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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
MAYARA KUPINSKI MATOS
A APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO AOS
CONTRATOS DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS:
A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS COMO INSTRUMENTO
DA MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-
FINANCEIRO
Florianópolis
2014
2
MAYARA KUPINSKI MATOS
A APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO AOS
CONTRATOS DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS:
A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS COMO INSTRUMENTO
DA MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-
FINANCEIRO
Trabalho de conclusão de curso
submetido ao Curso de Graduação de
Direito da Universidade Federal de
Santa Catarina, como requisito parcial
para a obtenção do grau de bacharel
em direito.
Orientador: Prof. Luiz Henrique
Urquhart Cademartori, Dr.
Florianópolis
2014
4
A aprovação da presente monografia não
significará o endosso do Professor
Orientador, da Banca Examinadora e do Curso de Graduação em Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina às
ideias, às opiniões e à ideologia que a
fundamentam ou que nela são expostas.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço, inicialmente, a Deus, por ter me concedido o dom da
vida e me guiado desde então.
A minha família, e, em especial a meus pais, Ailson Rogério da
Rosa Matos e Maria Bernadete Kupinski Matos, pelo exemplo de
honestidade e perseverança a mim passados.
A minha irmã, Bárbara Kupinski Matos, pela amizade de sempre.
Ao meu namorado e companheiro de todas as horas, Guido Rosso
Guedin, pelo incentivo e apoio em todos os momentos.
Aos mestres, em especial a meu orientador Luiz Henrique
Urquhart Cademartori pela gentileza e orientação que dispensou a mim.
À Universidade Federal de Santa Catarina, que me proporcionou
um estudo gratuito e de excelência, colaborando, em muito, com minha
formação profissional.
6
RESUMO
A presente monografia tem como escopo investigar a aplicabilidade da
Teoria da Imprevisão aos contratos de concessão de serviço público,
observadas suas peculiaridades. No primeiro capítulo, traçam-se breves
considerações acerca da formação histórica do contrato, definindo-o
enquanto instituto de Direito Civil. Analisam-se, ainda, os princípios
informativos do Direito Contratual, bem como os elementos do contrato
e seu processo de formação e extinção. A seguir, no segundo capítulo,
busca-se explicitar as peculiaridades dos contratos administrativos,
diferenciando-os dos contratos de Direito Privado, tecendo observações
acerca do contrato de concessão de serviços públicos. No terceiro
capítulo, explora-se a Teoria da Imprevisão na ordem jurídica pátria,
dissertando acerca de seus requisitos de aplicabilidade. Por fim, ainda
neste último capítulo, demostra-se, a partir do estudo da intangibilidade
da equação econômico-financeira do contrato de concessão de serviço
público, a necessidade de sua revisão quando ocorrerem fatos
extraordinários e supervenientes que venham a desestabilizar tal
equação, por meio da aplicação da Teoria da Imprevisão.
Palavras-chave: Contrato. Concessão de serviço público. Direito
Administrativo. Teoria da Imprevisão.
7
LISTA DE FIGURAS
1.Figura - Cláusulas exorbitantes ...........................................................55 2.Figura - Cláusula de modificação unilateral do contrato administrativo
............................................................................................................... 56 3.Figura - Áleas......................................................................................72
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 10 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS .................................... 12 1.1 DEFINIÇÃO DE CONTRATO.. ............................................... 12 1.2 PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO DIREITO CONTRATUAL
.....................................................................................................16 1.2.1 Princípio da autonomia da vontade ........................................ 17 1.2.2 Princípio da obrigatoriedade dos contratos ........................... 19 1.2.3 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato .................. 20 1.2.4 Princípio da boa-fé objetiva .................................................... 21 1.2.5 Princípio da função social dos contratos ................................ 23 1.3 ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CONTRATO ....................... 24 1.3.1 Capacidade das partes ............................................................. 25 1.3.2 Objeto ........................................................................................ 25 1.3.3 Forma ........................................................................................ 26 1.4 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ........................................... 27 1.4.1 Fase de negociações preliminares ........................................... 27 1.4.2 Fase de proposta ....................................................................... 28 1.4.3 Fase de contrato preliminar .................................................... 30 1.4.4 Fase de contrato definitivo ...................................................... 31 1.5 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS ............................................. 33 2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
........................................................................................................35 2.1 REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS .......................................................................... 36 2.1.1 Obrigatoriedade de licitação prévia ....................................... 37 2.1.2 Possibilidade de exigência de garantia a ser prestada pelo
contratado ............................................................................................ 38 2.1.3 Requisitos para a formalização do contrato .......................... 39 2.1.4 Cláusulas essenciais .................................................................. 40 2.1.5 Cláusulas exorbitantes ............................................................. 41 2.1.6 Prazo .......................................................................................... 46 2.1.7 Exceptio non adimpleti contractus ........................................... 47 2.1.8 Possibilidade de subcontratação ............................................. 47 2.1.9 Extinção contratual .................................................................. 48 2.2 CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS 49 2.2.1 Regime jurídico aplicável ........................................................ 50 2.2.2 Traços característicos da concessão de serviço público ........ 51
9
3 A TEORIA DA IMPREVISÃO E OS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS ........................................................................ 56 3.1 EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ................................................. 56 3.1.1 Desequilíbrio econômico-financeiro em decorrência de álea
ordinária............................................................................................... 60 3.1.2 Desequilíbrio econômico-financeiro em decorrência de álea
extraordinária administrativa ............................................................ 60 3.1.3 Desequilíbrio econômico-financeiro em decorrência de álea
extraordinária econômica ................................................................... 63 3.2 TEORIA DA IMPREVISÃO ..................................................... 63 3.2.1 Histórico .................................................................................... 64 3.2.2 A teoria da imprevisão ordenamento jurídico brasileiro ...... 66 3.3 APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO AOS
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ................................................. 75 3.3.1 Recomposição do equilíbrio econômico-financeiro das
concessões de serviço público mediante a aplicação da Teoria da
Imprevisão ........................................................................................... 77 4 CONCLUSÕES ........................................................................... 81 5 LISTA DE REFERÊNCIAS ...................................................... 83
10
INTRODUÇÃO
Tão antigo como o próprio ser humano é o conceito de contrato,
que nasceu a partir do momento em que as pessoas passaram a se
relacionar e a viver em sociedade. A própria palavra sociedade traz a
ideia de contrato, de composição entre as partes com a finalidade de
promover uma convivência pacífica (TARTUCE, 2014).
A Administração Pública, desde logo, reconheceu a utilidade
desse instrumento para a satisfação do interesse público. Todavia, sua
interveniência no campo dos contratos gerou grande perplexidade na
doutrina, fundamentalmente pela aparente incompatibilidade entre os
princípios que regem o Direito Civil e o Direito Público (BASTOS,
1994).
Contemporaneamente, a Administração utiliza-se, por diversas
vezes, da concessão de serviços públicos, transferindo a particulares a
realização de determinados serviços. Neste viés, a concessão se
apresenta como uma ferramenta de gestão, materializada por meio de
contrato, que possibilita redução de custos e especialização em sua
prestação.
A concessão de serviço público pode ser definida como contrato
administrativo por meio do qual o poder concedente – ente público –
delega à pessoa jurídica ou consórcio de empresas a execução de um
serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta
e risco, sendo este remunerado, em regra, mediante tarifa paga pelo
usuário.
Logo, enquanto espécie de contrato administrativo, a concessão
de serviços públicos observa um regime jurídico próprio, instituído pelo
Direito Administrativo, regido pelo princípio da supremacia do interesse
público, e substancialmente delineado pelas Leis n. 8.987/1995 e n.
8.666/1993, nas quais se conferem prerrogativas à Administração
Pública.
É do Direito Civil que o Direito Administrativo extrai as bases da
teoria dos atos e contratos administrativos. Mas, como é evidente, não
obstante serem as bases idênticas, o Direito Administrativo se orienta
pelo interesse público, enquanto o Direito Civil segue orientação
diversa, calcada nos interesses privados (FIUZA, 1999).
Os contratos administrativos de concessão de serviços públicos,
assim como aqueles regidos pelo Direito Privado, devem possuir
equivalência entre o objeto contratado e seu preço, desde sua celebração
até o seu término.
11
Ocorre que, devido a fatores supervenientes, a equação
econômico-financeira do contrato administrativo pode ser
comprometida, onerando excessivamente uma das partes. Em meio ao
cenário econômico vigente, emerge, então, a discussão acerca da
execução destes contratos administrativos e da necessidade de
manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro.
Neste ínterim, a presente monografia tem por escopo compilar os
ditames legais e a produção doutrinária referentes à aplicabilidade da
Teoria da Imprevisão aos contratos administrativos de concessão de
serviço público, tendo em vista suas peculiaridades, em face da
obrigatoriedade de observância do princípio da modicidade da tarifa.
Neste trabalho, utilizar-se-á o método dedutivo de abordagem –
partindo-se de argumentos gerais para, então, proceder-se ao
desenvolvimento de raciocínio em torno da hipótese firmada – aliado ao
procedimento de estudo bibliográfico.
12
1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
A palavra contrato compõe-se de dois elementos: o pré-verbo
con, que significa “junto de”, e o substantivo tractus que, embora tenha
sentido primeiro de “ação de arrastar”, encerra a ideia, contida em seu
elemento radical, de confiança, fidelidade, sinceridade. Assim sendo, em
sua acepção etimológica, contrato significa “arrastamento simultâneo
baseado na confiança recíproca”, situação de tal ordem que impele duas
vontades oriundas de pontos diversos caminhando para o mesmo
objetivo, cruzando-se, atingindo-o, e, ao final, partindo novamente em
direções opostas (CRETELLA JÚNIOR, 1997).
Já nas sociedades mais primitivas se fazia presente a prática de
acertar-se entre dois ou mais indivíduos o cumprimento de determinados
comportamentos recíprocos. Entretanto, o caráter singelo da ordem
jurídica não permitia, ainda, sancionar o descumprimento dessas
avenças, o que só se tornou possível com o Direito Romano (BASTOS,
1994).
Desde então, a ideia de contrato vem sendo moldada, tendo
sempre como base as práticas sociais, a moral e o modelo econômico da
época (MARQUES, 1999). Com as recentes inovações legislativas e
com a sensível evolução da sociedade brasileira, não há como
desvincular o contrato da atual realidade nacional, surgindo a
necessidade de dirigir os pactos para a consecução de finalidades que
atendam aos interesses da coletividade (TARTUCE, 2014).
Ante a grande disputa entre os doutrinadores acerca da existência
e do conceito de contratos administrativos, exige-se, para uma correta
abordagem ao problema – possibilidade e requisitos de aplicação da
Teoria da Imprevisão aos contratos de concessão de serviços públicos –,
uma incursão sobre a Teoria Geral do Direito.
Isto porque, segundo Justen Filho (1997), o instituto do contrato
não teve sua origem no Direito Público, mas sim desenvolveu-se no
âmbito do Direito Privado, motivo pelo qual os caracteres fundamentais
e peculiares à figura contratual foram sistematizados por tal ramo do
Direito.
1.1 DEFINIÇÃO DE CONTRATO
Consoante Monteiro, Maluf e Silva (2010), a definição romana de
contrato, formulada por Ulpiano, apesar de concisa, era extremamente
13
correta: est pacto duorum pluriumve in idem placitum consensus, isto é,
o mútuo consenso de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto.
No Direito Romano primitivo, segundo Venosa (2012), os
contratos possuíam caráter rigoroso e sacramental, encontrando-se a
intenção das partes, à época da Lei das XII Tábuas, materializada nas
palavras corretamente pronunciadas.
O termo convenção (pacto conventio), no Direito Romano
Clássico, era empregado com o significado amplo de contrato,
considerado gênero, eis que abarcava todas as espécies de acordo de
vontades, que resultassem ou não em obrigações; e o termo contrato
(contractus), espécie daquele, era a relação jurídica constituída por
obrigações exigíveis mediante ações cíveis (RIZZARDO, 2010).
Dado o caráter personalíssimo da obligatio no Direito Romano, a
ligação se estabelecia entre as pessoas dos contratantes, prendendo-os
(nexum) e sujeitando seus próprios corpos. Só muito mais tarde foi
possível desbordar a execução que incidia sobre a pessoa do devedor
para seus bens (PEREIRA, 2009).
Consoante Roppo (2009), o contrato, à época, requeria sempre
forma específica e tipificação legal. Respeitava-se o direito alheio não
só pelo temor à ira divina, mas também pela existência de penas
extremamente cruéis. Em outras palavras, não era a forma, mas sim o
temor reverencial o instrumento que conferia obrigatoriedade ao
pactuado.
Após a queda do domínio romano, o Direito Contratual, tendo em
vista a influência germânica, encontrava-se dominado pelo simbolismo,
havendo a necessidade de se realizar um ritual para a perfectibilização
do contrato. Esse procedimento simbólico conservou-se até a Alta Idade
Média (VENOSA, 2012).
O conceito moderno de contrato, nos dizeres de Gomes (1998),
formou-se em consequência de diversas correntes de pensamento,
principalmente a dos canonistas e da escola do Direito Natural.
Firmou-se na Idade Média, por influência do direito canônico, o
conceito de contrato como acordo de vontades, por meio do qual os
indivíduos instauram uma relação jurídica, valorizando-se o
consensualismo em detrimento da forma. Os canonistas alçaram a
vontade à condição de elemento essencial do contrato, fundando-se,
entretanto, em razões teocráticas para o cumprimento da vontade
manifestada (SANTIAGO, 2005).
Foi concedido, de um modo geral, um certo caráter religioso à
palavra empenhada pelas partes, cujo não cumprimento importava em
pecado e em falta contra a fé jurada. Os Canonistas destacaram de tal
14
forma o consentimento como elemento do contrato, que concluíram
identificando o contrato com o próprio consentimento (GOMES, 2002).
O respeito à palavra dada e o dever da veracidade impostos pelo
Direito Canônico justificaram a necessidade de cumprimento das
obrigações pactuadas, independentemente da forma do pacto, tornando
necessária a adoção de regras jurídicas que assegurassem sua força
obrigatória (GOMES, 1998). Em outras palavras, além de assegurar à
vontade humana a possibilidade de criar direitos e obrigações, os
canonistas colaboraram para o surgimento do princípio pacta sunt
servanda (RIZZARDO, 2010).
Por sua vez, a escola de Direito Natural, racionalista e
individualista, influiu na formação histórica do contrato ao defender a
concepção de que o fundamento racional do nascimento das obrigações
se encontrava na vontade livre dos contratantes (GOMES, 1998). O
contrato passou a não mais se limitar à criação de obrigações, sendo
capaz de criar, modificar ou extinguir, inclusive, os direitos reais
(RIZZARDO, 2010).
A partir da revolução burguesa do início do séc. XIX, o contrato
passou a ter grande relevância na realização dos ideais de aquisição da
propriedade e para os fins da Revolução Industrial (RANGEL, 2009).
Nesta perspectiva, liberdade de contratar significava livre possibilidade,
para a burguesia empreendedora, de adquirir os bens das classes antigas,
detentoras improdutivas da riqueza, e livre possibilidade de fazê-los
frutificar com o comércio e a indústria (ROPPO, 2009).
No auge do liberalismo econômico do século XIX, a Teoria do
Direito, segundo Marques (1999), deu forma conceitual ao
individualismo econômico vigente à época, trazendo a lume a
concepção tradicional de contrato, traduzindo em seu bojo os
imperativos da liberdade individual e do dogma máximo da autonomia
da vontade. Esta definição, em princípio simples, tem grande
valor para a nossa análise, pois nela já podemos
encontrar os elementos básicos que caracterizarão
a concepção tradicional de contrato até os nossos
dias: (1) vontade (2) do indivíduo (3) livre (4)
definindo, criando direitos e obrigações
protegidos e reconhecidos pelo direito. Em outras
palavras, na teoria do direito, a concepção clássica
de contrato está diretamente ligada à doutrina da
autonomia da vontade e ao seu reflexo mais
importante, qual seja, o dogma da liberdade
contratual (p. 42).
15
Existiriam, portanto, dois elementos essenciais para a formação
do instituto: um estrutural, constituído pela alteridade presente no
conceito de negócio jurídico; e outro funcional, formado pela
composição de interesses contrapostos, mas harmonizáveis.
O conceito clássico é alvo de críticas por diversos doutrinadores.
Tartuce (2014), por exemplo, critica-o porquanto este exija um conteúdo
patrimonial. Considerando-se tal conceito, o casamento, por exemplo,
não seria um contrato, eis que seu conteúdo é mais do que patrimonial, é
afetivo, visando a uma comunhão plena de vida, como se extrai do art.
1.511 do Código Civil.
Pois bem, diante das profundas alterações estruturais e funcionais
pelas quais vem passando o instituto, alguns juristas, como Paulo Nalin,
propõem um conceito pós-moderno ou contemporâneo de contrato. Para
o doutrinador paranaense, o contrato constitui-se em uma relação
jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à
produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os
titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros (NALIN,
2005).
Neste viés, o contrato pode ser definido, consoante Pereira
(2009), como sendo um acordo de vontades, na conformidade da lei, e
com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar
ou extinguir direitos, ou, em outras palavras, com a finalidade de
produzir efeitos jurídicos.
Coelho (2012) destaca que, até o ano de 1991, o Direito Privado
pátrio dos contratos segmentava-se em dois regimes jurídicos diferentes.
De um lado, o Civil, aplicável à generalidade dos contratos entre
particulares, exceto os trabalhistas, e, de outro, o Comercial, relacionado
aos contratos próprios do comércio. Com o advento do Código de
Defesa do Consumidor, o tema foi revigorado pela criação de mais um
regime no direito privado dos contratos: o Consumerista. Por uma
fórmula bastante genérica, e ainda um tanto imprecisa, o regime jurídico
aplicável passou a variar conforme o contrato vinculasse empresário a
empresário – Direito Comercial –, empresário a não empresário –
Direito do Consumidor – ou não empresário a não empresário – Direito
Civil.
Não obstante a referida tripartição dos contratos de Direito
Privado no ordenamento jurídico brasileiro, a definição de contrato
permanece como aquela apontada por Nalin e Pereira.
16
1.2 PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO DIREITO
CONTRATUAL
Um dos mais importantes instrumentos de tempero de
racionalidade econômica e valores de justiça que cerca os conflitos de
interesses entre as partes de um contrato são os princípios do Direito
Contratual. Trata-se de normas de grande generalidade, expressas, ou
então explícitas, nos dispositivos legais que auxiliam os operadores do
Direito na apreciação de demandas que versem acerca da existência,
validade e cumprimento dos contratos (COELHO, 2012).
Cardeais em tema de contratação privada, tais postulados
encontram-se identificados nas codificações que, assim como a
brasileira, se encartam no sistema ocidental, de tradição romano-cristã.
São princípios ordenadores, ou informativos, de toda a temática
contratual, que delineam contornos às manifestações de vontade
tendentes à efetivação dos contratos (BITTAR, 1994).
Nesse sentido, repise-se que os princípios são regramentos
básicos aplicáveis a um determinado instituto jurídico, no caso em
questão, aos contratos. Os princípios são abstraídos das normas, dos
costumes, da doutrina, da jurisprudência e de aspectos políticos,
econômicos e sociais (TARTUCE, 2014).
Da concepção clássica de contrato, advieram diversos princípios
ordenadores do Direito Contratual, tais como, os princípios da
autonomia da vontade, da obrigatoriedade dos contratos e da
relatividade de seus efeitos.
