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UNIVERSIDADE FEDERAL RIO GRANDE NORTE CENTRO
CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
SÁVIO RAMOS BARRETO VITAL
Políticas públicas, redes e categorização dos atores: um estudo de caso da
Cooperativa do Povoado da Cruz (2005-2014, Currais Novos/RN)
NATAL/RN
2014
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Vital, Sávio Ramos Barreto.
Políticas públicas, redes e categorização dos atores: um estudo de caso da
Cooperativa do Povoado da Cruz (2005-2014, Currais Novos/RN) / Sávio Ramos
Barreto Vital. - Natal, RN, 2014.
55 f.
Orientador: Prof. Dr. João Matos Filho.
Monografia (Graduação em Economia) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Economia. Curso de
Graduação em Ciências Econômicas.
1. Economia - Monografia. 2. Políticas públicas - Monografia. 3. Cooperativa -
Monografia. 4. Agricultura familiar – Monografia. I. Matos Filho, João. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 334.734:631.115.8
SÁVIO RAMOS BARRETO VITAL
Políticas públicas, redes e categorização dos atores: um estudo de caso da
Cooperativa do Povoado da Cruz (2005-2014, Currais Novos/RN)
Monografia de Graduação apresentada
ao Departamento de Economia da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em
Ciências Econômicas.
Orientador: Prof. Dr. João Matos Filho
NATAL/RN
2014
SÁVIO RAMOS BARRETO VITAL
Políticas públicas, redes e categorização dos atores: um estudo de caso do
Povoado da Cruz (2005-2014, Currais Novos / RN)
Monografia de Graduação apresentada
ao Departamento de Economia da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em
Ciências Econômicas.
Aprovada em: __/__/____
_________________________________________
Prof. Dr. João Matos Filho
Orientador/DEPEC-UFRN
__________________________________________
Prof. Dr. Thiago Ferreira Dias
Examinador/DEPAD-UFRN
Dedico aos meus pais, irmãos e aos meus amigos. E uma dedicação especial à minha
mulher Danielly Simoneti e a minha filha Anna Sophia.
RESUMO
A análise executado expressa a importância da interação entre os atores envolvidos numa rede
de política pública voltada para a agricultura familiar para o desenvolvimento rural. Nessa
perspectiva, estuda-se o caso bem sucedido da Cooperativa do Povoado da Cruz/RN,
localizada em Currais Novos/RN, no período 2005-2014. Dada a diversidade no número de
atores envolvidos numa política pública em determinadas cooperativas para apoio a
agricultura familiar, busca-se identificar a rede de atores que age em torno da Cooperativa do
Povoado da Cruz em prol do Programa de Aquisição Alimentar. Através do método dedutivo,
da execução de uma pesquisa exploratória constrói-se a hipótese da eficácia dos atores estatais
de conseguir viabilizar através de programas governamentais e estaduais o desenvolvimento
da cooperativa. Os resultados mostram a presença de atores preponderantes para o
desenvolvimento da Cooperativa do Povoado da Cruz/RN. Conclui-se, portanto, que a rede
envolvida na cooperativa age em prol do Programa de Aquisição Alimentar, demandando um
amplo envolvimento entre o Estado e a sociedade.
Palavras-chave: Políticas Públicas. Rede de Política Pública. Atores. Cooperativa do
Povoado da Cruz.
ABSTRACT
The run analysis shows the importance of the interaction between the actors involved in
public policy network focused on family agriculture for rural development. In this
perspective, we study the successful case of Cooperativa do Povoado da Cruz/RN, located in
Currais Novos/RN, in the period 2005-2014. Given the diversity in the number of actors
involved in public policy in certain cooperatives to support family farming, we seek to
identify the network of actors that acts around the Cooperativado Povoado da Cruz in on
behalf Programa de Aquisição Alimentar. Through deductive method, the implementation of a
research project builds the hypothesis of the effectiveness of state actors to achieve viable
through government and state programs the development of cooperative. The results show the
presence of predominant actors for the development of Cooperativa do Povoado da Cruz/RN.
It follows, therefore, that the network involved in cooperative acts on behalf of the Programa
de Aquisição Alimentar, requiring broad involvement between state and society.
Keywords: Public Policy. Public Policy Network. Actors. Cooperativa do Povoado da Cruz.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Categoria de atores................................................................................................... 25
Figura 2 - Modelo de Gestão .................................................................................................... 40
Figura 3 - Componentes do GGPAA ........................................................................................ 43
Figura 4 - Estrutura da Rede PAA da Cooperativa do Povoado da Cruz ................................. 49
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) ............................. 35
Quadro 2 - Recursos do PDS da Cooperativa do Povoado da Cruz ......................................... 44
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BIRD – Banco Mundial
CERES – Centro de Ensino Superior do Sérido
CONAB – Compainha Nacional de Abastecimento
CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
DAP – Declaração de Aptidão ao PRONAF
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
GGPAA – Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos
IFRN – Instituto Federal do Rio Grande do Norte
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social
MEC – Ministério da Educação
MESA – Ministério Extraordinário de Segurança alimentar e Combate à Fome
MF – Ministério da Fazenda
MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PDS – Programa do Desenvolvimento Solidário
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
RN – Rio Grande do Norte
SETHAS - Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
2. REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................... 16
2.1 BREVE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS .................................................. 16
2.2 REDE DE POLÍTICA PÚBLICA .............................................................................. 17
2.2.1 A abordagem de redes de políticas públicas..................................................17
2.2.2 Tipos de redes de políticas públicas de Rhodes.............................................20
2.2.3 O modelo de Rhodes e Marsh..........................................................................22
2.2.4 O modelo de Wilks e Wright...........................................................................23
2.3 CATEGORIZANDO OS ATORES ........................................................................... 24
2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA .......... 32
2.2 CONTEXTUALIZANDO O PAA ............................................................................. 34
3. O CASO DA REDE DA COOPERATIVA POVOADO DA CRUZ / RN ............... 38
3.1 PROCESSO DE FORMAÇÃO DA COOPERATIVA DO POVOADO DA CRUZ 39
3.2 DESCRIÇÃO DOS ATORES DA REDE PAA DA COOPERATIVA DO
POVOADO DA CRUZ/RN ................................................................................................. 42
3.3 RESULTADOS E BREVE DISCUSSÃO DA REDE PAA DA COOPERATIVA DO
POVOADO DA CRUZ / RN ............................................................................................... 47
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 51
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 53
12
1. INTRODUÇÃO
O que visam os atores envolvidos numa rede de política pública voltada para a
agricultura familiar no Brasil? Todos esses atores agem em prol do desenvolvimento da
politica pública? Ao questionamento de que o Estado, no desempenho de suas funções, tenha
mais efetividade para mudar a realidade socioeconômica brasileira, através de suas políticas
públicas, ampliam-se a importância dos estudos neste campo teórico.
Em Hirschman (1984) apud Flexor e Leite (2007, p. 01 e 02), ao abordar a análise da
política pública na América Latina no início da década de 1970, afirma “sentimos agora uma
nova inclinação em explorar, quase a partir do zero, os mecanismos das interações entre a
economia, a sociedade e o Estado. Pelo menos, é dessa maneira que interpreto o interesse
atual pelos estudos detalhados dos determinantes e das consequências das políticas
públicas”.
Segundo Souza (2006, p. 20 e 21) um dos motivos que contribuíram para o estudo
das políticas públicas foi o fato da baixa capacidade de impulsionar o desenvolvimento
econômico junto com a inclusão social dentro de uma política pública em países em
desenvolvimento ou recém-democratizados, em especial os da América Latina.
Em outras palavras, o crescimento dos estudos nessa área proporcionou um aumento
das políticas públicas setoriais. Dentre os quais, as políticas públicas voltadas para a
agricultura familiar contribuíram de forma decisiva para o seu reconhecimento. È oportuno
apresentar dados que mostra a importância e as dimensões dessa agricultura familiar no
Brasil.
O IBGE no seu Censo Agropecuário em 2006 demonstrou que dos 5.175.489
estabelecimentos agropecuários, faziam parte da agricultura familiar 4.367.902,
representando, assim, 84% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. A despeito da
importância numérica, eles ocupam uma área de pouco mais de 80 milhões de hectares, o que
representa a 24% da área dos estabelecimentos. Já os não familiares, apesar de representarem
apenas 16% dos estabelecimentos, ocupam 76% das áreas dos estabelecimentos (DEL
GROSSI apud GRAZIANO DA SILVA; DEL GROSSI; FRANÇA 2010, p. 306).
Outro dado importante, apresentado por Del Grossi apud Graziano Da Silva; Del
Grossi; França (2010, p. 307), é que quase três quartos da mão de obra ocupada no campo são
de estabelecimentos familiares, o que representa pouco mais de 12 milhões de pessoas,
enquanto os não familiares ocupam apenas 4,2 milhões de pessoas. A expressiva mão de obra
13
ocupada nos estabelecimentos familiares comprova sua importância na geração de ocupações
no campo.
Vale ressaltar também, que a partir do processo de democratização no Brasil foram
definidos novos pressupostos para a gestão pública, através da descentralização do Estado e
da participação social como um claro indicativo de partilhar o poder entre as esferas do
governo e da sociedade, dando rumo à equidade social. (ANDRADE 2006, p. 53).
Diante deste fato, com a descentralização do Estado houve uma multiplicação dos
atores atuantes em determinada política pública. Com isso adotou-se a concepção de Kenis e
Scheneider (1991) apud ROMANO (2007, p. 107) que determina uma multiplicação de atores
organizados na vida política e social. Assim, surge o desafio de interpretar a ação pública
olhando a ação coletiva.
Fundamento visto também por Hassenteufel (1995) apud Grisa (2010, p. 110), onde
analisa o Estado fragmentado, onde estão presentes vários atores. O fato é, se esse aumento no
número de atores prejudica a eficácia de uma política pública?
Grisa (2010, p. 110) cita, por exemplo, o estudo de Lamonier (1994) no Brasil que
mostra um conjunto de atores governamentais interferindo na elaboração de políticas
agrícolas, dentre os quais se destacam: o Ministério da Fazenda, o Banco do Brasil, o
Ministério da Agricultura, os governadores e seus secretários de agricultura, fora da esfera do
Estado, cita os médios e grandes produtores e suas associações.
Ainda segundo Kenis e Scheneider (1991) apud Romano (2007, p. 107) o estado tem
diminuído sua capacidade de definir e implementar as políticas, consequentemente
aumentando a participação de outros atores nesse processo.
Diante desse cenário, percebe-se que o sucesso de uma política pública está
intimamente ligado a atuação desse atores.
Adentrando no cerne da questão, trabalhou-se com quatro aportes teóricos sobre a
temática de redes de política pública. Em primeiro lugar, tem-se a visão de Le Galés com a de
Kenis e Scheneider, em que mudanças ocorridas no setor estatal favoreceram a
descentralização e fragmentação do Estado, auferindo uma multiplicação de atores
organizados na vida política e social.
No caso da análise de redes, Hassenteufel preconiza a abordagem de fixar num
mesmo plano analítico os atores estatais e não estatais, olhar a política pública focalizando-a
da base (bottom up) e não do topo (bottom down) e uma maior complexidade do serviço
público, onde várias redes são formadas em diversos setores.
14
Por sua vez, Rhodes faz sua análise da tipologia das redes de políticas públicas
apresentando cinco tipos: comunitária; profissional; intergovernamental; produtiva e;
temática.
O último teórico trabalhado foi Rhodes e Marsh. Este autor elabora uma nova
tipologia, em que se diferem as “comunidades de política pública” das “redes temáticas” em
dois extremos de um continuum, ou seja, pode-se passar de um para outro de modo contínuo.
