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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
CLAUDIANE MARA BRAGA BELMIRO
JUVENTUDE E FORMAO PROFISSIONAL A PARTIR DA
REESTRUTURAO PRODUTIVA DO CAPITAL NO SCULO XX: UMA
ANLISE SOBRE O PROGRAMA JOVEM APRENDIZ DA CIDADE DE MONTE
CARMELO (2016-2018)
UBERLNDIA
2018
CLAUDIANE MARA BRAGA
JUVENTUDE E FORMAO PROFISSIONAL A PARTIR DA REESTRUTURAO
PRODUTIVA DO CAPITAL NO SCULO XX: UMA ANLISE SOBRE O PROGRAMA
JOVEM APRENDIZ DA CIDADE DE MONTE CARMELO (2016-2018)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao da Faculdade de
Educao da Universidade Federal de
Uberlndia, como requisito parcial para a
obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Linha de Pesquisa: Trabalho, Sociedade e
Educao.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Lucena.
UBERLNDIA
2018
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
B451j
2018
Belmiro, Claudiane Mara Braga, 1978-
Juventude e formao profissional a partir da reestruturao
produtiva do capital no sculo XX : uma anlise sobre o Programa
Jovem Aprendiz da Cidade de Monte Carmelo (2016-2018) / Claudiane
Mara Braga Belmiro. - 2018.
174 f. : il.
Orientador: Carlos Alberto Lucena.
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Uberlndia,
Programa de Ps-Graduao em Educao.
Disponvel em: http://dx.doi.org/10.14393/ufu.di.2018.507
Inclui bibliografia.
1. Educao - Teses. 2. Juventude - Formao profissional - Teses.
3. Trabalho - Teses. 4. Juventude - Emprego - Monte Carmelo (MG) -
Teses. I. Lucena, Carlos Alberto. II. Universidade Federal de Uberlndia.
Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.
CDU: 37
Glria Aparecida CRB-6/2047
CLAUDIANE MARA BRAGA BELMIRO
JUVENTUDE E FORMAO PROFISSIONAL A PARTIR DA REESTRUTURAO
PRODUTIVA DO CAPITAL NO SCULO XX: UMA ANLISE SOBRE O PROGRAMA
JOVEM APRENDIZ DA CIDADE DE MONTE CARMELO (2016-2018)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao da Faculdade de
Educao da Universidade Federal de
Uberlndia (MG) para obteno do ttulo de
Mestre em Educao, na Linha de Pesquisa: Trabalho, Sociedade e Educao.
Aprovada em 28 de Fevereiro de 2018.
memria de minha av, que partiu desse mundo logo aps minha aprovao no processo
seletivo do mestrado e no pde me abraar quando da concluso desse trabalho. Embora
longe da presena fsica, foi sempre a doce recordao de sua companhia e de seu amor que
me inspirou a continuar.
Ao meu filho Heitor a quem dei a vida e hoje tem dado significado minha.
Dedico.
AGRADECIMENTOS
A concluso dessa dissertao de mestrado representa a concretizao de um
sonho. Um sonho meu e de ningum mais, no entanto, partilhado com todos aqueles que, de
alguma forma, se fazem presentes na minha vida. A trajetria foi difcil, mas nunca solitria.
Por isso, tenho que agradecer a muitas pessoas.
Agradeo, primeiramente, minha famlia por compreenderem as minhas
ausncias e omisses durante o percurso de elaborao dessa dissertao.
Ao meu orientador Prof. Dr. Carlos Alberto Lucena minha referncia
profissional, acadmica e pessoal - pelos ensinamentos, pelas respostas que nunca faltaram,
pela ateno que sempre concedeu s minhas falas; por sua pacincia, seus preciosos conselhos,
direcionamentos, indicaes, correes e, principalmente, pelo exemplo de tica e de
profissionalismo com o qual sempre me orientou. Me senti honrada quando recebi a notcia de
que seria meu orientador e, ao findar esse trabalho, o meu maior orgulho o de ter seu nome
vinculado a ele.
Ao Prof. Dr. Robson Lus de Frana e Prof. Dra. Fabiane Santana Previtali
pelas preciosas contribuies no meu exame de qualificao, sem as quais no teria consigo
avanar nas minhas reflexes. Meu sincero agradecimento pela ateno e pelas consideraes
to importantes para meu amadurecimento enquanto pesquisadora.
Agradeo, sincera e cordialmente, ao Prof. Dr. Joo dos Reis Silva Jnior, da
Universidade Federal de So Carlos, por ter aceito o convite para participar como membro
externo da minha banca de defesa e por suas valorosas contribuies para o trabalho.
Ao Prof. Dr. Antonio Bosco de Lima, meu orientador no Programa de Iniciao
Cientfica, tendo sido responsvel, mesmo sem saber, por nutrir o meu sonho de ingressar no
Programa de Ps-Graduao.
Ao amigo e Mestre Douglas Fvero por ter me auxiliado nas diversas dvidas
sobre o meu objeto de pesquisa e me ajudado a construir conceitos e ideias importantes para a
concluso desse trabalho. Sua dissertao de mestrado representou grande inspirao para
minhas reflexes.
Ao amigo e Mestre Marco Aurlio por sua amizade e companheirismo nessa
trajetria de estudos. Sempre prestativo a responder qualquer uma das minhas perguntas e um
grande conselheiro em todas as horas.
s amigas Laila, Ana Paula, Cludia, Mara Rbia e Irella por estarem sempre
presentes nas horas mais difceis dessa caminhada. A amizade que construmos representou um
estmulo e um grande auxlio para a concluso de mais essa etapa da minha vida. No me
esquecerei das nossas conversas, das risadas, dos conselhos e da companhia agradvel que
tornava os dias mais interessantes e divertidos.
Aos Professores que ministraram as disciplinas que cursei durante o mestrado e
que foram responsveis pela construo dessas reflexes e cada uma dessas linhas: Dr. Adriana
Omena, Prof. Dr. Robson Lus Frana, Prof. Dr. Carlos Alberto Lucena, Prof. Dr. Mrcio
Danelon, Prof. Dr. Antonio Bosco de Lima, Prof. Dr. Srgio Paulo Morais - a quem fao um
agradecimento especial, pela cordialidade com que sempre me tratou. A vocs, senhores(as)
professores(as), o meu muito obrigada por partilharem conosco os conhecimentos e as
experincias acumuladas ao longo de suas carreiras profissionais como docentes.
CAPES (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior) pelo
auxlio financeiro para a realizao dessa pesquisa, sem o qual no teria sido possvel minha
dedicao exclusiva.
Finalmente, agradeo s pessoas que contriburam direta e indiretamente para a
concluso desse trabalho. Principalmente s pessoas que se dispuseram a participar dessa
pesquisa dedicando um pouco de seu tempo para responder aos nossos questionamentos. Aos
funcionrios do IBGE de Monte Carmelo que sempre me receberam muito bem e me auxiliaram
nas minhas dvidas. Aos funcionrios e representantes de rgos pblicos da cidade de Monte
Carmelo com quem tive conversas agradveis e construtivas, o que representa parte importante
do processo de pesquisa que me empenhei a realizar.
Os pensamentos da classe dominante so tambm, em todas as pocas, os pensamentos
dominantes; em outras palavras, a classe que o poder material dominante numa determinada
sociedade tambm o poder espiritual dominante. A classe que dispe dos meios da produo
material dispe tambm dos meios da produo intelectual, de tal modo que o pensamento
daqueles aos quais so negados os meios de produo intelectual est submetido tambm
classe dominante [...]
(MARX; ENGELS, 1989, p.47)
RESUMO
O presente trabalho refere-se pesquisa de Mestrado desenvolvida no Programa de Ps-
Graduao em Educao da Universidade Federal de Uberlndia, na linha de Pesquisa
Trabalho, Sociedade e Educao cujo objetivo consiste em compreender os objetivos e o
contexto de elaborao do Programa Jovem Aprendiz: poltica pblica do primeiro emprego,
regida pela Lei da Aprendizagem (10.097/2000) e destinada a atender jovens de baixa renda,
entre 14 e 24 anos, preparando-os para o mercado de trabalho por meio de formao tcnico-
profissional. O objetivo especfico da pesquisa foi compreender como se deu a implementao
e a execuo do programa em Monte Carmelo, MG, tendo em vista que a Lei da Aprendizagem
do ano 2000, mas apenas em 2016 ocorreram as primeiras contrataes de aprendizes na
cidade. Com base nos preceitos de Karl Marx - quais sejam: luta de classes e contradio -
pretendeu-se analisar o objeto a partir das contradies que se estabelecem entre capital e
trabalho. A metodologia aplicada para apreender o contexto de elaborao da Lei da
Aprendizagem e suas especificidades, bem como quais os destinatrios e o tipo de formao
que lhes destinada, foi a pesquisa bibliogrfica e documental. Para a compreenso do processo
de implementao e execuo do programa em Monte Carmelo foram realizadas entrevistas
semiestruturadas. Os resultados da pesquisa nos levam a confirmar a hiptese de que o
Programa Jovem Aprendiz se contradiz em sua prpria essncia, posto que se destina incluso
social, mas demonstra exatamente os limites dessa incluso, apostando numa promessa de
empregabilidade cuja sada encontra-se no prprio indivduo. A formao profissional
destinada aos filhos da classe trabalhadora, por estar comprometida com os interesses do
mercado, no contribui para sua emancipao e apenas legitima a diviso histrica entre
atividades manuais e intelectuais. Em relao cidade de Monte Carmelo, foi possvel
compreender que a implementao do programa se deu sob a viso dos jovens como um
problema social, todavia, enquanto para os aprendizes o programa se apresenta como
oportunidade de lograr a ascenso social, para os empresrios representa um gasto
desnecessrio, cujos efeitos so amenizados pela visibilidade social dada empresa quando do
cumprimento da lei. Esses resultados apontam para a necessidade de debates mais consistentes
sobre a orientao de polticas pblicas que atendam s especificidades dos jovens da classe
trabalhadora a partir de uma viso destes como sujeitos de direito.
Palavras-chave: Juventude. Formao Profissional. Programa Jovem Aprendiz. Trabalho.
