, construção do
projeto político-pedagógico e manutenção da escola como um espaço comunitário do campo.
Essa participação se expressa de diferentes formas: a assembleia das famílias, a participação
das famílias no dia a dia da escola e nas atividades de visita e formação com a família. .
A assembleia das famílias constitui um espaço de discussão e organização do
cotidiano da escola, de deliberação sobre a gestão administrativa e pedagógica, ocorrendo
sempre que convocadas pela Associação da EFA ou por um grupo de pais.
O fortalecimento desses espaços se expressa pela
dia da escola: na administração e no trabalho pedagógico, em forma de visitas durante a
sessão escola, acompanhando os filhos (as) em suas atividades na sessão família, participando
das assembleias, recebendo outros estudantes nas suas propriedades para estágios,
203
participando de cursos de formação promovidos pela EFA e contribuindo financeiramente
com a escola.
A visita às famílias consiste numa atividade desenvolvida pelos monitores no meio
familiar do estudante com a finalidade de aproximar a escola da família e da comunidade e
discutir questões de acompanhamento dos filhos, questões técnicas e pedagógicas da escola.
A formação do jovem e o desenvolvimento do meio
A Proposta Pedagógica da EFA apresenta a preocupação com a formação integral do
jovem para atuar de forma crítica e criativa na sua realidade. A EFA compreende a formação
integral como
Uma formação em todos os seus aspectos: pessoais, profissionais, culturais, político, ético, etc.. que perpassa todas as nossas ações, nos proporcionando inúmeros aprendizados e experiências. Essa formação ocorre à medida que lhe é agregada de forma dialética e articulada suas várias dimensões: cognitivas, afetiva, relacional, emocional, corporal, estética, ética e espiritual. (REVISTA DA ALTERNÂNCIA, 2007, p.15).
Nesse processo educativo, o sujeito é considerado como um todo: multidimensional
(cognitivo, emocional, afetivo, relacional, ético), indivisível (corpo, sentimento, psique,
pessoa distinta e completa em si mesmo), social (componente integrado num contexto de
relações sociais, culturais, políticas, econômicas e cósmicas), envolvido numa ética eco-
relacional de respeito às diferenças e ao meio ambiente. O que leva necessariamente a se
resgatar o conceito de omnilateralidade presente no pensamento pedagógico socialista. Assim,
A omnilatalidade é, pois, o chegar histórico do homem a uma totalidade de capacidades e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidade de consumo e gozo, em que se deve considerar, sobretudo, o usufruir dos bens espirituais, além dos materiais de que o trabalhador tem estado excluído em conseqüência da divisão do trabalho (MANACORDA apud GADOTTI, 1995, p.58)
A formação integral é a síntese entre a formação geral, a formação profissional e a
formação política, na qual a relação entre trabalho e educação se faz permanente no processo
educativo. O trabalho material e coletivo vivenciado dentro e fora da escola possibilita a
204
construção de novas relações sociais de trabalho, fundamentadas no desenvolvimento
sustentável e solidário cuja base é a agricultura familiar.
Assim, o trabalho educa produzindo conhecimentos e criando habilidades para
incorporar ações, comportamentos e saberes: cuidar da família, da comida, da terra, dos
animais, da floresta, dos assuntos administrativos da produção, da cooperativa, da escola, da
preparação de reuniões, da organização nos movimentos e sindicatos, da aprendizagem para a
convivência com os ecossistemas, da aprendizagem para a cooperação e a solidariedade.
Nessa perspectiva, o estudante é considerado um sujeito de direitos e deveres, do
pensar e do fazer, construtor de sua história e ontologicamente chamado a desenvolver nos
limites e vicissitudes de seu contexto histórico suas potencialidades. Com essa concepção de
formação a Pedagogia da Alternância possibilita um diálogo entre o mundo da escola e o
mundo da vida, entre o trabalho e a educação, entre a teoria e a prática, nas vivências do ser
humano enraizado na sua cultura e articulado com o mundo e que tenha a missão de contribuir
com a formação do sujeito crítico e reflexivo para atuar na sociedade.
5.3 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: a mística da luta, terra,
trabalho e organização coletiva
A Proposta Pedagógica do MST nasce junto com a organização e luta das famílias e
professores (as) dos acampamentos e assentamentos pela Terra e pelo direito à Educação.
Com uma dinâmica própria, caracterizadora do jeito de ser do Movimento, que constitui a
Pedagogia do MST112,
formando o sujeito social de nome Sem Terra, e que no dia a dia educa as pessoas que dele
fazem parte é a Pedagogia do M
No MST a proposta pedagógica vai buscar sua inspiração na Pedagogia do Oprimido,
de Paulo Freire, mais dialoga também com a Pedagogia Socialista a partir das contribuições
do Educador soviético Pistrak113, do educador ucraniano Makarenko114 e do psicólogo
112 Neste sentido o MST cria sua pedagogia, sistematizada nos cadernos pedagógicos do setor de educação do
Movimento, e nos trabalhos de Roseli Salete Caldart, assessora pedagógica do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária ITERRA, entidade responsável pela formação das lideranças e educadores (as) do Movimento.
113 Os documentos fazem referê
entendendo- -se o ensino e o trabalho na escola.
205
soviético Vygotsky115, centrando a organização do trabalho pedagógico no mundo do
trabalho e da produção, na organização de coletivos como um princípio educativo
fundamental para o fortalecimento dos espaços de gestão a partir da auto-organização dos
educandos (as)116.
A
MST, atuam na formação dos Sem-Terra: a Pedagogia da luta social, a Pedagogia da
organização coletiva, a Pedagogia da Terra, do Trabalho e da Produção, a Pedagogia da
Cultura e a Pedagogia da História, como sendo constituidoras da Pedagogia do Movimento.
No livro - Roseli Caldart (2000) analisa o
processo educativo que ocorre no MST e que se confunde com a sua própria história de
formação enquanto movimento
de produção histórica de um conjunto articulado de significados que se relacionam com a formação do sem-terra brasileiro como um novo sujeito social, que se constitui também, como um novo sujeito sóciocultural, estando nesta condição u
Para a autora, o MST se constitui como um sujeito educativo, através das ações e lutas
cotidianas (reuniões, ocupações, marchas), a formar as pessoas que dele participam, num
amplo processo de formação humana. Essa pedagogia se encarna no processo histórico,
porque os educadores (as) e os educandos (as) dele fazem parte e se faz movimento -
estimulando
o olhar para o MST como sujeito pedagógico da formação dos sem-terra pode produzir é exatamente sobre como a pedagogia entra em movimento em uma realidade que mistura formação humana, produção de sujeitos
sujeito pedagógico o MST atua intencionalmente no processo de formação das pessoas que o constituem (CALDART, 2000, p.199).
114 Anton Makararenko (1888-1939), pedagogo e escritor ucraniano, traz como reflexão para a prática
constituição dialética da coletividade em seus diferentes aspectos educação, instrução e trabalho produtivo. O que significa planejar, racionalmente os passos para o funcionamento da auto-gestão na qual o trabalho como princípio educativo torna-se elemento fundante.
115 Lev Semionovitch Vigotski (1896-1934), psicólogo russo, cuja contribuição no campo da psicologia do desenvolvimento foi estabelecer uma relação entre pensamento e linguagem numa abordagem materialista histórica, coloca a escola como um lugar privilegiado para a garantia do desenvolvimento cognitivo do ser humano, a partir da interação entre adultos e crianças, na qual a mediação pedagógica do professor é fundamental para esse pleno desenvolvimento.
116 Para Pistrak, a auto-organização é um trabalho sério para as crianças e adolescentes, compreendendo obrigações e responsabilidades inclusive na gestão democrática da escola.
206
A mística como motivação para a luta
A mística é a
trabalho, o sentimento de pertença à comunidade Sem Terra e à classe trabalhadora do campo.
A mística se expressa através da poesia, da expressão corporal, de palavras de ordem, da
música, do canto, dos símbolos do MST, das ferramentas de trabalho, do resgate da memória
das lutas e dos grandes lutadores e lutadoras da humanidade. Pode se manifestar em diferentes
momentos do cotidiano, mas de forma mais forte em momentos especiais e datas
significativas dos trabalhadores (as) do Brasil e do Mundo (CALDART, 2000).
A mística funciona como motivação para fortalecer a organização das pessoas na escola
e no assentamento. A educação do MST tem buscado incorporar os valores humanistas e
socialistas no cotidiano pedagógico de seus educandos (as), que precisam ser vivenciados e
refletidos no exercício da crítica e auto-crítica. Isto porque os valores orientam nossa vida e
Precisam estar presentes em nosso jeito de pensar e agir. Precisam fazer parte de nosso sentir
e lutar. Por isto, tal qual uma roça, os valores precisam ser cul
Segundo documentos do MST (2005), a educação dos sujeitos do campo se organiza
do jeito do MST. Educa principalmente através de novas relações sociais, que trazem o
trabalho e luta do campo como referência, problematizando e propondo valores, alterando
comportamentos, desconstituindo e construindo concepções, costumes, ideias. Dessa maneira,
ajuda a enraizar a identidade Sem Terra e forma um determinado jeito de ser humano.
A mística contemplada no planejamento como um rito diário, estruturador da formação
humana dos sujeitos é fundamental, na organização do trabalho escolar, e faz parte do
planejamento diário de todas as escolas vinculadas ao Movimento
Dessa maneira, o planejamento assume um papel fundamental na proposta pedagógica
como forma de explicitar os objetivos a curto, médio e longo prazo da escola, na perspectiva
de preparação das futuras lideranças e militantes do MST, construindo conhecimentos que
contribuam para as pessoas entenderem e intervirem em sua realidade.
Para atingir esses objetivos, o Setor de Educação orienta a atividade educativa pela
dialética entre teoria e prática, perspectiva epistemológica que subjaz a um currículo
desenvolvido através de complexos temáticos. Os complexos temáticos, que favorecem a
abordagem interdisciplinar, podem receber o tratamento metodológico de temas ou objetos
geradores (dos quais trataremos mais adiante) respectivamente adequados aos objetivos de
formação e capacitação. Para isso, a produção do conhecimento segue o seguinte itinerário.
207
Gráfico 12 - Itinerário de produção do conhecimento no MST
O primeiro passo é o levantamento temático pelo coletivo de educadores, com um
diagnóstico da realidade concreta do assentamento, no qual se localiza a escola. Assim, a
realidade é entendida
Como o meio em que vivemos. É tudo aquilo que fazemos, pensamos, dizemos e sentimos na nossa vida prática. É jeito de trabalhar e de se organizar. É a nossa organização. É a natureza que nos cerca. São as pessoas e o que acontece com elas. Mas, é também, a realidade mais ampla que a local, e a relação que existe entre elas. São os nossos problemas do dia a dia, também os problemas da sociedade que se relaciona com a nossa vida pessoal e coletiva (DOSSIE MST ESCOLA, 2005, p.51)
O conhecimento da realidade local e sua relação com a global, torna-se fundamental
no aprofundamento dos conteúdos em sala de aula e para a intervenção dos educandos (as)
nas situações problemas de seu contexto. Qualifica a ação dos sujeitos e desperta a sua
curiosidade e criatividade para superação das dificuldades existentes no seu contexto. O
diagnóstico da realidade é um dispositivo pedagógico fundamental para o levantamento das
temáticas a serem estudadas, e para estabelecer uma relação entre a teoria e a prática. Assim,
refere-se o documento:
0rganização coletiva
terra
luta social
1
levantamento do universo temático
temas da realidade
2
estudos
diagnostico
3
conteudos disciplinas em
sala de aula
4
atividades politico-culturais
208
(...) em nossas escolas, a prática da pesquisa está relacionada com o próprio princípio de relacionar teoria e prática e precisa ser constituído como uma metodologia da educação, adequando-se às diferentes idades, aos diferentes interesses, e às exigências específicas do contexto onde acontece cada processo pedagógico. (DOSSIE MST ESCOLA, 2005, p.175).
A pesquisa, como um método de analisar a realidade, torna-se fundamental para
realizar um esforço sistemático e rigoroso para entender a realidade e relacionar teoria e
prática. A reflexão não ocorre no vazio. E ela é reflexão da ação realizada e em conjunto com
o outro, é uma construção coletiva. Nesse sentido, a articulação teoria-prática se dá no fazer e
refazer da prática escolar, pois como afirma Paulo FREIRE (1987),
[...] se os homens são seres do que fazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que o que fazer é práxis, todo fazer do que fazer tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O que fazer é teoria e prática. É reflexão e ação (p. 121).
Esse passo do itinerário é vivenciado a partir do desenvolvimento dos temas da
atualidade, que são problemáticas que emergem da realidade dos educandos(as) e do
assentamento para serem trabalhados em sala de aula. Os temas referem-se aos fenômenos
sociais, políticos e econômicos, que estão se dando no momento presente a partir do passado,
e o que a ação dos seres humanos pode projetar para o futuro desta questão. (PISTRAK,
1982).
Na proposta pedagógica do MST, a articulação entre os conteúdos pedagógicos e a
ação a ser desenvolvida no assentamento, se evidenciam a partir dos temas geradores e
objetos geradores que são trabalhados em sala de aula.
Os Temas geradores: são definidos como assuntos/problemas da realidade do
assentamento e geram diferentes subtemáticas. O diagnóstico da temática e seu
desenvolvimento geram conhecimentos, e contribuem para a seleção dos conteúdos a serem
aprofundados e ampliados em sala de aula.
Os Objetos geradores: são definidos como as ações dos educandos (as) sobre um
determinado objeto da realidade (ações na comunidade), e as respostas deste objeto diante de
cada passo da ação vão conduzindo o processo de aprendizagem das crianças. Devem surgir
sempre que haja necessidades reais (de preferência, sociais) que justifiquem uma prática dos
educandos (as). (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.85).
O terceiro passo é o aprofundamento dos conteúdos que deve considerar uma seleção
dos que sejam socialmente úteis e eticamente preocupados com a formação humana integral.
209
Isso significa que os conteúdos precisam ser escolhidos adequadamente. Pode-se dizer que os
conteúdos são sínteses de conhecimentos, objetivos educacionais e sociais mais amplos. Não
se pode esquecer que o conhecimento é produzido socialmente. Por isso, os conteúdos têm
incorporados os interesses sociais e posições políticas.
Os temas e objetos geradores produzem os conhecimentos e saberes a serem
trabalhados em sala de aula num diálogo com as orientações dos Conselhos Estaduais de
Educação. Por isso, na seleção dos conteúdos, o princípio da justiça social precisa ser
adotado para aqueles conteúdos que, de um lado, estejam na perspectiva de distribuição
igualitária dos conhecimentos produzidos pela humanidade; e, de outro lado, tenham a
potencialidade pedagógica necessária para educar os cidadãos (ãs) da transformação social
(DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.169).
Essa perspectiva sinaliza para outro momento que é o da culminância com atividades
político-culturais, que trabalhem o conjunto da comunidade a partir de atividades políticas
relacionadas à temática e ao cultivo da arte em suas mais variadas formas de expressão.
Geralmente esses momentos contam
(...) com a presença sistemática de dirigentes do MST e de outros Movimentos Populares, para participar de algumas aulas e atividades político-culturais, socializando seus conhecimentos sobre a luta, a conjuntura nacional, internacional, a produção (DOSSIE MST ESCOLA, 2005, p. 141).
O ciclo do itinerário pedagógico se finaliza com a prática da avaliação, que ocorre
durante o processo, considerando: se os objetivos do trabalho foram alcançados, se ocorreu
uma produção do conhecimento sobre a temática trabalhada, como se dá o desenvolvimento
das pessoas, o seu relacionamento, o cumprimento das responsabilidades e a disponibilidade
assim, todos os integrantes da escola devem avaliar e serem avaliados. Mas é preciso
combinar, coletivamente, quais serão as instâncias de participação e que avaliação cabe a cada
No entanto, coletivamente, devem-se combinar quais serão as instâncias de avaliação,
quais os critérios e instrumentos previamente definidos no que se refere a: avaliação dos
educandos (as), a partir de critérios e instrumentos comuns (fichas de observação, relatórios,
conselhos de classe, etc); avaliação dos educadores (as) e demais trabalhadores da escola
definindo como e com quem será feita a avaliação, considerando os momentos de formação e
planejamento do coletivo de educadores, os cadernos das equipes de trabalho, as reuniões com
210
os pais, etc,; e avaliação do planejamento e funcionamento da equipe de educação do
movimento (qual o papel desenvolvido, como foi a execução das atividades planejadas e em
que medida os objetivos foram alcançados).
Esse processo avaliativo redireciona o planejamento no que se refere aos seus
objetivos, conteúdos trabalhados, estratégias adotadas, responsabilidades dos diferentes
sujeitos no processo e aponta as temáticas que necessitam de aprofundamento na continuidade
dos estudos.
A luta pela terra como formação de militantes
Para o MST a escola precisa ser organicamente vinculada ao movimento social, as suas
lutas, e contribuir para a formação de militantes que participem no dia-a-dia das atividades e
ações desenvolvidas no assentamento, como podemos observar na citação seguinte:
A organização é uma das chaves da existência do MST até hoje. É uma das pedagogias que integra a Pedagogia do Movimento. É através da sua participação na organização do MST, e da vivência na materialidade das relações sociais que constituem uma coletividade forte, que os Sem Terra voltam a ter raiz, ou seja, memória e projeto. (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.258).
A prática educativa se referencia na organização, disciplina, na divisão e cumprimento
das tarefas, pelo respeito às decisões coletivas e pela organização por parte dos educadores
(as) e dos educandos (as) do seu próprio trabalho. Nesse sentido, é importante também uma
formação dos educadores (as), comprometida com a luta da comunidade e dos seus educandos
(as), pois
O MST espera de suas escolas uma intencionalidade pedagógica específica nesta dimensão; que ajude nos aprendizados que permitem à pessoa ir mais além da constatação dos problemas e da postura crítica a uma determinada situação, chegando à proposição de soluções e à organização necessária para implementá-las. Para ajudar neste tipo de aprendizado a escola precisa proporcionar aos seus educandos e educadores o envolvimento em ações organizadas (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.259).
211
Com essa intencionalidade a escola precisa encontrar alternativas metodológicas e
didáticas que facilitem a construção dos conhecimentos significativos e que possibilitem um
maior entendimento de sua realidade.
O trabalho coletivo e os tempos educativos
A concepção do trabalho como uma potencialidade pedagógica se efetiva no trabalho
coletivo como um espaço de humanização e formação das pessoas. Para isso, a escola precisa
construir um novo sentido de produção e de apropriação dos resultados do trabalho, que
assume uma dimensão educativa e coletiva, intencionalmente voltada para a cultura da
cooperação e para a incorporação criativa de lições de história da organização coletiva do
Além disso, os educadores (as) da Escola devem constituir o coletivo de educadores
como uma instância de estudo, de planejamento global da escola, de avaliação das aulas e da
da reflexão sobre a prática, do estudo, das discussões e da própria preparação para outras
atividades de
(p.175). Esse coletivo deverá participar do Setor de Educação do Movimento em nível
municipal e de Estado, para que as decisões tomadas na escola estejam em sintonia com as
linhas políticas e a proposta pedagógica que vem sendo construída pelo MST, em nível
nacional.
E, quando a escola funciona como uma cooperativa de aprendizagem, onde o coletivo
assume a responsabilidade de educar o coletivo, torna-se um espaço de aprendizagem não
apenas de formas de cooperação, mas principalmente de uma visão de mundo, ou de uma
prática. É também estudar sobre o trabalho coletivo, mas a partir da prática. O princípio é que
as crianças devem aprender a viver no coletivo experimentando na própria Escola o que é
Portanto, a prática educativa precisa considerar a contribuição de cada pessoa, com
suas potencialidades, com o seu jeito de aprender, pois
212
O verdadeiro COLETIVO é aquele que consegue trabalhar as diferenças pessoais na perspectiva dos objetivos do conjunto. Que estimula e desafia o conhecimento e a auto-superação de cada pessoa para que ajude ainda mais o avanço do coletivo. (...) E nesta questão o papel do professor é insubstituível (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p. 45)
Essa perspectiva necessariamente leva a redimensionar a organização dos tempos
educativos117. A nova concepção é de que escola não é só lugar de sala de aula, é lugar de
formação humana e, por isso, as várias dimensões da vida devem ter lugar nela, sendo
trabalhadas pedagogicamente. Para isso, sugerem alguns tempos educativos que consideram
importantes, dentre os quais destacamos alguns a seguir.
O tempo aula é o tempo reservado para o aprofundamento dos conteúdos das
disciplinas ou temas de estudo. Pode ser dentro da sala de aula ou em outro espaço do
assentamento e precisa ser planejado numa relação com os outros tempos.
O tempo trabalho: a organização do trabalho nas unidades de produção pode ser uma
área existente na escola ou numa área negociada com o assentamento. Diz respeito também a
realização de tarefas na administração e funcionamento da escola, como, por exemplo,
limpeza, auxílio na cozinha, cuidar da biblioteca, organizar murais, entre outras.
O tempo lazer/esporte: integração dos educandos (as) para a prática de esportes, jogos
coletivos, passeios, brincadeiras que venham a desenvolver valores como a cooperação e a
socialização.
O tempo estudo: visa garantir um tempo com monitoria, para o auto-estudo e leituras
dos educandos (as), principalmente estimular a leitura dos livros de literatura.
O tempo mutirão: objetiva contribuir com o cuidado da escola, com a valorização das
pequenas tarefas, com o embelezamento do espaço público.
O tempo coletivo pedagógico: destinado às educadoras para avaliação, planejamento
do processo educacional e para aprofundamento da pedagogia do MST.
A organização desses diferentes tempos deve ocorrer conforme a realidade de cada
escola, no entanto, é fundamental que as diferentes dimensões da vida sejam desenvolvidas na
escola e, para isso, a diversidade dos tempos educativos é fundamental.
117 Não é preciso existir todos estes tempos. Eles podem ser trocados ou aglutinados, devem ser planejados de
acordo com a realidade de cada assentamento.
213
5.4 Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável: a pesquisa da
realidade, a sistematização da prática e o desenvolvimento sustentável
A Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável PEADS - é
desenvolvida nas Escolas da Rede Pública do Campo em municípios do Estado de
Pernambuco e da Paraíba, pelo Serviço de Tecnologia Alternativa SERTA. A PEADS se
origina na prática educativa desenvolvida pela entidade com agricultores familiares na
organização da produção e no uso de tecnologias alternativas.
O trabalho educativo nas comunidades rurais com vistas ao desenvolvimento
sustentável levou a um conhecimento e questionamento sobre a escola existente em cada
comunidade, o papel que exerciam na negação da realidade e da vida do campo, na
preparação que realizavam para que os jovens abandonassem o campo, incutindo a ideia de
que este não constituía lugar de viver, trabalhar e ser feliz.
A PEADS se estrutura a partir do questionamento deste modelo de escola e da sua
função social na comunidade como podemos verificar no trecho abaixo:
Nossa questão era: haveria como reinventar o papel da escola? Uma escola que trabalhasse a auto-estima e autoconfiança dos Povos do Campo, que estudasse as mudanças que estavam acontecendo no campo e o papel da agricultura camponesa neste processo, que estudasse as raízes da formação e da constituição de cada comunidade para participarem e contribuírem para que os\as agricultores\são matutos, ignorantes, pobrezinhos, coitadinhos, incapazes de fazer as mudanças, dependentes dos governantes. Para que deixassem de perceber as ações governamentais sempre como presente, e não como direitos. Haveria chance de explicitar quais os valores estavam implícitos no currículo, de deixar de se oculto, de revelar a que veio (se para acomodar os pobres na sua pobreza, ou para contribuir com sua mudança de vida? (PEADS, 2007, p.16)
Essas indagações iniciaram um processo de discussão entre técnicos da entidade,
estudantes, professoras e organizações no sentido de construir uma proposta para ser
implementada na rede pública dos municípios. A reflexão junto ao professorado e estudantes
da rede pública da região evidenciou alguns desafios para a elaboração da PEADS.
Um primeiro desafio era o fortalecimento da agricultura familiar, considerando o
avanço do neoliberalismo e do agronegócio, e a proposição de estratégias organizativas e
educativas como contraposição. Além disso, era necessário estabelecer quais os
conhecimentos fundamentais a serem trabalhados com as comunidades rurais, como
estabelecer esse vínculo entre a escola e a comunidade, na perspectiva de que sua vida fosse
214
estudada na escola, se transformasse em conteúdos pedagógicos a serem aprofundados,
interpretados e sistematizados na prática pedagógica. Em síntese, o desafio estava em que
currículo propor para a formação dos sujeitos do campo.
O segundo desafio era como o conhecimento construído na Educação Não-Escolar
junto aos camponeses poderia contribuir para se pensar uma prática pedagógica das escolas do
campo. Na verdade, estava presente a preocupação com o conhecimento e o seu trato na
perspectiva da escolarização.
O terceiro desafio era como articular os sujeitos sociais com quem trabalhavam
sindicatos de trabalhadores rurais, comunidades eclesiais de base, cooperativas de agricultura
familiar, para inserir, na agenda política e no processo de mobilização por políticas públicas, a
educação como estratégia para o desenvolvimento.
O quarto desafio era como construir uma escola diferente no campo, com uma
proposta pedagógica contextualizada na realidade, a partir das escolas existentes nas redes
públicas municipais, uma vez que são elas as responsáveis pela escolarização dos filhos e
filhas dos agricultores, mas, não como uma escola alternativa, e sim, como a escola
reinventada a partir daquela existente no campo.
Não restam dúvidas que a teoria da Educação Popular, fundamentou a produção do
currículo a ser trabalhado nas escolas do campo, como pode ser visto no registro a seguir:
Diante de tudo isso, fizemos uma aposta. Se houver interação entre os fundamentos da Educação Popular e a escola que temos, construiremos a escola que queremos. Acreditamos nessa aposta. Fizemos essa interação. Passamos a fazer dessa tarefa nosso campo de atuação. Desenvolvemos princípios filosóficos, construímos embasados nestes, uma metodologia para a prática pedagógica, desenvolvemos um sistema de formação, com conteúdos de ensino e aprendizagem, buscamos dinâmicas e técnicas que favorecem o ensino e aprendizagem dos conteúdos em sala de aula e fora da escola (PEADS, 2006, p.17)
A Proposta Pedagógica busca referências numa abordagem sobre o ser humano e sua
relação com a natureza e a concepção de ciência dela decorrente, como podemos verificar no
depoimento seguinte:
Nossas perguntas eram para saber se com essa cultura e mentalidade seria possível fazer outro tipo de agricultura, de desenvolvimento (...) outras formas de relação e abordagem com a natureza. Essa pergunta estendia-se também para novas relações entre as pessoas, as etnias, o gênero, as gerações. (...) Capra nos ajudou com a leitura de Ponto de mutação, a Teia da vida a ver outros pontos de vista com os olhares de diferentes ciências, Leonardo Boff com o livro Saber cuidar nos ajudou a ter uma visão amorosa com o universo, consigo e com os outros. Armartya Sen a pensar outras
215
formas de organizar a economia, pensar a produção de forma solidária, Vandana Shiva a perceber como o conhecimento cientifico do ocidente foi dominador e machista na sua relação com a natureza, tudo isso foi dialogando com nossa prática, com a Educação Popular, e foi surgindo a PEADS . (PEADS/MOURA, 2003, p. 91- grifos do autor)
Esses fios teóricos e práticos foram tecendo o itinerário pedagógico da PEADS para
construção e produção do conhecimento de mundo, de entrelaçamento de saberes e vivências,
requisitando uma formação permanente e continuada da equipe pedagógica, para
desempenharem o trabalho de acompanhamento às práticas educativas desenvolvidas nas
escolas:
Para vivenciar essa nova prática pedagógica, o professorado teve que reformular suas práticas e refazer suas concepções de ensino, de aprendizagem, de avaliação, pois, de fato, era necessário que houvesse mudança de postura, saindo de uma educação bancária e descontextualizada da vida do campo e dos seus sujeitos. (PEADS, 2006, p.33)
A pesquisa da realidade tornou-se fundamental nesse processo de formação do
professorado e de toda a equipe pedagógica da escola, e o ensino com pesquisa a base para
superar a reprodução do conhecimento para a produção, a partir do trabalho dos educadores
(as) nessa metodologia. É o que mostra a proposta no que se refere à produção do
conhecimento. Vejamos:
O princípio de qualquer abordagem pedagógica só tem sentido para a construção de conhecimento na escola se tiver como referência a realidade, o mundo real com uma estratégia que permite aos educadores e educadoras conhecer, observar, aproximar-se da realidade e produzir um conhecimento inicial com as informações pesquisadas, coletadas pelos estudantes, professorado e familiares. Envolver pais e mães na produção do conhecimento, que vai ser construído na escola resulta no resgate do conhecimento que estes já possuem para interagir com os conhecimentos sistematizados pelas diferentes áreas de conhecimentos. (PEADS, 2006, p.4).
Essa organização curricular articula pessoas, entrelaça saberes, contextos e
instrumentos pedagógicos, que ressignificam a sala de aula para além dos espaços físicos.
Nesse sentido, a pesquisa da realidade assume um papel significativo enquanto um princípio e
uma ferramenta de construção do conhecimento nas escolas do campo.
216
A pesquisa e a sistematização como princípio educativo
A pesquisa como princípio educativo, conforme posto por Paulo Freire e Pedro
Demo118, faz-se presente em todo o processo de formação do sujeito, construindo uma prática
educativa na escola e como ponto de partida para a produção do conhecimento, desde a
Educação Básica:
A PEADS trabalha simultaneamente o ensino, a pesquisa e a extensão como instrumentos de inovação, transformação e inclusão social. O processo educativo consiste em investigar as atividades econômicas e as variáveis governamentais que inibem o desenvolvimento dos territórios onde os jovens e os educadores atuam e vivem. Portanto, é uma metodologia que promove o desenvolvimento de diversas competências através de ações de sensibilização, pesquisa, problematização, desdobramentos e intervenções capazes de transformar a realidade existente estimulando a autonomia e o protagonismo dos sujeitos sociais da comunidade. (PEADS, 2006, p.2)
A necessidade de estimular o questionamento sistemático, de forma crítica e criativa,
na escola como processos de produção do conhecimento, que se origina na pergunta, na
indagação da realidade, problematizando-a de modo a despertar a curiosidade dos educandos
(as), para refletirem sobre sua realidade, de sua família, de sua comunidade e de seu
município, é aprofundada na PEADS, como observamos no recorte documental a seguir:
Todo conhecimento se produz a partir de uma curiosidade ou de uma pergunta. Na sua base, está sempre à resposta a uma curiosidade. Isso acontece desde o conhecimento cientifico desenvolvido nas teses de mestrado e doutorado, até ao conhecimento mais espontâneo das crianças. A curiosidade provoca perguntas. Pode-se dizer que uma criança se desenvolve na medida em que satisfaz as suas curiosidades e passa a fazer perguntas. (...) Se as pessoas, as comunidades, as escolas, os municípios não fazem perguntas sobre sua história, sobre as causas da sua pobreza, sobre as alternativas que podem construir se não apresentam curiosidade sobre estas coisas, é porque estão muito mal! Por isso, nós estamos querendo que os estudantes e professores aprendam a fazer perguntas. Por isso que a atitude de fazer pesquisa e aprofundá-la vai ser uma constante no processo de formação. (PEADS, textos didáticos n° 2, 2000 - grifo dos autores).
Essa proposta encontra ressonância nas ideias de Paulo Freire (1996), como podemos
ver em Pedagogia da Autonomia:
118 Nos documentos que tratam da origem da PEADS, destaca-se a contribuição de Pedro Demo, em: Pesquisa,
Princípio Cientifico e Educativo. Cortez, 1990 e Educar pela Pesquisa. Autores Associados, 1996, como fundamental nesta reflexão.
217
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (p.32)
Para a PEADS, o questionamento reconstrutivo119 encontra-se na base da
aprendizagem e da pesquisa nas escolas. É uma atitude necessária para a construção do
Por isso, o
conhecimento proveniente da pesquisa da realidade precisa ser aprofundado a partir da
interação com as áreas de conhecimento, com a conceitualização, a análise e a síntese de um
novo conhecimento, a partir da mediação dos educadores(as).
O educando (a), nessa abordagem, é um participante da ação educativa, que necessita
educar-se permanentemente, é um sujeito da práxis. O professor estabelece uma relação
horizontal com seus alunos, possibilita a vivência grupal, empenha-se na luta em favor da
democratização da sociedade (FREIRE, 1996).
A pesquisa tem um papel de fundamental importância, sendo instrumento para o
desenvolvimento das ações pedagógicas possibilitando aos professores/as a descobrir,
explorar, envolver seus (as) educandos (as) em situações problemas do seu contexto, para
que sejam instigados a realizar a pesquisa como um instrumento de investigação e busca e
sistematização do conhecimento. Portanto, para a PEADS, envolver os (as) educandos (as)
em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento, é uma competência a ser
desenvolvida em sala de aula.
Para isso, possuem um instrumento denominado de ficha pedagógica, que tem como
finalidade orientar o processo de planejamento do trabalho pedagógico. As fichas detalham as
quatro etapas do itinerário pedagógico: a pesquisa da realidade, a análise e o desdobramento
dos conteúdos, a devolução para a ação e a avaliação. Essas etapas são visualizadas no
gráfico nº 13:
119 Adotam esse conceito a partir de Pedro Demo no sentido do sujeito ser capaz de, tomando consciência
crítica, formular e executar projeto próprio de vida no contexto histórico. E reconstrução como a instrumentação mais competente da cidadania, que é o conhecimento inovador e sempre renovado, o que inclui interpretação própria, formulação pessoal, elaboração trabalhada, saber pensar, aprender a aprender (DEMO, 2000, p.10).
218
Gráfico 13 Itinerário de produção do conhecimento na PEADS
A primeira etapa da metodologia, a pesquisa, tem como finalidade diagnosticar a
realidade, levantar informações, identificar os conhecimentos prévios que os estudantes,
professores(as), família e comunidade possuem sobre as temáticas a serem estudadas. Essa
etapa possibilita um entrelaçamento entre os saberes sociais dos sujeitos envolvidos na
aprendizagem e os conhecimentos científicos das áreas de conhecimento, buscando-se
mapear e conhecer os costumes, espaços, situações, potencialidades, demandas e ambientes.
Dessa forma,
Na perspectiva da PEADS, a escola precisa começar resgatando os conhecimentos que os/as alunos/as têm, para aprofundá-los, buscando através da aprendizagem dos fatos e conceitos, mudanças de atitude. Isso permitirá, por exemplo, que as professoras adotem na prática cotidiana atividades que gerem estudos e reflexões. Por sua vez, a criança poderá a partir do próprio meio em que vive relacionando o que está vendo na teoria com a realidade ambiental, social, econômica, política, cultural do município. A PEADS vê os sujeitos como co-autores do processo de desenvolvimento. A PEADS tem seus princípios, porém está aberta ao diálogo com outras metodologias centradas no protagonismo juvenil e na mobilização social (PEADS, 2006, p.3)
Nesta fase o processo de pesquisa do contexto, alguns instrumentos pedagógicos são
utilizados para orientar o diagnóstico da realidade, o levantamento das informações, conforme
podemos ver no quadro 15
Desenvolvimento Sustentável e
Solidário
1
realidade como ponto de partida
pesquisa
2
socialização e integração dos conhecimentos
confronto entre os saberes
3
Intervenção na realidade
socialização dos conhecimentos
4
avaliação
auto-avaliação
hetero-avaliação
219
Finalidade Instrumento O que é
Instrumentos de pesquisa e planejamento
Ficha Pedagógica Instrumento orientador do planejamento e da ação pedagógica nas escolas organizadas a partir de unidades temáticas ou temas geradores.
Reuniões de Sensibilização e mobilização das famílias
Reuniões e seminários com as famílias para conhecimento da proposta pedagógica ou para discutir as temáticas das fichas pedagógicas.
Roteiro de entrevista Roteiro de observação ou entrevista
orientar a pesquisa no tempo comunidade dos estudantes.
Aulas Passeios Observação e diagnóstico do entorno, de espaços vinculados às temáticas estudadas
Fonte: sistematização feita pela autora a partir dos documentos da proposta
Quadro 15 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para pesquisa e planejamento da prática pedagógica
A segunda etapa da metodologia, a análise e o aprofundamento dos conteúdos, tem
como finalidade analisar, desenvolver, aprofundar e integrar os dados da pesquisa com as
diferentes áreas do conhecimento: linguagem, matemática, ciências humanas, sociais e
biológicas. O material produzido pela pesquisa passa a ser conteúdo e o meio de
aprendizagem, a partir dos argumentos, de novas sínteses resultantes das reflexões e
sistematizações do conhecimento.
Segundo a Proposta Pedagógica, a socialização e aprofundamento dos saberes é a
forma da metodologia de ensino expressar os princípios e os valores do currículo integrado,
que tem a valorização do estudante, da família e da sua participação e conhecimentos como
elementos fundamentais da aprendizagem. Não se trata apenas de trabalhar as áreas de
conhecimento, mas também estimular valores, atitudes solidárias, alimentar a auto-estima,
construir a confiança e a identidade, as emoções e os sentimentos, os valores éticos e
culturais, o meio ambiente, o mundo do trabalho, o ecossistema no qual a escola e a
comunidade estão inseridas. (PEADS, 2006).
O processo de aprofundamento das informações a partir do diálogo entre os saberes
sociais e os conhecimentos científicos das áreas de conhecimento se pauta por dois processos
em sala de aula: a sistematização e a interdisciplinaridade.
220
enquanto uma prática educativa da Educação
Popular apresenta-se como uma iniciativa desafiadora e necessária para revalorizar os
processos de construção do conhecimento e da investigação social, política e pedagógica das
informações. Nessa perspectiva é incorporada a proposta pedagógica da PEADS.
A PEADS tem investido na sala de aula e no trabalho escolar na sistematização das
práticas, que consistem num trabalho de recuperar, ordenar, precisar, classificar, refletir e
construir conhecimentos e aprendizagens sobre as formas de agir e os saberes envolvidos
durante a pesquisa, constituindo um instrumental para reconhecer e problematizar a realidade
e o lugar ocupado pelos sujeitos individuais e coletivos da escola nessa realidade.
De acordo com os documentos da PEADS, a sistematização contribui para a
continuidade e o repensar das experiências nos municípios, constituindo as singularidades da
proposta em cada escola, e o fortalecimento da autoria dos sujeitos sociais envolvidos em
cada lugar. Para a entidade, a co-autoria dos educadores (as), estudantes e pais neste
processo foi fundamental para a internalização da proposta nas práticas das escolas, e para o
desafio de que a mesma fosse sistematizada:
No entanto, a necessidade de resgate da autoria coletiva dos sujeitos envolvidos no processo, os olhares que tiveram sobre nossa proposta, a forma como aconteceu em cada município, em cada escola, em cada educando e educador/a, continuava nos instigando a registrar a experiência, avaliar nossa caminhada, além disso, éramos questionados pelos parceiros de várias partes e pessoas que conheciam nosso trabalho, por que não escrever a respeito, afinal muitas questões poderiam ser replicadas e conhecidas em outros lugares, por outras entidades e instituições. (...) (PEADS, 2006, p.15)
A sistematização ganha uma importância para a PEADS, a partir da necessidade de
registro e avaliação do itinerário percorrido para sua implementação nos municípios,
identificando os avanços e desafios da proposta.
A interdisciplinaridade, enquanto uma postura epistemológica no trato com o
conhecimento é assumida como forma de planejamento do trabalho pedagógico, de superação
da fragmentação dos conteúdos e das formas de sua abordagem. A prática da pesquisa da
realidade, a sistematização dos saberes, a utilização de diversos dispositivos pedagógicos, a
articulação entre teoria e prática apresentam-se como estratégias metodológicas fundamentais
para sua vivência em sala de aula. Conforme podemos ver no quadro 16.
221
Finalidade Instrumento O que é
Instrumentos de socialização e comunicação do conhecimento
Colocação em Comum Consiste na socialização do que foi vivenciado no tempo comunidade no sentido dos estudos realizados. Pode ser realizado com todo o grupo ou em pequenos grupos para sua problematização a partir das descobertas e da confrontação das ideias.
Aulas de Campo São atividades produtivas realizadas por familiares ou especialistas na área: hortas comunitárias/escolares, roçado coletivo, viveiro de mudas, construção de mandalas, experiências tecnológicas, etc.
Visitas às famílias e a comunidade
O conhecimento da realidade do aluno e estreitamento da relação escola/família; Realização de processos formativos com a família, estudantes e comunidade.
Visitas e viagens de Estudos
A Visita e Viagens de Estudo são atividades constantes organizadas a partir de cada tema das fichas pedagógicas, com a finalidade de conhecer outras realidades e estabelecer reflexões e sínteses
Sistematização do conhecimento
Organização do material coletado durante a pesquisa com base em diferentes formas de linguagem: textos coletivos com as informações, gráficos, planilhas, tabelas, cartazes, exposições, maquetes, mapas, Usar recursos artístico-culturais para ilustrar os resultados da pesquisa.
Fonte: sistematização feita pela autora a partir dos documentos da proposta
Quadro 16 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para socialização e comunicação dos conhecimentos
Na Terceira etapa da metodologia, transformar em ação o conhecimento aprofundado
e intervir na comunidade, a partir do conhecimento novo, devolver o conhecimento produzido
para a comunidade que ajudou a construí-lo é o objetivo fundamental do itinerário pedagógico
da PEADS. Para isso, a ficha pedagógica sugere a elaboração de diferentes produtos que
contribuam para socializar e comunicar esses conhecimentos para a comunidade, como, por
exemplo, a construção de tabelas, gráficos, textos coletivos, peça de teatro, exposição de
fotos, etc..
A devolução acontece com a realização de reuniões, seminários, mutirões, visitas às
comunidades, intercâmbios com outras escolas e comunidades, divulgação nas rádios, com a
finalidade de suscitar uma ação da comunidade ou organizações a partir da sistematização dos
conhecimentos realizados pela escola.
222
A socialização dos conhecimentos é feita de forma reflexiva, provocando a criticidade e
o planejamento de ações pela comunidade como forma de colocar em prática os
conhecimentos, informações e demandas trazidas pelo material trabalhado. Esse momento
tem duas dimensões:
de partilhar o conhecimento com pessoas e a outra é abordá-lo de forma mais
estética, de uma forma mais artística. (TS 1)
a intenção da escola contribuir com conhecimentos que ajudem as pessoas a
entenderem de forma crítica a sua realidade, e de buscarem estratégias para
intervir na mesma. (TS 2)
Neste momento do itinerário dois instrumentos pedagógicos são utilizados pelas
escolas para socialização dos conhecimentos que possam subsidiar uma ação e uma
intervenção no contexto, conforme explicitados no quadro 17.
Finalidade Instrumento O que
Instrumentos para subsidiar a ação e a intervenção no contexto
Reuniões e seminários de devolução para as famílias dos conhecimentos produzidos e mobilização da comunidade para algumas ações concretas
Organizar os produtos com os resultados da pesquisa e do desdobramento, para apresentar em reunião com as famílias. Mobilizar as famílias para ações coletivas: mutirões, festas, estimular a organização de grupos de trabalho, de mobilização por políticas públicas, Campanhas de conscientização sobre tratamento do lixo, questões ambientais, manejo das águas, manejo do solo, saúde reprodutiva, documentação, etc.
Articulação com outras instituições da comunidade e do município
Socializar e discutir com outras instituições e organizações existentes no município as ações a serem desenvolvidas a partir das problemáticas sistematizadas pelo estudo
Fonte: sistematização feita pela autora a partir dos documentos da proposta
Quadro 17 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para socialização e comunicação dos conhecimentos
223
Assim, os princípios da proposta são orientados para não restringir a prática educativa
à prática docente, embora tenham um papel específico na mediação do conhecimento, que
deverá envolver (estudantes, familiares, técnicos, gestores, organizações sociais). Por
conseguinte, a importância da participação reside, em primeiro lugar, na gestão política do
conhecimento e do trabalho pedagógico. A emancipação constitui-se numa atitude reflexiva e
ativa, referenciada numa prática coletiva orientada para a transformação social.
A quarta etapa da metodologia consiste em auto-avaliar e hetero-avaliar os
processos, os conteúdos, os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem e das ações
educativas, possibilitando o re-planejamento e a continuidade do itinerário pedagógico.
A proposta, além de avaliar os conteúdos, também avalia o processo de ensino
vivenciado com a família e a escola: a motivação e sensibilização da comunidade para
envolvimento com as etapas do itinerário, o envolvimento nas aulas de campo, a devolução
das informações na comunidade, a organização e desempenho das equipes de trabalho. Dessa
forma, a avaliação
acontece assim, quando o conhecimento é tratado como construção ou produção, pois, os pais, os estudantes, os professores, participam dessa construção cada um de seu modo e a partir do seu lugar. Dizemos que cada participante avalia os demais: é o que chamamos hetero-avaliação. Também dizemos que, além dessa forma de avaliar os demais, há uma de cada uma avaliar a si próprio. É o que chamamos de auto avaliação. Cada participante observa a sua própria aprendizagem, suas próprias falhas. Faz auto crítica prática que todas as pessoas precisam desenvolver na vida, assim como a escrita e a leitura (PEADS/MOURA, 2005, p.56-57grifos do autor).
A avaliação abrange todos os momentos e recursos que o professor utiliza no processo
de ensino-aprendizagem, tendo como objetivo principal o acompanhamento do processo
formativo dos educandos (as), verificando como a proposta pedagógica vai sendo
desenvolvida ou se processando, na tentativa da sua melhoria, ao longo do próprio percurso.