Saindo da teoria, percebe-se um dilema cada vez mais crescente na identificação e
objetividade dos atores envolvidos numa rede de política pública. Com isso, foi estudado aqui
o caso da Cooperativa do Povoado da Cruz, em busca da identificação dos atores envolvidos
na rede do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
A comunidade do Povoado da Cruz localiza-se a 19 km do município de Currais
Novos, tendo acesso por rodovia a 6 km da BR-226. Currais Novos é um município do estado
do Rio Grande do Norte localizado na região do Seridó. É constituído por 300 famílias, com
cerca de 1.200 habitantes, formada basicamente por pequenos produtores rurais, que possuem,
em seu favor, um açude público, o que favorece o plantio para a produção das polpas de
frutas. A Cooperativa do Povoado da Cruz entrou em funcionamento em 2005 através de
recursos do Programa Desenvolvimento Solidário (PDS) e do Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT). Assim que entrou em operacionalização, a mini agroindústria para a
fabricação de polpas de frutas, foi inscrito no PAA. Um passo importante para a cooperativa,
que durou dois anos e teve muitas exigências, foi para conseguir a certificação do Ministério
da Agricultura, que dá ao consumidor a certeza de estar levando para casa um produto
agroecológico, livre de agrotóxicos e com certificado de qualidade. Feito conseguido em
2010, autorizando a mini agroindústria a obter novos meios de negócios, como comercializar
10 tipos de produtos e comercializa-los para todo o Brasil e até exterior.
Em suma, este estudo se justifica a partir da experiência bem sucedida na agricultura
familiar do Rio Grande do Norte. A Cooperativa do Povoado da Cruz mostrou que os atores
envolvidos na rede do PAA, contribuíram para o desenvolvimento rural. Sendo assim, esse
estudo pode auxiliar outras cooperativas a obtiver sucesso.
Dado os interesses próprios dos atores num programa governamental em sua
implementação, questionando-se a efetividade desses atores em nível local, pergunta-se: será
que todos os atores envolvidos na rede PAA da Cooperativa do Povoado da Cruz agiram em
prol do programa?
15
Visando responder a pergunta de partida, o estudo parte da relação desses atores com
a cooperativa. Nesse sentido adotou-se um modelo de análise, com ênfase na atuação do
Estado e do fortalecimento da agricultura familiar.
O objetivo geral deste trabalho é identificar a rede de atores que age em torno da
cooperativa em prol do PAA. Para atingir tal objetivo, o estudo parte dos seguintes objetivos
específicos: compreender a interação dos atores envolvidos na cooperativa e; averiguar se os
atores que agem na cooperativa cooperam em prol do PAA e do desenvolvimento rural local.
A hipótese que inicialmente se constrói é que os atores estatais, através de seus
programas estaduais ou governamentais conseguem viabilizar investimentos e assistência
técnica para o processo de desenvolvimento da Cooperativa do Povoado da cruz.
Do ponto de vista metodológico, consiste numa pesquisa de ordem exploratória e que
utiliza o método dedutivo. A análise compreenderá o período de 2005-2014, espaço-temporal
que engloba desde os projetos iniciais para adquirir os primeiros investimentos até sua atual
operacionalização. Este trabalho baseou-se em pesquisas bibliográficas – livros, artigos
científicos de autores e teses que abordam a temática estudada - e documental – fundamentada
nas leis e decretos dos programas e instituições governamentais que os regularizaram.
No tocante a coleta de dados, os dados primários foram obtidos a partir de entrevistas
com a presidente, coordenador e tesoureira da Cooperativa do Povoado da Cruz. Fez-se uso
de dados secundários de entrevistas realizadas na cooperativa.
Este trabalho está estruturado em quatro capítulos, incluindo a presente introdução.
No capítulo dois faz uma breve análise das políticas públicas evidenciando o debate de redes
de políticas públicas, mostrando as categorias de atores numa implementação de uma política,
um resgate histórico da política agrícola brasileira e uma breve contextualização do PAA. No
capítulo 3, apresenta-se o caso da Cooperativa do Povoado da Cruz, descrevendo as
características gerais e analisando os atores da rede PAA da cooperativa. Por fim, são
apresentadas as considerações finais de estudo.
16
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 BREVE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Antes de falarmos sobre redes de políticas públicas e seus atores será feita uma
abordagem conceitual do termo políticas públicas e de como foi o inicio de seu estudo e
importância.
Inicialmente o termo “política” possui dois significados que a língua inglesa
consegue diferenciar que são os termos politics e policy, para Bobbio (2002) apud Secchi
(2013, p. 01) o termo politics está associado à aquisição dos recursos necessários para a
realização do poder sobre o homem. O segundo sentido da palavra “política” expresso pelo
termo policy é a que tem relação para a decisão e ação, e o termo “política pública” ou public
policy trata do conteúdo, dos processos e das atuações das decisões políticas.
Segundo Souza (2006, p. 22) surgiu nos Estados Unidos o estudo da política pública
no âmbito de área de conhecimento e disciplina acadêmica com o rótulo de “policy Science”,
enquanto na Europa surgiu através de teorias explicativas sobre o papel do Estado no
planejamento e suas políticas setoriais. Para Flexor e Leite (2007, p. 01) depois do
desenvolvimento do Estado de Bem Estar Social nos países desenvolvidos, a partir da
segunda metade do século XX, passou-se a ter crescentes políticas desenvolvimentistas nos
países subdesenvolvidos e com isso a dar mais importância no termo políticas públicas.
Para Souza (2006, p. 20 e 21) houve a importância de três fatores que contribuíram
para o estudo dessa área. Primeiramente o surgimento de políticas restritivas de gasto, que em
países em desenvolvimento passou a ser de fundamental importância em sua agenda. Em
segundo, o modo dos governos atuarem no pós-guerra, substituíram os ideais keynesianos por
essas políticas de redução de gastos que implicou na importância de ter um equilíbrio entre
receitas e despesas. O surgimento do terceiro fator se deu pelo fato da baixa capacidade de
impulsionar o desenvolvimento econômico junto com a inclusão social dentro de uma política
pública em países em desenvolvimento ou recém-democratizados, em especial os da América
Latina.
Assim, busca-se historicamente o entendimento ao estudo das políticas públicas
abordando aspectos que influenciaram o surgimento ao estudo dessa área. Em Hirschman
(1984) apud Flexor e Leite (2007, p. 01 e 02) é sentido a importância de explorar essa nova
17
área para buscar os mecanismos de interação entre a economia, a sociedade e o Estado para se
ter um estudo minucioso dos determinantes e consequências das políticas públicas.
Autores brasileiros buscaram em seus estudos a definição de política pública.
Teixeira (2002, p. 01), diz que cabe ao Estado formular as diretrizes que regem os princípios
norteadores de sua função.
“Políticas públicas” são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público;
regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações
entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas,
sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de
financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de
recursos públicos.
Segundo Heidemann (2012, p. 25), “A ação política dos governos, no campo da
economia, chamada pelos liberais de intervenção, veio a se expressar de duas formas: (1)
como ação reguladora, pela criação de leis que imprimiam direcionamentos específicos de
ordem política às iniciativas econômicas; e (2) pela participação direta do Estado na
economia, com função empresarial, como, por exemplo, na criação e na administração de
empresas estatais. É então que aparecem as assim chamadas políticas governamentais, mais
tarde melhor entendidas como políticas públicas”.
Para Secchi (2013, p. 02) por trás de uma política pública existem dois elementos
fundamentais: a resposta e a intencionalidade de um problema público, ou seja, a política
pública condiz com uma diretriz elaborada para enfrentar uma questão pública.
2.2 REDE DE POLÍTICA PÚBLICA
2.2.1 A abordagem de redes de políticas públicas
Uma rede de políticas públicas é um arcabouço de interações, normalmente informal,
entre atores públicos e privados entrelaçados na formulação e implementação de políticas
públicas. Com interesses distintos, mas interdependentes esses atores tentam resolver os
problemas coletivos de modo não hierárquico. As redes de políticas públicas têm em sua
composição atores públicos e privados motivados em discutir e agir sobre temas de
importância em comum e para alguns atores uma modalidade específica dentro de uma área
de políticas públicas Secchi (2013, p. 119).
18
A temática sobre “redes sociais” têm ênfase no Reino Unido por meios das noções de
policy networks (redes de políticas públicas) e policy community (comunidades de política).
Segundo Kenis e Scheneider (1991) apud Romano (2007, p. 107), os estudos provocam
mudanças importantes aos interesses políticos e sociais e ocorrem num ambiente onde
existiam: a descentralização e fragmentação do Estado; a multiplicação de atores organizados
na vida política e social; o aumento do interesse de atores privados nas ações públicas e; a
transnacionalização de políticas públicas. Segundo os atores, o estudo das “redes de políticas
públicas” permitiria analisar as condições e processos de onde deriva os conflitos gerados
pelos interesses dos atores e minimizar seus efeitos. O estado tem diminuído sua capacidade
de definir e implementar as políticas, consequentemente aumentando a participação de outros
atores nesse processo.
Le Galés (1995) apud Romano (2007, p. 108 e 110) aponta também as mudanças
ocorridas no setor sócio estatal que favoreceram ao estudo do tema que foram: a multiplicação
de atores organizados na vida política e social; a tendência à diferenciação funcional dos
programas de ação pública; aumento dos alvos da intervenção pública; a multiplicação dos
atores intervenientes nas políticas públicas; a descentralização e fragmentação do Estado; a
erosão entre o público e o privado; o crescente papel dos atores privados em ações públicas; a
transnacionalização das políticas públicas; o papel cada vez mais importante da matriz de
informação, pela independência e complexidade dos assuntos políticos e sociais. O autor
ainda aponta que levar a análise dos estudos de redes no raciocínio da governança pode gerar
limites analíticos, conter o uso dessa abordagem para ter maior eficácia no desempenho
governamental. E quando o autor tem o enfoque das redes de políticas em função do Estado,
os atores passam a ser poderosos e agem juntos com outros processos de elaboração e
implementação das políticas. Essa maneira de considerar o Estado na análise de redes de
políticas pode ter dois direcionamentos diferentes: uma direção é mostrar que o Estado tem
perdido sustância e, consequentemente, sua centralidade na sociedade; a outra é dizer que, as
redes, constitui uma estrutura fundamental do próprio.
Por sua vez, o autor francês Hassenteufel (1995, p. 106) apud Romano (2007, p. 110)
faz sua análise de redes de políticas públicas num ambiente complexo onde:
Assim, num ambiente complexo, as redes seriam o resultado da cooperação mais ou
menos estável, não-hierárquica entre as organizações que se conhecem e se
reconhecem, negociam, trocam recursos e partilham, em medida variável, de normas
e interesses. Essas redes, conformadas por laços institucionais, mas também por
relações interpessoais, desempenham um papel importante na elaboração da agenda,
no processo de decisão e na colocação em prática da ação pública. Nas redes, as
19
regras institucionais, os modos operativos que derivam das instituições de que elas
são portadoras estruturam a interação entre os atores de uma política pública. Mais
ou menos abertas, mais ou menos institucionalizadas, mais ou menos integradas, as
redes de política podem tomar forma de redes pontuais laxas ou de comunidades de
política pública fechadas, estáveis e integradas que se constituem numa forma de
coação mais poderosa na definição e implementação de uma política.
Conforme Hassenteufel (1995) apud Grisa (2010, p. 110), o Estado é estudado não
como uma entidade abstrata e/ou monolítica, mas sim como um Estado fragmentado onde
estão presentes vários atores. A autora cita, por exemplo, o estudo de Lamonier (1994) no
Brasil que mostra um conjunto de atores governamentais interferindo na elaboração de
políticas agrícolas, dentre os quais se destacam: o Ministério da Fazenda, o Banco do Brasil, o
Ministério da Agricultura, os governadores e seus secretários de agricultura, fora da esfera do
Estado, cita os médios e grandes produtores e suas associações.
Os variados tipos de redes apresentaria um “continuum” entre dois pólos: as “redes
temáticas” (issue networks) onde o número de participantes é maior, os interesses
representados são diversos, as relações são flutuantes, a hierarquização ausente e as
divergências comuns e as “comunidades de políticas” (policy community) onde tem um
número limitado de atores, cujos alguns são excluídos a priori visando à eliminação de
conflitos entre os grupos, os interesses defendidos geralmente são econômicos ou
profissionais, a hierarquização é importante, as interações são frequentes e impera a
concordância Hassenteufel (1995) apud Romano (2007, p. 111).