ABSTRACT
The present work is relative to the Masters dissertation inserted in the research line Work,
Society and Education, of the Post-Graduate Program in Education from Federal University
of Uberlndia. This study intends to understand the objectives and the elaboration context of
the Program Jovem Aprendiz (Young Apprentice Program): public policy of the first job.
This program is regulated by the Apprenticeship Law (10.097/2000) to attend low-income
young people between 14 and 24 years old, offering them professional and technical training
and a preparation for the labor market. The specific aim was to comprehend the implementation
and the accomplishment of the program in Monte Carmelo Municipality, Minas Gerais State.
The Apprenticeship Law was created in 2000, but the first recruitments of apprentices solely
occurred in 2016 in Monte Carmelo. The study object was analyzed as from the conflicts
between capital and labor, based on the Karl Marxs precepts: class struggle and contradiction.
Bibliographic and documental survey was carried out in order to apprehend the context of the
law elaboration and its specificities and to recognize the recipients of the law and their
formation within the ambit of the program. Implementation and accomplishment of the program
were evaluated through semi-structured interviews. The results reinforce the hypothesis that the
program contradicts itself in its own essence, since the assurance of employability is attributed
to the individual, limiting the social inclusion. The professional formation is committed to the
market interests and it does not contribute to the emancipation of the working-class youth,
legitimizing the historical division between intellectual and manual activities. In Monte
Carmelo, the young people identify the program implementation as a social problem, and as an
opportunity of social ascension. On the other hand, for the employers and companies, the
program represents unnecessary costs, but whose effects are attenuated by the social visibility
due to the law enforcement. In conclusion, it is necessary to discuss consistently the orientation
of public policies for the working-class youth specificities, considering them as subjects of
rights.
Keywords: Youth. Professional Trainning. Young Apprentice Program. Labor.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Taxa de desemprego (em %) anual de acordo com a Pesquisa Mensal de
Emprego (2003-2010)* ............................................................................................................ 51
Tabela 2 Nmero de jovens aprendizes contratados no Brasil de 2005 a 2015 ........ 73
Tabela 3 Caracterizao das empresas contratantes: nmero de aprendizes com suas
idades e o tipo de atividades desenvolvidas na empresa ........................................................ 139
Tabela 4 Perfil dos aprendizes participantes da pesquisa ........................................ 148
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANTD Agenda Nacional de Trabalho Decente Para a Juventude
BM Banco Mundial
BID Banco Interamericano de Trabalhador
CBO Classificao Brasileira de Ocupao
CCB Centro Cermico do Brasil
CEPAL Comisso Econmica Para a Amrica Latina
CODEFAT Conselho Deliberativo do Fundo De Amparo ao Trabalhador
CONJUVE Conselho Nacional da Juventude
CNE Conselho Nacional de Educao
CNJ Conselho Nacional da Juventude
CLT Consolidao das Leis do Trabalho
CF Constituio Federal de 1988
CTPS Carteira de Trabalho e Previdncia Social
DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos
DEQ Departamento de Qualificao
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
EJA Educao de Jovens e Adultos
EPSJV Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio- FIOCRUZ
FAT Fundo de Assistncia do Trabalhador
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
FIES Fundo de Financiamento Estudantil
FUCAMP Fundao Carmelitana Mrio Palmrio
FUNDEB
Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de
Valorizao dos Profissionais da Educao
GT Grupo de Trabalho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios
IDMH ndice de Desenvolvimento Humano
INPE Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
IPCA ndice de Preos ao Consumidor Amplo
IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MEC Ministrio da Educao
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
MTB Ministrio do Trabalho
OCDE Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico
OIT Organizao Internacional do Trabalho
ONGs Organizaes no Governamentais
ONU Organizao das Naes Unidas
PASEP Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico
PDE Plano de Desenvolvimento da Escola
PEA Populao Economicamente Ativa
PETI Programa de Erradicao do Trabalho Infantil
PIB Produto Interno Bruto
PIPMO Programa Intensivo de Preparao de Mo-de-Obra
PIS Programa de Integrao Social
PLANFOR Plano Nacional de Qualificao do Trabalhador
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio
PNUD Programa das Naes Unidas para o desenvolvimento
PNJ Politica Nacional de Juventude
PNQ Plano Nacional de Qualificao
PNPE Programa Nacional de Estmulo ao Primeiro Emprego
PROEP Programa de Expanso da Educao Profissional
PROJOVEM Programa Nacional de Incluso de Jovens
PROUNI Programa Universidade Para Todos
PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao ensino Tcnico e Emprego
PPA Plano Plurianual
RAIS Relao Anual de Informaes Sociais
REUNI
Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades
Federais
SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAR Servio Nacional de Aprendizagem Rural
SENAT Servio Nacional de Aprendizagem dos Transportes
SESCOOP Servio Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SNJ Secretaria Nacional da Juventude
SPPE Portaria da Secretaria de Polticas Pblicas de Emprego
TD Trabalho Decente
UFU Universidade Federal de Uberlndia
SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................................ 16
CAPTULO 1- TRANFORMAOES NO MUNDO DO TRABALHO NO SCULO XX:
DESEMPREGO ESTRUTURAL E EXIGENCIA DE NOVAS QUALIFICAES ............ 29
1.1 Dimenses da reestruturao produtiva do capital ............................................................. 29
1.2 Neoliberalismo e globalizao ........................................................................................... 37
1.2.1 O neoliberalismo no brasil: os impactos das polticas neoliberais para a rea da educao
.................................................................................................................................................. 43
1.2.2 Os governos FHC e Lula: desemprego, desigualdade social e as polticas
compensatrias ......................................................................................................................... 44
CAPTULO 2- O PROGRAMA JOVEM APRENDIZ .......................................................... 56
2.1 Consideraes sobre polticas pblicas para a juventude ................................................... 56
2.2 O Programa Jovem Aprendiz: poltica pblica do primeiro emprego ................................ 61
CAPTULO 3- JUVENTUDE: CATEGORIA SOCIAL E HISTRICA .............................. 80
3.1 Juventude: Uma categoria heterognea .............................................................................. 81
3.1.1 Correntes tericas da sociologia da juventude ................................................................ 83
3.1.2 Moratria Social .............................................................................................................. 87
3.1.3 O carter ambguo da juventude: uniformidade e diversidade ........................................ 88
3.1.4 Condio e Situao juvenil ............................................................................................ 92
3.2 Os jovens, filhos da classe trabalhadora ............................................................................. 95
CAPTULO 4- EDUCAO PROFISSIONAL NO BRASIL .............................................. 104
4.1 A relao entre trabalho e educao ................................................................................. 104
4.2 Breve histrico da educao profissional no Brasil: dualidade e contradio ................. 109
4.2.1 A reforma do ensino mdio e profissional na dcada de 1990 ...................................... 115
CAPTULO 5- O CASO ESPECFICO DA CIDADE DE MONTE CARMELO ................ 128
5.1 Anlise socioeconmica da cidade de Monte Carmelo .................................................... 129
5.2 A Entidade qualificada em formao tcnico-profissional metdica que atua na cidade 133
5.3 A implementao do Programa Jovem Aprendiz na cidade de Monte Carmelo .............. 135
5.4 O Programa Jovem Aprendiz sob o olhar dos empresrios contratantes ......................... 139
5.5 O Programa Jovem Aprendiz sob o olhar do sujeito concreto: o que pensam os jovens
aprendizes ............................................................................................................................... 147
CONSIDERAOES FINAIS ................................................................................................. 161
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 165
16
INTRODUO
Esse estudo tem como objetivo compreender a relao entre juventude, trabalho
e educao a partir da reestruturao produtiva do capital, ocorrida na ltima dcada do sculo
XX, no Brasil, quando ocorreram mudanas expressivas no mundo do trabalho ensejando a
elaborao de diversas aes governamentais com a finalidade de preparar e inserir os jovens
no mercado de trabalho.
Ressalta-se, em primeiro lugar, que a temtica da juventude vem sendo
recorrentemente tratada no Brasil em seus distintos aspectos, no obstante a complexidade que
ela representa atualmente (POCHMANN, 2007). A complexidade qual nos referimos
apresentou-se desde o incio quando nos deparamos com a dificuldade de encontrar um conceito
unvoco de juventude. Porquanto, a concluso a que chegamos de que o conceito de juventude
no possui carter rgido e universal; definido segundo fatores histricos, sociais e culturais.
Nosso entendimento no contempla uma definio de juventude como mera
etapa transitria, intermediria entre a infncia e a vida adulta, caracterizada como um perodo
de preparao, um vir a ser em detrimento ao tempo presente. Tambm no compreendemos
essa fase da vida como uma sntese dos problemas sociais contemporneos ou etapa marcada
pela delinquncia para a qual o Estado deve dar uma resposta, tanto poltica quanto educacional,
no sentido de manter o ordenamento social (ABRAMO, 1997).
Entendemos que a juventude, na contemporaneidade, marcada pelo carter da
heterogeneidade de posies e de situaes sociais, deixando de possuir um sentido nico e
homogneo com o qual fora revestido at ento. Assim como vrios autores indicam - Sposito
(2003), Dayrell (2003) e Abramo (2008) - no atual momento histrico achamos conveniente
usar o termo juventudes (no plural) em virtude da diversidade de situaes que afetam os
indivduos nessa etapa especfica do ciclo de vida (SPOSITO, 2003).
Nesse trabalho, a juventude tomada como categoria social e histrica que
possui uma base material vinculada com a idade, mas que no pode ser definida apenas pela
faixa etria como se todos os componentes da categoria tivessem os mesmos anseios e
vivenciassem as mesmas experincias. Por isso, adotamos, nesse estudo, a concepo de
Margulis e Urresti (2000) segundo a qual a juventude comporta tanto uma questo biolgica
(referente idade) quanto uma questo sociocultural. Entendemos que a condio juvenil, na
contemporaneidade, vivida de diferentes maneiras segundo as variveis: classe social, etnia,
religio, gnero, local de moradia, dentre outras.