Bierwagen (2007) ressalta que o atual Código Civil, afastando-se
do espírito individualista e pragmático do modelo clássico de contrato,
propõe uma renovação destes princípios: A crise social gerada pela conjugação do
individualismo jurídico e o liberalismo econômico
do século XIX e início do XX ensejou uma
reformulação dos seus princípios basilares
tendentes à maior socialidade e publicização do
direito das obrigações: o princípio da autonomia
da vontade, cedendo parte de seu espaço para o
dirigismo contratual, buscava resgatar a igualdade
das partes perdida com o fenômeno da
massificação das relações contratuais; o princípio
da obrigatoriedade foi amenizado para admite a
inexecução dos contratos pelo desequilíbrio
contratual decorrente de acontecimento
17
imprevisível e extraordinário; o princípio da
relatividade dos efeitos foi remodelado por força
do reconhecimento da função social dos contratos
[...] (p. 75).
Conclui-se, portanto, que há no ordenamento jurídico pátrio uma
flexibilização dos princípios clássicos, somada à positivação de
princípios modernos, como o da boa-fé objetiva e função social do
contrato.
1.2.1 Princípio da autonomia da vontade
Tradicionalmente, desde o Direito Romano, as pessoas são livres
para contratar. Essa liberdade abrange o direito de contratar se quiserem,
com quem quiserem e sobre o que quiserem – ou seja, o direito de
contratar e de não contratar, de escolher a pessoa com quem fazê-lo e de
estabelecer o conteúdo do contrato (GONÇALVES, 2009). Tal
liberdade encontra amparo no princípio da autonomia da vontade.
Considerado o princípio nuclear do universo contratual, a
autonomia da vontade representa, pois, o poder de auto-regulamentação
de interesses privados, diante dos pressupostos de liberdade e de
igualdade entre os titulares de direitos, por meio do qual as partes
livremente se obrigam em torno de determinado negócio ou deixam de
vincular-se, fixando as condições para a regência de seu relacionamento
(BITTAR, 1993).
Conforme leciona Coelho (2012), o princípio da autonomia da
vontade, nuclear no regime privado do direito dos contratos, desdobra-se
em postulados como os seguintes: a) Todos são livres para contratar ou não.
Ninguém está obrigado a celebrar contrato contra
a sua vontade. Assim, o sujeito de direito motiva-
se a contratar exclusivamente pelo interesse que
identifica, segundo seus próprios e subjetivos
critérios, no resultado da troca em negociação. Se
por qualquer motivo, ainda que emocional,
irracional ou intuitivo, a pessoa não considera
vantajoso o negócio (porque toma a obrigação que
assumiria por menos interessante que a prestação
prometida pelo outro contratante ou simplesmente
porque não o deseja), não há como obrigá-la a
contratar.
Mesmo quando se encontra compromissado a
celebrar o contrato, em virtude de um contrato
preliminar, é a vontade do sujeito (manifestada no
18
primeiro negócio) que o obriga. Outra decorrência
do primado da liberdade de contratar é a
instabilidade dos vínculos contratuais por prazo
indeterminado. O contratante pode rescindir
unilateralmente os contratos sem prazo, a
qualquer tempo: se ninguém é obrigado a
contratar, também não pode ser obrigado a ficar
vinculado ao contrato para sempre.
b) Todos são livres para escolher com quem
contratar. Em razão do princípio da autonomia da
vontade, ninguém pode ser obrigado a contratar
com quem não quer. De novo, os motivos que se
levam em conta para afastar a hipótese de contrato
com determinado sujeito podem ser irracionais,
emocionais ou intuitivos, não interessa; se alguém
simplesmente não quer vincular-se a certa pessoa,
nada o pode forçar. Em decorrência do primado
da liberdade de escolha do contratante, o sujeito
vinculado a contrato não pode substituir-se no
vínculo por ato unilateral de vontade. Caso o
instrumento contratual não autorize
expressamente a sub-rogação ou cessão do
contrato, essas operações não são válidas sem o
consentimento dos demais participantes.
c) Os contratantes têm ampla liberdade para
estipular, de comum acordo, as cláusulas do
contrato. Como os sujeitos são livres para
contratar ou não e para escolher com quem
contratam, é consequência lógica dessa ampla
liberdade a possibilidade de as partes definirem,
de comum acordo, os termos e condições do
contrato, sem nenhuma restrição externa ao
encontro de vontades.
Em consequência do primado da liberdade de
estipular as cláusulas do contrato, a lei atinente à
matéria contratual desdobra-se em dispositivos na
sua maioria de natureza supletiva, isto é, são
normas aplicáveis na hipótese de omissão das
partes, quanto à composição de determinado
interesse comum, no contexto do contrato.
Somente se as partes se omitiram de detalhar certo
aspecto do negócio entabulado, incide a lei para
suprir a falta, definindo os direitos e obrigações
dos contratantes (p. 17-18).
19
Ocorre que a soberania da liberdade de contratar, oriunda do
individualismo jurídico que teve sua materialização plena no Código de
Napoleão, esconde em suas malhas a opressão real com que,
veladamente, a classe dominante abroquela seus interesses materiais.
Em verdade, “a liberdade de contratar é liberdade para o que possui esse
poder; para aquele contra quem se insurge é, ao contrário, impotência.
Não tem liberdade, não pode tê-la, quem possui como bem único a sua
força-trabalho” (WOLKMER, 2003, p. 31).
Como se vê a paridade jurídica entre os contratantes elencada a
nível de princípio norteador dos contratos privados nem sempre
encontra respaldo na realidade dos fatos.
Não por outro motivo, na formação do contrato, muitas vezes,
percebe-se a mitigação da liberdade contratual mediante a imposição de
cláusulas pela lei ou pelo Estado. Como exemplo dessa ingerência
estatal ou legal, pode-se citar o Código de Defesa do Consumidor e
mesmo o Código Civil de 2002, que igualmente determina a nulidade
absoluta de cláusulas tidas como abusivas (TARTUCE, 2014).
1.2.2 Princípio da obrigatoriedade dos contratos
A ordem jurídica oferece a cada um a possibilidade de contratar,
e dá-lhe a liberdade de escolher os termos da avença, segundo as suas
preferências. Concluída a convenção, recebe da ordem jurídica o condão
de sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado com
observância dos requisitos de validade, o contrato tem plena eficácia, no
sentido de que se impõe a cada um dos participantes, que não mais têm a
liberdade de se forrarem as suas consequências, a não ser com a
cooperação anuente do outro (PEREIRA, 2009).
De acordo com Bittar (1993), o princípio da obrigatoriedade dos
contratos, que deriva da máxima pacta sunt servanda, impõe às partes o
adimplemento, sob pena de sanções previstas para a hipótese. A ideia
ética de honra à palavra dada embasa também a formulação em causa,
em razão da segurança necessária ao comércio jurídico. Significa,
portanto, que, empenhada a palavra em torno da operação visada, as
partes devem cumprir as obrigações assumidas e exatamente na
satisfação dos interesses postos na contratação.
A vinculação das partes ao contrato, consoante o aludido autor, é
importante não somente do ponto de vista moral, de cumprimento da
palavra empenhada, porquanto se trata de princípio que corresponde a
elemento estrutural da economia. Cada sujeito de direito planeja suas
20
ações no pressuposto de integral cumprimento dos contratos. Esse
pressuposto é pertinente, porque a expressiva maioria das obrigações
contratuais é de fato adimplida no tempo e lugar ajustados. Aquele
contratante que deixa de entregar, no vencimento, a prestação por que se
obrigara desencadeia, em graus variados, um movimento de frustração
dos planejamentos dos demais sujeitos.
Depois de celebrar o contrato de locação, com a definição do
valor e prazo do aluguel devido pelo locatário, o locador pode assumir
compromissos com terceiros, contando com esses recursos; pode,
inclusive, financiar a aquisição de um automóvel. Se o locatário falha no
pagamento do aluguel no valor e prazo contratados, o locador não
disporá dos recursos correspondentes para o pontual adimplemento de
sua obrigação com a financiadora. Se não tiver dinheiro economizado
para emergências ou não conseguir emprestá-lo de amigos ou parentes,
irá atrasar a prestação do carro. Ainda que, posteriormente, os devedores
inadimplentes indenizem os credores, a frustração do adimplemento de
um contrato repercute em outros do ponto de vista econômico
(COELHO, 2012).
Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato, ante a qual
é vedado às partes alterar unilateralmente o conteúdo do contrato e ao
magistrado, em regra, intervir em seu conteúdo – regra que, por óbvio,
comporta temperamentos (VENOSA, 2012).
1.2.3 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato
Doutra parte, rege o Direito Contratual o princípio da relatividade
dos efeitos do contrato, que, segundo Gonçalves (2009), se funda na
ideia de que tais efeitos só se produzem em relação às partes, que
manifestaram sua vontade, vinculando-as a seu conteúdo, não afetando
terceiros nem seu patrimônio. De fato o contrato reúne e vincula apenas
os contraentes e, sob o aspecto objetivo, restringe-se ao conteúdo e aos
bens que envolve, com a exceção da posição dos herdeiros (BITTAR,
1993).
O mencionado princípio mostra-se coerente com o modelo
clássico de contrato, que objetivava exclusivamente a satisfação das
necessidades individuais. Essa visão, no entanto, foi abalada pelo
advento do Código Civil de 2002, que reconheceu a função social dos
contratos. Contemporaneamente, não resta dúvida de que o princípio da
relatividade dos efeitos do contrato, malgrado subsista, foi atenuado
pelo reconhecimento de que as cláusulas gerais, por conterem normas de
ordem pública, não se destinam a proteger unicamente os direitos
21
individuais das partes, mas sim a tutelar o interesse da coletividade
(GONÇALVES, 2009).
1.2.4 Princípio da boa-fé objetiva
Dispõe o art. 422 do Código Civil que “os contratantes são
obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
A boa-fé objetiva, adotada pelo Código Civil brasileiro e também
pelos principais ordenamentos jurídicos, pode ser definida como um
princípio que exprime uma regra de conduta que todo homem médio
deve seguir. Trata-se de um standard de conduta, e, por se tratar de
norma de ordem pública, deve ser aplicada pelo juiz independentemente
do requerimento das partes, podendo ser alegada a qualquer tempo e
grau de jurisdição (BERALDO, 2011). Trata-se da concreção do
princípio da eticidade, informador do Código Civil vigente, aos
negócios jurídicos.
O mencionado princípio possui como paradigma o respeito de
deveres anexos identificados pelo operador do direito em cada caso
concreto segundo um padrão de conduta comum exigido do homem
médio e que se identifica de acordo com os aspectos sociais e
econômicos visados com o negócio jurídico celebrado. Distingue-se,
portanto, da até então consagrada boa-fé subjetiva que se limita à
aferição do grau de conhecimento que possui o contratante a respeito do
negócio celebrado (SAMPAIO, 2004).
A boa-fé objetiva não cria apenas deveres negativos, como o faz a
boa-fé subjetiva. Ela cria também deveres positivos, já que exige que as
partes tudo façam para que o contrato seja cumprido conforme previsto
e para que ambas obtenham o proveito objetivado. Assim, o dever de
simples abstenção de prejudicar, característico da boa-fé subjetiva, se
transforma na boa-fé objetiva em dever de cooperar (PEREIRA, 2009).
Analisando-se o Código Civil vigente, pode-se verificar que o
princípio da boa-fé objetiva possui três funções: interpretativa, de
integração, e de controle, reproduzidas nos arts. 113, 422 e 187 do
referido código, respectivamente, conforme lição de Tartuce (2014): 1.º) Função de interpretação (art. 113 do CC) – eis
que os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua
celebração. Nesse dispositivo, a boa-fé é
consagrada como meio auxiliador do aplicador do
22
direito para a interpretação dos negócios, da
maneira mais favorável a quem esteja de boa-fé.
2.º) Função de controle (art. 187 do CC) – uma
vez que aquele que contraria a boa-fé objetiva
comete abuso de direito (“Também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes”). Vale mais uma vez lembrar que,
segundo o Enunciado n. 37 CJF/STJ, aprovado na
I Jornada de Direito Civil, a responsabilidade civil
que decorre do abuso de direito é objetiva, isto é,
não depende de culpa, uma vez que o art. 187 do
CC adotou o critério objetivo-finalístico. Dessa
forma, a quebra ou desrespeito à boa-fé objetiva
conduz ao caminho sem volta da responsabilidade
independentemente de culpa, seja pelo Enunciado
n. 24 ou pelo Enunciado n. 37, ambos da I Jornada
de Direito Civil. Não se olvide que o abuso de
direito também pode estar configurado em sede de
autonomia privada, pela presença de cláusulas
abusivas.
3.º) Função de integração (art. 422 do CC) –
segundo o qual: “Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios de probidade e boa-
fé”. Relativamente à aplicação da boa-fé em todas
as fases negociais, foram aprovados dois
enunciados doutrinários pelo Conselho da Justiça
Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. De
acordo com o Enunciado n. 25 CJF/STJ, da I
Jornada, “o art. 422 do Código Civil não
inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio
da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”. Nos
termos do Enunciado n. 170 da III Jornada, “A
boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na
fase de negociações preliminares e após a
execução do contrato, quando tal exigência
decorrer da natureza do contrato”. Apesar de
serem parecidos, os enunciados têm conteúdos
diversos, pois o primeiro é dirigido ao juiz, ao
aplicador da norma no caso concreto, e o segundo
é dirigido às partes do negócio jurídico. (p. 442-
443).
23
Segundo Theodoro Júnior (1999), um dos grandes efeitos do
princípio da boa-fé no campo dos contratos se traduz na vedação de que
a parte venha a observar conduta incoerente com seus próprios atos
anteriores. A ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição
com sua anterior conduta interpretada objetivamente segundo a lei, os
bons costumes e a boa-fé.
Trata-se da proibição de venire contra factum proprium. O
factum proprium, conforme observa Schreiber (2007) é a conduta
humana inicial. Esta conduta, todavia, não é juridicamente vinculante,
pois, se fosse, estaria dispensada a análise da confiança e far-se-ia uso
automático das disposições civis específicas. A vinculação irá ocorrer
somente no momento em que a confiança alheia for despertada,
obrigando, por isso, o sujeito à manutenção do comportamento inicial.
Nas palavras do autor, para a caracterização da inadmissibilidade
do comportamento contraditório é essencial a reunião de alguns
requisitos, quais sejam: o factum proprium, a legítima confiança, a
contradição ao factum proprium e a ocorrência de dano efetivo ou
potencial.
Assim, por exemplo, o credor que, durante a execução de
contrato de prestações periódicas, acordou com o pagamento em lugar
ou tempo diverso do convencionado não pode surpreender o devedor
com a exigência de cumprimento literal do contrato. Do mesmo modo,
aquele que vende um estabelecimento comercial e auxilia, por alguns
dias, o comprador, inclusive preenchendo pedidos e novas encomendas
com seu próprio número de inscrição fiscal, não pode, posteriormente,
cancelar tais pedidos, sob a alegação de uso indevido de sua inscrição
(GONÇALVES, 2009).
1.2.5 Princípio da função social dos contratos
Modernamente, o Direito Contratual deve ser encarado como um
dos meios pelo qual o homem procura o seu desenvolvimentoe gera
distribuição de oportunidades e riquezas, com o escopo de atingir o bem
comum (BEGALLI, 2006). Foi neste ínterim que o legislador civilista
de 2002 elevou a função social à estatura de direito positivo, inserindo
no art. 421 do Código Civil disposição prevendo que a liberdade de
contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do
contrato.
24
Theodoro Júnior (2008, p. 31) preceitua que a função social do
contrato “consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos
sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre
as partes que o estipulam (contratantes)”.
Sendo assim, o supracitado dispositivo legal deve ser interpretado
de forma a se manter o princípio de que a liberdade de contratar é
exercida em razão da autonomia da vontade que a lei outorga às pessoas.
O contrato ainda existe para que as pessoas interajam com a finalidade
de satisfazer os seus interesses. A função social do contrato serve para
limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em
confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa
limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre
nas hipóteses de contrato obrigatório (PEREIRA, 2009).
A função social revela-se em dois níveis: intrínseco e extrínseco.
Naquele, o contrato é visto como relação jurídica entre as partes
negociais, buscando-se uma equivalência material entre os contratantes.
Neste, o contrato é visto sob o prisma da coletividade, ou seja, sob o
aspecto de seu impacto na sociedade em que fora celebrado (NALIN,
2005).
Toda situação jurídica patrimonial, integrada a uma relação
contratual, deve ser considerada originariamente justificada e
estruturada em razão de sua função social (TEPEDINO; BARBOZA;
MORAES, 2006). Por este fundamento, quando o julgador concluir que
um contrato, no todo ou em parte, desvia-se de sua função social, deverá
extirpar sua eficácia ou, se for o caso, adaptá-lo às necessidades sociais,
tal como faria em se tratando de cláusulas abusivas (VENOSA, 2011).
1.3 ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CONTRATO
Na medida em que a ordem jurídica institui o negócio jurídico
como fato produtor de Direito, confere aos indivíduos que lhe estão
subordinados o poder de regular as suas relações mútuas, dentro dos
quadros das normas gerais criadas por via legislativa ou consuetudinária
através de normas criadas pela via jurídico-negocial (KELSEN, 1984).
Por essa definição, percebem-se, para logo, a natureza e a essência do
contrato, que é um negócio jurídico e que por isso reclama, para sua
validade, em consonância com o art. 104 do Código Civil, agente capaz,
objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou
não defesa em lei (MONTEIRO; MALUF; SILVA, 2010).
25
1.3.1 Capacidade das partes
Quanto às pessoas que compõe o contrato, devem ser capazes e se
encontrarem legitimadas para o negócio pretendido, não podendo pesar
contra elas óbice algum de caráter jurídico. Em outras palavras, faz-se
necessário que se revistam de capacidade jurídica, não incidindo em
nenhuma das causas de incapacidade, seja absoluta ou relativa
(BITTAR, 1993).
Neste ínterim, nulo é o contrato celebrado pelas pessoas
absolutamente incapazes, quais sejam, os menores de dezesseis anos, os
que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário
discernimento para sua prática e os que, mesmo em virtude de causa
transitória, não puderem exprimir sua vontade, conforme rol expresso no
art. 3º do Código Civil. Por seu turno, no caso de incapacidade relativa,
o contrato torna-se anulável, ressaltando-se que os relativamente
incapazes podem contratar livremente, desde que assistidos por seus
pais, tutor ou curador, que precisam consentir na realização de cada
negócio jurídico (BEGALLI, 2006).
Outrossim, além da capacidade geral, Gonçalves (2009) aponta
que a lei exige, para celebrar certos contratos, uma capacidade especial,
mais intensa que a normal, como nos casos de doação, transação ou
alienação onerosa, que exigem o poder de disposição das coisas ou dos
direitos que são objeto do contrato.
Outras vezes, conforme observa o supracitado doutrinador,
embora o agente não seja incapaz, há impedimentos para a realização de
certos negócios, exigindo-se para tanto a outorga uxória – nos casos de
alienação de bem imóvel, por exemplo – ou o consentimento dos
descendentes – nos casos de venda a outros descendentes.
1.3.2 Objeto
Entende-se por objeto do contrato uma obrigação lícita e possível
de ser cumprida e exigida legalmente pelo credor. O objeto contratual
além de lícito, não deve atentar contra a moral, a ordem pública e os
bons costumes, podendo ser objeto de um contrato, segundo tais
condições, “as coisas corpóreas e incorpóreas; direitos e obrigações;
bens imóveis, móveis e coisas futuras” (ALBUQUERQUE, 2004, p.
38).