O estudo da ação pública dentro da análise de redes recobra principalmente os atores
coletivos e suas alterações. Essa colocação traz três decorrências para o autor francês
Hassenteufel: a primeira é fixar no mesmo plano analítico os atores estatais e não estatais,
fazendo um retorno ao Estado para a abordagem do pluralismo clássico onde é dada
predominância aos grupos de interesses, porém o Estado é visto da mesma forma que os
atores externos, isto é, não como uma entidade abstrata e sim como atores estatais concretos
(ministérios, agências, etc.) que também podem ter objetivos múltiplos e estratégias diferentes
o que faz levar a diferentes conflitos; a segunda decorrência desse estudo da ação pública
dentro da análise de redes sugere alterações no modo de olhar as políticas, focalizando-as da
base (bottom up) e não do alto (top down), para o autor a ação pública não tem mais uma
sequência linear como sugere o policy cycle1, destaca a importância da fase inicial da
implementação (na qual decisões são tomadas e os problemas reformulados) recuperando os
1 Policy cycle corresponde à sequência de fases de uma política pública, onde são observadas as seguintes fases:
percepção e definição de problemas; “agenda-setting”; elaboração de programas e decisão; implementação de
políticas e; avaliação de políticas se necessário correção Frey (2000, p. 229) apud Grisa (2007, p. 111).
20
múltiplos atores pertinentes e suas relações; por último a visão de maior complexidade do
setor público onde várias redes são formadas em diversos setores (por exemplos política
industrial, política agrícola) podendo operar mais de uma rede em cada setor, o Estado tem
uma visão de fragmentação acentuada com suas diferenças inter e intra-setoriais separando as
políticas públicas a partir dos atores Hassenteufel (1995) apud Romano (2007, p. 112).
Dentre os limites gerados em seu modelo Hassenteufel (1995) apud Romano (2007,
p.129) são destacados: que a atenção de redes não seria apropriado para todas as fases da ação
pública, não teria tanta eficiência na fase de introdução na agenda; um segundo limite trata
dos estudos e interações entre os atores que não seria o mais adequado para todas as políticas
públicas, pois organizados de forma débil, ou onde predominam formas de ação simbólicas e
pontuais não seriam de grande eficiência para as ações públicas; por último, o estudo de redes
proporcionaria a tendência a supervalorizar a particularização dos setores, e negligenciar as
interdependências entre os mesmos.
2.2.2 Tipos de redes de políticas públicas de Rhodes
Rhodes (1993) apud Nascimento (2007, p. 51) busca entabular uma tipologia das
redes de políticas públicas apresentando cinco tipos: comunitária; profissional;
intergovernamental; produtiva e; temática. Rhodes aponta tipos de caracterização de acordo
com a representação de uma estrutura de dependência que especifica cada um que podem ser:
a constelação de interesses; a composição; a interdependência vertical; interdependência
horizontal e distribuição de recursos.
A constelação de interesses destaca-se pela importância dos interesses que cada
grupo de ator demonstra, podendo ser representado por interesses econômicos, territorial, por
um grupo de clientes ou um grupo de área de conhecimento. A composição refere-se à origem
dos atores institucionais podendo ser puras ou mistas. Redes puras são quando os atores
surgem de uma mesma seção e as mistas quando a uma espécie de entrelaçamento. Os
segmentos dominantes são: o público, o privado, as elites político-administrativas, os
trabalhadores e os usuários Rhodes (1993) apud Nascimento (2007, p. 52).
Seguindo a estrutura de dependência de Rhodes, na seção que indica o nível de
interdependência entre os atores que operam a política, existe a interdependência vertical e a
horizontal. A interdependência horizontal trata do grau de recursos e meios de agir entre os
atores localizados no mesmo setor da esfera administrativa do Estado. A interdependência
21
vertical trata das relações de nível hierárquico entre os atores na esfera administrativa do
Estado Rhodes (1993) apud Nascimento (2007, p. 53).
Por fim tem a distribuição de recursos que mostra a capacidade de diferentes atores
de controlar os tipos e volumes de recursos. Rhodes nos mostra que é fundamental determina
a variável do volume de recursos, visto que essas variações e sua forma de distribuição entre
os atores determinam os padrões de interdependência vertical e horizontal Rhodes (1993)
apud Nascimento (2007, p. 53).
Recobrando a tipologia sugerida por Rhodes (1993) apud Nascimento (2007, p. 53),
a partir de interesses de nível territorial uma rede pode ser orientada por interesse local,
regional ou nacional como por exemplos políticas de educação ou saúde, tem sua formulação
nacional e possuem participação dos recursos com parcela federais e/ou estaduais, mas são de
implantação local. Essas políticas de interesses nacionais, mas de implantação local, são
chamadas de políticas comunitárias. As redes que fazem parte de seu funcionamento são de
nível local. Definem-se pela estabilidade dos relacionamentos, continuidade ao longo do
tempo, definição clara de público alvo, interdependência vertical elevada com
aperfeiçoamento na oferta de serviços, alto grau de integração vertical e limites à composição,
e à combinação horizontal. Representam-se como redes especializadas e hierarquizadas de
atenção, e via de regra as redes de políticas comunitárias são também redes profissionais.
As redes profissionalizadas segundo Rhodes (1993) apud Nascimento (2007, p. 55)
definem-se pelo destaque de uma categoria profissional que está envolvida na disputa pela
partilha de recursos e pelo comando ideológico dos aparelhos do Estado onde são
hegemônicas. Bom exemplo no Brasil está na saúde pública representada pelo SUS e que tem
forte influência pela corporação médica, em defesa de interesses de sua classe.
É necessário um conceito mais amplo para entender essa disputa. Marques (2000, p
41) vê a comunidade profissional como “um campo associado a práticas profissionais e de
saber através da adesão a associações e organizações concretas, mas também, e
principalmente da comunhão de uma determinada visão de sociedade e de seu objeto de
intervenção”. Então a comunidade profissional não pode ser vista como um ator ou sujeito
político, mas sim como um ambiente de interação de atores concretos (coletivos ou não).
Continuando a tipologia de Rhodes (1993) apud Nascimento (2007, p. 54) temos as
redes intergovernamentais que agrupa e integra atores de nível nacional e local que poderia
ser chamado de “sistema nacional de governo local”. Os atores são reciprocamente
influenciados em um processo de negociação e articulação implicando em que todos os atores
22
locais identifiquem problemas, percepções e proponham suas ideias para o setor de modo que,
isoladamente nenhum ator decida sobre políticas na sua região. Seguindo as normas definidas
nacionalmente para o sistema, essas articulações locais devem segui-las e forma suas opiniões
dentro dos parâmetros definidos nacionalmente. È interessante salientar que uma rede
intergovernamental pode ser submetida a uma corporação profissional, de modo que o sistema
de integração ideológica funcione como sistema ideológico dessa categoria, com outras
palavras, que certa categoria profissional possa influenciar essa rede.
Finalizando temos as redes de produção e temáticas propostas por Rhodes (1993)
apud Nascimento (2007, p. 4). Na primeira predomina o interesse econômico, sua formação é
variável, há dependência do centro para definir os bens e as especialidades necessárias, há
concorrência por recursos públicos e por mercados. A segunda rede caracteriza-se pelo
elevado número de atores e pelo baixo grau de interdependência entre eles que fazem que a
estabilidade e continuidade sejam raras. Para entender melhor essa segunda rede, temos como
exemplo as redes para promoção do esporte, na qual não existe um ator central que possa
adquirir recursos, já que estão envolvidos vários ministérios, secretarias e departamentos.
2.2.3 O modelo de Rhodes e Marsh
Rhodes e Marsh (1995) apud Romano (2007, p. 121) elabora uma nova tipologia, em
que se diferem as “comunidades de política pública” das “redes temáticas” em dois extremos
de um continuum, ou seja, pode-se passar de um para outro de modo contínuo. As
“comunidades de política pública” e as “redes temáticas” podem ser comparadas a correlação
entre governo e grupos de interesse num campo político por serem consideradas categorias
ideais, mas em nenhum campo político essa relação se comporta diretamente como descrita
no tipo.
A “rede temática” traz consigo em sua amplitude o propósito das políticas públicas,
participando um grande número de atores; uma relação que flutua, com entrada de todos os
membros; a falta de um acordo e a existência de um conflito; uma relação que se origina mais
na consulta do que na negociação; relações desiguais de poder onde um grande número de
atores podem ter poucos recursos, poucas possibilidades e algumas alternativas Rhodes e
Marsh (1993) apud Romano (122, p. 122).
23
A “comunidade de política pública” possui a característica de ter um número
delimitado de participantes, com a exclusão deliberada de certos grupos; uma relação
constante e forte entre todos os membros da comunidade; possuem uma conformidade entre
os membros que partilham da mesma ideologia, valores e inclinação concernentes às políticas
públicas; mesma igualdade de poderes (se beneficiam de uma mesma situação onde os
membros acredita estar num jogo de soma positiva); onde a estrutura organizacional seja
hierárquica, de maneira que facilitaria a obediência de seus membros por seus respectivos
chefes Rhodes e Marsh (1993) apud Romano (2007, p. 122).
É importante salientar a evolução dentro de um campo político, com o intuito de
verificar a tendência desse campo e poder identificar quais interesses se transformando em
dominantes Rhodes e Marsh (1993) apud Romano (2007, p. 122).
2.2.4 O modelo de Wilks e Wright
Influenciados pelos trabalhos de Heclo e Wildavsky (1974), o projeto sobre as
relações entre governo e indústria produzidos por Wilks e Wright (1987) apud Romano (2007,
p. 119), “Comparative Government-Industry Relations”, é um desdobramento no campo de
trabalhos relacionados à temática de redes de política.
Vamos evidenciar as três principais diferenças entre o “modelo Wilks e Wright” do
“modelo Rhodes”. Primeiramente, destacando a decomposição das redes de políticas no
campo da política industrial, é sugerido pelo modelo Wilks e Wright que tal decomposição
acontece em todos os setores. A indústria não seria nem monolítica nem homogênea junto
com o governo que também se encontraria fragmentado e diferenciado. Como resultado, para
a compreensão das relações entre governo e indústria, se faz necessário decompor a análise
em redes de política subsetoriais Rhodes e Marsh (1995) apud Romano (2007, p. 120).
A segunda diferença do modelo de Wilks e Wright é o destaque dado às relações
interpessoais como peça central das redes de política, assim para defini-las eles começam por
debater as “redes sociais” Rhodes e Marsh (1995) apud Romano (2007, p. 120).
A terceira diferença alude à definição das redes e das comunidades de política
pública. Wilks e Wright diferenciam três entidades: o “universo político”, a “comunidade de
política pública” e a “rede de ação pública”. Começando pelo “universo político” que engloba
um vasto número de atores ou de atores potenciais que possuem um interesse comum num
amplo campo da política (por exemplo, a indústria) e que são aptos a executar um papel no
24
processo político. Já o termo “comunidade de política pública” é utilizado para um sistema
menos integrado, de nível setorial (setor agroindustrial, por exemplo), aludindo atores que
possuem interesse comum em relação à política setorial e que estão interagindo entre si, de
modo a equilibra e melhorar as relações mútuas através da troca de recursos. Por fim temos o
termo “redes de ação pública”, de nível subsetorial (subsetor agroindustrial, por exemplo),
que é resultado das trocas internas de uma comunidade de política pública ou entre certa
quantidade delas. De acordo com o conceito de Wilks e Wright, uma mesma rede não
depende de todas as questões políticas de um subsetor, assim como as diversas comunidades
de política pública podem desfrutar de diferentes membros de uma mesma rede no interior de
um mesmo “domínio de política” Rhodes e Marsh (1995) apud Romano (2007, p. 121).
Finalizando o modelo “Comparative Government-Industry Relations” de Wilks e
Wright, temos que vários autores (Heclo e Wildavsky, 1974; Richard e Jordan, 1979, Grant et
al, 1989) não concorda com o citado modelo porque consideram as comunidades de políticas
públicas como redes fortemente integradas e não fraca integralmente. Com isso, essa
definição nova de comunidades de política pública é contestado por vários autores tendendo
mas a confundir do que esclarecer Rhodes e Marsh (1995) apud Romano (2007, p. 121).