17
No entanto, para fins de nossas anlises, privilegiaremos um recorte segundo a
classe social1, na tentativa de apresentar as particularidades e os aspectos singulares que
envolvem a relao dos jovens2, filhos da classe trabalhadora3, com as questes referentes ao
trabalho e educao no Brasil a partir das mudanas ocorridas no mundo produtivo nas ltimas
dcadas.
Na atual conjuntura histrica, sobretudo nos pases capitalistas perifricos, a
juventude da classe trabalhadora - tem sido marcada pela necessidade de trabalhar cada vez
mais cedo para sustento prprio ou para auxiliar na renda familiar. Esse fato marca a entrada
precoce dos jovens na fase adulta. Por outro lado, conforme argumenta Abramo (2008),
produziu-se uma extenso da juventude em face da dificuldade de insero dos jovens no
mercado de trabalho, numa sociedade marcada pelo desemprego estrutural.
A emergncia do desemprego estrutural que tem suas origens no processo de
reestruturao produtiva e tecnolgica tem afetado principalmente os jovens e torna cada vez
mais distantes as possibilidades de constituio de trajetrias ocupacionais e de vida vinculadas
mobilidade social (POCHMAM, 2007). Ora, a transio da juventude para a vida adulta
marcada pela concluso dos estudos; a insero no mundo do trabalho; a sada da casa dos pais
e a constituio de famlia (ABRAMO, 2008). Estudos mais recentes apontam modificaes
nestes processos como resultado das mudanas ocorridas no mundo do trabalho e que tem
1 O ponto de partida da anlise que empreendemos sobre a relao entre juventude, trabalho e educao no
Brasil, o de situar essa relao segundo a perspectiva de classe social. Nosso enfoque analtico a poltica pblica
de primeiro emprego - Programa Jovem Aprendiz - e sua relao com a educao profissional, dirigidos classe
trabalhadora e, nesse sentido, buscaremos analisar a forma como os jovens, filhos da classe trabalhadora, esto
vivenciando a sua experincia juvenil quanto sua insero no mundo do trabalho no contexto histrico de
reestruturao produtiva do capital. No entanto, a delimitao desse universo de anlise no significa que
desconsideremos as questes relativas etnia, gnero, local de moradia (se urbana ou rural). Pelo contrrio,
reconhecemos a amplitude dessas anlises quando relacionadas juventude e ao trabalho, mas o exerccio de
considerar todos esses fatores demasiadamente complexo para ser empreendido no tempo de um mestrado. Por
isso, preferimos apenas o recorte segundo a classe social, ainda porque, os filhos da classe trabalhadora so os
sujeitos atendidos pelo Programa Jovem Aprendiz, que o objeto de nossas anlises. 2 Nesse trabalho, quando nos referirmos aos jovens, estamos nos referindo aos indivduos entre a faixa etria de
15 a 24 anos (conforme consta no Decreto 5.598/2005 que regulamenta o Programa Jovem Aprendiz). Ressalta-
se, no entanto, que vrios autores e concordamos com eles - tm usado esse recorte, mas no deixam de alertar
para a necessidade de relativizar esses marcos etrios, visto que as histrias pessoais condicionadas pelas
desigualdades sociais de vrias ordens produzem trajetrias diversas para os indivduos concretos (ABRAMO,
2008. p, 46). Outra questo importante que no tem havido um consenso, por parte dos rgos pblicos, sobre a
delimitao da idade juvenil. Por exemplo: a Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) considera como jovem os
indivduos que esto entre 15 e 29 anos em concordncia com a OIT; j a ONU define como jovem os indivduos
entre 14 e 24; no ECA os indivduos at 18 anos ainda so considerados adolescentes 3 O entendimento de que a juventude encerra uma condio de classe baseia-se nas contribuies de Bourdieu
(2003) para quem existem duas juventudes: a dos estudantes burgueses e a dos jovens operrios - [...] dois plos,
dois extremos de um espao de possibilidades oferecidas aos jovens. (BOURDIEU, 2003, p. 154).
18
afetado as possibilidades e os padres de insero dos jovens no mundo adulto (ABRAMO,
2008). Ocorre que a falta de emprego tem modificado tanto a linearidade padro da trajetria
juvenil 4 quanto tem produzido a extenso da durao desta fase da vida privilgio das classes
mais altas da sociedade.
Porquanto, dois eventos tm ocorrido simultaneamente: tem aumentado o tempo
que os jovens levam para encontrar trabalho e sair da casa dos pais e tambm o nmero de
jovens que conciliam trabalho e estudos. Nossos estudos recaem sobre esses ltimos, posto que,
os jovens da classe mdia e alta gozam do privilgio de se dedicar exclusivamente aos estudos
at concluir o Ensino Mdio e ainda recebem auxlio dos pais at conseguir o primeiro emprego,
o que tem ocorrido cada vez mais tarde. No entanto, os jovens da classe trabalhadora no
dispem desse privilgio. Cada vez mais cedo se deparam com a necessidade de se dividir entre
as obrigaes de estudos e trabalho, quer seja para auxiliar na renda familiar quer seja pela
necessidade de se capacitar para, futuramente, competir no mercado de trabalho.
Se, como vimos at agora, a definio de juventude e a trajetria dos jovens na
atualidade complexa, mais contraditrios e complexos so os temas relativos ao trabalho,
emprego e educao na nova configurao produtiva capitalista, se considerarmos as
contradies que se estabelecem sob a diviso de classes.
O desemprego um problema que tem se agravado e comprometido a situao
de toda a populao brasileira desde a dcada de 1990, no entanto, os ndices recaram mais
severamente sobre os jovens. Ainda que, no plano dos discursos, se observe uma expanso e
democratizao da educao5 bsica, e em especial do Ensino Mdio, durante as ltimas
dcadas o que se verifica um aumento cada vez mais expressivo do desemprego juvenil e,
poucas chances de reverter esse quadro, haja vista que o baixo crescimento econmico tem
mostrado a incapacidade do pas de gerar ocupaes para todos que procuram emprego. E o
jovem vem sendo o principal afetado, negativamente, por essa situao (POCHMANN, 2007).
Segundo pesquisa realizada por Pochmann (2007), entre os anos de 1995 a
20056, o desemprego cresceu muito mais para os jovens que para as demais faixas etrias. Em
4 Essa linearidade refere-se ao fato de que, antes, ao trmino dos estudos seguia-se a entrada no mundo do
trabalho pelos jovens. Na atualidade essa linearidade se quebrou, uma vez que a concluso dos estudos no tem
garantido a insero dos jovens no mercado de trabalho e essa insero tem sido postergada. Por no terem
condies de sustento prprio os jovens da classe mais abastada - permanecem mais tempo dependendo dos pais
mesmo que tenham filhos (Sobre isso, ver SPOSITO, 2003) 5 Como observa Pochmann (2004), do ponto de vista da oferta educacional mais escolarizada, o desempenho do
Brasil na dcada de 1990 mostrou incrementos importantes, ainda que se possa questionar acerca da qualidade da
educao fornecida, bem como dos seus altos custos para os trabalhadores, especialmente para os de baixa renda.
Para o autor, a expanso da escolaridade deve ser vista no apenas do ponto de vista da produtividade, mas,
especialmente, da cidadania. 6 A referncia a esse perodo (1995 a 2005) tem como objetivo retratar os desdobramentos das mudanas ocorridas
19
2005, por exemplo, a quantidade de jovens desempregados era quase 107% superior de 1995,
enquanto o desemprego para a populao economicamente restante do pas foi 90,5% superior
nos ltimos 10 anos (p. 3). Segundo o autor, em 2005, para cada 5 jovens, um estava
desempregado. Esse nmero,
[...] resultou tanto da baixa capacidade do pas gerar postos de trabalho para o
total da populao que ingressa no mercado de trabalho como de manter o
jovem empregado por um longo tempo. Para muitos jovens, a condio de
atividade vem sendo marcada por situaes de desemprego recorrente, sem
possibilidade de construir uma trajetria ocupacional segura de ascenso
social, conforme se observava no passado no to distante. (POCHMANN,
2007, p. 4).
Ainda segundo o autor, no perodo de referncia, para cada 100 jovens que
ingressaram no mercado de trabalho somente 45 encontraram algum tipo de ocupao, enquanto
55 ficaram desempregados (p. 4). Em 2005, dos 35,1 milhes de jovens do pas, quase 35%
(12,3milhes) viviam com rendimento familiar per capita de at meio salrio mnimo mensal.
Deste universo, 1,8 milho de jovens estavam na condio de desempregados (POCHMANN,
2007, p. 6).
Para Pochmann (2004) o mais surpreendente que as pesquisas tm
demonstrado7 que as taxas de desemprego so mais elevadas entre os mais escolarizados, o que
coloca em cheque as relaes lineares entre educao e mercado de trabalho
Contrariando a teoria do capital humano, a elevao dos nveis de escolaridade
num quadro de estagnao econmica, baixo investimento em tecnologia e
precarizao do mercado de trabalho acaba se mostrando insuficiente para
potencializar a gerao de trabalho. Apesar disso, prosseguem as vertentes
daqueles que acreditam no papel independente e autnomo da educao com
relao mobilidade social ascendente. (POCHMANN, 2004, p. 387).
na dcada de 1990, quando o processo de reestruturao produtiva ocorreu de forma mais acentuada no Brasil
culminando em elevados ndices de desemprego, principalmente entre os jovens. Convm mencionar que foi no
ano 2000 que fora instituda a Lei da Aprendizagem (10.097/2000), o que tambm justifica a importncia de
mencionar os resultados das pesquisas nesse perodo. 7 A publicao do Anurio do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) e do Departamento Intersindical de
Estatstica e Estudos Socioeconmicos (DIEESE), dedica um caderno ao tema da juventude e fornece um retrato
das condies de trabalho dos jovens entre os anos de 2005 e 2010. Para a pesquisadora do Programa de Ps-
graduao em Educao Profissional em Sade da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio
(EPSJV/Fiocruz), Neise Deluiz, essa pesquisa mostrou que os jovens que j tinham completado o ensino mdio
apresentaram nveis mais altos de salrios. No entanto, a pesquisadora diz que isso realmente acontece, mas no
significa ascenso social em termos de autonomia cultural, intelectual. O que existe, segundo Deluiz, uma espcie
de correspondncia do nvel de escolaridade com o tipo de funo. Mas isso, sempre dentro de seus limites,
posto que, a escolaridade d mais condies de disputa, mas no garante emprego de fato, com carteira, direitos.