O objeto do negócio jurídico deve ser, igualmente, determinado
ou determinável – indeterminado relativamente ou suscetível de
determinação no momento da execução. Admite-se, assim, a venda de
26
coisa incerta quando indicada ao menos pelo gênero e quantidade, que
será determinada pela escolha (GONÇALVES, 2009).
Ademais, é necessário que o contrato verse sobre interesse
economicamente apreciável, isto é, o objeto do contrato deve ter um
valor econômico, capaz de transformar-se, direta ou indiretamente, em
pecúnia (BEGALLI, 2006).
Imprescindível, ainda, a adequação do objeto ao fim visado pelos
contraentes, caracterizando sua possibilidade jurídica. A idoneidade do
objeto pode ser excluída por motivos técnicos, quando as partes se
utilizam de contrato que não comporta o objeto, ou razões de política
legislativa, que impedem que certos interesses sejam objeto de relação
contratual (GOMES, 1998).
1.3.3 Forma
Albuquerque (2004), invocando a ensinança de Clóvis
Beviláqua, afirma que: Há formas intrínsecas ou viscerais, que
constituem a parte interna e essencial dos
contratos, como, por exemplo, a vontade das
partes; e há formas extrínsecas que são as
exterioridades, que afetam os atos jurídicos, ao se
caracterizarem pela celebração, o que devem
assumir para serem provados. (p. 21).
A forma intrínseca, segundo o autor, constitui-se na vontade das
partes – elemento de maior realce na formação do contrato que, se
integrando aos demais requisitos, aparece nos negócios jurídicos como
fonte de direitos e obrigações. Enquanto a forma intrínseca trata da
subjetividade das partes, a extrínseca enfoca o aspecto exterior dos atos
jurídicos, revestindo-os com certas formalidades capazes de torná-los
válidos e probativos.
A forma, segundo Rizzardo (2010), é o conjunto de solenidades a
serem observadas para que o contrato alcance eficácia jurídica.
Conforme destaca o autor, nos termos do art. 107 do Código Civil, a
validade da declaração de vontade, em regra, não depende de forma
especial, que só é exigível nos casos expressamente previstos em lei,
como por exemplo, na instituição do bem de família.
27
1.4 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS
Albuquerque (2004, p. 49), com base nos ensinamentos de
Jefferson Daibert, acentuou que a formação dos contratos implica
“desde a intenção dos contratantes – que se caracteriza pelo momento
subjetivo, psicológico, interno do querer humano –, até o outro
momento objetivo em que a vontade se reflete através da declaração.”
Em outras palavras, para que se forme o vínculo contratual, as
partes perpassam por fases que trazem a vontade do plano psicológico
interno, para a efetiva demonstração do querer, que se exterioriza por
meio da declaração (BEGALLI, 2006).
Como é resultado do encontro de vontades das partes, a formação
do contrato pressupõe a exteriorização destas. O primeiro contratante a
manifestar sua vontade é chamado de proponente ou policitante e sua
declaração de proposta, oferta ou policitação. O outro contratante, por
sua vez, manifesta-se mediante aceitação e é denominado aceitante ou
oblato. Em todos os contratos, mesmo nos instantaneamente
constituídos e executados, podem-se divisar a proposta e o aceite
(COELHO, 2012).
Consoante Tartuce (2014), o contrato nasce da conjunção de duas
ou mais vontades coincidentes, sem prejuízo de outros elementos, o que
consubstancia aquilo que se denomina autonomia privada. Desse modo,
seria possível identificar quatro fases na formação do contrato civil: fase
de negociações preliminares ou de puntuação, fase de proposta,
policitação ou oblação, fase de contrato preliminar e fase de contrato
definitivo ou de conclusão do contrato.
1.4.1 Fase de negociações preliminares
As negociações nada mais são do que conversações prévias,
sondagens e estudos sobre os interesses de cada contratante (BEGALLI,
2006). Em verdade, nesta fase pré-contratual têm-se propostas
precedentes ao contrato, com as quais os participantes, sem a intenção
de se obrigar, demonstram, reciprocamente, a de contratar. Tais
entendimentos preliminares, por serem meras ideias levadas ao
conhecimento da outra parte para estudo, estando sujeitas a debates
entre ambas, carecem de força vinculante (DINIZ, 2010).
Tartuce (2014), aderindo à doutrina majoritária, entende que a
fase de debates ou negociações preliminares não vincula os participantes
quanto à celebração do contrato definitivo. Entretanto, encontra-se
28
filiado ao entendimento segundo o qual é possível a responsabilização
contratual nessa fase do negócio jurídico pela aplicação do princípio da
boa-fé objetiva, que é inerente à eticidade, um dos baluartes da atual
codificação privada.
A esse respeito, comenta apropriadamente Pereira (2009) que,
não obstante faltar-lhe obrigatoriedade, pode surgir responsabilidade
civil para os que participam das conversações preliminares, não no
campo da culpa contratual, mas da aquiliana, extracontratual, no caso de
um deles induzir no outro a certeza de que o contrato será celebrado,
levando-o a despesas ou a não contratar com terceiro, e, depois, recuar,
causando-lhe dano.
A mencionada responsabilidade pré-contratual é fundada não só
no princípio de que os interessados na celebração de um contrato
deverão se comportar de boa-fé – prestando informações claras e
precisas sobre as condições do negócio, guardando com zelo bens ou
documentos cedidos para análise, não divulgando fatos sigilosos, dentre
outras condutas –, mas também nos arts. 186 e 187 do Código Civil, que
dispõe que todo aquele que, por ação ou omissão, causar prejuízo a
outrem fica obrigado a reparar o dano. Deste modo, o dolo, negligência
ou imprudência do desistente autoriza a outra parte a exigir a reparação
do dano, não podendo esta, por óbvio, exigir o cumprimento do futuro
contrato, eis que a recusa de contratar constitui exercício regular de
direito (DINIZ, 2010).
1.4.2 Fase de proposta
A proposta é o momento inicial da formação do contrato, por
meio do qual uma das partes solicita a manifestação de vontade da outra
(MONTEIRO; MALUF; SILVA, 2010). Trata-se de ato unilateral pelo
qual ocorre a declaração receptícia de vontade de um dos contratantes, e
é dirigida à outra pessoa com a qual se pretende celebrar o contrato. A
fase de proposta não se confunde com os entendimentos preliminares,
uma vez que estes são meras proposições, sem caráter obrigacional,
enquanto aquela traduz uma vontade real de contratar nas bases
oferecidas (BEGALLI, 2006).
O sujeito, ao exteriorizá-la, deve ser sério, abstendo-se de
convidar alguém à mesa de negociação se não estiver imbuído da real
intenção de contratar. A falta de seriedade na declaração configura ato
ilícito, em razão de incorrer em desrespeito ao dever geral de boa-fé,
podendo ser o contratante responsabilizado pelos danos que causar
(COELHO, 2012).
29
O art. 427 do Código Civil dispõe que, em regra, a proposta de
contrato obriga o proponente. Convém, neste ponto, frisar que a
proposta é um vínculo obrigacional e não um contrato constituído de
todos os seus elementos essenciais, não gerando consequências jurídicas
para a outra parte (ALBUQUERQUE, 2004).
O mencionado dispositivo legal traz em seu bojo exceções à
obrigatoriedade da proposta ao dispor que essa se aplicará “se o
contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das
circunstâncias do caso”.
Gonçalves (2009), ao tecer comentários acerca da primeira
possibilidade de não-obrigatoriedade elencada pelo art. 427 do Código
Civil, relata que esta ocorre quando o próprio proponente declara que a
proposta não é definitiva e se reserva o direito de retirá-la, muitas vezes
utilizando-se de cláusula com os dizeres “proposta sujeita a
confirmação” ou “não vale como proposta”. Neste caso, o aceitante, ao
recebê-la, já tem conhecimento de sua não obrigatoriedade, e, se ainda
assim a examinar e estudar, será com seu próprio risco, pois não advirá
nenhuma consequência para o proponente se optar por revogá-la.
Como exemplo de proposta que não obriga o proponente em
razão da natureza aberta do negócio, que deixa subentendido que a
proposta não é em definitivo, Albuquerque (2004) elenca o caso das
sociedades de seguros, que ao distribuir prospectos, não apresentam
proposta firme de concluir o contrato de seguro com aqueles que o
receberam.
E, por último, a oferta não vincula o proponente em razão das
circunstâncias do caso, que se encontram mencionadas no art. 428 do
mesmo diploma. A esse respeito, invoca-se a lição de Sampaio (2004),
segundo a qual a proposta, embora tenha nascido com forma vinculante,
deixa de ser obrigatória: 1. se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não
foi imediatamente aceita. Isto porque não se
justifica a manutenção do vínculo de
obrigatoriedade se o destinatário da proposta, dela
imediatamente ciente, não emitir resposta.
Ressalta-se, aqui, que o legislador considerou
presente quem contrata por telefone ou por meio
de comunicação semelhante (no código revogado,
o teto apenas fazia referência à contratação por
telefone);
2. se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver
decorrido tempo suficiente para chegar a resposta
ao conhecimento do proponente. Tem-se aqui o
30
chamado prazo moral, ou seja, aquele suficiente
para o encaminhamento da resposta;
3. se, feita a pessoa ausente, não tiver sido
expedida a resposta dentro do prazo dado;
4. se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do
proponente. Nesse caso, deixa de ser obrigatória,
entre ausentes, quando houver a chamada
retratação eficaz, ou seja, quando o
arrependimento chegar ao conhecimento do
destinatário, ao menos, simultaneamente à
proposta. (p. 35-36).
Nas palavras de Diniz (2010), a oferta ao público, assim
entendida como aquela feita, por exemplo, via on-line em sites ou em
anúncio de televisão, rádio ou jornal, em que o aceitante, a princípio,
não é identificado, equivale à proposta obrigatória quando contiver os
elementos essenciais do contrato. Por outras palavras, deve trazer em
seu conteúdo elementos tais que à outra parte só reste aceitar ou não,
salvo se o contrário resultar das circunstancias ou dos usos.
O anunciante, segundo a autora, apenas poderá revogar a oferta
ao público usando o mesmo meio de divulgação, desde que ressalve essa
permissão na proposta feita. Se a oferta foi feita por meio de jornal, a
revogação deverá dar-se pela mesma forma. Se o ofertante não tiver
ressalvado o direito de revogar e houver aceitação por terceiro, deverá
cumprir a proposta, sob pena de responder pelo inadimplemento.
1.4.3 Fase de contrato preliminar
O contrato preliminar, pré-contrato ou pactum de contrahendo,
tratado pela atual codificação privada nos arts. 462 a 466, não é fase
obrigatória da formação do contrato, podendo ser dispensada pelas
partes. Na prática, muitas vezes, o contrato preliminar é celebrado em
compra e venda de imóvel para dar mais segurança às partes,
notadamente em relação ao preço convencionado (TARTUCE, 2014).
Essa categoria abrange, desimportando a denominação, todos os
acordos que antecedem a realização de outro contrato; são
evidentemente negócios jurídicos e como tal devem ser tratados. Nessas avenças, podem as partes determinar com maior ou menor amplitude as
cláusulas que vão constar do contrato definitivo. Terminologicamente,
dizemos que, com o contrato preliminar, as partes buscam a conclusão
de um contrato principal ou definitivo (VENOSA, 2011).
31
Para Pereira (2009), diferencia-se o contrato preliminar do
principal pelo objeto, que naquele é a obrigação de concluir o outro
contrato, enquanto neste é uma prestação substancial. Distingue-se,
também, das negociações preliminares, em que estas não envolvem
compromissos nem geram obrigações para os interessados, limitando-se
a desbravar terreno e salientar conveniências e interesses, ao passo que o
contrato preliminar já é positivo no sentido de precisar de parte a parte o
contrato a ser celebrado futuramente.
Segundo o autor, o contrato preliminar pode ser unilateral,
quando, perfeito pelo consentimento de ambas as partes, produz
obrigações ex uno latere, ou bilateral, quando gera obrigações para
ambos os contratantes, ficando desde logo programado o contrato
definitivo, como dever recíproco, obrigadas ambas as partes a dar-lhe
seu consentimento, e, por conseguinte, restando a cada uma delas o
direito de exigir da outra o respectivo cumprimento.
Se o contratante deixar escoar o prazo contratual ou o a que se
refere o art. 463 do Código Civil, sem cumprir a obrigação, será licito ao
credor pleitear judicialmente o suprimento da vontade do inadimplente,
obtendo uma condenação daquele a emitir a manifestação da vontade a
que se obrigou, por meio de uma sentença que, uma vez tramitada em
julgado, produzirá os efeitos da declaração não emitida, conferindo
caráter definitivo ao contrato preliminar, exceto se a isto se opuser a
natureza da obrigação, por ser personalíssima, hipótese em que o
contrato se resolverá em perdas e danos (DINIZ, 2011).
1.4.4 Fase de contrato definitivo
A última fase de formação do contrato é a fase do contrato
definitivo, quando ocorre o choque ou encontro de vontades originário
da liberdade contratual ou autonomia privada. A partir de então, o
contrato estará aperfeiçoado, gerando todas as suas consequências
como, por exemplo, aquelas advindas da responsabilidade civil
contratual, retirada dos arts. 389 a 391 do Código Civil (TARTUCE,
2014). É nesta fase que a aceitação vem complementar a fase
preparatória para a formação do contrato, gerando os elementos para que
se concretize o negócio jurídico, caso não ocorra a volição
(ALBUQUERQUE, 2004).
A aceitação é o ato de aderência à proposta feita, que deve ser
puro e simples, obedecendo aos requisitos de tempestividade de forma,
se houver (VENOSA, 2011).
32
Conforme Gonçalves (2009), a aceitação pode ser expressa,
decorrente de declaração do aceitante, manifestando a sua anuência, ou
tácita, advinda de sua conduta, reveladora do consentimento. As
hipóteses de aceitação tácita encontram-se descritas no art. 432 do
Código Civil, ao dispor que se reputa concluído o contrato, não
chegando a tempo a recusa quando “o negócio for daqueles em que não
seja costume a aceitação expressa” ou “o proponente a tiver
dispensado”. É preciso entender que o art. 432 do Código Civil
não criou uma obrigação genérica para toda
pessoa, sob pena de significar aceitação. O
dispositivo contempla casos em que relações
passadas entre os contratantes autorizam a
conclusão de haver a citação, por falta de uma
recusa expressa. É o caso, por exemplo, de um
comerciante que por anos adquire certa
quantidade de mercadoria de um fornecedor. O
costume autoriza o fornecedor a concluir que o
silencia do comerciante significa aceitação ao
fornecimento (BEGALLI, 2006, p. 189).
A aceitação, para importar a conclusão do contrato, deve ser
integral e incondicional. Se a declaração do aceitante adita, restringe ou
modifica as condições de negócios contidas na proposta, ela não é
aceitação. Trata-se, como define a lei, de nova proposta ou, como se
costuma dizer, contraproposta (art. 431 do Código Civil). Invertem-se,
então, as posições: o destinatário original torna-se proponente, e o
proponente original, destinatário (COELHO, 2012).
Segundo Sampaio (2004), realizada a proposta entre presentes, a
aceitação deve se dar dentro do prazo estabelecido e, não havendo prazo
fixado, deve se dar imediatamente, sob pena de a proposta deixar de ser
obrigatória. Entre ausentes, em princípio, a aceitação deve se dar dentro
do prazo marcado. Adverte Albuquerque (2004) que, tendo a parte
expedido em tempo sua resposta e, por circunstâncias imprevistas, tenha
esta chego tardiamente às mãos do policitante, não pode este quedar-se
inerte. Deve o proponente advertir o aceitante de que o contrato não se
ultimou, pois, sem receber este aviso, aquela pessoa continuará a crer na
eficácia da avença e poderá, por conseguinte, realizar despesas ou assumir compromissos necessários para o cumprimento de um contrato
que nunca chegou a existir.
É assegurado ao aceitante, assim como ao policitante, o direito de
arrepender-se, desde que sua retratação chegue ao conhecimento do
proponente antes da aceitação enviada ou juntamente com ela, pois, se
33
chegar tardiamente a seu destino, o remetente continuará vinculado ao
contrato. A retratação em tempo oportuno desobrigará o aceitante da
aceitação efetivada (DINIZ, 2010).
1.5 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS
Coelho (2012) destaca que são três os atributos do negócio
jurídico e, consequentemente, do contrato: existência, validade e
eficácia. As relações entre tais elementos são complexas e, no
emaranhado dessas relações, insere-se a questão do fim do vínculo
contratual.
Destaca o autor que a extinção do contrato diz respeito ao
atributo da existência, possuindo como pressuposto óbvio a perfeita
formação do contrato. Se sua formação não ocorreu de acordo com os
parâmetros estabelecidos em lei, a rigor, ele não existe, e não pode,
portanto, deixar de existir.
Os contratos, assim como os negócios jurídicos em geral,
possuem um ciclo vital: nascem do consenso mútuo, produzem os
efeitos acordados e extinguem-se. A extinção se dá, em regra, por sua
execução, seja instantânea, diferida ou continuada. O cumprimento da
prestação libera o devedor e satisfaz o credor (GONÇALVES, 2009).
Além da hipótese de extinção normal do contrato, esse pode ser
extinto em razão de fatos anteriores ou posteriores a sua celebração.
No que tange aos fatores anteriores à celebração, Tartuce (2014)
destaca a hipótese de invalidade contratual. Haverá invalidade nos casos
envolvendo o contrato nulo – eivado de nulidade absoluta – e o contrato
anulável – maculado de nulidade relativa ou anulabilidade.
Há, ainda, a possibilidade de extinção do contrato em razão da
presença de cláusula resolutiva, que pode ser expressa ou implícita. O
primeiro caso ocorre quando os contratantes ajustam cláusula prevendo
que a inexecução da prestação por qualquer um deles importe na
rescisão do automática do contrato de pleno direito, sujeito o faltoso às
perdas e danos, sem necessidade de interpelação judicial. A cláusula
resolutiva tácita, por outro lado, encontra-se subentendida em todos os
contratos bilaterais ou sinalagmáticos. Nesse caso, havendo
inadimplemento, o contrato não se rescinde de pleno direito, sendo
necessário para sua concorrência o pronunciamento judicial (DINIZ,
2010).
34
Como terceira forma básica, o contrato pode ser extinto por fatos
posteriores ou supervenientes à sua celebração. Toda vez em que há a
extinção do contrato por fatos posteriores à celebração, tendo uma das
partes sofrido prejuízo, fala-se em rescisão contratual. A a rescisão (que
é o gênero) possui as seguintes espécies: resolução (extinção do contrato
por descumprimento) e resilição (TARTUCE, 2014).
A resilição consiste na dissolução do vínculo contratual, mediante
atuação da vontade que a criou, podendo ser bilateral ou unilateral.
Resilição bilateral, também denominada distrato pelo art. 472 do
Código, é a declaração de vontade das partes contratantes, no sentido
oposto ao que havia gerado o vínculo, obtendo-se uma espécie de
acordo liberatório, tendo em vista obrigações ainda não cumpridas.
Resilição unilateral, por sua vez, ocorre por meio da manifestação
volitiva unilateral e tem caráter de exceção. Admite-se essa modalidade
de resilição nos contratos de comodato, o mandato e o depósito, por
exemplo (PEREIRA, 2009).
35
2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS
Desde logo reconheceu a Administração Pública a utilidade do
instrumento do contrato para a satisfação de seus objetivos. Contudo, a
sua interveniência no campo dos contratos gerou grande perplexidade na
doutrina, fundamentalmente pela aparente incompatibilidade entre os
princípios que regem o Direito Civil e o Direito Público. Idêntica
resistência ocorreu no que tange ao reconhecimento da existência do
contrato administrativo. Diversos autores preferiam ver nos acertos
realizados pelo Poder Público alguma outra sorte de ato jurídico, até
mesmo considerando-os uma espécie de ato-união, por meio do qual
duas partes submeter-se-iam a um mesmo plexo normativo (BASTOS,
1994).
