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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
INSITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIEDADE E CULTURA NA
AMAZÔNIA – PPGSCA
Trabalho apresentado para a disciplina Territorialidades e
Simbolismos em Sociedades Tradicionais e Não
Tradicionais Amazônicas, ministrada pelo Prof. Dr.
Renan Albuquerque Rodrigues (PPGSCA), da
Universidade Federal do Amazonas, Campus Parintins,
como parte dos requisitos para obtenção de nota na
disciplina.
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PARINTINS/AM
2015
RAZÕES DA INVISIBILIDADE NA AMAZÔNIA PROFUNDA
GEONE ANGIOLI FERREIRA1
NOÉLIO MARTINS COSTA2
RESUMO
O artigo Razões da Invisibilidade na Amazônia Profunda aborda de maneira simples e didática os processos
de desenvolvimento da sociedade moderna através do advento do sistema capitalista que promoveu
verdadeira revolução nos espaços e territórios urbanos, transformando as cidades num lugar de “todos”.
Essas mudanças de paradigmas nas estruturas econômicas e sociais se apresentaram principalmente nos
períodos de prosperidade econômica do Amazonas. No período áureo da exploração gomífera, por
exemplo, e nos governos militares. Com os grandes projetos para a região houve transformações profundas
que influenciaram decisivamente para seu desenvolvimento econômico, que além de não se firmar,
constantemente, para trazer o prometido progresso trouxe consigo mais miséria e abandono.
PALAVRAS-CHAVE: Amazônia Profunda, território, invisibilidade.
ABSTRACT
The article Reasons Invisibility in Deep Amazon covers a simple and didactic way the processes of
development of modern society through the advent of the capitalist system that promoted revolution in
urban areas and territories, transforming cities into a place of "all". These paradigm shifts in economic and
social structures presented especially in periods of economic prosperity of the Amazon. In the golden age
of exploration gomífera, for example, and military governments. With major projects for the region was
profound transformations that decisively influenced to its economic development, in addition to not take
hold constantly to bring the promised progress brought more misery and abandonment.
KEYWORDS: Deep Amazon, territory, invisibility.
1 É Especialista em Literatura Brasileira; Pós-graduando em Cinema e Linguagem Audiovisual; Professor
substituto do IFAM/Campus Parintins e aluno especial do PPGSCA.
2 Doutorando em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Professor do
Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM), Campus Parintins.
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1. INTRODUÇÃO
Como diria Neide Gondim “A Amazônia não foi descoberta, sequer foi
construída”. A Amazônia para muitos ainda é um profundo mistério, apesar de possuir
um território continental com grandes riquezas naturais e ter vivenciado alguns ciclos
econômicos de efêmero sucesso, essa região ainda necessita ser interpretada como
questão nacional do ponto de vista estratégico para toda a Pan-Amazônia.
No entanto, a Amazônia também presenciou o espetáculo urbano do
desenvolvimento de suas cidades, onde os atores sociais interagem de forma dinâmica e
são agentes transformadores da realidade em que vivem. Porém, com o advento do
sistema capitalista norteando as relações sociais e do trabalho como forma de ganhar a
vida e conviver nas sociedades modernas, muitos perderam o ritmo desse acelerado
processo, tornando-se invisíveis.
Essa invisibilidade está presente nas principais metrópoles, nas grandes cidades e
pequenas cidades. Nesses ambientes, por vezes, caóticos e estranhos para o público
externo, se transformam no habitat forjado para a existência desses sujeitos invisíveis,
que se integram a ele na exploração dos meios pra viver. Diante desse cenário, pergunta-
se, quais as relações simbólicas construídas no lugar onde se vive? Pertencimento, teias
de significados emocionais, “autonomia de vida” ou simplesmente Flâneur. São muitas
questões a serem respondidas sobre esse universo particular que é a rua e seus moradores.
Nesse sentido, o presente estudo faz um desafio a todos - Pensar as subjetividades
humanas e suas diversidades complexas.
Pode ser que a invisibilidade na Amazônia profunda seja encarada por muitos
como um estado de bem viver, gerando assim, um campo de possibilidade e debates em
contraposição a ideia hegemônica de progresso capitalista.
2. A AMAZÔNIA PROFUNDA
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A Amazônia pensada de fora pra dentro, sem levar em
conta o conhecimento tradicional (Djalma Batista).
