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UNIVERSIDADE GAMA FILHO
ANA CRISTINA SILVA IATAROLA
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Princípio norteador de justiça tributária e sua limitação pelos direitos
fundamentais: mínimo existencial versus não confisco tributário
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Área de Concentração:
Direito, Estado e Cidadania
Rio de Janeiro 2005
2
UNIVERSIDADE GAMA FILHO
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Princípio norteador de justiça tributária e sua limitação pelos direitos
fundamentais: mínimo existencial versus não confisco tributário
ANA CRISTINA SILVA IATAROLA
Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade Gama Filho como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Lobo Torres.
Agosto/2005
3
Dedico este trabalho a minha pequena Victória Maria pelas horas em que lhe privei do meu convívio e de nossas brincadeiras, pelas incansáveis perguntas sobre quem é essa “tal de Justiça”, o que era “Tributo” e de quando eu terminaria, na esperança de um mundo melhor. E por colorir a minha vida. Ao Marco, meu grande amor, por sua paciência e por seu apoio incondicional nesta jornada em busca do conhecimento. Aos meus pais, exemplo de vida, de fé e de otimismo, e por serem simplesmente perfeitos dentro de suas limitações humanas.
4
Agradeço ao Prof. Dr. Ricardo Lobo Torres, por ter compartilhado seu conhecimento, por seu empenho e preciosas orientações, por ter aberto caminhos para serem trilhados e por sua dedicação e talento como mestre. Aos professores do Mestrado da Universidade Gama Filho, em especial ao Prof. Dr. José Ribas Vieira e ao Prof. Dr. Francisco Mauro Dias, pelos incentivos na busca pelo conhecimento. Débora, por sua amizade, gentileza e por sua certeza de que chegaríamos ao fim.
5
“Nada mostra mais claramente o caráter de uma sociedade e de uma civilização do que a política fiscal que o seu setor público adota.”
Schumpeter
6
RESUMO
O princípio da capacidade contributiva tem origens no ideal de justiça fiscal, para o qual deve haver uma distribuição eqüitativa, justa e adequada da carga tributária entre os membros da sociedade. Cada pessoa deve contribuir para as despesas do Estado na proporção de sua capacidade contributiva, de forma que o ônus tributário suportado guarde relação com sua capacidade econômica, assegurando a não tributação do mínimo existencial, protegendo o cidadão contra o excesso da exigência tributária que possa ter o efeito de confisco. Assim, para que a atividade tributária atenda aos interesses da coletividade e respeite os direitos fundamentais aclamados constitucionalmente, deve pautar-se dentro dos parâmetros de razoabilidade, observando o limite mínimo e máximo dessa atividade. O princípio da capacidade contributiva está inserido no artigo 145, § 1º de nossa atual Constituição. É um princípio constitucional expresso, consagrado como critério de justiça distributiva, uma vez que propaga a tese igualitária da distribuição da carga tributária. Tem alcance amplo e se traduz num instrumento eficaz na concretização de uma tributação ideal, exprimindo a finalidade de justiça fiscal visada em nossa Carta Política. Reúne em sua observância os direitos fundamentais da limitação do poder de tributar, evitando que a tributação possa cercear os direitos constitucionalmente consagrados.
Palavras Chaves: Capacidade; justiça; mínimo-existencial; confisco.
7
ABSTRACT
The contributing capacity principle relies on the fiscal justice ideal, based on a balanced, fair and adequate taxation charge system for the various elements of society. Every citizen should contribute for the state’s general obligations and expenses, so that the taxation system keeps a closer relationship to every individual’s economic condition, assuring no taxation on the minimum living possessions and activities, thus protecting all citizen against over taxation that characterizes a confiscation act. Therefore, in order that the taxation government activity can meet the legal interests of community and show respect to its constitutionally recognized fundamental rights, it must be established within reasonability parameters, regarding both upper and lower limits for these taxation activities.The contributing capacity principle is established by the 145 article, § 1st of our present State Constitution as a clear explicit constitutional principle, assumed to be the main distributive justice criteria, considering that it carries the idea (thesis) of a balanced taxation charge policy. It has a wide approach and reveals to be efficient for an ideal taxation system achievement, expressing the real targets of fiscal justice as stated in our constitution. It includes in its observance, the fundamental rights associated to the taxation activity limitations, thus avoiding constitutional universal rights constraints.