Pacificadas as questões acima, o contrato administrativo é,
hodiernamente, considerado um instrumento de regulação necessário e
legítimo da Administração, possibilitando uma administração flexível e
moderna, que vê o cidadão não só como mero súdito, mas como sujeito
de direitos independente e parte da administração, incluindo-o
corresponsavelmente no sucesso administrativo (MAURER, 2006).
Grande parte da doutrina passou, assim como Meirelles (1999), a
classificar os contratos celebrados pela Administração Pública (gênero)
em contratos de Direito Privado, celebrados em sua pureza originária, e
contratos administrativos, em que a Administração, agindo publicae
utilitatis causa, sob a égide do Direito Público, derroga normas de
Direito Privado, aplicáveis a estes contratos apenas de forma supletiva.1
Para Medauar (2008), ao longo da elaboração da teoria do
contrato administrativo emergiram suas notas características que o
diferenciam do contrato de direito privado. Ressalta a autora que:
1 Em sentido contrário, Sundfeld (1995) despreza tal distinção, considerando
todos os contratos celebrados por entes públicos como administrativos.
Figueiredo (2001), por sua vez, preceitua que inexistem contratos privados da
Administração. A classificação proposta pela autora dispõe, de um lado, os
contratos mais rigidamente alocados dentro do Direito Público – os contratos
administrativos –, e, de outro, os contratos da Administração Pública, regidos
basicamente pelo Direito Privado, mas, ainda, sob forte interferência do Direito
Público.
36
Sendo o órgão estatal uma das partes do vínculo
contratual, não poderiam prevalecer os mesmos
preceitos aplicáveis aos contratos firmados entre
particulares. Isso porque os contratos celebrados
pelo poder estatal direcionam-se ao atendimento
do interesse público e este prepondera sobre os
interesses privados. Daí ser inaplicável aos
contratos firmados pelos órgãos estatais a plena
igualdade entre as partes e a imutabilidade do que
foi inicialmente pactuado. A preponderância e
defesa do interesse público levaram à atribuição
de prerrogativas à Administração que é parte do
contrato, sem sacrifício de direitos pecuniários do
particular contratado. (p. 139-140).
Neste viés, conforme lição de Carvalho Filho (2011), o fato de
ser o Estado sujeito na relação contratual não serve, isoladamente, para
caracterizar o contrato como administrativo. O mesmo se diga quanto a
seu objeto, eis que não só os contratos administrativos, mas também os
contratos privados da Administração devem possuir um objetivo que
traduza interesse público. Em última análise, é o regime jurídico que
marca a diferença entre os contratos administrativos e os contratos
privados da Administração.
Sendo assim, o contrato administrativo pode ser definido como
“um acordo de vontades, de que participa o Estado, submetido a regime
jurídico de direito público, informado por princípios publicísticos e
contendo cláusulas exorbitantes e derrogatórias de direito comum”
(CRETELLA JÚNIOR, 1997, p. 331).
2.1 REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS
Nos termos do art. 22, XXVII, da Constituição Federal, com a
redação da EC n. 19/98, compete privativamente à União Federal
legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as
modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e
fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e
sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III.
Furtado (2013) ressalta que, a fim de dar cumprimento à
determinação constitucional, deveriam vigorar no ordenamento jurídico
pátrio dois diplomas legais, o primeiro aplicável às administrações
37
públicas diretas, autárquicas e fundacionais dos entes federativos e o
segundo às empresas públicas e sociedades de economia mista. O
escopo dessa diferenciação é estatuir para as empresas estatais que
exploram serviços públicos um regime jurídico composto por regras
menos rígidas que aquelas previstas na Lei n. 8.666/1993.
Segundo o autor, ante a inexistência da lei a que se refere o art.
173, § 1°, III da Carta Magna, todos os órgãos e entidades da
Administração Pública, inclusas aí as empresas públicas e sociedades de
economia mista, devem, em regra, seguir as normas contidas na Lei n.
8.666/1993.
O parágrafo único do art. 22 da Lei Maior prevê, ainda, a
possibilidade de lei complementar federal autorizar os Estados-membros
a legislarem acerca de questões específicas dessa matéria.
Tal delegação de competência, segundo Mendes e Branco (2012),
trata-se de mera faculdade aberta ao legislador, que, por sua vez, não
poderá transferir a regulação integral de toda uma matéria, porquanto a
autorização deva se restringir apenas à edição de normas referentes a
questões específicas.
Conforme asseverado alhures, os contratos administrativos
observam um regime jurídico próprio, substancialmente delineado pela
Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, que, regulamentando o art. 37,
inciso XXI, da Constituição Federal, instituiu normas para licitações e
contratos da Administração Pública.
Antes de adentrar no estudo do referido dispositivo legal,
imperioso destacar que, consoante apontado por Di Pietro (2005), apesar
de este abranger todos os contratos por ele disciplinados sob a
denominação de contratos administrativos (arts. 1º e 54), nem todos ali
elencados possuem tal natureza.
Compulsando-se a lei, verifica-se que essa versa acerca de
contratos como os de compra e venda, alienação, obras e serviços, que,
ante sua natureza privada, não serão objeto desta monografia.
2.1.1 Obrigatoriedade de licitação prévia
O contrato administrativo, assim como o contrato privado,
realiza-se por duas declarações de vontade concordantes carentes de
recepção: uma solicitação de conclusão de contrato (proposta), e sua
aceitação (MAURER, 2006).
Nos termos da Lei n. 8.666/1993, pode-se classificar os contratos
administrativos, quanto a sua formação, em dois grandes grupos,
conforme a lei exija, ou não, um ato-condição prévio de intuito seletivo,
38
com intuito de escolher, entre todos que possam dar ou fazer alguma
coisa de que necessita certo ente público, os que melhores condições
ofereçam – ou seja, entre aqueles precedidos ou não de licitação
(MOREIRA NETO, 1992).
A regra, para os contratos administrativos, segundo o referido
autor, é a obrigatoriedade da concorrência prévia, que outorga
capacidade especial ao administrado para contratar com o Poder Público
(art. 2º, da Lei n. 8.666/1993).
Nos dizeres de Alexandrino e Paulo (2011), o contrato
administrativo enquadra-se na categoria dos denominados contratos de
adesão. Em um contrato de adesão, uma das partes propõe as cláusulas e
a outra parte não pode propor alterações, supressões ou acréscimos a
essas. A autonomia da vontade da parte que adere ao contrato é limitada
à aceitação, ou não, das condições impostas para a formação do vínculo.
Tendo em vista que a minuta do futuro contrato deve integrar o ato
convocatório da licitação, os interessados já conhecem as cláusulas que
integrarão o contrato antes mesmo de decidirem se irão participar do
procedimento licitatório, de modo que sua participação implica na
aceitação dos termos ali expostos.
O procedimento de licitação, tal como previsto no ordenamento
jurídico pátrio, qualifica-se como verdadeiro processo, no sentido
constitucional do termo (art. 5º, LIV e LV), com garantia de
contraditório e ampla defesa às partes envolvidas (ALMEIDA, 2008).
Dispensam, excepcionalmente, a concorrência, por exemplo, os
contratos celebrados nos casos de urgência, nos casos de prestações
personalíssimas ou que demandem técnicas ou materiais patenteados,
nos casos de arrendamento de imóveis para o serviço público e nos
casos de prestação de pequeno vulto.
2.1.2 Possibilidade de exigência de garantia a ser prestada pelo
contratado
É inegável que o contratado pode, eventualmente, no curso da
execução do contrato, causar prejuízos à Administração. É igualmente
possível que no curso do contrato possa ser aplicada multa ao
contratado, em decorrência de inexecução total ou parcial. Nesses casos,
se não existissem garantias prestadas pelo contratado, a opção que
restaria à Administração seria a cobrança em juízo das quantias devidas
pelo contratado (FURTADO, 2013). Em razão disso, faculta-se à
Administração Pública o direito de exigir daqueles que com ela
contratam uma garantia que lhe assegure a perfeita execução do objeto
39
do contrato. Para tanto, esta deve indicar, durante o processo licitatório,
a garantia exigida após as justificativas lavradas no referido processo.
(NOHARA, 2009).
Tal exigência é ato discricionário da Administração, que não
precisará impor a prestação de garantia quando inexistirem riscos de
lesão ao interesse público, e, desde que exigida no ato convocatório,
torna-se cláusula necessária do ajuste (SILVA, 2004).
Segundo leciona Nohara (2009), as principais garantias são
caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, seguro-garantia – ou
seja, obrigação contratualmente assumida por seguradora até o montante
previsto no edital, formalizando-se por meio de apólice de seguro –, e
fiança bancária.
Para Justen Filho (2010), caberá ao contratado, segundo sua
conveniência, optar por uma delas, estando a Administração incumbida,
apenas, de verificar a idoneidade da garantia, com base em elementos
objetivos.
O mencionado autor destaca, ainda, que o valor da garantia não
pode exceder 5% do valor contratual, ressalvadas duas hipóteses. A
primeira se passa nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de
grande vulto que envolvam alta complexidade técnica e consideráveis
riscos financeiros. A segunda ocorre nos casos em que a Administração
contratante entrega ao particular bens necessários à execução do
contrato, hipótese em que a garantia deverá corresponder ao valor desses
bens.
Reduzida ou perdida a garantia inicial, é lícito à Administração
exigir sua recomposição para prosseguimento do contrato, sob pena de
rescisão unilateral por inadimplência do contratado (MEIRELLES,
1999).
Tendo sido exigida a prestação de garantias e havendo débito do
contratado com a Administração, desde que decorrente de multa ou de
prejuízo causado pelo contratante, pode essa se apropriar diretamente da
garantia prestada, independentemente da propositura de ação judicial.
Caso a garantia prestada não satisfaça o valor da dívida, deverá o Poder
Público adotar todos os meios de cobrança cabíveis, inclusive a via
judicial (FURTADO, 2013).
2.1.3 Requisitos para a formalização do contrato
O sistema adotado pela lei para a formalização dos contratos
administrativos se constitui de dois grupos. Quando o contrato for
precedido por concorrência ou por tomada de preços, ou envolver
40
valores correspondentes a essas modalidades licitatórias, no caso de
dispensa ou inexigibilidade de licitação, este deve se rotular como termo
de contrato. Do contrário, pode o termo de contrato ser substituído por
instrumentos considerados de menor formalismo, como a carta-contrato,
a nota de empenho de despesa, a autorização de compra ou a ordem de
execução do serviço, nos termos do art. 62, da Lei n. 8.666/1993
(CARVALHO FILHO, 2011).
Como regra, os contratos devem ser escritos, sendo considerados
inválidos os contratos verbais, salvo para hipótese de compras de
pequeno valor e pronto pagamento, com parâmetros definidos pelo art.
60, parágrafo único, da Lei n 8.666/1993. Segundo Almeida (2008), a
mencionada exceção se justifica por um dado de realidade, em nome da
razoabilidade, da eficiência e economicidade.
Ainda na lição desse jurista, um extrato do contrato deve ser
publicado pela imprensa oficial, o que vem a atender à exigência de
publicidade, elemento essencial para um mais amplo controle exercido
pela sociedade em relação à Administração (art. 61, parágrafo único, da
Lei n. 8.666/1993).
Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições
interessadas, as quais manterão arquivo cronológico e registro
sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre
imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em Cartório de
Notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem
(NOHARA, 2009).
2.1.4 Cláusulas essenciais
Constituem cláusulas essenciais dos contratos administrativos
aquelas indispensáveis à validade do negócio jurídico. As cláusulas que
não têm esse condão, e que variam em conformidade com a natureza do
contrato, são consideradas acidentais (CARVALHO FILHO, 2011).
Deve, pois, o contrato conter necessariamente algumas cláusulas,
relacionadas no art. 55 do Estatuto. Encontram-se na relação, dentre
outras, a que defina o objeto e suas características, que indique o regime
de execução, bem como o preço e as condições de pagamento, que
demarque os prazos, que aponte os recursos, que fixe a responsabilidade
das partes, que estabeleça as condições de importação, etc.
Silva (2004), todavia, calcado no princípio da razoabilidade,
discorda da obrigatoriedade da presença de todas as cláusulas elencadas
no referido dispositivo legal. Pondera ser essenciais apenas as cláusulas
indispensáveis à segurança jurídica da contratação, sendo dispensáveis
41
aquelas que se mostrem mera repetição da lei de regência, como, por
exemplo, aquelas que explicitam os casos de rescisão. Nestes casos, a
ausência das cláusulas não implicaria em nulidade do contrato.
2.1.5 Cláusulas exorbitantes
Um dos aspectos mais relevantes abordado pela Lei n.
8.666/1993 encontra-se positivado em seu artigo 58, verbis: Art. 58. O regime jurídico dos contratos
administrativos instituído por esta Lei confere à
Administração, em relação a eles, a prerrogativa
de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor
adequação às finalidades de interesse público,
respeitados os direitos do contratado;
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos
especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
III - fiscalizar-lhes a execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução
total ou parcial do ajuste;
V - nos casos de serviços essenciais, ocupar
provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e
serviços vinculados ao objeto do contrato, na
hipótese da necessidade de acautelar apuração
administrativa de faltas contratuais pelo
contratado, bem como na hipótese de rescisão do
contrato administrativo.
Tais incisos explicitam as chamadas, pela doutrina, de cláusulas
exorbitantes, capazes de conferir a uma das partes do contrato, a
Administração Pública, prerrogativas em relação a outra, colocando-a
em posição de supremacia em relação ao contratado (DI PIETRO,
2005).
42
1.Figura – Cláusulas exorbitantes
Fonte: Madeira (2008, p. 383)
As cláusulas contratuais tidas como exorbitantes tanto podem ser
colhidas nos textos que regulam a matéria objeto do contrato, quando
existentes, como deduzidas dos princípios norteadores de certas
atividades públicas. Isto é, ou se reputam implícitas, seja na ordenação
normativa, seja no bojo do contrato, ou explícitas na lei ou em cláusula
expressa daquele (MELLO, 2012).
Por meio de sua instituição, o princípio da igualdade entre as
partes, que importa a regra da imutabilidade dos contratos, cede passo
ao predomínio da vontade administrativa sobre a do outro contratante.
(TÁCITO, 1975).
2.1.5.1 Alteração unilateral
A alteração unilateral do contrato pela Administração, hipótese
inexistente nos contratos de direito privado, bem demonstra a
superioridade do Poder Público em face do particular contratado.
A utilização da prerrogativa de que trata o inciso I somente será
legítima se objetivar a melhor adequação às finalidades de interesse
público (GASPARINI, 2011). Semelhante prerrogativa outorgada à
Administração não pode ser empregada de forma arbitrária ou de modo
43
a retratar desvio de finalidade para causar gravame ao contratado, tendo
em vista que o escopo da norma, ao possibilitar ao Poder Público alterar
as cláusulas contratuais unilateralmente, foi o de admitir que o advento
de novos fatos administrativos possa permitir alguma flexibilização na
relação contratual. (CARVALHO FILHO, 2011). 2.Figura – Cláusula de modificação unilateral do contrato administrativo
Fonte: Madeira (2008, p. 388)
Apenas podem ser objeto de alteração independentemente de
concordância do particular as cláusulas contratuais de serviço, isto é,
aquelas relativas ao objeto do contrato e suas especificações, sendo
vedada alteração desta natureza visando cláusula econômico-financeira
e monetária – concernentes ao preço, forma de pagamento e reajuste
(KNOPLOCK, 2012).
A alteração promovida unilateralmente pela Administração pode
ser qualitativa, com a modificação do projeto ou das especificações, ou
quantitativa, com a modificação do valor contratual como consequência
de acréscimo ou diminuição do objeto (NOHARA, 2009). Frisa-se que,
em nome de se alterar quantitativa ou qualitativamente o contrato, em
hipótese alguma admite-se a transmutação do objeto contratado. A título
exemplificativo, Furtado (2013, p. 418) explicita que “não pode ser
transformada [...] a aquisição de bicicletas em compra de aviões, ou a
prestação de serviços de marcenaria em serralheria”.
44
Conforme assevera Medauar (1998), a possibilidade de
modificação unilateral deve respeitar os direitos dos contratados,
observando sempre o chamado equilíbrio econômico-financeiro e os
limites de acréscimo e supressão do contrato fixados em lei.
Assim, nenhum acréscimo ou supressão pode exceder os limites
previstos no §1º do art. 65 da Lei n. 8.666/93, ficando o contratado, por
outro lado, obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os
acréscimos ou supressões nas obras, serviços e compras até 25% do
valor inicial atualizado do contrato e, no caso de reforma de edifício ou
equipamento, até 50% para seus acréscimos.
2.1.5.2 Rescisão unilateral
Além de alterar o contrato, é possível à Administração rescindi-lo
unilateralmente nos casos elencados nos incisos I a XII e XVII do artigo
78 e art. 79, I, da Lei n. 8.666/1993.
Observa-se que o Poder Público não poderá desfazer contratos
que tenha celebrado sem que haja fundamento legal para tanto. A
Administração, bem verdade, assume posição de supremacia em face do
contrato, todavia, isso não importa em conferi-la poderes ilimitados
(FURTADO, 2013).
Dentre as hipóteses de rescisão unilateral encontram-se os casos
em que ocorre o não cumprimento de cláusulas contratuais,
especificações, projetos ou prazos; o atraso injustificado no início da
obra, serviço ou fornecimento; e o cometimento reiterado de faltas na
sua execução, dentre outros.
Como se vê a maioria das hipóteses autorizadoras de rescisão
unilateral diz respeito a situações em que ocorre algum inadimplemento
contratual inescusável pelo particular contratado. Todavia, a extensão
dessa prerrogativa é tamanha que a lei admite a rescisão unilateral
fundamentada, inclusive, em razões de interesse público, de alta
relevância e amplo conhecimento, ou seja, sem que tenha havido
qualquer descumprimento contratual por parte do particular.
(ALEXANDRINO; PAULO, 2011). A rescisão administrativa em razão do interesse
público funda-se na variação específica que pode
sofrer esse interesse ao longo da vigência do
contrato administrativo. Com efeito, o interesse
público pode alterar-se e autorizar a extinção do
acordo, em face, por exemplo, da inutilidade
superveniente de seu objeto (construção de um
45
prédio escolar pelo Município contratada pouco
antes de o Estado-membro, nas proximidades,
abrir concorrência para a construção de um prédio
destinado ao mesmo fim) ou porque a
Administração Pública tem necessidade do bem
cujo uso foi transferido ao contratante particular.
(GASPARINI, 2011, p. 846).
Nestes casos, a Administração fica obrigada a ressarcir o
contratado dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido,
tendo direito, ainda, à devolução da garantia, pagamentos devidos pela
execução do contrato até a data da rescisão e pagamento do custo de
desmobilização (BASTOS, 1994).
Por outro lado, se o contratado der causa à rescisão unilateral
realizada pela Administração, esta não deverá efetuar qualquer
pagamento a título de ressarcimento. Em verdade, o contratado estará
sujeito às consequências da inexecução do contrato, podendo ser
responsabilizado civil ou administrativamente (FURTADO, 2013).
2.1.5.3 Fiscalização
Nos termos do art. 67, a execução do contrato deverá ser
acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração
especialmente designado, que anotará em registro próprio todas as
ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o
que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.