Nesse sentido, ocorre como parte do processo de construção do conhecimento, e, portanto,
deve ser considerada diferentes dimensões da aprendizagem: a avaliação dos conteúdos, a
avaliação da participação dos sujeitos no processo ensino-aprendizagem, a avaliação das
metodologias e dinâmicas utilizadas durante o trabalho.
A avaliação dos conteúdos tem como finalidade identificar as competências e
aprendizagens construídas em cada área de conhecimento, utilizando-se de diferentes
instrumentos: produções escritas individuais e coletivas, fichas de observação, exposições
orais, produção de material e participação nas diferentes etapas do Itinerário Pedagógico.
224
A avaliação da participação dos envolvidos no processo ensino-aprendizagem tem
como finalidade verificar os níveis de motivação, interesse, iniciativa, criatividade do grupo, o
envolvimento nas atividades, as atitudes com relação aos compromissos e as tarefas
individuais e coletivas. Para isso, utilizam como estratégias a auto-avaliação, a reunião do
coletivo de educadores (as) nas assembleias entre pais, educandos (as) e educadores (as).
A avaliação das metodologias e dinâmicas utilizadas durante o trabalho tem como
finalidade refletir sobre as formas de organização do trabalho escolar, as técnicas e
instrumentos utilizados durantes o processo, as dificuldades e facilidades sentidas pelos
sujeitos no seu desenvolvimento, e as sugestões para superação dessas dificuldades.
Na avaliação alguns instrumentos são utilizados conforme sistematizados no quadro
18.
Finalidade Instrumento O que é
Instrumentos didáticos e de avaliação
Colaboração externa São palestras, testemunhos ou cursos complementares ao tema pesquisado pela Ficha Pedagógica. Geralmente são realizadas por especialistas em determinadas temáticas, lideranças rurais, familiares, gestores, etc.
Fichas de Avaliação Roteiros para avaliação dos diferentes sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem.
Acompanhamento e monitoramento da proposta nos municípios
Equipe de acompanhamento e monitoramento para a implantação e implementação da proposta em cada município e em cada escola. Visitas permanentes às escolas para acompanhamento em serviço e orientação do planejamento Realização de aulas-atividades para estudos, socialização conceitual e planejamento coletivo
Fonte: sistematização feita pela autora a partir dos documentos da proposta
Quadro 18 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para avaliação do processo
de aprendizagem
A avaliação é algo inerente ao trabalho pedagógico e deve permear todo o processo de
ensino e de aprendizagem. Tem como função primordial a identificação e análise do que foi
225
aprendido e o que ainda é necessário aprender, como subsídios para a reorganização do
trabalho pedagógico, assim,
as formas de avaliar são variadas e procura-se garantir que, sobre as ações, haverá sempre uma reflexão teórica, que levam as novas ações cada vez mais qualificadas. Cada ciclo dessa metodologia gera um aprimoramento e reconstrução do acervo de conhecimentos com os sujeitos sociais vivenciando uma comunidade de aprendizagem. (PEADS, 2006, p.5)
Esse fragmento expressa a diversidade de processos e instrumentos vivenciados dentro
da sala de aula para a avaliação da aprendizagem e do trabalho pedagógico.
O desenvolvimento sustentável: o município como sala de aula
A PEADS, enquanto proposta que busca contribuir para a construção do
desenvolvimento sustentável coloca o município como local privilegiado para se planejar e
organizar a qualidade do ensino, pela proximidade que a comunidade tem de sua escola e
porque a escola pode contar, diariamente, com a presença dos sujeitos do campo, num espaço
coletivo de construção e transmissão de conhecimentos, que podem contribuir para pensar o
seu desenvolvimento.
Assim, a Escola tem um papel na produção e apropriação de conhecimentos que
contribuem para a construção do desenvolvimento sustentável, visando a induzir dinâmicas
sociais, econômicas e culturais, de início na comunidade local e, posteriormente, em redes
mais amplas de solidariedade, promovendo a abordagem solidária e crítica das realidades
socioambientais e uma compreensão autônoma e criativa dos problemas que se apresentam e
das soluções possíveis para eles, a escola como um dos espaços de construção de
conhecimentos- que vai sendo refeito, reconstruído, ampliado, questionado, contribui com a
p.80).
A organização do trabalho pedagógico na perspectiva de contribuir com o
desenvolvimento do município centra-se na pesquisa da realidade, na sistematização dos
226
conhecimentos e na intervenção da realidade. Para orientar o planejamento deste Itinerário
Pedagógico em sala de aula, utilizam-se das fichas pedagógicas dos Censos120.
O Censo é um instrumento organizado por temáticas macroestruturais da realidade e
tem como finalidade apresentar sugestões para coletar e sistematizar as informações em sala
de aula para serem socializadas e comunicadas na comunidade e no município. A ficha torna-
se uma operacionalização metodológica constituindo um guia orientador para o planejamento
e o desenvolvimento da prática pedagógica em sala de aula, tendo entre seus objetivos:
- criar condições de valorização do campo, da realidade dos educandos (as) e da sua
comunidade numa articulação e diálogo entre os conhecimentos prévios existentes no grupo e
os advindos das áreas de conhecimento;
- possibilitar um apoio didático ao professorado na realização do seu planejamento e na
efetivação da prática pedagógica na escola numa perspectiva inter e transdisciplinar; e
- construir estratégias e aprofundar os conhecimentos do grupo a partir da discussão e
elaboração coletiva das fichas pedagógicas, contribuindo para que o professorado se aproprie
do processo pedagógico em sua totalidade.
No início da proposta, todas as escolas do município realizam os censos, sistematizam
seus resultados e os socializam nas comunidades e a nível municipal com entidades da
sociedade civil, gestores públicos e comunidade escolar, estimulando a busca de ações
coletivas e organizadas para responder aos principais desafios apresentados pela
temáticas das próximas fichas a partir de suas realidades e necessidades:
a organização do planejamento a partir das fichas pedagógicas, onde cada censo trabalha uma temática, foi dando o fio condutor para integração das áreas de conhecimento. O planejamento escolar está cada vez mais flexível e coletivamente construído. As demandas e as perguntas do grupo têm se transformado em conteúdos significativos para investigar e compreender o entorno escolar e articular esses conhecimentos específicos com as questões mais gerais do país e das áreas de conhecimentos. (TS 1)
As primeiras fichas são: o censo agropecuário ou econômico, o censo populacional e o
censo ambiental.
O Censo agropecuário visa construir um diagnóstico da dimensão produtiva e
econômica do município, destacando as atividades agropecuárias. Procura saber sobre a
distribuição e o uso das terras e dos recursos naturais, quais as principais cadeias produtivas 120 O termo censo para nomear essas fichas pedagógicas é proveniente do trabalho que realizavam com os
agricultores (as), pois desenvolviam diagnósticos com temáticas macro-estruturais para planejar a intervenção na propriedade que denominavam de censo.
227
existentes em cada comunidade, os processos e estratégias de geração de renda, as matérias
primas existentes em cada comunidade, o processo de apropriação e uso destas matérias
primas, os processos de beneficiamento e comercialização da produção, as tecnologias
utilizadas para produzir, as políticas governamentais existentes para a produção, circulação e
distribuição das riquezas.
O Censo populacional visa construir um perfil demográfico, geográfico e da
ocupação do espaço no município, os fluxos populacionais e migratórios, os diferentes grupos
sociais existentes e suas identidades, as comunicações e os transportes do município, a
dimensão geracional em cada comunidade, etc.
O Censo ambiental visa elaborar um diagnóstico sobre os recursos naturais existentes
no município, seu uso e manejo, suas potencialidades e limites, as políticas existentes nesta
área, as práticas sociais desenvolvidas pela comunidade na relação com o ambiente, as
tecnologias sustentáveis, o ecossistema do município, etc.
Segundo a Proposta Pedagógica, a criatividade da equipe educativa da escola será
estimulada para criação de novos instrumentos, ampliação e redimensionamento dos
existentes, para uso em sala de aula, como também de seleção de novas temáticas para
elaboração das fichas pedagógicas, que possibilitem a construção, sistematização e ampliação
do conhecimento, além disso, enfatizam a importância da literatura, do teatro e das artes
plásticas como ferramentas para a aprendizagem.
Gestão participativa: participação das famílias e planejamento coletivo
A vivência da PEADS enquanto uma concepção de pensar e fazer a escola tem como
um dos fundamentos a gestão participativa, destacando a participação das famílias e das
comunidades e o planejamento coletivo dos sujeitos da escola.
A discussão, sensibilização e mobilização das famílias é uma estratégia permanente
para a implementação da proposta nas escolas. Ao iniciar o trabalho, a escola realiza reuniões
com as famílias para discussão da PEADS, sobre o processo de pesquisa e sobre o
envolvimento da família em cada etapa da metodologia. A participação efetiva da família e da
comunidade na realização da pesquisa espera uma mobilização nas comunidades e um
envolvimento direto com os acontecimentos da escola. È o proposto, conforme
228
A comunidade pode participar mais da vida escolar, porque pode conhecê-la, e, por conseqüência, aprender a dialogar mais diretamente. Há construção do sentimento de inclusão na escola, ou seja, agora a comunidade é ao mesmo tempo, o nascedouro do conhecimento e o cenário de experimentação de saberes, com vistas ao desenvolvimento sustentável. Portanto, tornou-se elemento fundamental para o fortalecimento da proposta nas redes municipais. (PEADS, 2006, p.35)
Os usos dos espaços da escola pela comunidade são redimensionados, na participação
na sala de aula, nas reuniões, nas festas, na organização das hortas pedagógicas, nos
momentos de devolução dos conhecimentos, na avaliação do trabalho da escola, e na
participação dos encaminhamentos pedagógicos e administrativos.
A organização de conselhos de gestão da escola a ação de adesão das famílias as
atividades desenvolvidas na escola, os voluntariados na participação dos mutirões para
melhoria da qualidade do ambiente educativo, a necessidade de participação direta na escola
dos filhos (as). Assim, os conselhos escolares tornam-se espaços dinâmicos e ativos de
definição e controle das políticas educacionais.
As aulas de campo por membros da família podem vir a acontecer tanto na escola
como na própria comunidade. Assim, a interação estimula no individuo a possibilidade do
conhecer continuado e dinâmico da sua própria realidade, como uma condição para o
fortalecimento da nova forma de interação social, tornando-se ator de sua própria história,
contrapondo-se à diminuta participação e entendimento das aceleradas mudanças culturais e
tecnológicas, e, ao mesmo tempo, a comunidade pode participar mais da vida escolar, porque
pode conhecê-la e, por consequência, aprender a dialogar mais diretamente.
O planejamento coletivo do trabalho pedagógico na sala de aula e na escola é
articulado coletivamente a partir dos projetos político-pedagógicos de cada escola, com
espaços coletivos de planejamento, avaliação e organização das atividades realizadas nas
escolas, tendo como requisito fundamental o processo de acompanhamento e monitoramento
por técnicos das secretarias de educação do trabalho realizado em cada escola.
229
5.5 Educação Contextualizada no Semiárido: pluralidade da rede, contextualização e convivência com o
Semiárido
A Educação para a Convivência com o Semiárido - ECSA121 é desenvolvida por
diferentes entidades e atores que atuam no Semiárido Brasileiro, com a finalidade de elaborar
propostas de políticas públicas no campo educacional e desenvolver práticas pedagógicas nas
escolas da rede pública dos municípios da região.
A pluralidade de redes
A pluralidade de redes que constituem a RESAB caracteriza-se por diferentes níveis,
tipos de ação e abrangência, e buscam referências em diferentes matrizes pedagógicas. Dentre
elas: Paulo Freire no que se refere à compreensão dos processos históricos e culturais e no
papel da educação na emancipação humana; Peter Mc Laren e Michael Apple, no que se
refere às contribuições sobre o multiculturalismo crítico; Celestin Freinet, nas ideias que
embasam o pressuposto da realidade como o ponto de partida para a construção do
conhecimento e com suas diferentes estratégias de estudo e Felix Guattari, no sentido de
desenvolvimento de novas práticas sociais, estéticas e com o outro, incluindo a ecosofia e a
dimensão subjetiva na discussão ecológica e, portanto, os fundamentos da Convivência com o
ecossistema do Semiárido. Dessa maneira, A Rede é um espaço plural e diverso, por isso, não buscamos a referencia de uma única matriz pedagógica, filosófica ou sociológica da educação, mas partimos do pressuposto de que as escolhas pedagógicas e os referenciais constituem as bases sobre as quais se desenvolverão as práticas pedagógicas. Com isso não nos furtamos enquanto rede, a definir que sobre as idéias e práticas presentes no Semiárido, nos embasamos e sentaremos os nossos fundamentos (RESAB, 2006, p.54).
A Proposta Pedagógica da RESAB configura- tessitura de redes em
permanente construção
única matriz pedagógica, todavia, possui um traço identitário comum: Educar para a
121 Tentamos resgatar a diversidade de visões existentes dentro da RESAB, por sua característica de rede plural.
Portanto, a análise documental pautou-se nos cadernos multidisciplinares da RESAB, como também em
que tem sido co-autores desta Proposta Pedagógica, a partir da inserção nas práticas educativas vinculadas a RESAB. Nesse sentido, a maioria das referências tem o nome desses autores.
230
convivência com o Semiárido, instituindo o eixo articulador do itinerário pedagógico dessa
Rede:
Apesar de não ter uma definição única esta concepção do entendimento que a educação deve possibilitar nos sujeitos a formação de um olhar diferenciado sobre sua realidade, contribuindo para a construção de uma ética na relação das pessoas entre si e destas com o ambiente natural e social, visando contribuir no desenvolvimento humano e sustentável do Semiárido. (RESAB, 2004, p.88)
A contextualização do currículo
A contextualização do currículo é a possibilidade de construir significados para o que
se vivencia na escola. Esse significado, por sua vez, só é constituído quando os sujeitos do
processo são envolvidos pela informação que lhes é apresentada, relacionando-a a algo já
vivido ou intencionado, atribuindo sentido ao que se aprende e se conhece.
O contexto do Semiárido em sua sociobiodiversidade é tomado como espaço
educativo, no sentido de estabelecimento de um novo tipo de relação com a natureza, com
suas particularidades e complexidades, na compreensão da sociedade como uma
Construção humana, multifacetada, com todas as suas contradições de classe, raça, cultura, religião, ideais políticos e ideológicos, entre outros elementos que complementam a pluralidade e a diversidade social. (...) A escola, nesse contexto, não poderá assumir um discurso de distanciamento da sociedade, com se as mesmas fossem vertentes diferenciadas. É preciso uma concepção de que a sociedade e escola são partes de um mesmo conjunto. (...) a escola é um espaço de construção e fundamentação de diversos saberes necessários às mudanças nas relações sociais, do combate às injustiças, da constituição de uma sociedade mais humana e de um processo de convivência entre as diversidades e as singularidades constitutivas de cada grupo cultural. (RESAB, 2006, p.56)
Portanto, para a ECSA, a contextualização não é reduzir ensino-aprendizagem àquilo
que já se sabe, mas na relação de novas informações e conhecimentos com aquilo que a
pessoa já sabe. Isso pressupõe um processo de teorização da prática e a construção de novos
significados para o contexto em que se insere e sua relação com o global. Entende-se que
os contextos não se fixam apenas ao local, a sala de aula, a comunidade local, a um território determinado. Ele se estende até um sistema de valores, que extrapolam qualquer fronteira geofísica descuidadamente traçada, uma vez que tecem em redes de conteúdos que fundem o passado e o futuro; o local e o global; o pessoal e o coletivo; as objetividades e as subjetividades (RESAB, 2004, p.34)
231
Essa perspectiva de contextualização se expressa nas diferentes instituições que
compõem a Rede numa dinâmica de ensino-aprendizagem através de eixos temáticos ou
blocos temáticos, que segundo SOUZA e REIS (2003, p.09),
A opção por eixos possibilita a formação holística de pessoas para conhecerem melhor o meio ambiente (social, natural, local e global) em que se inserem e desenvolverem atitudes e procedimentos que gerem melhor relacionamento com esse meio, estabelecendo formas de convivência mais sadias e sustentáveis para, enfim, tornarem-se mais autônomas, reflexivas e propositoras de uma nova ordem social.
A organização curricular se dá a partir dos eixos temáticos, que articulam e integram
os conteúdos de cada área de conhecimento, como também, de temáticas transversais às
diferentes áreas, como por exemplo, manejo dos recursos hídricos, equidade de gênero,
aquecimento global, desertificação, agroecologia etc.
A convivência como aspecto orientador do Itinerário Pedagógico
Essa perspectiva evidencia a singularidade dessa proposta pedagógica ao colocar o
princípio da convivência com o Semiárido como aspecto orientador da organização do
itinerário pedagógico das práticas educativas da REDE,
preparando os sujeitos da ação educativa para a compreensão do meio e dos fenômenos naturais do ambiente, com vistas ao aproveitamento das potencialidades e da construção das novas possibilidades diante das problemáticas encontradas. (...) um paradigma de educação que compreende que o conhecimento trabalhado na escola assume uma dimensão de socialização e emancipação do homem e da mulher do SAB, extrapolando as dimensões da escola e dos saberes nela trabalhados como algo suficiente em si para a construção da cidadania e de um novo projeto social para o Semi-árido, onde a convivência passa a ser o elemento fundante de toda ação educativa. (RESAB, 2006, p.59-60)
Os conteúdos trabalhados na escola assumem uma vinculação com a realidade dos
educandos (as) e do bioma no qual estão inseridos, na perspectiva de construção de
conhecimentos, que contribuam para uma intervenção na realidade, que possibilite uma
convivência com sustentabilidade com o Semiárido. Dessa forma,
232
(...) A Educação para a Convivência com o Sem-Árido privilegia e enfatiza a necessidade de que as escolas do Semi-Árido, ao garantir o desenvolvimento das diferentes capacidades cognitivas, afetivas, físicas, estéticas, de inserção social e de relação interpessoal propiciem aos seus alunos os instrumentos sociais necessários para que possam intervir de forma consciente e propositiva no ambiente em que vivem. (NÉRI e REIS, 2004, p.136).
A necessidade de a escola contribuir com a implementação do desenvolvimento
sustentável na perspectiva de fortalecimento e melhoria das condições de produção da
existência dos grupos humanos, na constituição de relações mais solidárias e coletivas que
envolvem não somente as pessoas, mas abrangem toda a sociobiodiversidade do Semiárido, é
fundamento central na proposta pedagógica da RESAB.
Embora exista uma diversidade de experiências ligadas à Rede, estas normalmente
seguem o mesmo percurso no processo de produção do conhecimento a partir do princípio da
ação-reflexão-ação, e tendo como eixo articulador a convivência com o semiárido, que se
expressa em três momentos distintos, mas complementares, conforme podemos visualizar no
gráfico abaixo:
Fonte: Sistematizado pela autora a partir dos documentos da Rede
Gráfico 14 - Itinerário Pedagógico da ECSA
A Realidade como ponto de partida RPP- tem como pressuposto que a organização
Adotando a pesquisa e o questionamento sistemático, como estratégia para o trabalho, os
Convivência com o
Semiárido
1
A realidade como ponto de partida -
RPP
2
A comunicação dos saberes -
CS
3
A reiinvenão da realidade -
RR
4
O processo de avaliação
233
educandos (as) podem (re) conhecer outras possibilidades existentes no seu contexto, para
nele atuar. Os espaços de conversação e aprendizagens, entre os diferentes saberes e sujeitos
existentes na escola e na comunidade, são requisitos para estimular uma postura investigativa
para formulação de novas problematizações e aprofundamentos em sala de aula.
A comunicação dos saberes CS - é o momento de integração das diversas áreas de
conhecimento e dos saberes locais. Nesse sentido, o eixo integrador dos conteúdos articula os
conhecimentos das diferentes áreas do conhecimento, a partir das exigências colocadas pelo
contexto e as propostas curriculares adotadas pelas redes de ensino, a fim de que sejam
melhor compreendidas na intencionalidade de possibilitar o desenvolvimento de habilidades,
capacidades e atitudes, valores éticos, estéticos e afetivos a partir da
comunicação dos diversos saberes e conhecimentos para aprofundarmos e extrapolarmos as dimensões do localismo, fazendo com que os/as alunos/as compreendam a rede complexa em que se inserem o próprio local e o mundo em que se vive, e que a todo momento este espaço está interferindo no outro. (RESAB, 2006, p.62).
O tratamento contextualizado permite que o conteúdo de ensino tome a realidade dos
educandos (as) como conteúdo curricular, construindo uma comunicação entre seus
conhecimentos prévios e os científicos, portanto, requisita a construção de dispositivos
pedagógicos que contribuam para esta contextualização, dentre os quais, os materiais
didáticos que contemplem a realidade local. Nesse sentido,
Os materiais produzidos nas escolas, por meio dos projetos didáticos desenvolvidos com base em temas discutidos nas formações, permitem o desenvolvimento de ações, como o recontar da história local pela comunidade, a reflexão sobre as adversidades de cada lugar, o que tem contribuído para o desenvolvimento dos alunos na comunidade e desta nos conteúdos propostos pela escola, dando sentido ao que se ensina, aprende e faz (SOUZA e REIS, 2003, p.15).
Portanto, é um material didático específico, inclusive a elaboração de livro didático
que é utilizado nas escolas, por algumas das entidades da rede, pois
a intenção da construção de um livro didático é poder termos a possibilidade de trabalhar com um material que ofereça uma visão mais ampla do Semi-Árido (nos aspectos ambientais, sociais, culturais, econômicos e políticos). É importante então propor um livro que possibilite discutir melhor as peculiaridades da região e das relações desta com o mundo, contribuindo para descobrirmos formas apropriadas de convivência, dando uma dimensão motivadora e concreta da própria da realidade em movimento, onde as situações de vida possam ser elementos que
234
possibilitem um espaço/tempo de estudo e aprendizagem (RESAB, 2004,p.95).
O livro está organizado em torno de um eixo central: Convivência com o Semiárido,
abordado em sua complexidade e diversidade, considerando os diferentes contextos que o
compõem e com o qual se relacionam. Os eixos que organizam o livro são: Sociedade e
poder, Arte, cultura e lazer, trabalho e criação, Meio ambiente, História e Identidade,
articulando os conteúdos de diferentes áreas de conhecimento.
A Reinvenção da Realidade RR - é o momento dos educandos (as) reinterpretarem
sua realidade, a partir dos conhecimentos que foram construídos, e socializá-los com a
comunidade a partir de diferentes instrumentos e linguagens, explicitando as problemáticas
existentes com suas potencialidades e motivando os sujeitos a intervir na sua realidade. A
intervenção na realidade é a finalidade fundamental da produção do conhecimento nas
Escolas, numa perspectiva de contribuir para a convivência sustentável com o Semiárido.
Durante todo o itinerário o processo de avaliação ocorre a partir de diferentes
procedimentos e instrumentos, numa perspectiva de envolver todos os sujeitos sociais da
prática educativa e retroalimentar o itinerário pedagógico com o levantamento de novos
problemas e questões a serem aprofundadas.
Em resumo, todas as propostas pedagógicas tomam como ideia de que o educando se
forma em sua experiência de vida, no seu contexto social, ambiental e cultural, e não somente
na escola. Por isto, na especificidade do ato educativo no currículo das Escolas, tomam a vida
como conteúdo de aprendizagem, o que implica não simplesmente alterar metodologias de
ensino, mas alterar a organização do trabalho escolar, seus tempos, espaços e relações entre os
saberes e sujeitos da escola e da comunidade.
235
VI CAPÍTULO - LUGARES INSTITUCIONAIS: CENÁRIOS E PRÁTICAS DAS ESCOLAS DO
CAMPO
236
Não centra a prática educativa, por exemplo, nem no educando, nem no educador, nem no conteúdo, nem nos métodos, mas a compreende nas relações de seus vários componentes, no uso corrente por parte do educador ou da educadora dos materiais, dos métodos, das técnicas. Paulo Freire.
Este capítulo tem como finalidade analisar o ambiente educativo e a organização do
trabalho pedagógico nos lugares institucionais da Educação do Campo, buscando
compreender como as propostas pedagógicas se materializam nas práticas pedagógicas das
Escolas.
Adotamos o conceito de ambiente educativo, na sua dimensão material e como espaço
de aprendizagem da escola, constituída pelas interações entre educandos (as), educadores(as)
técnicos administrativos, família e comunidade. Interação que se evidencia na organização e
dinâmica de funcionamento de cada escola, numa perspectiva de democratizar a
aprendizagem, como coloca Freire:
O espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito. Neste sentido, quanto mais solidariedade exista entre o educador e educandos no trato deste espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola. (FREIRE, 1987, p. 97).
A organização do trabalho pedagógico é entendida como unidade de análise para
compreender a relação entre a teoria e a prática pedagógica. Para isso, referenciamos-nos em
Luiz Carlos de Freitas (1995), quando enfatiza que a organização do trabalho pedagógico,
enquanto parte da teoria pedagógica, desenvolve-se no trabalho pedagógico da sala de aula e
na organização do trabalho da escola em geral, envolvendo relações entre os sujeitos da
escola, os pais, a comunidade e o trato com o conhecimento.
Esse itinerário de organização do trabalho pedagógico e da produção do conhecimento
constitui a prática pedagógica das escolas, envolvendo os sujeitos cognoscentes (educandos
(as) e educadores (as), a prática gestora da escola e a dimensão epistemológica (conteúdos
educativos). A relação e a interação são mediadas pela autonomia, participação, organização
e a afetividade entre os sujeitos dentro do contexto histórico e social do campo.
A instituição escolar inserida na sociedade capitalista reflete, no seu interior, as
contradições e determinações dessa sociedade. Assim, pode contribuir tanto para manutenção
237
como para transformação deste contexto, visto que a finalidade da escola, conforme
FREITAS (1995),
[...] deve ser a produção do conhecimento (não necessariamente original),
artificial); a prática refletindo-se na teoria que é devolvida a prática, num circuito indissociável e interminável de aprimoramento. (p.100)
A prática pedagógica enquanto prática social especifica de formação do sujeito
humano assume sua dimensão social ao se situar historicamente dentro de um determinado
contexto cultural, se organizar de maneira planejada e intencional pelos seus diferentes
sujeitos para atingir objetivos e finalidades no processo de humanização do ser humano.
Na perspectiva de entender os ambientes educativos e a organização do trabalho
pedagógico, trazemos as escolas que compõem os lugares institucionais estudados: Escola
Família Agrícola( EFAORI); Escolas Francesco Mauro e Escola Catalunha( MST); Escola
Henrique Gouveia (PEADS); e Escola Rural de Massaroca (ERUM).
6.1. Escola Família Agrícola de Orizona EFAORI
A EFAORI localiza-se no município de Orizona (GO), que se encontra localizado na
região Centro-Oeste do Brasil e na região Sudeste do Estado de Goiás. Este possui uma área
de 1.972,865km², representando 0,34% da área total do Estado. Apresenta uma altitude média
122. Orizona localiza-se na microrregião de Pires do Rio, fazendo divisa com os
municípios de Luziânia (Nordeste), Silvânia (Norte), Vianópolis (Noroeste), Pires do Rio
(Sudoeste), Ipameri (Sudeste) e Urutaí (Sul), conforme visualizamos no mapa a seguir:
122 Dados da Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento SEPLAN, Goiás, 2007.
238
Ilustração 1 Localização de Orizona no Estado de Goiás
A população de Orizona, no ano de 2007, era de 13.508 habitantes. Destes, 6.696
habitantes referem-se à população urbana e 6.812 habitantes à rural, o que proporciona uma
densidade demográfica de 6 hab/ km2, enquanto a média do estado é de 14 hab/ km2. É um
dos poucos municípios de Goiás que possui população rural maior que a urbana. É um
município com uma propulação jovem, visto que 2/3 de seus habitantes tem menos de 40 anos
de idade.
O município é caracterizado pela presença marcante da agricultura familiar, cuja
principal atividade é a bovinocultura leiteira e as lavouras de subsistência e, por outro lado,
pelo processo de expansão da soja e da pecuária extensiva, que vem ocasionando uma
degradação do cerrado, como também o uso intensivo de agrotóxicos e aumentado o êxodo
rural por causa da compra das pequenas propriedades, que se veem pressionadas pelo avanço
do agronegócio e ausência de políticas agrícolas permanentes para a agricultura familiar,
dentre as quais, a assessoria técnica e extensão rural.
Esse cenário marcado pela expansão dos sojicultores no território causa uma pressão
significativa no fortalecimento da agricultura familiar, como também no estabelecimento de
uma escola voltada para formar filhos (as) de agricultores familiares dentro de um modelo
tecnológico pautado pela perspectiva orgânica e agroecológica.
A organização da agricultura familiar por meio de associações, Sindicato dos
trabalhadores (as) Rurais, Cooperativas de produção e de crédito e do Centro Social Rural de
239
Orizona, suscitou a necessidade de criação de um curso para jovens do campo, que
possibilitasse uma formação coerente com a sua realidade e com conhecimentos para o
desenvolvimento de projetos que assegurassem sua permanecia no meio rural, contribuindo
com a melhoria da qualidade de vida familiar.
Esta demanda ganhou visibilidade com as discussões realizadas pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e com o Centro Social Rural de Orizona (CSRO), que, em 1995,
constituiu uma comissão representativa de várias organizações do município para coordenar a
criação e a implantação da EFA.
Em 1999, em um prédio cedido pela Prefeitura, começou a funcionar a primeira turma
da EFAORI, com 21 alunos. No ano de 2000, com a efetivação de parcerias123, o Centro
Social Rural de Orizona (CSRO), adquiriu uma antiga chácara com uma área de 4 hectares e
meio, na Fazenda Santa Bárbara, localizada a 2 km da Sede do Município, para onde foi
transferida a escola e que funciona até os dias atuais124.
A EFAORI conta com as seguintes fontes para a sua manutenção financeira:
colaboração das famílias e da comunidade; contribuição dos estudantes; venda de produtos da
escola; doações diversas; convênios com organizações não governamentais e convênios
específicos firmados com instituições públicas e particulares.
No caso da EFAORI, o governo municipal oferece alguns auxílios no que tange às
questões físicas e estruturais, muito embora estas sejam precárias. Não se tem, portanto, o
apoio integral até mesmo quanto às questões de estímulo para ensino rural dentro da área do
próprio município. O governo municipal paga parte do transporte de aproximadamente 60
alunos para o Instituto Federal de Educação Tecnológica de Urutaí (IFET), para que realize o
Ensino Médio voltado às questões do campo, quando poderiam ser dadas condições
estruturais para a EFAORI receber a demanda que o município possui dos (os) filhos(as) de
agricultores(as) familiares de fazerem o Ensino Médio integrado ao curso profissionalizante
A estrutura educativa como espaço de aprendizagem
A construção da escola se adequou ao meio ambiente, aproveitando as fruteiras e
vegetações nativas existentes. Alguns espaços que faziam parte da antiga chácara foram
reformados, no entanto, constata-se a necessidade de construções ou reformas para oferecer
123 A parceria se deu entre o Centro Social, a prefeitura municipal e o SIMFER Solidariedad Internacional das
Mesons Familiares Rurales- Ong Belga. 124 Conforme Resolução 51/2006, do Conselho Estadual de Educação de Goiás.
240
melhor comodidade e condições de trabalho aos docentes e discentes, como, por exemplo:
ampliação da biblioteca, da cozinha, do laboratório de informática e da sala de vídeo. Na foto
abaixo visualizamos a entrada da Escola:
Entrada da EFAORI Foto 1: Silva, 2008
Atualmente, a EFAORI dispõe para organização do trabalho escolar de: pavilhão
pedagógico, laboratórios didáticos, salas da equipe pedagógica, espaços de apoio ao regime
de internato, área de esporte e lazer e laboratórios didáticos de produção.
O Pavilhão Pedagógico é composto por três salas de aula, ocupadas por turmas do
ensino médio, em jornada de alternância semanal.
Os Laboratórios didáticos: atualmente existem dois espaços didáticos importantes
para o desenvolvimento das atividades: laboratório de biologia e a biblioteca. O Laboratório
de biologia é dotado de microscópio binocular, lupas de aumento manual e kits para pequenas
cirurgias em animais.
A biblioteca, embora esteja num espaço improvisado, possui mais de 1.000 títulos de
livros no acervo. Tem uma boa frequência dos estudantes para realizarem leituras, pesquisas
sobre temáticas tratadas na sala de aula, trabalho de grupo, como também para empréstimos
para serem usados no tempo comunidade. Esse acervo foi ampliado com a inserção da escola
no Programa Arca das Letras do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
As salas da equipe pedagógica: abrigam administração, monitores e coordenação
pedagógica, funcionando no prédio da antiga fazenda, é um espaço adaptado, não
possibilitando uma maior comodidade para o desenvolvimento dos trabalhos da equipe.
Espaços complementares de apoio ao regime de internato: a) dormitório masculino e
feminino para uso dos estudantes no período de internato; b) refeitório para uso nas refeições
241
e lanches; c) cozinha industrial para preparo das refeições e lanches durante a sessão escola. O
café da manhã, almoço e dois lanches são preparados por duas merendeiras com auxílio das
equipes de trabalho compostas pelos estudantes. O jantar e a limpeza do refeitório são
assumidos em cada sessão escola pelos estudantes organizados em equipes de trabalho.
A Área de esporte e lazer é composta por um campo de futebol gramado, com uma
área com 960 metros quadrados, na qual são desenvolvidas as atividades de educação física,
as atividades de recreação e jogos livres entre os estudantes. Recentemente foi construído um
Centro de Convivência em convênio com o Ministério do Desenvolvimento Agrário para a
prática de esportes, atividades recreativas e formativas, tanto para a escola como para as
organizações e famílias de agricultores do território Estrada de Ferro125.
Os Laboratórios didáticos de produção são destinados para os projetos agrícolas e
zootécnicos, com unidades de: a) criação de animais de pequeno porte: aves caipiras; b)
Unidades de criação de animais de médio porte: suínos; c) criação de animais de grande porte:
bovinos; d) olericolas e jardinagem: viveiros de mudas, sistemas de irrigação convencional; e)
cultivo: plantio de milho e arroz; f) fruticultura; e g) área de compostagem.
As atividades produtivas desenvolvidas nos laboratórios didáticos têm a finalidade de
propiciar a aprendizagem dos estudantes e de ajudar a complementar a alimentação durante o
internato. Nos laboratórios são ministradas as aulas da formação técnica, e sua manutenção é
realizada durante as atividades gerais, que são organizadas por grupos de trabalhos e
coordenadas por um monitor.
As atividades gerais são realizadas durante a sessão escola, ao final de cada dia, no
horário das 17h00min às 18h00mim, e têm como finalidade realizar tarefas de: manutenção
do espaço físico da escola, organização dos laboratórios didáticos e armazenamento de
produtos para venda ou alimentação do grupo. Podemos ver exemplos destas atividades nas
fotos abaixo:
125 O agrupamento dos municípios brasileiros por territórios é parte da estratégia de implementação das políticas
públicas pela Secretaria do Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário- SDT/MDA. O município de Orizona faz parte do denominado Território Estrada de Ferro.
242
Organização das mudas para viveiro Limpeza de alho para armazenamento
Foto 2: Silva, 2008 Foto 3: Silva, 2008.
Organização do trabalho pedagógico: a alternância como organizadora do tempo e espaço
pedagógico
Na Pedagogia da Alternância a organização do trabalho pedagógico se dá a partir do
trabalho em sala de aula, da escola como um todo e da relação com as famílias. Para isso,
considera diversos elementos em suas interações: os educandos (alternantes), o projeto
educativo (ações de formação), conteúdos pedagógicos (saberes populares e científicos), rede
de parceiros e co-formadores (mestres de estágio, famílias, lideranças comunitárias, técnicos e
especialistas), dispositivos pedagógicos (instrumentos pedagógicos), a estrutura educativa
(condições materiais da escola) e a equipe educativa (monitores, gestores, coordenadores,
pessoal de apoio). Essa constituição encontra-se representada no gráfico seguinte:
243
Fonte: Jean- Claude Gimonet, 2007.
Gráfico 15 - Constituição da formação por alternância
Esses elementos constituem o projeto educativo de cada escola da alternância e,
segundo Jean-Claude Gimonet (1985), têm como uma das características marcantes a criação
de rupturas entre os lugares, os momentos e os conteúdos da formação de forma integrada e
articulada, a partir da construção de relações entre diferentes sujeitos e dispositivos
pedagógicos, o que caracteriza a alternância como uma perspectiva relacional que envolve
família-monitores-estudantes-comunidade, na integração entre teoria e prática, estudo e
trabalho, escola e realidade social.
Essa perspectiva relacional e integrativa de sujeitos, tempos e espaços tem como
finalidade contribuir para o desenvolvimento das pessoas, do contexto em que elas vivem e
para uma formação integral a partir da inserção no mundo do trabalho.
A EFAORI, a pedido das famílias dos estudantes, trabalha com a alternância semanal.
Os estudantes permanecem em regime de internato, na escola, durante uma semana, e depois
retornam para o meio sócioprofissional e familiar, por igual período, onde têm a oportunidade
de vivenciar os conhecimentos. Há uma inter-relação entre escola e família denominada como
alternância integrativa, articulada pelos dispositivos pedagógicos que compõem a alternância.
Assim, no início do ano, em Assembleia Geral, é discutido e aprovado o calendário
escolar constituído de 42 sessões de estudos organizadas na sessão escola e na sessão família.
Os parceiros Co-formadores
O projeto educativo
O dispositivo pedagógico
A estrutura educativa
Os monitores
A equipe educativa
O alternante e sua família Experiência
Projeto Profissional e de vida
244
A sessão escola consiste numa jornada integral de uma semana em regime de
internato, com uma carga horária total de 4.394 horas aulas e 105 dias letivos; e a sessão
comunidade consiste na semana que o estudante permanece na família, totalizando uma carga
horária de 2.321 horas aulas, e 105 dias letivos. Desse total de horas, 343 são dedicadas ao
estágio supervisionado, cujo acompanhamento é feito por um orientador de estágio e pelo
mestre de estágio, culminando com a sistematização do Projeto Profissional do estudante a ser
desenvolvido na sua propriedade.
A alternância, enquanto princípio pedagógico, mais que característica de sucessões
repetidas de sequências de tempo e espaço escola e família, visa desenvolver na formação dos
jovens situações em que o mundo escolar interage com o contexto social, cultural e
profissional da família do educando (a).
Durante as observações das sessões escolares, ter permanecido no internato com os
estudantes foi de fundamental importância para identificarmos como o tempo educativo, que
se inicia as 07h00min e termina as 21:40 horas, transforma-se em aprendizagem da vida em
grupo, das normas elementares de convivência, dos conteúdos educativos, do trabalho em
equipe, do aprendizado da solidariedade e da cooperação e do desenvolvimento da
responsabilidade e da autonomia.
Na organização do trabalho pedagógico, as mediações comportam práticas docentes,
discentes e da família que se articulam em tempos educativos alternados e cujos conteúdos
são mediados principalmente pelo monitor-educador, numa interlocução permanente com
outros formadores, cingida por diferentes instrumentos pedagógicos específicos da Pedagogia
da Alternância.
Assim, a prática pedagógica se institui e constitui dentro de um itinerário de ensino-
aprendizagem que articula diferentes espaços e tempos educativos, alternando momentos de
atividades no meio sócioprofissional do educando e momentos de atividades escolares
propriamente ditas na EFA, nos quais o diálogo permanente entre as experiências sociais,
familiares e culturais dos educandos (as) com o conhecimento das diferentes disciplinas
tornam-se os conteúdos educativos a serem aprofundados dentro da sala de aula
É por esta razão que Jean Claude Gimonet (2007) considera que a alternância não
sobrevive sem uma abertura da escola para o mundo exterior, orientada pela busca
permamente de incorporar e reconstruir no processo de formação dos alunos os
conhecimentos historicamente criados e recriados nas lutas e vivências das famílias, de suas
organizações e seus movimentos. É nessa articulação entre escola, famílias e contexto sócio-
político que encontramos a essência de uma alternância integrativa.
245
Os Educandos (as): a autonomia e a convivência como aprendizado
Os/as educandos/as (ou alternante) são filhos (as) de agricultores familiares residentes
nos municípios do entorno de Orizona, predominando a faixa etária de 14 a17 anos, a maioria
do sexo masculino.
A EFAORI adota os seguintes critérios para seleção dos educandos (as): ter concluído
o ensino fundamental, entrevista com os pais para discussão das normas de funcionamento da
escola e o seu itinerário pedagógico, ser vinculado à agricultura familiar e obter bom
desempenho no diagnóstico inicial, que contempla: redação, noções básicas de matemática e
ciências.
O número máximo de estudantes por turma é de 35 estudantes, com a finalidade de
assegurar o processo de acompanhamento dos estudantes: na produção em sala de aula, no
trabalho de grupo e na tutoria. No ano de 2008, a escola apresentou um efetivo de oitenta e
dois (82) estudantes no Curso Profissionalizante Técnico em Agropecuária de Nível Médio,
assim distribuídos: vinte e nove (29), na primeira série, vinte e dois (22), na segunda série e
vinte e nove (29, ) na terceira série.
ANO
MULHERES
HOMENS
FAIXA ETARIA
1ª 09 20 13 A 20
2ª 05 17 14 A 30
3ª 05 24 16 A 28
Fonte: Secretaria da EFAORI, 2008.
Quadro 19 Distribuição dos estudantes matriculados por série, sexo e faixa etária EFAORI - 2008.
Conforme podemos ver no quadro n° 19, o número de estudantes do sexo feminino é
inferior ao masculino, isso ocorre, conforme o depoimento da estudante, porque
primeiro existe uma idéia que um curso de técnico em agropecuária é mais adequado para os homens, e depois não são todas as famílias, que entendem que as meninas fiquem numa escola de internato junto com os meninos, isso é muito difícil na área rural (Estudante 1).
246
A prática da escola é tratar a questão de gênero com equidade, pois os educandos (as)
participam das atividades previstas na sessão escola e sessão família sem diferenciação de
sexo, como mostram os seguintes depoimentos:
Aqui na escola todo mundo participa de todas as atividades. Não tem essa de divisão de trabalho de menino e menina. Na sala de aula, no trabalho de campo, na divisão das tarefas de limpeza e organização da escola, tem a participação de todo mundo. (Estudante 3)
Até eu aprendi sobre essas questões de divisão de tarefas entre homem e mulher, porque antes de trabalhar aqui, os meninos não faziam nada em casa. Depois que vi aqui os meninos lavam, varrem, limpam as coisas, cozinham, fui mudando também. Eu não preciso estar cobrando nada. Na hora de servir a refeição, já vem aquele grupo, arruma tudo, outros lavam os pratos, outros limpam o refeitório. E a noite que eles fazem o jantar, no outro dia encontro tudo limpinho na cozinha. Isso motiva o nosso trabalho, mais também ajuda a pensar sobre a importância que cada um tem na escola. (TA 2) 126
Na sala de aula, as questões sociais referentes à dimensão de gênero, etnia,
sexualidade e família são discutidas em todas as disciplinas, e, especialmente, na de formação
humana e religiosa, a partir de diferentes estratégias didáticas como, por exemplo, leitura de
artigos em revistas e jornais, livros de literatura, debates em sala de aula, intervenção externa
de especialistas e vídeos.
No que se refere à permanência dos estudantes na escola, os dados evidenciam uma
reduzida evasão escolar, o que se atribui ao trabalho de orientação, seleção e
acompanhamento das atividades pela tutoria e família. Essa mesma questão se observa no que
se refere à repetência, pois o acompanhamento sistemático e individualizado da tutoria, na
verificação das dificuldades, na construção de suportes junto aos outros monitores para
auxiliar nas dificuldades e na troca de ideias com as famílias, tem conseguido superar essas
dificuldades, conforme podemos ver na tabela n° 8:
126 As letras TA refere-se às falas dos técnico-administrativos e o numeral a seqüência no registro das falas.
247
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Matricula 42 71 77 87 83 89 96
Evasão 01 01 01 01 01 04 04
Transferência - 06 02 05 05 02 12
Reprovação 02 02 03 07 04 06 -
Aprovação 39 62 71 68 73 77 80
Fonte: Secretaria da EFAORI- 2008. Tabela 8 - Distribuição dos estudantes por ano e indicadores de resultado 2000-2008 - EFAORI
O baixo índice de evasão e reprovação na escola, como observamos na tabela 8, é
atribuído pela equipe pedagógica ao acompanhamento realizado pela família e escola, através
de reuniões sistemáticas entre pais e escolas, tutoria, reforço aos estudantes com dificuldades,
avaliação contínua e participativa das vivências e aprendizagens. O maior número de
transferência ocorre devido a mudanças da família para outros municípios ou porque o
educando (a) não se adapta à escola.
Quanto ao perfil dos egressos da EFAORI, o projeto pedagógico coloca que o mesmo
estará apto para
analisar as características econômico-sócio-ambientais da propriedade onde irá atuar, identificando as atividades peculiares da área a serem implementadas; implantar e gerenciar sistemas de controle de qualidade na produção agropecuária; identificar e aplicar técnicas mercadológicas para distribuição e comercialização de produtos; projetar e aplicar inovações nos processos de montagem, monitoramento e gestão de empreendimentos; elaborar relatórios de impacto ambiental; elaborar laudos, perícias, pareceres, relatórios e projetos, inclusive de incorporação de novas tecnologias. (EFAORI, 2005)
Segundo dados da Secretaria da Escola sobre os 155 egressos até 2007, 40% estão
dando continuidade aos estudos em cursos superiores em Universidades localizadas em Goiás
e no Distrito Federal; 50% permanecem no campo desenvolvendo diferentes atividades, tais
como: assessoria técnica aos agricultores da região, participação em organizações e
movimentos sociais do campo, desenvolvimento de projetos em sua propriedade, e 10% se
deslocaram para a sede do município, para desenvolver outras atividades, principalmente no
comércio.