Para maiores detalhes sobre os comentrios da pesquisadora e sobre os dados da pesquisa, ver site oficial da Escola
Politcnica de Sade Joaquim Venncio (FIOCRUZ), disponvel em:
http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/relatorio-mostra-jovens-brasileiros-sem-trabalho-e-com-poucos-
anos-de-estudo
http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/relatorio-mostra-jovens-brasileiros-sem-trabalho-e-com-poucos-anos-de-estudohttp://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/relatorio-mostra-jovens-brasileiros-sem-trabalho-e-com-poucos-anos-de-estudo
20
O estudo de Pochmann (2004), sobre os dados divulgados pelo IBGE (PNAD)
no ano de 2001, mostra que o desemprego de jovens de baixa renda foi bem maior (26,2%) que
o desemprego dos jovens de renda elevada (11,6%). Como se pode perceber, a situao dos
jovens preocupante em relao ao desemprego, principalmente quando se trata dos jovens da
classe trabalhadora que, ainda que lhes tenha sido assegurado o acesso escolarizao, tm tido
mais dificuldade de conseguir emprego.
Essa situao catica de desemprego resultado da reestruturao que se
processou no sistema capitalista a partir da dcada de 1990, a fim de superar a crise da dcada
de 1970 cuja tendncia era a queda das taxas de lucro. O Estado de Bem-Estar-Social, que
constitua o modelo econmico keynesiano, comeou a mostrar sinais de fraqueza diante dessa
possibilidade. Opera-se, ento, uma nova fase do capitalismo como imposio do prprio
sistema para combater a crise. nesse contexto que surgem as ideologias da liberdade
individual e do livre comrcio e os Estados capitalistas assumem as prticas neoliberais
iniciando as ondas de privatizao, globalizao e abertura do mercado ao capital estrangeiro
(HARVEY, 1992). O resultado dessa poltica foi a ampliao exacerbada dos nveis de
desemprego, desigualdade social e inflao, percebidas em todo o globo. Na esfera produtiva
as bases fordistas-tayloristas tambm entraram em crise constituindo-se em entraves para a
indstria. O capital se deparou com a necessidade de projetar novas formas de competividade
traduzidas pelo que Harvey (1992) chama de produo flexvel ou toyotismo - invertendo a
antiga lgica da produo em massa para a da produo de acordo com a demanda. nesse
contexto que entra a inovao tecnolgica com o advento da microeletrnica e da robtica,
modificando as bases da gesto da produo: agora com uma forma mais sutil de submisso
real do trabalhador empresa.
Conforme observa Antunes (1997), nesse contexto, as condies gerais da classe
trabalhadora so radicalmente transformadas. O desemprego estrutural passa a afetar toda a
populao, mas, principalmente, os setores mais pobres das classes populares, uma vez que o
processo de trabalho passou a contar com bases produtivas automatizadas. Outras mudanas de
igual impacto foram introduzidas no cotidiano da classe-que-vive-do-trabalho: movimentos de
precarizao, superexplorao, terceirizao, subcontratao, desregulamentao dos direitos
trabalhistas e a imposio da intensificao do trabalho.
nesse contexto que se encontra a raiz da atual condio juvenil, que apresentamos
anteriormente. Os jovens compem uma fora de trabalho, na maioria das vezes, sem
experincia e com pouca escolaridade, o que dificulta ainda mais a sua insero no mercado de
21
trabalho formal. Dada essa realidade, para alm do desemprego, os jovens so os que mais se
sujeitam aos baixos salrios e trabalhos precarizados.
Ressalta-se que, em face das novas tecnologias aplicadas aos processos de trabalho e do
novo modelo de produo toyotista, em relao ao conhecimento, os jovens se deparam com
uma lista de competncias que devem adquirir para serem aceitos na esfera da produo.
Essas habilidades requeridas pelo mercado de trabalho esto ligadas ao uso do raciocnio lgico,
capacidade de abstrao e comunicao, adaptao s mudanas, aprendizado constante,
criatividade, compromisso, responsabilidade. Exige-se um novo perfil de trabalhador
polivalente, flexvel (ANTUNES, 2009), no entanto, essa polivalncia no significa muito
avano em relao racionalizao fordista, apenas acrescenta novas exigncias de habilidades
cognitivas ao perfil do trabalhador, mas prevalece a separao entre trabalho manual e
intelectual. Conforme argumenta Santos (2011), apenas se intensificou a explorao da fora
de trabalho substituindo uma forma de explorao por outra.
Nesse quadro de transformaes, novos desafios foram impostos para o campo
educacional: a preparao da fora de trabalho para as novas demandas do mundo produtivo.
Nesse sentido, a partir da dcada de 1990, processam-se mudanas no currculo e nas bases da
educao brasileira a fim de se adequar s imposies do mercado de trabalho.
nesse contexto que a educao profissional se revestiu de maior importncia. No
centro das reformas educacionais promovidas na dcada de 1990, no Brasil, sobretudo no que
diz respeito reformulao do Ensino Mdio e a Educao profissional, encontram-se
referncias necessidade de adequar a juventude s novas demandas do mundo produtivo
relativas, principalmente, revoluo tecnolgica. Dessa forma, passa-se a exigir que os jovens
adquiram na escola - ou nas instituies que trabalham com formao profissional - as novas
qualidades profissionais, cognitivas e psicolgicas que reforcem a adaptao ao novo, bem
como a capacidade de abstrao requeridas pelas mquinas. Da necessidade de trabalhadores
mais bem qualificados, emerge a imposio s escolas de formao profissional e de ensino
mdio se adequarem s novas tecnologias.
Em outras palavras, da interface entre neoliberalismo e reestruturao produtiva
emerge uma concepo de educao comprometida com os interesses da produo. Embora no
se possa negar que a educao profissional deve acompanhar o avano tecnolgico, enfatizamos
que nosso compromisso contribuir para uma concepo de educao comprometida com os
interesses das juventudes trabalhadoras e no apenas com os interesses dos empresrios. Nesse
sentido, entendemos que a educao deve contribuir para a emancipao humana, posto que
uma prtica eminentemente social cuja funo formar social, histrica e culturalmente os
22
sujeitos a partir da compreenso do trabalho como fundamento ontolgico do ser social.
Concordamos com os argumentos de Kuenzer (1992) segundo os quais, as propostas
pedaggicas devem ter como objetivo a democratizao do saber sobre o trabalho, pois s assim
a escola prestaria um servio classe trabalhadora. No entanto, uma vez que a lgica do capital
a distribuio desigual do saber, a escola, ao articular-se s necessidades do mercado de
trabalho, serve ao capital na medida em que nega classe trabalhadora a posse dos saberes
socialmente produzidos.
A juventude entra para a agenda poltica do governo justamente no contexto da
reestruturao produtiva do capital em face dos altos nveis de desemprego que demandaram a
elaborao de polticas pblicas voltadas , principalmente, promover a insero dos jovens no
mercado de trabalho.
importante ressaltar, entretanto, que a juventude tem sido historicamente
considerada como uma fase de transio, marcada pela instabilidade e associada ao conceito de
problema social (SPOSITO; CARRANO, 2003). Ao longo dos tempos a representao, e a
relevncia da juventude, bem como seu papel na sociedade, vo sendo desenhados de acordo e
sob influncia de fatores econmicos, culturais, polticos e sociais. Assim, por exemplo, na
dcada de 1960 a juventude era relacionada aos problemas sociais mas a partir de 1970, e
mais intensamente na dcada de 1990, a crise do emprego tomou uma proporo mais ampliada
passando a nortear os estudos e aes sobre a juventude a partir de uma viso dos jovens como
sujeitos de direitos. Segundo Sposito e Carrano (2003), quanto s aes governamentais, os
jovens so vistos ora como problema social ora como vtimas da sociedade. por isso que se
tem observado orientaes ora dirigidas ao controle social da juventude problemtica e violenta,
ora dirigidas formao de mo-de-obra e tambm orientaes que aspiram realizao dos
jovens enquanto sujeitos de direitos. Todas essas convivendo dentro de um mesmo Estado com
maior ou menor predomnio em determinados tempos histricos (SPOSITO; CARRANO,
2003, p. 18).
Ainda segundo Sposito e Carrano (2003), a insero da juventude na agenda
poltica se deu mediante a uma concepo mais ampliada de direitos decorrente da promulgao
da Constituio Federal de 1988. Foi nesse contexto da ampliao da conscincia de direitos,
de cidadania e de participao democrtica que a sociedade passa a pensar na situao das
crianas e dos adolescentes e, especialmente, na condio das classes sociais mais
desfavorecidas. Essa preocupao desencadeou a promulgao do Estatuto da Criana e do
Adolescente (ECA) pela Lei Federal n 8.069 de 1990 (SPOSITO; CARRANO, 2003, p. 19).
23
Os autores citados realizaram um estudo sobre as polticas pblicas destinadas
aos jovens durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e apresentam como
resultado 33 programas destinados a adolescentes e jovens de 15 a 19 anos (sendo 30
governamentais e 3 no governamentais de abrangncia nacional). Para os autores, todavia, esse
nmero expressivo de programas no significou muito para a sociedade tendo em vista que a
maioria deles no teve o alcance desejado ou no chegou de fato a ser executado. Vrios
programas foram criados com o objetivo principal de incluso social e qualificao profissional
entre os anos 1995 e 2008 j sob o governo de Lus Incio Lula da Silva. Muitos tiveram
continuidade ou sofreram modificaes por parte desse novo governo, no entanto, os autores
apontam o carter desarticulado e frgil dessas polticas pblicas uma vez que as diferentes
concepes de juventude e os divergentes pressupostos que orientam essas aes no significam
pluralidade, mas revelam a incomunicabilidade no interior da mquina administrativa. Para
esses autores, alguns programas tm caractersticas assistencialistas, outros tem objetivo de
conter a violncia e outros defendem a promoo da cidadania, no entanto, a maioria no
apresentam relao com a real necessidade e as especificidades dos jovens, tendo em vista que,
como j discutimos, a juventude no uma categoria homognea.