Fiscalizar a execução contratual, em suma, é verificar se os
trabalhos realizados estão de acordo com o projeto ou com as exigências
estabelecidas pela lei ou pela própria Administração (SILVA, 2004).
Esse poder-dever de fiscalização e acompanhamento é
permanente e abrange todo o período do contrato, não excluindo ou
reduzindo a responsabilidade do contratado pelos danos que, por culpa
ou dolo, a execução do contrato venha causar a terceiros
(ALEXANDRINO; PAULO, 2011).
Para Meirelles (1999), o acompanhamento da execução do
contrato é direito e dever da Administração e compreende, além da
fiscalização, a orientação, por meio do fornecimento de diretrizes, a
interdição de obras e serviços realizados em desconformidade com o contratado, a aplicação de penalidades, e a intervenção.
Neste ínterim, tem-se que, nos casos de serviços essenciais, a
Administração poderá ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis,
pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, a título de cautela
46
para apuração administrativa de faltas contratuais e na hipótese se
rescisão do contrato (art. 58, V, da Lei n. 8.666/1993).
2.1.6 Prazo
É vedado aos entes públicos celebrar contrato administrativo com
prazo de vigência indeterminado, ficando esse, em regra, adstrito à
vigência dos respectivos créditos orçamentários, pois nestes é que se
encontra a previsão dos recursos necessários para custeá-lo. Neste
sentido, a Constituição Federal em seu art. 167, § lº estabelece que
nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro
poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei
que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade
(MELLO, 2012).
Outrossim, a Lei n. 8.666/1993 deixou expressamente consignado
que obras e serviços só podem ser contratados se houver previsão de
recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações (art.
7º, § 2º, III). Somado a isso, tem-se que a indicação do crédito pelo qual
correrá a despesa constitui cláusula necessária dos contratos (art. 55, V).
Desse quadro, conclui-se que, considerando que os créditos
orçamentários têm a duração de um ano, os contratos, como regra geral,
deverão também ter duração ânua (CARVALHO FILHO, 2011).
A primeira exceção à regra da adstrição do prazo de vigência do
contrato ao da lei orçamentária, conforme Justen Filho (2010), diz
respeito aos projetos de longo prazo, previstos no plano plurianual.
Havendo tal previsão, admite-se contratação em período superior ao
prazo de vigência do crédito, ante a presunção de que essa reflete uma
avaliação meditada e planejada do Estado.
A segunda exceção, segundo o autor, refere-se aos contratos de
prestação de serviços executados de forma contínua, necessários a
satisfazer uma necessidade pública permanente e não extinguível. Isso
se dá em razão da inconveniência, e, por vezes, impossibilidade, da
suspensão da prestação desses serviços.
A terceira exceção encontra-se prevista no art. 57, IV, da Lei n.
8.666/1993, que dispõe que o aluguel de equipamentos e a utilização de
programas de informática podem ser pactuados por prazo de até
quarenta e oito meses.
47
2.1.7 Exceptio non adimpleti contractus
A exceção do contrato não cumprido, usualmente invocada nos
ajustes de Direito Privado, não se aplica, a princípio, aos contratos
administrativos quando a falta é da Administração, em razão do
impeditivo imposto pelo princípio da continuidade do serviço público,
que veda a paralisação da execução do contrato mesmo diante da
omissão ou atraso do Poder Público no cumprimento das prestações a
seu cargo (MEIRELLES, 1999).
A fórmula latina exceptio non adimpleti contractus traduz a
possibilidade, conferida a uma parte, de invocar o descumprimento de
cláusulas contratuais pela outra, para deixar de cumprir obrigações
contratuais que lhe cabem. A inaplicabilidade de tal preceito aos
contratos administrativos acarreta injustiças e fere direitos, prevendo a
Lei n. 8.666/1993, não por outro motivo, casos em que o contratado
pode invocar a exceção do contrato não cumprido, para solicitar a
rescisão do contrato ou suspender seu cumprimento até a normalização
da situação (MEDAUAR, 1998).
Tais casos encontram-se previstos no art. 78, XIV e XV, quais
sejam: a suspensão da execução do contrato por ordem escrita da
Administração, por prazo superior a cento e vinte dias, e o atraso
superior a noventa dias dos pagamentos devidos pela Administração
decorrentes de obras, serviços ou fornecimento já recebidos ou
executados.
Cumpre ressaltar que a exceção do contrato não cumprido não é
oponível, mesmo diante de atraso de pagamento superior a noventa dias,
em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou
guerra (ALEXANDRINO; PAULO, 2011).
2.1.8 Possibilidade de subcontratação
Preceitua o art. 72, que o contratado, ao executar o contrato, “sem
prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar
partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada
caso, pela Administração”.
Em exame mais apressado desse dispositivo, seria possível
vislumbrar ofensa à obrigatoriedade de licitação prévia. Contudo, não se
pode olvidar que a atividade administrativa, bem como o próprio
procedimento licitatório, é orientada, também, pelo princípio da
impessoalidade (SILVA, 2004).
48
Como se vê, em regra, a prestação necessária a satisfazer o
interesse estatal não tem cunho personalíssimo. Todavia, há casos em
que a situação é diversa, em razão de ter a Administração contratado
com um particular em vista de suas condições diferenciadas para a
execução do objeto contratual. Em tal hipótese, deve a prestação ser
adimplida diretamente pelo particular contratado, ainda que por meio de
pessoa jurídica, inadmitindo-se a subcontratação (JUSTEN FILHO,
2010).
Por óbvio, o que se tem aqui é apenas uma possibilidade de
subcontratação, que se encontra condicionada à existência de previsão
editalícia e contratual, consoante se infere do art. 78, VI.
2.1.9 Extinção contratual
A extinção do contrato administrativo pode ser natural – quando
ocorrer a perfeita execução do objeto contratual, o esgotamento de seu
prazo, a extinção de seu objeto ou a impossibilidade de seu
cumprimento, a extinção da pessoa jurídica em contratos intransferíveis
e a morte da pessoa física em contratos intuito personae – ou provocada
– quando houver rescisão unilateral pela Administração Pública,
rescisão por conveniência e oportunidade, distrato e vício do ajuste ou
da licitação (FIGUEIREDO, 1994).
O distrato, também denominado rescisão amigável, é a que
decorre da manifestação bilateral dos contratantes. Nessa hipótese não
há litígio entre eles, mas sim interesses comuns, sobretudo da
Administração que, quanto ao desfazimento, terá discricionariedade em
sua resolução (CARVALHO JÚNIOR, 2011).
O desfazimento do acordo entre as partes pressupõe a validade da
contratação, a ausência do cumprimento integral pelas partes de suas
obrigações e a deliberação consensual pela extinção do vínculo. Nesses
casos, o particular não fará jus a indenização por eventos futuros, mas
apenas por aquilo que tiver executado até a data do desfazimento
amigável (JUSTEN FILHO, 2010).
Ademais, o contrato administrativo também pode ser extinto pela
Administração caso se verifique que a relação contratual, quando de sua
formação, se encontrava eivada dos vícios de anulabilidade e nulidade.
Nesse caso, o princípio da legalidade imporá sua invalidação, se não
couber convalidação, devendo a Administração fazê-lo após abertura de
processo administrativo em que se possibilite o contraditório e a ampla
defesa (MELLO, 2012).
49
Não obstante, nos termos do art. 59, parágrafo único, do Estatuto,
a nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o
contratado, pelo que este houver executado até a data em que ela for
declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto
que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem
lhe deu causa.
Para Justen Filho (2010), tal dispositivo é inconstitucional,
possuindo o particular o direito a ser indenizado amplamente pelas
perdas e danos sofridos. Segundo o autor, a nulidade absoluta do
contrato não pode ser oposta ao particular, se ele estava de boa-fé,
devendo a Administração arcar com os efeitos dos atos viciados que
praticou.
O contrato administrativo pode, ainda, ser rescindido
judicialmente, por decisão emanada de autoridade investida na função
jurisdicional. Esta modalidade de extinção do contrato, normalmente, é
adotada pelos particulares contratados pela Administração quando esta,
de algum modo, descumpre as obrigações pactuadas. Verificado o fato
em ação judicial, a decisão decreta a rescisão do contrato e, quando
requerido pelo interessado, condena o causador ao pagamento da devida
indenização (CARVALHO FILHO, 2011).
2.2 CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
Cabe, nesta oportunidade, após a análise ampla do contrato
administrativo, o exame dos ajustes firmados pela Administração nos
casos de concessão de serviço público.
O art. 175 da Constituição Federal prevê que incumbe ao Poder
Público a prestação de serviços, seja diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre mediante licitação, devendo lei dispor
acerca do regime das empresas concessionárias, o caráter especial de seu
contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade,
fiscalização e rescisão da concessão.
Nos termos do art. 2º, II, da Lei n. 8.987/1995, a concessão de
serviço público pode ser definida como o contrato administrativo por
meio do qual o poder concedente delega à pessoa jurídica ou consórcio
de empresas a execução de um serviço público, para que o execute em
seu próprio nome, por sua conta e risco, sendo este remunerado, em
regra, mediante tarifa paga pelo usuário.
50
Nos dizeres de Freitas (1995): A concessão em pauta pode ser definida como
delegação da prestação de serviço público -
encetada pela entidade estatal (União, Estados,
Distrito Federal ou Município) em cuja
competência se encontre o aludido serviço -, por
meio de contrato administrativo, bilateral e
oneroso, precedido de licitação nas modalidades
concorrência ou leilão, a pessoa jurídica ou a
consórcio de empresas capazes de assumi-lo, por
prazo determinado e por sua conta e risco, em
harmonia com as exigências dos princípios
regentes da Administração Pública, inclusive o da
economicidade (p. 39).
Trata-se, pois, de processo de descentralização, formalizado por
instrumento contratual (CARVALHO FILHO, 2011).
2.2.1 Regime jurídico aplicável
A concessão de serviço público apresenta as mesmas
características dos demais contratos administrativos, sendo um tipo de
avença travada entre a Administração e terceiros cujo regime se
singulariza pela existência de cláusulas que asseguram ao concedente a
alteração e extinção unilateral da relação convencional, em prol do
interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante
privado, a fiscalização de sua execução e aplicação de penalidades
(GROTTI, 2014).
As concessões comuns, regidas pela Lei n. 8.987/1995, têm por
objeto a prestação de serviço público delegado e comportam duas
modalidades: a concessão de serviços públicos simples, em que o Poder
Público só delega o serviço público em si – objeto do presente estudo; e
a concessão de serviços públicos precedida da execução de obra pública,
cujo contrato prevê duplo objeto: a execução de obra e a prestação do
serviço. Caracterizam-se, segundo Carvalho Filho (2011), pelo fato de
que o concessionário não recebe qualquer contrapartida pecuniária por
parte do concedente; seus recursos têm origem no pagamento das
respectivas tarifas pelos usuários do serviço.
As concessões especiais, reguladas na Lei n. 11.079/2004,
também encerram delegação de serviços e obras públicas, mas se
sujeitam a regime jurídico específico. Conforme o aludido doutrinador,
diferentemente das concessões simples, nas concessões especiais, o
concessionário recebe contrapartida pecuniária por parte do poder
51
concedente, integralmente proveniente de aportes regulares de recursos
orçamentários do poder público, no caso de concessões administrativas,
ou correspondente a um adicional à tarifa cobrada dos usuários, nas
concessões patrocinadas.
No que toca à legislação aplicável àquelas, imperioso destacar
que a Lei n. 8.987/1995 não revoga expressamente a Lei n. 8.666/1993,
não é com ela incompatível, nem regula inteiramente o procedimento
licitatório das concessões, consoante lição de Amaral (1995), a saber: [...] a Lei 8.987/95 refere-se implicitamente à
aplicabilidade da Lei 8.666/93 (normas legias
pertinentes ou legislação própria sobre licitações e
contratos) em seus arts. 1.º, 4.º, 14 e 18. Mais
ainda: a Lei 8.666/93 prevê sua plciação a
concessões e permissões (art. 2.º) e dispoões no
art. 124: ‘Art. 124. Aplicam-se às licitações e aos
contratos para permissão e concessão de serviços
públicos os dispositivos desta Lei que não
conflitem coma legislação específica sobre o
assunto’.
É verdade que em junho de 1994, época em qye
esse artigo foi incluído na Lei 8.666/93 pela Leu
8.883/94, a legislação específica sobre concessões
e permissões bnão era a Leu 8.987, editada em
fevereiro de 1995. Nas isso não prejudica o
entendimento de que a norma nele contida, por
não haver sido revogada, refere-se em sentido
atual, à lei específica ora em vigor. ( p. 7)
2.2.2 Traços característicos da concessão de serviço público
Consoante Cretella Júnior (1997), o instituto da concessão de
serviço público se apresenta com os seguintes traços típicos: O
concessionário, ao invés de receber diretamente dos cofres do Estado,
recebe dos usuários do serviço público as denominadas tarifas, pagas
durante o prazo que dura a concessão e não alteráveis, unilateralmente,
pela empresa concessionária.
O regime da concessão importa, necessariamente, a
temporariedade da concessão, não se admitindo concessões eternas nem a renúncia do concedente ao poder de retomar o serviço, porquanto isto
corresponderia à transformação do serviço em privado,
descaracterizando a concessão, ou à alienação de competências públicas,
juridicamente inexistente (JUSTEN FILHO, 2014).
52
O regime tradicional da concessão de serviço público, positivado
entre nós, deriva da teoria clássica do contrato administrativo, e
reconhece ao Estado titular do serviço ou do bem dado em concessão o
poder de dispor livremente sobre as condições de prestação do serviço, e
modificá-las sempre que o interesse público demandar; assim como se
lhe reconhece o poder de retomar o serviço concedido sem que caiba
oposição do concessionário. Em contrapartida ao reconhecimento de tais
prerrogativas, ao contratado é garantido o direito ao equilíbrio
econômico-financeiro (TÁCITO, 2014).
2.2.2.1 Serviço público
Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por
seus delegados, sob normas e controles estatal, para satisfazer
necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples
conveniências do Estado (MEIRELLES, 1999). Segundo o autor, fora
dessa generalidade não se pode, doutrinariamente, indicar as atividades
que constituam serviço público, porquanto variam segundo as
exigências de cada povo em cada época.
O próprio texto constitucional indica alguns serviços como
públicos, de competência da União (art. 21, X, XI e XII), dos Estados
(art. 25, §2º) e dos Municípios (art. 30, V). Mas isto não significa que
outros não possam ser elevados a esta categoria por lei ordinária, desde
que não adentrem a esfera específica da iniciativa privada, à qual é
reservada a exploração de atividade econômica, salvo exceções
constitucionalmente previstas (AZEVEDO; ALENCAR, 1998).
Pela concessão, o poder concedente não transfere propriedade
alguma ao concessionário, nem se despoja de qualquer direito ou
prerrogativa pública, mas sim delega a execução do serviço, nos limites
e condições legais ou contratuais, sempre sujeita a regulamentação e
fiscalização do concedente. Como o serviço, apesar de concedido,
continua sendo público, o poder concedente nunca se despoja do direito
de explorá-lo direta ou indiretamente, por seus órgãos, suas autarquias e
empresas estatais, desde que o interesse público assim o exija. Nessas
condições, permanece com o poder público a faculdade de, a qualquer
tempo, retomar o serviço condedido, mediante indenização ao
concessionário, dos lucros cessantes e danos emergentes resultantes da
encampação (MEIRELLES, 1999).
Por se tratar de prestação de serviço público, o concessionário
deverá observar em sua atuação os diversos princípios administrativos
que norteam tal matéria. Destaca-se, nesse sentido, o princípio da
53
continuidade do serviço público e da modicidade das tarifas, de acordo
com o qual, deverá o usuário pagar tarifa módica pela fruição de um
serviço adequado. Salienta-se que tarifa módica não equivale
necessariamente à tarifa de baixo valor patrimonial; em verdade, a
modicidade da tarifa encontra-se intimamente ligada ao custo do serviço
e à capacidade financeira do usuário (SANTOS, 2007)..
2.2.2.2 Remuneração do concessionário
É indispensável para a configuração da concessão de serviço
público que o concessionário se remunere pela exploração do próprio
servico concedido. Isso, de regra, se faz, em regra, pela percepcao de
tarifas cobradas dos usuários. Entretanto, dita exploracao poderia ser
feita, em alguns casos, por outro meio. É o que sucede nas concessoes
de radio e televisao, em que o concessionario se remunera pela
divulgação de mensagens publicitárias cobradas dos anunciantes
(MELLO, 2012)..
Nesse sentido, Justen Filho (1997) dispõe que a concessão de
serviço público produz a exploração empresarial de um serviço público.
Isso significa que o concessionário aplicará seus recursos e esforços
para a prestação do serviço públicos, mas visando a obtenção de lucro. É
essencial à concessão o vínculo entre a remuneração do particular e a
exploração do serviço, o que significa que a remuneração será variável
em vista da eficiência organizacional e do consumo dos usuários.
Ainda segundo o autor, se reputa plenamente cabível que a
remuneração do concessionário seja parcialmente custeada pelo erário
público, sem que isso exclua a configuração de concessão comum.
2.2.2.3 Procedimento licitatório
Conforme explicitado supra, a outorga da concessão, art. 175 da
Contituição Federal, deve ser sempre precedida de licitação,
estabelecendo a Lei n. 8987/1995, em seu art. 2º, II e III, que a
modalidade de licitação exigida nestes casos é a concorrência. Vale
notar que o termo sempre, contido no dispositivo constitucional, não
significa que nao se possa dispensar ou declarar inexigível a licitação
em casos concretos, nos termos da Lei n. 8.666/1993 (AMARAL, 1995).
Adotando o método cada vez mais utilizado nas licitações, a Lei
n. 8.987/1995 passou a admitir que o edital contemple a inversão da
ordem das fases de habilitação e julgamento. Nesse caso, após a
classificação das propostas, ou o oferecimento de lances, é aberto
54
apenas o envelope do melhor classificado, com os documentos de
habilitação. Estando em ordem, será declarado vencedor. Caso seja
inabilitado, a análise recairá sobre o envelope relativo ao classificado
em segundo lugar, e assim sucessivamente, até que um licitante atenda
às exigências do edital. Ao vitorioso será adjudicado o objeto da
contratação nas condições técnicas e financeiras que tiver ofertado
(CARVALHO FILHO, 2011).
2.2.2.4 Cláusulas essenciais
O contrato de concessão de serviços públicos deverá ter, entre
outras cláusulas essenciais, as relativas aos bens reversíveis, ou seja,
aqueles bens privados que deverão integrar-se no domínio público, ao
final do contrato de concessão, sendo muito mais restrito do que o
regime de reversão da concessão clássica, havendo apenas a vinculação
da reversão para aqueles bens imprescindíveis à continuidade do
serviço, evitando-se discussões entre o Poder Público e o concessionário
ao final da concessão (GROTTI, 2014).
2.2.2.5 Exceptio non adimpleti contractus
É oportuno destacar que no caso dos contratos de concessão e de
permissão de serviços públicos não é cabível a suspensão da execução
do contrato pela concessionária ou permissionária, seja qual for o
inadimpemento da administração. Nesses contratos, o descumprimento
de obrigação da administração para com a concessionária ou
permissionária enseja unicamente a rescisão judicial, por iniciativva do
particular, e os serviços prestados não poderam ser interrompidos ou
paralisados, até o trânsito em julgado da decisão judicial
(ALEXANDRINO; PAULO, 2011).