2.3 CATEGORIZANDO OS ATORES
A categoria dos atores serve para distinguir os que possuem características em
comum daqueles que tem características diferentes. Inicialmente a forma de diferenciar os
tipos de atores é dividi-los em individuais e coletivos. Os atores individuais são pessoas que
agem de forma intencional numa arena política, como por exemplo, os políticos, os
burocratas, os acadêmicos. Os atores coletivos constituem grupos e organizações que atuam
de forma intencional numa arena política, como exemplos de atores coletivos são os partidos
políticos, a burocracia, os movimentos sociais e etc. É importante perceber que os interesses
dos atores são peculiar e pessoal, fato que só o próprio ator entenderia de acordo com o
contexto político e estudo. Com isso pode-se ter numa mesma categoria atores com interesses
diferentes. Secchi (2013, p. 100).
Tratando das categorias de atores, Secchi (2013, p. 101) destaca dez atores divido em
atores governamentais e não governamentais conforme figura abaixo:
25
Figura 1 - Categoria de atores
Fonte: Secchi (2013, 101).
Vamos fazer uma descrição sucinta de cada um os atores com o objetivo de detectar
os padrões de comportamento dos atores que são bastante peculiares dentro de cada arena
política. Está apresentação está associada a um ambiente político democrático.
Os políticos por terem acesso privilegiado na esfera estatal, possui um papel crucial
para apresentar e fazer cumprir a criação de políticas públicas. O papel essencial deles é
primeiramente identificar os problemas públicos e averiguar a melhor política pública para
combatê-los. Segundo Secchi (2013, p. 102), políticos se diferenciam das outras categorias
das seguintes formas: representa o interesse da coletividade, com opinião para defender e agir
interesses de quem representa; tem autoridade de tomada de decisão limitada pela lei e
enquanto durar sua candidatura e; representantes do território são porta-vozes da sociedade e
atuam como homens públicos em funções cerimoniais. Os interesses defendidos pelos
políticos podem ser interesses: próprios; de partidos políticos; de grupos de pressão; de áreas
geográficas ou territórios e; finalmente os da coletividade. No legislativo à tomada de decisão
26
sobre o orçamento feita pelo Executivo e na prioridade sobre os gastos públicos são
responsabilidades dos políticos investidos de cargos legislativos onde são atores favorecidos
pela sua candidatura.
No processo de accountability2, em função da sua „imagem‟ política, citam soluções
para problemas existentes de acordo com seu beneficio eleitoral ou retardam projetos públicos
em épocas de eleição como também procuram afastar a responsabilidade de se em projetos
com baixo desempenho em que ele tenha a „imagem‟ prejudicada Secchi (2013, p. 103).
Imaginando uma estrutura de uma pirâmide, no topo estão os políticos e logo abaixo
deles estão os designados politicamente que podem ser dois tipos: aqueles colocados em
funções de confiança e aqueles colocados em cargos comissionados. Servidores públicos de
carreira, a partir de critérios de confiança, são postos em cargos de chefia, diretoria e
assessoramento sendo compensado com gratificação salarial. Livres de nomeação e
exoneração, os cargos comissionados tem objetivo de passar orientações políticas para o
corpo burocrático, de maneira que a administração pública seja sensível nas escolhas do
eleitorado Secchi (2013, p. 104).
O autor procura explicar que é fundamental o equilíbrio numa campanha eleitoral
vitoriosa entre indicações de caráter técnico e indicações de caráter político para cargos
executivos de primeiro, segundo e terceiro escalões. Existe o risco em que o político arrisca
confiar uma função a um cargo comissionado em que tenha sido desprezada a capacidade
técnica em sua escolha, correndo o risco de um desempenho fraco e prejudicar sua „imagem‟
por falta de capacidade técnica do escolhido Secchi (2013, p. 104).
Logo em seguida temos os burocratas que serão tratados segundo Secchi (2013,
p.105) de acordo com a conotação das ciências políticas, que se trata de um corpo de
funcionários públicos. Possui características inerentes como: emprego estável, de acordo com
a capacidade técnica e experiência possuem esquemas de seleção, mecanismos hierárquicos
de coordenação.
Max Weber estudou bastante o modelo organizacional burocrático, idealizado por
ele, que em busca do bem coletivo e de forma neutra deve ser constituído por pessoas aptas
tecnicamente. No modelo de Max Weber está implícito a discricionariedade no trabalho do
burocrata para que seja evitados a corrupção, favoritismo ou a deturpação dos interesses
coletivos.
2 Remete à obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias
controladoras ou a seus representados.
27
O modelo burocrático weberiano e o modelo gerencial, que prega conceitos de
eficácia e orientação ao cliente/usuário dos serviços públicos, são considerados antitéticos de
acordo com a teoria da administração pública. A discricionariedade é o ponto chave de
distinção dos dois modelos. Enquanto no modelo burocrático weberiano é uma patologia que
deve ser combatida, no modelo gerencial é essencial para aumentar sua eficácia Secchi (2009)
apud Secchi (2013, p. 105).
Em todas as etapas do ciclo de política pública3(policy cycle) a burocracia tem seu
papel de influência mas é na fase da implementação seu papel crucial onde transforma as
orientações políticas em atividades executadas pela administração pública a favor de seus
interesses Secchi (2013, p. 106).
Para Dows (1965) apud Secchi (2013, p. 106) os burocratas são classificados em
cinco categorias de acordo com seus interesses defendidos: alpinistas, que tem seu foco
exclusivo na sua ascensão governamental; conservadores, rígido para mudanças são
defensores do status quo; devotos, leal a alguma causa na política pública ele luta pelo
crescimento desta; defensores (advocates), devotado a uma agência ou organização dentro da
esfera pública ele busca crescimento e prosperidade desta; homens de Estado, fiéis a
sociedade e ao interesse coletivo são honestos em suas ações na esfera pública e
correspondem ao ideal weberiano de funcionário público.
Outro estudo relacionado à burocracia é o de Lipsky (1980) apud Secchi (2013, p.
106 e 107) que surge com o conceito de burocratas de linha de frente ou street level
bureaucrats. É um grupo que tem um nível alto de discricionariedade por formado servidores
burocrático da administração pública. A necessidade de mostrar tal categoria é que nas etapas
de construção de uma política pública pode ser executada diferentemente daquilo que foi
programado devido ao alto grau de liberdade de decisão, onde podem ter uma situação de
total desobediência com a política pública ou de elevada conformidade com tal política
pública.
Logo depois temos os juízes que tem um papel crucial na implementação de uma
política pública, são eles que decidem a interpretação justa ou injusta da aplicação de uma lei.
Para Regonini (2001) apud Secchi (2013, p.108) as políticas públicas que têm mais
decorrência de serem julgadas são: as políticas regulatórias; políticas sociais; políticas
3 Ciclo de políticas públicas é um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política
pública em fases sequenciais e interdependentes que são: identificação do problema, formação da agenda,
formação das alternativas, tomada de decisão, implementação, avaliação e extinção Secchi (2013, p. 43)
28
públicas que se referem, direta ou indiretamente, a liberdades civis ou política, como
liberdade de expressão, etc.
Um contexto interessante são os países que vigora o sistema de Common Law
(sistema anglo-saxão), como os Estados Unidos e a Inglaterra, que normalmente têm uma
menor descrição da norma legal e maior destaque no processo interpretativo. Já no sistema de
Civil Law (sistema romano-germânico), como o Brasil e Espanha, acontece o inverso e a uma
inclinação para a resolução de brechas legais por meio da interpretação jurídica Secchi (2013,
p. 108).
Temos também os grupos de interesse que de acordo com os atores Cotta; Della
Porta e Morlino (2001) apud Secchi (2013, p. 108) os grupos de interesses, também
conhecidos por grupos de pressão, são um grupo de pessoas organizadas voluntariamente que
utiliza recursos para persuadir decisões e políticas públicas. Podem ser formados por
sindicatos, colegiados professionais, associações comerciais, grupos ambientalistas etc.
Os grupos de interesse, no que se trata a efetivação democrática, podem ter duas
óticas: podem ser considerados uma patologia do sistema democrático ou ser percebido com
naturalidade. Como patologia do sistema democrático conseguem corromper a seu interesse
as decisões sobre políticas públicas onde existe uma diferença de recursos entre os grupos
conflitantes que é vista como injusta ou desigual. Do ponto de vista da ótica da naturalidade,
essas diferenças entre os grupos conflitantes são fisiológicos, portanto, uma justa vantagem de
interesses que agregam mais consensos. Os tipos de recursos que os grupos de interesses
podem usar são: os recursos financeiros que possibilitam as estratégias e interesses do grupo;
recursos cognitivos que trata do conhecimento interpretativo ou técnico que se têm sobre
determinado tema e; os recursos organizacionais que tratam da competência de planejamento,
controle e articulação de indivíduos em volta de um interesse em comum Secchi (2013, p.
109).
Outro autor que estudou os grupos de interesse foi Mancur Olson (1999) apud Secchi
(2013, p. 109) que mostra a dificuldade em grupos grandes para coordenar e fazer valer seus
interesses devido a custos elevados na organização de seus membros e/ou a dispersão
territorial, em decorrência disso, grupos menores consegue ordena-se de forma mais eficaz em
busca de seus interesses apresentando baixo custo na organização de seus membros.
Para Secchi (2013, p. 110) os partidos políticos procuram ser o personagem principal
ou influenciar no processo de decisão pública e administração na esfera governamental,
mediante formação e canalização de interesses da sociedade civil, são a principal conexão
entre os interesses da sociedade e o governo. Secchi vê os partidos políticos distintos dos
29
grupos de interesses por três características: possuem influência direta nas decisões
governamentais, seja como aliado ou opositores do governo; avaliam suas forças por meio de
eleições e; são grupos exclusivamente formais que possuem estatuto formalizado e estrutura
organizacional.
Na sociedade existem dois pontos de vista sobre como os partidos políticos atuam.
Uma é a proativa em que os partidos políticos têm função de socialização política de valores,
capaz de persuadir com sua ideologia a construção de consensos. O outro ponto de vista é a
reativa, onde lutam nas políticas governamentais a favor das demandas sociais em que os
partidos políticos são agentes de interesses já cristalizados na sociedade Secchi (2013, p. 111).
Conforme Panebianco apud Secchi (2013, 111), nas democracias ocidentais consta
dois tipos de partidos políticos. Os partidos burocráticos de massa que se definem por estarem
associados à causa de determinadas categorias sociais ou profissionais e o uso de sua
ideologia para persuadir “corações e mentes”, possui uma estrutura organizacional de modo
verticalizada e obtém recursos através de seus filiados. Os partidos profissionais eleitorais que
ao contrário dos partidos burocráticos, buscam defender interesses de diversas categorias e
classes sociais para maximizar sua chance de vitória no período eleitoral, conseguem se
manter através de doações de grupos de interesse.
No Brasil, os grandes partidos brasileiros são considerados tênue, pragmáticos, com
baixo uso da ideologia e com pouca harmonia interna (RODRIGUES, 2002; KINZO, 2004)
apud Secchi (2013, p. 111).
Vamos agora falar dos meios de comunicação que têm seu papel de transmissor de
informações, a mídia é uma categoria de ator expressiva nas democracias atuais. Com a
função também de jornalismo investigativo mostrando desvirtuamentos da administração
pública, a aumento no processo de accountability democrática Secchi (2013, p.112).
Page (1996) apud Secchi (2013, p. 112) reconhece a possibilidade dos meios de
comunicação atuar na opinião pública, por exemplo, quando insistem em mostrar um
problema em que faz contagiar a população como a prostituição infantil.
Alguns estudiosos considera a presença de uma cadeia de determinação entre a
agenda da mídia, a agenda política e a agenda formal (KINGDON, 1984; LIGHT, 1999) apud
Secchi (2013, p. 112).