Ao pensarmos sobre o termo Amazônia profunda nos remetemos a lugares
extremamente isolados, de difícil acesso, longe dos núcleos urbanos da Amazônia, mas
que se revelam intensos na sua complexidade, identidade e cultura. Como exemplos
podemos citar comunidades que tem o município de Parintins como seu núcleo urbano,
são comunidades: Vila Amazônia, Comunidade do Quebra, Quebrinha, Quebrão,
Maranhão, Limão, Parintinzinho, Valha-me Deus, Mocambo, Caburi, Toledo Pisa,
Tracajá, Paraná do Limão do Meio (de cima e de baixo), São José Terra Preta do
Mamuru, etc.
O conhecimento tradicional acumulado durante séculos por índios e caboclos na
região amazônica, fazem desse território não só um lugar no espaço físico, mas,
sobretudo, o qualifica como territorialidade identitária. O lugar de origem, de
nascimento, onde os sentimentos são enraizados e, quando se afastam sempre lembram
com saudosismo daquele lugar querendo voltar.
E mesmo com todas as mudanças ocorridas nos aspectos geopolíticos e
socioeconômicos, a Amazônia ainda desperta um encantamento nos autóctones e
naqueles que escolheram esse território para morar. Esse encantamento perpassa os
navegadores espanhóis e portugueses com o contato e colonização, continua com a
miscigenação. Bastos e Pinto comentam que:
“Os valores tradicionais amazônicos são segredos de contemporização dos
homens com a natureza e dos portugueses com as culturas indígenas e
africanas. Esse caráter cultural regional permite a emergência de uma nova
civilização tropical que equilibra os antagonismos existentes em nossa vida
social. Porém, ao assumirmos valores europeus e norte-americanos calcinamos
nossas raízes no embotamento da memória coletiva. A resposta inteligente de
nosso povo às condições do meio ambiente ficam submersas nas águas turvas
da modernização sem critérios”. (BASTOS & PINTO, 2007, p.327).
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A política pensada para a Amazônia sempre foi política de governo e não política
de Estado. Há uma carência de ações e atitudes (de políticos e da própria classe
acadêmica) que visem o desenvolvimento ordenado e sustentável de nossa região, de
acordo com as suas peculiaridades. Dito isso, percebemos que a cada governo que entra
muda-se tudo. Não existe uma continuidade, não existem projetos que pensem a região de
maneira estratégica, não só para o Brasil, mas também para nossos vizinhos que fazem
parte da grande Amazônia. Como comenta o professor José Aldemir Oliveira:
“A necessidade de se conhecer a Amazônia, sem de certa forma naturalizá-la,
impõe vários desafios à comunidade acadêmica, principalmente quando se trata
de estudos sobre cidades, e mais ainda sobre as cidades médias e pequenas,
visto que, quando se enfoca o estudo sob a perspectiva do urbano, geralmente
se toma como referência as principais capitais como Manaus e Belém. Nesse
sentido, entende-se que são importantes os estudos que envolvam cidade e
campo, rural e urbano na Amazônia, visto que se trata de uma região com
grande sociodiversidade, que envolve os vários espaços”. (OLIVEIRA, 2011,
p. 197).
O desenvolvimento da Amazônia está em pauta. A crítica à modernização
incrementada pelo capitalismo na região deixou uma dívida incalculável ao patrimônio
físico e sociocultural de seus povos e territórios. As históricas formas de adaptação
humana foram substituídas, em sucessivos “ciclos econômicos”, por políticas públicas
nacionais inadequadas, precárias e fracassadas; por modelos desprovidos de
conhecimento sobre as realidades regionais; pela negação das populações tradicionais
índias e caboclas e de suas formas de ocupabilidade; pelo caráter interventivo da criação
de suas fronteiras físicas e políticas; pelos equivocados planejamentos a distancia, etc.
Essa política errônea já vem sendo discutida há muito tempo, como nos estudos de
Djalma Batista sobre a região:
“É verdade que a exploração da Amazônia começou há apenas três séculos e
meio, com a dominação e a dizimação do elemento nativo, que não foi
substituído por grandes massas de imigrantes, enquanto nas nações equatoriais
da África e da Ásia os autóctones, datando de tempos imemoriais, são ainda
uma maioria superior a 95%. Na Amazônia, a população indígena
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propriamente dita anda por umas 60.000 almas, atualmente, encontrando-se
diluída nos “caboclos”, que representam, na planície, a reafirmação da tradição
brasileira da miscigenação, enquanto na África, negro continua a ser negro, e
na pátria de Sukarno, ai de quem tiver sangue holandês”. (BATISTA, 2003,
p.115).