2.2.2.6 Obrigatoriedade da exigência de garantia
Nos contratos de concessão de serviço publico precedida de
execução de obra publica é obrigatória a exigência de garantia relativa a
essa parte específica do contrato – a realização da obra –, adequada a
cada caso e limitada ao valor da obra (ALEXANDRINO; PAULO,
2011).
55
2.2.2.7 Contratação com terceiros e subcontratação
A concessionária poderá contratar com terceiros o
desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares
ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos
associados. Tais contratos serão regulados pelas normas do Direito
Privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os
terceiros e o poder concedente, conforme art. 25, I e § 2º, da lei em
estudo (GOMES, 2006).
Observa o mencionado autor, que, nos termos do disposto no art.
26, desde que expressamente prevista no contrato de concessão e
autorizada pelo poder concedente, é admitida a subconcessão, devendo a
outorga da subconcessão ser sempre precedida de concorrência, sub-
rogando-se o subconcessionário em todos os direitos e obrigações da
subconcedente dentro dos limites da subconcessão.
2.2.2.8 Alteração unilateral
O concessionário executa o serviço em seus próprio nome e
corre, apenas, os riscos normais do empreendimento, fazendo jus ao
recebimento de remuneração, ao equilíbrio econômico-financeiro da
concessão e à inalterabilidade do objeto. Sobreleva notar que o poder
publico pode introduzir alterações unilaterais no contrato, mas tem que
respeitar seu objeto e assegurar a manutenção do equílíbrio econômico,
aumentando a tarifa ou compensando pecuniariamente o concessionário
(DI PIETRO, 2005).
56
3 A TEORIA DA IMPREVISÃO E OS CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS
Um dos traços característicos do contrato administrativo é sua
mutabilidade, que decorre de determinadas cláusulas exorbitantes, ou
seja, das que conferem à Administração o poder de, unilateralmente,
alterar as cláusulas regulamentares ou rescindir o contrato antes do
prazo estabelecido, por motivo de interesse público. Tal mutabilidade
pode decorrer também de outras circunstâncias, que dão margem à
aplicação da Teoria da Imprevisão, qual seja todo acontecimento
externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e
inevitável, que cause um desequilíbrio muito grande, tornando a
execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado (DI
PIETRO, 2005).
No mesmo sentido, Meirelles (1999) dispõe que quando
sobrevêm eventos novos, extraordinários, imprevistos e imprevisíveis,
onerosos, retardadores ou impeditivos da execução do contrato, a parte
atingida fica liberada dos encargos originários e o ajuste há que ser
revisto ou rescindido, pela aplicação da Teoria da Imprevisão.
A aplicação de tal teoria, decorrente do reconhecimento do dever
moral e jurídico de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro,
torna-se ainda mais sensível no caso dos contratos de concessão de
serviços públicos, que envolvem prazos mais amplos, composição de
custos mais complexa e que importam, quase sempre, em elevação das
tarifas a serem pagas pelos usuários dos serviços públicos (FURTADO,
2013).
3.1 EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Como regra, o contrato administrativo produz direitos e deveres
para ambas as partes – Administração contratante e particular contratado
–, em situação de correspondência. Isto é, o conjunto de encargos é a
contrapartida do conjunto de retribuições, de modo a caracterizar uma
equação (JUSTEN FILHO, 2010).
A equação ou equilíbrio econômico-financeiro do contrato
administrativo é a relação estabelecida inicialmente pelas partes entre os
encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa
remuneração do objeto do ajuste. Essa relação encargo-remuneração
deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a fim de que o
57
contratado não venha a sofrer indevida redução nos lucros normais do
empreendimento (MEIRELLES, 1999). Quando pactuam, as partes
implicitamente pretendem que seja mantido o equilíbrio econômico-
financeiro do contrato. Desse modo, o efeito principal desse verdadeiro
postulado contratual é o de propiciar às partes a oportunidade de
restabelecer o equilíbrio toda vez que de alguma forma mais profunda
for ele rompido ou, quando impossível o restabelecimento, ensejar a
própria rescisão do contrato (CARVALHO FILHO, 2011).
No contrato de concessão de serviço público, de um lado, cabe ao
particular, uma obrigação de fazer, ao passo que ao ente público cabe a
obrigação de remunerar o serviço ou assegurar sua remuneração. Desse
modo, pode-se dizer que o princípio do equilíbrio econômico-financeiro
do contrato garante a própria continuidade da relação de concessão, de
modo que sua inobservância pode tornar materialmente impossível o
cumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes (SANTOS,
2007).
O conceito de equilíbrio econômico do contrato, dessa forma,
jamais poderá ser confundido com garantia de correspondência às
expectativas do contratante; e a reparação deve ser feita de modo a levar
em conta não só a continuidade da prestação do serviço, mas também a
equação econômica que permite a sobrevivência do contratante no
mercado – o que não significa necessariamente ganho (FARENA, 1990)
Nos contratos privados, que também supõem a existência de um
equilíbrio financeiro, uma vez desconstituída tal equivalência, essa
somente poderá ser novamente implementada por acordo entre as partes.
Nos contratos administrativos, por outro lado, deve a Administração
pública, sempre que possível, buscar a equivalência material das
prestações (DI PIETRO, 2005).
Nesse sentido prevê o art. 37, XXI da Constituição Federal: Art. 37. A administração pública direta e indireta
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte:
[...]
XXI - ressalvados os casos especificados na
legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratados mediante processo de
licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas
que estabeleçam obrigações de pagamento,
58
mantidas as condições efetivas da proposta, nos
termos da lei, o qual somente permitirá as
exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações. (grifou-se).
Em consequência disso, qualquer alteração unilateral que onere
ou desagrave a prestação a cargo do particular, feita pela Administração,
deve ser levada em conta para o restabelecimento desse equilíbrio. Tal
alteração impõe ao Poder Público a imediata obrigação de promover o
reajustamento correspondente, de forma que, de pronta, ocorra o
reequilíbrio da avença (GASPARINI, 2011). A restauração do equilíbrio
econômico-financeiro constitui-se em direito do concessionário,
existente ainda que não previsto no corpo do contrato (DI PIETRO,
2011).
A consagração do princípio do equilíbrio econômico-financeiro
nas relações jurídicas contratuais de concessão de serviço público atende
a duas finalidades distintas, que convergem em razão da condição de
parceiro que detém o particular contratante na prossecução do interesse
público: do ponto de vista do particular, assegura a obtenção do
resultado econômico-financeiro projetado quando da elaboração da
proposta; e, do ponto de vista da Administração e da coletividade,
contribui para a realização do interesse público e para a continuidade do
serviço (SANTOS, 2007).
Destaca-se que a equação econômico-financeira abrange todos os
aspectos econômicos relevantes para a execução da prestação das partes.
Isso compreende não apenas o montante de dinheiro devido ao
particular contratado, mas também o prazo estimado para pagamento, a
periodicidade dos pagamentos, a abrangência do contrato e qualquer
outra vantagem que a configuração da avença possa produzir (JUSTEN
FILHO, 2010).
Segundo Wald (2005), embasado nas lições do economista Mário
Henrique Simonsen, enquanto a equação econômica se referia à
rentabilidade global do contrato, a equação financeira significava a
manutenção das entradas – receitas – e saídas – desembolsos – de
recursos financeiros no patrimônio do concessionário, na forma
previamente estabelecida no contrato.
Tal distinção, consoante o autor, tem efeitos práticos da maior importância. Enseja, como consequência necessária, a abrangência da
indenização devida, no caso de mora do Poder Público e afronta ao
equilíbrio financeiro, não só dos juros legais, mas dos juros de mercado,
que, regra geral, são em muito superiores.
59
Imperioso destacar que, nos termos do art. 175, o concessionário
explora o serviço por sua conta e risco. Assim, a garantia desse
equilíbrio econômico deve significar maior eficiência para a
Administração na prestação do serviço público, e nunca um
financiamento concedido ao contratante ineficiente. Donde resulta que
as alterações nessa equação e os riscos inerente à normalidade de uma
economia de mercado não afetam a equação econômica do contrato, não
obrigando, por via de consequência, a Administração a qualquer
recomposição (CUNHA, 1995).
Tal dispositivo legal, todavia, não pode significar à imputação de
todos os riscos contratuais ao concessionário. Na realidade, tem-se que
conciliar duas ideias: de um lado, a de que, para o concessionário a
concessão constitui um empreendimento que visa ao lucro, mas que
envolve determinados riscos. De outro, a de que para a Administração, o
objeto do contrato é um serviço público e, portanto, uma atividade que
atende às necessidades da coletividade e que, por esse motivo, deve ser
ininterrupta (DI PIETRO, 2011).
Diversos fundamentos ou critérios têm sido utilizados para servir
de parâmetro para obter o reequilíbrio dos contratos administrativos. Em
algumas situações, em razão da previsibilidade do desequilíbrio, o
próprio contrato define mecanismos que permitirão a recomposição do
que foi originalmente pactuado. Em outras situações, haverá a
necessidade de serem utilizados mecanismos que igualmente irão
permitir o reequilíbrio da referida equação, não obstante sua afetação
tenha resultado de fatores imprevisíveis (FURTADO, 2013).
Dentre as causas que podem alterar a equação econômico-
financeira do contrato tem-se por exemplo, o fato do príncipe, fato da
administração, caso fortuito, força maior e interferências imprevistas –
oriundos das áleas extraordinárias econômica e administrativa, que serão
analisadas partindo-se do seguinte esquema que as classifica: 3. Figura - Áleas
Fonte: Madeira (2008, p. 401)
60
3.1.1 Desequilíbrio econômico-financeiro em decorrência de álea
ordinária
A álea ordinária se encontra presente em qualquer tipo de negócio
jurídico, como resultado da flutuação do mercado. Trata-se dos riscos
normais do contrato, que, por serem previsíveis, por eles responde o
concessionário (JUSTEN FILHO, 2010).
Para Santos (2007), o particular, quando se propõe a desenvolver
uma atividade com o fito de auferir vantagem econômica ou lucro, ainda
que por meio da concessão de serviço público, submete-se a situações
de risco impostas pelo mercado. Logo, a mencionada álea ordinária
deverá ser absorvida e assimilada pela estrutura contábil e financeira do
concessionário, sem que lhe assista direito de pleitear a reparação desse
prejuízo pelo concedente.
Segundo o autor, podem, igualmente, integrar a noção de álea
ordinária os erros cometidos quando da elaboração de sua proposta no
procedimento licitatório. Tal prejuízo, pois, deve ser suportado pelo
concessionário, ficando sujeito, caso implique na eventual
impossibilidade de execução do contrato, a rescisão do contrato pela
Administração.
3.1.2 Desequilíbrio econômico-financeiro em decorrência de álea
extraordinária administrativa
Imperioso destacar que a distinção entre ordinariedade e
extraordinariedade se relaciona não com a mera possibilidade de
ocorrência dos evento, mas sim com a probabilidade de sua ocorrência.
Se assim não o fosse, todo evento possível seria, em tese, previsível,
integrando a álea extraordinária somente eventos impossiveis, que, por
definição, nunca viriam a ocorrer (JUSTEN FILHO, 2010).
Consoante Di Pietro (2005), a álea extraordinária administrativa
abrange: a) uma decorrente do poder de alteração
unilateral do contrato administrativo, para
atendimento do interesse público; por ela
responde a Administração, incumbindo-lhe a
obrigação de restabelecer o equilíbrio
voluntariamente rompido;
b) a outra corresponde ao chamado fato do
príncipe, que seria um ato de autoridade, não
diretamente relacionado com o contrato, mas que
repercute indiretamente sobre ele; nesse caso, a
61
Administração também responde pelo
restabelecimento do equilíbrio rompido;
c) a terceira constitui o fato da Administração,
entendido como “toda conduta ou comportamento
desta que torne impossível, para o co-contratante
particular, a execução do contrato” [...]. (p. 282).
3.1.2.1 Alteração unilateral do contrato
O desequilíbrio econômico-financeiro do contrato pode se dar nos
casos em que a Administração Pública, utilizando-se de sua prerrogativa
de alteração unilateral do contrato, o faça de modo a onerar por
demasiado o particular contratado (SANTOS, 2007).
Essa prerrogativa da Administração faz com que o equilíbrio
econômico-financeiro do contrato administrativo seja essencialmente
dinâmico, ao contrário do que ocorre nos contratos de direito privado,
em que o equilíbrio é estático (DI PIETRO, 2005). Neste, o equilíbrio é
do tipo a = b, de tal forma que, se uma das partes descumpre a sua
obrigação, ela comete uma falta e o sistema contratual fica
irremediavelmente rompido. Naquele, o equilíbrio é do tipo a/b = a1/b1.
Se a Administração altera a obrigação “a” do contratado, substituindo-a
pela obrigação “a1”, a remuneração devida pelo poder público passa de
“b” para “b1” (TÁCITO, 1975).
Assim sendo, processada a alteração unilateral do contrato pela
Administração Pública, tem o particular direito a receber as diferenças
respectivas, como forma de propiciar o restabelecimento do equilíbrio
contratual, rompido por força da alteração (CARVALHO FILHO,
2011).
3.1.2.2 Fato da Administração
A Administração quando realizada modificação unilateral do
contrato de concessão o faz com o objetivo precípuo de promover a
melhora ou a adequação do serviço ao interesse público, constituindo-se
em conduta autorizada pelo regime jurídico de direito público, de modo
que não se configura em falta contratual. Por outro lado, o fato da
Administração constitui infração aos deveres impostos contratualmente
ao concedente (SANTOS, 2007).
Mello (2012) considera como fato da Administração o
comportamento irregular do contratante governamental que, nesta
qualidade, viola os direitos do contratado e lhe dificulta a execução.
62
Para Madeira (2008), o fato da Administração é comportamento
ou omissão culposa da Administração que ocasionam o agravamento da
execução do contrato, podendo ocorrem em duas hipóteses:
inadimplência da Administração, capaz de levar à rescisão do contrato, e
atraso da Administração, que leva à prorrogação do contrato.
Justen Filho (2010), todavia, acredita que o enquadramento do
ilícito contratual da Administração Pública como causa apta a configurar
a quebra do equilíbrio econômico financeiro, aplicando-se o art. 65, II, é
incorreto e pode ser recusada pelo particular. Consoante o autor, o ato
ilícito gera o dever de indenizar o particular por perdas e danos –
solução jurídica que não se confunde com o efeito gerado pela quebra da
equação econômico-financeira, que se traduz na ampliação das
vantagens ou na redução dos encargos do particular.
3.1.2.3 Fato do príncipe
O fato do príncipe é um ato genérico e abstrato do Poder Público,
que quebra indiretamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato
(MADEIRA, 2008). A oneração decorrente do fato do príncipe tem
origem, pois, na atuação ordinária e regulamentar da Administração, no
exercício de suas competências legal e constitucionalmente previstas
(SANTOS, 2007).
Nesse sentido, posiciona-se Justen Filho (2010), ao alegar que a
teoria do fato do príncipe consagra o direito de indenização a um
particular em vista da prática de ato lícito e regular imputável ao Estado.
Neste viés, tem-se como exemplo de fato do príncipe a previsão,
contida no art. 9º, §3º, da Lei n. 8.987/1995, de que, a criação, alteração
ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais após a apresentação
da proposta, quando comprovado seu impacto, ressalvados os impostos
sobre a renda, implicará a revisão da tarifa paga pelos usuários do
serviço público, para mais ou para menos, conforme o caso.
Existem algumas divergências doutrinárias acerca da
conceituação desse instituto. Di Pietro (2005), assim como a maior parte
da doutrina, reputa que o fato do príncipe se verifica tão somente
quando a execução do contrato é onerada por medida proveniente da
autoridade pública contratante, mas que exercita esse poder em um
campo estranho ao contrato.
Por este raciocínio, caso um município tenha celebrado contrato
de concessão de serviço público precedido de obra que implique,
necessariamente, na importação de determinadas mercadorias e a
alíquota do imposto de importação for incrementada de tal modo que
63
impossibilite a realização da compra dos bens e, por conseguinte, a
execução do contrato, a conduta da entidade federativa não se
constituirá em fato do príncipe.
Tal hipótese, segundo a referida autora, configurar-se-ia em álea
econômica, ensejando a aplicação da Teoria da Imprevisão, por meio da
qual o ente público não arcaria com a totalidade do prejuízo, sendo esse
compartilhado entre as partes do contrato.
Carvalho Filho (2011), por sua vez, entende que a conduta capaz
de enquadrar-se na categoria de fato do príncipe pode ser aquela
realizada por quaisquer das manifestações internas do Estado, de modo
que considera aplicável tal teoria se, por exemplo, um ato oriundo da
União atingir um particular que tenha contratado com um Estado-
membro.
A recomposição do equilíbrio contratual, em se tratando de fato
do príncipe e fato da Administração, exige que essa suporte sozinha os
ônus daí decorrentes, compensado inteiramente o concessionário, já que
a causa do desequilíbrio é imputável à Administração (DI PIETRO,
2011).
3.1.3 Desequilíbrio econômico-financeiro em decorrência de álea
extraordinária econômica
A álea econômica corresponde às circunstâncias externas ao
contrato, estranhas à vontade das partes, imprevisíveis, excepcionais e
inevitáveis, que ocasionem um desequilíbrio muito grande no contrato,
dando lugar à aplicação da Teoria da Imprevisão (DI PIETRO, 2005).
3.2 TEORIA DA IMPREVISÃO
É da essência do contrato, por se tratar de acordo de vontades
entre as partes, o cumprimento integral de todas as suas cláusulas. Em
outras palavras, é inerente a este tipo de negócio jurídico o princípio da
obrigatoriedade dos contratos, que garante a segurança das relações
obrigacionais.
Tem-se que os contratos, uma vez concluídos livremente,
incorporam-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira
norma de direito (GAMA; ROCHA; SOUZA, 2003). Todavia, a regra
que determina celebrar e executar o contrato segundo o que corresponda
às exigências da boa-fé pode apresentar sérias dificuldades quando, com
posterioridade a sua celebração, mas antes de sua execução, sobrevêm
64
fatos ou circunstâncias que agravam o sacrifício exigido de uma das
partes (DÍAZ, 2004).
A constatação de que os negócios jurídicos podem sofrer as
consequências de modificações posteriores das circunstâncias, com
quebra insuportável da equivalência, deu origem ao princípio da revisão
dos contratos ou da onerosidade excessiva, permitindo-se aos
contratantes recorrerem ao Poder Judiciário para obter alteração da
convenção (GONÇALVES, 2009).
Por óbvio, a Teoria da Imprevisão deve ser aplicada com cautela
pelo magistrado, evitando que este interfira diretamente nos contratos
celebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada, pela
sua (LENZ, 2005).
3.2.1 Histórico
A Teoria da Imprevisão pode ser definida como doutrina jurídica
que admite, em casos graves, a possibilidade de revisão judicial dos
contratos quando a superveniência de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, por ocasião da formação dos pactos, torna sumamente
onerosa a relação contratual, gerando a impossibilidade subjetiva de se
executarem esses contratos (DINIZ, 1998).
Trata-se da vertente moderna da cláusula rebus sic stantibus,
abreviação da fórmula contractus qui habent tractu sucessivum et
dependendum de futuro rebus sic stantibus intelligentur, em vernáculo:
“contrato que trata de prestações futuras e condicionais deve ser
interpretado segundo as circunstâncias em que se encontra na
atualidade” (CALDAS, 1984, p. 64).
A formulação de preceito geral correspondente a esse valor deve-
se ao Direito Canônico e aos pós-glosadores que, na Idade Média,
definiram como implícito a todo contrato de execução contínua ou
diferida um pacto condicionando sua eficácia à preservação das mesmas
circunstâncias existentes ao tempo da celebração (COELHO, 2012).