Dos vrios programas destinados aos jovens e que foram criados entre os
governos de Fernando Henrique Cardoso e Lus Incio Lula da Silva, privilegiamos como foco
de anlise o Programa Jovem Aprendiz que se trata de uma poltica pblica do primeiro
emprego criada em 2000, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso - e regulamentada em
2005 no governo de Lus Incio Lula da Silva - cujo objetivo consiste em oferecer aos jovens
de 14 a 24 anos uma formao tcnico-profissional bsica em regime de aprendizagem, a qual
constitui-se, obrigatoriamente, por atividades tericas e prticas organizadas em tarefas de
complexidade progressiva.
importante destacar que a Constituio Federal de 1988, ao proibir o trabalho
aos menores de 16 anos ressalvou a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho aos jovens
a partir de 14 anos na condio de aprendizes. No Brasil, historicamente, a aprendizagem
regulada pela CLT (Consolidao das Leis do Trabalho), mas passou por longo processo de
modernizao com a promulgao das Leis 10.097/2000, 11.180/2005 e 11.788/2008. Em 1
de Dezembro do ano de 2005 o Decreto n 5.598 estabeleceu definitivamente os parmetros
necessrios ao cumprimento da lei da aprendizagem regulamentando a contratao de
aprendizes nos moldes propostos (MTE, 2009).
24
O ECA (Estatuto da Criana e do Adolescente, aprovado pela Lei 8.069/1990)
tambm prev nos artigos 60 a 69 o direito aprendizagem alinhado ao princpio da proteo
integral condio de desenvolvimento da criana e do adolescente.
O cenrio econmico em que se deu a elaborao do Programa Jovem Aprendiz,
materializado pela Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2000), foi aquele a que nos referimos
anteriormente: o da reestruturao produtiva do capital, marcada pelo avano e expanso da
tecnologia, e que desencadeou a ampliao dos nveis de desemprego e inflao. Dadas as
exigncias do mercado do trabalho, a educao profissional se tornou a pedra de toque das aes
do governo, direcionada classe trabalhadora.
Ressalta-se que, em face do desemprego e dos problemas econmicos - resultado
das polticas de ajuste neoliberal na dcada de 1990 - as aes do governo recaram sobre os
jovens e, especialmente, os das camadas populares em situao de risco. Dessa forma, o
Programa Jovem Aprendiz foi direcionado aos filhos da classe trabalhadora que, para alm do
desemprego e dos altos nveis de pobreza, encontravam-se no centro das atenes da sociedade
por estarem diretamente ligados ao vandalismo, violncia e criminalidade cujos ndices
aumentaram significativamente em face da situao econmica do pas.
Esta pesquisa apoia-se nos princpios marxianos - quais sejam: a luta de classe e
a contradio - tendo como fundamento a interpretao da realidade a partir da anlise do
movimento e da contradio que se estabelecem na materialidade (formas de organizao e
reproduo da vida humana) e na historicidade (como os homens se organizam ao longo da
histria). Compreendemos, baseados em Marx, que as manifestaes relativas s classes sociais
devem ser analisadas a partir da contradio entre capital e trabalho.
A escolha desse objeto se deu pelo fato de que nos 2012 e 2013 essa pesquisadora
atuou como docente no Programa Jovem Aprendiz na cidade de Uberlndia, quando teve
oportunidade de trabalhar diretamente com a preparao dos jovens para o mercado de trabalho.
Essa experincia suscitou vrios questionamentos com relao ao futuro dos jovens, qualidade
da formao que lhes era destinada, possibilidade - ou no - de que fossem inseridos no
mercado de trabalho. Quando do incio de nossos estudos no mestrado acadmico, soubemos
que na cidade de Monte Carmelo havia sido implementado o Programa Jovem Aprendiz
recentemente. Esse fato mudou toda a trajetria da pesquisa, deslocando o locus das anlises de
Uberlndia que era a primeira opo - para Monte Carmelo, e por uma razo pessoal: foi
nessa ltima que a pesquisadora viveu toda a sua infncia e juventude e, por isso, aliou o
interesse em pesquisar esse objeto ao desejo de contribuir para a visibilidade dos jovens de sua
cidade.
25
Ora, a lei da aprendizagem data do ano 2000 e cuja regulamentao se deu no
ano 2005. No entanto, o Programa Jovem Aprendiz foi implementado em Monte Carmelo no
ano 2016. Essa foi a questo que norteou nossas anlises ao despertar o interesse da
pesquisadora em conhecer como se deu esse processo e porque no havia ocorrido antes.
O objetivo geral dessa pesquisa compreender quais as intencionalidades e
especificidades do Programa Jovem Aprendiz, bem como as caractersticas da formao
profissional que destinada aos jovens participantes do programa e as vrias questes que
envolvem o conceito e a abordagem do termo juventude. Para essa finalidade recorremos
anlise bibliogrfica e documental, a fim de apreender o contexto histrico em que foi elaborada
essa poltica pblica, os sujeitos aos quais se destina e as determinaes de classe que permeiam
toda a conjuntura de execuo do programa. Tambm por meio da pesquisa bibliogrfica
tentamos ressignificar o termo juventude a partir da compreenso de que se trata de uma
categoria social, histrica e heterognea.
Os objetivos especficos dessa pesquisa so:
a) compreender como se deu o processo de implementao e como est
sendo cumprido o programa jovem Aprendiz na cidade de Monte
Carmelo, Estado de Minas Gerais;
b) caracterizar quem so os jovens que participam do programa Jovem
Aprendiz de Monte Carmelo;
c) conhecer qual a viso, tanto dos jovens quanto dos empresrios
contratantes, sobre a execuo e a importncia da Lei da Aprendizagem;
d) entender o que os jovens pensam sobre futuro, quais as suas expectativas
ao entrar para o programa; como eles esto conciliando as atividades de
trabalho e estudos.
A metodologia usada para alcanar os objetivos especficos foi a entrevista
semiestruturada. Foram entrevistados 10 jovens aprendizes participantes do programa8, 6
representantes das empresas contratantes e 1(uma) autoridade pblica - por intermdio de quem,
teve incio o processo de implementao do programa na cidade. As entrevistas realizadas com
os jovens, empresrios e autoridade da cidade foram elaboradas no intuito de compreender as
expectativas dos jovens e dos empresrios sobre o programa, bem como apreender os motivos
pelos quais, somente no ano 2016, que a lei da aprendizagem comeou a ser cumprida.
8 Como o programa foi recentemente implementado na cidade de Monte Carmelo, apenas 58 jovens participam
hoje como aprendizes.
26
Utilizamos a entrevista semiestruturada e optamos por propor alguns temas para debate, uma
vez que as perguntas fechadas no contribuiriam para os nossos objetivos.
A relevncia dessa pesquisa encontra-se no fato de que - conforme dados
divulgados pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT) em 2016 - os jovens representam
mais de 35% dos desempregados no mundo. A estimativa que at o fim de 2017 o nmero de
jovens desempregados tenha alcanado a marca dos 71 milhes. A OIT mostra ainda que as
atenes devem se voltar para os jovens em situao de pobreza
a maior preocupao a parcela e o nmero de jovens que vivem em situao
de pobreza extrema ou moderada apesar de estarem empregados,
frequentemente em pases emergentes e em desenvolvimento. Na verdade,
156 milhes ou 37,7% dos jovens trabalhadores vivem em situao de pobreza
extrema ou moderada (comparado a 26% dos adultos que trabalham).
(PESQUISA... 2016).
Ainda segundo a OIT, o mais preocupante que os jovens pobres tendem a
encontrar refgio na economia informal. O desafio, portanto, no apenas criar novas vagas de
emprego, mas principalmente a qualidade do trabalho e do emprego decente para os jovens.
No Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA, 2016) -
com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios Contnua do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (Pnad Contnua/IBGE), a populao mais afetada pelo
desemprego so os jovens entre 14 e 24 anos e observa ainda que houve um grande salto na
taxa de desemprego desses indivduos passando de 19,3% no primeiro semestre de 2015, para
26,5% no mesmo semestre de 2016, uma diferena de 7,2 p.p.
Segundo divulgado na Carta de conjuntura: mercado de trabalho do IPEA
(2016), com base nos dados obtidos pelo IBGE/PNADC, o desemprego brasileiro mais
intenso no Nordeste, entre as mulheres, os mais jovens (at 25 anos), os que no so chefes de
famlia, com ensino mdio incompleto e nas regies metropolitanas.
Outra observao importante quanto ao nmero expressivo de jovens que
vivem no Brasil atualmente, o que se convencionou chamar de bnus demogrfico 9 quando
h proporcionalmente um maior nmero de pessoas em idade ativa para trabalhar. No ltimo
Censo, 2010, o IBGE divulgou que o Brasil possui 51,3 milhes de jovens entre 15 a 29 anos.
Em funo do crescimento acentuado no nmero de jovens, esses deixam de ser vistos como
problema social e passam a ser notados como potencialmente importantes o desenvolvimento
socioeconmico, momento esse em que as polticas pblicas destinadas conteno da
9 O aumento do nmero de pessoas jovens decorre de dois fatores: baixa natalidade (as famlias tm preferido ter
poucos filhos) e aumento da expectativa de vida dos brasileiros.
27
delinquncia cedem lugar ao enfoque da preparao para o trabalho. Embora, segundo observa
(ABRAMO, 1997), essa perspectiva do jovem como problema social nunca tenha sido
abandonada definitivamente.
Enfim, o peso numrico dos jovens na atualidade e as dificuldades enfrentadas
em relao sua insero no mercado de trabalho o que pode impactar decisivamente sobre
a fase seguinte das suas vidas - justifica o olhar especial sobre as questes que afetam e
mobilizam os jovens brasileiros hoje. Considerando que a juventude pode ser vivida de forma
diferenciada e desigual entre os jovens - de acordo com situaes de classe, principalmente - e
que so as crianas e jovens da classe trabalhadora as mais acometidas pelo desemprego ou que
se inserem precocemente no mundo do emprego ou do subemprego insero que no depende
de escolha e sim da necessidade de trabalhar - essa pesquisa justifica-se pela importncia de se
pensar em novos rumos para as polticas pblicas dirigidas aos jovens da classe trabalhadora,
com base nas suas especificidades.