248
A equipe educativa: o trabalho coletivo como exercício da docência
A equipe educativa na EFAORI é constituída por diferentes sujeitos: os monitores
(as), os técnicos administrativos e outros formadores (colaboradores externos, mestres de
estágio, etc). Os monitores-educadores assumem um papel fundamental dentro da equipe
educativa, na mediação do processo de aprendizagem, pela característica da proposta da
alternância, que exige múltiplas funções. É o que identificamos nas falas abaixo:
Nosso trabalho da sala de aula é fundamental. A participação é base, mais nos temos o papel de coordenar o processo de ensino-aprendizagem. Mas na alternância nós temos outras funções: acompanhamos os estudantes com a tutoria, monitoramos o tempo do internato, a convivência, as relações entre os estudantes, realizamos visitas às famílias, participamos da gestão da escola. E tudo isso vai fazendo a gente aprender muita coisa, a lidar com muita situação, a conhecer mais a realidade das famílias. (M3) 127
Aqui eu tive que aprender de tudo... A troca de experiências com os colegas que já trabalhavam e tinham a prática da alternância foi fundamental. Além disso, quando comecei a fazer o curso de formação em alternância foi me ajudando muito, outra coisa importante são as conversas com colegas que atuam em outras EFAs. Na prática, nós vamos aprendendo muito também com os jovens, com as famílias, com as intervenções externas, as visitas de estudos. (M 2)
O trabalho pedagógico na escola redimensiona o repertório de conhecimentos dos
monitores, pois ressaltando os saberes construídos na
saberes
que constituem sua prática docente são provenientes de diferentes fontes.
A formação continuada específica para o exercício docente na EFA é ressaltada pelos
docentes como importante para seu trabalho:
e Embora exista uma política de formação continuada
na EFAORI, uma dificuldade para sua implementação é a carga horária dos monitores, pois
como são vinculados às Secretarias Estadual e Municipal de Educação, nem todos possuem
carga horária de 60 horas-aulas necessárias para as múltiplas funções que desempenham na
127 A letra M indica a fala dos monitores-educadores e o numeral se refere a cada uma das falas registradas.
249
EFA, inclusive o tempo para sua formação e participação em atividades da sessão família,
como podemos ver na fala do Monitor 3:
O fato das secretarias de educação não entenderem a dinâmica de funcionamento da escola na alternância dificulta, porque temos que lutar bastante para que os professores cedidos para a escola possam ter uma carga horária compatível com o trabalho que desenvolvem aqui. Alguns não possuem essa carga horária e têm que trabalhar noutra escola, e ficam com dificuldades de participar de algumas atividades que são importantes para a organização do nosso trabalho como, por exemplo, visitas às famílias.
Além do processo de formação continuada desenvolvido pela EFAORI, 03 monitores
estão realizando o curso de especialização em Pedagogia da Alternância128, existindo, no
projeto pedagógico da escola, a meta de que todos possam passar por essa formação. Vejamos
o depoimento do Monitor 6:
A parceria com a Universidade para a realização do curso de especialização foi muito importante, porque pudemos aprofundar o referencial teórico da alternância, refletir sobre os instrumentos que usamos, como trabalhamos os conhecimentos, a relação com as famílias. Enfim, uma série de questões de nosso cotidiano. Depois, quando junta educadores vindos de outras EFAs, isso é uma troca muito rica. Por isso, achamos fundamental a continuidade do curso para que outros colegas também possam fazer.
O curso de especialização tem duração de dois anos e meio, organizado em onze
módulos temáticos realizados em seis encontros presenciais na associação regional, sendo três
no primeiro ano e três no segundo, com um encontro nacional conclusivo no primeiro
semestre do terceiro ano. Os encontros ou sessões de formação são realizados com um ou dois
módulos temáticos, dentro de uma carga horária de quarenta horas somadas ao projeto de
pesquisa e experimentação pedagógica, perfazendo um total de quinhentas horas.
Do ponto de vista da formação inicial, todos possuem curso superior dentro de uma
área específica do conhecimento, embora, na sala de aula, o exercício profissional ocorra em
mais de uma disciplina, pela carência que existe de professores para determinadas áreas do
conhecimento nas Escolas do Ensino Médio no campo, como mostra o quadro n° 20:
128 O Curso de Pós-Graduação Latu-Sensu em Pedagogia da Alternância está sendo realizado pela Associação
das Escolas Famílias Agrícolas do Centro Oeste e Tocantins (AEFACOT), e será certificado pela Universidade Católica de Brasília por intermédio de uma parceria iniciada desde 2002.
250
FUNÇÃO MODULAÇÃO/DISCIPLINAS
ESCOLARIDADE C.H VÍNCULO
Professor efetivo Estágio/Topografia/Mecanização Agrícola/ Irrigação e Drenagem/ Agroindústria Jardinagem e Paisagismo/tutoria
Tecnólogo em Irrigação e Drenagem
40
SEE/GO SME/Orizona
Professor contrato Gestão Ambiental e Silvicultura/Culturas Anuais/Agricultura Geral /Fruticultura
Tecnólogo em Irrigação e Drenagem, Licenciado em Geografia e Mestre em Agronomia.
20
SEE/GO
Professor efetivo Geografia/Introdução Planejamento e Projetos /Gestão Planejamento e Projetos/Estudos Regionais/Estágio Experimental/Tutoria
Licenciado em Geografia
40 SEE/GO SME/Orizona
Professor contrato Física/ Informática
Licenciado em Matemática
30 SEE/GO
Professor Efetivo Matemática/Química/tutoria
Licenciado em Matemática e Pós-Graduado em Ensino de Matemática.
40 SME/Orizona.
Professora efetiva Filosofia/Sociologia/Biologia/Tutoria
Licenciada em História 40 20
SEE/GO
SME/Orizona Professor efetivo Educação Física/Coordenação de
esportes
Licenciada em História
30 SME/Orizona.
Professor efetivo Cooperativismo/Orientação de Estágio/tutoria
Licenciado em Geografia e Especialista em Pedagogia da Alternância
40 SEE/GO SME/Orizona.
Professora efetiva Espanhol/Inglês Licenciatura em Letras 30
SEE/GO
Professora efetiva Coordenadora Pedagógica, Monitora e Professora de Disciplinas da Área Diversificada
Licenciada em Ciências Sociais, Pós Graduada em Metodologia de Ensino Superior e Especialista em Pedagogia da Alternância.
40 20
SEE/GOSME/Orizona.
Professor contrato Zootecnia Geral/Zootecnia/ Estágio/tutoria
Bacharel em Zootecnia 40
SEE/GO
Professora efetiva Português/Artes/Estudos Regionais
Licenciada em Letras e Pós Graduada em Formação Social Econômica do Brasil
40 20
SEE/GO SME/Orizona
Professora efetiva História/-Formação Humana e Religiosa/Tutoria
Licenciada em História e Pós Graduada em Psicopedagogia e Pedagogia da Alternância
60 SEE/GO
Fonte: Secretaria da EFAORI, 2008.
Quadro 20 Monitores (as) com escolaridade, carga horária, vínculo administrativo e respectivas disciplinas EFAORI 2008
251
Na relação com os educandos (as), o monitor (a) é um mediador da aprendizagem com
atenção personalizada a cada jovem. Ele acompanha, guia, orienta, em direção às fontes do
conhecimento e da formação integral do jovem. Tal mediação suscita uma aprendizagem
permanente e uma inserção no processo de gestão escolar, conforme nos mostra a fala:
Ser monitor da EFA é muito desafiador, pois não basta a gente ter conhecimento da nossa disciplina, ou achar que basta chegar dar aula e ir embora. Alguns que chegam aqui com essa visão logo vão embora. Na EFA nós temos que ter o conhecimento técnico, pedagógico, mas tem também o cuidado com os estudantes, as famílias, a comunidade, as relações de bem viver, responsabilidade com tudo que esta acontecendo no ambiente educativo, viver em grupo, campo, por isso, é tão importante o trabalho coletivo, a auto-avaliação, a troca de conhecimentos com os colegas, os estudos. (M 1)
No que se refere à equipe técnico-administrativa da Escola, nos últimos anos passou
por um processo de qualificação e aperfeiçoamento através de cursos oferecidos pela
Associação das Escolas Famílias Agrícolas do Centro Oeste e Tocantins (AEFACOT),
oferecidos pela Secretaria de Estado da Educação, o Pró-Gestão e formação para trabalho na
biblioteca e salas de leitura. Vejamos o quadro que demonstra o pessoal técnico-
administrativo da EFAORI.
CARGO VÍNCULO ESCOLARIDADE C.H. VÍNCULO
Assistente Técnico em Educação
Efetivo Ensino Médio 40 Secretaria Municipal de Educação
Secretária Cargo Comissionado
Ensino Médio Completo, Técnica em Agropecuária Cursando Graduação: Administração de Empresas
40 Secretaria Estadual de Educação
Auxiliar de Serviços Gerais
Contrato Ensino Fundamental Incompleto 40 Secretaria Estadual de Educação
Dinamizadora da biblioteca
Efetiva Licenciatura em Letras pela UEG-GO 40 Secretaria Estadual de Educação
Vigia Efetivo Ensino Médio Completo 40 Secretaria Estadual de Educação
Merendeira Efetiva 1º Grau Incompleto 30 Secretaria Municipal de Educação
Merendeira Efetiva 1º Grau Incompleto 30 Secretaria Municipal de Educação
Merendeira Efetiva Ensino Médio completo 40 Secretaria Municipal de Educação
Auxiliar de Secretaria
Efetiva 2º Grau Completo (Magistério), Cursando Tecnólogo Irrigação e Drenagem
60 Secretaria Municipal de Educação
Fonte: Secretaria da EFAORI, 2008.
Quadro 21 - Pessoal técnico-administrativo com cargo, vínculo e escolaridade- EFAORI, 2008
252
Na escola, existe um clima organizacional de estímulo para que os técnicos possam
estudar e ter uma maior qualificação para o trabalho, visto que a Pedagogia da Alternância
exige uma atuação mais sistemática e ativa dos técnicos administrativos na dinâmica da
escola. Nesse sentido, vejamos os depoimentos:
Eu voltei a estudar depois que comecei a trabalhar na escola, porque é importante a gente ter uma maior escolarização, aprender mais, para buscar se qualificar no trabalho aumenta nossas possibilidades. (TA 1)
Os estudantes aqui são muito curiosos, tudo eles perguntam, participam de tudo. É muito bom porque eles participam do nosso trabalho, ajudam, cooperam muito. Além disso, a família está sempre presente na escola, a gente acaba conhecendo todo mundo. (TA 2)
Eu tenho que sempre me atualizar na organização da biblioteca, nas dinâmicas de leitura, nas temáticas que estão sendo trabalhadas. A biblioteca está sempre com jovens fazendo pesquisa, trabalho de grupo, procurando algo para ler. Pena que nosso espaço é pequeno, senão seria mais usado pelas turmas. Recentemente ampliamos nosso acervo com a Arca das Letras. Isso foi muito bom. Mas estamos sempre fazendo campanhas para ampliar o acervo, pois os alunos procuram muitos livros para leitura, inclusive quando vão para a sessão família. Nossos alunos inclusive têm se saído muito bem nas provas de avaliação do ensino médio em Língua Portuguesa. Eu acho que é porque eles lêem muito. (TA 3)
Na organização do trabalho pedagógico, destaca-se o trabalho coletivo como um
articulador dos diversos segmentos da comunidade escolar, fundamental para sustentar a ação
da escola em torno de um projeto. Ele é condição indispensável para que as atividades da
sessão escola e sessão família sejam planejadas e avaliadas, tendo em vista a direção comum
que se pretende imprimir ao processo ensino-aprendizagem.
É nesse contexto de trabalho coletivo que se integram outros formadores no processo
educativo, por meio das intervenções externas e do trabalho dos mestres de estágio.
O processo de intervenção externa consiste na participação de diferentes formadores
no processo educativo, não se restringindo à ação educativa apenas aos educandos (as) e
monitor(a) em sala. São eles: pais, representantes de associações de produtores, lideranças das
comunidades, orientadores de estágios, técnicos e especialistas das temáticas que estão sendo
trabalhadas em sala de aula.
A participação desses diferentes sujeitos tem como finalidade ampliar as temáticas
trabalhadas em sala de aula, integrar as diferentes áreas de conhecimento e articular os
conteúdos do plano de estudo. Conforme o Monitor 5,
253
A importância das intervenções externas é para assegurar o aprofundamento das temáticas dos Planos de Estudo, articular diferentes visões sobre os temas, a partir das áreas de conhecimento dos colaboradores e especialistas. No entanto, embora tenha outros formadores que participam do processo em sala de aula, não desconsidera o papel imprescindível professores/monitores dentro da escola, na difusão e construção de conhecimentos. Continuam sendo os mediadores essenciais do processo, por isso a capacidade de liderança, animação e comunicação tanto dentro da equipe, quanto fora da escola destes profissionais, é uma competência importante dentro deste lugar institucional.
Os Mestres de Estágio são pessoas da comunidade que se dispõem a receber os
estagiários na sua propriedade, para aprenderem com o desenvolvimento das atividades
produtivas. Participam e vivenciam da dinâmica do trabalho, orientam as atividades,
observam o desempenho e o compromisso do educando (a), registram e socializam com o
orientador de estágio sua avaliação do desempenho do educando (a) no estágio.
O Estágio, portanto, se constitui numa articulação entre teoria e prática. Os saberes
científicos trabalhados na escola e os saberes da experiência desenvolvida pelos agricultores
(as) em suas propriedades e na vivência do trabalho são de fundamental importância para a
formação do jovem.
A prática gestora: o aprendizado da participação
A prática gestora da escola se organiza a partir de diferentes normas e rituais que têm
como finalidade precípua a formação integral do educando. Nesse pressuposto, estrutura-se a
gestão da escola.
A necessidade de processos de participação e decisão dos sujeitos de forma
democrática e dialógica tornam-se requisitos fundantes na formulação, planejamento e
acompanhamento do trabalho na escola. Essa participação ativa na gestão escolar está
assegurada no regimento geral da EFAORI, quando, no seu Artigo 8º, parágrafo único, prevê
a administração da escola composta por toda a comunidade escolar:
A Escola Família Agrícola de Orizona é constituída pelos membros da Entidade Mantenedora, Conselho Comunitário, Direção, Corpo docente, técnico-pedagógico, administrativo e os alunos regularmente matriculados na Unidade Escolar, bem como seus pais ou responsáveis.
254
Todas as normas aprovadas na assembleia são escritas e encaminhadas às famílias e
aos estudantes, para serem lidas, assinadas e arquivadas no caderno de acompanhamento dos
estudantes (ANEXO C)
Um ritual importante na dinâmica do grupo é o momento de reflexão, que ocorre todos
os dias pela manhã, antes do horário do lanche. Esse momento envolve todos os monitores,
estudantes e demais pessoas que estiverem na escola na ocasião. É coordenado a cada dia por
uma dupla de estudantes, responsáveis pelo conteúdo e metodologia. A foto a seguir mostra
um desses momentos.
Momento da reflexão Foto 4: Silva, 2008.
A gestão da escola tem no coletivo o responsável pela tomada de decisão no
planejamento, execução, acompanhamento e avaliações das questões pedagógicas e
administrativas da escola. Alguns espaços de gestão democrática estão assegurados no projeto
pedagógico da escola, dentre os quais, destacamos: a associação das famílias, a assembleia
geral, o coletivo de educadores e a assembleia dos estudantes.
A Associação das Famílias é constituída pelos pais, representantes de organizações,
parceiras e mestres de estágio, sendo responsável pela escola na sua dimensão jurídica,
administrativa e financeira. A associação possui um conselho de administração responsável
por convocar as reuniões dos pais, gerenciar os recursos financeiros da escola, encaminhar as
deliberações da Associação e Assembleia geral da Escola.
255
Na primeira sessão-escola do ano, a Assembleia das famílias estrutura os grupos de
trabalho: limpeza e manutenção dos espaços externos da escola, limpeza dos dormitórios,
preparação do jantar, infra-estrutura, reflexão e oração, manutenção dos laboratórios,
organização de biblioteca, dos quais a partir de revezamento todos os estudantes participam
durante o ano letivo. A seguir, temos uma foto de uma assembléia de famílias:
Assembleia das Famílias. Foto 5: cedida pela EFAORI
A Assembleia Geral da Escola, que reúne pais, equipe pedagógica e estudantes, é
responsável pela definição das normas de funcionamento, organização pedagógica e
administrativa da escola, dentre as quais: aprovação do calendário escolar, do plano de
formação, organização dos grupos de trabalho e apreciação dos critérios de avaliação.
Abaixo, temos uma foto de uma assembleia geral:
Assembleia Geral Foto 6: Silva, 2008.
256
A foto 6 permite visualizar os diferentes sujeitos que participam das assembleias
gerais da Escola: pais, estudantes, professores(as), funcionários. Esses momentos possibilitam
uma avaliação processual do trabalho desenvolvido na escola e uma divisão das
responsabilidades nos encaminhamentos para superação.
A Assembleia dos Estudantes sempre ocorre no turno noturno e, antes de sua
realização, os representantes de turma fazem um levantamento em sala dos pontos de pauta
que deverão ser tratados na mesma. Os resultados da Assembleia são encaminhados para a
Direção da Escola e para a Associação das Famílias para buscarem formas de responder às
necessidades e demandas dos estudantes.
Os estudantes representantes de turma (dois) são escolhidos diretamente pelos seus
pares, e participam de todo o processo de gestão da escola: conselhos de classe, assembleia da
associação, representação externa da escola e coordenação das reuniões e as assembleias
estudantis.
Na perspectiva da gestão democrática, o coletivo dos monitores-educadores participa
do cotidiano da escola da gestão administrativa e pedagógica da mesma, além de
desenvolverem diferentes funções: docência, coordenação de reuniões, acompanhamento
individual dos educandos (as) e planejamento das atividades.
Como na formação e no exercício docente em outras escolas nem sempre os
educadores (as) constroem conhecimentos para o desenvolvimento dessas múltiplas funções,
o processo de inserção na EFA representa um processo de aprendizagem para o trabalho
docente, conforme a fala de Monitor 4:
Assim que o pessoal chega aqui, tem que passar por uma aprendizagem, geralmente não vêm acostumados a trabalhar em grupo, alguns chegam com a ideia que é dar sua aula, e ir embora. Então, por isso, não é fácil ser monitor da alternância, pois temos uma carga de trabalho muito intensa. Isso também é uma dificuldade, porque somos vinculados às secretarias municipais e estaduais, mas temos um regime de trabalho completamente diferente dos professores que trabalham nas escolas convencionais.
Na fala dos monitores, aparece um tempo de trabalho superior ao que é assegurado
pelo vínculo com as secretarias de Educação, o que leva a uma disponibilidade pessoal para
assumir as propostas pedagógicas das escolas, caracterizadas por uma militância docente, sem
assegurar um processo de profissionalização, com condições salariais e de trabalho adequadas
ao desempenho docente.
257
Na prática gestora da escola, a avaliação emerge como dimensão fundamental do
trabalho pedagógico, pois se processa de forma permanente, continuada e formativa. A
formulação coletiva da proposta de avaliação, os diferentes instrumentos utilizados e o
envolvimento dos sujeitos da escola em sua implementação parecem assegurar na prática
pedagógica um acompanhamento sistemático dos processos educativos vivenciados no tempo
escola e no tempo família.
Nesse sentido, verificamos na escola diferentes estratégias avaliativas, no que se refere
aos processos vivenciados, aos conteúdos ensinados e aprendidos e às metodologias
utilizadas, balizadas por critérios de avaliação construídos coletivamente em Assembleia
Geral (ANEXO D).
Merece destaque o serão de auto-avaliação, realizado no final de cada bimestre, no
qual os estudantes realizam a auto-avaliação, considerando sua participação e compromisso
nas diferentes atividades desenvolvidas no tempo escola e no tempo família. A tranquilidade
e seriedade com que realizam a auto-avaliação expressam claramente a construção da
autonomia no coletivo de estudantes. A partir da auto-avaliação, as notas de cada um são
registradas pelos representantes de classe e encaminhadas para o Conselho de Classe e
Coordenação Pedagógica para seu devido registro no Caderno de Acompanhamento e nos
diários de classe pelos monitores (as).
O conselho de classe funciona como um colegiado de natureza deliberativa e
consultiva, no trato de questões didático-pedagógicos, com atuação restrita a cada classe da
Unidade Escolar. É composto por direção, coordenação pedagógica, representantes dos
estudantes, representantes das famílias, representantes dos servidores e professores.
O Conselho de Classe, segundo regimento da EFAORI, tem como finalidade: estudar e
interpretar os resultados da avaliação no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem,
analisar os resultados de ensino-aprendizagem correlacionando o conteúdo proposto na
organização curricular; sugerir procedimentos para a melhoria do ensino; analisar as
informações sobre conteúdos curriculares ministrados, procedimentos metodológicos e de
avaliação do ensino-aprendizagem adotados; propor medidas que possibilitem um melhor
aproveitamento escolar; avaliar o relacionamento educador/educando e a integração do
estudante na comunidade escolar; opinar sobre os casos de cancelamento de matrículas;
possibilitar a troca de experiências entre os participantes; e analisar e propor soluções sobre a
vida escolar do estudante, bem como o engajamento social, visando à transformação do meio
sócioprofissional no qual estão inseridos os estudantes.
258
Com essas finalidades, o Conselho de Classe assume na prática um papel fundamental
na gestão curricular da escola e no seu redirecionamento para atender às necessidades do
educando(a) e das famílias, o que possibilita uma reformulação permanente do trabalho
pedagógico, no que se refere à seleção e trato com o conhecimento para atender às
necessidades de aprendizagem dos educandos(as).
Uma dificuldade na gestão das EFAS, sinalizada nos seus documentos e evidenciada
na prática, refere-se à auto-sustentação financeira da Escola. Por ser uma escola pública
comunitária, isso dificulta o apoio institucional e financeiro dos órgãos públicos da educação (
Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, Ministério Educação e outros órgãos
públicos). Vejamos o que diz o Monitor 6:
Uma das dificuldades que nós temos é a questão financeira, porque como somos uma escola pública comunitária e no Brasil, o público é entendido somente como o estatal, temos dificuldades de receber apoio. Aqui no município, temos o convênio para contratação dos professores, ajuda no transporte para deslocar os alunos. Então temos que contar com as famílias e parceiros para a auto-sustentação da escola. Isso limita o trabalho, pois gostaríamos de ter mais condições para desenvolver a proposta. Acabamos usando muito nossa criatividade, você ver que nossos espaços aqui a maioria são improvisados, sem contar com a necessidade que temos de equipamentos, para as aulas de formação profissional, e tudo isso só podemos contar com as famílias. Até para conseguir um projeto do governo federal, como foi esse do Centro de Convivência temos que ter a intermediação da prefeitura, senão não conseguimos.
A fala evidencia a dificuldade da relação entre poder público e escolas comunitárias,
no que se refere ao financiamento destas iniciativas e à autonomia de sua gestão escolar e do
conhecimento. Além disso, como assegurar as condições materiais da escola e a
profissionalização dos seus educadores (as), sem a parceria com o poder público? Essa
questão da política de financiamento das EFAS e a profissionalização dos seus profissionais
parece ser uma questão emergente a ser enfrentada no debate atual da Educação do Campo,
no que se refere à situação dos CEFFAS e seu fortalecimento no Brasil.
A dimensão epistemológica: o contexto como conteúdo educativo
Na EFAORI todos os espaços se constituem em sala de aula, uma vez que contribuem
para formação integral do educando (a). Logo, não se limita às situações e interações que
ocorrem no interior da sala de aula, nem tampouco a uma visão restrita do processo de
aprendizagem dos conteúdos definidos pela estrutura curricular do Ensino Médio.
259
A organização curricular da escola se imbrica no itinerário pedagógico como o grande
articulador do tempo curricular, dos espaços de aprendizagem e dos dispositivos pedagógicos.
Um desses dispositivos é o Plano de Formação, que articula os conteúdos da formação técnico
profissional em agropecuária com os conhecimentos provenientes do contexto dos educandos
(as) e de sua família, a partir dos temas geradores de cada Plano de Estudo.
O PE é o instrumento orientador do planejamento do trabalho pedagógico a ser
desenvolvimento no tempo escola e tempo família, como mostra a fala abaixo:
O PF contribui e muito para o ato de ensinar, pois são através dos instrumentos pedagógicos que meu planejamento se diversificou e se tornou mais rico em termos de conteúdos e contextualização. Isso exige que possa planejar minha aula considerando o que está no plano de curso da disciplina, e o que vai vir nas pesquisas e sínteses dos planos de estudos, e que precisam ser aprofundados em sala de aula. (M3)
Na prática, o PE possibilita a integração curricular entre o núcleo comum do ensino
médio e suas disciplinas como, por exemplo, português, sociologia, biologia e as disciplinas
técnicas profissionalizantes como, por exemplo, zootecnia, olericultura e topografia. Vejamos
o registro no caderno de acompanhamento de um dia da sessão escola, cuja temática do PE
era Estrutura Fundiária:
Levantei as 06h20min organizei meu material para as aulas de hoje. Passei no refeitório tomei café e fui para sala de aula. Tivemos 03 aulas de olericultura na qual socializamos os croquis que fizemos das hortas, em seguida começamos a debater as planilhas de custo e da produção da horta, comparando as despesas e as receitas. Ainda pela manhã tivemos 03 aulas de geografia onde discutimos sobre a questão agrária no Brasil a partir dos dados apresentados pelo professor, fizemos um debate comparando a situação com as propriedades de cada um da gente. Fizemos anotações para elaboração do relatório sobre o tema do Plano de Estudo. Depois do almoço fui para o dormitório descansar um pouco. A tarde tive 02 aulas de introdução ao planejamento de projeto IPP, onde socializamos os primeiros resultados da pesquisa que fizemos com a família sobre nossa propriedade, fazendo um levantamento dos pontos forte, pontos fracos e o que precisa melhorar, para começar a problematização do plano de estudo. Tivemos 01 aula de Sociologia onde aprofundamos a dimensão política da sociedade. No lanche lavei os copos e limpei o refeitório. Nas atividades gerais ajudei a colher acerola. À noite tivemos assembléia dos estudantes para avaliação dos pontos positivos e negativos da escola até o momento (caderno de acompanhamento de estudante da série)
260
O registro revela a busca sistemática da prática de interdisciplinaridade e
contextualização dos conteúdos na sala de aula. A contextualização dos diferentes conteúdos
das disciplinas torna-se uma estratégia fundamental para a articulação desses conhecimentos
numa perspectiva de articulação da prática com a teoria e da formação geral com a
profissionalizante.
As aulas das disciplinas técnicas profissionalizantes são ministradas em aula teóricas
na sala de aula e aulas práticas nos laboratórios didáticos. A organização desse espaço
curricular tem como ponto de partida as problematizações que os educandos (as) trazem da
sessão família, a partir de sua vivência na propriedade familiar e no estágio. Na sala de aula,
realiza-se um aprofundamento teórico das questões, mediante pesquisas, leituras, aulas
expositivas do monitor, observação nas unidades demonstrativas existentes nas escolas e a
elaboração do projeto de intervenção para implementação da tecnologia aprendida em sua
propriedade, na escola ou na comunidade. Nesse sentido, as fotos a seguir são ilustrativas:
Pesquisa da temática avicultura Elaboração do projeto do galinheiro Foto 7: Silva, 2008. Foto 8: Silva, 2008.
Um aspecto que observamos na sala de aula e que podemos identificar nas fotos 7 e 8
é o clima de cooperação, discussão coletiva e alegria que permeia o ambiente da sala de aula e
que fundamenta as relações entre os educandos(as) e destes com os monitores(as).
Esse itinerário de produção do conhecimento, que articula as problematizações da
realidade, o aprofundamento em sala de aula e as estratégias para intervenção na realidade
pode-se ver nos depoimentos abaixo:
Aqui na EFA estou conseguindo os conhecimentos necessários para produzir, na nossa propriedade. Além disso, os conhecimentos que adquiro
261
vou socializando na comunidade. Assim todo mundo vai aprendendo. É difícil, porque o pessoal aprendeu a lidar com o agrotóxico. Então vou mostrando outras técnicas alternativas, e o que cada uma traz para a saúde e a natureza. Aos poucos a gente vê o resultado. (Estudante 4)
Eu nasci na roça, mas antes de vir para a EFA, nunca tinha entrado nem no curral. Meu pai achava que não daria para formação técnica, porque sou mulher. Hoje! Faço tudo na propriedade: participo da ordenha, organizo a horta, vou para as reuniões da associação da comunidade, dou minha opinião sobre os pontos discutidos. As pessoas me escutam, e isso é importante para minha vida. Eu mudei minha trajetória de vida depois que eu entrei aqui. (Estudante 5)
Eu cheguei aqui muito tímida. Eu me desenvolvi aqui. Descobri que tenho talentos... Hoje falo em público, participo das atividades apresentando a escola, mas o importante é que aprendi a me conhecer, conhecer minha família, nossa propriedade. Hoje eu tento ser uma cidadã cada vez melhor e atuante no mundo. (Estudante 6).
Esses depoimentos evidenciam que a formação extrapola a apropriação de conteúdos
instrumentais das áreas de conhecimento, propiciando informações, valores e estimulando
atitudes de participação ativa dos estudantes na sua vida familiar e comunitária. Além disso,
parece indicar que a vivência do diálogo que se faz presente na sala de aula é transposta pelos
estudantes para outros espaços de sua convivência e atuação pessoal e profissional.
Certamente, contribui para isso o clima de camaradagem e diálogo existente entre
monitores e estudantes em sala de aula. A curiosidade, o questionamento e o confronto de
ideias se fazem presentes, não somente nos momentos da colocação em comum das pesquisas,
da apresentação do projeto profissional ou dos relatórios de estágio, mas durante o
desenvolvimento das aulas das diferentes disciplinas.
O processo de integração curricular parece também ocorrer na sessão família. A partir
dos registros do caderno de acompanhamento e do caderno da realidade, podemos identificar
essas práticas nesse tempo-espaço de aprendizagem, que evidenciam os diferentes
dispositivos pedagógicos utilizados na sessão família. Conforme poderemos identificar nos
registros a seguir:
Levantei as 07h00min horas, tratei das galinhas, tomei café e fui à reunião da comunidade. Cheguei as 11h00min horas. Almocei. Lavei as vasilhas. Recebemos a visita do monitor para o acompanhamento do meu trabalho junto à família. À noite fiz a entrevista da pesquisa do Plano de Estudo sobre o desenvolvimento da propriedade com meu pai e minha mãe. (registro do caderno de acompanhamento de estudante do 1° ano)
262
Levantei as 05h30min horas, ajudei a ordenhar as vacas. Lavei a ordenhadeira, tomei café. Fui participar do dia de EFA na Comunidade, que aconteceu na propriedade do senhor Dorismar e de Marlene, na Fazenda Cuiabanos. Era uma atividade de formação com as famílias sobre a importância do cultivo da horta nas propriedades, as tecnologias que precisam ser usadas para isso, lá todo mundo aprendeu a fazer a calda bordalesa para se aplicar nas fruteiras e hortaliças. (registro de caderno de acompanhamento de estudante do 3° ano de um dia na sessão família)
As visitas às famílias são realizadas bimestralmente pelos monitores (as) e têm por
objetivo observar e discutir com a família como os conhecimentos que seus filhos (as) estão
adquirindo na escola têm contribuído para o desenvolvimento do meio familiar. Os registros
dessas visitas são socializados entre a equipe de monitores (as) e coordenação pedagógica, e
subsidiam as discussões e aprofundamentos a serem realizados em sala de aula com os
estudantes. Observemos, nesse sentido, o registro seguinte:
Saímos as 07h00min horas para fazer visita na propriedade do Senhor Luiz Foguesatto na região do Taquaral. Nosso objetivo era conhecer as técnicas de mecanização e irrigação que ele adota em sua propriedade, foi à turma de 2ª e 3ª série com os professores. Quando voltamos fizemos um debate em sala sobre as impressões que tivemos na visita. A visita deverá ser sistematizada no relatório a ser apresentado em sala na próxima sessão escola. Na aula de geografia à tarde fizemos um aprofundamento sobre agricultura familiar e agricultura de exportação. (Caderno de acompanhamento de estudante do 3° ano).
Na foto 9 podemos também visualizar outro tipo de atividade realizada na sessão
família, que é destacada por monitores (as) e estudantes, como importante para o processo de
aprofundamento dos conteúdos estudados na escola e para aprofundar a relação com a
comunidade.
263
Dia de EFA na comunidade
Foto 9: cedida pela EFAORI
A foto 9 retrata um Dia de EFA na comunidade, que tem como finalidade desenvolver
atividades formativas envolvendo a família, educandos (as) e comunidade. O processo
educativo na comunidade é coordenado pelos monitores (as), às vezes com a colaboração
externa de especialistas e de agricultores(as) para contribuir com a discussão das temáticas.
Outro dispositivo pedagógico de articulação entre teoria e prática, escola, família e
trabalho é o estágio supervisionado, que se desenvolve desde o primeiro ano de curso e
envolve os monitores, os pais e os mestres de estágios, conforme podemos ver nos relatos
abaixo:
Levantei as 05h00min horas, fiz o café e depois meu pai me levou na casa do Senhor Chico Xavier na região dos Cuiabanos, para iniciar minha primeira semana de estágio. Cheguei à propriedade as 10h300min horas, fomos conhecer a propriedade (curral, pomar e horta). Almoçamos. Ajudei a limpar o curral, depois fomos colher e bater amendoim. (registro de caderno de acompanhamento de estudante do 2° ano)
Após o estágio na Embrapa em Goiânia, vi que podemos aproveitar a área destinada à bovinocultura leiteira, fazendo um manejo de piquetes rotacionados por controle de altura e não por rotação... (...) pretendo também fazer um programa de melhoramento genético, devido ao apuramento de gado que temos na propriedade. Um gado produtivo, fértil, rústico ao nosso clima e que produza com qualidade e por isso que o tema do meu projeto profissional é melhoramento genético e manejo de piquetes por controle de altura. (justificativa de estágio estudante do 3°ano)
A vivência do estágio possibilita que o estudante identifique a problemática a ser
aprofundada em seu projeto profissional, que consiste num projeto de intervenção na sua
264
propriedade, elaborada no terceiro ano de curso, com defesa pública no final do ano, com
requisito para conclusão do curso de técnico em agropecuária.
A integração da vivência na família e na comunidade é destacada pelos estudantes
como uma característica da escola que faz ser diferente das outras. Ao manter o vínculo
afetivo e social com sua família, amigos, comunidade, o jovem mantém o vínculo com o
campo enquanto espaço de reprodução social da vida camponesa, espaço de produção
econômica e espaço de relação com a natureza. Vejamos o registro abaixo:
Levantei as 07h30min horas, tratei das galinhas, lavei a ordenha, limpei a casa, fiz o almoço. Fiz as atividades de matemática, o relatório sobre a horta na minha propriedade, o que estamos plantando, quais as técnicas que temos
-e como fui me desenvolvendo como pessoa até a fase atual. Ás 16 horas fui para o curral montei a ordenha e depois lavei a ordenha. À noite fui para a festa na comunidade. (relato de um dia na sessão família de uma estudante do 1° ano)
O depoimento evidencia como o tempo curricular extrapola o tempo cronológico e
como o trato com o conhecimento assume uma perspectiva ampla de ressocialização do
atividades envolvem uma diversidade de espaços educativos que contemplem a diversidade
do ser humano, nos seus afetos e visões de mundo. Tal fato estabelece um vínculo afetivo
significativo entre educando (a)-educador (a) e família no processo de produção do
conhecimento e desenvolvimento do jovem, implementando na prática a visão do educando
(a) como um sujeito multidimensional, indivisível, social e envolvido numa ética eco-
relacional, conforme consta na proposta pedagógica dos CEFFAS.
6.2. Escola Municipal Henrique Gouveia- PEADS
A Escola Municipal Henrique Gouveia localiza-se no município de Soledade, na
região do Curimataú Ocidental do Estado da Paraíba (Brasil). De acordo com o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano 2007, sua população era estimada em
13.128 habitantes. Sua área territorial é de 560 km², e densidade demográfica de 22,7
hab./km². Tem como coordenadas geográficas 7º 03' 30" de latitude Sul e 36º 21' 47" de
longitude Oeste. Limita ao Norte com o Município de São Vicente do Seridó, ao Leste, com
265
os Municípios de Olivedos e Pocinhos, ao Oeste com o Município de Juazeirinho e, ao Sul,
com os Municípios de Gurjão e Boa Vista, apresentando uma extensão territorial de
631,96 km. Por se localizar às margens da BR 230, tem uma ligação direta com o Cariri
Paraibano e com o Sertão do Estado, conforme podemos visualizar no mapa a seguir.
Ilustração 2 Mapa do Estado da Paraíba com a localização do Município de Soledade
Por situar-se no semiárido, possui um clima seco com chuvas esparsas, caracterizando-
se o município pela presença marcante da agricultura familiar, com produção de subsistência,
feijão, milho e mandioca, consorciadas com a caprinocultura, dinamizando a economia do
município com a produção e comercialização de alimentos e derivados de leite e carnes.
Do ponto de vista educacional, a Rede Municipal possui 22 escolas de Ensino
Fundamental. Dessas, 18 são localizadas no campo e se organizam de forma multisseriada.
As escolas multisseriadas atendem às crianças da Educação Infantil e dos anos iniciais do
Ensino Fundamental, na maioria, das comunidades, pois o município possui duas escolas que
se constituem em núcleos de atendimento à Educação Infantil no campo.
Na sede do município existem 05 escolas públicas que oferecem o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio, e para onde se deslocam os adolescentes do campo, para
cursar os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Do ponto de vista das
matrículas, as escolas localizadas no campo, segundo Censo Escolar 2007, atendem a 278
alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que representa uma média de 12 alunos
por escola, enquanto que as escolas da sede do município atendem a um total de 2.338 alunos
no Ensino Fundamental, o que representa uma média de 200 alunos por escola.
266
A inexistência de escolas dos anos finais do Ensino Fundamental e Médio no campo, a
priorização do transporte escolar para deslocamento dos adolescentes e jovens para a sede do
município, o número reduzido de crianças nas comunidades rurais do município e a
possibilidade de ofertar uma escola com maior qualidade de infra-estrutura são os argumentos
utilizados pela maioria dos municípios para justificar o fechamento das escolas multisseriadas
nas comunidades e a nucleação nas sedes dos municípios.
As dificuldades do trabalho com classes multisseriadas têm sido objeto de vários
estudos (BARBOSA, 2002; HAGE, 2006; RIBEIRO, 2004). Com as mudanças ocorridas na
prática pedagógica das Escolas do Campo no município, o que evidencia uma militância na
proposta por parte das professoras e das coordenadoras pedagógicas do município, as escolas
não conseguiram superar sérias dificuldades no que se refere às condições materiais e
pedagógicas: material didático insuficiente, merenda de baixa qualidade, estrutura física
inadequada à prática de ensino, mobiliário precário, ausência de serviços como o de água
encanada, esgoto e sanitários adequados para professoras e estudantes, inexistência de oferta
do ensino infantil e de salas de aulas.
A baixa densidade demográfica, devido ao processo de migração para as sedes do
município, as grandes e médias cidades e a diminuição da natalidade no campo resultam no
número pequeno de crianças na idade da Educação Infantil. Vejamos os dados da tabela:
População
(Localização
/Faixa
Etária)
0 a 3
anos
4 a 5
anos
6 a 14
anos
15 a 17
anos
18 a 24
anos
25 a 35
anos
Mais de 35
anos
Total
Urbana 698 380 1.661 528 1.311 1.730 3.199
9.507
Rural 169 112 601 221 475 554 1.444
3.576
Total 867 492 2.262 749 1.786 2.284 4.643
13.128
FONTE: (1) IBGE - CONTAGEM 2007.
Tabela 9 - População residente no município por localização geográfica e faixa etária 2007
267
No que se refere à faixa etária da população rural residente, o menor número aparece
nas crianças de 0 a 5 anos de idade e entre os jovens de 15 a 17 anos de idade. Isso evidencia
a redução do número de crianças e jovens residentes no campo na região.
A localização das escolas na sede do município, associada à falta de trabalho e renda,
terra para atender à necessidade de toda a família, deficiência nos serviços de assistência
técnica para os agricultores e a carência de lazer têm contribuído para que jovens da região
migrem para a sede do município ou para centros urbanos em busca de alternativa de vida,
estudo e trabalho.
No que se refere à distorção idade-série um dado diferencia o município no quadro
nacional, pois no Ensino Fundamental a distorção idade-série no campo tem diminuído.
Segundo dados do censo de 2007, o percentual é de 32,4%, enquanto que na sede do
município esse percentual é de 50,9%. Algumas professoras atribuem essa diminuição à
melhoria da qualidade de ensino nas Escolas do Campo:
Depois que estamos trabalhando com essa proposta o desempenho dos alunos tem melhorado em todas as escolas. Nós escutamos as colegas comentando, e também quando a gente realiza atividade coletiva de socialização da produção das escolas do campo, a gente percebe a mudança nos alunos, na produção escrita, na forma de falar em público, os gráficos, tabelas, dramatizações. Depois a gente percebe que eles sabem o conteúdo que foi trabalhado. Tem uma mudança significativa no processo de aprendizagem das crianças das escolas do campo, após o trabalho com essa proposta. (Coordenadora Pedagógica das Escolas do Campo)
Além da mudança na aprendizagem dos educandos (as) e na produção coletiva das
Escolas do Campo, existe uma resistência das comunidades contra o fechamento das escolas.
Isso tem levado a um processo de nucleação intra-campo, no agrupamento de duas ou mais
escolas, noutra maior em outra comunidade, e uma proposta específica de trabalho com as
multisseriadas.
A partir de 2005, foi construída uma parceria com o SERTA e o Projeto Dom Helder
Câmara, por meio do projeto Aprendendo a vida no Semiárido, para implementação da
Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável PEADS, nas escolas do
Município. Dentre elas, está a Escola Municipal Henrique Gouveia, campo empírico desta
pesquisa.
268
Estrutura educativa: uma proposta forte numa estrutura precarizada
A Escola Henrique Gouveia fica a 06 km da sede do município, na comunidade de
Santa Luzia. A sua composição é de agricultores familiares, cujas propriedades variam de 02
a 20 hectares de terra, com a posse mantida de geração em geração e que, economicamente,
vivem da agricultura de subsistência. Possui uma vida comunitária forte pelos vínculos de
parentesco existente entre muitos moradores, como também de vizinhança devido ao tempo
que residem no local. Essa dimensão é fortalecida em torno da organização comunitária da
associação de moradores e da pastoral da igreja católica no culto a Santa Luzia, padroeira da
comunidade.
A Escola129, assim como outras que funcionavam no rural brasileiro, não era uma
escola registrada, não exigia nem emitia nenhum documento para os estudantes ingressarem,
ler,
escrever e contar.
A Escola atualmente funciona com uma estrutura física correspondente ao modelo de
Escola Típica Rural130, resultado da mobilização da comunidade, que construiu um prédio na
década de 1970, no qual funciona a escola até os dias atuais. Conforme podemos ver na foto
10:
Prédio da Escola Foto 10: Silva, 2008.
129 A primeira escola da comunidade funcionava num armazém cedido por um proprietário, com uma classe
multisseriada e teve como primeira professora Maria do Céu Mendonça, que morava na comunidade, era professora leiga e atuou na mesma até se aposentar no final da década de 1970. Com sua aposentadoria, foi escolhida uma nova professora que atua na escola até os dias atuais
130 Foi denominado de Escola Típica Rural, o tipo de construção que consistia numa sala de aula, banheiro, pátio e cozinha.
269
O prédio tem 01(uma) sala de aula, 01(um) pátio coberto, 02(dois) sanitários e 01
(uma) cozinha pequena, que possui apenas o fogão a gás. A cozinha, além de não possuir
geladeira nem depósito para armazenamento da merenda escolar, restringe o cardápio da
alimentação escolar (suco, leite, biscoito e algumas vezes macarrão, charque ou sopa), o que
contraria o posto pela legislação atual131 sobre essa questão que prevê um cardápio
balanceado para suprir no mínimo de 30% das necessidades nutricionais das crianças e
adolescentes.
As condições de funcionamento são precárias. O prédio necessita de reparos nas
portas, janelas e na pintura. Tem energia elétrica, mas não possui água encanada, para uso na
cozinha, no banheiro e na limpeza da escola, nem espaço destinado à organização de outros
espaços escolares, tais como: secretaria, sala de leitura, depósito para merenda e área de
recreação.
O mobiliário é antigo e desgastado. Não existem equipamentos de apoio pedagógico e
os recursos didáticos, jogos, calendários, cartazes, alfabeto, cartaz de chamada, foram todos
produzidos pela professora e a turma, além de existir uma improvisação de espaço para
leitura, conforme podemos ver na foto a seguir:
Espaço da leitura Foto 11: Silva, 2008.
A foto 11 nos mostra o improviso da escola para assegurar um espaço em sala de aula
destinado à leitura. Os educandos (as) têm uma prática frequente de leitura na sala, como
131 Trata-se da medida provisória n° 2.178, de 28/6/2001, que coloca a obrigatoriedade de que 70% dos recursos
transferidos pelo governo federal sejam aplicados exclusivamente em produtos básicos, respeitando-se os hábitos alimentares regionais e a produção agrícola do município. E, mais recentemente, com a sanção da Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009, ao definir que 30% dos repasses devem ser investidos na aquisição de produtos da Agricultura Familiar, o que fortalece a organização produtiva dos agricultores familiares.