Essa identidade amazônica caracterizada pela miscigenação de seu povo gerou
algumas diferenças sociais e de pertencimento, e isso foi acrescido pelo advento do
sistema capitalista que de forma opressora excluiu muitos indivíduos que não se
adaptaram ao modus operandi da linha de produção do mercado de trabalho vigente.
Segundo Scherer e Oliveira:
“O termo exclusão, na Amazônia, pode ser expresso, de modo amplo, em
relação à renda, educação, condições da população infantil, carências
habitacionais e condições de moradia, acesso às atenções básicas de saúde,
perspectivas de ocupação da força de trabalho, e outros indicadores reveladores
da situação humana na Amazônia”. (SCHERER & OLIVEIRA, 2009, p.25).
Descobrir verdadeiramente a Amazônia profunda requer um esforço de todos,
para juntos elaborarmos planos e projetos que venham trazer desenvolvimento
econômico, político e sociocultural para a região, explorando de maneira racional as
riquezas naturais, diminuindo as desigualdades sociais, sem, no entanto, perder a
identidade dos povos da Amazônia. A Revista Amazônia em debate (2010, p. 105)
sintetiza muito bem esse pensamento - “Não podemos pensar que a construção urbana e
rural da Amazônia possa ser igual às das outras regiões, porque há, por exemplo, a
questão da navegação, das estradas, da mineração e da agricultura”.
Na Amazônia profunda vivem pessoas sem a presença constante do Estado, sem
governo formal. Seus representantes, ou líderes comunitários tentam muitas vezes fazer
essa ponte, mas não conseguem os benefícios almejados e muitas vezes prometidos por
políticos em época de eleição. As pessoas vivem mesmo dos seus produtos cultivados
para a subsistência. Caçar, pescar, comércio de troca, festejos religiosos e profanos.
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3. TERRITÓRIO, AMBIENTE E ESPAÇO NA AMAZÔNIA PROFUNDA
A relação homem e sociedade é uma questão que perpassa o simples fato de viver
em grupo num determinado local, espaço e ambiente. O homem da Amazônia profunda
cria um território não somente físico, mas simbólico, apreende com suas crenças, mitos e
superstições um ethos característico. Conhece e domina minuciosamente esse território
como o citadino sabe a rua, bairro e ponto de referência. Na floresta, tanto o índio como o
caboclo se localizam pelas referências que a natureza lhes oferece. Portanto, ao se
apropriar física e simbolicamente esse homem exerce domínio sobre o território.
Território como construção de domínio histórico, natural, social e cultural. Pensando nas
ciências humanas como um estudo complexo do pensamento social Bastos e Pinto nos diz
que:
“A reflexão sobre a sociedade não começou com a Sociologia, nem com as
ciências que têm o homem por objeto. O pensamento social durante muito
tempo ocupou-se em produzir reflexões sobre o homem, a natureza, a cultura, a
economia e tantos outros aspectos que se puseram à vista em tempos e
sociedades. Quando Aristóteles escreve que o homem é um animal político ou
Hobbes compara o Estado ao Leviatã, temos aí desenvolvido reflexões sobre a
realidade que precedem as ciências humanas, seus campos de investigação
sistemática e fazem eco ainda nos dias atuais”. (BASTOS & PINTO, 2007,
p.214).
Manaus viu sua população quintuplicar com o advento da “civilização da
borracha”, surto que tem seu apogeu no final do século XIX e início do XX. A cidade se
fez moderna com a injeção de capital proveniente da exploração do látex atraindo
milhões de pessoas ávidas por enriquecimento rápido. Estrangeiros e principalmente
nordestinos se aventuraram na Amazônia na esperança de uma vida melhor. Não apenas
nos seringais no meio do mato, mas principalmente em Belém e Manaus se aglomeravam
pessoas em busca de trabalho. Esse tipo de deslocamento, voluntário ou não, nos dias
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atuais ainda é muito forte aqui na região amazônica. No imaginário coletivo das pessoas
que vêm para a Amazônia ainda paira a efígie de um lugar de oportunidades e sonhos.
Frente a realidades difíceis do interior do Estado ou de outras partes do país o
pesquisador José Aldemir nos diz que:
“O deslocamento para Manaus é um processo que não pode ser analisado
somente do ponto de vista da atração que a Zona Franca exerce sobre essa
população, mas, sobretudo, no ponto de vista da expulsão do lugar de origem,
ocasionada por questões estruturais de uma sociedade gerida pela lógica do
capital”. (OLIVEIRA, 2003, p.16).