Key words: Capacity contributive; justice; minimum living; confiscation.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................09 CAPÍTULO I - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES . Seção I – ASPECTOS GERAIS .............................................................................14 . Seção II- A TRIBUTAÇÃO CONTEMPORÂNEA .................................................18 II.1- Pós- positivismo ......................................................................................19 II.2- Dogmática Principialista .........................................................................21 III.3- Pós-positivismo e tributação ...............................................................24 . Seção III – JUSTIÇA TRIBUTÁRIA .........................................................................28 CAPÍTULO II - O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, PRINCÍPIO NORTEADOR DE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA . Seção I – ESCORÇO HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .........................................................................................................38
I.1- Origem e Histórico ...................................................................................38 I.2- O seu tratamento nas Constituições Brasileiras ..................................42
. Seção II- ESTUDO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ........................................44 II.1 Conceito de Capacidade Contributiva ....................................................44 II.2- Capacidade Contributiva x Capacidade Econômica ............................51
II.3- Princípio da Capacidade Contributiva na Constituição Federal de 1988...................................................................................................................54
II.3.1- SENTIDO DA EXPRESSÃO “SEMPRE QUE POSSÍVEL” ....................55
II.3.2- SENTIDO DA EXPRESSÃO “CARÁTER PESSOAL” ............................59
II.3.3- SENTIDO DA FRASE “FACULTADO À ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, ESPECIALMENTE PARA CONFERIR EFETIVIDADE A ESSES OBJETIVOS, IDENTIFICAR, RESPEITADOS OS DIREITOS INDIVIDUAIS E NOS TERMOS DA LEI, O PATRIMÔNIO, OS RENDIMENTOS E AS ATIVIDADES ECONÔMICAS DO CONTRIBUINTE”. ......................................61
II.4- O Princípio Da Capacidade Contributiva no Direito Comparado........64 . Seção III- APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.......70 III.1- Os Impostos e a Capacidade Contributiva ..........................................70 III.1.1- IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÔNIO ..................................................71
III.1.2- IMPOSTOS INDIRETOS........................................................................74
III.2- Os Tributos Vinculados e a Capacidade Contributiva .......................77 III.2.1- CONTRIBUIÇÕES E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .........................79
9
III.2.2- CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA E A CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA................................................................................................82
III.2.3- TAXAS E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ...........................................83
III.3- Tributos Extrafiscais .............................................................................86 . Seção IV- OS SUBPRINCÍPIOS: PROGRESSIVIDADE, SELETIVIDADE E PROPORCIONALIDADE ............................................................................................89 Iv.1- Progressividade .....................................................................................89 Iv.2- Seletividade ............................................................................................95 Iv.3- Proprocionalidade ................................................................................97 CAPÍTULO III - A LIMITAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................................................................................100 . Seção I- O MÍNIMO EXISTENCIAL .......................................................................104 I.1- Mínimo existencial no Brasil ..............................................................106 I.2- Os fundamentos da proteção ao mínimo existencial .........................110
I.2.1- FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA LIBERDADE ...............................111
I.2.2- FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL.........113
I.2.3-FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA (IN)CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA.............................................................................................114
. Seção II- O NÃO CONFISCO TRIBUTÁRIO ........................................................117 II.1- Conceito de confisco ..........................................................................118 II.2- Efeito de confisco ................................................................................121
II.2.1- EFEITO DE CONFISCO E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ............................................................................................127
. Seção III- A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A CARGA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA ............................................................................................................129 CONCLUSÃO ...........................................................................................................135 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................141 ANEXOS ...................................................................................................................147
9
INTRODUÇÃO
Em nenhuma outra época vivemos problemas tão gigantescos e
numerosos com evidência para o aumento das desigualdades sócio-econômicas
culminando com o desrespeito aos direitos fundamentais que comprometem a
democracia e a paz.