270
também com empréstimos para casa. A educadora elabora um calendário de socialização de
leituras realizadas pelas crianças em casa.
Um ritual importante na sala de aula consiste na dinâmica e oração de início de aula e,
em seguida, a socialização da leitura pelas crianças, adotando-se diferentes estratégias: leitura
em duplas como um jogral, relato síntese da leitura, dramatização por um grupo de crianças.
Organização do trabalho pedagógico: a reinvenção do fazer pedagógico
A Escola atualmente é registrada na Secretaria Municipal de Educação e funciona com
uma turma multisseriada atendendo a crianças da Educação Infantil ao 5° ano132. Conta com
o acompanhamento pedagógico das coordenadoras da Secretaria de Educação e da assessoria
do SERTA para planejamento e monitoramento do trabalho realizado com a PEADS.
A professora organiza seu trabalho pedagógico a partir da metodologia da PEADS e
utiliza como instrumento para seu planejamento as fichas pedagógicas, conforme
detalharemos adiante.
Existe uma preocupação com a organização da sala de aula, usando durante as aulas
diferentes agrupamentos: cadeiras em semicírculo, pequenos grupos, formação de duplas. Não
se adota as cadeiras enfileiradas nem separadas por série: Eu agrupo as crianças por outros critérios. Isso eu fui aprendendo com a PEADS e com os cursos do Pró-letramento. Então quando quero dar uma explicação geral sobre qualquer tema, ou as crianças vão socializar um trabalho, a pesquisa, fazer a leitura, uso o semicírculo. Quando quero uma produção escrita, agrupo aqueles que estão num nível de escrita mais próxima. Às vezes junto em duplas para um num nível mais avançado ajudar o outro. Então vou variando. (Professora 1)
Essa fala explicita como, na prática, a professora organiza o seu fazer pedagógico e o
tempo curricular em sala de aula. As diferentes estratégias são utilizadas no trato com o
conhecimento em sala de aula, agrupando os educandos (as) por outros critérios que não estão
vinculados diretamente à visão seriada de organização da escolaridade
Dessa maneira, a troca de conhecimentos e experiências entre as crianças e a
valorização do indivíduo são consideradas como fundamentais na prática pedagógica,
132 O município adotou no ano de 2008, a organização do Ensino Fundamental em 09 anos.
271
aprendendo com a PEADS e com os cursos do Pró-letramento133.
A concepção sócio-construtivista da leitura e da escrita adotada pelo Pró-letramento
exerce uma influência no trabalho desenvolvido pelas professoras, fato que identificamos na
sala de aula, na observação de diferentes trabalhos e jogos didáticos realizados pela
professora, na perspectiva de contribuir para o letramento da turma, nos exercícios de
avaliação do nível de escrita que aplicava com as crianças, como também nos debates que
realizavam nos encontros de planejamento coletivo.
No que se refere ao funcionamento da escola, as aulas ocorrem no turno vespertino no
horário das 13h00min as 17h00mim. Após 02 horas de aula, 20 minutos de intervalo são
dados para merenda e recreio. Toda a equipe chega pontualmente à escola e inicia as
atividades dentro do horário previsto:
Eu sou muito preocupada com essa questão de horário, pois acho falta de responsabilidade não começar as aulas no horário certo, ou ficar faltando na escola. Eu só falto, se tiver muito doente, ou no dia que vamos para o planejamento coletivo, mais isso já é previsto no calendário escolar e discutido com os pais. (Professora 1)
A professora demonstra sua preocupação com a organização e o uso do tempo em sala
de aula. Para ela, a organização do trabalho escolar, precisa ser planejada, considerando a
importância que o tempo curricular assume no processo de aprendizagem dos educandos (as).
Essa preocupação da professora se evidenciava no planejamento das atividades em sala de
aula, mas também quando o transporte escolar chegava mais cedo para pegar as crianças que
moram numa comunidade vizinha134. Isso porque o transporte escolar, tanto contribui com o
deslocamento das crianças dentro das comunidades, como algumas vezes causa contratempo,
para a dinâmica da sala de aula, quando chega mais cedo do que o previsto e, assim, pretende-
se antecipar a saída de algumas crianças. Essa questão também é conhecida pelos pais, como
pode ser vista nas narrativas docentes:
133Pró-Letramento é um programa de formação continuada de professores das séries iniciais do ensino
fundamental, para melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática. O programa é realizado pelo MEC, em parceria com universidades que integram a Rede Nacional de Formação Continuada e com adesão dos estados e municípios. Podem participar todos os professores que estão em exercício, nas séries iniciais do ensino fundamental das escolas públicas.
134 Por causa do número reduzido de crianças (05), a escola foi fechada e as crianças transportadas para a comunidade de Santa Luzia, na qual funciona a Escola.
272
Já reclamei com o motorista a esse respeito, e essa semana avisei na Secretaria de Educação, porque eu não quero dar aula pela metade. As crianças já são poucas, e se metade vai embora mais cedo, atrapalha elas e o grupo também que perde toda a concentração. É bom que os pais já começaram a falar também, quero ver se não vai resolver. (professora 1)
A reinvidicação por um transporte exclusivo e intra-campo é pautada pelo Movimento
da Educação do Campo, no sentido de que o tempo curricular não seja subordinado ao tempo
do transporte, principalmente, quando o atendimento estende-se também para a sede do
município.
A escola tem uma significação social, não só para os alunos e profissionais da escola,
como para os pais e a comunidade como um todo. Primeiro, porque ela foi ao longo dos anos
o espaço de letramento de diferentes gerações na comunidade. Além disso, ressaltam as
mudanças que identificam nos filhos (as) depois que a escola começou a trabalhar com a
metodologia da PEADS. Vejamos
Meus filhos têm mudado muito depois que vieram para essa escola, sempre chegam em casa perguntando as coisas, querendo saber da produção da família, o que planta, o que cria. Eu não me lembro da escola ficar pesquisando as escolas na comunidade, fazendo entrevistas com as famílias, convidando a gente para ver na escola conversar com os alunos. Depois disso a gente tem mais reunião e atividade aqui na escola. Eu sempre venho participar de reuniões aqui na escola, festas, comemorações, então isso, é muito bom para toda a comunidade. (Pai de aluno)
O trabalho de pesquisa que a escola realiza na comunidade parece contribuir para
mudar o conceito que a família possuía sobre a escola. Primeiro, pelas mudanças que ocorrem
A escola assume um papel social de investigar e produzir conhecimento sobre a realidade dos
sujeitos e de sua família, o que fomenta a participação da família na comunidade: Depois
inclusive na dimensão pedagógica
da escola: convidando a gente para vim na escola dar aulas para as turmas, apresentar nossas
Essa participação é algo decidido coletivamente, cuja importância é ressaltada pelas
famílias, que se sentem contribuindo com a produção de conhecimento dentro da escola. O
que percebemos é um movimento de mão dupla na produção do conhecimento, a realidade
social torna-se contexto pedagógico da escola e seu aprofundamento no diálogo com os
conteúdos das áreas de conhecimento retorna para contribuir com o desenvolvimento da
273
comunidade, redimensionando, assim, a organização curricular da escola e sua finalidade
social, como espaço de socialização e ampliação dos conhecimentos a partir do diálogo entre
os saberes populares e os saberes das diferentes ciências.
Sujeitos cognoscentes e prática gestora da Escola: a participação e a inserção na
comunidade
Nessa escola, a prática gestora e os sujeitos cognoscentes são dois pólos da prática
pedagógica intensamente relacionados. Por ser uma escola unidocente, a professora acumula
a função de responsável pela escola, e o trabalho administrativo, que seria da secretaria,
funciona na Secretaria Municipal de Educação, o que estabelece um vínculo permanente na
definição das questões gerais de funcionamento da Escola, a partir da Coordenação
Pedagógica das Escolas do Campo.
A equipe da escola: professora, merendeira, servente e crianças residem na
comunidade ou comunidades vizinhas, o que possibilita um conhecimento do itinerário de
vida familiar de cada um dos educandos (as) e uma comunicação permanente entre família e
escola. Todas as questões administrativas da escola são resolvidas em conjunto pela equipe e
pais dos educandos (as), o que extrapola suas responsabilidades. Resolvem diretamente com a
coordenação pedagógica das Escolas do Campo e da Secretaria de Educação do Município.
A professora, residente na comunidade, trabalha na escola há 20 anos. Iniciou sua
docência como professora leiga e, atualmente, está concluindo o curso de Pedagogia. É muito
conhecida e respeitada por todos da comunidade por ter sido professora de muitos e pelo
trabalho que realiza na comunidade pela pastoral da Igreja Católica. A sua fala expressa o
gosto que tem pela profissão e a busca permanente pela superação das dificuldades,
principalmente as mudanças que identifica na sua prática docente. Vejamos:
Para mim sempre foi um desafio trabalhar numa turma multisseriada, pois nunca tivemos muito apoio. Antes ninguém nem aparecia por aqui, a gente resolvia tudo sozinha. Agora mudou muito, pois temos acompanhamento pedagógico, fazemos curso de formação, todas as professoras do campo. Mudou a forma de trabalhar em sala de aula. Mas eu sempre achei que meus alunos podiam aprender, nunca me resignei, sempre busquei maneiras de superar as dificuldades. Hoje mudou muito, porque, depois que comecei a trabalhar com a PEADS, aprendi muita coisa, a entender a diversidade de minha turma, mas eles têm muita coisa semelhante também, que dá para a gente trabalhar junto. Hoje eu tenho certeza que todos podem aprender. (Professora 1)
274
A fala da professora revela também a solidão que antes sentia na realização do
trabalho pedagógico numa sala multisseriada. Esse isolamento foi superado à medida que se
constituiu a Coordenação da Educação do Campo na Secretaria de Educação, que passou a
coordenar o trabalho de todas as Escolas e construiu um coletivo que discute, avalia, planeja
as atividades a serem desenvolvidas nas Escolas.
A prática docente desenvolvida na sala de aula expressa uma organização da sala não
pelo critério seriado, mas pela temporalidade dos estudantes e pelas competências que
possuem em cada área de conhecimento. O que leva a uma permanente reorganização dos
agrupamentos em sala de acordo com a atividade a ser desenvolvida.
O reconhecimento da diversidade dentro da sala, das diferenças e semelhanças
existentes no cotidiano da prática pedagógica passou a ser um facilitador de sua prática
docente, pois a necessidade de oportunizar trabalhos em grupos diferenciados potencializou
seu fazer pedagógico.
O planejamento e a efetivação da prática pedagógica parte da coletividade da sala de
aula, da expressão criativa das crianças, de uma dinâmica de sistematização de conhecimentos
que reconhece a diversidade de elaboração e expressão de cada criança, na qual a interação
entre as diferenças possibilita uma cooperação dentro de sala de aula e aprendizagens
significativas.
Os Educandos (as) são provenientes da própria comunidade e de duas comunidades
circunvizinhas, filhos (as) de agricultores(as) familiares, que desenvolvem uma produção
baseada na agricultura de subsistência e na caprinocultura, constituindo uma turma
heterogênea no que se refere à idade e ao tempo de escolaridade, conforme podemos no
quadro n° 22.
TURMA NÚMERO DE ALUNOS
EDUCAÇÃO INFANTIL 04
1 ANO 03
2 ANO 04
3 ANO 03
4 ANO 03
5 ANO 04
21
Fonte: dados fornecidos pela professora
Quadro 22 Número de educandos(as) matriculados por turma- 2008
275
A maior dificuldade da professora no trato a essa diversidade foi a inserção, neste ano,
devido ao fechamento de uma escola noutra comunidade vizinha, de 04 (quatro) crianças da
Educação Infantil, conforme o depoimento da professora:
Porque eu trabalho com a turma em grupo, duplas, eles discutem junto, tiram dúvidas. Os que já têm mais domínio da leitura e da escrita ajudam os colegas. Agora as crianças da Educação Infantil têm que formar um grupo à parte. Porque eles necessitam de outros tipos de interação. Você vê que tem horas que coloco eles no grupo. Quando é para contar uma história, fazer um desenho, uma pintura, um jogo. Agora na hora que estou aprofundando os conteúdos que vieram das pesquisas, nem sempre tenho como envolver eles.
As estratégias para o trabalho com as crianças da Educação Infantil se apresentam
como um desafio dentro das escolas do campo, principalmente numa situação na qual tem
que se inserir dentro de uma turma de ensino fundamental multisiseriada.
Como é uma comunidade de agricultura familiar, as crianças maiores ajudam aos pais
no trabalho, no contra turno da escola. No entanto, durante o período de observação, isto não
causou nenhuma ausência dos mesmos da sala de aula. Além disso, realizam as atividades de
casa e trazem as contribuições das pesquisas que são realizadas com a família e a
comunidade.
Dois espaços coletivos são destacados pela professora como importantes para o
trabalho que desenvolve na escola e para as mudanças em sua prática pedagógica: o
planejamento coletivo das Escolas do Campo e a Assembleia da comunidade.
O Planejamento Coletivo das Escolas do Campo assume um significado para a
formação da professora. É realizado mensalmente na sede do município, reunindo todas as
professoras das escolas do campo com a coordenação pedagógica da Secretaria. Geralmente,
há um ritual inicial de entrosamento, informações gerais da Secretaria e das escolas, em
seguida, discutem-se os eixos orientadores para o planejamento mensal, agrupando as escolas
que estão trabalhando as mesmas fichas pedagógicas (existia uma diversidade no grupo, pois
algumas estavam iniciando o trabalho), para juntas pensarem estratégias didáticas para o
desenvolvimento de cada itinerário da PEADS. A importância desse momento é revelada na
fala a seguir:
Esse momento do planejamento lá na secretaria é muito importante para todas nós. Porque a gente não se sente sozinha, troca muita idéia, sugestão, ver como a outra está fazendo com as atividades. No início do trabalho com a PEADS, foi mais difícil, porque teve algumas que não quiseram fazer,
276
então ficavam caladas, mas aí as coordenadoras e o pessoal do SERTA com jeito foram conversando, depois elas foram vendo os resultados que foi dando nas escolas que estavam trabalhando com a PEADS. Então, aos poucos foram começando. Mas tem umas que diz que usa as duas coisas... Já viu? Mas é assim mesmo, aos poucos a gente vai mudando a mentalidade e acreditando. Depois tem que mudar todo o currículo, porque antes a gente trabalhava seguindo o livro, agora a gente parte das pesquisas da realidade. (Depoimento da professora)
O planejamento coletivo representa para a professora um momento de afirmação
sócioprofissional, de construção do seu fazer pedagógico, à medida em que a troca de
informações e o diálogo com as colegas se constitui em espaço de formação.
Além disso, a formação continuada desenvolvida pela PEADS parece possibilitar uma
mudança na prática profissional da professora, constituindo assim uma identidade
sócioprofissional positiva e em permanente construção.
A fala expressa o processo de adesão das professoras do campo à proposta da PEADS
e como vão construindo esses novos conhecimentos, que implicam formas de fazer e se
relacionar com os educandos (as) e suas famílias, com os conteúdos que ensinam, com o
planejamento, com a avaliação, enfim com tudo que constitui o ato educativo.
É possível compreender a complexidade do processo de formação, particularmente da
formação de professores, pois envolve diferentes aspectos: sociais, políticos, filosóficos e
culturais, principalmente na implementação de uma Proposta Pedagógica, que possui uma
concepção de Escola diferente da que ele construiu durante seu itinerário como estudante e na
sua formação inicial.
Outro momento coletivo é a Assembleia da comunidade, que reúne as famílias das
crianças que estudam na escola. Mas, toda a comunidade é convidada para participar do
momento de socialização dos temas pesquisados, aprofundados e sistematizados pela escola.
Esse momento se transforma num espaço de socialização de conhecimentos produzidos pela
comunidade, de confraternização e atividade cultural.
Ocorre sempre como momento de fechamento do ciclo de trabalho com uma ficha
pedagógica, e o ponto culminante é a apresentação da produção realizada pelas crianças.
Nesse sentido, as fotos a seguir são reveladoras:
277
Socialização da pesquisa Divulgação da PEADS na rádio Foto 12: Silva, 2008. Foto 13: Silva, 2008.
As fotos expressam o momento de socialização e comunicação do trabalho
desenvolvido pelas escolas, com a sistematização dos conhecimentos trabalhados na ficha
pedagógica, e a divulgação dos trabalhos na rádio local.
A socialização da produção de cada ficha pedagógica é feita com diferentes
estratégias: exposição de trabalho das escolas do campo, feira de ciências, divulgação na rádio
e assembleias com os pais. Numa das assembleias de que participamos, a escola organizou
uma exposição sobre a produção agropecuária e econômica da comunidade, na qual, além dos
materiais produzidos pela turma: cartazes, mapas, gráficos, tabelas, maquetes, poesias,
desenhos, pinturas, fotografias, foi também exposta a produção da comunidade em
agricultura, pecuária e artesanato.
Dimensão epistemológica: a pesquisa, o aprofundamento dos conteúdos e a sistematização
como instrumentos de construção do conhecimento
A ficha pedagógica é o instrumento fundamental para seleção, organização e
sistematização dos conteúdos em sala de aula, conforme a fala da professora:
Quando a gente começa com a pesquisa, partindo do conhecimento das crianças e das famílias, muda tudo, porque antes era pegando o livro de cada série, e lendo e respondendo. Não tinha uma participação ativa, alguns conteúdos, nem eram estudados. A gente vai aprendendo muita coisa da realidade e aprofundamento coletivo em sala de aula. As fichas do censo ajudam muito a gente a planejar o trabalho. Hoje eu sei o que é trabalhar
278
dentro da sala. Até voltei a estudar, estou perto de concluir Pedagogia. É assim, temos que aprender sempre. E esse trabalho que a gente tem com as comunidades é muito motivador para todo mundo.
em como estratégias para trabalhar os conteúdos e que têm contribuído para a
de ser o principal instrumento dentro de sala de aula, até porque ele continua insuficiente e
descontextualizado da realidade das escolas multisseriadas do campo.
Durante o período de observação, a professora começou o trabalho com o Censo
Agropecuário, que já tinha sido trabalhado no ano que iniciou a proposta na escola. Vejamos
na sua fala o porquê dessa decisão:
Este ano minha turma é nova. Juntaram as crianças de duas comunidades, então decidi começar com o Censo Agropecuário, depois vou trabalhar o ambiental, pois acho que depois desse tempo, é importante a gente fazer um novo diagnostico da comunidade para comparar com o anterior. Além disso, as crianças e as famílias que são novas no processo vão construindo a lógica direitinho do trabalho. (Professora 1)
Essa fala expressa a autonomia que a professora possui na definição e seleção
curricular, a partir da realidade e do contexto da turma, inclusive definindo a sequencia dos
censos a serem trabalhados em sala de aula, de acordo com a composição e necessidade da
turma. Após essa definição de qual temática será trabalhada, o ciclo de produção do
conhecimento em sala de aula se orienta a partir da metodologia da PEADS, cujo itinerário na
escola, pode ser assim representado:
279
Gráfico 16 - Itinerário de Produção do Conhecimento na Escola PEADS
O primeiro ciclo do itinerário é o Diagnostico da vida das famílias e das comunidades
através da pesquisa. No primeiro momento, a professora organizou a turma em três grupos
para realização da pesquisa na comunidade. Usou como critério o local de moradia, pois
facilitava o encontro fora da escola para visitar as casas. Incluiu também, no planejamento
das visitas, a merendeira e a servente, pois cada uma iria acompanhar um grupo. Chamou-as
na sala, orientando-as sobre o desenvolvimento dos trabalhos, como explica a seguir o relato
da professora:
Nós não vamos fazer a reunião com a comunidade, porque o pessoal já conhece a pesquisa da PEADS, mas para os pais novos eu já expliquei na reunião do início do ano, e vocês duas precisam acompanhar a explicação, porque já fizeram antes, mas é bom sempre a gente retomar, pode ter dúvidas. Só quem não faz a pesquisa são da Educação Infantil, pois são muito pequenos. Na sala eles participam com a gente e pode perguntar alguma coisa em casa também e trazer para a gente.
Embora a ficha pedagógica do Censo Agropecuário (ANEXO F) trate de diferentes
aspectos da atividade produtiva e econômica no campo, o grupo decidiu começar a pesquisa
sobre a pecuária. O processo de preparação consiste na realização de diferentes
procedimentos: levantamento e mapeamento do local onde será desenvolvida, questões a
serem discutidas e respondidas, conhecimentos que as crianças já possuem sobre a temática,
1
Diagnóstico na comunidade
pesquisa
2
Colocação em comum e
aprofundamento dos conteúdos
3
Devolução dos conhecimentos para
a comunidade
4
Avaliação do processo
280
gerando diversas atividades: leitura, escrita, desenho, elaboração de mapas e elaboração de
questionários.
Em seguida, as crianças organizadas em grupo, acompanhadas da professora,
merendeira e servente, visitam as casas que ficaram responsáveis por realizar o trabalho. Esse
levantamento poderá ser feito no contra turno da aula ou num final de semana, durante o
período definido pelo grupo.
À medida que o grupo vai trazendo as questões, a professora começa o trabalho de
sistematização em sala de aula e, paralelo a isso, começa a enviar outras tarefas como
sobre plantio, tipos de plantação, cuidados, etc. Com essa estratégia, vai trabalhando
a segunda fase da metodologia.
O segundo ciclo do itinerário é a colocação em comum e aprofundamento dos
conteúdos. Neste momento, identificamos uma mudança significativa na organização do
trabalho pedagógico e no trato com o conhecimento em sala de aula, pois a professora não se
referencia na organização seriada para abordar os conhecimentos com o grupo.
A socialização dos conteúdos pesquisados é discutida com toda a turma. Em seguida,
a professora organiza grupos de acordo com os níveis de desenvolvimento de leitura e escrita
ou faixa etária dos estudantes, e distribui diferentes tarefas para serem realizadas: uns
constroem textos sobre o assunto discutido, outros desenham, outros constroem gráficos e
tabelas, contando com sua mediação.
A professora na maior parte do tempo, usa os critérios das diferenças e das
semelhanças entre as crianças para organização da sala de aula e o trabalho com os conteúdos
pedagógicos, pois trabalha com toda a turma para assuntos que considera gerais: leitura de
história, de notícias, socializar as informações trazidas nas pesquisas, realizar uma
brincadeira, dramatizações, etc. Ela as distribui em grupos, por faixa etária ou nível de
alfabetização, quando se trata de atividades específicas que exigem competências
diferenciadas para seu cumprimento.
As fotos 14 e 15 ilustram o agrupamento para sistematização da pesquisa e o momento
de socialização das informações:
281
Agrupamento para sistematização da pesquisa Socialização das informações coletadas Foto 14: Silva, 2008. Foto 15: Silva, 2008.
Os diferentes agrupamentos utilizados em sala de aula pela professora para aprofundar
os conteúdos, evidenciam o seu reconhecimento de que as crianças não possuem apenas
diferenças, mas também semelhanças. Essas características orientam o trabalho pedagógico
em sala de aula.
O procedimento de acompanhar os níveis de escrita das crianças evidenciou a
influência da formação que recebem da Secretaria, sobre letramento, baseada na
sociolinguística e no sociointeracionismo. Fazem um acompanhamento sistemático, com
exercícios específicos do nível de letramento dos alunos em sala e se guiam por estes
resultados para agrupá-los nos momentos dos trabalhos específicos de produção de
conhecimento.
Os conteúdos que são aprofundados em sala de aula se originam do material de
pesquisa: registro e escrita de numerais, situações problemas com os dados provenientes do
censo, construção de cartazes com a alimentação de cada tipo de animal, construção de
gráficos com a soma dos animais existentes, textos coletivos sobre cada animal pesquisado,
ciclo de vida dos animais, teia alimentar etc.. A foto 16 mostra a sistematização realizada em
sala de aula:
282
Cartazes com a sistematização dos conhecimentos da pesquisa Foto 16: Silva, 2008.
Nessa fase de aprofundamento, a professora costuma usar muitos jogos educativos,
jogos ortográficos, jogos para desenvolvimento da oralidade, jogos para construção textual,
que são manuseados e trabalhados por todas as crianças independente de sua faixa etária e
nível de escolarização. As crianças demonstram motivação e envolvimento durante o trabalho
com os jogos, interagindo com os colegas e os maiores ajudando na resolução das atividades.
Esses jogos eram preparados pelo professor nas oficinas de formação e usados sempre que
necessários para fixação dos conteúdos como também para enriquecimento da aprendizagem
O ciclo do itinerário é concluído com a devolução dos conhecimentos produzidos na
escola, que se transformam em diferentes produções a serem socializadas com as famílias na
assembleia da comunidade, conforme relatado anteriormente. Vejamos um registro do diário
de campo:
Nesta primeira assembleia de devolução, após visita à exposição, foi realizado o momento de reflexão com a fala do Secretario de Educação, do vice-prefeito, da professora e dos pais135, tecendo comentários sobre o trabalho realizado pela escola e o que isso trazia de desafios para a realidade da comunidade. Após as reflexões, realizaram uma parte cultural com apresentação de dança (como era época dos festejos juninos foi realizada uma quadrilha pelos alunos), dramatizações e músicas por ex-alunos da escola e pessoas da comunidade. (registro de diário de campo)
135 Foi solicitado pela professora que apresentasse para a assembleia o que era a pesquisa e os objetivos. Os pais demonstraram satisfação da escola ter sido uma das escolhidas para o trabalho.
283
A prática avaliativa da escola decorre durante todo o trabalho e a professora utiliza
diferentes estratégias para realizá-la. Além disso, tem fichas de avaliação em processo
enviadas pela Secretaria de Educação, que são usadas para avaliação em cada bimestre, e
discutidas com a coordenação pedagógica na perspectiva de um acompanhamento dos
educandos (as).
A organização curricular desencadeada por este itinerário de produção do
conhecimento diferencia- se em quatro pontos básicos:
1) A sala de aula deixa de ser o centro do processo de ensino e aprendizagem
aprende-se e se ensina também com a família, a comunidade, a partir dos dados
coletados no diagnóstico, das aulas passeios;
2) Os conteúdos (matemática, português, história, geografia, ciências, etc.) passam a
ser selecionados e trabalhados em sala em função das questões e necessidades
provenientes dos dados da pesquisa;
3) A organização do currículo passa pela discussão coletiva entre o grupo de
professoras das escolas do campo, coordenadoras pedagógicas e assessoria do
SERTA;
4) Os conhecimentos produzidos são socializados com a comunidade na perspectiva
de subsidiar seus processos de intervenção na vida e gerar novos conhecimentos.
Esse ciclo de produção do conhecimento redimensiona a prática pedagógica dentro da
escola multisseriada, que deixa de ser apenas o lugar de ler, escrever e contar, mas vai além
quando desenvolve outras competências do pensar, falar, sistematizar, participar, relacionar-se
uns com os outros e com a comunidade, tomando a vida como conteúdo básico da
aprendizagem.
6.3. Escola Municipal Francesco Mauro e Escola Municipal Catalunha\MST
O território do São Francisco abrange uma área de 14.682,20 Km² e é composto por
sete municípios: Afrânio, Cabrobó, Dormentes, Lagoa Grande, Orocó, Petrolina e Santa
Maria da Boa Vista, tendo no Rio São Francisco a principal potencialidade e a marca de
identidade do seu espaço geográfico, de sua população e de sua economia.
Nas margens do Rio São Francisco foi se constituindo os municípios, a economia, a
ocupação do espaço, as pessoas, a cultura. O Rio influenciou e ainda influencia muito a vida
284
das pessoas que ocuparam essa região (os povos indígenas da nação cariris, que se dividiram
em vários povos, permanecendo até os dias de hoje os Truká) e que a ocupam (agricultores
familiares, assentados, ribeirinhos, comunidades quilombolas, grandes fazendeiros).
A tabela n° 10 apresenta dados sobre a população, área e densidade demográfica do
Município de Santa Maria da Boa Vista, onde se localiza as escolas campo de pesquisa:
Município População
Total
Rural Urbana Área(Km2) Densidade
Demográfica Número
absoluto
Número
absoluto
Santa Maria
da Boa Vista
36.914
22.910 2,06
14.004 7,94
2.977,8
12,40
Total
Território
341.580
125.484 6,74
216.096 3,26
14.682,2
23,26
Fonte: IBGE, 2007.
Tabela 10 - População total e ponderada, área e densidade demográfica do Município de Santa Maria da Boa Vista PE- 2007
Os dados mostram que o município possui uma população rural superior à urbana e
uma densidade demográfica de 12.40, caracterizando-se como um município rural. Segundo
os representantes dos movimentos sociais, a luta pela Reforma Agrária e pelo fortalecimento
da Agricultura Familiar trouxe uma mudança no perfil populacional, no município que
apresenta uma população rural em crescimento.
Além disso, tem uma identidade definida pelo Rio São Francisco e pelo bioma
caatinga, caracterizando a ocupação do espaço, o modo de vida e de produção, numa relação
permanente entre áreas irrigadas e ribeirinhas com região de sequeiro da caatinga.
É também marcada por uma estrutura fundiária de concentração de terras por parte dos
fazendeiros, de projetos de irrigação de fruticultura para exportação, construção de
hidrelétricas, da pecuária extensiva e a presença do narcotráfico nas últimas décadas, o que
gera um clima de conflito e tensão permanente na região.
Por outro lado, gerou-se também um cenário de lutas e mobilizações permanentes pela
Reforma Agrária, em defesa do Rio e de políticas agrícolas para convivência com o
semiárido, envolvendo diversos sujeitos sociais: indígenas, quilombolas, comunidades de
fundo de pasto, ribeirinhos, atingidos por barragens, assentados da Reforma Agrária e
assalariados rurais.
285
O Município de Santa Maria da Boa Vista localiza-se a 611 km de Recife, na zona
fisiográfica do sertão pernambucano, às margens do Rio São Francisco. Limita-se ao norte
pelo município de Parnamirim e Santa Cruz. Ao sul, com o estado da Bahia, a leste, com
Orocó, e a oeste, com Lagoa Grande, conforme podemos visualizar no mapa abaixo
Fonte: Secretaria de Planejamento- PE.
Figura 3 Localização do Município de Santa Maria da Boa Vista no Estado de
Pernambuco
O abandono das fazendas de fruticultura, pelas grandes empresas, na primeira metade
da década de 1990, coincidiu com a luta dos agricultores familiares pela convivência com o
semiárido, o aumento do número de trabalhadores rurais desempregados das fazendas, a
renovação dos sindicatos rurais e o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
MST, pautou a luta pela terra, uma das principiais reinvidicações do território, fazendo com
que até a metade dos anos de 2000 aproximadamente 14.000 pessoas fossem assentadas,
Corredor da
O crescimento populacional do município aconteceu, a partir da implantação dos
assentamentos da Reforma Agrária. O número significativo de crianças na faixa etária de 0 a
5 anos, destoa das regiões nas quais se localizam as outras escolas pesquisadas, que
286
apresentam um número baixo de crianças nesta faixa etária. Vejamos então na tabela n° 11 a
população do município conforme sua localização geográfica e faixa etária:
(Localização /
Faixa Etária)
0 a 3
anos
4 a 5
anos
6 a 14
anos
15 a 17
anos
18 a 24
anos
25 a 35
anos
Mais de
35 anos
Total
Urbana
1.180
624
2.800
932
2.097
2.546
3.918
14.097
Rural
2.316
1.142
5.492
1.697
3.743
4.085
6.561
25.036
Total
3.496
1.766
8.292
2.629
5.840
6.631
10.479
39.626
FONTE: IBGE - CONTAGEM 2007.
Tabela 11 - População por localização geográfica e faixa etária do Município de Santa Maria da Boa Vista PE 2005
A tabela 11 mostra que, em todas as faixas etárias, a população residente é superior na
área rural, sem considerar que a população considerada como urbana, conforme critérios do
IBGE, que reside na sede do município e povoados, mantém uma relação econômica, cultural
e social estreita com o mundo rural, o que leva alguns autores a afirmar que poderíamos
considerar todo o município como rural (VEIGA, 2000).
Essa característica rural dos municípios também se expressa na dinâmica econômica
que é predominante de atividades rurais, seja as da agricultura de exportação, seja da
agricultura familiar, conforme podemos verificar na tabela a seguir, que mostra os
indicadores econômicos do município:
Fonte: Sistema Nacional de Indicadores Urbanos 2002.
Tabela 12 - Número de estabelecimentos de acordo com o setor econômico 2002
Município Agências
Bancárias
Indústria Construção
Civil
Comércio Serviços Rurais
Santa Maria da
Boa Vista
2 3 1 53 18 1.551
287
Os dados evidenciam que a dinâmica econômica do município se dá a partir dos
estabelecimentos rurais, que agregam setores da agropecuária, extrativismo e pesca.
Na área de educação, o município possui 77 estabelecimentos de Ensino Fundamental
com 12.664 alunos matriculados e 04 de Ensino Médio com 1.410 alunos matriculados. A
rede de ensino totaliza 295 salas de aula, sendo 31 da rede estadual, 226 da municipal e 38 da
rede particular. Do total de escolas de Ensino Fundamental, 56 localizam-se no campo, dentre
as quais, 24 em assentamentos da Reforma Agrária, sendo que 17 são coordenadas pelo
MST136.
Dentro desse contexto, situam-se a Escola Municipal Francesco Mauro
(Assentamento Safra) e a Escola Municipal Catalunha (assentamento do mesmo nome),
campos de nossa pesquisa.
Ambiente Educativo da Escola Francesco Mauro (Assentamento Safra)
O assentamento Safra fica a 33 Km da Sede do Município na região ribeirinha do São
Francisco. Antes, era uma fazenda com fruticultura irrigada, administrada por uma grande
empresa, que possuía vários moradores e trabalhadores assalariados. Com a falência do
projeto, a área foi se tornando improdutiva até ser ocupada em 1995 pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra MST. No início do acampamento, chegou a ter mais de
2.000 famílias, que foram distribuídas para outros assentamentos com o processo de
demarcação das terras, ficando assentadas 220 famílias137.
A primeira escola foi organizada antes da existência do assentamento, por moradores
da antiga Fazenda, em 1977. Funcionava na casa da professora com turma multisseriada e
foi registrada, em 1981, pela Prefeitura Municipal, recebendo o nome de dois filhos do antigo
proprietário: Escola Municipal Francesco Mauro138.
Após a ocupação, nos dois primeiros anos, a escola foi improvisada, embaixo de uma
árvore e, em seguida, começou a funcionar na antiga sede da fazenda, que não conseguia
atender a todas as crianças. Com o processo de assentamento, a necessidade de um prédio
136 Dados fornecidos pela Coordenação Regional do MST. 137 surgiram outros inclusive o
Assentamento Catalunha. 138 Esse nome é mantido até os dias atuais, embora o movimento tenha proposto uma mudança, o que não foi
aceita pela Prefeitura Municipal de Santa Maria da Boa Vista.
288
próprio para o funcionamento da escola deu origem a um convênio entre Incra e a Prefeitura,
resultando no fornecimento do material para a comunidade construir a escola em mutirão.
Inicialmente, foram construídas quatro (4) salas de aula, cozinha, secretaria, depósito e
dois (2) banheiros. Com o aumento do número de alunos em 1999, foi ampliada com a
construção de 2 (duas) salas, uma para eventos, que foi transformada em sala de aula em
2001, inclusive para assegurar o funcionamento do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil PETI.
Uma sala foi improvisada para funcionar a biblioteca e sala de leitura. Embora
possuam a Arca das Letras139, não tem outros mobiliários para organizar de forma adequada
os livros e o espaço para a leitura das crianças. Como a escola foi construída por partes, não
apresenta uma estrutura física harmoniosa e adequada ao trabalho escolar: o prédio fica
próximo à via de acesso ao assentamento, o que impossibilitou durante muito tempo a
arborização do espaço, fato agravado pela arquitetura inadequada para uma região semiárida,
sem ventilação e iluminação adequada, como podemos ver na foto 17:
Frente da Escola Francesco Mauro
Foto 17: Silva, 2008.
A escola não possui área coberta para recreação. Assim, as crianças e adolescentes, ao
saírem da sala, ficam sem espaço para desenvolver as atividades de recreação e educação
física, tendo que se deslocar para um campo nas proximidades da escola.
139 O Programa Arca das Letras é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e tem como
finalidade implantar bibliotecas rurais nas comunidades e assentamentos.
289
Além disso, o mobiliário não foi renovado desde a construção da escola, encontrando-
se desgastado e insuficiente para o número de crianças, que improvisam bancos para sentarem
durante as aulas. Essa situação agrava-se com a turma de Educação Infantil, que precisaria de
outro espaço que não o da sala de aula para as atividades recreativas e corporais.
A precariedade das condições materiais da escola gerou no grupo de educadoras e
educandos um desânimo para a realização dos trabalhos, pois, segundo a fala de uma delas:
um poder público não assegura uma escola de qualidade para as crianças
e adolescentes do assentamento, pois, conforme a Educadora 4:
Tudo que conseguimos é a escola com a comunidade brigando, indo na secretaria... Para você ver faz duas semanas que o banheiro das professoras quebrou, já cansamos de comunicar na secretaria e até agora nada... Como trabalhar assim... só com a nossa militância?
Embora na Escola do Campo o compromisso da comunidade escolar seja fundamental
para a materialização de sua proposta pedagógica, isso não é suficiente, dentro da perspectiva
de construção de uma política pública de educação como direito dos Povos do Campo, nem
tampouco, deve se transferir para a comunidade a responsabilidade e o dever do Estado em
assegurar uma escola de qualidade, com condições de trabalho dignas.
A precariedade das condições de trabalho reflete-se também nos equipamentos de
apoio pedagógico existente na escola. A escola dispõe de uma televisão, um aparelho de
DVD, videocassete, um computador (usado para os serviços de secretaria) e um mimeógrafo a
álcool bastante utilizado por todas as professoras para elaborar atividades para as crianças, em
sua maioria adquiridos com os recursos proveniente do Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE) 140. Os recursos provenientes do PDDE, que são depositados direto na conta bancária
da escola, pelo FNDE, são administrados pela Unidade Executora (UEx) da própria escola.
O dinheiro do programa, embora seja pouco, é muito esperado por toda a escola, pois com ele sempre compramos algum equipamento e material de
140 O Programa repassa anualmente recursos às escolas, determinados com base no número de alunos
matriculados no Ensino Fundamental ou na Educação Especial, estabelecido no Censo Escolar do ano anterior ao do atendimento, devendo sua utilização ser definido pelos órgãos colegiados existentes nas escolas. Vale ressaltar que as normas do PDDE são definidas por resoluções anuais, o que significa que podem mudar anualmente.
290
consumo para a escola. Então cada ano já tem definido o que vamos comprar.
Essa fala evidencia a contribuição que este programa traz para as escolas, diante da
precariedade de estrutura em que vivem, além de resultar numa melhoria dos recursos,
constitui-se num canal de participação de todos no uso dos recursos na escola.
A merenda é enviada pela Secretaria de Educação, via transporte escolar, e
armazenada no depósito de merenda. A cozinha da Escola é pequena e possui uma geladeira,
fogão a gás (cujo botijão é enviado pela secretaria via transporte escolar), um freezer, panelas
e um liquidificador. Serve também de espaço para refeição das professoras que moram na
cidade e ficam durante todo o expediente na escola. Como não possuem espaço para
refeitório, as crianças, depois de servidas, alimentam-se na própria sala de aula.
No final de 2008, a comunidade realizou uma mobilização pressionando a Prefeitura
para reforma do prédio da escola, o que ocorreu no início de 2009, com a construção de sala
para os professores, ampliação da secretaria, construção de muro da escola, reformas dos
banheiros e ampliação da cozinha e despensa para merenda. 141 O que percebemos é que a
melhoria da infra-estrutura da escola, das condições de trabalho da equipe educativa e dos
educandos (as) gerou um clima de animação e satisfação no grupo, mostrando a importância
para o trabalho pedagógico de condições materiais adequadas nas escolas.
Os educandos (as) da Escola residem no assentamento. São crianças e adolescentes na
faixa etária de 04 a 15 anos, que frequentam a escola durante o turno diurno, compondo as
turmas da Educação Infantil ao Ensino Fundamental Completo. No noturno, funcionam
turmas de Educação de Jovens e Adultos, com a oferta do 1° ciclo do Ensino Fundamental.
Do total de 372 educandos (as), 204 são do sexo feminino, sendo que a maior
diferença se expressa nos anos finais do Ensino Fundamental, o que demonstra uma maior
participação das mulheres no processo de escolarização neste assentamento. A Escola, em
141 Foi com essa estrutura que observamos a prática pedagógica da escola. A reforma foi realizada no início de
2009. Embora já tivéssemos concluído a pesquisa de campo, como retornamos ao assentamento, evidenciamos claramente essa mudança do clima organizacional da escola.
291
2008, apresentou o seguinte efetivo de matrículas: 42 na Educação Infantil; 201 nos anos
iniciais do Ensino Fundamental e 79 nos anos finais; e 49 na EJA, Ensino Fundamental.
Não identificamos formas institucionalizadas de participação dos/as educandos/as
nos órgãos de gestão das escolas como, por exemplo, o coletivo de educandos(as) ou mesmo
grêmios estudantis organizados. Esse fato pode ser explicado, em parte, pela diversidade de
faixa etária das crianças, pela organização da jornada escolar em turnos intermediários que
não possibilita uma permanência integral na escola, pela infra-estrutura precária ou
insuficiente das escolas, o que certamente tem dificultado a auto-organização142, em grupos de
atividades ou brigadas de trabalho de forma permanente, conforme posto nos documentos do
MST.
No que se refere às educadoras, são 15, das quais 06 residem na sede do município e
09 no assentamento. Em relação ao tempo de serviço, 08 delas trabalham na escola há mais
de 09 anos, portanto, já tem um nível de conhecimento com a comunidade assentada e com a
dinâmica de trabalho do MST.
Do ponto de vista da formação, 11 possuem curso superior e 04 magistério de nível
médio. Embora a maioria não seja militante do MST, as professoras assumem o projeto do
Movimento e se auto-definem como
específicas realizadas pelo MST, na região e no estado, especialmente as de formação.
Vejamos o depoimento:
se não fosse os cursos que a gente faz do movimento, não teria nenhuma formação específica para o trabalho nas escolas do assentamento. Por isto, sempre participamos de todas as formações, isto foi muito importante para que pudesse entender a proposta de educação do Movimento. (Educadora 3)
Em síntese, a formação continuada específica realizada pelo Movimento contribui para
o exercício docente dessas profissionais nas escolas do assentamento, considerando que a
formação inicial a que tiveram acesso não possibilitou conhecimentos específicos para o
trabalho com essa realidade. Todavia, enfrentam dificuldades na realização desse processo
formativo, por não contar com apoio financeiro sistemático do poder público para uma
continuidade das atividades.
142 Na proposta do MST, a auto-organização é um direito dos educandos (as) se organizarem em coletivos com
tempos e espaços próprios para discutir as suas questões.
292
Ambiente Educativo da Escola Municipal Catalunha
O assentamento Catalunha é o maior do Sertão Pernambucano. Foi criado em agosto
de 1997 e beneficiou 604 famílias de trabalhadores rurais em uma área de 7.286 hectares,
situada no Vale do São Francisco, distribuidos no município de Santa Maria da Boa Vista e
Lagoa Grande.
A área foi ocupada em 1996, por cerca de 800 familias, que depois foram
redistribuidas para outros assentamentos, passaram dois anos acampadas sem
acompanhamento técnico e estratégia de produção, o que levou ao uso desenfreado dos
recursos naturais existentes na fazenda, com consequencias sérias para o assentamento até o
momento atual.
Cada família recebeu um lote para construir uma casa e outros três hectares para
plantar. No entanto, a falta de infra-estrutura para produção, inclusive de água, tem levado
muitos a deixarem seus lotes para buscar sustento para a família na sede do município ou
municípios vizinhos. Alguns voltam somente a cada quinze dias. Enquanto isso,
permanecem as mulheres, idosos e crianças no assentamento, situação que tem levado a
escola a desenvolver atividades específicas com esses grupos.
A Escola começou a funcionar em 1998, utilizando um galpão que era usado para
estocar produção na antiga fazenda, distante 4 Km da agrovila.
Antiga sede da escola num galpão da fazenda Foto 18: cedida pela Escola Catalunha - 2006
293
O galpão foi transformado pela comunidade em escola, improvisando os espaços em
07 salas de aula, 01 secretaria, 01 sala para os professores, 04 banheiros, 01 cozinha, 01
biblioteca e 01 refeitório. Funcionou nesse espaço improvisado com cerca de 700 alunos,
durante 08 anos. No entanto, o compromisso com o trabalho pedagógico de qualidade sempre
esteve presente no grupo, segundo o depoimento abaixo:
mas nós nunca nos deixamos abater, fizemos umas paredes separando as salas, tinha hora que eu dava aula e ouvia tudo da outra sala, mas a gente organizava tudo: biblioteca, horta, espaço de estudo, e todo mundo fazia de tudo um pouco. (Educadora 5)
Em 2007, foi inaugurado o prédio novo da escola na agrovila, que encontra-se
inacabado, possui apenas 04 salas de aula, uma secretaria, dois banheiros e cozinha com
dispensa para merenda. Tal fato, juntamente com a saída de grande número de famílias do
assentamento, gerou uma redução do número de educandos (as) e a implantação do turno
intermediário (11h00min-14h30min). No ano de 2008, a escola tinha o seguinte número de
matriculados: 80 na Educação Infantil, 282 nos anos iniciais do Ensino Fundamental e 75 na
EJA Fundamental. A turma de Educação Infantil funciona numa casa da comunidade em
frente ao prédio da escola. Vejamos o prédio atual da escola:
Prédio atual da Escola Foto 19: Silva, 2008
Do projeto inicial da escola, ainda falta a construção de mais salas de aula, banheiros
para educandos (as), sala para informática, sala dos professores, pátio coberto e biblioteca.