A explosão demográfica acarretou uma série de problemas às cidades que
precisaram se estruturar rapidamente e se adaptar aos novos tempos, os tempos
modernos. Surgiram novas formas de viver nesse ambiente moderno, experimentar
positiva ou negativamente a vida na metrópole, perceber a cidade agregadora e
excludente. Uma disputa para manterem-se nos papéis principais, os seringalistas,
comerciantes, aviadores, “coronéis de barranco”, nessa guerra coronéis de um lado e
“soldados da borracha” do outro. O cenário da guerra chegou bem próximo a nós. O
mundo se regionalizou como dizia Milton Santos:
“Com a modernização contemporânea, todos os lugares se mundializam. Mas,
há lugares globais simples e lugares globais complexos. Nos primeiros apenas
alguns vetores da modernidade atual se instalam. Nos lugares complexos, que
geralmente coincidem com as metrópoles, há profusão de vetores: desde os que
diretamente representam as lógicas hegemônicas, até os que a elas se opõem.
(...) Por isso a cidade grande é um enorme espaço banal, o mais significativo
dos lugares. Todos os capitais, todos os trabalhos, todas as técnicas e formas de
organização podem aí se instalar, conviver, prosperar. Nos tempos de hoje, a
cidade grande é o espaço onde os fracos podem subsistir”. (SANTOS, 2012, p.
322).
Considera-se que, na decisão de migrar, de certo modo está subjacente uma
atitude de resistência às privações a que estão inseridos, em uma luta pelo controle de sua
própria história, mesmo marcada por uma tendência ideológica. Essa tendência está
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fortemente ligada a organismos internacionais que controlam o capital global, a esse
respeito nos fala Oliveira que:
“Para o Estado neoliberal, a liberdade individual está acima da democracia, se
apoiando, portanto, em “instituições não-democráticas” como as agências
multilaterais. Adam Smith em “A riqueza das nações” trata dos princípios
morais da sociedade, individualista e gananciosa, regulada pelo que chamou de
“mão invisível”. A proposta de “mão invisível” imbricada no título, diz
respeito ao Estado ou organismos internacionais (BID, Word Bank, FMI),
agentes econômicos, ONGs etc, personificadas neste que regulam de alguma
maneira as ações/rumos da sociedade em determinada porção do território ou
em escala mais abstrata, do espaço”. (OLIVEIRA, 2011, p.115).
No caso de moradores em situação de rua podemos dizer que sua territorialidade é
esporádica ou ainda cíclica, na medida em que pode se apropriar de um espaço por um
determinado período e migrar pra outro de acordo com suas necessidades. Esse andarilho
invisível da cidade vive num dilema (fronteira) entre voltar para seu lar (casa da família
quando o tem) ou retornar para sua antiga comunidade, território de suas origens.
“Após revisar os conceitos de “urbanização” e “fronteira”, delineamos uma
estrutura conceitual baseada nas crescentes inovações na racionalidade
ecológica, na teoria evolucionista e no realismo crítico. Como nenhum
princípio mestre, sozinho, explica completamente a diversidade da urbanização
na Amazônia, nós propomos uma teoria pluralista de “urbanização
desarticulada”. Essa estrutura nos permite ver a fronteira como uma
confluência de espaços sociais diversos, um continuum sócio-espacial
transpondo dois tipos ideais: a fronteira populista (agrário) e a fronteira
corporativista”. (BROWDER & GODFREY, 2016, p.105).
O número elevado de indivíduos vistos como moradores de rua é um fenômeno
corriqueiro nas grandes cidades, já faz parte do cenário local, mas não é privilégio apenas
de países subdesenvolvidos, pois nos países ricos também existem moradores de rua. O
agravamento dessa situação é resultado do crescente processo de exclusão causado por
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problemas de ordem social e econômica enfrentados principalmente pelas grandes
cidades da sociedade moderna.
4. A INVISIBILIDADE E MARGINALIDADE DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA
A investigação sobre as características, práticas e organização dos moradores de
rua é alvo de nosso interesse. E isso nos faz refletir - Como é percebido o morador de rua
pelo público externo? Quais os vínculos emocionais que os unem? Como se dão as
relações de poder nesse meio? Quais são nossas atitudes diante desses sujeitos?