Venosa (2012) afirma que princípios de mesma natureza foram
observados em legislações anteriores, como, por exemplo, no texto do
Código de Hamurabi. A Lei 48 do mencionado código admitia a
imprevisão nas colheitas, preconizando que se “uma tempestade devasta
o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no
campo, ele [devedor] não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá
modificar sua tábua de contrato” (CUNHA, 1995, p. 35).
Conforme Rizzardo (2010), aplicou-se plenamente a cláusula
rebus sic stantibus nos Séculos XIV e XVI, em torno da qual nasceu
65
copiosa literatura, perdurando seu período áureo até meados do Século
XVIII, quando iniciou sua decadência, limitando-se seus casos de
incidência. Coelho (2012) credita esse movimento descendente, de um
lado, à pretensão racionalista de reorganizar as relações sociais que
vicejou ao tempo da Revolução Francesa e, de outro, às necessidades de
extrema segurança e previsibilidade do florescente capitalismo.
O pensamento da época encontra-se refletido em uma disposição
do Código Civil de Montenegro, de 1888: “a pedra uma vez laçada da
mão não nos volta à mão, nem a palavra à boca. [...] o verdadeiro
fundamento de todas as relações e da vida social é a regra que a palavra
liga os homens” (DÍAZ, 2004, p. 198).
Com nova roupagem jurídica, a cláusula rebus sic stantibus
desponta sob a denominação de Teoria da Imprevisão após o fim da
Primeira Guerra Mundial. No contexto da transição para o modelo
neoliberal, difundiram-se institutos jurídicos tendentes à revisão judicial
do conteúdo do contrato, afastando-se qualquer ideia de imoralidade ou
ilicitude no descumprimento do contrato pelo sujeito pressionado por
fatores externos a sua vontade que haviam tornado extremamente difícil
ou mesmo impossível a entrega da prestação (COELHO, 2012).
Na França, expressa Venosa (2012), em decorrência da Primeira
Guerra Mundial, que trouxe desequilíbrio para os contratos a longo
prazo, a Teoria da Imprevisão ganhou força, sobretudo com a conhecida
Lei Failliot, de 1918, que autorizou a resolução judicial dos contratos
concluídos antes da guerra em razão da onerosidade de sua execução.
No Brasil, a necessidade de intervenção judicial nos contratos
para correção de abusos e de distorções foi reconhecida, de uma maneira
mais contundente, a partir do início do século passado. O princípio da
autonomia da vontade passou a ser interpretado com ressalvas nos meios
jurídicos nacionais, dadas as imprevisíveis alterações econômicas que
abalaram o país após a Primeira Grande Guerra e a quebra da bolsa de
Nova Iorque (PUGLIESE, 2004).
Acerca do ingresso dessa teoria ao pensamento jurídico
brasileiro, Gonçalves (2009) leciona que: Entre nós, a teoria em tela foi adaptada e
difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca, com
o nome de teoria da imprevisão, em sua obra Caso
fortuito e teoria da imprevisão. Em razão da forte
resistência oposta à teoria revisionista, o referido
autor incluiu o requisito da imprevisibilidade para
possibilitar sua adoção. Assim, não era mais
suficiente a ocorrência de um fato extraordinário,
66
para justificar a alteração contratual. Passou a ser
exigido que fosse também imprevisível. (p. 30).
De acordo com o que afirma Diniz (2010), ainda que inexistente
previsão legal anterior ao Código Civil de 2002, a doutrina e Poder
Judiciário vinham adotando a Teoria da Imprevisão, justificando o
restabelecimento do statu quo ante pela cláusula rebus sic standibus.
O desejo de estabelecer a Teoria da Imprevisão na legislação
brasileira é bastante antigo e se manifestou em todas tentativas de
reforma de legislação civil brasileira, a partir do Anteprojeto de Código
de Obrigações de 1941, de lavra dos sábios Philadelphio Azevedo,
Orozimbo Nonato e Hannemann Guimarães (RODRIGUES, 2002).
O Código Civil vigente disciplina no Título V, Capítulo II a
Teoria da Imprevisão, em seus artigos 478, 479 e 480, sob o título “Da
resolução por onerosidade excessiva”.
3.2.2 A Teoria da Imprevisão ordenamento jurídico brasileiro
Antes de adentrar no estudo dos dispositivos legais que regulam
tal matéria no âmbito do Direito Privado, imperioso destacar que há
controvérsias quanto à adoção da Teoria da Imprevisão pelo
mencionado código: A primeira corrente doutrinária afirma que o atual
Código Civil consagrou a teoria da imprevisão, de
origem francesa, que remonta à antiga cláusula
rebus sic stantibus. Estamos filiados a essa
corrente, que parece ser a majoritária, pois
predomina na prática a análise do fato
imprevisível a possibilitar a revisão por fato
superveniente. Na jurisprudência do mesmo modo
predominam as menções à teoria da imprevisão
(entre os mais recentes: STJ, AgRg no Ag
1.104.095/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3.ª
Turma, j. 12.05.2009, DJe 27.05.2009 e STJ,
AgRg no REsp 417.989/PR, Rel. Min. Herman
Benjamin, 2.ª Turma, j. 05.03.2009, DJe
24.03.2009). Para uma segunda corrente, o
Código Civil de 2002 adotou a teoria da
onerosidade excessiva, com inspiração no Código
Civil Italiano de 1942, eis que o nosso art. 478
equivale ao art. 1.467 do Codice. Deve ficar bem
claro que a questão referente à teoria adotada pelo
atual Código Civil no que toca à revisão
contratual por fato superveniente é demais
67
controvertida, sendo certo que, tanto na III
Jornada (2004) quanto na IV Jornada de Direito
Civil do Conselho da Justiça Federal (2006), não
se chegou a um consenso a respeito do tema.
Filia-se à primeira das visões pelo costume
doutrinário e jurisprudencial, sendo certo que, de
fato, o art. 478 do nosso Código Civil equivale ao
art. 1.467 do Código italiano. Todavia, a lei
brasileira traz o art. 317, dispositivo que cuida
mais adequadamente da matéria e não tem
correspondente naquela codificação estrangeira.
Essa é a fundamental diferença entre os sistemas.
(TARTUCE, 2014)
Pois bem, dispõe, com efeito, o art. 478 do referido diploma: Art. 478. Nos contratos de execução continuada
ou diferida, se a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis,
poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à
data da citação.
Nota-se que o mencionado dispositivo legal, quanto à solução
aplicável aos casos em que a ocorrência de fatos extraordinários e
imprevisíveis onera um dos contratantes, faz menção apenas à
possibilidade de extinção do contrato. A legislação civilista não prevê,
como regra geral, a hipótese de revisão do contrato, admitindo-a tão
somente nos contratos unilaterais, ao dispor que no contrato em que as
obrigações couberem a apenas uma das partes, “poderá ela pleitear que a
sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de
evitar a onerosidade excessiva” (art. 480 do Código Civil).
Ocorre que esta impossibilidade de revisão contratual em face de
acontecimentos imprevistos vai de encontro, muitas vezes, ao próprio
interesse das partes contratantes. Em contratos como o de financiamento
de casa própria, por exemplo, é imperioso que a eventual onerosidade
excessiva da prestação permita a revisão do contrato, até porque, na
maioria dos casos, o contratante não pretende mudar-se para outro
imóvel, sendo de seu interesse que não se opere a resolução.
68
Nesse sentido, coleciona-se o exemplo da lavra de Bierwagen
(2007): Assim, se alguém compra uma casa a prestações,
prevendo que tal negócio compromete
determinado percentual de seu orçamento e,
repentinamente, tais prestações se elevam,
impossibilitando-o de honrar outros
compromissos mais prioritários, é evidente que a
decisão de desfazer a compra da casa vincula-se
não à perda de interesse no negócio (mormente se
estiver prestes a terminar a execução), mas na
impossibilidade de assumir a diferença imposta
pelas circunstâncias (p. 72).
Sobre a matéria, tem-se defendido há tempos, amparado na
melhor doutrina, que a extinção do contrato deve ser a ultima ratio,
aplicável somente se esgotados todos os meios possíveis de revisão,
diante do princípio da conservação contratual, anexo à função social dos
contratos (TARTUCE, 2014).
Oliveira (1991), utilizando-se da lição de Gutierrez, opina pela
revisão como meio preferencial, podendo o juiz eleger a resolução
apenas se a revisão for inadmissível ao caso. Neste viés, tem-se o
Enunciado n. 176 CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil: “Em atenção
ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código
Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial
dos contratos e não à resolução contratual”.
3.2.2.1 Contratos aplicáveis
3.2.2.1.1 Contrato de execução continuada e de execução diferida
Nos termos do Código Civil, a Teoria da Imprevisão é aplicável
aos contratos de execução continuada e de execução diferida.
Consoante lição de Gomes (1998), os contratos de execução
continuada ou sucessiva são aqueles que se cumprem por meio de atos
reiterados e que, portanto, a prestação tem de ser cumprida durante certo
período de tempo, continuadamente. Os contratos de execução diferida,
por sua vez, são aqueles que devem ser cumpridos em um só ato, mas
em momento futuro, uma vez que a execução se portai em virtude de
cláusula que a subordina a um termo – por exemplo, quando é pactuado
entrega em determinada data do objeto alienado.
69
O mencionado autor, em consonância com o art. 48 do Código
Civil, afirma que a Teoria da Imprevisão somente se opera nessas
espécies de contratos.
Isso se dá em razão de que nos contratos de execução continuada
e de execução diferida o fator tempo tem a possibilidade de incidir na
intensidade do seu sacrifício originariamente comprometido, de modo a
provocar uma variação substancial entre esse e o existente ao momento
da interposição da ação (DÍAZ, 2004).
3.2.2.1.2 Contrato comutativo ou aleatório
Bittar (1993) pondera que não é a todos os contratos que se aplica
a Teoria da Imprevisão – seu campo de incidência não é ilimitado. Com
efeito, pode ser invocada essa teoria somente em se tratando de certas
espécies contratuais, de acordo com os lindes traçados pela doutrina e
pela jurisprudência.
De acordo com o autor, só é plenamente possível a utilização da
teoria em apreço em se tratando de contratos comutativos, não se
podendo cogitar sua aplicação para a resolução de contratos aleatórios,
que, consoante Pereira (2009), podem ser definidos como aqueles em
que a prestação de uma das partes não é precisamente conhecida e
suscetível de estimativa prévia, inexistindo equivalência com a da outra
parte.
Em idêntico sentido, Rodrigues (2002) ensina que o intuito da
teoria é justamente evitar que nos contratos comutativos em que, por
definição, há uma presumível equivalência de prestações, o tempo
desequilibre a antiga igualdade, tornando a prestação de uma das partes
excessivamente onerosa em relação a da outra
Por outro lado, para Coelho (2012), a revisão judicial de um
contrato, fundada na Teoria da Imprevisão, tem cabimento qualquer que
seja sua classificação. Também a parte de contrato aleatório pode
experimentar mudança extraordinária e imprevisível em sua situação
econômica que torne excessivamente onerosa a prestação por que se
obrigou, não havendo razões para lhe obstar a revisão acessível aos
demais contratantes.
3.2.2.2 Requisitos
Para a aplicação da Teoria da Imprevisão, a lei e a doutrina
exigem o preenchimento de uma série de requisitos, como, por exemplo,
que o cenário previsto para o cumprimento da prestação se altere
70
radicalmente, que haja extrema vantagem para a outra parte, e que a
referida situação tenha se verificado pela ocorrência de fatos
imprevisíveis e extraordinários, dentre outros.
3.2.2.2.1 Extraordinariedade e imprevisibilidade
Conforme preleciona Venosa (2012), o princípio da
obrigatoriedade dos contratos não pode ser violado perante dificuldades
comezinhas de cumprimento, nem por fatores externos perfeitamente
previsíveis.
Pereira (2009) pondera que, admitindo-se que os contratantes, ao
celebrarem a avença, tiveram em vista o ambiente econômico
contemporâneo e previram razoavelmente para o futuro, o contrato, em
regra, tem de ser cumprido, ainda que não proporcione às partes o
benefício esperado.
Sendo assim, para a aplicação da teoria em estudo é necessária a
ocorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis que alterem o
equilíbrio entre prestação e contraprestação contratuais.
Um acontecimento é extraordinário quando sua ocorrência não
obedece ao curso normal ou estatisticamente comum da vida ordinária.
Naturalmente, tanto pode ser um acontecimento positivo – suceder o que
não costuma suceder –, quanto negativo – não acontecer o que costuma
acontecer. A delimitação do acontecimento é, necessariamente, objetiva,
ou seja, o fato excepcional não pode ter uma gravitação exclusivamente
individual no devedor prejudicado, senão que deve afetar toda uma
categoria de devedores (DÍAZ, 2004).
Eis aqui o grande problema da teoria adotada pelo Código Civil
segundo Tartuce (2014), pois poucos casos são enquadrados como
imprevisíveis pelos tribunais brasileiros, eis que a jurisprudência
nacional sempre considerou o fato imprevisto tendo como parâmetro o
mercado, o meio que envolve o contrato e não a parte contratante.
A partir dessa análise, em termos econômicos, na sociedade pós-
moderna globalizada, nada é imprevisto, tudo se tornou previsível.
Ilustrando, não seriam imprevisíveis o aumento do dólar, o desemprego
ou a escala inflacionária quanto ao último evento. De acordo com o
supracitado autor, isso seria uma espécie de função social às avessas,
pois o fato que fundamenta a revisão é interpretado na interação da parte
contratante com o meio, para afastar a onerosidade excessiva e manter o
equilíbrio do negócio, a sua base estrutural.
71
A capacidade de prever deve ser determinada com referência a
uma pessoa de diligência ordinária que exerça uma atividade do mesmo
ramo que a do contratante que exige a resolução (DÍAZ, 2004).
Outrossim, a Teoria da Imprevisão deve ser interpretada de
acordo com a realidade social e econômica do momento da celebração
do contrato, ponderados os fatos e as circunstâncias supervenientes que
deram origem à relação litigiosa. As características particulares e os
interesses pessoais de cada uma das partes também devem ser sopesados
pelo aplicador do Direito. A previsibilidade dos riscos é questão ainda
mais delicada para as partes que contam com assessoria de profissionais
especializados, como advogados e economistas. Nesses casos, a
expectativa é de que o contrato sempre contenha as condições
necessárias para a proteção dos interesses das partes contra os efeitos de
eventos futuros e incertos, mas previsíveis (PUGLIESE, 2004).
Atenta-se para o fato de que, nas relações de consumo, não é
necessária a comprovação da imprevisibilidade do fato superveniente
que torna excessivamente onerosa a prestação do consumidor para a
aplicação da Teoria da Imprevisão, eis que o Código de Defesa do
Consumidor, em seu art. 6º, V, indica como direito básico do
consumidor a prerrogativa de obter a modificação ou revisão das
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais em
razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas
(RODRIGUES, 2002).
3.2.2.2.2 Superveniência
Exige-se, também, que os acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis que caracterizam a resolubilidade ou revisão do contrato
surjam após sua celebração e antes de sua execução.
Roppo (2009) sinaliza que caso se tratasse de circunstâncias pré-
existentes à conclusão do contrato já não se poderia falar em
desequilíbrio superveniente, e o contraente prejudicado deveria, em tese,
podido tê-la em conta no momento da preparação e estipulação do
negócio. Se não o fez porque o ignorava, poderá, quando muito, invocar
o erro.
Pelo contrário, caso se tratasse de circunstâncias surgidas após a execução, consoante o aludido autor, elas não atingiriam um negócio
que, objetivamente, se esgotou; poderiam, porventura prejudicar as
expectativas de uma das partes, mas isso entraria no mundo dos motivos
individuais, irrelevantes.
72
3.2.2.2.3 Onerosidade
A intervenção judicial no contrato ocorrerá quando um elemento
inusitado e surpreendente, uma circunstância nova, surja no curso do
contrato, colocando em situação de extrema dificuldade um dos
contratantes, isto, é ocasionando uma excessiva onerosidade em sua
prestação (VENOSA, 2012).
A expressão reflete a ideia de uma intensidade ou gravidade, de
tal magnitude, a ponto de provocar a desnaturalização do caráter
comutativo do contrato. Para apreciar o conceito não há critérios
matemáticos. Não existe um limite preciso entre a simples onerosidade e
a excessiva onerosidade. Em cada contrato existe uma álea normal que
as partes aceitam, explicita ou implicitamente, como um risco provável
e tolerável (DÍAZ, 2004).
3.2.2.2.4 Benefício de uma das partes
O texto do novo Código Civil foi meticuloso ao exigir que a
excessiva onerosidade para uma das partes deva significar,
necessariamente, extrema vantagem para a outra. Evidentemente, quis o
codificador eliminar a possibilidade de resolução quando os efeitos do
acontecimento extraordinário e imprevisível incidissem por igual em
ambos contratantes, tirando partes das vantagens previstas tanto do
devedor quanto do credor (DÍAZ, 2004).
O requisito da extrema vantagem não é encontrado na Teoria
Clássica da Imprevisão ou mesmo em quaisquer textos legais ou
precedentes jurisprudenciais brasileiros. Com efeito, a parte lesada por
um evento imprevisível tem agora um novo e pesado ônus processual,
qual seja o de produzir provas sobre benefícios econômicos auferidos
pela outra parte, muitas vezes sem qualquer acesso aos documentos e
informações necessários para a identificação desses benefícios.
O requisito da vantagem excessiva cria, na verdade, um novo
conceito de imprevisão, na medida em que desloca o foco protetivo do
instituto para o equilíbrio entre as prestações contratuais, afastando-se
de sua missão original de proteção da parte que se sujeita ao
cumprimento de obrigações que se tornem excessivamente onerosas. Há verdadeira barreira para a plena aplicação do instituto (PUGLIESE,
2004)
73
Imagine-se o caso do pequeno empreiteiro do
interior que se compromete a construir um único
imóvel, e que, no curso do contrato, vê-se
surpreendido pela dobra do preço do cimento na
região forçada pela presença de uma empreiteira
que inicia a construção de um grande condomínio.
A onerosidade excessiva experimentada pelo
pequeno empreiteiro não se reflete em favor do
dono da obra, que receberá o mesmo produto
anteriormente contratado, não havendo, destarte,
exagerada “vantagem”. (BIERWAGEN, 2007, p.
70).
3.2.2.2.5 Outros requisitos
Silva Filho (1993) acrescenta mais dois requisitos ao rol
apresentado por Fonseca: a inimputabilidade e a não ocorrência de mora
daquele que pretende com ela se beneficiar. Segundo o autor, é preciso
que o fato extraordinário que modificou a base do negócio avençado não
tenha sido provocado através da ação ou omissão daquele que o quer
invocar, tendo em vista o princípio que a ninguém é lícito alegar a
própria torpeza e, ainda, com ela auferir vantagens. Outrossim, aduz que
a imprevisão não é aplicável aos casos em que o fato extraordinário
ocorreu estando o devedor em mora, considerando que esta inscreve-se
no capítulo dos atos ilícitos que não geram direito algum.
Em sentido contrário, para Tartuce (2014) a ausência de mora não
é requisito para a revisão do contrato, eis que não foi imposto pela lei e
que, na grande maioria das vezes, aquele que está em mora é quem mais
precisa da revisão, justamente para demonstrar a abusividade contratual
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, tem realizado um
contraponto a respeito da mora, concluindo que a cobrança de valores
abusivos por entidades bancárias descaracteriza esse inadimplemento
relativo do devedor (nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 979.132/RS,
Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, j. 21.10.2008, DJe
03.11.2008). Tais julgados estão inspirados no Enunciado n. 354
CJF/STJ, da IV Jornada de Direito Civil, cuja redação é a seguinte: “a
cobrança de encargos e parcelas indevidas ou abusivas impede a
caracterização da mora do devedor”.