294
Assim, mais uma vez, a equipe teve que improvisar alguns espaços, a exemplo da biblioteca,
conforme podemos ver na foto a seguir:
Espaço improvisado para a biblioteca Foto 20: Silva, 2008.
O uso da biblioteca por educadores (as) e educandos(as) é frequente durante as aulas,
existindo um revezamento entre os educadores(as) para atendimento na biblioteca,
acompanhamento à leitura, indicação de material de pesquisa e organização da mesma. A
escola, inclusive, recebeu prêmios pelo trabalho que realiza com leitura.
Educandos(as) e Educadores(as): aprendendo e ensinando em interação
Os/as educandos (as) são organizados em grupos de atividades ou brigadas de
trabalho, para participar da organização da escola e da sala de aula, na organização das
atividades político-culturais e nos trabalhos de manutenção do prédio escola:
Todas as atividades da escola nós participamos. Para isso, nos organizamos em grupo, cada grupo tem um coordenador que acompanha o trabalho. Vai revezando durante o ano. Assim, todos nós vamos passando por diferentes grupos de trabalho, e vamos aprendendo e ajudando nossa escola a se organizar. (Educando 1)
295
No final do ano, teve início o processo de auto-organização dos estudantes,
principalmente dos anos finais do Ensino Fundamental, que começaram a realizar reuniões
para discutir a organização do coletivo de educandos (as) na escola, o número de estudantes e
a heterogeneidade na faixa etária que se constitui numa dificuldade, conforme relato do
educandos(as), não é fácil, porque tem muito estudante, e as idades são muito diferentes.
Então cada um que en
Na escola, entende-se que todo o grupo compõe a equipe educativa e que são
educadores (as). Porém, em exercício docente em sala de aula, conta-se com 19 professores,
sendo seis (6) com licenciatura plena em pedagogia, quatro (4) com licenciatura plena em:
Letras, História, Matemática e Geografia e oito (8) com Magistério de nível médio. Uma parte
dessas educadoras desloca-se todos os dias da sede do município, em transporte escolar da
prefeitura municipal143.
As Educadoras (es) se organizam no coletivo de educadores, do qual trataremos
adiante e são responsáveis pela gestão partilhada na escola. Além disso, existe uma prática
sistemática de formação continuada, que ocorre nos encontros mensais de planejamento, na
participação nos eventos do movimento organizados no município e no estado e em
formações desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Educação.
Prática Gestora das Escolas Catalunha e Francesco Mauro
As Escolas possuem uma dinâmica marcada por ritos e rituais que buscam expressar
identidade e vinculação com o MST, dentre os quais podemos destacar: os ritos coletivos da
mística, o planejamento coletivo da equipe educativa e a organização do coletivo de
educadores (as)
A mística144 pode ser compreendida como ritual, constituindo-se num complexo de
ações simbólicas que aparecem como um dos elementos responsáveis pela formação da
143 Uma professora se desloca da Vila II que faz parte do município de Lagoa Grande. 144 O Bole mística do MST
orientações para o planejamento desta atividade nas escolas.
296
identidade política dos sem-terra, enquanto sujeitos políticos. Esses referenciais, bem como o
uso das camisas com o símbolo do movimento, bonés e utilização de bandeiras do MST e as
palavras de ordem se objetivam em representações e demonstram a reafirmação e o
fortalecimento da identidade de sem-terra.
A gestão da escola é organizada por meio do coletivo de educadores, que é composto
por toda a equipe pedagógica (educadores (as), gestora e funcionários). Embora conste na
estrutura orgânica da escola a existência do coletivo de gestores (conselho escolar), unidade
executora, coletivo de pais/mães, coletivo de educadores e auto-organização dos estudantes, o
que podemos observar é que no cotidiano das duas escolas o espaço mais atuante é o do
coletivo de educadores.
Nas duas escolas o coletivo de educadores se organiza por equipes de trabalho, assim
constituídas:
Fonte: elaborado pela autora a partir das informações coletadas
Gráfico 17 - Equipes de trabalho com respectivas funções
As equipes funcionam de maneira integrada na organização do trabalho escolar. Cada
equipe tem um diário de campo que registra as atividades desenvolvidas durante o ano. O
diário é lido e avaliado periodicamente pelos coordenadores pedagógicos do MST. A cada
ano se faz um revezamento dos componentes das equipes de trabalho para que os educadores
(as) possam ter experiência de organização do trabalho pedagógico nas diferentes dimensões.
As dificuldades que surgem na organização das equipes ou no processo de registro são
discutidas e avaliadas pelo grupo, e trabalhadas pela coordenação pedagógica do movimento
nos encontros mensais de planejamento.
Equi
pe p
edag
ogic
a coordenação pedagógica
realização de estudos e formação em serviço
Equi
pe d
e or
nam
enta
ção organização e
ornamentação do ambiente da escola
organização dos eventos e atividades coletivas Eq
uipe
de
Saúd
e acompanhamento às questões de saude na escola
cultivo de plantas medicinais e materiais de primeiros socorros
Equi
pe d
e in
fra-
estr
utur
a infra-estrutura da escola
organização dos materiais
Equi
pe d
e m
emór
ia
registrar todos os eventos ocorridos na escola de forma escrita e com fotoggrafias
297
O processo de planejamento coletivo do tema a ser trabalhado em cada escola durante
o ano adota a seguinte dinâmica.
Fonte: elaborado pela autora a partir da coleta de informações
Gráfico 18 - Dinâmica de Planejamento das Escolas do MST
O coletivo de gestores é composto pelas diretoras das escolas dos assentamentos e têm
como finalidade coordenar, acompanhar e avaliar, juntamente com a coordenação do
movimento, o trabalho das escolas do MST no município. O Coletivo de Gestores é
responsável pelo levantamento dos problemas existentes em cada assentamento, a partir dos
quais se escolhem os temas da atualidade que serão trabalhados em cada escola durante o
ano.
O coletivo de educadores é composto por todos os educadores (as) e técnicos
administrativos da escola e é responsável pela organização do trabalho escolar e do espaço
escolar: docência, planejamento, manutenção da escola, acompanhamento dos estudantes,
relação com a família, enfim, múltiplas funções que são assumidas no cotidiano da escola.
A participação e o trabalho coletivo são vistos pelo grupo como a forma de enfrentar
os diversos problemas que atingem as escolas. Entre eles, as dificuldades de produzir no
assentamento, a saída das famílias dos assentamentos, as condições materiais das escolas, os
problemas pedagógicos e as dificuldades pessoais enfrentadas pelos educadores (as) e
técnicos administrativos.
O MST regional acompanha o desenvolvimento do processo educativo das escolas,
através de dois coordenadores, que mensalmente se reúnem com o coletivo de gestores (todos
Coletivo de gestores
problematização da realidade de cada assentamentodefinição das temáticas
Coletivo de Educadores e coordenação do Movimento
definição das linhas gerais do planejamento mensal
Coletivo de educadores da escola e equipe pedagógica da escola
planejamento quinzenal
298
os diretores das escolas do movimento), para avaliar os trabalhos, definir o calendário de
atividades em cada escola e encaminhamentos de questões organizativas e pedagógicas de
cada uma delas; e com o coletivo de educadores para a formação em serviço, avaliação do
trabalho e planejamento pedagógico, que se dá mensalmente em cada escola.
O planejamento mensal do coletivo de educadoras com a coordenação pedagógica do
MST é organizado pelas diferentes equipes de trabalho existentes nas escolas e coordenado
pela equipe pedagógica. O rito da reunião consiste na mística de abertura, informações gerais
do movimento no estado e nacional, avaliação do período, encaminhamentos gerais dos
trabalhos a serem desenvolvidos na escola e levantamento de pontos para o planejamento.
Abaixo temos um registro de uma reunião de planejamento:
Reunião de planejamento do coletivo de educadores (as) Foto 21: Silva, 2008.
No encontro do coletivo de educadores (as) sempre tem uma equipe responsável pela
organização da mística. Além dos ritos convencionais (cânticos e palavras de ordem), solicita-
se a criatividade dos proponentes da mística e o envolvimento de todos os presentes, como
podemos vislumbrar na foto a seguir:
299
Mística de abertura do coletivo de educadores (as) Foto 22: Silva, 2008.
Numa das escolas, as informações gerais do movimento e os encaminhamentos
administrativos ocupam a maior parte do tempo, e o planejamento da aula é realizado
individualmente por cada educadora, gerando uma maior heterogeneidade do trabalho
pedagógico em sala de aula, principalmente no que se refere à vivência do itinerário
pedagógico, articulando o tema gerador e os conteúdos encaminhados pela Secretaria de
Educação para cada turma.
Noutra escola, após o planejamento com os coordenadores pedagógicos do MST, o
coletivo tem um momento semanal, no qual elaboram uma diretriz geral para o planejamento
de cada turma, e as atividades a serem assumidas por todo o grupo em cada sala de aula. Isso
que possibilita uma maior articulação entre as diferentes áreas de conhecimento,
principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental.
A relação com a Secretaria Municipal de Educação se dá através dos coordenadores do
movimento e da gestora da escola, que periodicamente se desloca para a sede do município
para reuniões, solicitações de materiais ou outras demandas. Portanto, não existe uma
presença direta da Secretaria dentro das escolas, o que representa certa autonomia para que a
mesma possa definir a sua organização curricular.
As escolas possuem Projeto Pedagógico e Regimento Escolar construído com a
participação das educadoras, educandos (as), técnicos e famílias. Também têm unidade
executora que administra os recursos provenientes do PDDE (FNDE/MEC), cujos recursos
300
têm possibilitado a compra de equipamentos de apoio pedagógico, material pedagógico e
livros para a biblioteca.
A comunidade participa da dinâmica da escola, geralmente quando é convocada para
assembleias, atividades político-culturais e reuniões do conselho. No entanto, as escolas
ressentem-se de uma mudança nesta participação, conforme nos mostra a educadora 4:
No início os pais e a associação participavam mais da escola, principalmente na fase de acampamento, todo mundo ficava reinvidicando melhoria para a escola, acompanhavam todo o trabalho. Agora eles vem, participam, mas somente quando a gente convoca.
A diminuição da participação é atribuída por alguns a certa desmobilização na
organização do assentamento e pelas dificuldades que os assentados têm enfrentado com
relação à infra-estrutura para atividade produtiva. Em uma das escolas, mesmo vivenciando
todas essas dificuldades, observamos um processo mais atuante de mobilização da
comunidade, inclusive, com oficinas para as mães, realizando campanhas educativas com
relação à saúde reprodutiva, vacinação, documentação das mulheres como uma atividade
coordenada pela escola e não somente como uso de espaço físico para realização das ações.
O fortalecimento da participação da comunidade é um desafio enfrentado atualmente
pelas escolas, considerando que o projeto educativo das escolas de assentamento não acontece
descolado da organização interna da comunidade assentada. Este é um dos sustentáculos desse
projeto, que não se esgota na escola e nas questões didáticas, mas exige um envolvimento,
participação e desejo de efetivar a escola por parte da comunidade.
Embora haja diferentes graus de compreensão dos princípios e fundamentos do projeto
de escola do MST, há um consenso entre os educadores, em torno da importância da escola
para todos os assentados e para a continuidade do projeto político, bem como ensaios práticos
que caminham na direção pela forma que participam da gestão da escola e da organização do
trabalho pedagógico em sala de aula.
Dimensão epistemológica: os temas da realidade como conteúdos pedagógicos
No que se refere ao trato com os conteúdos pedagógicos nas escolas, identificamos
algumas características comuns, no que se refere à vinculação dos conhecimentos a outros
301
processos, dentre os quais, destacamos: a vinculação entre os processos educativos e
processos políticos e o vínculo orgânico entre educação e cultura.
A vinculação entre os processos educativos e processos políticos se expressa
principalmente com a realização de atividades político-culturais, ao final de cada temática,
nas celebrações em homenagem à memória de lideranças que tombaram na luta contra a
opressão, a exemplo, de Che Guevara, Margarida Alves, Zumbi, Doroth Stang. A
participação em atividades realizadas pelo MST, como Marcha da Terra, Encontro dos Sem-
Terrinha, e na abordagem política da luta da terra, que fazem nas ações que a escola organiza
no assentamento ou participa na sede do município. As fotos abaixo são reveladoras dessa
vinculação:
Atividade política na sede do município Atividade político-cultural no assentamento
Foto 23: cedida pela Escola Foto 24: cedida pela Escola
O vínculo orgânico entre educação e cultura acontece com o desenvolvimento de
atividades político-culturais envolvendo as famílias e a comunidade. O cultivo da mística que
contempla os ideais e objetivos do MST perpassa todas essas atividades culturais. Nesse
sentido, as escolas realizam periodicamente atividades culturais, com danças, músicas, teatro,
artesanato que expressem a cultura popular e a memória das lutas camponesas.
No cotidiano da sala de aula, a vivência do planejamento com os temas da atualidade,
e seu desdobramento em projetos didáticos apresenta uma tensão, devido à dificuldade das
educadoras conciliar as ações de pesquisa e preparação das atividades político-culturais, com
o aprofundamento contextualizado dos conteúdos em sala de aula, a partir da matriz
encaminhada pela Secretaria de Educação para cada etapa da educação básica.
302
Elas atribuem essa dificuldade aos seguintes fatores: pessoas novas no grupo, não
dispor de tempo integral na escola e a escassez de recursos para organização das atividades.
Podemos identificar estes elementos nos depoimentos abaixo:
A dificuldade para realizar o planejamento é porque temos algumas pessoas novas, que ainda estão conhecendo a proposta, o trabalho com o tema e com os projetos didáticos. Então isso dificulta. Principalmente quando a educadora não pode ficar tempo integral aqui na escola, tem que dar aula noutro local, então fica sem tempo para pesquisar os assuntos, discutir com as colegas que trabalham na mesma turma como integrar mais os conteúdos. (Educadora 2)
As atividades de culminância dos projetos didáticos exigem uma preparação muito intensa, porque pela proposta do movimento, é para envolver a comunidade, então nós temos dificuldade... O tempo é pouco, e os recursos que temos para organizar tanta coisa também. Então, alguns levam coisas para fazer em casa. (Educadora 3)
Esses depoimentos nos mostram que o tempo docente nas Escolas do Campo extrapola
o tempo cronológico definido pelo sistema de ensino, que não assegura tempo integral para a
maioria dos educadores (as), o que leva a um exercício profissional em mais de uma escola,
fazendo com que muitas atividades sejam desenvolvidas em casa.
No que se refere ao itinerário de produção do conhecimento, existe uma diversidade
nas duas escolas, a partir do planejamento realizado por cada professora. No momento que
existe um planejamento coletivo também semanal, se assegura uma maior unidade no
itinerário abaixo:
303
Fonte: sistematizado pela autora a partir das informações coletadas nas escolas
Gráfico 19 - Itinerário de produção do conhecimento nas Escolas do MST
Na primeira fase do itinerário é realizado o levantamento dos temas da realidade nas
comunidades, pelo coletivo de gestores, mediante a avaliação da realidade do assentamento
com as famílias e o coletivo de educadores (as). Para escolher os temas, adotam-se as
seguintes perguntas:
Quais são atualmente os maiores problemas do nosso assentamento?(...) Quais destes problemas podem/devem ser incluídos como temas geradores no currículo da escola, de modo que os alunos e professores possam ajudar a encontrar soluções?(...) Qual será o ponto de partida do nosso trabalho neste ano? Qual a maior necessidade? O que traria resultados mais significativos para a comunidade? O que causaria maior interesse e entusiasmo nas crianças?(DOSSIÊ MST, 2005, p. 56)
Com base nessas questões, as escolas escolheram suas temáticas para o ano de 2008. A
Escola Francesco Mauro escolheu o tema
problemas diagnosticados no assentamento com relação ao lixo e à poluição das terras e
à preocupação com a homogeneização cultural realizada pela mídia e consumida no
assentamento.
Organização social
terra e trabalho
1
Levantamento do universo temático
coletivo de
educadores
2
Estudos pesquisa
diagnostico
3
aprofundamento pedagógico
conteúdos disciplinas
4
Atividades político-culturais
socialização do
conhecimento
304
São esses temas que determinaram a escolha dos conteúdos, a metodologia de trabalho
em sala de aula e o tipo de avaliação. Após a escolha, foi discutido e planejado com o
coletivo de educadores (as), detalhando seus objetivos e principais estratégias didáticas para
abordar a temática em sala de aula. O planejamento é flexível e novos temas podem surgir da
própria realidade da escola ou do assentamento. Por exemplo, uma das escolas trabalhou
Na segunda fase, são realizados estudos e pesquisas pelo coletivo de educadores (as)
para selecionar os conteúdos a serem trabalhados em sala. Esse momento é planejado
mensalmente no encontro de coletivos de educadores (as) com a coordenação pedagógica do
MST. A partir daí, organizam-se os projetos didáticos, os diagnósticos e estudos dos temas
dos projetos.
Na terceira fase se faz aprofundamento dos conteúdos em sala de aula. Esse momento
é planejado semanalmente pelos educadores(as), em grupo ou individualmente. Segundo os
educadores (as), a dificuldade de superar a fragmentação dos conteúdos ou se prender ao
apresentado no livro didático, sem contextualizar o conhecimento, ainda é o grande desafio do
coletivo, segundo depoimento da Educadora 3:
Nós não aprendemos na escola a trabalhar de forma integrada. Aqui na escola é que começamos a planejar pelos temas e organizar os projetos didáticos. Na prática começamos a fazer e aprender. Então muitas vezes nossa tentação é abrir o livro e sair fazendo do jeito que está lá, é mais fácil. Trabalhar com os projetos exige que a gente discuta com os colegas e conheça mais sobre outras áreas e, para isso, é preciso tempo e formação.
É preciso ampliar o domínio sobre cada área ou especialidade para ter condições de
experimentar com mais segurança a interdisciplinaridade, competência que deveria ser
aprofundada pelo processo de formação continuada. Vejamos:
O que dificulta também é que nem todo mundo teve a mesma formação, além disso, a formação do município é muito geral, por exemplo, faz encontro de educação infantil, de educação física. Aí vai todo mundo que trabalha com essa área, vem professor de fora, mas acabam não discutindo como a gente fazer isso, concretamente com as crianças aqui no assentamento, o que ajuda é os encontros do Movimento, mas não tem recursos para fazer mais de um durante o ano para todo mundo. (Educadora 4)
As falas expressam a insuficiência da formação continuada contextualizada para o
trabalho que desenvolvem nas escolas no assentamento. Embora a formação realizada pelo
305
movimento contemple essa especificidade, não recebem apoio para uma formação sistemática
e permanente dos seus educadores (as).
Uma contribuição importante para o desenvolvimento das temáticas é dada pelos
educandos (as). Vejamos:
As crianças ajudam muito para desenvolver o tema, pois são muito participativas. A dificuldade é tempo para a gente organizar tudo isso, e também material para fazer as atividades previstas. O que dificulta a articulação entre o que é estudado na sala, com o que ocorre no dia-a-dia do assentamento. (Educadora 6)
Contudo, a fala evidencia a dificuldade de tempo dos docentes e recursos materiais e
pedagógicos para organização das atividades, que possibilitem os educandos (as) a
compreenderem que os assuntos que estudam na sala de aula têm relação com a realidade do
assentamento e do país
A quarta fase de realização das atividades político-culturais tem como finalidade o
envolvimento das famílias assentadas no conhecimento do tema e também para multiplicar os
conhecimentos que vão produzindo na escola para o conjunto do assentamento.
Entretanto, esse momento também apresenta algumas dificuldades para a equipe
docente, conforme podemos ver no depoimento da Educadora 5:
Nós estamos achando difícil trabalhar com os projetos, principalmente para realizar as atividades de culminância, porque tem que preparar muita coisa, envolver toda a comunidade, e às vezes tem que gastar muito, para realizar a atividade e a gente não tem muito apoio, então fica difícil. Até a comunidade já participou mais... Na época do acampamento tinha muita participação. Eles contribuíam com muita coisa, estavam sempre discutindo a realidade da escola. Depois do assentamento, isso esfriou mais. Eles participam só que precisamos ficar convidando. Não é como no inicio do acampamento, que todo mundo participava.
Isso mostra claramente como a realidade de cada lugar, o grupo de educadoras de cada
escola, o tempo de inserção que possuem na proposta, os espaços de formação existentes, as
condições de trabalho, o processo de mobilização das organizações sociais em cada realidade
e a gestão da política em cada município influenciam sobremaneira na efetivação das
propostas pedagógicas, questões que se evidenciaram também em outras escolas.
306
6.4. Escola Rural de Massaroca ERUM
O Território do Sertão do São Francisco - BA abrange uma área de 61.750,70 Km² e
é composto por 10 municípios: Campo Alegre de Lourdes, Canudos, Casa Nova, Curaçá,
Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé, Sobradinho e Uauá.
A cidade de Juazeiro está localizada à margem direita do Rio São Francisco, no
extremo norte da Bahia, na zona do médio e baixo São Francisco. Divisa com o Estado de
Pernambuco, a cidade de Juazeiro está ligada à de Petrolina pela Ponte Presidente Dutra e
distante 500 Km de Salvador.
A região compreendida pelas cidades de Juazeiro e Petrolina tornou-se o maior centro
produtor de frutas tropicais do país, tendo destaque para os cultivos de manga, uva, melancia,
melão, coco, banana, dentre outros. Esse desempenho é responsável pela crescente
exportação de frutas além da produção de vegetais. A região é conhecida nacional e
internacionalmente pela produção e qualidade dos vinhos, que tiveram grande crescimento
com a implantação de mecanismos de irrigação, tornando-se a única região do país a colher
duas safras de uvas por ano e a maior exportadora e produtora de frutas do Brasil, mesmo se
localizando no centro do polígono das secas.
O Município de Juazeiro tem uma população de 230.538 mil habitantes, distribuída
entre a sede do município e seus 07 distritos, conforme o quadro n° 23:
Distritos do Município Distância da Sede População (hab)
Abóbora 100 Km 2.254
Carnaíba 20 Km 3.386
Itamotinga 72 Km 20.995
Junco 20 Km 7.253
Juremal 45 Km 1.751
Massaroca 65 Km 2.677
Pinhões 72 Km 2.274
Fonte: Secretaria da Escola.
Quadro 23 - Distritos do Município de Juazeiro, distância da sede e população
307
A Escola Rural de Massaroca está localizada na comunidade de Lagoinha, no Distrito
de Massaroca, localizado a 65 km da sede municipal de Juazeiro - BA, às margens da rodovia
BR 407, no sentido de Juazeiro-Salvador. Vejamos sua localização na figura a seguir:
Figura 4- Localização do Distrito de Massaroca em Relação a Juazeiro
Uma característica dessa região é a existência de comunidades rurais alicerçadas em
relações familiares antigas, possuindo um espaço fundiário coletivo denominado fundo de
pasto (vegetação nativa em propriedade coletiva). Esse é um espaço aberto, acessível a todos
os membros da comunidade para o uso com a pecuária principalmente a caprinovinocultura,
associada à agricultura de subsistência (milho, feijão de corda, andu), extrativismo vegetal
(madeira, umbu e maxixe).
Essas comunidades se organizaram na região para manter sua forma de vida e de
organização da produção. Cada comunidade possui uma associação, que se articula com
outras associações, constituindo o Comitê de Associações de Fundo de Pasto. É nesta
perspectiva que se organiza o Comitê das Associações Agropastoris de Massaroca CAAM.
Abaixo, temos a bandeira das Comunidades de Fundo de Pasto, que expressa a produção de
suas condições de existência a partir da articulação do bioma caatinga e da caprinocultura:
308
Bandeira das Comunidades de Fundo de Pasto Foto 25: Silva, 2008.
Uma das primeiras associações de Fundo de Pasto ocorre a partir de 1986, quando a
EMBRAPA/CPATASA e a EMATER/BA145, em parceria com técnicos da cooperação
francesa do Centro Internacional de Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (CIRAD),
iniciaram um trabalho conjunto no distrito de Massaroca como uma área piloto para
implementar uma nova metodologia de ação (experimentação e validação de métodos e
instrumentos de intervenção em apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar).
Os agricultores já contavam com um processo de organização, pois, desde 1982,
existia a associação comunitária de Lagoinha, criada a partir do trabalho realizado pela Igreja,
sob influência da Teologia da Libertação. Em seguida, com o apoio da assistência técnica,
foram criadas mais 08 (oito) associações, cuja preocupação inicial era centrada na produção
agropecuária e na organização dos produtores para proteção dos Fundos de Pastos e para
acessar financiamentos nos diversos projetos destinados a região nordeste.
Em 1989, segundo Edmerson Reis (2004), a partir da Cooperação Brasil-França, foi
realizado um primeiro intercâmbio com os produtores franceses da região de Hautes
Garrigues (sul da França), que se uniram através de suas associações e fundaram o Comitê de
Associações Agropastoris de Massaroca (CAAM), congregando um total de 236 famílias, que
receberam os títulos de posse da terra. O fundo de pasto é uma área coletiva da comunidade e
cada família possui uma área particular de moradia, a qual varia de 03 a 300 hectares146.
145 Essa entidade hoje se denomina Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) 146 Hectare: porção de terra equivalente a 10.000 metros quadrados, ou seja, 100m x 100 m.
309
Comunidades Quantidade de famílias
Lagoinha 27
Lagoa do Angico 18
Lagoa do Meio/Barauna 20
Canoa/Oliveira 29
Cachoeirinha 15
Caldeirão do Tibério 13
Cipó 10
Curral Novo/Jacaré 30
Juá/Saquinho 22
09 comunidades 184
Fonte: Dados coletados junto à secretaria da ERUM
Quadro 24 - Distribuição das famílias por comunidades rurais - Massaroca Juazeiro - Bahia 2008
Segundo Edmerson Reis (2004), com a continuidade da cooperação internacional
Brasil-França, através da Associação Serra Serrane147, em 1990, promoveu-se um segundo
intercâmbio que levou ao sul da França um técnico da Associação de Desenvolvimento e
Ação Comunitária (ADAC), um técnico da EMBRAPA/CPATSA, dois agricultores de
Massaroca e uma professora rural148, com a finalidade de conhecer os sistemas produtivos da
região e o funcionamento do sistema educacional rural da França.
A professora que participou deste intercâmbio, em seu regresso a Massaroca, priorizou
a educação como uma estratégia fundamental para a construção do desenvolvimento
sustentável das comunidades. A partir da reinvidicação do CAAM foi instituída uma
comissão composta por diferentes instituições que atuavam com desenvolvimento rural na
região e por entidades francesas para a constituição do Centro de Formação Rural de
Massaroca, para desenvolver os programas: de apoio à organização rural, de capacitação em
unidades produtivas, de educação permanente e o programa escolar149.
O programa escolar visou à criação da Escola Rural de Massaroca ERUM,
inicialmente de 5ª a 8ª séries, que deveria funcionar como uma experimentação pedagógica, 147 Associação criada por agricultores, técnicos e professores do sul da França, com o intuito de promoverem
intercâmbios de experiência e atividades para promover o desenvolvimento do rural dos dois países. 148 Trata-se da Professora Valdete Gama (já falecida) que na época era responsável pela coordenação das
existentes nas comunidades, e uma das lideranças do Comitê de Fundo de Pastos. 149 Esse programa seria o responsável pela escolarização das comunidades, proposta que dar origem a ERUM.
310
usando métodos de integração entre a realidade das comunidades e os conhecimentos
científicos150.
Pensar uma proposta de escola, tendo como ponto de partida a realidade onde se insere
Massaroca, era pensar um projeto global de desenvolvimento, no qual as realidades do campo e
das comunidades de fundo de pasto estivessem asseguradas com sustentabilidade, pois tratava-
se de
Viabilizar um processo educativo que tem como princípio filosófico a construção do conhecimento fundado no cotidiano da própria comunidade, leva em conta uma reflexão acerca da direção tomada pela escola, seu processamento, sua gestão. Leva em conta também, a viabilização de tal projeto global onde se articula tais questões (Proposta Pedagógica da ERUM, p.9)
Numa parceria com a Prefeitura Municipal, o CAAM deu início à construção do
prédio para funcionar a escola, localizado na comunidade de Lagoinha 151, com a
participação das 09 (nove) comunidades que formam o CAAM. Esse processo de construção
foi retratado, conforme foto n° 26.
Mural do processo de construção da escola Foto 26: Silva, 2008.
Foi formalizada a parceria com a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Juazeiro, hoje, Universidade Estadual da Bahia UNEB, para seleção de estagiários para
150 Durante este período, a iniciativa contou com as contribuições teóricas e acompanhamento do pedagogo
brasileiro, Luiz de Sena, com uma vasta experiência educacional em países da África, Ásia e Europa na área de formação e educação para o desenvolvimento local.
151 O CAAM foi criado em 08 de julho de 1989 e abrange as Associações de Lagoinha, Cipó, Cachoeirinha, Caldeirão do Tibério, Curral Novo/Jacaré, Canoa, Juá/Saquinho, Serra da Boa Vista e Lagoa do Meio. A sua sede administrativa está localizada na Comunidade Lagoinha
311
atuar no Programa em Massaroca e elaboração de uma proposta de formação para os
professores (as) que iriam trabalhar na escola.
Os estagiários juntamente com os técnicos das entidades francesas realizaram, durante
08 meses, pesquisa em todas as comunidades para entender a realidade: a vida, a economia, a
cultura e a organização social. As informações foram analisadas, restituídas e
complementadas pelos agricultores (as) e sistematizadas como uma proposta pedagógica da
escola. Vivenciaram, na prática de elaboração da proposta pedagógica, o itinerário
pedagógico adotado posteriormente pela escola para organização do trabalho escolar.
Durante esse período, segundo depoimento dos envolvidos no processo, pela escassez
de material escrito produzido sobre a Educação do Campo, buscaram conhecer outras
iniciativas que já trabalhavam com a educação contextualizada como, por exemplo, o Projeto
Caatinga em Ouricuri-PE.
Os estudantes-estagiários que realizaram o processo de pesquisa tornaram-se os
primeiros professores da escola. Desses, apenas dois encontram-se atualmente em sala de
aula na ERUM, em decorrência do redimensionamento profissional do grupo para outras
instituições, inclusive a docência em Universidades do Estado.
Ambiente Educativo: a participação da comunidade
A ERUM foi fundada em 22 de maio de 1995, como uma escola dotada de
procedimentos educacionais específicos e diferenciada, que permaneceu até 2001 sob a gestão
administrativa do Comitê de Associação Agropastoril de Massaroca (CAAM). O CAAM
construiu o prédio escolar e também se responsabilizava pelo pagamento dos professores. 152 do Distrito de Massaroca foram desativadas
e os estudantes encaminhados para a ERUM, que passou a ser mantida pela Prefeitura
Municipal de Juazeiro, embora mantenha na sua gestão a participação do CAAM.
Sob a manutenção da Prefeitura Municipal, um ônibus passou a transportar os (as)
estudantes das outras comunidades rurais para Lagoinha, comunidade em que se localiza a
ERUM. O veículo, atualmente, encontra-se em péssimo estado de conservação e com o
serviço reduzido. Em decorrência, as crianças e adolescentes são transportados em apenas
dois ônibus, exigindo mais tempo para o deslocamento em acomodações inadequadas.
152 Eram denominadas de Escolas Isoladas as salas multisseriadas localizadas nas comunidades rurais, muitas
funcionando na casa da professora, ou numa sala anexa a sua casa.
312
Nas turmas iniciais, até os anos de 1997, predominavam estudantes na faixa etária de
17 a 30 anos, matriculados em turmas de 5ª a 8ª séries, devido à baixa escolarização existente
nas comunidades rurais atendidas pela escola. A ação de escolarização desenvolvida pela
ERUM foi modificando o cenário da escolarização nas comunidades, e a faixa etária dos
deslocadas para a ERUM. Hoje, observamos o predomínio da faixa etária, de 05 a 17 anos, e
a ampliação do atendimento escolar com Educação Infantil, anos iniciais e finais do Ensino
Fundamental153.
O prédio que foi construído pelo CAAM para funcionamento do Centro de Formação
foi sendo ocupado pelas salas de aula da Escola, existindo hoje uma reinvidicação permanente
do grupo, para que a Prefeitura assuma a reforma e a ampliação do espaço. Desse modo, as
salas são improvisadas em espaços que estavam reservados para outro tipo de atividade, a
exemplo das salas de professores, sala de reunião da comunidade e almoxarifado.
Frente do prédio da ERUM
Foto 27: Silva, 2008.
Atualmente, a Escola tem sete espaços funcionando como sala de aula, uma cozinha,
secretaria e dois banheiros154. A equipe educativa, estudantes e pais foram organizando
outros espaços para servirem de laboratórios didáticos e área de recreação como, por
exemplo, a casa de farinha que serve como unidade demonstrativa de um espaço produtivo da
comunidade e para realização de experimentos, assim como a horta comunitária, o viveiro de
153 O CAAM e os educadores (as) reinvidicam a implantação do Ensino Médio na Escola, o que possibilitaria
que os jovens das comunidades pudessem frequentar a ERUM e não se deslocar para a sede do Distrito de Massaroca ou para Juazeiro.
154 Durante a observação, técnicos da prefeitura estiveram na escola realizando medições para construção de uma biblioteca, quadra e duas salas de aula. No entanto, passou-se todo o ano letivo e a construção não foi iniciada.
313
mudas e um parque de recreação para a turma da Educação Infantil. Aqui temos o registro de
horta pedagógica da escola.
Horta Pedagógica Foto 28: Silva, 2008.
A horta pedagógica é utilizada como espaço de aprendizagem pelas turmas no que se
refere ao manejo do solo, ao plantio, o acompanhamento da produção e a colheita dos
produtos.
Os Educandos (as): aprendendo a viver e conviver com o semiárido
Os Educandos (as) são provenientes das comunidades que compõem o CAAM. No
ano de 2008, a escola apresentou um efetivo de matrículas de 30 alunos na Educação Infantil;
57, nos anos iniciais do Ensino Fundamental; e 51, nos anos finais do Ensino Fundamental.
As turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental funcionam como multisseriadas, devido à
inexistência de salas de aulas específicas para cada ano.
As aulas funcionam no turno matutino, embora a escola solicite jornada integral ou
ampliação das turmas para outras etapas da educação básica. Apesar de a comunidade ter
apresentado demanda tanto para a EJA funcionar no noturno, como a possibilidade dos
estudantes continuarem o Ensino Médio na Escola, inclusive porque alguns professores
também são vinculados ao Estado e atuam no Ensino Médio em outras escolas, a proposta não
foi implementada pela Secretaria de Educação. A respeito, vejamos o seguinte depoimento:
314
Muitos de nós temos que trabalhar noutra escola, para sobreviver. A maioria dá aula em escola de ensino médio em Juazeiro ou no distrito, quando podia ficar tempo integral aqui. Não é por falta de reinvidicação nossa e da comunidade. Os estudantes preferiam ficar aqui e fazer ensino médio, só era funcionar a tarde, mais isso exige alimentação, mais espaço, então os gestores fazem que não escutam. E todo mundo fica insatisfeito com a qualidade da escola que os filhos estão tendo no distrito, fora os que se mudam daqui para os filhos continuarem estudando. (Educadora 6)
Dentre os fatores que dificultam essa implementação, encontram-se a
indisponibilidade de transporte escolar para assegurar esse funcionamento e a ampliação da
carga horária do professorado.
A permanência com sucesso na escola dos educandos (as) pode ser exemplificada com
os quadros n° 19 e 20, nos quais aparecem os índices de evasão e repetência escolar. No que
se refere aos índices de evasão, de 2001 a 2008, percebemos diminuição dos evadidos.
Inclusive, nos últimos anos, não há registro de evasão, como podemos constatar no quadro n°
25.
Ano Alunos matriculados Número evasão
2001 210 6
2002 200 4
2003 190 6
2004 180 3
2005 170 2
2006 145 -
2007 155 -
2008 138 -
Fonte: Dados do Registro Escolar, 2008.
Quadro 25 Distribuição dos alunos matriculados e evadidos da ERUM- 2001-2008.
O quadro n° 26 mostra que houve um declínio da repetência, principalmente a partir
de 2006. Nesse período adotou-se uma estratégia de atendimento individual no contraturno
dos estudantes que apresentavam dificuldades de aprendizagem, com repercussão na
permanência com sucesso.
315
2004 2005 2006 2007
Série Repetentes Série Repetentes Série Repetentes Série Repetentes
1ª 6 1ª 2 1ª 2 1ª -
2 ª 6 2 ª 2 2 ª 1 2 ª -
3 ª 3 3 ª 4 3 ª - 3 ª -
4 ª 1 4 ª 2 4 ª - 4 ª -
5 ª 10 5 ª 12 5 ª 2 5 ª 1
6 ª 16 6 ª 2 6 ª 2 6 ª -
7 ª 3 7 ª 3 7 ª 2 7 ª 1
8 ª 5 8 ª - 8 ª - 8 ª -
Fonte: Dados do Registro Escolar, 2008.
Quadro 26 - Taxa de repetência por série 2004-2007.
Esse dado torna-se significativo considerando os índices de repetência que temos nas
escolas públicas em nosso país.
Equipe Educativa: o trabalho coletivo
A equipe educativa da ERUM apresenta uma heterogeneidade referente ao tempo de
trabalho na escola, revelando mudanças no perfil dos docentes que iniciaram a proposta de
trabalho, conforme podemos verificar no quadro a seguir:
316
Turma de atuação Sexo Escolaridade Tempo de ERUM
Local de Moradia
Professora de pré - escola
F Magistério 02 Juazeiro
Professora de 1° e 2° ano
F Cursando Pedagogia
08 Massaroca
Professora de 3° e 4° ano
F Magistério 04 Poções
Português/Inglês F
M
Letras/Especialização em Língua
Portuguesa Pedagogia
10
05
Juazeiro
Juazeiro Ciências F Biologia
Especialização em Educação e Meio Ambiente
10 Juazeiro
Geografia/História Educação Artística
M Geografia Especialização
em Gestão Pública
15 Juazeiro
Matemática
F Matemática 09 Juazeiro
Técnicas Agrícolas e Empreendedorismo
M Pedagogia Especialização
em EJA
15 Juazeiro
Educação Física
M Educação Física 01 Juazeiro
Fonte: Secretaria da ERUM 2008.
Quadro 27 Pessoal docente por atuação, sexo, escolaridade, tempo na escola e local de moradia- 2008
Os dados mostram que, devido ao número de professores (as) e à quantidade de salas,
alguns assumem mais de uma turma ou disciplina na escola. Isso não se apresenta como sendo
de grande dificuldade, visto realizarem planejamento integrado dos conteúdos e trabalharem
os temas com uma organização de escolaridade que não se restringe à perspectiva seriada.
No que se refere à escolaridade, 02 professoras tem apenas o magistério de nível
médio, o restante possui curso superior, dos quais, 04 com curso de especialização.
A maioria do professorado reside na sede do município, em Juazeiro, e se desloca todo
dia no transporte escolar até Lagoinha, onde se localiza a ERUM. Durante o período de
chuvas, a estrada fica interditada, implicando todos os anos no redimensionamento do
calendário escolar e, consequentemente, na reposição de aulas.
A Equipe da Escola e o CAAM apresentam como proposição para essa situação a
organização de um calendário específico para a ERUM, considerando a especificidade da
proposta e do contexto geográfico e ambiental e a pavimentação da estrada que liga a
comunidade ao distrito de Massaroca.
317
Os professores que trabalham na ERUM têm vínculo profissional com a Secretaria
Municipal de Educação de Juazeiro. Uma reinvidicação do grupo é uma carga horária de
funcionamento da escola em tempo integral, para assegurar tempo de planejamento,
acompanhamento pedagógico e trabalho nas comunidades. Mas, tal proposta não foi aceita
pela prefeitura. Todo esse trabalho é realizado em outros expedientes, o que acontece como
fim. Tal fato fica evidente na fala a seguir:
A falta de apoio dos gestores públicos com a escola é grande, Sai governo e entra governo no município, e continua a mesma coisa. A gente trabalha com nosso compromisso e porque acreditamos na proposta, Toda a discussão que tem no Brasil sobre Educação do Campo, parece que o pessoal nos municípios nem toma conhecimento para efetivar essas políticas. Fica só a luta nossa! Dos professores para continuar com esse trabalho. (Educadora 1)
No início a Escola possuía coordenadores pedagógicos para acompanhamento do
trabalho na escola, contato com as famílias, orientação aos alunos. Isso não foi assegurado
pelo poder público e, atualmente, um professor dentro de sua carga horária desenvolve
também o trabalho de coordenação pedagógica do grupo, porém, não tem essa função nem
carga horária específica por parte da Secretaria de Educação.
Do ponto de vista do pessoal técnico-administrativo, a escola conta com um número
pequeno de profissionais, que se revesam para manter a escola organizada, como podemos
observar no quadro a seguir.
318
Função Sexo Escolaridade Tempo de
ERUM
Local de Moradia
Secretaria F Magistério 10 Saquinho
Apoio Limpeza F Ensino Médio 05 Poções
Apoio Merenda F Ensino Médio 10 Lagoinha
Fonte: Secretaria da ERUM 2008.
Quadro 28 - Pessoal Técnico-Administrativo da ERUM por sexo, tempo de atuação e local de moradia 2008
Os dados nos mostram que o pessoal técnico é do sexo feminino, possui escolaridade
de nível médio e já atua na ERUM há mais de 05 anos. Todos moram em comunidades de
Massaroca.
A formação da equipe também ocorre em serviço, pela troca com os colegas mais
antigos e nos momentos do planejamento coletivo, conforme podemos ver nos relatos:
Quando eu cheguei, vi que aqui o trabalho era muito diferente do que eu fazia noutras escolas, tive que ir aprendendo na experiência com os colegas, no planejamento do itinerário na escola, no trabalho com os estudantes em sala de aula. É tanto que eu podia ficar numa escola lá em Juazeiro, mas eu prefiro vir todo dia pra cá, porque a gente tem autonomia, sente que os estudantes querem aprender e como a escola trata do contexto do campo: da vida das pessoas que vivem aqui. A gente acaba se envolvendo com as questões da comunidade, com as pessoas, cria vínculos. (Educadora 2)
A autonomia no trabalho docente é sinalizada pelos educadores (as) como um
diferencial da escola em relação a outros, o que motiva a sua permanência e envolvimento
com a dinâmica escolar e comunitária.
Prática gestora: participação na gestão
A prática gestora da Escola assume um movimento institucional de participação do
coletivo na formulação, definição e implementação das estratégias e atividades
administrativas e pedagógicas. Essa participação na gestão é traduzida nas formas de trabalho
na escola, ritos e normas como, por exemplo, o calendário escolar que é discutido com toda a
equipe da escola, para definir as datas definidas pela Secretaria Municipal de Educação e as
319
atividades específicas da Escola. Após esse procedimento, o calendário é encaminhando para
a Secretaria de Educação e para o CAAM (ANEXO F).
O Comitê tem uma participação na escola, principalmente no que se refere às decisões
mais gerais de funcionamento administrativo e pedagógico. No cotidiano, isso é feito com o
coletivo da equipe pedagógica da escola.
Nos últimos anos, segundo os depoimentos, a participação do CAAM e dos parceiros
tem diminuído, o que acarreta dificuldades para o fortalecimento e ampliação da proposta da
Erum, conforme podemos ver nos depoimentos:
O CAAM já teve uma participação mais ativa nas questões administrativas e pedagógicas da escola. Não sei o que anda acontecendo com o CAAM, se são as mudanças externas ou internas que estão afetando o trabalho. Depois antes existia muita parceria CIRAD, EMBRAPA, EBDA, Universidade. Estas parcerias se afastaram mais, e isso impactou também a escola, pois, antes, além dos espaços de formação que tínhamos, eles davam suporte para os projetos desenvolvidos pela comunidade. Parece que todo mundo está sentido esse afastamento dos parceiros. (Educador 3) Antes tinha muita parceria, mas depois os parceiros foram se afastando, porque achavam que já podíamos caminhar sozinhos. É verdade em parte. Temos muita coisa que podemos fazer. Agora sem apoio nem do poder público fica difícil, porque muita coisa acaba saindo até do nosso bolso para que as coisas possam acontecer. E eu acho isso errado, mais vamos fazer o que? (Gestora da escola).
As parcerias, portanto, têm um papel a desempenhar na proposta pedagógica da
ERUM. Embora com uma equipe educativa atuante, e que assume as responsabilidades de
forma coletiva e compartilhada, algumas questões necessitam de apoio de parceiros e do
poder público para atingir um resultado significativo interna e externamente à escola.
O projeto pedagógico da escola inscrito num processo de democratização requer
necessariamente um planejamento coletivo do cotidiano da escola, no desenvolvimento do
itinerário pedagógico e na divisão das responsabilidades no grupo:
Aqui é um colegiado, todo mundo faz tudo, ninguém faz distinção se é professora, servente... Quando temos que organizar as atividades todo mundo participa. A gente vem no sábado para ir para as comunidades fazer pesquisa, tem semana que 08 horas da noite nós estamos reunidos lá em Juazeiro, fazendo planejamento. É importante esse compromisso do grupo numa proposta como essa, mas precisamos que isto também seja reconhecido institucionalmente. (Educadora 1)
320
O esforço docente para concretizar as intenções geradas, discutidas pelo projeto
pedagógico da escola é o que assegura que elas se efetivem como ações na prática em sala de
aula.