Para esses indivíduos os benefícios e recursos da sociedade moderna são escassos,
e os mesmos sobrevivem sem escolas, hospitais, alimentação adequada, sem-teto, nome,
sem espaço e reconhecimento social. A sociedade o percebe o trata como indigente. A
essa falta de dignidade com as mais básicas garantias do ser humano nos fala Bentes que:
“A sociedade capitalista que se anuncia portadora de oportunidades e de
progresso, não é para todos, no sentido de garantir as necessidades básicas de
moradia, alimentação e saúde. A existência de Pessoas em Situação de Rua é o
exemplo mais agudo dessa negação de direitos a uma vida com dignidade. O
agravamento da questão social no país põe as metrópoles como espaço de
pobreza urbana, tornando-se cada vez mais frequentes a existência de pessoas
morando na rua ou em entidades assistenciais”. (BENTES, 2014, p.157).
A ruptura com laços familiares e de sociabilidade impõe para a pessoa em
situação de rua forte sentimento de rejeição, inferioridade, baixo autoestima, solidão e
sensação de fracasso. A ligação emocional que os une coloca todos fazendo parte do
mesmo drama humano, a sensação de não existir. Expostos no meio da rua são
invisíveis! De acordo com Bentes:
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“Na capital do Estado do Amazonas, Pessoas em Situação de Rua perambulam
pela cidade, geralmente nos logradouros do centro comercial, ou próximos a
ele, expostos às intempéries de sol, chuva, doenças e outras agressões à sua
integridade física e mental, além de outros perigos que rondam seus espaços de
sobrevivência”. (BENTES, 2014, p.158).
Paul Singer (1994) em sua obra: “Economia Política do Trabalho”, faz relação à
estratificação econômica entre os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos,
entendendo-se assim a relação hierárquica entre os países ricos com os países pobres,
entre os países do primeiro mundo e os países do terceiro mundo, numa relação de força,
cuja base de diferença qualitativa é a produção tecnológica industrializada e o poder
econômico que define essas relações, criando-se uma dependência, em que os países
pobres e subdesenvolvidos com limites em suas frágeis economias dependem dos países
ricos e desenvolvidos, comprometendo inclusive sua autonomia e soberania. Para Tavares
Filho:
“Nesse contexto de relação de forças entre países ricos versus países pobres,
basicamente se distingue claramente aspectos diferenciais de suas populações e
consequentemente as populações dos países pobres e subdesenvolvidos são
consideradas como marginalizados, pelo empobrecimento, pela perda de seu
poder aquisitivo, como também pelas interferências do capital estrangeiro que
de qualquer maneira impõe as regras aos governos desses países de terceiro
mundo”. (TAVARES FILHO, 2001, p.19).
As sociedades modernas não estão se preocupando com exceções, pois parece que
todos podem ter as mesmas capacidades, seguem num fluxo contínuo, sem deficiências,
como uma máquina. Maslow (1954) argumenta que a tendência natural da pessoa é
sempre em direção ao crescimento, à socialização e ao ajustamento. Em decorrência das
deficiências genéticas, congênitas e sociais que limitam o desenvolvimento maturacional,
o organismo se predispõe às limitações em nível físico e cognitivo, com consequências da
manifestação de uma conduta inadaptada no meio social, por falta de integração. No
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entanto, o que percebemos na sociedade moderna é uma competição constante, como
uma forma de chegar ao domínio de uns sobre os outros como comenta Campos:
“As concepções de indivíduo e de sociedade foram – e ainda têm sido –
perpassadas por uma visão dicotômica da realidade, onde o natural opõe-se ao
social, o biológico ao psicológico, o animal ao espiritual. Tal visão do mundo
não somente referendava a tentativa de legitimar a dominação do homem sobre
a natureza, como a de certos grupos humanos sobre outros grupos. Esse
dualismo impregnou o pensamento humano em diferentes momentos de nossa
história, tendo sido utilizado como argumento legítimo para a manutenção do
domínio e do privilégio de conquistadores sobre conquistados, de ricos sobre
pobres, de colonizadores sobre colonizados, enfim, de dominadores sobre
dominados”. (CAMPOS, 2009, p.118).
A paisagem urbana é construída como fruto da necessidade de uso daquele espaço
para trabalho, moradia e ou lazer. Os espaços se apresentam e são pensados para um
determinado fim. Por serem espaços públicos, muitas vezes esses fins são subvertidos
para dar lugar a outras apropriações e usos diferentes dos que foram originalmente
pensados, os contra usos (Leite, 2002) fazendo uma reapropriação, ressignificando o
espaço e sua sociabilidade. A presença do poder público regulando ou “revitalizando” os
espaços físicos não leva em consideração as práticas simbólicas ali existentes. Há um
esforço de restaurar o conjunto arquitetônico que deu sentido a um passado histórico, mas
as práticas sociais cotidianas contidas e preservadas muita das vezes nos usos do espaço
são aniquiladas.