74
3.2.2.3 Art. 479 do Código Civil
Solicitada a resolução, poderá o réu evita-la oferecendo-se a
modificar equitativamente as condições do contrato. O oferecimento não
depende da vontade da contraparte. Reconhecida e declarada pelo juiz a
justiça do oferecimento, nada poderá fazer o autor, a não ser aceitar as
novas condições, ou desistir da ação e ficar com as antigas condições
que pretendia objetar por excessividade onerosa (DÍAZ, 2004).
O art. 479 do Código Civil cria desfecho diferenciado para a
aplicação da Teoria da Imprevisão, admitindo a readequação dos termos
e condições do contrato. Para tanto, o juiz deverá receber manifestação
expressa da parte demandada, requerendo a manutenção do contrato e
sugerindo novos termos para readequação da relação jurídica. O juiz
poderá rejeitar a proposta, apontando as modificações que efetivamente
restabeleçam o equilíbrio contratual (PUGLIESE, 2004).
3.2.2.4 Art. 317 do Código Civil
Trata-se de dispositivo destinado à manutenção do valor
econômico das prestações contratuais. Basta a prova de que o valor
econômico da prestação tenha se alterado de forma manifesta, sem a
respectiva e proporcional alteração do valor da contraprestação, para que
a parte possa requerer a revisão judicial do contrato.
O art. 317 terá aplicação, assim, para os casos em que, por
exemplo, a estrutura de custo do produto ou do serviço objeto do
contrato tenha sido substancialmente e imprevisivelmente alterada, ou
mesmo para a compensação das perdas resultantes de processos
inflacionários que, excepcionalmente, não pudessem ter sido previstos
pelas partes. O art. 478, por sua vez, tem aplicação mais abrangente,
adotando a Teoria da Imprevisão em toda a sua extensão. O dispositivo
não indaga sobre o valor econômico ou equilíbrio entre as prestações
contratuais, mas apenas sobre a onerosidade que qualquer uma delas
possa significar para as partes contratantes, independentemente da
variação de seu valor econômico (PUGLIESE, 2004).
75
3.3 APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO AOS
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Conforme explicitado anteriormente, o regime jurídico dos
contratos da Administração compreende a regra da manutenção da
equação econômico-financeira. Assim, cabe ao contratado o direito à
remuneração compatível com os encargos assumidos, e à Administração
o dever de rever o preço quando em decorrência de ato estatal,
produzido ou não a vista da relação contratual, de fatos imprevisíveis ou
da oscilação dos preços da economia, ele não mais permita a retribuição
da prestação assumida pelo particular, de acordo com a equivalência
estipulada pelas partes no contrato (SUNDFELD, 1995).
No âmbito da concessão de serviços públicos, a imprevisão,
como teoria em si, como fundamento singular e com esta denominação,
foi lançada, segundo Maia (1959), pelo Conselho de Estado da França,
em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, pelo célebre julgado
proferido na questão entre a Compagnie Générale d'Éclairage de
Bordeaux e a cidade de Bordeaux.
O Conselho de Estado, não obstante reconhecer que, em
princípio, o contrato celebrado entre as partes regulava de maneira
definitiva suas obrigações, decidiu que, por força da alta do carvão –
motivada, pela ocupação, por parte do inimigo, da maior parte das
regiões mineiras, bem como pela dificuldade do transporte marítimo,
tanto em razão da requisição dos navios como pelo caráter duradouro da
guerra – a economia da obrigação contratual encontrava-se totalmente
subvertida, devendo ocorrer a revisão das cláusulas do contrato de
concessão.
A justificativa da aplicação da Teoria da Imprevisão ao contrato
de concessão de serviço público repousa nas noções de interesse público
– na medida em que compete ao ente concedente zelar pela continuidade
do serviço – e de colaboração entre o particular e a Administração – de
sorte que se a natureza da participação do concessionário é de parceiro,
estaria violado o princípio da boa-fé se fosse este obrigado a suportar
sozinho toda a alea econômica extraordinária (SANTOS, 2007).
A Teoria da Imprevisão tem assento constitucional e se encontra
insculpida na Lei n. 8.666/1993, mas, ainda que assim não o fosse, essa
seria aplicável aos contratos administrativos, eis que fundada em
princípios setoriais de Direito Público, tais como os princípios da
igualdade, boa-fé e continuidade dos serviços públicos (SAMPAIO,
2001).
76
Neste sentido, a Teoria da Imprevisão, aplicada ao Direito
Administrativo, conforme Gordillo (1982, apud FARENA, 1990), se
reveste de caráter de ordem pública, constituindo-se em cláusula
inderrogável pelas partes. Caso em contrato administrativo haja renuncia
prévia ao direito de invocar a Teoria da Imprevisão para o
restabelecimento do equilíbrio econômico a cláusula seria nula,
considerando o intuito de sua aplicação não seria somente trazer uma
vantagem pecuniária ao contratante, mas, primordialmente, propiciar a
continuidade do serviço público.
A teoria, segundo Medauar (2011), aplica-se aos casos em que
circunstâncias que não poderiam ser previstas no momento da
celebração do contrato, passam a modificar profundamente sua
economia, dificultando sobremaneira sua execução e trazendo déficit ao
contratado.
Tais circunstâncias imprevistas, além de serem supervenientes à
celebração do contrato, devem ultrapassar a normalidade, ser
excepcionais, extraordinárias, causando um desequilíbrio muito grande
no contrato (DI PIETRO, 2005).
O evento danoso deverá ser independente da vontade das partes,
especialmente da Administração, eis que se essa der causa ao
desequilíbrio constata-se a ocorrência do fato da Administração ou do
príncipe (SANTOS, 2007). Ocorre que a complexidade da economia,
marcada principalmente pela intervenção do Estado por meios indiretos,
como, por exemplo, a política monetária, torna difícil apurar se foi ou
não o Estado o causador de uma álea econômica. Assim, por exemplo,
uma conjuntura recessiva tanto pode ser provocada pela indução do
Estado, como consequência de uma política anti-inflacionária, quanto
ser provocada por fatores estruturais da economia ou mesmos externos
(FARENA, 1990).
De modo didático, Grau e Forgioni (2005) esclarecem quais são
os pressupostos necessários a autorizar o reequilíbrio econômico-
financeiro dos contratos administrativos: Para que surja, em benefício do contratado, o
direito ao reequilíbrio de qualquer contrato
administrativo, é necessário que:
i) o contratado seja de longa duração ou, pelo
menos, a obrigação seja diferida (tractum
successivum et dependentiam de futuro, no velho
aforismo);
ii) após a vinculação do particular, tenha ocorrido
um fato que não poderia ter sido previsto
inicialmente, por mais diligente que fosse a parte;
77
iii) esse fato não tenha decorrido do
comportamento do particular, ou seja, sua
superveniência não se tenha verificado por culpa
sua;
iv) esse mesmo fato tenha gerado um
desequilíbrio na equação econômico-financeira do
contrato, de forma que ocorra a diminuição do
retorno a ser granjeado pelo particular (p. 110-
111).
Em síntese, para a configuração da Teoria da Imprevisão no
âmbito dos contratos de concessão de serviço público, o fato
superveniente deve ser imprevisível ou previsível, mas de consequências
incalculáveis; não decorrente de culpa ou dolo do particular contratante
ou da Administração Pública; e desestabilizador da equação econômico-
financeira da avença que, por sua vez, deve ser de longa duração ou, ao
menos, prever obrigações a serem cumpridas em momento posterior.
3.3.1 Recomposição do equilíbrio econômico-financeiro das
concessões de serviço público mediante a aplicação da Teoria da
Imprevisão
Para Di Pietro (2011), por não haver nexo de causalidade entre a
atuação das partes e a alteração, a compensação financeira por parte da
Administração nunca será integral, sendo, em verdade, partilhada com o
concessionário, uma vez que, tendo assumido os riscos do contrato, não
cabe à Administração garantir a mesma faixa de lucro durante toda a
vigência do contrato.
Deve-se registrar que não é pacífico este entendimento, pois há
quem impute responsabilidade integral à Administração (MELLO,
2012).
A despeito de autores que a defendem que indenização deve ser
temporária, para o período de crise, retornando após seu término o
contrato seu curso normal, Santos (2007) entende que a maior parte das
alterações econômicas que se pretendem solucionar pela aplicação dessa
teoria se tratam de alterações definitivas, aceitando-se a modificação
definitiva do contrato em razão de evento econômico imprevisível,
havendo, em caso de definitividade, a possibilidade de revisão das
tarifas.
Diversa é a possibilidade de reajuste do preço, que, não obstante
ter por objetivo recompor o equilíbrio econômico-financeiro do
contrato, é calculado segundo índices previamente estabelecidos, sendo
78
devido somente quando houver previsão contratual para tanto (DI
PIETRO, 2005). Na revisão da tarifa, dada a irrupção de encargos
excedentes dos originais, a tarifa efetivamente muda, não apenas em sua
expressão numérica, mas também na qualificação do próprio valor que
lhe deve corresponder para que seja mantido o equilíbrio inicial entre os
encargos dantes previstos e a correspondente retribuição (MELLO,
2012).
Dessa possibilidade de revisão, surge um dos problemas
regulatórios mais importantes da concessão: fixação de tarifas justas,
que atendam às necessidades do empresário e possam ser suportadas
pelos usuários (WALD, 2005).
O problema fica mais requintado quando se trata de concessões
de serviço público de longa duração. Por haver prestação de serviço
público, não se pode prejudicar o usuário com a alocação de riscos que
coloque em xeque a saúde financeira da concessionária, pois isso pode
implicar má prestação do serviço público e até mesmo sua
descontinuidade (MAYER, 2003).
Os efeitos jurídicos de um contrato de concessão de serviço
público, de modo diverso do que ocorre em outras espécies de contratos
administrativos, encerram repercussões de ordem jurídica e
socioeconômica que transcendem o espaço jurídico das partes
contratantes. Isso ocorre porque a relação contratual da concessão,
embora formalmente seja composta apenas pela Administração
contratante e o particular contratado, produz efeitos em relação a um
terceiro – o usuário do serviço concedido.
Neste viés, alguns autores, como, por exemplo, Justen Filho
(2010), chegam, inclusive, a afirmar que o contrato de concessão é
pactuado entre três partes: poder concedente, ente federativo titular da
competência para prestar o serviço; o particular, concessionário; e a
sociedade, personificada em instituição representativa da comunidade.
Na qualidade de detentor de legítimo interesse jurídico na relação
contratual administrativa de concessão de serviço público, o usuário é
titular de direitos invioláveis que se opõem à livre disposição das
condições contratuais pelos contratantes, especialmente em relação aos
aspectos concernentes à tarifa (SANTOS, 2007).
Ao mesmo tempo em que o Poder Público é obrigado a preservar
o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, deve contemplar o
princípio da modicidade da tarifa e da igualdade entre os usuários, não
os onerando por demasiado. Por outro lado, não é cabível, para o
atendimento do princípio da modicidade tarifária, fixar, sem
79
providências adicionais, a tarifa em montante que gere deficiência no
financiamento dos serviços (PEREIRA, 2008).
Santos (2007) ressalta que, embora legitima, a revisão da tarifa,
ao implicar na transferência da obrigação de recompor o equilíbrio ao
usuário, deverá se dar em conformidade com o princípio da modicidade
da tarifa, de vez que terá relação direta e imediata com a capacidade
econômica do usuário, sob pena de violação inclusive do interesse
público que e dado à Administração perseguir.
Pelo princípio da razoabilidade, as revisões nos contratos de
concessão devem evitar o ônus insuportável ao usuário (VITAL, 2003).
A revisão de preços envolve análise ampla e minuciosa da situação do
particular a abrange várias etapas. A primeira consiste na verificação de
todos os custos originariamente previstos pelo contratado para a
formulação de sua proposta. A segunda etapa é a verificação dos custos
que efetivamente oneraram o particular ao longo da execução do
contrato. O terceiro passo está na comprovação da ocorrência de algum
evento imprevisível e superveniente apto a produzir o desequilíbrio
entre os custos estimados e os efetivamente existentes. A quarta etapa
reside na adoção de previdência destinada a reduzir os encargos ou a
ampliar as vantagens, de modo a assegurar a manutenção da relação
original (JUSTEN FILHO, 2010).
Ademais, a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro nas
concessões, segundo o referido autor, poderá ser realizada por diversas
vias: revisão de tarifas, subvenções, regalias fiscais, devendo ser levado
em conta, para tanto, a tarifa e outras fontes de receitas previstas no
edital de licitação e no contrato. Além da alteração da tarifa, pode ser
prevista a alteração do prazo da concessão ou algum tipo de
compensação financeira.
É igualmente importante observar que a recomposição não
necessariamente implica em aumento do preço do contrato. Se os fatos
imprevisíveis afetarem o contrato de modo a reduzir seus custos, deverá
ser promovida a devida e proporcional redução dos valores do contrato.
Hipótese distinta ocorreria se, um mês após o início da vigência do
contrato de concessão ocorresse dissídio da categoria e essa obtivesse,
na Justiça do Trabalho, aumento salarial (oriundo de dissidio). O
dissidio da categoria profissional ocorre todo ano, de modo que seria
perfeitamente previsível a concessão de algum ganho para os
empregados da empresa contratada. Caberia a ela no momento em que
apresentou a proposta no procedimento licitatório considerar tal
possibilidade (FURTADO, 2013).
80
O mencionado autor admite a recomposição do valor do contrato
em face de exagerada desvalorização do real frente ao dólar, quando esta
moeda é utilizada para pagamento de seu fornecedor no exterior. Já
pequenas desvalorizações da moeda nacional, que normalmente ocorrem
no mercado, não devem, em hipótese alguma, ser utilizadas para o
aumento do valor do contrato com a Administração Pública.
A inflação pode ser um fato previsível, mas autorizará a
incidência da Teoria da Imprevisão quando os índices inflacionários não
puderem ser estimados e apresentem variação que ultrapassa os limites
das previsões generalizadas (JUSTEN FILHO, 2010).
Poderá, ainda, haver a recomposição do equilíbrio contratual
mediante o afastamento ou supressão de encargos contratuais do
concessionário, desde que, por evidência, não configure essa supressão a
descaracterização do objeto do contrato e que não produza prejuízo ao
interesse público que se pretende atender pela execução do serviço
concedido (SANTOS, 2007).
Para Gasparini (2011), a revisão do contrato para restaurar a
composição econômica inicialmente estabelecida pelas partes, tornada
irreal ante a ocorrência de circunstância extraordinária e imprevisível
deve ser requerida administrativamente, pois ao se pleitear sua revisão
judicial estar-se-ia substituindo o administrador pelo juiz, quebrando,
assim, o princípio da independência e harmonia entre os Poderes. Em
seu sentir, caberia ao administrado, em juízo, requerer somente a
rescisão do contrato e a devida indenização.
Segundo o autor, depois de ajustada pelas partes, a revisão
contratual deve ser formalizada por termo de aditamento, conforme se
infere dos arts. 60 e 61, §1º, da Lei n. 8.666/1993.
Em sentido contrário, posiciona-se Madeira (2008), ao dispor
que, caso a Administração, ainda que autorizada pela lei, não manifeste
interesse em revisar o contrato, o particular contratante poderia recorrer
ao Poder Judiciário para que seja revisto o preço contratual.
81
4 CONCLUSÕES
O presente trabalho teve como proposta analisar a aplicabilidade
da Teoria da Imprevisão aos contratos de concessão de serviço público,
sob a ótica da intangibilidade de sua equação econômico-financeira e da
necessidade de observância do princípio da modicidade das tarifas pagas
pelos usuários – que, em uma análise superficial, poderiam, inclusive,
ser considerados incompatíveis entre si.
A verificação realizada no início deste trabalho monográfico,
permitiu demonstrar que o contrato, enquanto instituto de Direito
Privado, pode ser definido como um acordo de vontades, na
conformidade da lei, com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir,
conservar, modificar ou extinguir direitos, ou, em outras palavras, com a
finalidade de produzir efeitos jurídicos.
Tais contratos, regulamentados, essencialmente, pelo Código
Civil, são orientados por princípios clássicos – princípios da autonomia
da vontade, da obrigatoriedade dos contratos e da relatividade de seus
efeitos – e modernos – da boa-fé e da função social do contrato –, que
possibilitam a flexibilização daqueles.
Por outro lado, foi demonstrado que os contratos administrativos
observam um regime jurídico próprio, instituído pelo Direito
Administrativo, regido pelo princípio da supremacia do interesse
público, e substancialmente delineado pela Lei n. 8.666/1993, no qual se
conferem prerrogativas à Administração Pública.
Destes contratos, destacou-se o contrato de concessão de serviços
públicos, que, apesar de possuir diversas semelhanças com os demais
contratos administrativos, observa um regime jurídico diferenciado. Em
virtude de versar acerca de serviço público, o concessionário deverá
observar, quando da realização das atividades inerentes ao contrato,
todos os princípios que regem a prestação de serviço público –
principalmente, os princípios da continuidade do serviço e da
modicidade das tarifas.
Dessa forma, procurou-se demonstrar a possibilidade de
compatibilização dos referidos princípios com a aplicação da Teoria da
Imprevisão às concessões de serviço público.
Para tanto, analisou-se, de início, o princípio do equilíbrio
econômico-financeiro – relação de equivalência estabelecida pelas
partes entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração
para a justa remuneração do objeto do ajuste –, comprovando a
necessidade de sua observância, enquanto garantia da própria
82
continuidade da relação de concessão, de modo que sua inobservância
pode tornar materialmente impossível o cumprimento das obrigações
assumidas pelos contratantes.
Outrossim, diferenciou-se a álea ordinária dos contratos, isto é,
aquela que é comum a toda atividade empresarial, das áleas
extraordinárias, que geram o direito de reparação do concessionário. Em
relação a estas, diferenciou-se as áleas administrativas – alteração
unilateral do contrato, fato do príncipe e fato da Administração, que,
porquanto tenham sido ocasionadas pela atuação da Administração
Pública – das econômicas – na qual se encontra a Teoria da Imprevisão.
Feitos esses levantamentos, verificou-se que, considerando ser a
remuneração do concessionário essencialmente paga mediante tarifas
pagas pelos usuários, a aplicação da Teoria da Imprevisão a esses
contratos teria repercussões de ordem jurídica e socioeconômica que
transcenderiam o espaço jurídico das partes contratantes –
Administração e concessionário – afetando diretamente os indivíduos
destinatários do serviço público.
Assim sendo, ante o dever de observância do princípio da
modicidade das tarifas, caso a recomposição da equação econômico-
financeira implique na revisão de seus valores, esta deve buscar a
fixação do menor valor possível suficiente para a continuidade do
serviço, sem onerar o usuário por demasiado.
Até porque, conforme relatado, existem diversas outras formas de
se propiciar a manutenção do equilíbrio contratual sem onerar
excessivamente o usuário do serviço – por exemplo, prorrogação dos
prazos contratuais, subvenção do Poder Público e redução dos encargos
do concessionário.
Conclui-se, portanto, que a necessária modicidade da tarifa não é
um impeditivo a sua revisão em face de acontecimentos extraordinários
e imprevisíveis que ocorram ao longo da execução do contrato, mas sim
um limitador dessa revisão, impedindo que a excessiva onerosidade
ocasionada por esses acontecimentos recaia apenas sobre o usuário do
serviço.
83
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