No que se refere aos estudantes, existe uma intensa participação dos mesmos nas
atividades de sala de aula: na elaboração dos roteiros de pesquisa na comunidade, na
realização das entrevistas com a comunidade, na sistematização dos dados pesquisados e na
devolução das informações para a comunidade.
No entanto, embora conste no regime interno da escola a constituição do grêmio
estudantil, atualmente os alunos não possuem nenhuma forma de organização coletiva
enquanto discentes, como atesta o depoimento seguinte:
Anteriormente tinha uma organização dos estudantes, talvez porque tivessem mais idade. Nós tínhamos alunos com 20 anos, que participavam do comitê, mães de família. Isso dava uma clareza da importância de se organizar coletivamente. Agora eles, estão chegando muito novos aqui na escola, temos da educação infantil, e temos alunos terminando o ensino fundamental com 14 anos. Então, quando começam a amadurecer mais, chega a hora de ir para outra escola, que não trabalha nada do que fazemos aqui. Embora a gente levante a questão, eles ainda não conseguiram se organizar num grêmio ou algo equivalente. (Educador 3)
Tal fato evidencia que a organização estudantil na escola precisa ser pensada,
considerando a faixa etária dos estudantes, seu contexto, portanto, não ter um modelo único
predefinido.
Dimensão epistemológica: a concretização dos conteúdos da realidade no itinerário
pedagógico
A proposta filosófica e pedagógica da ERUM tem como referencial a realidade social,
política, econômica, ambiental e geográfica das comunidades rurais que compõem o CAAM.
No entanto, esse referencial é visto como um ponto de partida para uma abordagem global da
realidade do Semiárido e a convivência dos Seres Humanos dentro dessa realidade.
O processo de estruturação do Itinerário Pedagógico consiste em três momentos
fundamentais, conforme detalharemos a seguir:
321
Desenho do Itinerário Pedagógico feito por estudante Foto 29: Silva, 2008.
Legenda: IR Ida à realidade (a observação) também chamado de estudo do meio; TC Tratamento Científico (a busca da compreensão) ou aprofundamento
das informações; VR Volta à Realidade (a busca da transformação) ou intervenção
A organização de cada etapa do itinerário pedagógico se orienta pelas fichas
pedagógicas, organizadas por unidades, a partir de cada bloco temático. No ano de 2008,
como não contavam na escola com uma coordenação pedagógica, não foram estruturadas
fichas específicas para o trabalho com a comunidade Caldeirão do Tibério (comunidade a ser
estudada durante o ano de 2008).
A experiência do grupo com o planejamento do itinerário pedagógico e os objetivos de
cada bloco temático a ser trabalhado orientaram, na prática, o planejamento, conforme as
possibilidades e o saber que já possuíam, como explica o educador 4:
Esse ano a gente não conseguiu montar uma ficha pedagógica específica para o estudo desta comunidade. No planejamento quinzenal, a gente vai discutindo e elaborando cada momento, e as responsabilidades de cada
322
professor na formulação, aprofundamento e sistematização em sala de aula. É claro que a ficha dá mais segurança, principalmente, para o pessoal que é mais novo na proposta. Mas precisa que alguém dedique tempo, organizando, estruturando, discutindo com o grupo, reformulando, e no momento, não temos essa pessoa com essa dedicação. (P4)
A organização curricular se dá a partir de blocos temáticos, que selecionam e
estruturam os conteúdos a serem distribuídos e sistematizados em sala de aula155.
Atualmente os blocos temáticos são:
Gráfico 20 Organização Curricular ERUM
Cada bloco temático é um agrupamento de temas geradores que fazem parte do
de todas as
disciplinas. Cada bloco temático tem uma disciplina que coordena seu processo de pesquisa e
sistematização e que possibilita a articulação e integração dos conteúdos com as demais áreas
de conhecimento.
155 Nos primeiros anos os temas escolhidos foram: agropecuária, cultura e civilização, atividades de
transformação e serviços e saúde de nutrição. Com a vivência da metodologia, esses temas foram readequados para os temas atuais.
323
BLOCO TEMÁTICO TEMATIZAÇAO DISCIPLINA COORDENADORA
ESPAÇO
Origens e evoluções dos espaços do mundo rural e urbano e do planeta
Geografia
ORGANIZAÇÃO SOCIAL Processo de organização social dos homens e das mulheres rurais na família, na comunidade e na sociedade.
História e Português
PROCESSO PRODUTIVO Processos produtivos e tecnológicos no rural nordestino e no semiárido. Processos de beneficiamento da produção, comercialização,
Empreendedorismo e Matemática
NECESSIDADES DE VIDA
Problemas sociais, ambientais, saúde, sanitários do Semiárido.
Ciências e Educação Física
CONVIVIO SOCIAL Relação escola e comunida, animação cultural, convivência dentro e fora da escola, estudos dos aspectos sociais, políticos e culturais das comunidades que compõem a escola.
Transversal a todas as disciplinas
Fonte: Organizado pela autora a partir de documentos da escola.
Quadro 29 Bloco temático, tematização e disciplina coordenadora
Esses blocos temáticos foram definidos pela equipe educativa e parceiros, com a
finalidade de integração do currículo e organização do tempo curricular. Cada tema determina
uma sequência ou unidade de ensino, condicionando o tempo de sua duração. Assim, não
existe uma predeterminação de tempo para cada tema, que é trabalhado conforme o itinerário
pedagógico que pode ser assim representado:
324
Gráfico 21 - Itinerário Pedagógico da ERUM
trilhar o caminho
comunidade que será estudada durante o ano. Em seguida, a escola se mobiliza para organizar
o primeiro passo do itinerário que é o estudo da realidade, definindo diferentes instrumentos
para sua realização. No ano de 2008, foram definidos os seguintes instrumentos: construção
da história da comunidade, o estudo da paisagem, a construção do mapa mental da
comunidade e a pesquisa de campo.
O planejamento do primeiro passo transforma a escola num processo de produção de
conhecimento, com diferentes atividades, realizadas por todas as turmas. Por exemplo, a
organização do roteiro de entrevista com a moradora mais antiga para resgate da história,
organização dos itens de entrevista de cada bloco temático, divisão dos grupos para o estudo
da paisagem, aprofundamento e estudo em sala de aula dos instrumentos a serem utilizados:
mapas, entrevistas, observação etc.
A organização dos grupos para pesquisa é registrada e socializada com toda a escola,
bem como os professores responsáveis por cada grupo. O mural da escola é um instrumento
de comunicação e socialização das definições coletivas, como pode ser visto na foto n° 30:
convivência com o
semiárido
Conhecimentos prévios sobre a
comundiade
organização da pesquisa - inqueridto -
blocos temáticos
ida à comunidade sistematização dos
dados
aprofundamento dos conteudos
socialização
devolução a comunidade
325
Mural com a divisão das equipes Foto 30: Silva, 2008
cheio de implicações mútuas e interdependências. Daí partir para compreender cada elemento
e depois deste trabalho analítico, reconstituir
(SENA, apud Reis, 2006, p. 46)
Cada bloco temático tem como objetivo o aprofundamento de um determinado aspecto
da realidade social, econômica, produtiva e geográfica da comunidade. A divisão das
temáticas considerou a faixa etária do grupo, no ano de 2008, ficando organizadas de forma
que descrevemos a seguir.
Da Educação Infantil até o 5° ano objetivou-se o resgate, a vivência e o
aprofundamento da dimensão cultural da comunidade. Para isso, realizou-se levantamento das
brincadeiras da comunidade de antigamente e de hoje; lendas e ditados populares existentes
na comunidade; e danças e músicas da comunidade. Na sala de aula, a dimensão lúdica,
corporal e afetiva predominou durante todo o trabalho de resgate da memória cultural da
comunidade, com atividades de artes plásticas, cênicas e educação musical.
O 6° ano coordenou o processo de pesquisa e sistematização do bloco temático
espaço, com a finalidade de compreender a rede de relações dentro do espaço, no que se
refere à geografia, à ocupação do espaço, à relação com a natureza, à relação entre as pessoas
e como ela interfere na produção da existência na comunidade. Na sala de aula, a produção
326
escrita, a leitura, o mapa mental e o estudo da paisagem foram atividades que envolveram o
grupo.
O 7° ano coordenou o processo de pesquisa e sistematização do bloco temático
processo produtivo, enfatizando inicialmente as condições de vida. Buscou identificar as
condições de vida das famílias nos aspectos de renda, vida educacional, moradia, trabalho e
lazer. Na sala de aula, a construção de gráficos, tabelas, quadros, debates sobre orçamento
familiar, geração de renda, beneficiamento e comercialização da produção contribuíram para a
sistematização das informações coletadas durante a pesquisa.
O 8° ano coordenou o bloco temático necessidades da vida, enfatizando inicialmente
as condições de saúde na comunidade, com a finalidade de aprofundar a compreensão da vida
comunitária em todos os aspectos relacionados à saúde coletiva e individual. Na sala de aula,
o estudo sobre alimentos, nutrição, doenças existentes na comunidade, remédios
homeopáticos, ervas medicinais e saúde pública no Brasil foram conteúdos trabalhados e
sistematizados.
O 9° ano coordenou o bloco temático organização social e desenvolvimento da
comunidade, com a finalidade de identificar as relações comunitárias, os atores sociais
presentes na comunidade, os processos organizativos e as estratégias de desenvolvimento
sustentável existente. Na sala de aula, o grupo se empenhou na elaboração de projetos de
intervenção nos principais problemas identificados na comunidade.
Nesta primeira fase, a construção de três instrumentos articula o aprofundamento dos
conteúdos pedagógicos e as atividades que são desenvolvidas em sala de aula: o estudo da
paisagem, o mapa mental e a elaboração dos instrumentos de pesquisa de campo, cujos
objetivos são estabelecidos nos textos abaixo:
Estudo de paisagem é o retrato da comunidade, onde se observa a natureza, o solo, os recursos hídricos, as casas, as roças, as plantações, os animais e as pessoas. Para realizar esse estudo, precisamos aprender a nos localizar e nos orientar no espaço. Conhecendo os pontos cardeais e assim perceber a localização da comunidade a ser pesquisada, e com quem ela se limita ao norte, ao sul, ao leste e ao oeste. O Estudo da Paisagem é importante porque representa o espaço da comunidade com seus elementos, através do desenho que nós chamamos de mapa. (texto coletivo do 6° ano) O mapa mental é um instrumento que ajuda o estudo da realidade. Primeiro, os colegas que são da comunidade falam sobre ela, faz um desenho inicial, depois no dia de ida à comunidade, as pessoas do lugar juntamente com os professores e os alunos fazem o mapa da comunidade. Para isso, a gente se orienta pelos pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste), e as pessoas da comunidade vão dizendo tudo que tem em cada local, e os colegas vão
327
desenhando, ele serve para orientar o estudo da paisagem. Depois na escola a gente faz um mapa mental final da comunidade. (texto coletivo do 6° ano) Os instrumentos da pesquisa de campo são os questionários e roteiros de entrevistas que a gente organiza dentro de cada tema, para ser feito com as pessoas da comunidade, para saber: características geográficas da comunidade; condições de vida; a saúde do lugar, a história da comunidade. (texto da turma do 7° ano)
A elaboração desses instrumentos suscita o aprofundamento de vários conteúdos
pedagógicos em sala de aula como, por exemplo: o que é espaço, orientação espacial,
construção de escalas métricas, o que é uma entrevista, o que é um questionário, mapas, o
que é comunidade, como se formam as comunidades, fontes de renda, tipos de trabalho, saúde
individual e coletiva etc. Isso se faz a partir de diferentes atividades: desenhos, registros
escritos, debates em sala de aula, pesquisa sobre a temática nos livros, elaboração de
questionários, elaboração de convites, construção de textos coletivos, realização de cálculos
matemáticos etc.
Ida à comunidade: processo de aproximação e conhecimento da realidade social
O sábado foi o dia melhor para a comunidade receber a escola, para possibilitar a
participação de todos os professores, funcionários e estudantes. O trabalho de campo teve
início numa área escolhida pela comunidade, o leito de um rio que naquele período estava
seco, o que permitiu a acomodação de todas as pessoas em círculo para acompanhar o relato
da história da comunidade, narrada pela moradora mais antiga.
A entrevista foi conduzida e gravada pelos professores, para ser transcrita e,
posteriormente, trabalhada em sala de aula pelas turmas.
328
Narrativa da história da comunidade por moradora Foto 31: Silva, 2008.
O momento de narrativa da história da comunidade por uma moradora mais antiga
representa o encontro de gerações idosos, crianças e adolescentes - e dos saberes
acumulados por geração, o que assume um papel fundamental no itinerário pedagógico,
conforme podemos verificar no depoimento a seguir:
A história da comunidade é muito importante, pois a gente resgata os conhecimentos dos mais velhos da comunidade, valoriza o seu saber, resgata a importância da memória. Eles ficam muito satisfeitos em contribuir com a escola, e principalmente de poder ensinar alguma coisa para a escola. (Educadora 2)
O processo de coleta das informações começa pela entrevista com os moradores mais
antigos, que ajuda os educandos (as) a construírem o mapa mental da comunidade. Para isso,
o processo vai sendo materializado a partir da localização dos pontos cardeais pelos
estudantes e debate com os moradores do que fica localizado em cada lugar:
329
Educando localizando os pontos cardeais da comunidade Foto 32: Silva, 2008.
Após a localização e discussão com os moradores, numa folha de papel madeira
grande, começaram a desenhar o mapa. Nesse momento, alguns pontos são destacados pelos
moradores no desenho: a estrada foi o primeiro a ser desenhado e serviu de referência para
localização das moradias. Houve o destaque para a energia elétrica que foi colocada
recentemente na comunidade; a construção das cisternas para armazenamento de água; a
localização do cemitério na comunidade; o fundo de pasto; e a existência na comunidade de
algumas casas que estão fechadas porque as pessoas mudaram para a cidade para trabalhar ou
porque os filhos precisavam continuar os estudos. Isso pode ser visto no mapa produzido
pelas crianças:
330
Mapa mental da comunidade Caldeirão do Tibério Foto 33: Silva, 2008.
Com o mapa mental, os alunos foram distribuídos em grupos para o levantamento das
informações de cada bloco temático. Cada grupo de dois estudantes e dois professores
coordenadores realizaram as visitas às casas.
Entrevista com os moradores Fotos 34 e 35: Silva, 2008.
Esse momento de levantamento das informações junto a cada família residente na
comunidade tem um significado para os envolvidos no trabalho, como destaca o estudante:
331
Para mim é fundamental para a gente aprender. Fazer o estudo da realidade, pesquisar com as comunidades, conhecer o que eles fazem para a gente ajudar. Por isso que eu gosto muito da minha escola porque é diferente das outras. Ensina coisas novas sobre nossas comunidades (Estudante 1)
Para nós é um orgulho a escola vir na nossa comunidade, escutar a gente, procurar ver o que a gente tem aqui, como é nossa vida. Eu fico muito satisfeito de conversar com as crianças. De ver que eu posso ensinar alguma coisa, principalmente eu que não tive estudo. (Morador 1)
Após todas as equipes concluírem o levantamento das informações, o grupo retornou
para a escola para uma avaliação do trabalho, na qual foram destacados os pontos positivos e
os limites do trabalho, como foi o desempenho dos educandos (as), a coordenação do trabalho
pelos educadores (as), o envolvimento da comunidade e as questões que chamaram a atenção
do grupo. Discutiu-se os encaminhamentos e as responsabilidades de cada turma, na
continuidade do itinerário pedagógico.
O processo de sistematização e aprofundamento dos conteúdos: tratamento científico das
informações.
Esse momento do itinerário pedagógico ocupa um tempo cronológico significativo na
organização escolar e tem como finalidade o aprofundamento dos conteúdos identificados na
pesquisa da comunidade.
Um primeiro passo é a sistematização das informações coletadas, que são distribuídas
por turma para sua organização e análise, como podemos ver no quadro n° 30, para serem
apresentadas à comunidade posteriormente.
332
6° ANO 7° ANO 8° ANO 9° ANO Organização do mapa mental Registro da história da comunidade Organização dos dados gerais da comunidade: população, faixa etária, escolaridade, etc. Relatório das atividades que foram desenvolvidas na comunidade
Orçamento familiar Atividades produtivas desenvolvidas na comunidade Fontes de renda da comunidade Renda per capita individual, familiar e comunitária. Construção dos gráficos com os dados de condições de vida
Levantamento da situação de saúde na comunidade Fontes de água e seu uso Estatística dos principais problemas encontrados no que se refere à saúde individual e coletiva
Tabulação das entrevistas sobre organização da comunidade
Levantamento dos pontos positivos e negativos existentes na comunidade Sugestões que apareceram para o desenvolvimento da comunidade
Fonte: organizado pela autora a partir das definições do grupo
Quadro 30 Sistematização das informações a serem apresentadas a comunidade
O coletivo define que a primeira informação a ser trabalhada com a comunidade é
sobre o itinerário pedagógico da escola e os instrumentos utilizados para o levantamento das
informações durante o trabalho de campo. Em seguida, cada turma apresenta a sistematização
das informações coletadas dentro do bloco temático que estava responsável.
Durante e após a sistematização em sala de aula, as informação advindas da pesquisa
orientam os conteúdos a serem trabalhados em cada turma, conforme podemos ver no
exemplo de um planejamento quinzenal:
333
6° ano 7° ano 8° ano 9° ano Discutindo o estudo da realidade: estudo da paisagem Sistematização da pesquisa
Introdução ao estudo dos solos (conceito, importância, tipos, composição, perfil).
Impactos ambientais/problemas ambientais
Sistemas de produção: Calendário agrícola
Estudo sobre Fundos de Pasto
Discutindo o estudo da realidade: Inquérito de condições de vida
Rendimentos e despesas na família - renda per capita
Os programas do governo de geração de renda
Alimentação e a energia dos alimentos
SUS- Sistema Único de Saúde
A previdência social e aposentadoria rural
Discutindo o estudo da realidade: Inquérito organização da produção
Produção de bens na sociedade e atividades econômicas: agricultura, comercio e indústria
Atividades econômicas locais: caprinovincultura e agricultura
Comercialização
Técnicas de Marketing no empreedeorismo rural
Discutindo o estudo da realidade: Organização social
Sociedade: modos de produção
Grupos sociais liderança
A economia mundial e local
Organizações sociais
Cooperativismo
Fonte: organizado pela autora a partir de informações do planejamento
Quadro 31 Temáticas a serem trabalhadas em cada turma.
Alguns professores (as) demonstram mais facilidade em fazer a contextualização e
integrar os conteúdos às informações do que foi levantado na pesquisa, e inclusive enfatizam
a importância disso:
Nós trabalhamos 60% dos conteúdos a partir do estudo da realidade. As informações coletadas na pesquisa orientam o trabalho dos conteúdos em sala de aula. Para mim, isso é um diferencial desta proposta para outras escolas. Quer um exemplo? A maioria dos estudantes por ai passa a vida estudando geografia, e não sabem ler um mapa. Aqui nos construímos os mapas, legendas, escalas, fazemos a leitura de diferentes tipos de mapas, explicamos, entendemos o que significa cada tipo de mapa. Para mim, isso faz uma diferença danada na organização da escola, do currículo, de tudo. (Educador 1)
Outros já sentem mais dificuldades em fazer essa contextualização, principalmente,
este ano que não teve a elaboração das fichas pedagógicas, que ajudavam no planejamento
nunca fiz nem na Faculdade quando estudei, nem noutra escola, por isso, quando tinha as
334
No processo de aprofundamento dos conteúdos é adotada uma diversidade de
estratégias didáticas na sala de aula: desenhos, pinturas, tabelas, gráficos, textos coletivos,
quadros comparativos, músicas, dramatizações, experimentos na horta, debates, vídeos, com
momentos coletivos de socialização entre as turmas, para definição da forma de apresentar na
comunidade, o tipo de informação a ser destacada, a postura durante a apresentação, e quais
os pontos para debate com a comunidade após a apresentação.
As turmas da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental também
realizavam uma sistematização da temática da cultura, cuja estratégia consistia em:
levantamento oral das informações coletadas, registro no quadro pela professora das
informações, escrita de texto coletivo sobre o tema, trabalho de interpretação e análise do
texto, discussão sobre regras gramaticais e escrita das palavras, transformação do texto escrito
em outras formas de linguagem: desenho, pintura, recorte e colagem, dramatização, vivência
das brincadeiras, cantigas de roda e danças na sala de aula. Vejamos duas ilustrações do
trabalho abaixo:
Painel de registro das lendas Painel de registro das danças da comunidade Foto 36: Silva, 2008. Foto 37: Silva, 2008.
No que se refere à organização curricular da escola, existe a necessidade de um
aprofundamento da vivência do itinerário pedagógico, nas turmas de Educação Infantil e dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, que não estruturam seu trabalho a partir dos blocos
temáticos.
Todavia, mesmo com essas dificuldades no aprofundamento do conteúdo a partir das
informações da pesquisa, a articulação com as diretrizes curriculares para cada etapa da
Educação Básica e as orientações advindas da Secretaria de Educação, todas as turmas
335
possuem algo em comum: a participação dos estudantes no debate dos conteúdos em sala de
aula, o clima de camaradagem entre educadores (as) e educandos(as), a preocupação de que
o contexto das crianças seja o ponto de partida e uma preocupação ativa pela aprendizagem
dos estudantes.
Essas questões se expressam nos depoimentos abaixo:
Eu gosto muito de minha escola, porque é diferente das outras. Aqui todo mundo se conhece. Ensina coisas novas sobre nossa comunidade. É uma escola muito família. A gente se sente bem. (Estudante 1)
Aqui a gente não só estuda, a gente trabalha, a gente brinca. Aprende também fora da sala de aula. Eu gosto muito da horta pedagógica... E também ir para o estudo da realidade. (Estudante 2)
Aqui os professores são muito amigos. Conversam com a gente, orientam quando vê algo errado, explicam quando temos dificuldade, e ainda são engraçados, dizem brincadeira. A gente se sente a vontade na escola. (Estudante 3)
O que a escola tem me ajudado mais foi a estudar a realidade, a falar em público, antes eu tinha vergonha, ninguém nem ouvia a voz. E a pesquisa ajuda muito a comunidade. Quando a gente mostra os resultados mexe muito com a comunidade. (Estudante 4)
A dificuldade que eu vejo na escola é... as dificuldades financeiras. Eu não entendo... Porque os professores batalham muito. Era muito bom que a gente tivesse uma biblioteca, laboratório de informática, quadra de esporte.... A senhora viu?! A gente faz voleibol ali no campo de areia... (Estudante 1)
O gostar da escola, a pesquisa da realidade, o relacionamento como os professores (as)
e as mudanças que trazem para sua vida, aparecem nas falas dos estudantes, como sendo a
diferença entre a sua escola e as outras. Entretanto, parece que ela tem algo em comum com
outras localizadas no campo brasileiro: as dificuldades no seu financiamento e na sua infra-
estrutura.
336
Devolução na comunidade: fechando ciclo
O espaço escolhido para a socialização foi um pátio grande de uma casa,
possibilitando que os moradores e professores formassem um grande círculo, ficando as
crianças sentadas ao centro.
Foi feito uma dinâmica de entrosamento com uma cantiga de roda, que tinha sido
ensinada às crianças por uma moradora da comunidade durante a pesquisa, e em seguida a
apresentação de todos os presentes156.
Um dos professores falou sobre o objetivo da devolução, e a importância da
comunidade interagir com o que foi sistematizado para fazer acréscimos, correções,
sugestões, pois isso daria subsídios para a definição dos projetos individuais ou coletivos a
serem elaborados pelos estudantes, considerando as problemáticas identificadas e os
conhecimentos construídos.
Os grupos começaram a apresentação de cada bloco temático a partir do planejamento
elaborado na escola e, em seguida, circulava a palavra para complementações dos presentes,
que geralmente sinalizavam com algumas questões que eram registradas para o caderno de
relatório final com os inquéritos sistematizados por todas as turmas.
Devolução na comunidade Foto 38 e 39: Silva, 2008.
156 Nesse momento foi solicitado que nos falássemos dos objetivos da nossa pesquisa e o que estávamos fazendo
na escola.
337
Após essa devolução, os meses de final de ano foram dedicados à elaboração do
caderno de sistematização de cada bloco temático e à elaboração do Projeto de Intervenção
pela turma do 9° ano, que consistia num projeto coletivo de horta comunitária, que ficou de
ser apresentado à comunidade no início do próximo ano, para discussão de sua viabilidade.
Nesse momento se dá a ligação entre teoria-prática, escola-trabalho-comunidade com
a realização de uma proposta que ofereça algum produto para a comunidade, a
experimentação de técnicas, produção de conhecimentos que ajudem a comunidade a buscar
alternativas para suas problemáticas.
Uma novidade na escola neste período foi a aquisição de uma rádio com os recursos
provenientes do Programa Dinheiro Direto na Escola. A rádio estava instalada em todas as
salas de aula, e no pátio da escola, e durante o horário de entrada, recreio e saída realizavam
apresentações: músicas, poesias, avisos, leitura de notícias. Em alguns momentos toda a
escola se reunia para ouvir noticiários da rádio local ou então para ouvir música e dançar.
No que se refere à prática avaliativa, ela é parte integrante do itinerário pedagógico,
dimensões quantitativas e qualitativas, utilizando-se de diferentes instrumentos, conforme a
natureza do que está sendo avaliado: relatório de visita de campo, fichas de observação,
produção de texto, exposições orais, testes escritos, etc..
Podemos perceber que a escola, através dos conhecimentos trabalhados, tem gerado
uma rede de relações entre a família, a escola e a comunidade, existindo no grupo o desejo e o
compromisso de fazer o novo, de buscar mudanças e, principalmente, de contribuir com a
comunidade para que ela possa refletir e intervir em sua realidade de forma organizada e
coletiva.
338
VII CAPÍTULO - ESCOLAS DO CAMPO: CENÁRIOS PLURAIS DE REDE DE RELAÇÕES DE SABERES, SUJEITOS E RITUAIS
339
O que vincula escola, trabalho, cidadania, mercado não é apenas o conteúdo de cada matéria, mas, sobretudo a escola mesma, seus valores, lógicas, significados, símbolos, relações sociais nem sempre explicitadas e assumidas, porque cotidianizadas, institucionalizadas e rotinizadas. A escola, seus valores, sua cultura, suas relações sociais são decisivas para o aprendizado das relações de produção.
Miguel Arroyo
As práticas pedagógicas das Escolas do Campo, sua dinâmica de funcionamento, a
organização do trabalho pedagógico e suas práticas curriculares constituem o objeto deste
capítulo.
Entrar no cotidiano das escolas do campo foi fundamental para a análise e
entendimento das suas práticas pedagógicas e para percebê-la como um espaço-tempo
privilegiado de materialização das contradições existentes na sociedade e das políticas
educacionais, mas também, de aprendizagem de suas singularidades cotidianizadas numa
organização curricular.
São muitas as possibilidades do ensinar - aprender na direção da formação humana,
nas interações entre os sujeitos educador-educando, na interlocução entre saberes populares e
científicos, num ciclo do conhecimento que tem origem na pergunta e que, portanto, reinventa
a Escola no Campo.
Entender a vida da Escola exigia, assim, a convivência com sua dinâmica. Essa
postura é fundamental, segundo Marli André (1995, p. 42), para o estudo da prática escolar,
que não deve se restringir a um mero retrato do que se passa no seu cotidiano, mas envolver
um processo de reconstrução dessa prática, desvelando suas múltiplas dimensões, refazendo
seu movimento, apontando suas contradições, recuperando a força viva que nela está presente.
Portanto, nos interessou a dinâmica da sala de aula, mas logo percebemos que a prática
pedagógica não se esgotava nela, pois gerava processos que antecediam e decorriam do
trabalho que desenvolvia.
Com base nos estudos sobre a prática pedagógica (FREIRE, 1978, 1996, 2008;
FREITAS, 1987; SOUZA, 2001, 2006, 2009), a entendemos como ação coletiva desenvolvida
na instituição escolar e fundada numa concepção de mundo-ser humano-educação, organizada
no contexto cultural do campo, conformada pelas interações entre diferentes sujeitos
(docentes, discentes, gestores, técnicos administrativos), na apropriação e ampliação dos
conteúdos pedagógicos que os ajudem a compreender e atuar nesta realidade.
340
Nesse sentido, a categoria analítica prática pedagógica, enquanto movimento
permanente entre ação-reflexão-ação perpassa o trabalho pedagógico de todos os lugares
institucionais, gerando a necessidade de uma intervenção consciente no contexto, referenciada
nos conhecimentos científicos e vinculada à realidade social dos sujeitos da escola. Dessa
forma, a elaboração de finalidades e a produção de conhecimento, na indissolúvel unidade
pensamento/ação, são resultantes da atividade da consciência, o que permite ao ser humano
conhecer para agir e se conhecer agindo.
A organização do trabalho escolar é o responsável pela instituição daquilo que Jean-
Claude Forquin (1993) chama de mundo social da escola, ou sej
de vida próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de
167).
7.1 O itinerário pedagógico das Escolas do Campo como tessitura de saberes, fazeres e
sujeitos na mediação com o conhecimento
A maneira de olhar, escutar e observar o itinerário pedagógico de cada escola nos
possibilitou compreender a forma como organizavam o trabalho escolar, o trato com o
conhecimento, o envolvimento dos sujeitos na produção do conhecimento, a dinâmica
instaurada na gestão escolar e o desenvolvimento da prática docente.
A tessitura de fios que teciam os caminhos nos quais cada escola materializava sua
prática pedagógica se evidenciava num instrumento articulador de uma rede de saberes,
fazeres e sujeitos no processo de produção do conhecimento. Esse entrelaçamento de relações
denominado por algumas propostas como itinerário pedagógico constitui e institui as relações
entre os educadores (as) e educandos (as), organiza o trabalho pedagógico, seleciona e
organiza os conteúdos pedagógicos trabalhados em cada escola.
O movimento contraditório de cada contexto sócio-cultural e educacional das
comunidades e municípios, nos quais se inserem as escolas, imprimem traços de singularidade
em cada uma delas, e faz com que o Itinerário Pedagógico cada vez mais ganhe uma
dimensão de itinerância pedagógica.
itinerância representa o percurso estrutural de uma existência concreta e inacabada, seja de
341
uma multiplicidade de itinerários contraditórios e aprendizados que se mesclam numa trama
de transformações e permanências.
Esse movimento de transformações e permanências de aprendizado reflete-se na fala a
seguir:
quando a gente começou foi quebrando a cara... não tinha muita coisa escrita a respeito. A gente vai fazendo uma série de ensaios e erros. Refletindo sobre o que a gente tava fazendo e percebendo os melhores caminhos. Então não é assim, um rumo certinho. A prática vai ensinando a todo mundo. As pessoas vão mudando: estudantes, professores, a comunidade. As concepções, as ideologias que as pessoas chegam aqui, às vezes geram dificuldades para vivencia da proposta, então vamos estudando, fazendo, refletindo, e vamos reorientando os rumos (Gestora de Escola 1 )
A itinerância pedagógica se organiza num movimento, no qual
ensinando a todo mundo
A participação dos
sujeitos da escola se redimensiona na interação com o conhecimento construído a partir da
pesquisa da realidade, sua sistematização e aprofundamento em sala de aula e na interação
com a comunidade.
A escola torna-se um centro de produção do conhecimento no qual a realidade social
torna-se conteúdo pedagógico básico, conforme podemos ver nos depoimentos abaixo:
Como professora, o que tenho aprendido mais é com a convivência com os estudantes. Eu aprendo muito da realidade do campo com eles na sala de aula. Esse tempo que eles ficam na escola, a gente tem que ser um pouco de tudo: professora, orientadora, amiga, e isso leva a conhecer mais a realidade das comunidades que eles vivem. Para mim que sempre vivi na cidade, isso é um aprendizado, o valor do trabalho, a articulação entre teoria e a prática. (Educadora 1)
Depois que eu entrei aqui aprendi a dar valor a minha terra, a minha família, a comunidade onde vivo. A importância que tem a prática para a gente aprender... Eu nunca tinha pesquisado coisas sobre a realidade, esses diferentes assuntos. Aprender não somente as matérias, mais a convivência com as pessoas. Aqui os professores são mais interligados com a gente. Os professores te conhecem em qualquer lugar que te encontra, te ajudam, dialogam com a gente. A gente percebe que eles se preocupam que a gente aprenda. (Estudante 3).
Eu tenho aprendido muito com a escola. Aprendemos mais trabalhar com o solo não fazendo queimadas, não cortando as árvores e sim fazendo cobertura de folhas secas, outros mais que servem para subsistência do solo.
342
Aprendemos como fazer nosso plantio de uma forma mais estruturada, como obter semente de boa qualidade para colhermos boa alimentação para nossa família. (Pai de estudante 2)
Depois que eu vim trabalhar aqui eu me transformei. Eu comecei a notar inclusive a diferença das escolas que minhas filhas freqüentam, pois é uma
não estudam nada do campo, ficam distante do trabalho que a gente na família, vai realizando. Eu comecei a olhar minha propriedade de forma diferente. Além disso, os estudantes ajudam muito nosso trabalho, são interessados, participativos, cooperam muito com os trabalhos, eu me admirei muito com o trabalho, principalmente dos meninos. Eles fazem tudo: lavam, limpam, organizam as coisas, não tem essa história porque são homens (Técnico-administrativo 2)
A valorização do trabalho no campo, a realidade social tomada como conteúdo da
escola, a apropriação, interpretação, sistematização e ampliação dos conhecimentos para
intervir na realidade do campo aparecem nas falas como mudanças trazidas pela prática das
escolas.
Os saberes dos sujeitos se tornam conteúdos em sala de aula:
e o aprendizado extrapola o espaço da sala de
aprendemos mais trabalhar o solo, não fazendo queimadas, não cortando as árvores, e
Assim, nas Escolas do Campo, a aprendizagem é
para a vida, mas a vida também torna-se uma escola, à medida que se constrói um movimento
de aprendizado entre a escola e a comunidade.
Essas práticas modificam a dinâmica no interior da sala de aula e da escola, bem como
nos espaços familiares e de trabalho, nos quais a convivência entre os pares e a participação
torna-se fundamento de organização do trabalho escolar e, consequentemente, condiciona e
explica as relações com os espaços que estão ao seu redor.
A organização do espaço da escola, enquanto interação entre as pessoas e os recursos
para atingir os objetivos propostos para o ensino aprendizagem, explicita-se na organização
do espaço físico e do espaço pedagógico.
Na organização do espaço físico, predomina na maioria das salas de aula a organização
em semicírculos, pequenos grupos, duplas. As aulas se alternam em exposições, debates,
seminários, leituras, pesquisas em sala e em campo, e, por meio da criatividade dos
educadores (as) e educandos (as) na construção de jogos didáticos, mapas, gráficos,
desenhos, pinturas e textos coletivos, reinventam-se os materiais pedagógicos em sala de aula.
343
A organização do espaço físico não se dá de forma aleatória, mas a partir de uma
reflexão e definição coletiva. Por exemplo, o agrupamento dos educandos (as) em sala de
aula: por faixa etária, convivência, disciplina, interação na aprendizagem, competências e
conteúdos a serem construídos. Esses critérios podem ser definidos no planejamento do
período ou no decorrer das aulas por cada educador (a) como, por exemplo, a ajuda mútua e a
cooperação entre os educandos (as), conforme podemos verificar no depoimento seguinte:
durante essa semana vamos trabalhar com a turma organizada em duplas. É que, no planejamento, avaliamos cada um deles e percebemos quem poderia ajudar mais o outro neste período, porque uns têm mais dificuldade num conteúdo e o outro ajuda, outros têm mais dificuldade de se concentrar, então podemos junto com alguém que é mais centrado, o que facilita muito o trabalho. (Educadora 3)
A ênfase no trabalho em grupo, na maioria das salas observadas, não aboliu a
produção individual dos educandos (as). Segundo as educadoras, a produção individual dos
educandos (as) é importante para que possam analisar suas dúvidas, dificuldades,
potencialidades, possibilitando informações para o acompanhamento da aprendizagem e
avaliação no processo:
E importante fazer as atividades individualmente, porque a gente fica com mais elemento para verificar as dificuldades de cada um. Então, a gente organiza quem precisa de reforço, em que conteúdo. Isso foi ajudando muito a diminuir o número de repetência na escola. (Educadora 4)
A gestão da sala de aula é entendida como mediação das ações e interações entre
educandos (as) e educadores(as) em sala de aula, no manejo do conteúdo, na resolução de
conflitos, na responsabilidade pela disciplina, predominando uma postura democrática em
sala de aula. A maioria dos educadores (as) assume a responsabilidade pela organização da
sala e pela mediação pedagógica dos conteúdos, estimulando um clima de participação, de
valorização dos saberes e experiências dos educandos (as), de diálogo na perspectiva de
construção do conhecimento e de afetividade na forma de tratar com carinho e atenção a
turma.
É comum observar as educadoras (es) durante as aulas circular pela sala para
acompanhar o trabalho individual e coletivo dos educandos (as), tirar dúvidas, dar sugestões,
levantar questionamentos, utilizando diferentes estratégias para facilitar o processo de
ensino-aprendizagem, como é possível destacarmos no trabalho em sala de aula:
344
(...) a professora vai anotando no quadro em forma de uma listagem as informações que as crianças lêem sobre a temática. As crianças sentadas em círculo vão falando e passando a palavra adiante (parece uma regra já construída na turma). A professora termina de escrever a listagem e pede para alguém ler em voz alta. A criança pergunta se no quadro ou na cadeira
com o dedo faz a leitura das palavras. A professora chama a atenção para o tipo de texto que está escrito no quadro: listagem. Explica qual sua finalidade e como deve ser organizado. Em seguida, pede para as crianças se organizarem em pequenos grupos, e construírem um texto sobre dança, usando as informações que foram anotadas. As crianças se organizam em pequenos grupos e começam a discutir como fazer o texto; enquanto isso, a professora vai circulando entre os grupos, esclarecendo as dúvidas e dando sugestões para organização do texto (...) (registro de aula no diário de campo)
A explicação sobre o trabalho em grupo, a ideia de responsabilidade e solidariedade,
avaliar e discutir os problemas e o agir, de acordo com suas capacidades e experiências,
também faz parte do acompanhamento das educadoras (es):
(...)
P157 E (nome do educando) vai ficar neste grupo. Porque ele vai ter o papel de ajudar aos colegas a registrar o que eles pesquisaram sobre a alimentação dos animais. Então, primeiro tem que discutir o tema, ouvir todo mundo, e depois ele vai ajudando o grupo a escrever. Entendido?
C Mas ele vai fazer?
P Não ele vai ajudar. O grupo todo vai fazer. Cada um fala o que pesquisou, outro desenha, e ele escreve o texto. (...) (registro de trecho de aula no diário de campo)
A interação entre educador-educando e educando-educando de forma participativa,
estimulando a aprendizagem, a partir de diferentes estratégias individuais e coletivas, é
predominante nas salas de aula, como mostra o trecho de uma aula na Educação Infantil.
(...) P - Gente eu vou contar uma historinha! Sabe como é o nome dela? C Não (em coro) P A Lenda do Minhocão! Alguém conhece essa história? Uma criança levanta a mão. P Fala pra gente então? A criança relata alguns trechos da história P - Muito bem! F. Então vamos ouvir a história como está escrito aqui no texto? Vamos fazer o seguinte: Fiquem na posição que acharem mais confortável e fechem os olhos. Eu vou contando e vocês vão imaginando a história. (a maioria das crianças se deita no chão da sala. E ela começa a circular entre eles contando a história com entonação diferenciada para cada trecho)
157 A letra P nos registros de aula indica a fala das professoras e a letra C das crianças.
345
P Pronto gente, pode abrir os olhos!. E agora quem quer contar o que viu? As crianças começaram a contar vários detalhes da história. P E o que essa história tem a ver com nosso município? C Por que foi a santa que protegeu C A santa ficou nas grutas, e foram os índios quem encontrou C- Ai fez a igrejinha para santa, e foi construindo as casas, até ficar a cidade grandona P Isso! Então agora vocês vão passar a história para o papel. (...) (registro do diário de campo)158
O resgate dos conhecimentos prévios das crianças sobre as temáticas estudadas para um
aprofundamento em sala de aula é uma atitude constante. Todavia, a interação dos educadores
(as) e os (as) educandos (as) com os conteúdos não se limita à sala de aula, abrange a escola
como um todo e as atividades planejadas para acontecer em outros espaços: na comunidade,
nas visitas a espaços públicos, nas aulas de campo, atividades esportivas e recreativas na sede
do município ou em outras comunidades, nas manifestações político-culturais, participação em
debates e seminários. São essas diversas atividades que acontecem fora da sala de aula que
parecem dar corpo à outra face do projeto da escola formar para a cidadania, preparando o
cidadão e a cidadã para atuarem no mundo em que vivem e serem sujeitos de sua
transformação.
Nesse sentido, nas Escolas do Campo, o espaço pedagógico ultrapassa a sala de aula,
pois acontece também na comunidade, na participação de atividades formativas desenvolvidas
por outras instituições, dos quais os educandos (as) são orientados a participar. Nesse sentido,
vejamos os registros abaixo:
Levantei as 06h00min horas fui para estrada arranjar carona para ir a Orizona participar do curso sobre homeopatia na agropecuária orgânica. Foram realizadas palestras e uma oficina. O curso começou as 08h00min horas e terminou as 18h00min horas. (...) (registro de caderno de acompanhamento estudante do2° ano da EFAORI).
Foi muito bom a gente participar dos jogos, porque a gente aqui sem ter campo para treinamento, material suficiente, mais chegamos lá e fizemos bonito. Também, é bom participar porque a gente conhece o pessoal de outras escolas (Estudante do 9° ano da ERUM).
158 A professora estava trabalhando as lendas existentes na comunidade. Uma delas é a lenda da origem da
csalvou os moradores do lugar de um monstro existente nas águas do São Francisco. Até os dias atuais Nossa Senhora das Grotas é a padroeira de Juazeiro e é venerada numa capela construída nas grutas, na qual, segundo a narrativa, foi encontrada pelos índios que habitavam a região.
346
Quando tem a feira de ciências na cidade, é bom porque a gente leva o que produzimos na escola, vai muita gente ver nossos trabalhos, conhecer o resultado das pesquisas que a gente faz nas comunidades. (Estudante da Escola multisseriada).
Os estudantes sentem-se motivados a participarem das atividades que ocorrem fora do
espaço escolar, que se apresentam como ampliação dos conhecimentos, convivência e amizade
com outras pessoas e divulgação do trabalho realizado na escola.
Essa participação nos espaços comunitários apresenta-se como uma motivação pessoal
que envolve afetividade, aprendizagem com o outro, com outros contextos e situações fora da
escola, existindo um estímulo para que os estudantes possam participar de atividades
desenvolvidas em outros espaços como compartilhamento da multiplicidade de interesses que
se expressa também na organização do tempo pedagógico.
Ainda no que diz respeito à organização do espaço, apenas duas professoras têm
preferências de trabalhar com as cadeiras enfileiradas (nas aulas que observamos dessas
professoras a organização da sala permanec
gera uma inquietude na turma. As educadoras procuram resolver essa situação chamando a
atenção dos educandos (as) e propondo mudar as crianças de lugar.
Já a organização do tempo pedagógico159 se estrutura e se organiza a partir da vivência
de diferentes tempos escolares: tempos de aula, tempos de trabalho, tempos de comunidade,
tempos de educadores (as), tempos de estudantes, tempos de lazer, portanto, constituem-se em
diferentes interações entre os sujeitos e a produção do conhecimento. As práticas escolares se
estruturam como tempo pedagógico, em que o educador (a) atua diretamente com o educando
(a), em que realiza atividades na comunidade e executa ações relativas ao processo de
desenvolvimento educativo dos educandos (as), incluindo o próprio processo de formação
profissional docente.
Nas Escolas do Campo, a organização desse tempo pedagógico ultrapassa o que
legalmente é definido pelas Secretarias como a carga horária do professorado, gestores e
técnico-administrativos. Vejamos dois trechos de aula que explicitam esse posicionamento:
(...) P Então turma, agora vamos combinar como vamos fazer para ensaiar essa apresentação?
159 O tempo como um elemento decisivo na organização do trabalho pedagógico aparece também nos trabalhos
de Santiago (1990) e Penin (1995).
347
C Pró160 a gente vem à tarde. C É o melhor, porque assim dá tempo de todo mundo ver a parte do outro. P Deixa ver...eu venho amanhã e fico para almoçar aqui na escola. E a tarde a gente se encontra, mas temos que pensar um espaço, porque as salas estão ocupadas à tarde. C A gente vai lá para o salão comunitário. C É boa ideia! G. pega a chave com o pessoal da associação, e a gente vai todo mundo para lá. P Podemos nos encontrar uma e meia na escola, porque dá tempo todo mundo ir em casa, almoçar e voltar. Então a gente vai junto. (registro do diário de campo)
(....) P Pessoal tudo acertado para o sábado. Nós temos que sair da escola as 07: 30 horas para chegar cedo à comunidade. C T (chama pelo nome do professor), vocês já vão dormir aqui? P - Somente A(nome da professora) o restante não! C T. e porque vai ser no sábado? P É porque o dia melhor para a comunidade receber a escola. Eles disseram que na semana todo mundo está trabalhando, então não ia ter ninguém em casa para receber a gente, e fazer as entrevistas. C E vai ser o dia todinho? P Depende do desenvolvimento do trabalho na comunidade. Agora nós vamos almoçar juntos... Então a gente avalia se é necessário. (...) (registro do diário de campo)
Quanto ao tempo pedagógico nas escolas do campo, diferentemente do normatizado
pelas Secretarias de Educação, os educadores (as) assumem uma carga horária que ultrapassa
sua jornada de trabalho e dificulta o projeto da escola do campo.