O centro de Manaus, em sua maior parte se encontra degradado, perigoso,
principalmente durante a noite, a parte que se liga ao porto, mais abandonada que o
restante do centro, historicamente carrega a fama de reduto de prostituição, marginalidade
e vadiagem.
Com as novas espacialidades moldadas pela expansão dos recursos financeiros
nascem outros percursos que não obrigatoriamente o centro. Grandes avenidas em quase
todas as zonas da cidade se estruturaram para satisfazer quase todas as necessidades dos
moradores, evitando assim viagens desnecessárias ao centro da cidade. Os shoppings
centers também foram essenciais para fazer compras sem ter que se deslocar ao centro.
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Algumas pessoas não atribuem mais sentido, não sendo frequentadores desse espaço, não
reconhece como lugar onde possam se identificar imediatamente, salvo algumas exceções
como o Teatro Amazonas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deste modo, as pessoas “invisíveis” que transitam nos espaços públicos e os
transformam em lugar de convivência são cidadãos que querem um dos mais elementares
direitos que é o de ir e vir. São pessoas que pertencem à cidade e tem o direito de viver na
sua diferença e nós acabamos não respeitando o diferente, ignorando-o ou tratando-o
como errados, contraventores ou com comiseração. Esperamos do outro uma forma de
conduta pública, um comportamento que para o morador em situação de rua não faz o
mínimo sentido. Seu modo de se comportar é próprio de quem não se incomoda mais
com nada, bebe exageradamente cachaça, ri, dança, mexe com os transeuntes, pede
esmolas, dorme por ali mesmo, faz suas necessidades fisiológicas nos jardins, praças ou
terrenos e casas abandonadas. Dão a entender que não precisam de regras para viver.
Percebemos um claro conflito indivíduo que vive nas ruas versus sociedade formal
(regrada), onde o primeiro luta para se distinguir de uma sociedade que ele rejeita e que o
rejeita como cidadão.
O sujeito que se desloca dos mais recônditos grotões em busca de melhoria de vida
na cidade, muitas vezes fracassa, se entrega a sua própria desgraça, marginaliza-se. Nesse
contexto de subdesenvolvimento pessoal, a marginalidade é vista como falta de interação
e, sempre o deficiente ou subdesenvolvido é percebido como o carente, subnutrido, o
excepcional ou vagabundo. Na Amazônia temos a invisibilidade desses atores que em
determinados momentos resolvem protagonizar ações que vão contra os padrões
civilizatórios da sociedade moderna. Pode ser que essas atitudes sejam formas de
resistência e mobilização, expressão de indignação perante as imensas desigualdades
sociais, tão grandes e invisíveis quanto a Amazônia Profunda.
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Enfim, são problemáticas do mundo contemporâneo que precisam ser debatidas
com mais profundidade e seriedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BNDES, 2010.
BASTOS, Élide Rugai & PINTO, Renan Freitas. (Org.). Vozes da Amazônia – Investigação
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2007.
BATISTA, Djalma. Amazônia – Cultura e Sociedade. Manaus: Editora Valer / Governo do
Estado do Amazonas/ Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2003.
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BENTES, Norma. Manaus: realidade e contrastes sociais. Manaus: Editora Valer e Fapeam,
2014.
BROWDER, John O.; GODFREY, Brian J. Cidades da Floresta: urbanização,
desenvolvimento e globalização na Amazônia Brasileira. Manaus: Editora da
Universidade Federal do Amazonas, 2016.
CAMPOS, Regina Helena de Freitas; GUARESCHI, Pedrinho A. (Orgs). Paradigmas em
psicologia social: a perspectiva latino-americana. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
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julho/2002.
OLIVEIRA, José Aldemir (Org.). Cidade de Manaus: EDUA, 2003.
___________________________Espaços urbanos na Amazônia – Visões geográficas. Manaus
Editora Valer, 2011.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; 4ª ed., 2012.
SCHERER, Elenise & OLIVEIRA, José Aldemir (Orgs). Amazônia: território, povos
tradicionais e ambiente. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2009.
TAVARES FILHO, Thomé Eliziário. Padrões de valores e expectativas de futuro dos menores
marginalizados em Manaus. Manaus: EDUA, 2001.
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