Essa cadeia pode ter dois sentidos: o primeiro é o modelo de iniciativa externa
(outside initiative model), em que a agenda formal é influenciada pela agenda política, e esta é
influenciada pela agenda da mídia; o segundo é o modelo de mobilização (mobilization
model) onde a agenda formal influencia a agenda política, e esta influencia a agenda da mídia
30
(COBB; ROSS e ROSS, 1976) apud Secchi (2013, p. 112). É importante salientar que no
modelo de mobilização vê-se o poder dos governantes em explorar os meios de comunicação
e expor problemas específicos para a população.
A oportunidade de difundir o poder da voz as mais diversas classes sociais, grupos de
interesse e correntes ideológicas, em contexto, seria o ideal do pluralismo nos meios de
comunicação que varia muito de lugar para lugar. Ideal este não alcançado em alguns
contextos, ocorrendo que o processo de elaboração de políticas públicas tenha influência das
notícias e visões de mundo difundidas pelos meios de comunicação Secchi (2013, p. 113).
Então além de auxiliar como adjunto no processo de elaboração de políticas públicas
a mídia pode atuar também como protagonista. Em prol de um benefício coletivo podem se
torna um importante influenciador de ações individuais Secchi (2013, p. 113).
Conceitualmente, think tanks são organizações de pesquisa e auxílio em políticas
públicas (SOARES, 2009) apud Secchi (2013, p. 113). Eles podem atuar na criação e
disseminação de ideias relevantes para a formulação de políticas públicas (SMITH, 1991)
apud Secchi (2013, p. 114). Os think tanks também fazem advocacy, termo utilizado para
descrever o ato ou processo de defesa de uma causa ou propósito de caráter político fazendo
assim, influenciar a opinião pública quando evidência problemas públicos e mostra soluções
com politicas públicas Secchi (2012) apud Secchi (2013, p. 114).
Nos Estados Unidos os think tanks tem capacidade de induzir os rumos das políticas
públicas e tem como exemplos a RAND Corporation (especialista em política exterior e de
defesa), Urban Institute (políticas urbanas) e etc. Na Europa, os think tanks multiplicam-se
desde o surgimento da União Europeia e tem como exemplos o European Policy Centre, o
Centre for European Reform e o Centre for European Policy Studies. No Brasil temos como
exemplos o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e etc. (SECCHI 2013, p. 114).
É importante mostrar a diferença de um think tanks de um grupo de pesquisa
acadêmica, pois o think tanks tem seu enfoque no aconselhamento do policymaker, ou seja,
transfere conhecimento de efeito imediato nas várias etapas do processo de política pública a
aquele que tem autoridade formal para tomar decisões na esfera governamental que afetam a
sociedade direta ou indiretamente (SECCHI 2013, p. 114).
Os policytakers são conhecidos como os destinatários das políticas públicas, são
indivíduos, grupos e organizações para os quais foi criada a política pública. Geralmente é
classificado como uma categoria passiva de atores, pois recebem mais influência do que
provoca no processo de elaboração de políticas públicas (SECCHI 2013, p. 115).
31
É interessante lembrar, no entanto, que há casos em que os destinatários de políticas
públicas conseguem delinear a opinião pública e organizar os interesses de grupos difusos
Jacobs e Shapiro (1994) apud Secchi (2013, p. 115). Com o acesso fácil a internet, fica mais
visível à atuação dos policymakers como ativistas, mostrando na internet (blogs, websites,
redes sociais) os seus efeitos de articuladores de interesses coletivos, formadores de opinião
para influenciar a opinião pública sobre determinado tema Regonini (2001) apud Secchi
(2013, p. 115).
A situações ainda que os policytakers e policymakers assumem o mesmo personagem
como no caso das políticas constitutivas em que os indivíduos, grupos ou organizações são
convocados para participar da tomada de decisões (como por exemplo, planejamento
orçamentário participativo) Gaetani (2004) apud Secchi (2013, p. 115).
Quando os destinatários das políticas públicas têm seu potencial afetado por questões
geográficas e incapazes de organizar recursos em prol da defesa de seus interesses, as
corporações, grupos de interesse e os meios de comunicação conseguem, comparativamente,
melhor conexão de seus interesses do que a categoria dos destinatários das políticas públicas
Secchi (2013, p. 115).
Vamos citar agora as organizações do terceiro setor que são organizadas em prol da
luta por algum interesse coletivo, essas organizações são privadas sem fins lucrativos. Elas
operam em áreas sociais em que o Estado tem sua ação insuficiente ou inexistente.
Diferenciam-se dos grupos de pressão por associar suas ações na busca de um interesse
coletivo (externo ao grupo), enquanto os grupos de pressão articulam suas ações na busca de
interesse dos próprios membros do grupo Secchi (2013, p. 116).
No campo da gestão de políticas públicas existe uma tendência recente nesse
contexto chamada de governança pública ou public governance em que as organizações do
terceiro setor enquadram-se nesse conjunto de expectativas gerado pela governança pública.
Os autores Kooiman (1993), Richards e Smith (2002) apud Secchi (2013, p. 116) denominam
o termo governança pública como um modelo de interação horizontal entre atores estatais e
não estatais no processo de construção de políticas públicas. Sendo assim as organizações do
terceiro setor são convocadas para participar tanto na tomada de decisão como na
implementação e avaliação de políticas públicas.
Sua contribuição nos processos de tomada de decisão e avaliação das políticas
públicas é o compartilhamento de conhecimentos e frames cognitivos para melhor clareza dos
contornos e obstáculos das políticas públicas. No instante da implementação da política
32
pública, as organizações do terceiro setor recebem recursos públicos e privados e transformam
esses recursos em ações de projetos de caráter social (SECCHI 2013, p. 117).
2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA
Agora vamos relatar nesta seção uma breve história da importância das políticas
públicas para a agricultura brasileira para entender sua trajetória e tratar pontos importantes
visando oferecer uma introdução para a seção seguinte que tratará de uma contextualização do
PAA.
O estudo de políticas públicas teve maior importância na década de 1980 quando
teve uma grande impulsão que para Melo (1999) apud Trevisan e Bellen (2008, p. 531) teve
três motivos principais. O primeiro motivo foi pela mudança na agenda pública. Na década de
1970 a discussão na agenda pública era estruturada com foco no modelo brasileiro de
desenvolvimento, onde o foco era no debate aos impactos redistributivos da ação
governamental e ao projeto de modernização conservadora do regime ditatorial. Questões
centrais nessa agenda de arranjo institucional eram: descentralização, participação,
transparência e redefinição do mix público-privado nas políticas. Essa mudança na agenda foi
uma redescoberta na agenda de pesquisas das políticas municipais.
O segundo motivo foi averiguado que as dificuldades para a execução de políticas
sociais efetivas permaneceram, o que serviu como motor de impulsão para aumentar o
número de estudos sobre políticas.
O terceiro motivo foi a disseminação internacional de reforma do Estado e do
aparelho do Estado nos anos 1980-90, que acarretaram uma multiplicação de estudos de
políticas públicas. Arranjos institucionais passaram a ter maior foco na centralidade da
agenda, visto que questões relativas à eficiência de políticas e programas passaram a ser
objeto de estudo. Sendo assim, na década de 90, houve um direcionamento das políticas e
programas para a sociedade civil Melo (1999) apud Trevisan e Bellen (2008, p. 532).
Estudos empíricos efetuados sobre o tema da questão da produção familiar tiveram
fundamental importância na superação da polêmica de natureza política e ideológica na
produção familiar. Questões sobre a produção e acumulação de capital no crescimento do
capitalismo no campo passam a ter mais enfoque. Sobre este enfoque, compreende-se que os
traços não capitalistas de produção são dominados e explorados no interior do sistema
capitalista (ZANGARO 1998, p. 17).
33
Segundo dados censitários, as autoras Kageyama e Bergamasco (1989) apud Zangaro
(1998, p. 23) notaram que dos 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários recenseados,
3,7 milhões eram de mão-de-obra familiar. Ocupando mais de 150 milhões de hectares que
representa 42,3% da área total, estavam 74% das pessoas ocupadas na agricultura no Brasil.
Assim, pode-se dizer que 70% dos estabelecimentos agrícolas no Brasil pertenciam a esse
grupo de produção familiar denominada agricultura familiar.
Uma questão importante é tratar de que forma essa agricultura familiar foi afetada
pelo processo de modernização.
Segundo Graziano (1983) apud Zangaro (1998, p. 24), essa agricultura familiar não
foi atingida pelo padrão tecnológico difundido, que não foi adequado na época, pois as
próprias características da agricultura familiar não se adequam ao padrão tecnológico
disponível, como a insuficiência de recursos para investimento, necessidade de desenvolver
várias culturas e necessitar de uma mão-de-obra de maior número. Não tinha tecnologia para
se adequar a pequenas quantidades de produção como é no caso da agricultura familiar.
Já para Veiga (1991) apud Zangaro (1998, p. 25) nos países desenvolvidos a
agricultura familiar acabou-se afirmando, onde com a implementação das inovações
tecnológicas o governo introduziu uma política de sustentação de preços para garantir
alimentos e matérias primas a baixos custos, assim, um maior número de produtores
conseguiu garantir uma obtenção de lucro aumentando a concorrência pela aquisição de ativos
fundiários dos que não conseguiram introduzir a inovação em tempo hábil.
Viu-se aqui a importância de uma política pública para defender a agricultura
familiar. Além da questão de não haver um programa de políticas públicas diferenciadas para
as diferentes regiões do Brasil, a lógica que se dava do meio de produção agrícola até na
época de 1990 se dava pelo fordismo. E segundo Leite (2011, p. 62), fundamentada na lógica
fordista, a agricultura tinha um papel importante no desenvolvimento econômico e na
segurança nacional desempenhando funções como liberadora de mão de obra para a indústria,
produtora de alimentos e de matérias-primas baratas, geradora de saldos positivos na balança
comercial por meio do aumento das exportações e fonte geradora de renda para os setores
urbanos e modernos da sociedade. As políticas públicas que visavam ao desenvolvimento do
meio rural, neste contexto, voltavam-se à modernização do latifúndio e centravam-se nas
metas de elevação dos índices de produtividade nas propriedades por meio de pacotes da
revolução verde que refere-se à invenção e disseminação de novas sementes e práticas
agrícolas que permitiram um vasto aumento na produção agrícola em países menos
desenvolvidos durante as décadas de 60 e 70.
34
2.2 CONTEXTUALIZANDO O PAA
Criado pela Lei Nº 10.696, de 2 de Julho de 2003, regulamentado pelo Decreto Nº
4.772 de 2 de Julho de 2003, alterado pelo Decreto Nº 7.775 de 4 de Julho de 2012 foi
instituído o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que integra o Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) que está associado ao Programa Fome Zero. O
Programa Fome Zero possui três níveis de ação: políticas estruturais; políticas específicas e
políticas locais. È na política estrutural que o Programa Fome Zero encontra sua principal
ação, o Programa de Aquisição de Alimentos. Iniciado no governo de Lula, o PAA tem em
vista estruturar ações no âmbito da política agrária e da segurança alimentar, objetivando
concretizar o Projeto Fome Zero.
Um fator que é importante citar que ajudou os beneficiários do PAA foi a Lei Nº
12.512 de 14 de Outubro de 2011 no seu artigo 17 que autoriza o Poder Executivo federal,
estadual, municipal e do Distrito Federal a adquirir alimentos produzidos pelos beneficiários
do PAA dispensando o procedimento licitatório, obedecidas, cumulativamente, as seguintes
exigências: 1) os preços sejam compatíveis com os vigentes no mercado, em âmbito local ou
regional, aferidos e definidos segundo metodologia instituída pelo Grupo Gestor do Programa
de Aquisição de Alimentos (GGPAA) e; 2) seja respeitado o valor máximo anual ou semestral
para aquisições de alimentos, por unidade familiar, cooperativa ou por demais organizações
formais da agricultura familiar, conforme definido em regulamento. E para produtos
agroecológicos ou orgânicos poderão ter um acréscimo de até 30% em relação aos preços
estabelecidos para produtos convencionais, observadas as condições definidas pelo GGPAA.