Nesse sentido, a discussão sobre as condições de trabalho do professorado do campo,
sua permanência nas escolas, a jornada de trabalho, a formação continuada e as condições
salariais são apontadas como dificuldades para o exercício profissional:
Não é fácil a gente fazer um trabalho em equipe como esse, e lidar com a rotatividade dos professores, de não terem carga horária exclusiva para a escola, muitos terminam o turno aqui, e tem que pegar o transporte correndo para dar aula noutro canto, alguns não conseguem acompanhar uma visita a família, um dia de campo, pois tem que estar noutra escola. Se tivéssemos condições salariais melhores, podíamos trabalhar numa única escola, e termos o tempo para desenvolver todas essas funções, que uma proposta como essa exige de cada um de nós. (Coordenação Pedagógica).
Assim que o pessoal chega aqui, tem que passar por uma aprendizagem. Geralmente não vêm acostumados a trabalhar em grupo, alguns chegam com a ideia que é dar sua aula e ir embora. Por isso é importante o processo de formação continuada, e para isso, precisamos de tempo Então, por isso, não é
160 Forma abreviada de chamar a professora em algumas regiões, principalmente da Região Nordeste.
348
fácil ser monitor da alternância, pois temos uma carga de trabalho muito intensa. Isso também é uma dificuldade, porque somos vinculados às secretarias municipais e estaduais, mas temos um regime de trabalho completamente diferente dos professores que trabalham nas escolas convencionais (Educador 1)
O tempo na escola, como estruturador das práticas e do processo de aprendizagem, por
ser diferenciado na Escola do Campo, é uma preocupação e recebe um tratamento político. Por
exemplo, em nenhuma das escolas, presenciamos a liberação dos educandos (as), por falta
eventual da professora. A estratégia comumente adotada é a troca de horário com outro
educador ou atividade dirigida na biblioteca, reforços nas atividades,
(...) aqui não tem isso não, quando um colega não vem, já avisa logo para alguém, e a gente se reorganiza. Trabalha com a turma, muda o horário, depois um compensa o dia do outro. (Educadora 6)
A exceção de uma escola, onde percebemos a dificuldade de alguns professores para
lidar com o tempo em sala de aula, a demora para iniciar a aula e saídas permanentes da sala
para resolver outros assuntos, as demais garantem o tempo de aula.
A preocupação com a permanência com sucesso na escola é um traço das práticas
pedagógicas de todas as escolas. Para isso, adotam o acompanhamento individual ou tutoria,
aulas de reforço no contraturno, realização de atividades e exercícios extras.
As escolas também utilizam diferentes recursos didáticos em sala de aula, em sua maioria
confeccionados pelos educadores (as) e educandos (as) como, por exemplo, jogos didáticos
confeccionados com sucata, horta pedagógica, como também recursos existentes nas
comunidades: viveiros de mudas, sistemas de irrigação alternativos, casas de farinha, prédios
antigos etc..
A organização dos espaços de aprendizagem nas Escolas do Campo convive com os
limites de sua estrutura material, apresentada pelos sujeitos como uma das maiores dificuldades
que enfrentam no cotidiano escolar. Essas limitações das condições materiais das Escolas do
Campo evidenciam a contradição entre o discurso do direito, marco jurídico, e a política
educacional específica. Na maioria dos municípios, inexiste uma ação governamental efetiva e
permanente de melhoria da infra-estrutura das Escolas do Campo, assim como uma estratégia
de acompanhamento político-pedagógico às práticas educativas em curso.
Diante dessa precariedade das condições materiais das escolas, os sujeitos da escola e a
349
comunidade encontram diferentes formas de enfrentar as dificuldades: participação dos pais e
da comunidade, reivindicação e luta pelo direito a uma escola de qualidade e o improviso e
criatividade das escolas.
A participação dos pais e da comunidade na melhoria da infra-estrutura das escolas
ocorre de forma frequente, com uma participação direta (manutenção dos espaços escolares,
pequenos consertos, mutirões de limpeza, construção de espaços etc.) e a participação indireta
(contribuição em dinheiro para melhorar a alimentação, organização de atividades nas
comunidades, contribuição para as atividades político-culturais etc.). Essa realidade, muitas
vezes, expressa uma contradição entre um voluntariado, complementando o papel do Estado, e
a participação cooperativa na dinâmica da escola. Entretanto, essa contradição é sentida pelo
grupo, o que revela a fala a seguir:
A escola não pode continuar dependendo apenas da gente: estudante, professores e família. E o poder público? Há tempos a gente está dependendo que o governo libere um projeto que conseguimos para fazer a ampliação da cozinha para uma industrial e construir a biblioteca. Então o governo federal exige que tenha o município envolvido, mais o município não consegue agilizar nada com relação a isso. Toda reunião do conselho a gente conversa, e nada até agora. Vamos acabar perdendo esse dinheiro. Eu não entendo o que acontece (Estudante 1).
Como reivindicação e luta pelo direito, o processo de pressão continua junto às
Secretarias Municipais de Educação, com a apresentação das demandas da escola, e a
articulação com outras instituições e com os movimentos sociais para melhoria das condições
de trabalho nas escolas:
Após várias pressões do movimento, a prefeitura sinalizou este ano com a possibilidade de uma reforma a ampliação do prédio, que é insuficiente e inadequado para o funcionamento da secretaria, cozinha, depósito de merenda, e principalmente para as turmas da Educação Infantil. Tudo aqui é assim, tenho que dar várias viagens na secretaria, para conseguir algo, parece até que a gente pede favor (Gestora da Escola 2).
Existe o improviso e a criatividade das escolas, na superação das limitações das
condições materiais, ampliando os espaços de aprendizagem para além da escola, improvisando
espaços para leitura, esporte, lazer. Isso pode ser exemplificado com as fotos e os depoimentos
a seguir:
Nós nunca deixamos nos abater por causa de infra-estrutura. Vamos desenvolvendo nosso trabalho. Por que se a gente só fizesse com estrutura, as escolas dos assentamentos nem existiam. Nós começamos embaixo de árvore.
350
Agora a gente também não se acomoda, não! Toda semana eu levo solicitação para a secretaria. Enquanto isso, a gente organiza a biblioteca num canto, faz aulas de reforço com os estudantes na mesa no corredor, vai observar a produção no lote de alguém. É assim... (Gestora 3)
Há tempos que a gente precisava de uma área para educação física, e nada... Então juntou os pais, professores e estudantes, fizemos aquele campo, e todo mundo sempre usou até chegar o Centro de Convivência, que foi uma luta, e a gente só conseguiu porque o território solicitou, porque se fosse só a escola não tinha saído ainda (Educadora 2).
Espaço da biblioteca. Espaço para atividade esportiva e recreação Foto 40: Silva, 2008 Foto 41: Silva, 2008.
Em duas escolas existem espaços denominados de laboratórios didáticos de
produção161, que visam ao aprendizado através do trabalho, o desenvolvimento de processos
produtivos para subsidiar a alimentação da escola, para experimentação de tecnologias
alternativas e agroecológicas (horta, viveiro de mudas, criatório de animais, lavoura, etc.).
As condições materiais dos ambientes educativos são consideradas, por todos os
educadores (as) e educandos (as), como uma das maiores dificuldades que enfrentam nas
Escolas do Campo e que interfere na organização do trabalho pedagógico.
Na organização do trabalho escolar, tornam-se fundantes a vivência dos rituais e as
normas para sua organização. Em todas as escolas, os rituais162 constituem-se como dimensão
161 No Projeto Político Pedagógico em todas as escolas consta a necessidade de um terreno para constituição
desses laboratórios. No entanto, apenas duas escolas possuem área específica para isso. Uma delas é cedida por uma família. As outras se deslocam para áreas produtivas da própria comunidade.
162 Ritos e rituais são determinados costumes carregados de uma simbologia, de significado e importância para aqueles que os praticam. Normalmente, as palavras rito e ritual são utilizadas para se fazer referência a práticas religiosas, mas elas se referem às práticas presentes em outras situações sociais (MC LAREN, 1991).
351
organizadora do trabalho escolar, na construção de um sistema cultural de significados, atitudes
e normas (MC LAREN, 1991).
como semente assumindo uma
dinâmica na escola e discutidos coletivamente em sala de aula, com a finalidade de propiciar
um ambiente de aprendizado da cooperação, autonomia, diálogo entre os diferentes sujeitos:
equipe educativa, educandos (as), família e comunidade. Esses rituais apresentam diferentes
finalidades:
a) Integração e vivência das dimensões da subjetividade (mística, momento da
reflexão, dinâmica de chegada, dinâmicas de entrosamento do grupo, recepção
aos visitantes etc.);
b) Organização do espaço escolar (grupos de trabalho, coletivos de trabalho,
mutirões, atividades gerais etc.);
c) Estimulo à participação (assembléias, reuniões, culminâncias de temas
geradores, atividades político-culturais etc.);
d) Interação e formação da comunidade (visita à comunidade, feiras de ciências e
cultura, pesquisas, dia de estudo, dia de campo, estágios, devolução de pesquisas
etc.).
A vivência desses diferentes rituais de integração, de participação e de organização do
espaço constrói um ambiente educativo de acolhimento e alegria na maioria das escolas
observadas. Os depoimentos a seguir são ilustrativos desse cenário:
Quando eu chego à escola, que já vejo a turma toda no pátio em círculo, de mãos dadas fazendo a reflexão, já me sinto bem. Já começa daí a diferença. Depois todo mundo entra, te cumprimenta, cria outro clima na escola e na sala de aula. Eu me sinto bem dando aula aqui. Tem um clima de camaradagem, amizade e respeito pelo professor, que ajuda para que a gente se anime, vá enfrentando as dificuldades. (Educadora 2)
O outro meu filho já saiu daqui. Foi para o ensino médio. Lá só chamam a gente para receber o boletim no final do bimestre. Aqui eu venho quase toda semana, ver como andam as coisas, converso com os professores, procuro saber como ele está na sala de aula. E todo mundo recebe a gente tão bem. A gente sente a escola como nossa. (Mãe de estudante)
Eu gosto da minha escola, porque a gente participa de tudo. Os professores são amigos e ensinam bem (Estudante 3)
352
O clima de diálogo, respeito e amizade presente na interação entre educadores (as) e
educandos (as) possibilita um bem-estar no ambiente educativo. A prática das Escolas se
efetiva pela produção do conhecimento, mas também pela afetividade entre os sujeitos
(Souza, 2009), pela participação efetiva dos sujeitos e da comunidade e pela organização para
superar as dificuldades e os desafios postos pela realidade.
As normas de organização das escolas têm como finalidade organizar o trabalho na
escola, estimular a interação e a capacidade de convivência das pessoas, os papéis e as
funções a serem desempenhadas no espaço escolar. Elas são elaboradas coletivamente pelo
coletivo dos educadores (as), pelas assembleias dos estudantes e com os pais, grupo de
professoras e coordenadoras pedagógicas, assim como são sistematizadas, socializadas e
avaliadas por todos os sujeitos da prática pedagógica. Nesse sentido, o registro abaixo é
significativo:
(...) No inicio da tarde tivemos aula de Sociologia. A professora discutiu com a turma o material sobre a avaliação formativa e a tabela com a pontuação de cada item, em seguida fizemos uma conversa sobre o termo de compromisso assinado pelas famílias, todas as responsabilidades e direitos de cada um (...) (registro em caderno de acompanhamento de estudante do 2° ano)
O cotidiano escolar é organizado em espaços pedagógicos como conjunto de relações
entre os diferentes sujeitos e o conhecimento. O relato retrata as diferentes relações que os
sujeitos estabelecem no cotidiano com o espaço escolar, com o conhecimento e entre si:
Levantei as 06h20m, organizei meu material para as aulas de hoje. Passei no refeitório tomei café e fui para sala de aula. Tivemos 03 aulas de olericultura na qual socializamos os croquis que fizemos das hortas, foi interessante discutir como cada colega organiza a sua, em seguida começamos a debater as planilhas de custo e da produção da horta, comparando as despesas e as receitas. Ainda pela manhã tivemos 03 aulas de geografia onde discutimos sobre a questão agrária no Brasil a partir dos dados apresentados pelo professor, fizemos uma comparação com as propriedades de cada um da gente. Fizemos anotações para elaboração do relatório sobre o tema do Plano de Estudo. Depois do almoço fui para o dormitório descansar um pouco. À tarde tive 02 aulas de introdução ao planejamento de projeto IPP, onde socializamos os primeiros resultados da pesquisa que fizemos com a família sobre nossa propriedade, fazendo um levantamento dos pontos forte, pontos fracos e o que precisa melhorar, para começar a problematização do plano de estudo. Tivemos 01 aula de Sociologia onde aprofundamos a dimensão política da sociedade. No lanche lavei os copos e limpei o refeitório. Meu grupo nas atividades gerais ficou responsável pela colheita de acerola. À noite tivemos assembléia dos estudantes para avaliação dos pontos positivos e negativos da escola até o
353
momento. (registro de caderno de acompanhamento de estudante do 2° ano).
As diferentes atividades que se desenvolvem dentro e fora da sala de aula se
concretizam em processos: organização do material, aulas práticas, socialização de
conhecimentos, organização do espaço etc; conteúdos: aulas de olericultura, despesas e
receitas para montagem de um horta, questão agrária, dimensão política da sociedade etc.; e
metodologias: elaboração de croquis, planilhas de custo, anotações de aula, relatórios,
assembleias etc.
A singularidade de cada escola se expressa nas diferentes dinâmicas que são
utilizadas para comunicação e socialização do trabalho, na preocupação com o registro da
história institucional das escolas (caderno das equipes de trabalho, atas de reuniões e eventos,
murais, cartazes em sala de aula etc.), da socialização das definições coletivas (calendário
escolar, avisos, roteiros de pesquisa, gráficos etc.) e de instrumentos organizadores do
cotidiano escolar, dentre os quais destacamos o uso de murais na escolas (pode ser um
simples cartaz ou um espaço mais destacado no pátio e nas salas de aula), com a finalidade de
divulgar o que faz a escola, veicular conteúdos, práticas, normas, princípios, reflexões, rituais
que organizam o trabalho escolar. Podemos visualizar nas fotos os murais existentes nas
escolas:
Mural de horários das aulas e aniversariantes do mês Mural com textos produzidos pelos estudantes Foto 42: Silva, 2008. Foto 43: Silva, 2008.
354
O mural é um veículo de comunicação e socialização das informações do grupo,
organizador da dinâmica cotidiana da escola, de reflexão sobre temáticas que estão sendo
trabalhadas, de articulação dos temas geradores com questões mais gerais do país. É também
fonte de consulta para estudantes, professores(as) e outros sujeitos que circulam na escola. As
informações contidas no mural são renovadas permanentemente, pelos gestores, professores
(as) ou estudantes.
7.2 Prática Gestora da Escola: o aprendizado da participação e da autonomia
O aprendizado da participação também se efetiva no itinerário pedagógico, como um
exercício permanente nas escolas, pois
palavra, no trabalho, na ação- A discussão e a reflexão crítica levam o grupo a
s no mundo e com o mundo, como seres de
(FREIRE, 1987, p. 92)
A escola pode ser um espaço de legitimação da dominação, mas pode também ainda
que não de forma tranquila ser um local de resistência e luta. A democratização da gestão
escolar é uma dimensão significativa da prática das Escolas (à qual estão relacionados todas
as demais), na perspectiva da escola contribuir para a emancipação dos sujeitos da escola.
Apesar dos limites impostos pela sociedade capitalista no que se refere à experiência
democrática, há um aprendizado da vivência política, da procura consciente de soluções para
compromisso e responsabilidade coletiva em busca da autonomia das escolas.
Nas Escolas existem diversas formas organizativas, como associação de pais,
conselhos escolares, conselho de classe, unidades executoras, coletivos de educadores (as),
equipes de trabalho e coletivo de gestores, na perspectiva de ampliar e articular os espaços de
participação e de diálogo interno e externo à escola. Na tentativa de construir uma relação
democrática com as famílias e as comunidades, as escolas implementam diferentes formas
organizativas: reuniões, assembleias, curso de formação com as famílias, visitas às famílias,
aulas de campo, mutirões, festas, atividades político-culturais, socialização e devolução dos
conhecimentos na comunidade, o que tem possibilitado um aprendizado dos sujeitos sobre o
sentido e a importância da participação.
O fortalecimento da gestão participativa implica ações e relações educacionais que
possibilitam uma prática educacional democrática, que se expressa nos processos
administrativos e pedagógicos da escola.
355
Essa participação favorece uma rica troca de experiências e serve como ponto de partida
para uma ação conjunta entre escola e família, que não se restringe apenas à dimensão
administrativa, mas também pedagógica, como podemos constatar por meio da fala a seguir:
Aqui na escola de tudo participamos: reuniões administrativas, escolhas de gestores, discussão sobre o projeto pedagógico da escola. Já dei aula também para a meninada. Isso é muito importante para todos nós. Pois, percebemos que a escola precisa da família, e a família da escola. Além disso, fiquei satisfeito de saber que tem coisas que posso ensinar na escola (Fala Pai)
A participação dos pais na dinâmica das escolas tem estimulado para que muitos voltem
a estudar163, alfabetizando-se ou continuando sua escolarização fundamental.
A atuação da família e da comunidade nesses diferentes espaços de gestão escolar varia
de uma escola para outra. Naquelas onde há uma melhor organização da comunidade ou mais
estímulo das escolas para participação, esse processo é mais ativo, contínuo e em diferentes
áreas: financeira, administrativa e pedagógica. Noutras, esta atuação direciona-se para
resolução de problemas do dia a dia da escola.
No que se refere à escolha dos gestores ocorre com um processo de escuta do grupo,
por discussão com a associação das famílias ou consulta às organizações da comunidade. A
gestora164 escolar passa a ser a grande articuladora das ações coletivas, coordenando o projeto
da escola e priorizando as questões pedagógicas e, quando isso não acontece, identificamos
claramente o movimento dentro da escola para mudança da situação, que implica mudança do
gestor(a), redimensionamento de funções:
Tudo tem que ser resolvido discutindo, de forma democrática. Se tem dificuldade, vamos sugerir melhora. Se não muda, então a gente precisa mudar as pessoas (membro do conselho da escola)
Na gestão dos recursos materiais e financeiros provenientes dos órgãos públicos, a
atuação dos conselhos deliberativos das escolas tem um papel democrático e participativo.
Embora o repasse financeiro esteja vinculado a orçamentos pré-estabelecidos: aquisição de
material de consumo; material permanente e custeio de manutenção e conservação do prédio
escolar, o grupo discute o recurso recebido e as prioridades de sua aplicação. Do conjunto,
duas Escolas não recebem diretamente esses recursos. Uma por ser uma escola pública
comunitária e outra por ser uma escola com número reduzido de alunos
163 Muitos pais voltaram a estudar mediante sua participação na escola, sendo ofertadas no noturno salas de
educação de jovens e adultos. 164 Em todas as escolas da pesquisa esse cargo era exercido por professoras que já atuavam na escola e foram
indicadas para assumir a gestão.
356
A discussão da escola como um espaço de prática pedagógica democrática, de
interação entre diferentes sujeitos e saberes, coloca a necessidade de um aprofundamento
sobre o Projeto Político Pedagógico- PPP, que orienta o processo educativo desenvolvido pelo
conjunto da escola165. Nessa direção, exige uma reflexão coletiva permanente no sentido de
avaliar e reavaliar suas finalidades e ações, conforme ressaltado na fala abaixo:
O PPP foi construído com a participação de todo mundo: pais, estudantes, professores. Assim, a gente sabe o que ele diz, quais seus objetivos, e fica muito mais fácil avaliar se no dia a dia da escola, estamos conseguindo implementar. E também mudar quando achamos que é necessário, porque entram novas pessoas, mudam os tempos, a gente vai redefinindo coisas. (fala de gestora 2)
A gestão da escola e do conhecimento nessa perspectiva coletiva exige também um
planejamento coletivo do trabalho escolar e do trabalho pedagógico, que pressupõe uma
postura de abertura e debate, troca de experiência e trabalho coletivo por parte da equipe
educativa. Certamente, também exige uma postura teórica- metodológica flexível e
interdisciplinar.
O envolvimento no dia-a-dia da escola, nas decisões sobre os seus rumos, coloca o
planejamento como um instrumento de organização do trabalho escolar e como forma de
intervenção na realidade, contemplando os diferentes "olhares" e a criação de vínculos entre
pais, educandos(as), educadores(as) e outros formadores.
O trabalho coletivo e o processo de fala-escuta na tomada de decisão constituem-se
numa postura estimulada como definição política dentro das escolas, conforme expressa a fala
abaixo:
Eu só consigo trabalhar com tudo na roda de conversa, circulando a fala, as opiniões, as tarefas, os direitos, e isso, a gente teve que ir aprendendo, cada dia tem que aprender, porque tem uma cultura muito autoritária, então é muito difícil lidar com a dimensão da participação, da co-responsabilidade, cada um tendo seu papel. Tem horas que você sente que alguns preferiam que alguém decidisse por eles, então a gente traz para a roda de conversa, questiona, reflete, resgata nosso PPP, qual nossa finalidade, senão cada um adota rumos que não coincide mais com o projeto, e o trabalho torna-se inviável. Agora vou dizer a você que é fácil?! É difícil... (Gestora da escola 2)
A concretização no cotidiano da escola de relações e ações democráticas não é fácil,
conforme identificamos na fala. O individualismo e a resistência à discussão coletiva são
165 Na Escola multisseriada foi feita uma discussão geral com todas as escolas, e depois a escrita de um texto
bastante inicial sobre a questão.
357
dificuldades enfrentadas em todas as escolas, cuja superação é buscada com o diálogo e o
O debate democrático possibilita a eleição de critérios coletivos na orientação do
planejamento que, por sua vez, incorpora significados comuns aos diferentes sujeitos
educacionais, colaborando com a identificação desses com o trabalho desenvolvido na escola.
Também favorece a execução de ações através de compromissos construídos entre aqueles
diretamente envolvidos pelo planejamento do trabalho escolar.
A participação das comunidades e de suas organizações assegurou a existência e
permanência dessas escolas no campo, dentro de uma política educacional, que não
considerava a especificidade do campo e que assumia a nucleação como estratégia central
para a oferta da escolarização dos sujeitos do campo.
As parcerias com organizações da sociedade civil, Universidades e a articulação de
redes também tiveram um papel importante para o fortalecimento dessas iniciativas. Vejamos
os depoimentos nesse sentido:
A escola sozinha não pode tudo, por isso tem que buscar parcerias, seja para aprofundamento dos conhecimentos, seja para lutar pelas políticas públicas, não somente da educação, porque temos que ter estrada para chegar à escola, temos que ter água potável na comunidade, luz, políticas para a agricultura, senão o povo começa a ir embora para a cidade, e a gente vai ficando sem gente para estudar (fala de gestora)
Quando a escola estava começando tinha muito parceiros. Depois foi saindo, isso tem um lado positivo, que é ver como andamos com nossas próprias pernas, mais tem um lado negativo, que achar que podemos hoje resolver tudo sozinhos, sem apoio. As parcerias precisam ser pensadas para cada momento, dentro de cada necessidade. Tem coisas que a gente suscita com nossos estudos nas comunidades, que se não tiver uma organização social forte, se não tiver parcerias que efetivam com a comunidade determinadas ações, pense estratégias de continuidade a partir do que a escola suscitou, pode ficar ali. Porque é a escola sozinha que vai fazer tudo? (Educador 1 ).
O reconhecimento do papel da escola dentro da materialidade de nossa sociedade,
portanto, dos seus limites e necessidade de interlocução com outros parceiros, é um traço de
semelhança entre as Escolas. A autonomia escolar é situada dentro de um quadro de relações
institucionais e da necessidade de políticas públicas sociais no campo, que assegurem vida
com dignidade para sua população, como requisito importante para a qualidade social da
escolarização.
A interlocução com outras instituições e especialistas de formação permanente desafia
a gestão da escola a situar-se num vínculo necessário entre a organização do trabalho escolar
358
e a organização social. Nesse sentido, a interação com os movimentos sociais do campo
constitui-se numa estratégia necessária para assegurar o projeto político pedagógico das
Escolas do Campo e para enfrentamento das dificuldades e encaminhamentos de ações
identificadas a partir das pesquisas nas comunidades e sistematização na escola.
A gestão assume um papel mediador das ações e objetivos que se encontram na
prática pedagógica, na perspectiva de construir dinâmicas e estratégias que procurem
responder aos desafios postos no cotidiano da prática pedagógica.
Assim, a parceria torna-se fundamental para a articulação de outras políticas do
município, para aprofundamento de temáticas relacionadas à saúde, direitos humanos e
sociais, história da comunidade e do município, questões ambientais e assuntos relacionados à
arte, cultura e agropecuária. No entanto, as escolas destacam a necessidade de terem
autonomia e condições de auto-sustentação para implementação de seu projeto político
pedagógico.
A participação nas escolas é favorecida porque existe um grupo de educadores (as)
estável em termos de tempo de permanência na escola, como podemos verificar na fala a
seguir:
Primeiro porque a gente gosta de trabalhar aqui, segundo, porque a secretaria não vai tirar a gente daqui assim, porque quem já tem tempo, tem um vínculo com a comunidade, à autonomia que temos no trabalho. Quando alguém sai é por uma razão pessoal, ou temos ampliação de turma, e precisa mais professor, então chega gente nova. Sempre tem uma rotatividade, porque nem todo mundo que chega se adapta a essa Proposta que a gente trabalha, essa rotatividade atrapalha, porque tem que começar todo um processo de formação para que essa professora vá aprendendo o jeito da gente trabalhar. (Educadora 3 )
O gostar de trabalhar na escola, o vínculo com a comunidade e a autonomia no
trabalho docente são as principais razões para os/as educadores(as) permanecerem na escola.
O gráfico n° 21 mostra que 67% do professorado tem mais de 05 anos de trabalho na Escola,
o que possibilita um conhecimento com os educandos (as) e suas famílias, como também da
359
Fonte: questionário aplicado pela autora
Gráfico 22 Tempo de experiência dos educadores (as) na escola
Em resumo, a participação na gestão da escola com a organização da sala de aula, a
partilha com os colegas, a ação na comunidade, o planejamento coletivo e a interlocução com
os gestores públicos para assegurar os direitos à educação de qualidade para as escolas são
vivências e espaços de aprendizagem significativos para a constituição da identidade dos
estudantes, docentes e técnico-administrativos dessas escolas.
7.3 Prática Discente: o aprendizado da auto-organização
As práticas das Escolas evidenciam uma preocupação com a participação dos
educandos (as) nos mecanismos de gestão, nas relações sociais mais amplas e naquelas
especificamente propriamente pedagógicas. Estabelecer relações democráticas nessas escolas
diz respeito ao estabelecimento de formas participativas, dentro e fora das salas de aula, e na
convivência pessoal e social.
A participação em sala de aula dos educandos(as) ocorre de forma ativa, colaborativa
e crítica. Existe um clima de diálogo entre os mesmos e com os educadores(as). De maneira
geral, realizam as atividades, que são realizadas em casa, e, quando apresentam dúvidas,
colocam-nas em sala de aula. Opinam sobre as temáticas tratadas e se prontificam a participar
do que é proposto pelos educadores (as), o que parece ser uma prática construída ao longo do
34%
33%
30%
3%
Tempo de experiência na Escola
2.6 - Tempo na Escola
0 a 5 anos
6 a 10 anos
11 a 15 anos
16 a 20 anos
360
dificuldade para esse processo de interação.
A participação nos processos pedagógicos da escola, ou nas atividades na
comunidade acontecem de forma ativa e participativa. Inclusive, demonstram satisfação em
ter aulas que extrapolam os muros da escola. Vejamos:
Gosto muito de fazer estudo da realidade. De ir à comunidade conhecer mais de perto, cada uma. Tem coisas que a gente só descobre com a pesquisa. Mas o melhor é quando a gente vai fazer a devolução, e apresenta para o pessoal o resultado do nosso trabalho. Eles também ficam surpresos com os resultados do que a gente apresenta. (Estudante 2)
A pesquisa apresenta-se como um dispositivo pedagógico fundamental para o
conhecimento da realidade, para seu aprofundamento e interação com a comunidade. A
produção do conhecimento se efetiva também a partir da convivência com os colegas e
professores (as), na troca de experiências, no trabalho coletivo, na diversidade do grupo, o
que nos evidencia a fala a seguir:
A convivência com os colegas e com os professores é muito rica, afinal vem gente de todo lugar, e a gente discute, trabalha junto, aprende as coisas. Agora é um desafio. Porque conviver com o jeito de cada um, é desafiador (Estudante 3 )
A participação dos estudantes em cada escola se dá de acordo com a realidade em que
eles/elas se encontram nas diferentes fases da vida: crianças, adolescentes, jovens e adultos,
com suas experiências, necessidades e expectativas diferenciadas constroem padrões de
relacionamentos diversos. Essa diversidade suscita da equipe educativa de cada escola um
repensar permanente da organização do trabalho na escola, na perspectiva de adequar as suas
ações às intenções de fomento à participação e a autonomia estudantil.
Uma formação referenciada na autonomia e na cooperação é um traço de semelhança
nas escolas observadas. Os educandos (as) se tornam co-responsáveis pela organização das
atividades desenvolvidas dentro e fora da sala de aula. Na foto abaixo, é possível constatar tal
fato:
361
Limpeza da escola para construção de jardim Foto 44: Silva, 2008.
Compartilhar o poder na escola parece também constituir um significado como
aprendizagem da cooperação, seja a cooperação como uma dimensão educativa da
aprendizagem, em que todos são co-responsáveis pela vida da escola; seja a cooperação para
suprir dificuldades no próprio sistema de ensino, como suprir pessoal de serviço insuficiente
para atender a demandas. Nas escolas, é estimulado o espírito da co-responsabilidade, o
cuidado para não substituir o papel do poder público na manutenção e conservação da infra-
estrutura escolar, mas contribuir para preservação e a valorização do espaço escolar como
lugar de produção de conhecimentos e de futuro. Conforme nos mostra a fala a seguir:
Eu gosto de contribuir com a escola. Quando precisa de algum conserto, de conseguir adubo para as plantações. Faço isso para cooperar, e porque acho que melhora a qualidade da escola dos meus filhos. Agora, eu sei que tem coisas que é responsabilidade do governo, e que precisamos cobrar deles para fazer, porque nossos filhos têm direito a uma boa escola (fala de pai)
A demora do Estado para atender às reivindicações da comunidade escolar é sentida
pelo coletivo, pressionando o governo, mas também contribuindo para solucionar problemas
cotidianos que interferem nas condições materiais e de ensino da escola.
A importância da afetividade na dinâmica da sala de aula, em forma de elogios, e o
afeto são recursos presentes no trabalho pedagógico, fundamentado numa relação de carinho e
respeito entre educandos(as) e educadores(as):
362
Uma coisa que acho diferente aqui de outras escolas é a relação com os professores. A gente tem amizade, conversa com os professores, troca ideias. Eles se preocupam para a gente aprender, para fazer as coisas certas. (Estudante 5)
A auto-organização dos estudantes é estimulada nas proposições e nas vivências das
escolas. A perspectiva dos educandos (as), como protagonistas das propostas pedagógicas, do
diálogo com a comunidade, na divulgação da escola em outros espaços, é frequente no
cotidiano escolar. Todavia, em algumas escolas, os educandos (as) sentem que podiam ter
maior organicidade, pois ainda não possuem espaços como grêmios estudantis, coletivos de
educandos (as) etc, embora todas as turmas escolham representantes para representá-los nos
espaços internos e externos da escola. A propósito, vejamos os depoimentos a seguir:
A participação nossa é muito grande dentro de sala de aula, mas eu sinto falta de uma organização maior, pois precisamos pensar a escola de uma forma mais ampla. E sempre tem aqueles que estão aqui mais não entenderam ainda que a escola tem um significado maior. Acho que isso dificulta da gente ter uma organização, mais forte dos estudantes, por exemplo, organizar o grêmio estudantil. (Estudante 1)
Nós aqui participamos de tudo que tem na escola. Eu acho importante, porque a gente fala da metodologia da escola, para as visitas que chegam aqui, nas reuniões com a comunidade, a gente apresenta os resultados dos estudos, discute com a comunidade. (Estudante 2)
Depois que eu entrei nessa escola eu tento ser uma cidadã cada vez melhor, dialogar com minha família e produzir na minha propriedade (Estudante 3 )
Os educandos (as) percebem as mudanças que a escola traz para sua vida na família,
na comunidade e no trabalho. Os conhecimentos construídos são reconhecidos como
importantes para seu cotidiano familiar e comunitário:
Eu cheguei aqui não tinha noção do campo. E olha que eu nasci onde vivo até hoje. Não entrava num curral. Porque as escolas que fui antes ninguém falavam do campo. Depois que a gente escuta em todo canto, na mídia, tem que consumir, que o campo não serve para viver. E tanto que meu pai achava que eu não dava para estudar aqui. (...) Eu mudei minha trajetória de vida depois que eu entrei nessa escola, hoje eu participo de tudo na minha propriedade, eu tenho orgulho de dizer que eu sou uma jovem do campo, eu quero aprender mais, para mostrar que é possível viver bem no campo, e por isso, que eu não entendo porque essa escola não tem apoio. Meu pai ficou admirado como eu me modifiquei, participo das decisões na propriedade, participo na comunidade, levo mudanças nas tecnologias... (Estudante 5)
363
Os pais percebem que os filhos/as têm aprendendo mais e que o trabalho contribui
para sua formação. Eles veem a escola como sensibilizadora e motivadora da organização da
comunidade, que está mais interessada, mais participativa, mais consciente, sabendo como
agir, reivindicar e colaborar com o seu desenvolvimento:
Meu filho traz muitas perguntas para casa. Hoje a escola participa da vida da gente, que saber o que a gente planta, o que a gente cria, a gente vai na escola explicar assuntos da lida, isso é muito importante para a comunidade ( fala de pai )
7.4 Prática Docente: múltiplos papéis e saberes plurais
A prática docente das Escolas do Campo se desenvolve numa interlocução com os
diferentes sujeitos sociais da escola e da comunidade. Embora a dimensão educador-educando
mantenha a especificidade da mediação do conhecimento no exercício docente na sala de aula
e na escola, existem outros formadores envolvidos no processo educativo: pais,
representantes de associações de produtores, lideranças das comunidades, orientadores de
estágios, técnicos e especialistas das temáticas que estão sendo trabalhadas em sala de aula,
constituindo o que denominamos de equipe educativa da escola, visualizada no gráfico a
seguir:
Gráfico 23 Composição da Equipe Educativa das Escolas
EQUIPE EDUCATIVA
PROFESSORES (AS)
COORDENADORES (AS) PEDAGÓGICOS E GESTORAS
FUNCIONÁRIOS DA ESCOLA
PARCEIROS CO-FORMADORES (PAIS,
LIDERANÇAS, ESPECIALISTAS, MESTRES DE
ESTÁGIS, ETC...)
364
O gráfico evidencia a diversidade de sujeitos que compõem a Equipe Educativa nas
Escolas, cuja atuação tem como pressuposto fundamental o trabalho coletivo, num processo
de interação e colaboração com delimitações e negociações dos respectivos papéis de cada um
dentro da escola. Essa coletividade comporta aspectos formais (encontros, reuniões,
planejamento, comissões, grupos de trabalho, supervisão de estagiários, etc.) e informais (ida
no transporte, horário do café da manhã, conversas no recreio, troca de materiais, divisão de
tarefas pedagógicas, etc.), que se inter-relacionam entre si.
Embora esses sujeitos assumam atividades na prática pedagógica das Escolas, o
professorado tem um papel fundamental e específico no processo de mediação, que marca e
define sua identidade profissional e pessoal. Segundo Eliete Santiago (1997), o trabalho do
professorado expressa sua visão de mundo e de ser humano na sociedade, a partir das relações
construídas consigo e com os outros sujeitos, mediadas pelos conteúdos dentro de um
determinado contexto.
Há muitos fatores que influenciam o modo de pensar, de sentir, de agir do
professorado, ao longo do processo de ensino: o que são como pessoas, os seus diferentes
contextos e experiências, os papéis sociais construídos pela sociedade e instituições, os
contextos em que crescem, aprendem e ensinam. A origem sociocultural é um elemento
importante na dinâmica da prática profissional dos professores, pois o estilo de vida dentro e
fora da escola, as suas identidades e cultura têm impacto sobre a prática educativa.
As colocações de Gimeno Sacristán (1999, p. 31) são elucidativas na definição de uma
prática intencionalizada:
as ações não só expressam a singularidade do eu (...), mas por meio delas cada um constrói a própria diferença em relação aos demais e se torna singular ator de sua própria vida. (...) O professor age como pessoa e suas ações profissionais o constituem. Esta é uma linha definidora para pensar as ações como produtos e processos que correspondem a pessoas singulares. Atrás da ação está o corpo, a inteligência, os sentimentos, as aspirações, as maneiras de compreender o mundo, etc
A identidade pessoal é um sistema de múltiplas identidades, constituído a partir da
percepção subjetiva do sujeito de sua individualidade, do conjunto de características de
pertencimento, a um grupo social e a um contexto, e a representação de papéis sociais
construídos pela sociedade e pelas instituições.
Alguns aspectos da identidade pessoal dos docentes que atuam nas Escolas do Campo
caracterizam sua prática em sala de aula. Temos um grupo jovem atuando nas escolas, visto
que a faixa etária predominante é de 19 a 30 anos, conforme nos mostra o gráfico abaixo:
365
Fonte: Dados dos questionários aplicados com o professorado
Gráfico 24 - Faixa etária dos educadores (as) em exercício nas Escolas do Campo
Considerando que a maioria tem mais de 05 anos de exercício docente, muitos foram
realizando sua formação superior concomitante com o exercício profissional no campo, o que
propiciou um maior questionamento do tipo de formação oferecida pelos Centros de
Formação e do descompromisso dos governantes em assumir a formação como um direito dos
profissionais da educação. Assim, a formação inicial torna-se algo da responsabilidade
pessoal dos educadores (as), já que
até uns três anos atrás, fora o Pronera, ninguém escutava falar de nenhum curso específico para os professores do campo, a gente tinha que ralar para fazer um curso superior. A maioria para ter acesso ao curso superior teve que cursar faculdades particulares, porque as públicas não chegavam por aqui. Agora, está mudando, já está chegando a federal por aqui. Inclusive muitas com o curso de Licenciatura em Educação do Campo que foi uma luta de todos nós durante anos. (Educadora 7)
Muitos têm curso superior porque investiram, estudaram em faculdades particulares à noite, pagando do seu salário. Somente recentemente que as federais começaram a chegar ao interior. O trabalho na escola exige muito conhecimento, reflexão. E aqui na escola, nós somos muito estimulados a estudar, então corremos atrás. (Educadora 5)
19%
28%
22%
14%
14%
3%
Faixa Etária
1.7 - Faixa etária:
19-25 anos
25 a 30 anos
31 a 40 anos
32 a 45 anos
46 a 50 anos
51 a 55 anos
366
Podemos comprovar este investimento na formação inicial, no gráfico abaixo, no qual
verificamos que 65% do professorado que atua nas Escolas do Campo pesquisadas já possuem
curso superior completo.
Fonte: dados do questionário aplicado com o professorado.
Gráfico 25 - Nível de Escolaridade dos Educadores(as) das Escolas do Campo
No que se refere ao local de moradia, temos duas situações dos profissionais: aqueles que
moram na comunidade e aqueles que só exercem suas atividades no campo, como é o caso de dois
depoimentos que se seguem:
Eu moro na sede do município. É muito cansativo vir todo dia no transporte, mas prefiro trabalhar aqui, porque os estudantes são mais interessados, participam mais, discutem os assuntos com a gente, não temos os problemas de disciplina que têm na cidade. Além disso, a gente tem autonomia no trabalho. Tudo a gente discute e faz coletivamente. (Educadora 5)
Não tenho a menor intenção de sair aqui da comunidade. Gosto de viver no campo, de trabalhar aqui na escola. Já morei na cidade, e voltei. Depois a escola faz parte da nossa vida, lutamos por ela. Eu acho que cada vez mais precisamos formar as pessoas do campo para terem condições de viver no campo, e trabalhar no campo. Agora não vejo diferença da educadora mora na sede. Tem professoras que moram na sede que tem mais compromisso com a escola do que muita gente, que vive aqui. (Educadora 7 )
13% 5%
65%
14%
3%
Escolaridade 2. formação
magisterio
superior incompleto
superior completo
pós graduação -especialização
367
A autonomia do trabalho torna-se caracterizadora da prática docente nas Escolas do
Campo e dimensão motivadora para o desenvolvimento do trabalho e a permanência na
escola. Além disso, as educadoras não associam o local de moradia, como determinante para
um exercício docente comprometido com a proposta pedagógica do campo. A identidade
profissional de Educadora do Campo se constitui a partir de outros fatores, como: construção
de competências profissionais e pedagógicas para o trabalho na escola, comprometimento
político com a realidade da escola e o contexto em que se insere, participação no cotidiano da
prática curricular e o investimento na própria formação. Nesse sentido, vejamos as falas a
seguir:
Nós somos uma equipe, um coletivo. Nos envolvemos com a comunidade, pois a pesquisa, nos leva a conhecer os problemas, as potencialidades, as pessoas. Assim, temos que nos comprometer. Quando alguém chega que não tem esse compromisso, não consegue ficar muito tempo aqui na escola. (Educadora 9)
Todas as normas da escola são discutidas com todo mundo. Então, seu eu ajudei a construir as normas, como não vou cumpri-las. Depois a gente sempre reavalia a cada ano, podemos modificar de acordo com nosso projeto pedagógico. (Educadora 8)
A maioria dos docentes das Escolas do Campo demonstra gostar de ensinar nas mesmas,
tem orgulho de se constituir em educador (a) do campo e exerce um papel importante junto
aos educandos (as) e seus familiares enquanto mediadores de conhecimento e co-autores de
uma nova forma de ser da escola, o que vai delineando sua identidade de profissional do
campo.
Conforme coloca Carlos Libâneo (2004), a identidade profissional diz respeito ao
conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que definem e orientam a natureza
e especificidade do trabalho de professor. Nessa perspectiva, identificamos nos Educadores
(as) das Escolas pesquisadas elementos que evidenciam uma profissionalidade docente que
precisa ser reconhecida numa política de profissionalização, enquanto prerrogativa do direito
ao exercício profissional. Os depoimentos a seguir são ilustrativos desse processo:
Primeiro, a gente tem que gostar, depois se preparar para desempenhar nosso trabalho direito, preparar as aulas. Por exemplo, hoje vou levando caixas, latas, para trabalhar medidas de formas geométricas, porque a gente mede tudo, fica mais fácil para eles entender a medição. Outro dia, saio da sala vou medir os terrenos, a horta, a caixa água. Isso vai gerando uma participação
368
diferenciada em sala de aula, e na relação com os conteúdos, porque eles tem significado para os estudantes (Educadora 8)
O que nós já conseguimos realizar aqui na comunidade a partir do trabalho da escola, por isto que as famílias reconhecem a importância da escola, valorizam o nosso trabalho. A Escola trata do contexto do campo. Da vida das pessoas que vivem no campo, se envolve nas questões da comunidade. Se envolve na vida, traz a vida para a escola e leva a escola para a vida. Que maior diferença! (Educadora 9 )
Nosso trabalho é permanente para contribuir com alguma mudança. Agora sabemos que tem muitos desafios. Temos que lidar com os mitos de que o campo não tem jeito, com uma ideologia que está muito forte na mentalidade das pessoas nas comunidades, e que se reflete na forma como as políticas foram se dando no País. É remar contra a maré, eu digo na sala, vamos rever essas posições, vamos refletir, vamos desconstruir isso. Esse é nosso papel não fazer que as pessoas aceitem tudo, de forma passiva, conformada. (Educadora 5)
Os Educadores (as) se percebem como sujeitos importantes no processo de intervenção
da realidade local e que, através do seu trabalho, poderão fazer a diferença, procurando
desenvolver uma prática docente competente com atitudes de: domínio dos conteúdos e
métodos de ensino, dedicação ao trabalho, respeito aos educandos (as) e à diversidade cultural
e social dos mesmos. Essas características compõem o profissionalismo do grupo.
A questão da profissionalização docente é um dos maiores desafios enfrentados pelos
Educadores (as) do Campo: formação inicial e continuada, na qual aprendam a desenvolver os
requisitos e atitudes essenciais a sua prática, remunerações compatíveis com a natureza e
exigência do trabalho docente no campo, condições satisfatórias de trabalho, no que se refere
às condições materiais das escolas e carga horária compatível com o tempo curricular das
escolas do campo, que envolve múltiplas funções: coordenação, docência, acompanhamento
aos educandos(as), planejamento etc.