Como resultado dessas anlises, conclui-se que a juventude encerra uma
condio de classe e que aos jovens da classe trabalhadora tem sido destinado um tipo de
formao que no contribui para sua emancipao, apenas refora as diferenas de classe e a
manuteno do status quo. A formao profissional destinada aos jovens integrantes do
Programa Jovem Aprendiz, por estar comprometida com os interesses do mercado e no com
os da classe trabalhadora, apenas legitima a diviso histrica que se processa na sociedade
capitalista: a separao entre os que realizam atividades manuais e intelectuais. Aos jovens da
classe trabalhadora so destinadas as atividades mais simples na hierarquia do trabalho coletivo
e uma educao para o trabalho e no pelo trabalho. As diretrizes da formao profissional que
vm sendo executadas no Brasil, se ajustam+ lgica da diviso social e tcnica do trabalho,
que, historicamente reduz os trabalhadores a fatores de produo tomando sua formao como
um investimento em capital humano. O tipo de formao destinada classe trabalhadora visa
o preparo psicofsico e adequado reproduo ampliada do capital (FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2005).
Quanto implementao do Programa Jovem Aprendiz na cidade de Monte
Carmelo, por meio das entrevistas foi possvel constatar que a Lei da Aprendizagem no fora
cumprida antes por falta de interesse por parte dos empresrios na contratao de aprendizes e
pela ausncia da interveno do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) em notific-los. A
implementao do programa se deu em 2016 em face do alto nvel de violncia e de atos
infracionais cometidos por jovens na cidade, ou seja, o programa fora implementado mediante
a viso dos jovens como problema social como medida de conteno dos danos causados
28
sociedade por meio da ocupao de suas mos ociosas. Apreendemos, a partir dos discursos
dos empresrios, que a contratao de aprendizes no de interesse das empresas por onerar
suas despesas e no contribuir no ritmo da produtividade; tem relao apenas com a visibilidade
da empresa pelo cumprimento de sua responsabilidade social. No entanto, na viso dos jovens
o programa oferece grandes vantagens como: capacitao, renda mensal e oportunidade de
crescimento profissional alm de ampliar as possibilidades de um futuro melhor. Para os filhos
da classe trabalhadora, ainda que o Programa Jovem Aprendiz se apresente como uma poltica
de carter paliativo aos problemas socioeconmicos dessa classe, a oportunidade de adquirir
experincia profissional aliada capacitao representam uma chance de mobilidade social, por
que esses jovens desconhecem que o discurso da empregabilidade e da igualdade social parte
das estratgias ideolgicas dominantes.
Esse trabalho est dividido em cinco captulos: No primeiro captulo, foi
reconstrudo o contexto histrico em que foi elaborado o programa jovem aprendiz tratando
principalmente de mostrar as mudanas que ocorreram no mundo do trabalho a partir da
reestruturao produtiva do capital, resultando no desemprego estrutural. Essa anlise foi
empreendida com base em autores que discutem os temas, tais como: Harvey (1992), Ianni
(1993), Ferreti e Silva Jnior (2000), Chesnais (2000), Ramos (2001,2002), Silva Jnior (2002),
Frigotto (2004,2010), Lucena (2004), Gentili (2004), Antunes (2009), Alves (2009), Santos
(2011), Andrade e Lucena (2017).
O segundo captulo apresenta as caractersticas do objeto da pesquisa: o
programa jovem aprendiz, a partir da anlise de documentos e da legislao que regulamentam
e tem relao direta com o programa.
O terceiro captulo trata da categoria juventude e, em seguida, dos sujeitos
concretos atendidos pelo programa jovem aprendiz: os filhos da classe trabalhadora. Para essa
anlise, baseamo-nos em autores que discutem o tema juventude, quais sejam: Pais (1990),
Peralva (1997), Margulis e Urresti (1998), Bourdieu (2003), Dayrell (2003), Sposito
(2003,2008), Groppo (2004, 2010, 2017), Abramo (2008), Machado (2011), Esteves e
Abramovay (2007).
O quarto captulo discute a relao entre trabalho e educao e trata das
caractersticas da formao profissional, explicitando seu carter mercadolgico.
O quinto e ltimo captulo resulta das entrevistas realizadas durante a pesquisa
e trata do caso especfico da cidade de Monte Carmelo discutindo o processo de implementao
e execuo do programa jovem aprendiz e as expectativas e anseios dos atores envolvidos:
aprendizes e empresrios.
29
CAPTULO 1- TRANFORMAOES NO MUNDO DO TRABALHO NO SCULO XX:
DESEMPREGO ESTRUTURAL E EXIGENCIA DE NOVAS QUALIFICAES
O objetivo desse captulo situar o leitor quanto ao contexto histrico em que
foi elaborado o Programa Jovem Aprendiz a fim de descortinar as suas intencionalidades e
especificidades. Para tanto, partimos da abordagem dos processos histricos de constituio da
atual conjuntura econmico-social relativos globalizao e reestruturao produtiva do
capital sob a gide do iderio neoliberal, com vistas a compreender suas implicaes para o
mundo do trabalho e para a rea da educao, no Brasil. Discutir esses processos, cuja
intensificao se deu a partir da dcada de 1990, de suma importncia, posto que no
possvel apropriar-se do objeto sem compreender sua relao com a totalidade.
1.1 Dimenses da reestruturao produtiva do capital
O capitalismo monopolista est atravessando desde a dcada de 1970 uma das
maiores crises da histria (LUCENA, 2004).
[...] a crise do capital que experimentamos hoje fundamentalmente uma crise
estrutural. Assim, no h nada especial em associar-se capital a crise. Pelo
contrrio crises de intensidade e durao variadas so o modo natural de
existncia do capital: so maneiras de progredir para alm de suas barreiras
imediatas e, desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de
operao e dominao. Nesse sentido, a ltima coisa que o capital poderia
desejar seria uma superao permanente de todas as crises, mesmo que seus
idelogos e propagandistas frequentemente sonhem com (ou ainda,
reivindiquem a realizao) exatamente isso. (MSZROS, 2002, p.798-799).
A citao acima nos d uma amplitude de como o capital se relaciona com as
crises cclicas que ele mesmo produz. Como observa o autor, as crises enfrentadas pelo capital
obrigam-no a progredir alm de suas barreiras, ainda que com um dinamismo cruel, a fim de
garantir sua reproduo.
A crise do capital cujo incio se d a partir da dcada de 70, atingiu os pases
capitalistas centrais e tendeu a impulsionar, nas dcadas seguintes, uma srie de transformaes
scio histricas que envolveram as mais diversas esferas do ser social (ALVES, 2011) e se
manifesta em vrios aspectos. Antunes (2009) afirma que, em relao aos trabalhadores, ela
afeta a sua materialidade e tambm a sua subjetividade.
Todavia, as crises econmicas que o capital tem enfrentado no so novas, esto
presentes em toda a histria do capitalismo. Antes de discutir os efeitos da crise da dcada de
1990, convm mencionar que, em resposta primeira grande crise que o capitalismo enfrentou
30
(entre 1873 a 1896 quando foram exigidas novas tcnicas de acmulo de capital) foi adotado o
padro fordista/taylorista10 de produo, de origem e influncia americana (SANTOS, 2011).
Esse processo produtivo caracterizou-se pela mescla da produo em srie
fordista com o cronmetro taylorista, alm da vigncia de uma separao
ntida entre elaborao e execuo. Para o capital, tratava-se de apropriar-se
do savoir-faire do trabalho, suprimindo a dimenso intelectual do trabalho
operrio, que era transferida para as esferas da gerencia cientfica. A atividade
de trabalho reduzia-se a uma ao mecnica e repetitiva (ANTUNES, 2009,
p. 39, grifos do autor).
Materializado em 1913, sob o pressuposto de produo e consumo em massa,
o fordismo foi o primeiro sistema usado como instrumento para aumento de produtividade.
Entre as dcadas de 1940 a 1970 a acumulao de capital apresentou nvel de grande expanso
sob a gide do padro fordista/taylorista. Esse perodo foi chamado de perodo de ouro, os anos
dourados do capitalismo (SANTOS, 2011).
Cabe destacar que o fordismo, segundo Harvey (1992), envolveu muito mais que
a simples racionalizao do processo produtivo. O autor explica que Henry Ford reconhecia
explicitamente que uma produo em massa significava consumo em massa. O padro fordista
determinou no apenas uma mudana na produo, mas tambm uma nova organizao social
e econmica e um novo sistema de reproduo da fora de trabalho. Baseado no controle e na
gerencia do trabalho, o fordismo produziu [...] uma nova sociedade democrtica,
racionalizada, modernista e populista (HARVEY, 1992, p. 121). Os novos mtodos de trabalho
fordistas produziram um novo tipo de homem, um modo especfico de viver e de pensar. As
questes relacionadas famlia, sexualidade, consumismo e a ao do Estado estavam
vinculadas a um esforo de forjar um tipo particular de trabalhador adequado ao novo tipo de
trabalho e de processo produtivo (HARVEY, 1992).