Com a abertura dessa lei surgiu uma nova modalidade, substituindo a já existente denominada
Aquisição de Alimentos para Atendimento da Alimentação Escolar, a Compra Institucional
que por meio de chamadas públicas as associações ou cooperativas disputam com agricultores
e agricultoras familiares, assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores,
extrativistas, pescadores artesanais, comunidades indígenas, comunidades quilombolas e
demais povos e comunidades tradicionais que possuam Declaração de Aptidão ao Pronaf
(DAP). Tendo preferência os agricultores familiares e produtos com qualidade. A Cooperativa
do Povoado Cruz, estudo de caso deste trabalho, faz uso dessa modalidade que é considerada
recente e que entraremos com mais detalhes no capítulo seguinte.
35
O PAA tem como objetivo principal de garantir a comercialização dos produtos de
origem da agricultura familiar através do estabelecimento dos preços mínimos praticados com
a garantia de compra, ao mesmo tempo formando estoques, de acordo com as concepções da
segurança alimentar.
No Decreto Nº 7.775 de 4 de Julho de 2012 encontra-se as finalidades do PAA que
são as seguintes: a) incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão econômica e
social, com fomento à produção com sustentabilidade, ao processamento, à industrialização
de alimentos e à geração de renda; b) incentivar o consumo e a valorização dos alimentos
produzidos pela agricultura familiar; c) promover o acesso à alimentação, em quantidade,
qualidade e regularidade necessárias, às pessoas em situação de insegurança alimentar e
nutricional, sob a perspectiva do direito humano à alimentação adequada e saudável; d)
promover o abastecimento alimentar por meio de compras governamentais de alimentos,
inclusive para prover a alimentação escolar nos âmbitos municipal, estadual, distrital e
federal, e nas áreas abrangidas por consórcios públicos; e) constituir estoques públicos de
alimentos produzidos por agricultores familiares; f) apoiar a formação de estoques pelas
cooperativas e demais organizações formais da agricultura familiar; g) fortalecer circuitos
locais e regionais e redes de comercialização; h) promover e valorizar a biodiversidade e a
produção orgânica e agroecológica de alimentos, e incentivar hábitos alimentares saudáveis
em nível local e regional e; i) estimular o cooperativismo e o associativismo (Brasil, 2012).
Sendo assim o PAA é um programa que direciona as compras institucionais (feitas
com recursos públicos) aos produtos de origem da agricultura familiar, estabelecia pelo
Pronaf. A aquisição dos produtos pode ser realizada através de cinco modalidades,
apresentadas no quadro a seguir:
Quadro 1 - Modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
Sigla Modalidad
e Ementa
CDS
Compra
com
Doação
Simultânea
Promove a articulação entre a produção da agricultura familiar e
as demandas locais de suplementação alimentar, além do
desenvolvimento da economia local. Para poder participar dessa
modalidade os agricultores familiares devem estar organizados
em cooperativas ou associações. É operacionalizada pela
CONAB com recursos do MDS. O agricultor familiar pode
vender para o PAA até R$ 6.500,00 por ano.
36
CDA
F
Compra
Direta da
Agricultura
Familiar
Permite a compra de produtos específicos definidos pelo
GGPAA para formação de um estoque estratégico de alimentos
inserindo os agricultores familiares no mercado de forma mais
justa, via compra direta de sua produção. Para participar, os
agricultores familiares devem possuir a Declaração de Aptidão
ao Pronaf – DAP e estar organizados, preferencialmente, em
grupos formais (cooperativas e associações) ou informais, mas
também podem participar individualmente. Os estoques são
operacionalizados pelo MAPA, em articulação com o MDA e o
MDS. É operada pela CONAB com recursos do MDS e MDA.
Limite de R$ 8.000,00 por unidade familiar/ano.
AFE
Apoio à
Formação
de Estoques
Foi criada para propiciar aos agricultores familiares
instrumentos de apoio à comercialização de seus produtos,
sustentação de preços e agregação de valor. Trata-se de apoio
financeiro para a constituição de estoques de alimentos por
organizações da agricultura familiar, para posterior
comercialização e devolução de recursos ao Poder Público ou
destinação dos alimentos aos estoques públicos. É operada pela
CONAB com recursos do MDA e MDS. Valor limite para ser
comercializado por ano é R$ 8.000,00.
IPCL
Incentivo à
Produção e
ao
Consumo
de Leite –
PAA Leite
Foi criada para contribuir com o aumento do consumo de leite
pelas famílias que se encontram em situação de insegurança
alimentar e nutricional e também para incentivar a produção
leiteira dos agricultores familiares. É operada pelos Estados da
região Nordeste e Minas Gerais, com recursos do MDS. Para
participar do PAA Leite, o agricultor familiar deve seguir as
seguintes exigências: possuir Declaração de Aptidão ao Pronaf -
DAP, produzir no máximo 150L de leite/dia e ter comprovante
de vacinação dos animais. O produtor pode receber pela venda
de seu produto até R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por semestre,
diferente das demais modalidades nas quais o limite é anual.
CI Compra
Institucional
Destina-se a promover a articulação entre a produção de
agricultores familiares e as demandas das escolas para
atendimento da alimentação escolar. É realizado a compra de
alimentos da agricultura familiar por meio de chamadas
públicas, com seus próprios recursos financeiros, com dispensa
de licitação. Agricultores e agricultoras familiares, assentados
da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas,
pescadores artesanais, comunidades indígenas, comunidades
quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais que
possuam Declaração de Aptidão ao Pronaf - DAP. As
cooperativas e outras organizações que possuam DAP Jurídica
37
também podem vender nesta modalidade, desde que respeitado
o limite por unidade familiar. Cada família pode vender até R$
8.000,00 por ano, independente dos fornecedores participarem
de outras modalidades do PAA e do Programa Nacional de
Alimentação Escolar - PNAE.
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)
A modalidade Compra com Doação Simultânea, operacionalizada pela Conab, tem
novas regras. A partir de agora ocorre uma padronização das operações de compra dos
produtos, maior transparência e agilidade, além da clareza e fácil acesso aos agricultores
familiares.
A institucionalização do PAA é recente, tendo iniciado suas operações em 2003. Por
este motivo impede de tratar o PAA como um programa institucionalizado, uma vez que
modificações e ajustes são realizados a cada ano. Há ainda muitos espaços para estudos sobre
o programa, as novidades que ele traz para o campo das políticas públicas são importantes, e
abre espaço para trabalhos futuros no campo de avaliações mais normativas como também no
sentido de um melhor entendimento nas ações e dinâmicas do Estado.
No próximo capítulo será abordado o estudo de caso da Cooperativa do Povoado
Cruz localizada em Currais Novos/RN, buscando entender os atores existentes naquela região
e entender suas influências, interdependências e importância para a ação do PAA na
cooperativa, assim como também identificar sua rede e as comunidades de políticas públicas
se existentes.
38
3. O CASO DA REDE DA COOPERATIVA POVOADO DA CRUZ / RN
Após analisar a literatura existente que liga a teoria das políticas públicas as redes de
políticas públicas e seus atores, é importante mostrar estudos de casos de redes de políticas
públicas no Brasil. Assim, antes de apresentar o caso da Cooperativa Povoado da Cruz, é
interessante mostrar a interação que os atores possuem no processo de implementação de um
programa em nível nacional e formulação de suas diretrizes ou na identificação de uma rede
local e o papel de cada ator no funcionamento de tal programa que vai ser o caso estudado
aqui neste trabalho.
Um estudo de importância na área de redes de políticas públicas advém de Muller
(2007) apud Grisa (2010, p. 112) que estudou a rede de atores envolvida na implementação do
PAA. A rede foi formada por dezesseis atores tanto da esfera estatal como fora dela. No
âmbito da esfera estatal, demonstrando a fragmentação do Estado, fizeram parte os seguintes
atores: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério Extraordinário de
Segurança Alimentar e Combate a Fome - MESA (atual Ministério do Desenvolvimento
Social – MDS), Ministério da Fazenda e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA) no papel da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Agora no âmbito da
esfera civil fizeram partes os seguintes atores: Conselho Nacional de Segurança Alimentar
(CONSEA), os movimentos sociais (a participação desse grupo foi importante a partir de
2005 na sustentação e ampliação do programa), cooperativas, sindicatos etc. A autora
identificou três comunidades de políticas públicas no interior dessa rede mostrando que nem
todos os atores atuantes na rede possuem as mesmas ideias e opiniões a respeito do programa.
A primeira comunidade é constituída por representantes do MESA, onde tinha em comum a
questão que o PAA deveria incluir qualquer produto da agricultura familiar e não somente a
produção de alimentos. A segunda comunidade, constituído por membros do CONSEA,
objetivava a relação entre a agricultura familiar e segurança alimentar no combate a
insegurança alimentar, sendo o PAA o principal fator estratégico nesse projeto, e ainda tinha a
questão conflitante com a primeira comunidade no quesito se a formação de estoques era
realmente necessária. A terceira comunidade é composta pela CONAB, onde esta tinha mais
contatos com os movimentos sociais e a sociedade civil devido a operacionalizar o programa.
Muller (2007, p. 117) concluiu que a implementação do PAA não resultava da
publicidade atingida pelo Fome Zero e nem da luta dos movimentos sociais para a elaboração
de novas políticas voltadas a agricultura familiar, mas que durante o início do trabalho a
39
autora viu que a publicidade gerada pelo Fome Zero trouxe pressões e complicações para à
equipe organizadora até que o PAA entra-se em operação. A autora também observou que os
movimentos sociais conseguiram colocar em pautas suas reinvindicações graças à
permeabilidade do Estado brasileiro, e isso acontece devido à entrada de novos atores em cada
governo.
3.1 PROCESSO DE FORMAÇÃO DA COOPERATIVA DO POVOADO DA CRUZ
A comunidade do Povoado da Cruz localiza-se a 19 km do município de Currais
Novos, tendo acesso por rodovia a 6 km da BR-226. Currais Novos é um município do estado
do Rio Grande do Norte localizado na região do Seridó.
O projeto iniciou na cozinha da educadora Ana Lúcia, que atualmente ocupa a
posição no conselho fiscal da cooperativa, na qual produzia polpa de frutas no seu próprio
liquidificador, armazenava e vendia em embalagens vazias de margarina, com o intuito de
aumentar sua renda mensal. A aceitação da polpa foi tão grande entre os comerciantes e na
feira pública de Currais Novos que chamou a atenção dos técnicos do Instituto de Assistência
Técnica e Extensão Rural (EMATER) do Rio Grande do Norte que virão um meio de
beneficiar os agricultores produtores de frutas naquela região, contou a atual presidenta
Ivanilda Teófilo.
Em 2002 os técnicos da EMATER iniciaram o projeto para a construção da mini
agroindústria mostrando técnicas de irrigação aos produtores do Povoado da Cruz para melhor
aproveitamento da água do açude público Úrsula Medeiros, que se localiza na comunidade,
visando combater a escassez de recursos hídricos que é típica em todo o município,
apresentando limitações fortes no uso agrícola e também o fornecimento de frutas para a
fabricação das polpas. A partir da mobilização da própria comunidade em 2004 foi construído
uma mini agroindústria, que opera dentro da Cooperativa do Povoado Cruz, com recursos
obtidos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Programa Desenvolvimento
Solidário (PDS) que proporcionou uma reforma do prédio e a compra de uma despolpadeira e
um freezer, através do projeto desenvolvido pela EMATER. Tal projeto pretende aproveitar o
excedente de fruta não comercializada, principalmente, no período de safra quando a oferta se
eleva e o preço cai, para a fabricação de polpa de frutas.
Entrando em funcionamento no começo de 2005, a mini agroindústria foi logo
incluída no PAA, na modalidade compra direta. Desde então vem passando por melhorias
40
tendo recebido em 2005 e 2006 novamente recursos do Programa Desenvolvimento Solidário,
para compra de máquinas e equipamentos e reforma estrutural do prédio.
O outro passo no projeto que durou dois anos e teve muitas exigências foi para
conseguir a certificação do Ministério da Agricultura, que dá ao consumidor a certeza de estar
levando para casa um produto agroecológico, livre de agrotóxicos e com certificado de
qualidade. Feito conseguido em 2010, autorizando a mini agroindústria a obter novos meios
de negócios, como comercializar 10 tipos de produtos e comercializa-los para todo o Brasil e
até exterior.