O planejamento proporciona ao professorado uma reflexão sobre a sua prática docente,
à medida em que a sua ação vai delineando caminhos para o aperfeiçoamento da sua prática,
permitindo ao educador obedecer a uma sequência lógica dentro de uma objetividade que não
só alcance as possibilidades da escola, como também do educando(a), o que é possível a
partir do conhecimento da realidade para intervir nas condições existentes. O planejamento
acontece coletivamente:
369
Nosso planejamento é coletivo, onde todos sabemos o que o colega está fazendo em suas aulas. Há, de fato, uma interdisciplinaridade onde um tema trabalhado envolve todos os professores. Cada um dá sua colaboração, dependendo de sua disciplina, para um mesmo tema. (Educador 1 )
No que se refere à atividade de planejamento, a organização coletiva e partilhada da
estratégia para o estudo da realidade da comunidade, pode ser exemplificada, no registro a
seguir:
1. Cada turma organiza com o professor coordenador do bloco temático o roteiro para entrevista com os moradores, apresentam este roteiro para as outras turmas, discutem e fecham o roteiro final;
2. Ida à comunidade para o dia de campo onde começarão todos juntos ouvindo a história da comunidade, contada pelo morador ou moradora de mais idade. As crianças que moram na comunidade ficarão de discutir com a mesma quem seria a pessoa e trazer seu nome para a escola antes da visita;
3. Em seguida os grupos serão formados com alunos das diferentes turmas e se dividirão pelas casas para entrevistar os moradores sobre os temas de cada bloco temático. Os grupos são divididos de acordo com o mapa mental que será construído após o contar da historia da comunidade;
4. Cada turma fará a leitura de suas entrevistas em sala e num trabalho de grupo deverão agrupar as questões da entrevista para sistematizar o tema pesquisado;
5. Cada grupo deverá apresentar sua sistematização na turma, discutir os materiais de apresentação da sistematização e divisão das tarefas e responsabilidades de cada componente da turma;
6. Apresentação de cada tema para toda a escola para uma sistematização geral da pesquisa feita na comunidade;
7. Organização do dia da devolução na comunidade, elaboração dos materiais para apresentação, divisão das tarefas. (registro no diário de campo)
A pesquisa, importante para o estudo da realidade e a formação dos educadores (as) e
educandos(as), é inerente à produção do saber na escola, desde a Educação Básica, enquanto
uma construção coletiva de conhecimento, segundo nos coloca Paulo Freire (1996, p.26),
cesso educativo considere a diversidade de práticas
socioculturais e a participação dos sujeitos educativos. Isso indica que o trabalho do educador
(a) não é transmitir conteúdos acabados, mas sim, oportunizar ao discente que este possa
construir e também se apropriar de instrumentos necessários para se situar no mundo como
sujeito plural dotado de valores e crenças.
370
Mais do que um dispositivo pedagógico nas práticas das Escolas do Campo, a pesquisa
se constitui num principio educativo de indissociabilidade entre teoria e prática, na interação
escola-família e no estimulo à curiosidade e à pergunta como pontos de partida para a
construção do conhecimento.
A pesquisa como princípio educativo requisita um processo de formação como
fundamental para a afirmação da organização do trabalho pedagógico que extrapola a sala de
aula. Por isso, é importante que, no processo de formação continuada, os educadores (as)
ou de o
A prática nas Escolas suscita a reflexão sobre e na ação do professor, para repensar e
perceber a importância que ela desenvolve para seu crescimento profissional, intelectual e
humano. Portanto, a formação inicial e continuada nesse processo foi um elemento decisivo
para a concretização e o sucesso da experiência e, nesse sentido, existe uma reivindicação de
que a formação tenha uma adequação à realidade das Escolas do Campo, que considerem as
iniciativas que se desenvolvem nas mesmas, e que seja assumida pelo poder público e pelas
Universidades enquanto agentes responsáveis por assegurar este direito:
Nós achamos que a Universidade Pública que tem que fazer nossa formação. Agora se adequando a nossa realidade e considerando a experiência que já existe de formação feita por muitas entidades, ao longo desses anos, quando ninguém tava nem aí para a formação dos educadores(as) do Campo. Agora precisa contribuir para refletirmos sobre a prática que temos nas escolas, os desafios que temos enfrentado com o desenvolvimento dessa nossa experiência. Isso significa que tem que articular bem a teoria com a prática, senão pode se transformar em mais um curso. (Educadora 5 )
Na sala de aula, as fontes de informação também se ampliaram à medida que o trabalho
com pesquisa despertou nos professores o desejo de ir em busca de outras fontes de
informações, além dos livros didáticos. Nessa direção, vejamos os depoimentos abaixo:
Os livros didáticos são muito restritos, pois não dialogam com a realidade dos estudantes. Nós buscamos outras fontes de informação: depoimentos de pessoas da comunidade, técnicos e especialistas dentro das temáticas, visitas a áreas produtivas. Isso contribui para enriquecer as aulas ( Educadora 6 )
Nós usamos os livros enviados pelo MEC apenas como consulta, porque ele nem é suficiente para toda a turma, nem aborda todos os conteúdos que precisamos trabalhar em sala de aula. Quando tem algum conteúdo que nós trabalhamos na pesquisa, então pedimos para os alunos consultarem ver o que eles tratam sobre o assunto (Educador 2)
371
Essas falas evidenciam a autonomia que os educadores (as) assumem no processo de
gestão do conhecimento em sala de aula e a importância da existência de outros dispositivos
pedagógicos nas práticas educativas, que possibilitam outras estratégias didáticas dentro e
fora da sala de aula.
7.5. Dimensão epistemológica: Contexto e prática social dos sujeitos como conteúdo
educacional
O itinerário pedagógico é concebido como o processo vivencial do currículo das
Escolas do Campo, nas dimensões pedagógicas e metodológicas, na perspectiva de
possibilitar a produção do conhecimento numa articulação que combina os saberes científicos
com os saberes populares, num movimento de mão dupla em que se trabalha com a pesquisa
da realidade e com a produção de novos conhecimentos que permitem a transformação desta
realidade.
A finalidade do itinerário pedagógico é de articular o processo de produção do
conhecimento, subsidiando o planejamento e a organização do trabalho pedagógico, a partir
de diferentes dispositivos, dentre os quais podemos exemplificar:
O Plano de Estudo é um instrumento de pesquisa participativa, organizado pelos estudantes e professores ao final da sessão escolar, a partir de cada tema a ser estudado pela turma. Possibilita analisar os vários aspectos da realidade do estudante e da sua família, que o contexto se torne eixo central da aprendizagem do estudante. A princípio o estudante desenvolve temas mais simples ligados ao cotidiano familiar, depois vai caminhando a temas mais complexos de caráter socioeconômico e político mais amplo. (Coordenadora Pedagógica da EFAORI).
proposta, quando eu ainda não tinha muita prática em planejar a partir da pesquisa e de forma integrada os conteúdos. Ela traz sugestões de quais conteúdos podemos integrar com aquele tema, como trabalhar em cada etapa da metodologia. Assim, fica fácil a gente organizar cada momento individual e coletivo com a turma (Professora 1 )
A prática curricular considera o contexto e a prática social dos sujeitos como conteúdo
básico da aprendizagem a ser desdobrado em sala de aula nos conteúdos educacionais,
instrumentais e operativos (Souza, 2009). Portanto, inclui novos saberes e novas práticas, na
372
tentativa de que a escola se coloque como um espaço de sistematização e de diálogo com
saberes que se aproximem mais do cotidiano dos sujeitos:
Fazer estudo da realidade, pesquisar para a gente ajudar a comunidade é fundamental. Quando a gente mostra os resultados mexe muito com a comunidade (Estudante 3 ) A realidade da comunidade é o ponto de partida para nosso trabalho. Então nós temos as informações coletadas nas pesquisas, e vamos aprofundando com os conteúdos de cada área. Vamos escrevendo, lendo, organizando gráficos, tabelas, mapas, fazendo leituras para trazer mais informações. A gente aprende muito também nessa forma de trabalhar. A pesquisa sempre traz muitas novidades. (Educadora 2)
A maioria das escolas identifica os temas geradores a partir do processo de pesquisa.
Eles são definidos numa discussão envolvendo os estudantes, professores, famílias e, a partir
destes, são selecionados os conteúdos programáticos a serem aprofundados pelas turmas.
A construção coletiva do conhecimento, a pergunta, a apropriação e sistematização dos
conhecimentos, a partir do processo de contextualização possibilitam a construção de novos
significados e a articulação entre o local e o global, resultando numa compreensão mais
integrada da realidade.
A produção do conhecimento na escola se expressa na prática pedagógica sob a forma
de seleção do conteúdo, organização, sistematização e formação dos conceitos, realizada de
forma coletiva pela equipe pedagógica num diálogo permanente entre o contexto e as
definições curriculares existentes em cada município e no País. Poderíamos mostrar este
caminho de produção do conhecimento nas Escolas do Campo com o seguinte gráfico:
373
Gráfico 25 Dimensões dos conteúdos trabalhados nas Escolas do Campo
A prática evidencia um processo de produção do conhecimento definido a partir do
itinerário pedagógico construído em cada Escola, no qual o "ponto de partida" se constitui
na tomada da realidade como conteúdo pedagógico, na sistematização desses conhecimentos a
construção do conhecimento. Sendo assim,
A percepção que os estudantes constroem depois da pesquisa na comunidade é um processo muito rico. Eles começam a perceber questões que antes não notavam, começam a descobrir possibilidades e recursos para viverem com sustentabilidade na sua comunidade, ajudar a buscar estratégias de melhoria de sua vida (Educadora 7)
Esse ciclo de produção do conhecimento estimula a prática do professor-pesquisador
defendida por Freire e Shor (1987, p.19). Ao desvelarem a separação do
, recuperam a ação do professor-sujeito
histórico, capaz de criar e recriar a realidade com seus alunos sujeitos históricos, na dialética
eu/outro, uma relação afetiva, ética e exigente de pesquisar a própria realidade para articulá-la
conteúdos operativos
intervenção na
realidade
conteúdos instrumentais
áreas de conhecimento
conteúdos educacionais
(diagnóstico da realidade
contexto
realidade
374
com o conhecimento existente, fazendo também a produção do conhecimento novo,
exercitando a produção de sínteses como produção coletiva, interdisciplinar e contextualizada
da realidade.
Na prática pedagógica, a interdisciplinaridade e a contextualização alimentam-se
mutuamente, pois o tratamento das questões trazidas pelos temas sociais expõe as inter-
relações entre os objetos de conhecimento, de forma que não é possível fazer um trabalho
contextualizado tomando-se uma perspectiva disciplinar rígida. Em outras palavras, a busca
de temas que propiciem um ensino contextualizado, no qual o aluno possa vivenciar e
aprender com a integração de diferentes disciplinas, pode possibilitar ao educando (a) a
compreensão tanto da sua realidade como do contexto mais global. Verificamos uma
preocupação nesse sentido na seguinte fala:
No momento do aprofundamento dos conteúdos, o planejamento fica atento para relacionar os conteúdos das áreas que os alunos precisam construir em cada momento que estão. Mas a gente se preocupa que estes conhecimentos ajudem a realidade deles, a continuidade dos seus estudos, a vida na comunidade, e a ler sua realidade de uma forma mais ampla. Para isso, é preciso integrar os diferentes conhecimentos, por isso, a gente planeja junto, discute como cada professor pode aprofundar seus conteúdos e dialogar com outras áreas, como podemos articular esses diferentes conhecimentos. (Educadora 7 )
A interdisciplinaridade assume, assim, outro tipo de organização curricular, que
propicia novas relações entre os sujeitos e os conhecimentos. Podemos identificar em várias
práticas uma perspectiva de interdisciplinaridade, conforme posta por Pedro Demo (1998,
horizontalizar a verticalização, para que a
visão complexa seja também profunda, e verticalizar a horizontalização, para que a visão
Esse autor define a interdisciplinaridade
sentido de abrangência, para dar conta, ao mesmo tempo, da particularidade e da
(pp. 88-89). Ele sugere a prática de pesquisa em grupo como
metodologia mais indicada, pela possibilidade da cooperação qualitativa entre especialistas.
Essa prática será viabilizada através das equipes de profissionais ou pesquisadores
especialistas, mediados pela linguagem, pelo diálogo e pelos métodos acessíveis a todos.
A questão metodológica aparece na discussão em função do processo de conhecimento
incorporar mediações que se dão nas relações professor/alunos e conhecimento, produzidas
em contextos de trabalho coletivos. A prática pedagógica exige meios através dos quais se
375
materialize envolvendo os objetivos, a relação entre os sujeitos educador-educando e as
técnicas de organização do trabalho pedagógico.
Configura-se necessária a busca de informações em fontes e meios diferenciados
trabalhando-as cientificamente para buscar resolver problemas que surgem na realidade
através da articulação dialética da teoria e prática, na perspectiva da práxis. Essa relação
teoria e prática ficou bem evidenciada numa aula que observamos:
(...) A temática discutida na sala era Avicultura. Primeiro, o professor fez uma roda de socialização sobre quem criava galinha na sala, como era o criatório, como estava organizado o galinheiro, como tinha sido construído, qual a localização, quais os cuidados que tomavam com o galinheiro, quais as principais dificuldades. Em seguida, formou grupos para pesquisar tudo sobre criatório de galinhas que assim se subdividiram para realizar a tarefa: um grupo foi para biblioteca, outros fizeram leituras de textos na sala, outros pesquisaram na internet. No final da primeira aula da disciplina, todos retornaram e levantaram algumas questões do que tinham lido em seguida o professor foi com o grupo para a área da escola onde deveria ser construído o novo galinheiro, e começaram a discutir como seria o novo galinheiro: localização, tamanho, estrutura, materiais. Na aula seguinte, a turma realizou os cálculos no papel milimetrado, cada grupo sendo responsável pelo projeto de uma parte do galinheiro para formatar o projeto geral. (registro do diário de campo)
Portanto, a aquisição de conteúdos instrumentais (das linguagens, das ciências
humanas e sociais, das agrárias etc.) torna-se fundamental a partir da leitura, interpretação e
compreensão, bem como da problematização da realidade. Esses conteúdos tornam-se
elementos essenciais para a confrontação crítica desse conhecimento com os conhecimentos
científicos e tecnológicos, que são apreendidos e construídos individual e coletivamente, a
partir de uma metodologia participante e dialogal.
Nesse sentido, encontramos em todas as práticas diferentes instrumentos para atender
a diferentes finalidades e
para além do previsto, potencializando aprendizagens de conteúdos, valores e comportamento,
bem como a dimensão cultural da aprendizagem e sua integração na vida cotidiana. Para isso,
utilizam diferentes dispositivos pedagógicos.
Para Basil Bernstein(1996), os dispositivos pedagógicos se organizam a partir das
regras de distribuição (expressas nos saberes da prática social e do cotidiano dos
educandos(as) que são trabalhadas nas escolas, considerando a diversidade de seus contextos
376
e que asseguram a formação integral e a articulação dos diferentes saberes); das regras de
recontextualização (constituição de um discurso pedagógico que valoriza os saberes do
educandos ); e das regras de avaliação (instrumentos que possibilitam sistematizar a
avaliação do processo de construção do conhecimento).
No dia a dia da prática pedagógica, a recontextualização ocorre a partir da valorização
dos conhecimentos dos educandos(as), sua família e comunidade; e da valorização do diálogo
entre os diferentes saberes presentes no espaço escolar. A confrontação entre as
singularidades dos contextos e os conhecimentos científicos e técnicos irá conformar os
saberes construídos na prática pedagógica e evitará a dicotomia entre o saber particular e
universal.
Os diferentes instrumentos usados nas práticas não significam apenas instrumentos
metodológicos, mas sim uma forma de organizar o trabalho pedagógico na perspectiva de
assegurar a distribuição e socialização do conhecimento, a recontextualização e avaliação dos
processos vivenciados. Sua utilização nos processos educativos permite estimular no grupo
um autoconhecimento reflexivo, uma valorização de suas raízes, a autonomia no processo de
produção e gestão do conhecimento, como também a capacidade de agir com propósito, de
poder avaliar suas ações na escola e na comunidade. Isso possibilita o desenvolvimento de um
sentido de pertença, de não se desenraizar de sua cultura de referência e, ao mesmo tempo,
conhecer e refletir sobre outras realidades e cultura.
Por isso, consideram que o processo de interação com a comunidade se constitui num
momento privilegiado dessa produção de conhecimento, que traz contribuições significativas
para a aprendizagem propiciada pelo ato de participar, pois esta gesta um tipo de saber que,
ao se coletivizar, passa a ser fundamental para outros grupos, realizando uma vinculação
orgânica entre a cultura, a educação e a escola, tendo em vista que a intenção e ação
pedagógica têm como conteúdo a própria cultura.
Sendo assim, o uso dos dispositivos pedagógicos nas diferentes práticas se amplia e
adquire a possibilidade de ser mais do que uma ferramenta didática, principalmente para
(Cortesão, 2000, p.78 apud Souza, 2001, p. 156).
A finalidade da prática pedagógica em ampliar os conhecimentos e desenvolver uma
reflexão crítica sobre a realidade dos educandos(as), requisita uma avaliação permanente do
trabalho pedagógico. A avaliação vista como processo diagnóstico, investigativo, formativo,
sistemático e contínuo, coerente com os fundamentos e instrumentos de uma avaliação
377
emancipatória. Não é apenas a aprendizagem em si que é avaliada, mas também e, sobretudo,
toda a proposta educativa. A avaliação é um processo, contínuo, integrado por todos. É nessa
se querem como atores na organização e avaliação das próprias atividades . (coordenadora
pedagógica 1)
A avaliação tem como objetivo contribuir para a formação integral do educando (a),
vivenciada durante o processo desenvolvido em sala de aula e na escola como um todo, não
só do produto final, dos conteúdos da aprendizagem, mas também das atitudes, das ações
desenvolvidas em grupo e individualmente, da participação nas atividades, do compromisso
no cumprimento das tarefas que lhe são atribuídas:
Aqui a gente avalia sempre. Mas a gente também é avaliada sempre. Isso é um aprendizado, primeiro de não pensar esse processo por partes, segundo de ter clareza de que todo mundo precisa ser avaliado, que não é um poder na mão de alguns, terceiro, pensar formas de fazer isso, para não ficar uma coisa solta, como se a dimensão quantitativa não tivesse importância nenhuma (Educadora 5)
O que eu acho mais interessante é, se o professor avaliar que eu não aprendi aquele conteúdo, ele conversar, explicar, e principalmente posso rever os conteúdos, para não continuar com dificuldade. Aí, eu fico vindo noutro horário para reforçar aquele conteúdo (Estudante 2 )
A avaliação dos sujeitos da prática pedagógica também é posta por Anton Zabala
(1998), ao colocar que a avaliação escolar correta não deve se cingir apenas à relação entre
esses dois protagonistas diretamente envolvidos no processo educativo o aluno e o professor
- pois na realidade o processo de ensino/aprendizagem em sala de aula inclui processos e
relações pedagógicas grupais e a classe como um todo. Mas, essa visão de avaliação pode ser
ampliada ainda mais se não nos prendermos somente ao que acontece em sala de aula,
possibilitando que tenhamos uma fotografia mais abrangente do processo de
ensino/aprendizagem, ao focalizar este como reflexo do todo, ou seja, a aprendizagem do
aluno pode ser avaliada como resultante das condições gerais propiciadas pela instituição
escolar e do esforço do próprio aluno para efetivá-la.
Para efetivar uma avaliação nessa dimensão, as práticas desenvolvem instrumentos e
reflexões com sua equipe, que possibilitem a vivência desse processo nas dimensões:
diagnóstica, formativa e emancipadora.
378
A dimensão diagnóstica permite a tomada de decisão mais adequada, tendo em vista o
autodesenvolvimento e o auxílio externo para esse processo, conforme nos coloca Cipriano
Luckesi (2000, p.43): para não ser autoritária e conservadora, a avaliação tem a tarefa de ser
diagnóstica, ou seja, deverá ser o instrumento dialético do avanço, terá de ser o instrumento
A dimensão formativa é a forma de avaliação na qual a preocupação central reside em
coletar dados para reorientação do processo de ensino-aprendizagem.
Já a dimensão emancipadora utiliza-se do senso de autocrítica e autodesenvolvimento
do aluno, através de instrumentos, para realizar a auto-avaliação e a hetero-avaliação, na
qual todos os sujeitos do processo se colocam em permanente processo de aprendizagem.
Existe um esforço coletivo na perspectiva de desconstruir a visão da avaliação na
perspectiva meramente somativa, contudo, sem deixar de considerar a importância que têm os
resultados finais como indicadores de construção de conhecimentos. Assim, tem-se uma visão
formativa e emancipadora da avaliação, na qual todos aprendem e ensinam, portanto, avaliam
e são avaliados. Nesse sentido, vejamos as falas a seguir:
Eu antes de vim para cá estudei noutra escola, e avaliação não era assim não. Era só nota. Conseguiu, bem, senão recuperação ou reprovação. Por isso, que aqui tem outra visão. A visão de trabalho em grupo, o respeito dos professores nas decisões das atividades, se eu consegui cumprir ou não, me auto-avaliar, é o que eu vou levar como mais positivo, que vou carregar no decorrer da minha aprendizagem como estudante.(Estudante 2 )
A filosofia daqui me impactou porque eu tinha estudado numa escola que avaliava de outro jeito. Depois eu fui ensinar numa escola que avaliava do jeito que eu aprendi. Então, quando eu comecei a ensinar aqui, tive que aprender tudo de novo sobre avaliação. Desde o porquê até o como, eu senti dificuldades. Aos poucos eu fui aprendendo com o grupo, conversando nos planejamentos, fazendo umas leituras. Acho que hoje eu já entendo mais porque a gente precisa avaliar de forma diferente, durante todo o processo, considerando várias dimensões... Agora não é fácil assim que a gente chega aqui, trabalhar dessa forma (Educadora 7)
Essa perspectiva leva necessariamente a repensar as ações em sala de aula, auto-
avaliando as práticas de todos os sujeitos envolvidos nesse processo, porque a reflexão é o
primeiro passo para buscarem alternativas mais ajustadas e coerentes. Assim, a avaliação
diagnóstica não deve ser vivida somente no momento inicial do trabalho, mas de forma
contínua no sentido de identificar onde houve rupturas ou falhas no processo de
aprendizagem, a fim de traçar soluções palpáveis para solucionar problemas reais, que sejam
geradores de novas práticas e aprendizagens.
379
Considerações
Perceber a realidade para nela atuar, evidenciando a intencionalidade da ação
educativa e dos conteúdos trabalhados, é fundamental em todas as práticas pedagógicas. É a
manifestação da nova atitude prática do educando em relação ao conteúdo aprendido, bem
como do compromisso em pôr em execução o novo conhecimento. É a fase das intenções e
propostas de ações dos alunos. Com isso, coloca-se a escola num lugar de destaque dentro da
comunidade, e sua importância social, enquanto instituição, na perspectiva de que os
conhecimentos gerados pela escola podem fazer significativas mudanças nas vidas dos
estudantes e de suas famílias.
Para alicerçar uma prática pedagógica com as mudanças ocorridas nas Escolas do
Campo, deve-se constituir uma aliança formando uma teia com a visão sistêmica que supera
a fragmentação do conhecimento. Nas salas de aula, ela se expressa na abordagem
contextualizada e no ensino por meio da pesquisa que instiga o diálogo e a discussão coletiva
como forças propulsoras de uma aprendizagem significativa e contempla os trabalhos
coletivos, as parcerias e a participação crítica e reflexiva dos educandos(as) e do professorado
No entanto, conforme nos coloca Paulo Freire (2003), isso não elimina as tensões que
atravessam todas as relações dentro e fora das Escolas. Assim, o ponto de partida da prática
pedagógica, nessa perspectiva, é sempre a realidade com todas as suas ambiguidades,
contradições e possibilidades. Como pensar numa escola do campo isolada das lutas sociais
mais gerais? Se o contexto de vida dos sujeitos é o ponto de partida do itinerário pedagógico
das escolas, a interpretação, problematização e intervenção possibilitam não somente a
reinvenção da escola, dos sujeitos que a compõem, mas abrem possibilidades para sua
mudança.
380
CONSIDERAÇÕES FINAIS - OS FRUTOS COLHIDOS GERAM NOVOS
APRENDIZADOS E LANÇAM NOVAS SEMENTES
381
O presente trabalho tratou das práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas
Básicas do Campo, que se filiam ao discurso político, pedagógico e epistemológico da
Educação do Campo, posto em circulação por diferentes organizações sociais, principalmente
a partir dos anos de 1990, no Brasil. Procuramos analisar as semelhanças e singularidades nas
propostas e práticas pedagógicas dessas Escolas, identificando as contribuições para a
organização do trabalho pedagógico escolar.
O movimento político, pedagógico e epistemológico da educação do campo tem
origem na mobilização dos movimentos sociais para definição de uma política educacional
que fortalecesse as práticas educativas existentes no campo, assim como a ampliação das
escolas públicas da Educação Básica nas comunidades e assentamentos onde não existiam.
O Movimento da Educação se constitui como uma rede, agregando a diversidade de
práticas educativas existentes no país. Não é uma instituição, não possui uma coordenação,
mas sim a organização de diferentes redes com formatos, abrangência, composição e ações
plurais. Está em constante construção e reconstrução, e se mantém mais articulada, mediante
uma demanda local ou nacional. Seu crescimento ou diminuição depende de novas conexões,
de objetivos a serem atingidos, de ações a serem desencadeadas como, por exemplo, a
articulação para o momento de elaboração das Diretrizes Operacionais da Educação do
Campo ou para a II Conferência Nacional de Educação do Campo.
A Educação do Campo, como expressão da heterogeneidade das instituições,
organizações e sujeitos que a compõem, não é fechada em uma única perspectiva ou
referencial de relação com o mundo. Na sua constituição, há traços de semelhanças e
singularidades que se articulam, o que orienta os fundamentos e princípios a serem
socializados e fortalecidos nas diferentes práticas pedagógicas no que se refere à organização
do trabalho escolar, às relações da escola com a comunidade e ao trato com o conhecimento.
A Educação do Campo tem na sua materialidade de origem a necessidade de
superação de um modelo de desenvolvimento gerador de assimetrias sociais, políticas e
econômicas, e de um campo sem gente. A concepção de Educação tem na sua tessitura um
território com gente, que produz suas existências, culturas, saberes e afetos, numa ruralidade
caracterizada pela agricultura familiar/camponesa, numa perspectiva da sustentabilidade da
vida, do ambiente e das comunidades.
Essa sustentabilidade passa necessariamente pela afirmação da diversidade de um
sistema complexo que constitui o campo brasileiro. Enquanto o projeto dominante de
382
sociedade e de escola é caracterizado pela homogeneização e pelo monocultural, o projeto de
sociedade que nutre a Educação do Campo produz espaços e tempos para a pluralidade de
agroecossistemas, etnias, sujeitos, culturas, relações sociais, padrões tecnológicos, formas de
organização social e política, que instituem modos de vida específicos, que negam a
antinomia e a visão hierárquica entre campo e cidade.
Nesse sentido, o campo é um território de produção de identidades e de relações
sociais. A identidade socioterritorial, enquanto espaço e tempo de produção da existência
concreta dos Povos do Campo, assume uma dimensão fundamental nas propostas
pedagógicas, ao tomar a territorialização na luta pela terra, na convivência com o semiárido,
na produção no cerrado como lugar de construção da vida e de relações sociais que entram
como parâmetros para a construção da teoria pedagógica.
O protagonismo dos movimentos sociais do campo na proposição e vivência de
práticas sociais e educativas coloca-os como sujeitos construtores de projetos de sociedade e
de educação, ao construírem referenciais éticos, estéticos, epistemológicos, políticos, que vão
influenciar, sobremaneira, no Brasil, o desenvolvimento das práticas pedagógicas nas escolas
do campo e a formulação de um marco jurídico específico para esta Educação.
A Educação do Campo concretiza as diferentes racionalidades, que problematizam e
apreendem as existências concretas dos sujeitos do campo brasileiro, na sua relação com a
terra, as águas, a floresta e os diversos biomas que conformam a maneira de produzir e
reproduzir a vida. Portanto, as diferenças de ordem diversas entre os Povos do Campo refutam
a ideia de uma proposta educacional idêntica para todas essas realidades e Povos.
Dessa maneira, o debate sobre o projeto de sociedade e de campo precede e perpassa a
discussão sobre a organização curricular e a metodologia. Entretanto, é fundamental se
planejar a organização do trabalho escolar, o trato com o conhecimento, a organização do
tempo e do espaço, as relações entre os diferentes sujeitos da escola, o conjunto de saberes
que são necessários para o sujeito docente e gestor realizarem o seu trabalho e como, nas
atividades de ensino e aprendizagem, articulam-se os diferentes dispositivos para atingir os
objetivos e finalidades da educação.
Com relação à Teoria da Educação que orienta essas práticas educativas, a Educação
do Campo pode ser considerada uma das realizações da Pedagogia do Oprimido e
pertencente à tradição pedagógica decorrente das experiências da Educação Popular na
América Latina, à medida que afirma os Povos do Campo como sujeitos legítimos de um
projeto emancipatório e, por isso mesmo, educativo, por ter sua origem na formação de
sujeitos coletivos atuantes e críticos de sua realidade.
383
A proposta pedagógica nas escolas, em sua diversidade, realiza a mediação da teoria e
da prática no cotidiano das escolas, explicitando suas escolhas teóricas, políticas e
metodológicas, que possuem traços de semelhanças em seus fundamentos e princípios, dentre
os quais, destacamos os que explicitamos a seguir.
A concepção de Educação: é vista como processo de formação da humanidade do ser
humano, no qual o indivíduo, ao se apropriar do patrimônio material e imaterial acumulado
pela humanidade em cada momento histórico, torna-se membro singular de toda a espécie do
gênero humano.
As finalidades dos processos educativos: o processo de apropriação do patrimônio
material e imaterial, por meio da escolarização, implicam necessariamente um
questionamento sistemático das raízes das assimetrias sociais e a construção de uma nova
sociabilidade, que se referencia na emancipação humana, na responsabilidade coletiva, na
capacidade de projetar intervenções sociais nos âmbitos pessoais, escolar e social, o que tem
gerado mudanças na organização do trabalho escolar e na organização curricular no campo.
A heterogeneidade das propostas e práticas pedagógicas que constituem o Movimento
da Educação do Campo suscita a configuração de uma rede política e de aprendizagem,
composta por outras redes, que constituem os Lugares Institucionais. Na verdade, constroem
respeito à cultura dos sujeitos, num diálogo com a cultura científica e com a
cultura midiática, trabalhadas nas escolas como conteúdos educativos. O
conhecimento passa a ser entendido como proveniente de diferentes fontes e
sujeitos, o que faz da escola um espaço de diálogo e de múltiplas conexões, já
que ele não está em um único lugar, nem em um único sujeito;
construção de um movimento de mão dupla na produção do conhecimento,
pois, ao mesmo tempo em que parte da prática a ela retorna para modificá-la,
uma vez que a escola se modifica com os conhecimentos provenientes da
realidade, as comunidades se modificam por meio dos novos conhecimentos
ampliados e sistematizados pela escola;
indissociabilidade da pesquisa e do ensino na construção e apropriação do
conhecimento em sala de aula. Os conteúdos precisam ganhar sentido ao
possibilitar a reflexão e a intervenção na realidade;
indissociabilidade das áreas de conhecimento no trato com os conteúdos em
sala de aula. A realidade em sua totalidade requisita uma abordagem curricular
384
integrada, na qual o diálogo e o confronto entre as diferentes áreas do
conhecimento são fundamentais para uma nova forma de interagir com o
conhecimento e com a realidade; e
a dimensão humana da formação de hábitos, valores, atitudes, afetos, ética e
estética dos sujeitos, enxergando o ser humano na sua omnilateralidade.
Desse modo, a dinâmica de um Movimento, constituído de redes plurais, dá
visibilidade a um novo jeito de fazer a Escola, a partir das singularidades dos diferentes
lugares institucionais que a compõem, entre os quais destacamos: Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro
(RESAB), os Centros Familiares de Formação em Alternância (CEFFAS) e a Proposta
Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (PEADS).
Nos Lugares Institucionais, as Propostas Pedagógicas assumem singularidades
organizadas pelo contexto histórico, como a composição da equipe educativa e as
características das redes a que se vinculam as relações sociais nos municípios, produzindo
configurações que tornam essa prática distinta de outras, expressando também a releitura das
teorias pedagógicas, que se cruzam e entrecruzam em diferentes dimensões nos proposto e no
vivido.
O itinerário pedagógico é um elemento regulador e estruturador das práticas
pedagógicas das Escolas do Campo, ao articular o planejamento, o tempo pedagógico e uma
rede de relações entre os sujeitos da aprendizagem, que tomam como conteúdo pedagógico
básico a realidade social.
Dessa forma, no itinerário pedagógico, os conteúdos são construídos, ampliados e
apropriados na sala de aula, a partir da interação entre os diversos sujeitos. O itinerário ganha
configurações a partir dos conteúdos pedagógicos que consideram:
o trabalho com os eixos temáticos como integrador dos conteúdos, facilitando sua
organização de forma ampla e abrangente, a problematização e o encadeamento lógico
dos conteúdos e a contextualização na análise dos temas;
o aprofundamento do conteúdo a partir do diálogo com as diferentes áreas de
conhecimento e no manejo desses conteúdos em sala de aula pelo educador(a), a partir
dos diferentes dispositivos pedagógicos;
385
a sistematização do conhecimento como registro, ordenação e classificação dos fazeres
pedagógicos, quer como ferramenta de reflexão, aprendizagem ou construção de
conhecimentos; e
a socialização e comunicação dos conhecimentos cujo objetivo é não só o
compartilhamento de conhecimento produzido na escola, mas também aprofundar a
compreensão sobre ações envolvidas nesse processo, de (in)formação e mediações, e
sobre os meios necessários para que informações geradas em tais comunidades se
transformem em conhecimento pessoal dos sujeitos coletivos, através da construção de
significados relevantes à formação da cidadania.
Esse ciclo de produção do conhecimento concretizado no Itinerário Pedagógico de
cada escola ganha nuances de singularidades, a partir das relações que se estabelecem entre os
diferentes sujeitos. Assim, o foco deixa de ser no educando(a), no educador(a) ou no
conteúdo e passa a ser na relação tecida entre esses pólos da prática pedagógica.
A valorização dos saberes populares num diálogo com os conhecimentos científicos
produziram muitos frutos, desencadeando mudanças significativas nos processos
administrativos e pedagógicos das escolas, nas quais a participação da família e da
comunidade passa pela organização coletiva de educandos (as), educadores(as), técnicos
administrativos, comunidade e pelo envolvimento efetivo de outros sujeitos do processo de
ensinar-aprender vivenciado na escola e na comunidade.
Assim, os caminhos construídos pelas escolas são múltiplos, no entanto, carregam o
potencial de gerar um conhecimento e uma itinerância que sinalizam para práticas que buscam
responder a realidades dos sujeitos sociais a quem se destinam e que se constituem como um
processo situado em um tempo e em um espaço específicos, com diferentes formas
organizativas do trabalho escolar.
A escola mostra-se como um local de debates, de formulação de ideias, resolução de
problemas que emergem da realidade dos sujeitos, de múltiplas contradições e da
possibilidade do diálogo fundamentado na reflexão coletiva. Não é difícil afirmar que o
projeto político pedagógico orienta a organização do trabalho pedagógico na sua globalidade
e que a dinâmica interna da sala de aula oferece alternativas de ação ao professorado numa
perspectiva emancipatória.
Os dispositivos pedagógicos são elementos mediadores do processo educativo, que
possibilitam a produção, comunicação e transmissão dos conhecimentos e se encontram em
todas as práticas pedagógicas, principalmente para fortalecer a vinculação da escola com a
386
família e a comunidade, e como uma ferramenta para conhecer a realidade e aprofundar os
conhecimentos em sala de aula, enquanto que a gestão considera o processo de
democratização sob dois aspectos:
a) interno, que contempla os processos administrativos e a participação da
comunidade escolar nos projetos pedagógicos; e
b) externo, ligado à função social da escola, na forma como produz, divulga e
socializa o conhecimento.
A participação e o trabalho coletivo constituem-se no principal meio de assegurar a
gestão democrática da escola, possibilitando o envolvimento de profissionais, família e
comunidade no processo de tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar.
A gestão do conhecimento nas Escolas do Campo, de forma compartilhada, em
nenhum momento tira a importância e o papel do professorado, na organização do trabalho
pedagógico. A prática docente é redimensionada, quando planeja a partir da realidade dos
educandos(as) e sua intervenção na realidade exige um pensar sobre os conhecimentos a
serem selecionados e os dispositivos pedagógicos que contribuem para esse processo de
apropriação e ampliação dos conhecimentos.
Assim, os/as educadores (as) constroem os conhecimentos no diálogo com os/as
educandos/as. Isso implica numa elaboração de situações de aprendizagem nas quais são
indispensáveis as interações e as múltiplas linguagens na realização dos estudos e na
significação do conhecimento.
É inegável a pluralidade de saberes que conformam a prática dos docentes das escolas.
São saberes adquiridos ao longo dos tempos, advindos não somente da formação profissional
escolar, mas também de sua própria história de vida, da convivência com as famílias, com os
estudantes, da formação continuada desenvolvida pelos movimentos sociais e organizações às
quais se encontram vinculada as Escolas.
Outra dimensão importante é a prática avaliativa nas escolas que apresentam
estratégias diferenciadas para vivenciar uma avaliação diagnóstica, processual, formativa e
que tenha significado para o educando, o que pressupõe um acompanhamento individual do
desempenho dos estudantes. Em uma das escolas identificamos estratégias específicas de
avaliação de outros aspectos, como atitudes, formas de relação etc, existindo um esforço de
planejar o processo avaliativo nos diferentes espaços de aprendizagem, além da sala de aula.
No que se refere à prática discente, a convivência e a participação nos espaços da
escola, inclusive com o direito de compartilhar o poder na escola, possuem um significado
387
importante para a formação dos estudantes, gerando um clima de confiança e amizade no
grupo e um sentimento de acolhimento e alegria no ambiente escolar. Identificamos nas
escolas pesquisadas uma diminuição da evasão e repetência escolar, (algumas não apresentam
no último ano) atribuída pelos educadores (as) ao processo de acompanhamento individual
aos educandos(as).
A ação educativa implicada na responsabilidade com os sujeitos e com seu contexto,
na ampliação de suas capacidades comunicativas e de intervenção no mundo como forma de
reinvenção das pessoas, da escola e da realidade, faz-se presente nas intenções e ações das
salas de aula. Portanto, são frutos que colocam desafios que se constituem em sementes para
novos estudos e reflexões.
Na prática pedagógica os desafios são os de assegurar o espaço democrático de
diversidade e pluralidade, em que, pelo diálogo entre as diferenças, constrói-se um ambiente
de produção coletiva de respeito à singularidade de cada um, de desenvolvimento da
autonomia e, sobretudo, como espaço em que os sujeitos criam seus próprios significados, ao
invés de obtê-los formatados e predeterminados por outrem.
Para alicerçar a prática desenvolvida nas escolas, a construção de uma teia de
parceiros, que instiguem o trabalho coletivo, o aprofundamento dos conteúdos, a articulação
para encaminhamento das ações escolares e comunitárias, é reconhecida por todas as escolas:
organizações sociais, especialistas etc., evidenciando um currículo que investiga não sobre a
comunidade, mas com a comunidade, o que amplia os desafios do aprofundamento dos
conteúdos e de estratégias de gestão para articulação do conhecimento.
É no cotidiano que as escolas enfrentam as dificuldades a que estão sujeitas, a partir de
processos contínuos repletos de conflitos, tensões e acertos, que se processam por um
conjunto de práticas históricas e dominantes e por novas práticas que se articulam em
princípios. De modo geral, as ações desenvolvidas pelas escolas e comunidades apontam para
a possibilidade de implementação concreta de uma política pública da escola do campo
contextualizada e socialmente referenciada na vida, no trabalho e na cultura dos sujeitos do
campo.
Os frutos da mobilização do Movimento da Educação do Campo, por uma formação
inicial em Licenciatura de Educação do Campo, estão sendo colhidos, considerando que vinte
e quatro universidades públicas realizam a oferta desse curso a partir de 2009. No entanto, o
desafio é de repensar as formas de acesso e permanência na universidade pública dos/das
educadores(as) que estão em serviço na Escola do Campo, bem como de uma organização
388
curricular que assegure uma formação pedagógica sólida e contextualizada com a diversidade
do campo.
Ainda é preciso avançar, com o apoio do poder público, para as práticas de formação
continuada que são desenvolvidas de forma permanente, sistemática e contextualizada, para
contribuir com a construção de um repertório de conhecimentos específicos para o
professorado que se encontra no exercício docente das Escolas do Campo.
Com relação às políticas educacionais, os documentos e a percepção dos sujeitos das
Escolas do Campo dão sinais de avanços da luta pela escolarização básica dos Povos do
Campo, no entanto, tais políticas apresentam uma fragilidade em sua implementação,
principalmente nos municípios, decorrente de diferentes fatores:
desconhecimento dos gestores públicos municipais da legislação específica da
Educação do Campo e de outras políticas específicas da diversidade;
rotatividade dos gestores responsáveis pela política de educação nos
dentro de um mesmo mandato, ocorre sucessivas mudanças dos responsáveis
por esta pasta;
descompromisso político e social com a universalização da Educação Básica,
com qualidade social e contextualizada na realidade do campo;
burocratização dos processos de financiamento público e alta inadimplência
dos municípios, o que inviabiliza o acesso aos recursos públicos federais para
melhoria das condições materiais das escolas do campo; e
desvalorização das práticas pedagógicas existentes nos municípios, enquanto
formuladoras de uma proposta pedagógica das Escolas do Campo.
Outra questão diz respeito às escolas multisseriadas, que constituem metade das
Escolas do Campo e que solicitam políticas sistemáticas na melhoria das suas condições
materiais, na formação inicial e continuada dos profissionais para atuarem nessa realidade
educacional e na valorização das diferentes propostas pedagógicas que buscam organizar o
trabalho pedagógico nestas escolas.
Para os movimentos sociais, coloca-se o desafio de fortalecimento das ações em rede e
construção da unidade na diversidade de concepções e práticas existentes entre os mesmos.
E, principalmente, de sistematização das diferentes práticas educativas que coordenam ou
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acompanham na perspectiva de uma avaliação crítica e de uma maior aproximação entre a
teoria pedagógica e a prática desenvolvida nas escolas.
Na produção acadêmica, temos o desafio do ensino, da pesquisa e da extensão,
refletindo sobre as práticas pedagógicas existentes no campo, em sua diversidade e
heterogeneidade, e contribuindo para tirar da invisibilidade o pensar e o fazer pedagógico das
Escolas do Campo. Esperamos que as contribuições provenientes das Escolas do Campo
possam repensar a formação inicial de educadores (as) realizada pelas Universidades.
Um limite é não haver formação continuada específica para os profissionais da
Educação do Campo, vinculada às necessidades da prática nas Escolas do Campo. Para isso,
são importantes as parcerias entre poder público, universidades e organizações sociais do
campo.
A itinerância da pesquisa representou um esforço pessoal e profissional pela dimensão
nacional do Movimento da Educação do Campo. No entanto, a heterogeneidade das propostas
e práticas pedagógicas das Escolas do Campo exigiu que este fosse o caminho teórico e
metodológico a ser feito, o que nos possibilitou a aprendizagem da singularidade de cada
prática e a clareza de que não há um só modelo para a Educação do Campo. Existem práticas
diversas que corporificam os princípios e fundamentos da Educação do Campo, a partir do
contexto e do itinerário que constroem em cada escola.
A vida e a dinâmica do Movimento da Educação do Campo mostram-se na
diversidade de estruturação das redes que o compõem. Materializam-se e se reinventam na
sala de aula, na curiosidade dos educandos (as), no comprometimento dos docentes e na
participação das famílias.
O aprendizado da multiculturalidade na prática educativa é um ensinamento que a
pesquisa nos traz, por diferentes abordagens e estratégias que os educadores (as) trabalham
em sala de aula nas questões ligadas a gênero, raça, religiosidade, geração etc. Por isso,
pensamos que precisam continuar e ser ampliadas para contribuir nos processos de formação
dos docentes e na elaboração dos projetos político-pedagógicos de outras escolas.
Estes são os elementos apreendidos e trazidos por esta pesquisa, que podem ser
ampliados ou revistos com a continuidade de outras pesquisas. Pensamos, também, que a
pesquisa traz indicativos para se repensar a formação dos educadores(as) nos Centros de
Formação, que contemple a diversidade dos sujeitos sociais do campo, a organização do
trabalho pedagógico e a relação entre a escola e a comunidade.
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ANEXOS E APÊNDICES
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as.
ANEXO A PLANO DE FORMAÇÃO DA EFAORI 2008
IV
V
VI
VII
VIII
IX
ANEXO B CALENDÁRIO ESCOLAR DA EFAORI 2008
X
XI
XII
ANEXO C- NORMAS DE FUNCIONAMENTO DA EFAORI 2008
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
ANEXO D CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DA EFAORI
XVIII
XIX
ANEXO E FICHA DO CENSO AGROPECUÁRIO PEADS
XX
XXI
XXII
XXIII
XXIV
XXV
XXVI
XXVII
XXVIII
XXIX
XXX
XXXI
XXXII
XXXIII
XXXIV
XXXV
XXXVI
XXXVII
XXXVIII
XXXIX
XL
XLI
ANEXO F - CALENDÁRIO DA ERUM
XLII
XLIII
Silva, Maria do Socorro
As práticas pedagógicas das escolas do campo: a escola navida e a vida como escola / Maria do Socorro Silva. Recife: OAutor, 2009.
436 f. : il. ; 31 cm.
Tese (Doutorado) Universidade Federal de Pernambuco, CE, Pós-Graduação em Educação, 2010.
Orientadora: Maria Eliete Santiago
1. Professores - Formação. 2. Educação do Campo. 3. Prática docente. I. Santiago, Maria Eliete. II. Universidade Federal de Pernambuco, CE, Pós-Graduação em Educação. III. Título.
37 CDU (2.ed.) UFPE
370.71 CDD (22.ed.) CE2010-48
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