No perodo fordista destaca-se a atuao intervencionista do Estado. Harvey
(1992) observa que o Estado se esforava por controlar ciclos econmicos com uma apropriada
combinao de polticas fiscais e monetrias. As aes do governo, no auge do fordismo,
levaram viabilidade de estabelecimento do iderio do Estado de Bem-Estar Social. No que
no existissem desigualdades e descontentamentos, mas a legitimao do poder do Estado
dependia da sua capacidade de levar os benefcios do fordismo a todos, e de encontrar meios
10 O fordismo referese ao modelo de produo em massa desenvolvido por Henry Ford. Ford introduziu tcnicas
inovadoras na produo de automveis cuja principal caracterstica foi o aperfeioamento da linha de montagem
com a introduo da esteira de rolagem. O taylorismo, por sua vez, um modelo de organizao do trabalho criado
por Frederick Winslow Taylor atravs do qual pretendese alcanar o mximo de produtividade e rendimento dos
trabalhadores (produzir mais e em menos tempo), tambm chamado de Administrao cientfica e pautada no
controle de aes e de tempo
31
de oferecer assistncia mdica, habitao e educao adequados em larga escala, de modo
humano e atencioso,
O Estado aguentava a carga de um crescente descontentamento, que s vezes
culminava em desordens civis por parte dos excludos. No mnimo, o Estado
tinha de tentar garantir alguma espcie de salrio social adequado para todos
ou engajar-se em polticas redistributivas ou aes legais que remediassem
ativamente as desigualdades, combatessem o relativo empobrecimento e a
excluso das minorias. (HARVEY, 2013, p. 133)
No entanto, Antunes (2009) explica que, aps um longo perodo de acumulao
de capitais, que ocorreu durante o apogeu do fordismo e da fase keynesiana,11 o capitalismo, a
partir do incio dos anos 70, comeou a dar sinais de um quadro crtico.
Para Alves (2011), a primeira grande recesso do ps-guerra, em 1973, inaugura
o perodo histrico de crise estrutural do sistema capitalista. Na mesma linha de anlise,
Antunes (2009, p. 33) observa que [...] de fato, a denominada crise do fordismo e do
keynesianismo era a expresso fenomnica de um quadro crtico mais complexo. Ela exprimia,
em seu significado mais profundo, uma crise estrutural do capital, em que se destacava a
tendncia decrescente da taxa de lucros [...]
O padro fordista de produo entra em declnio, e isso se d pela sua prpria
incapacidade de responder retrao do consumo que se acentuava: o excesso de produo de
mercadorias resultou num acmulo de estoque que no tinha para quem ser vendido
(ANTUNES, 2009). O colapso do fordismo, no entanto, deve ser entendido num plano mais
complexo, posto que significou no s o fim de um padro de produo, mas anunciou a ruptura
de todo um modo de organizao social at ento vigente, cujo principal destaque foi o tipo de
atuao do Estado (HARVEY, 1992).
Harvey (1992) ressalta que a profunda recesso de 1973, exacerbada pelo choque
do petrleo, ps em movimento um conjunto de processos que solapavam o compromisso
fordista. Em consequncia disso, as dcadas de 70 e 80 foram [...] um conturbado perodo de
reestruturao econmica e de reajustamento social e poltico. (HARVEY, 1992, p.140).
Em resposta a esse quadro crtico acentuado e, buscando recuperar os padres
de acumulao de capital, produziu-se um novo complexo de reestruturao. Nas palavras de
Ricardo Antunes
11 O keynesianismo pode ser entendido como um conjunto das teorias e medidas propostas pelo economista
britnico John Maynard Keynes e seus seguidores, que defendiam, dentro dos parmetros do mercado livre
capitalista, a necessidade de uma forte interveno econmica do Estado com o objetivo principal de garantir o
pleno emprego e manter o controle da inflao
32
Como resposta sua prpria crise, iniciou-se um processo de reorganizao
do capital e de seu sistema ideolgico e poltico de dominao, cujos
contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a
privatizao do Estado, a desregulamentao dos direitos do trabalho e a
desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi
expresso mais forte; a isso se seguiu tambm um intenso processo de
reestruturao da produo e do trabalho, com vistas a dotar o capital do
instrumental necessrio para tentar repor os patamares de expanso anteriores.
(ANTUNES, 2009, p. 33, grifos do autor).
Essas alteraes constituram, segundo Harvey (1992, p. 140), [...] uma srie
de novas experincias nos domnios da organizao industrial e da vida social e poltica e
representou, a [...] passagem para um regime de acumulao inteiramente novo, associado a
um sistema de regulamentao poltica e social bem distinta. (p. 140).
Dado o esgotamento do padro fordista, foram inseridas novas tcnicas de
gerenciamento da fora de trabalho. Entra em cena o modelo Toyotista12 de produo, regido
por uma nova frmula de acumulao de capital denominada por Harvey (1992) de
acumulao flexvel. Essa, segundo o autor, [...] marcada por um confronto direto com a
rigidez do fordismo. Apia-se na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padres de consumo. (p. 140). O modelo toyotista - ao contrrio do
fordista cuja premissa era a produo em massa - tem como pressuposto produzir de acordo
com a demanda de mercado.
importante destacar que nesse momento da histria, o salto tecnolgico - com
a automao, a robtica e a microeletrnica - invadiu o mundo das fbricas. O emprego da alta
tecnologia nos processos de trabalho caracterstica intrnseca a esse novo regime de
acumulao flexvel, resultando na substituio do trabalho humano pelas mquinas e a
exigncia de novas qualificaes.
Dentre vrios outros aspectos, Antunes (2009) chama a ateno para o
enfraquecimento do poder sindical. Segundo o autor, durante o perodo fordista houve intensa
mobilizao dos operrios por melhores condies de trabalho, salrios e seguridade social. Nas
dcadas de 60 e 70 os trabalhadores questionaram os pilares do capital e houve uma luta social
contra os mtodos desse padro de produo, pois [...] realizava uma expropriao
12 Toyotismo um modelo produtivo cuja finalidade produzir de acordo com a demanda de mercado, apenas o
suficiente, evitando desperdcios. O padro de produo toyotista de origem japonesa e foi implantado primeiro
na fbrica Toyota e difundido pelo mundo a fim de resolver a crise do capital. Caractersticas do toyotismo: mo
deobra qualificada e multifuncional, treinada para conhecer todos os processos d produo; introduo de alto
nvel de tecnologia para aprimoramento da produo; sistema flexvel; uso do controle visual em todas as etapas
da produo a fim de controlar o processo; implantao do sistema de qualidade total (dos produtos e do
trabalhador); aplicao do sistema Just In Time ( no tempo certo eliminar estoque e agilizar produo);
introduo da ideia de trabalhador participativo, colaborador, adaptvel; reduo da oferta de emprego;
terceirizao da economia e do trabalho;
33
intensificada do operrio, destituindo-o de qualquer participao na organizao do processo
de trabalho, que se resumia a uma atividade repetitiva e desprovida de sentido (ANTUNES,
2009, p. 43). No entanto, a ao dos trabalhadores representados pelos sindicatos foi
enfraquecida em face da constatao do poder do capital sobre o trabalho. A luta operria sofreu
uma derrota pelo controle social da produo. Esse enfraquecimento do operariado deu as bases
para a instaurao do novo projeto de reestruturao do capital (ANTUNES, 2009).
De fato, Harvey (1992) observa que os patres tiraram proveito do
enfraquecimento dos sindicatos e da grande quantidade de mo-de-obra excedente
(desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexveis.
O autor reitera que a acumulao flexvel implica em nveis relativamente altos de desemprego
estrutural, rpida destruio e reconstruo de habilidades, salrios cada vez menores e
retrocesso do poder sindical que era um dos pilares do regime fordista (HARVEY, 1992).
Prossegue o autor quanto s caractersticas da acumulao flexvel,
Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produo inteiramente novos,
novas maneiras de fornecimento de servios financeiros, novos mercados e,
sobretudo, taxa altamente intensificadas de inovao comercial, tecnolgica e
organizacional. A acumulao tanto entre setores como entre regies
geogrficas, criando, por exemplo, um, vasto movimento no emprego no
chamado setor de servios, bem como conjuntos industriais completamente
novos em regies at ento subdesenvolvidas [...] (HARVEY, 1992, p. 140)
Antunes (2009) reitera que o capital reorganizou seu ciclo produtivo, mas
preservando seus fundamentos essenciais: a explorao do trabalhador com vistas
lucratividade. Para o autor: desemprego [...] em dimenso estrutural, precarizao do trabalho
de modo ampliado e destruio da natureza em escala globalizada tornaram-se traos
constitutivos dessa fase da reestruturao produtiva do capital. (ANTUNES, 2009, p. 36).
A flexibilizao dos processos de trabalho estendeu-se tambm aos contratos de
trabalho, ao horrio de trabalho, ao salrio do trabalhador. As mudanas foram sentidas no
somente no modelo de produo, mas alterou-se tambm o padro de consumo e as relaes
sociais. (SANTOS, 2011).
Antunes (2009) atenta para o predomnio de uma tendncia da reduo do
proletariado fabril, industrial, tradicional, manual, estvel e especializado, mas, por outro lado,
para o crescimento, em escala mundial, de um novo proletariado fabril e de servios. o que
a vertente crtica tem denominado trabalho precarizado [...]. So os terceirizados,
subcontratados, part time, entre tantas outras formas assemelhadas, que proliferam em inmeras
partes do mundo. (ANTUNES, 2009, p. 104, grifos do autor).
34
Identificadas essas mutaes na composio da classe trabalhadora, o autor
elabora o termo classe-que-vive-do-trabalho que visa incluir, alm da totalidade dos
trabalhadores que vendem sua fora de trabalho, os trabalhadores improdutivos (do setor de
servios, bancos, comrcio, turismo, servios pblicos etc.) os desempregados, subcontratados,
terceirizados, posto que, constituem-se, em geral, num segmento assalariado em expanso no
capitalismo contemporneo e compem a nova classe trabalhadora. Portanto, ao contrrio dos
autores que defendem o fim das classes sociais, o fim da classe trabalhadora, ou at mesmo o
fim do trabalho, a expresso classe-que-vive-do-trabalho pretende dar contemporaneidade e
amplitude ao ser social que trabalha, classe trabalhadora hoje, apreender sua efetividade sua
processualidade e concretude (ANTUNES, 2009, p. 101, grifos do autor).
No plano ideolgico, a fim de converter a cooperao do trabalhador em
eficincia e se apropriar de seu conhecimento, o capital engendrou a captura das formas de
constituio de sua subjetividade (ALVES, 2011), tanto para moldar um trabalhador mais
eficiente quanto para assegurar as condies de alienao e torn-lo ideologicamente mais
obediente e submisso. Quando da introduo de uma determinada forma de organizao do
trabalho, necessrio mudar a mentalidade dos trabalhadores a fim de conseguir sua adeso
consentida ao processo e eliminar qualquer possibilidade de resistncia. O controle da
subjetividade estritamente importante reproduo do capital e nesse mbito que se
estabelece um acordo entre capital e trabalhador, sendo esse ltimo submisso ao primeiro.