A mão de obra é de responsabilidade das mulheres dos agricultores e suas filhas que
tratam da limpeza do ambiente e de todo o processo de fabricação das polpas de frutas,
explica Ivanilda. Abaixo o modelo de gestão da Cooperativa do Povoado da Cruz.
Figura 2 - Modelo de Gestão
Fonte: Formulação própria.
No topo da gestão tem-se a diretoria da cooperativa que tem objetivos de fazer
cumprir o plano de trabalho, propor a criação de departamentos, buscar melhorias na
produtividade através de máquinas e equipamentos, criar meios para ampliar suas vendas e
principalmente buscar projetos de capacitação e assistência técnicas as instituições.
Diretoria
Departamento Administrativo
1ª Secretaria
2ª Secretaria
Departamento Financeiro
Tesoureira
Conselho Fiscal
Departamento Produção e
comercialização Coordenador
Demais agricultores produtores
associados a cooperativa
41
Em seguida, tem-se o departamento administrativo que acompanha a participação e a
presença dos sócios, administra a gestão de recursos humanos, marca reuniões de acordo com
o interesse da diretoria e gerencia o almoxarifado da cooperativa. Em segundo lugar, cabe ao
departamento financeiro administra as receitas, realiza pagamentos, apresenta a prestação de
contas, entre outras atribuições. O departamento de produção e comercialização tem por
objetivos: coordenar o recebimento das frutas; gerencia sua produção; fazer a estocagem do
produto final e; gerencia sua comercialização.
Por último, cabe destacar o papel dos agricultores familiares. Segundo a presidente
da cooperativa nunca falta frutas para a produção das polpas, sempre a uma alternância dos
produtores que levam sua produção para a cooperativa por causa do período de safra dos
diversos tipos de frutas.
Palestras e projetos de capacitação e assistência técnicas são auferidos pelo Instituto
Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) unidade de Currais Novos, pelo Centro de Ensino
Superior do Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pela
EMATER que serão tratados com mais detalhes logo mais.
Em suma, é um projeto vitorioso para a agricultura familiar do Rio Grande do Norte
que associa a utilização de políticas públicas, busca de técnicas agrícolas e assistência técnica
pública ativa, organização da produção e cooperação entre os agricultores, efetivando um
processo de desenvolvimento rural graças aos atores envolvidos.
Um fator constatado é a reciprocidade na organização e na realização de trabalhos
coletivos para beneficiar toda a comunidade ou algum agricultor familiar, como aconteceu na
formação de um mutirão para o reparo e ampliação da mini agroindústria e na construção de
barragens subterrâneas, projeto feito pelos técnicos da EMATER, nas propriedades dos
agricultores relata Marcos Sanches, atual Coordenador da Cooperativa.
Entretanto existem alguns problemas que dificulta a expansão da cooperativa, uns já
superados. Antes de entrar em funcionamento a mini agroindústria, parte da produção era
vendida a “atravessadores” que compravam boa parte da produção dos agricultores familiares,
abaixo do preço de mercado, e o restante era vendido em feiras públicas. Problema este
superado graças aos programas governamentais voltados para a agricultura familiar. Mas o
pior dos problemas que atinge vários outros municípios é a da seca contou a ex-presidente da
cooperativa Íris Lucimar, atual tesoureira. Em entrevista concedida pelo Departamento de
Comunicação da UFRN, ela contou que na estiagem de 2013 a produção caiu 91%, recebia
sete toneladas de frutas por semana passando a receber 600 quilos por semana. O maior
produtor da comunidade produzia uma média de 40 caixas de goiabas por dia, na estiagem
42
passou a produzir duas caixas. Com o açude secando, o teor de sal e a poluição aumentam,
acabam matando as plantas e prejudicando a produtividade.
3.2 DESCRIÇÃO DOS ATORES DA REDE PAA DA COOPERATIVA DO POVOADO
DA CRUZ/RN
Agora vamos entrar no objetivo principal deste trabalho, identificar a rede que age
em torno da cooperativa em prol do PAA e consequentemente responder os objetivos
específicos: compreender a interação dos atores envolvidos e averiguar se os atores agem em
prol do PAA e do desenvolvimento rural local.
É importante tratar o Estado na descrição dos atores como um Estado fragmentado
onde estão presentes vários tipos de atores de maneira coloca-los num mesmo plano analítico
os atores estatais e não estatais, conforme Hassenteufel (1995) apud Grisa (2010, p. 110). A
partir desse embasamento teórico, vamos tratar de analisar os diversos atores que agem na
Cooperativa do Povoado da Cruz ligados ao PAA no qual a mesma faz parte.
Podemos destacar que o projeto foi resultado de uma sucessão de fases, que
inicialmente visava o incentivo de produtores da comunidade para o fornecimento de frutas
para a fabricação das polpas através da assistência de técnicas produtivas, reforma estrutural
até a operacionalização e continuidade do projeto. Durante a pesquisa exploratória e
bibliográfica o formato do trabalho foi mudando, trazendo importantes elementos que serão
tratados nessa sessão.
O PAA é um instrumento de política púbica que tem o seu Grupo Gestor (GGPAA)
formado por representantes dos seguintes ministérios: Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS), que coordena o grupo; Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA); Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); Ministério da Fazenda (MF); e Ministério da
Educação (MEC).
43
Figura 3 - Componentes do GGPAA
Fonte: Formulação própria.
O GGPAA te como objetivo principal orientar e acompanhar a execução do PAA,
normatizando-o através de suas resoluções. Dentre os ministérios que fazem parte do GGPAA
vamos nos focar em três que possuem relação com a operacionalização do PAA na
Cooperativa do Povoado da Cruz: o MDS e o MDA que liberam recursos que sustentam o
programa e o MAPA através da CONAB.
O PAA é operacionalizado por estados, Distrito Federal e municípios e, ainda, pela
CONAB, empresa pública vinculada ao MAPA. Para a execução do PAA, a CONAB firma
termo de cooperação com o MDS e com o MDA. O governo através da CONAB, que ganhou
autorização para seu funcionamento através da Lei Nº 8.029 de 1990, pode gerenciar as
políticas agrícolas e de abastecimento, com o intuito de salvaguardar as necessidades básicas
da sociedade, preservando e estimulando os mecanismos de mercado, ou seja, é um meio da
qual dispões o Estado de atuar diretamente na economia.
A Cooperativa do Povoado da Cruz participa de duas modalidades do PAA: a
compra direta da agricultura familiar e a compra institucional. No caso da compra direta da
agricultura familiar, o processo é operacionalizado pela CONAB com recursos do MDS e
MDA, como visto anteriormente. No caso da Compra Institucional, fica responsável o próprio
órgão institucional na elaboração do edital de uma chamada pública, dispensando o processo
licitatório, para aquisição de gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar que
possuem o DAP, respeitando o limite de R$8.000,00 ao ano por família.
Para poderem participar do programa os agricultores familiares devem possuir a
Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP), instrumento que qualifica a família como da
44
agricultura familiar, denominados Beneficiários Fornecedores. Já as cooperativas ou
associações de agricultores, para participarem do PAA, devem deter o DAP Especial Pessoa
Jurídica. Estes documentos devem ser adquiridos com o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), que foi criado pelo Decreto Nº 1.110, de 9 de julho de 1970. O
INCRA é uma autarquia vinculada ao MDA que tem por missão principal promover a reforma
agrária de maneira justa e sistematizada, a médio e longo prazo, manter e gerir o cadastro
nacional de imóveis rurais, administrar terras públicas, além de identificar e registrar,
demarcar e titular terras destinadas a assentamentos e comunidades tradicionais quilombolas.
A inclusão de municípios e estados no PAA fica a cargo dos Estados que firmarem
Termo de Adesão com o MDS através do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (CONSEA) estadual. De natureza consultiva, o CONSEA faz articulação entre
Governo e a sociedade civil para a proposição de ações e programas na área da alimentação e
nutrição regulamentado pelo Decreto Nº6.272, de 23 de novembro de 2007. Assim fica claro a
ação do município na perspectiva de ajudar os agricultores da região com o PAA, trazendo a
chance de aumentar sua renda familiar.
Sob a coordenação da Secretaria do Estado do Trabalho, da Habitação e da
Assistência Social (SETHAS), executada pelo governo do Estado, a cooperativa conseguiu
obter três recursos através do PDS importantes na fase da reforma estrutural e no decorrer da
continuidade do projeto que obteve recursos que chegaram ao patamar de R$ 203.495,95 entre
os anos 2004 e 2006, a fundo perdido, ou seja, que descarta a obrigação da quitação da dívida
por parte dos agricultores familiares. Vejamos os valores dos recursos no quadro abaixo:
Quadro 2 - Recursos do PDS da Cooperativa do Povoado da Cruz
Data de entrada Tipologia Situação
Valor
(R$)
23/07/2004 Produtivo Execução física concluída 49.591,50
05/08/2005 Infra-estrutura Execução física concluída 35.408,45
30/05/2006 Produtivo Execução física concluída 118.496,00
Fonte: www.prodesenvolvimento.rn.gov.br
Vale salientar que o Banco Mundial (BIRD) é o principal investidor do PDS que é
executado pelo SETHAS, onde o BIRD fica responsável por 75% do valor do empréstimo, o
Governo do RN por 15% e a comunidade garante 10% basicamente com mão de obra. A
primeira fase do programa que teve início em 2003 até 2007 alcançou a implantação de 1.890
45
subprojetos totalizando R$ 63.902.67,56. A segunda fase do programa que teve início em
2008 contará com 22,5 milhões de dólares do BIRD, e mais 7,5 milhões de dólares do
Governo do RN e das comunidades totalizando 30 milhões de dólares. Existe uma auditoria
externa contratada pelo BIRD, além da prestação de contas que todo projeto público exige.
Diante do exposto, fica evidente a atuação do Estado através do PDS que traz como
objetivos a construção do desenvolvimento local impactando na redução da pobreza local
beneficiando comunidades pobres do meio rural constituídas de pequenos produtores rurais e
que deve seguir um conjunto de princípios, dentre os quais: a existência de um problema
comum; a participação de pessoas diretamente interessadas em todo o processo; a existência
de organizações com legitimidade; a existência de assistência técnica e gerencial capacitada e
comprometida com os problemas vividos pelo grupo social; a efetiva presença do Estado
como instância de financiamento, regulação, supervisão e apoio técnico às organizações e
profissionais locais responsáveis pela elaboração do projeto; a integração das finanças, das
instituições e das pessoas em torno de um objetivo claro; o controle social e o envolvimento
das comunidades nas várias etapas do projeto; o potencial pedagógico que pode ser
desenvolvido e intercambiado transformando-se num valioso instrumento de capacitação e de
consolidação dos empreendimentos no âmbito local e; o planejamento do desenvolvimento
local.
A cooperativa também obteve recursos do MCT para seu projeto inicial da mini
agroindústria. O MCT foi criado pelo Decreto 91.146, em 15 de março de 1985. Tem como
uma das funções acompanhar a Política Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e
Inovação que tem como objetivo coordena estudos que subsidiam a formulação de política de
estímulo à competitividade do setor empresarial brasileiro
A UFRN do CERES companha de perto os produtores do Povoado da Cruz através
de uma incubadora. A universidade trabalha a questão da gestão administrativa no campo
promovendo desenvolvimento e melhoria dos processos utilizados no campo. Formado por
alunos e professores da UFRN do CERES, a Incubadora de Projetos em Economia Solidária é
uma atividade de extensão que também procura as dificuldades e necessidades dos produtores
da região do Sérido para que possa atuar junto ao governo na busca por políticas públicas
direcionadas aos produtores da região. Uma necessidade identificada pela incubadora foi a de
atuar junto aos filhos dos produtores a questão ambiental por meio de oficinas de reciclagem
de garrafas pet nas escolas.
A IFRN da unidade de Curais Novos também tem trabalhado no desenvolvimento
junto aos agricultores familiares associados à cooperativa. O Projeto de Extensão de Boas
46
Práticas Agrícolas, coordenado por um professor do IFRN, tem trabalhado no
desenvolvimento de práticas de produção agroindustrial familiar. Com aulas educativas,
visam às fases de produção, colheita e pós-colheita de frutos junto aos agricultores familiares
associados com o intuito da sustentabilidade, lucratividade e a qualidade dos produtos que
têm gerado interesse por parte dos agricultores familiares.
A EMATER/RN foi um dos principais senão o principal ator na implementação do
projeto da mini agroindústria da Cooperativa do Povoado da Cruz. Com o auxilio de técnicos,
ela presta assistência técnica mensalmente e regularmente beneficiando diretamente os
agricultores familiares. Elabora projetos como o de barragens subterrâneas para a irrigação e
até ministra palestras dentro da cooperativa, para os agricultores familiares associados,
mostrando técnicas produtivas que podem ser usadas no campo para eliminação de pragas a
baixo custo, além de outros temas, como já foi realizado.
Segundo relata Marcos Sanches, existe um pequeno grupo de revendedores, que
mensalmente compram parte da produção de polpa, aproximadamente cerca de 600 kg ao
todo, onde são comercializados nos pequenos, médios e grandes mercados de Natal e
principalmente em outros municípios. Os agricultores não reclamam dos preços que os
revendedores compram as polpas e até ajuda principalmente no período de recesso escolar,
onde escoa boa parte da produção. Portanto, é necessário planejar o cultivo de forma eficiente,
sempre garantindo uma produção contínua de polpa de frutas.
Vamos tratar agora dos órgãos estaduais e municipais, constituídos principalmente
por escolas e creches, que firmam convênios com a cooperativa através da modalidade
Compras Institucional do PAA. Atualmente até dezembro de 2014 estão conveniados sete
atores que firmaram um convênio com a cooperativa de comprarem 770 kg por mês, segundo
relata Marcos Sanches. As instituições municipais inter-relacionam-se com a cooperativa
através das “chamadas públicas” para que seja realizado um convênio firmando a entrega da
polpa de fruta, de acordo com a quantidade estabelecida no contrato.
É importante tratarmos também dos agricultores familiares residentes na
comunidade. Durante a pesquisa exploratória, foi relatado por Marcos Sanches a assistência
que um agricultor dá ao outro na comunidade, essa assistência é, por exemplo, quando um
agricultor precisa construir um celeiro para guarda suas máquinas e equipamentos usados na
agricultura.. A ajuda reciproca entre os agricultores na comunidade é um ato de expressar
gratidão e demonstrar a amizade, desprovidas de interesse de troca ou monetário. Este
conjunto de atores fará parte Comunidade A e vai ser tratado como uma “comunidade de
política pública”, segundo a teoria de Rhodes e Marsh (1993) apud Romano (2007, p. 122),
47
por se beneficiarem de uma mesma situação, possuírem uma conformidade de interesses e
ainda uma mesma igualdade de poderes.
3.3 RESULTADOS E BREVE DISCUSSÃO DA REDE PAA DA COOPERATIVA DO
POVOADO DA CRUZ / RN
Em síntese, a comunidade A será aqui tratada como um ator distinto e o único não
governamental, sendo assim foram descritos 17 atores, sendo uma comunidade.
Podemos abordar a teoria de Rhodes e Marsh apud Romano (2007, p. 122) de
“comunidade de política pública” na comunidade A. Por possuir uma relação constante e forte
entre os membros, os membros terem uma mesma ideologia e mesma igualdade de poderes
onde acredita está num jogo de soma positiva. Sendo assim, podemos classificar a
Comunidade A, composta por agricultores familiares associados à Cooperativa do Povoado da
Cruz, como uma “comunidade de política pública” segundo Rhodes e Marsh.
Recobrando a tipologia de redes de políticas públicas sugerida por Rhodes (1993)
apud Nascimento (2007, p. 53) de uma política de interesse nacional com implantação local,
podemos assim classificar o tipo de rede aqui estudada como chamada de “política
comunitária”.
Segundo o embasamento teórico de Hassenteufel (1995) apud Romano (2007, p.
110) que descreve o resultado da cooperação de atores que se conhecem e se reconhecem,
trocam recursos e partilham informações para a colaboração de uma ação pública. Assim,
partindo da descrição dos atores envolvidos na rede PAA da Cooperativa do Povoado da
Cruz, identifica-se claramente a funcionalidade de cada ator em prol do programa, que direta
ou indiretamente ajudou na implantação e operacionalização do programa na comunidade, e
que coopera no seu funcionamento, auferindo um desenvolvimento rural da comunidade.
De posse do que foi apresentado, percebe-se uma clara aplicação da teoria de
Hassenteufel. Segundo o autor, as redes de políticas seriam uma categoria geral que permite
englobar os principais paradigmas de políticas públicas. Ora, a grande variedade de atores na
atuação do programa local nos mostra isso, como por exemplo, a atuação do BIRD, órgão
estrangeiro, como principal investidor num programa estadual como o PDS, que opera onde a
atuação municipal é relativamente fraca, no quesito de políticas voltadas para o
desenvolvimento rural.
48
Continuando a teoria de Hassenteufel, ele aborda três decorrências da análise de
redes que foi retratado nesse estudo de caso: fixar num mesmo plano analítico os atores
estatais e não estatais; olhar a política pública focalizando-a da base (bottom up) e não do topo
(top down) e; uma maior complexidade do serviço público, onde várias redes são formadas
em diversos setores. Em primeiro lugar, no estudo da rede PAA da Cooperativa do Povoado
da Cruz, os diversos atores estatais e não estatais tratados aqui foram postos num mesmo
plano analítico, pois possuem atuações distintas, de modo que um não pode proibir a atuação
do outro. Em segundo lugar, foi evidente o foco da política pública visando os agricultores
familiares, pois foi analisado inicialmente que a partir da produção da polpa de frutas que fez
sucesso na região, foi implantado um projeto de uma mini agroindústria que prosperou
beneficiando diversas famílias. E por último, a atuação de várias redes em diversos setores, o
que não impede a cooperativa de participar de outros programas, como o caso do PNAE que a
cooperativa também faz parte, na qual poderia ser analisada em outro trabalho a rede e os
atores atuantes nesse programa governamental.
É visto também, segundo Kenis e Scheneider, Le Galés, que as mudanças ocorridas
no setor estatal favoreceram a descentralização e fragmentação do Estado, auferindo uma
multiplicação de atores organizados na vida política e social. Analisando os atores envolvidos
na Cooperativa do Povoado da Cruz, fica clara essa teoria onde diversos atores estatais e
sociais atuam de forma distinta, como por exemplo a atuação dos agricultores familiares
associados a cooperativa, que por terem interesses em comum, constituem um ator não
governamental.
Será mostrado na figura a seguir, somente para questão de visualização, a posição
que cada ator ocupa numa estrutura de rede.
49
Figura 4 - Estrutura da Rede PAA da Cooperativa do Povoado da Cruz
Fonte: Elaborada pelo próprio autor.
As linhas mostram as relações de interdependência entre os atores. Vale ressaltar que
o município possui relação indireta com a cooperativa na manutenção de estradas e etc, não
possuindo relação direta com o programa PAA, pois as instituições que fazem parte do
município e que participam do PAA foram isoladas.
É importante levar em conta um dos objetivos alcançado do PDS, que é o
intercâmbio pedagógico transformando-se num valioso instrumento de capacitação. No dia 1º
de abril de 2011 foi realizado um intercâmbio com mulheres artesãs que fabricam e
comercializam doces de frutas do município do São Gonçalo do Amarante, parceria entre a
EMATER local e da Secretaria Municipal de Agricultura. A visita foi realizada com o intuito
de proporcionar um aprendizado pedagógico e de mostrar o funcionamento de uma mini
agroindústria, já que também elas foram comtempladas com o PDS e futuramente se
responsabilizaram com a operacionalização de uma mini agroindústria.
Apesar da Comunidade Povoada da Cruz constituir um importante polo local para as
comunidades circunvizinhas, a vasta extensão de terra não possibilitou o uso em outras
atividades como a agropecuária. A área composta pela agricultura é principalmente
constituída por pequenas propriedades impossibilitando o plantio em grandes proporções. No
que se refere a políticas públicas no município, observou-se que não existem políticas
específicas para o desenvolvimento rural. A prefeitura conta com a EMATER que é
responsável para apoiar os agricultores da região, e outros órgãos públicos federais e estaduais
50
para apoiar os agricultores. Sendo assim o município auxilia esses agricultores na manutenção
das estradas, disponibilização de transporte para as crianças estudarem, etc.
A prefeitura municipal possui uma postura reativa, esperando ações e mobilizações
do poder público para desenvolver atividades nos municípios, esquecendo-se da necessidade
de criar condições para o desenvolvimento dos agricultores familiares.
51
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro da realidade econômica da sociedade atual, torna-se difícil visualizar uma
estrutura de rede formada por atores que se conhecem e se reconhecem com o intuito final de
cooperar e partilhar informações para a colaboração de uma política pública, princípios estes
observados por Hassenteufel. Mas, na comunidade em destaque nesse artigo, estes princípios
são vivenciados dentro do contexto do programa do PAA.
O presente estudo de caso da Cooperativa do Povoado da Cruz possibilitou
relacionar aspectos teóricos com a prática. Com base em Hassenteufel, o envolvimento e a
interação de diversos atores viabilizaram a experiência bem sucedida na agricultura familiar
do Rio Grande do Norte graças ao PDS e o MCT que possibilitaram investimentos na
infraestrutura e na compra de máquinas e equipamentos para a cooperativa.
Percebe-se ainda que a grande fragmentação do Estado trabalhado por Kenis e
Scheneider, Le Galés e Hassenteufel proporcionou uma ampliação de oportunidades para o
desenvolvimento rural da região, pois atores como a UFRN, IFRN, EMATER possibilitam
apoio aos agricultores familiares auxiliando o desenvolvimento local através de aulas
pedagógicas, assistência técnicas e ainda auxilio na gestão administrativa. De maneira geral, a
existência desses atores, contribuiu para a disseminação de informações e conhecimento na
cooperativa e seus agricultores familiares associados.
As perspectivas teóricas de Kenis e Scheneider também podem ser encontradas nesse
estudo de caso. Nesse âmbito, os autores explicam a organização econômica através de redes
de relações entre atores abordando várias justificativas, dentro delas a transnacionalização das
políticas públicas. É claramente evidenciada essa transnacionalização de políticas públicas
através da atuação do BIRD em um programa estadual. Como principal investidor, o BIRD
coopera no desenvolvimento rural da região, com o propósito de erradicar a pobreza rural no
Brasil.
A discussão que se deu na sociedade foi amadurecendo e, devido à fragmentação do
Estado, atualmente encontra-se diversos atores que lutam para conseguir efetivar em ações as
políticas públicas criadas. A interação dos atores da sociedade civil e do governo é
importante, no sentido de permitir que haja uma melhoria nas políticas públicas em torno dos
problemas sociais.
No que diz respeito ao objetivo inicial deste trabalho, identificar a rede envolvida do
PAA na Cooperativa do Povoado da Cruz, este trabalho traz contribuições para a
52
consolidação do tema de pesquisa dentro da área de políticas públicas. Porém, existe ainda um
campo aberto para estudos nesse âmbito que podem mostrar as relações e funcionamentos do
aparelho estatal e das próprias organizações que precisam de apoio externo, pois são carentes
de uma política loca.
Outro importante resultado deste trabalho foi a compreensão da interação dos atores
e averiguar se os atores agem em prol do PAA e do desenvolvimento rural local. Usando a
abordagem de Hassenteufel de fixar no mesmo plano analítico os atores estatais e não estatais,
viu-se um resultado bastante útil no estudo da problemática de políticas públicas para a
agricultura familiar pelo fato da fácil identificação da função e objetivos de cada ator.
Diante do exposto neste trabalho, conclui-se que podem ser encontradas formas de
organização através das redes nos princípios levantados por Hassenteufel, dentro de uma
realidade econômica por trás de um programa governamental implantado numa cooperativa
local.
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