De acordo com Antunes (2009), para gerir a fora de trabalho do novo sistema
toyotista as organizaes recorrem a tcnicas como: difundir a ideia do trabalho em equipe,
das clulas de produo, dos times de trabalho, da substituio do ttulo de empregado por
colaborador, do discurso do trabalhador participativo. Para o autor, isso no passa de
estratgias ideolgicas manipulativas e que preservam na sua essncia as condies do trabalho
alienado e estranhado.
Santos (2011) explica que no fordismo h uma rgida separao entre os que
planejam e os que realizam as atividades dentro da fbrica. No sistema toyotista, no entanto, o
trabalhador convidado a participar do processo de tomada de decises. Agora chamado de
colaborador e no mais funcionrio esse trabalhador sente-se responsvel pelo crescimento
da empresa e por seu prprio desempenho e qualificao. Para Santos (2011), o convite para
opinar sobre o processo de elaborao e execuo do trabalho nada mais do que uma estratgia
para apreender o componente intelectual do trabalhador a fim de garantir que ele contribua
integralmente na produo. Desse modo, o autor esclarece que a [...] intensificao da
explorao aparece travestida de uma maior autonomia do trabalhador frente ao processo
35
produtivo. (SANTOS, 2011, p. 150). Porquanto, a [...] captura desse elemento subjetivo do
trabalhador evidencia to somente que h uma necessidade atual do capitalista em cooptar
integralmente a fora de trabalho, extraindolhe, em benefcio da empresa, no s o seu corpo,
mas tambm sua alma. (SANTOS, 2011, p.151).
na esfera dessa captura da conscincia do trabalhador, imprescindvel para
que haja a interao entre a inteligncia humana e as mquinas, que se intensifica a
naturalizao das relaes sociais e produtivas. Esse processo [...] aumenta ainda mais o
estranhamento e a alienao do trabalho e amplia as formas modernas de reificao13 [...]
(ANTUNES, 2009, p. 43).
Retrocesso nos direitos trabalhistas historicamente conquistados, fragmentao
no interior da classe trabalhadora, precarizao, terceirizao da fora de trabalho,
enfraquecimento do sindicalismo de classe, incorporao de imenso contingente feminino no
mundo do trabalho (lembrando que as mulheres realizam dupla jornada de trabalho), so efeitos
desse processo de reestruturao econmica (ANTUNES, 2009). No entanto, o [...] mais brutal
resultado dessas transformaes a expanso sem precedentes na era moderna, do desemprego
estrutural que atinge o mundo em escala global. (ANTUNES, 1997, p. 41). Para o autor, os
mais afetados pelo desemprego so os jovens e os velhos. Os primeiros muitas vezes vo
engrossar as fileiras de movimentos neonazistas. Os ltimos, uma vez excludos do trabalho,
dificilmente conseguem se requalificar para o reingresso. Assim, ampliam os contingentes de
trabalho informal e aumentam os bolses do exrcito industrial de reserva.
Cumpre-nos destacar que a insero do modelo toyotista de produo sob o
domnio das novas tecnologias culminou na exigncia de um novo perfil de trabalhador,
adaptado s demandas de uma produo flexvel e com habilidade para lidar com as novas
tcnicas de trabalho. Kuenzer (2010) aponta para a contradio nos processos de trabalho:
quanto mais simples se tornam as tarefas no processo produtivo, em funo do incremento de
tecnologia, mais exigido conhecimento do trabalhador. O novo padro de produo passa a
exigir um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente. (ANTUNES,
2009).
13 Reificao um conceito que foi desenvolvido por Georg Lukcs (18851971) a fim de enriquecer o debate de
Marx quanto coisificao. Para Lukcs, a atividade produtiva promove uma transformao nas relaes sociais
e na subjetividade humana, sujeitadas cada vez mais ao carter inanimado e quantitativo dos objetos ou
mercadorias. Reificao significa a perda da autonomia e da conscincia diante dos objetos, ou seja, o mesmo
que objetivao, coisificao; o predomnio da coisa sobre o sujeito.
36
No padro fordista - que perdurou at o final da dcada de 1960 e incio de 1970
- o trabalho era composto por atividades simples, parcializadas em que o trabalhador realizava
uma tarefa por vez, com economia de pensamento e empregando o mnimo possvel de
movimentos. Para a realizao dessas tarefas bastava ao trabalhador conhecimentos bsicos
como saber ler, escrever e calcular, o que seria adquirido com poucos anos de escolaridade. A
fora de trabalho era formada por operadores semiqualificados, que realizam tarefas simples,
rotineiras e previamente especializadas. Assim, a formao e treinamento desses operrios era
baseada no modelo de qualificao com caractersticas do regime fordista/taylorista de
organizao e de gesto do trabalho.
Ramos (2001) explica que ocorreu um deslocamento do conceito de qualificao
para a noo de competncias. Para a autora, o conceito de qualificao pode ser entendido
como o [...] conjunto de conhecimentos e habilidades necessrias para desempenhar-se num
posto de trabalho (RAMOS, 2001, p. 56) e ele [...] nasce de forma correlata e consolida-se
com o modelo taylorista-fordista de produo, em torno do qual se inscrevem tanto os padres
de formao quanto os de emprego, carreira e remunerao. (p. 42). A noo de competncias,
por sua vez, est [...] fortemente associada a novas concepes do trabalho baseadas na
flexibilidade e na reconverso permanente, em que se inscrevem atributos como autonomia,
responsabilidade, capacidade de comunicao e polivalncia. (RAMOS, 2001, p. 66).
No entanto, segundo Ramos (2001), a noo de competncia no supera o
conceito de qualificao. Ela o nega e o afirma simultaneamente, por negar algumas de suas
dimenses e afirmar outras. A autora explica que tem havido um redimensionamento do
conceito de qualificao e que isso traz consequncias para os parmetros de formao
profissional, de acesso ao emprego, de classificao e de remunerao. A qualificao podia
ser comprovada por meio de certificados tanto que os diplomas garantiam a insero em
postos de trabalho no entanto, as competncias no so comprovadas em papis, o que
significa uma mudana na forma de acessar e se manter no emprego. a partir da que temos
presenciado um movimento, em vrios pases do mundo, de reformas em seus sistemas de
ensino (RAMOS, 2002).
A despeito dessas mudanas ocorridas no modelo produtivo, as marcas dessas
transformaes se refletem significativamente nos processos de trabalho, na atuao do Estado,
nos hbitos de consumo e inclusive na subjetividade dos trabalhadores. O capitalismo precisou
se expandir com vistas continuidade de obteno de lucros. O mundo globalizado caracteriza-
se por uma sociedade pautada na produo, guiada pelo fetichismo da mercadoria e conduzida
pelos pressupostos neoliberais. sobre isso que discutiremos na prxima sesso.
37
1.2 Neoliberalismo e globalizao
O sistema capitalista um modo de produo e reproduo material e espiritual
que se forma, expande e transforma em moldes internacionais. (IANNI, 1993).
Marx e Engels (1998) j haviam observado que a burguesia no pode existir sem
revolucionar continuamente os instrumentos de produo e, claro, as relaes de produo e
as relaes sociais. a necessidade de um mercado constantemente em expanso que impele a
burguesia a invadir todo o globo estabelecendo seu processo de dominao. Isso leva-nos a
inferir que a globalizao um processo intrnseco ao capitalismo
Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade
todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda a parte, explorar em toda a
parte, tecer vnculos em toda a parte. Pela explorao do mercado mundial, a
burguesia imprime um carcter cosmopolita produo e ao consumo em
todos os pases. Para desespero dos reacionrios, ela retirou indstria a sua
base nacional. As velhas indstrias nacionais foram destrudas e continuam a
s-lo diariamente. So suplantadas por novas indstrias, cuja introduo se
torna uma questo vital para todas as naes civilizadas, indstrias que no
empregam mais matrias-primas nacionais, mas sim matrias-primas vindas
das regies mais distantes, cujos produtos se consomem no somente no
prprio pas, mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas
necessidades, satisfeitas polos produtos nacionais, nascem novas necessidades
que reclamam para a sua satisfao os produtos das regies mais longnquas e
dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regies e naes
que se bastavam a si prprias, desenvolvem-se um intercmbio universal, uma
universal interdependncia das naes. E isto refere-se tanto produo
material como produo intelectual. As criaes intelectuais de uma nao
tornam-se propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo
nacionais tornam-se cada vez mais impossveis; das inmeras literaturas
nacionais e locais, nasce uma literatura universal. Devido ao rpido
aperfeioamento dos instrumentos de produo e ao constante progresso dos
meios de comunicao, a burguesia arrasta para a torrente de civilizao
mesmo as naes mais brbaras [...]. Sob pena de morte, ela obriga todas as
naes a adoptarem o modo burgus de produo, constrange-as a abraar o
que ela chama civilizao, isto , a se tornarem burguesas. Numa palavra, cria
um mundo sua imagem e semelhana. (MARX; ENGELS, 1998, p. 43).
No texto acima, Marx e Engels expem o carter contraditrio das relaes
capitalistas: elas engendram, ao mesmo tempo, elementos civilizatrios e progressistas e
elementos de destruio e excluso. Por isso, o capitalismo enfrenta crises cclicas cada vez
mais profundas (FRIGOTTO, 2010).
Segundo Ianni (1993) os processos de globalizao existem desde os primrdios
do capitalismo, no entanto, a partir da dcada de 1980 assumem novas caractersticas. Frigotto
(2010) afirma que a globalizao no um processo novo, nova a sua escala e a sua
capacidade paradoxal de excluir e fragmentar.
38
Enquanto para Ianni (1993) a globalizao o termo que se relaciona economia
dos anos 90 do sculo XX, Chesnais (2000) prefere o uso do termo mundializao para definir
essa nova fase de expanso do capital procurando dar nfase ao carter
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