Devido ao aumento crônico dos déficits públicos, pela maciça expansão
da despesa pública provocada pela máquina administrativa ineficiente e onerosa das
políticas econômicas mal sucedidas, pela incapacidade de diminuição de gastos
públicos e também pela corrupção, temos presenciado a constante necessidade de
o Estado aumentar o volume da arrecadação tributária; sendo que o poder tributário,
muitas vezes, é exercido com inobservância dos princípios invocados por nossa
Constituição.
O poder de tributar é um dos mais fortes poderes do Estado. É um
importante instrumento de política pública e está no centro das atenções e revoltas
políticas, econômicas e sociais. Há outras formas de custeio do Estado, mas a
atividade tributária é uma das principais e a mais adequada em termos de
sustentabilidade a longo prazo, desde que desenvolvida dentro dos parâmetros que
nossa Carta Constitucional traçou; pois a necessidade financeira do Estado não
permite uma distribuição arbitrária dos tributos entre os cidadãos, sendo necessário
que seja exercida de uma maneira justa e adequada, para a obtenção de uma
estrutura tributária ideal.
O dever de contribuir é um pressuposto à existência do Estado, uma vez
que é da atividade tributária que se tem maior quantitativo de receitas para custear a
máquina estatal, sendo também um instrumento de transformação da sociedade e
um elemento contribuidor para o fortalecimento dos princípios democráticos. Assim,
10
é necessário que haja uma relação juridicamente determinada entre o dever de
contribuir e os direitos de quem suportará o ônus tributário, pois sem essa
conformação não há como falar em Estado Democrático de Direito.
É uma tendência da doutrina contemporânea a vinculação entre a
atividade tributária e os direitos fundamentais, onde a proteção desses direitos é um
fator essencial para a solidificação de um Estado Democrático de Direito. E nesta
visão contemporânea, temos que a tributação existe como forma de realização da
justiça social, com o propósito de se alcançar uma vida digna para todos; sendo os
direitos dos contribuintes construídos a partir dos direitos de liberdade e de
propriedade.
Como a tributação hodierna envolve questões de uma sociedade
pluralista, desigual e injusta, deve-se buscar justiça na tributação, sendo necessária
a definição de um sistema tributário igualitário; de modo que o Estado ao exercer a
atividade tributária distribua de forma equânime a carga tributária entre os membros
da sociedade, para que os cidadãos contribuintes paguem tributos proporcionais e
razoáveis em conformidade com a sua capacidade contributiva.
Sendo o princípio da capacidade contributiva o mais importante princípio
de justiça tributária, este é imprescindível para o exercício dos outros direitos
assegurados na Carta Magna, uma vez que possui grande relevância na
compreensão da igualdade na tributação, na afirmação da cidadania e na redução
das desigualdades sociais.
O princípio da incidência segundo a capacidade contributiva é de
verificação bastante complexa, e enquanto princípio geral de direito tributário
encontra-se limitado pelos direitos de liberdade. As limitações constitucionais desse
princípio podem ser analisadas sob dois aspectos: um quantitativo e outro
11
qualitativo. O quantitativo protege o cidadão contra o excesso de tributação e do
desrespeito ao mínimo necessário à sobrevivência digna; o aspecto qualitativo
garante o contribuinte contra as discriminações arbitrárias e os privilégios odiosos
concedidos a terceiros e também pelas imunidades subjetivas previstas no texto
constitucional1.
O presente trabalho tem a pretensão de estudar o princípio da capacidade
contributiva, princípio mais importante de justiça tributária, a sua origem, evolução
histórica através dos tempos, sua inserção em nosso atual ordenamento jurídico
constitucional, sua aplicação e a sua limitação sob o aspecto quantitativo pelos
direitos fundamentais. Para isto, primeiramente, foi necessário traçar o cenário
constitucional em que nosso estudo se acha encartado, o que foi feito no primeiro
capítulo, onde analisamos a tributação contemporânea, sob uma dogmática
principialista, onde os princípios passaram a ocupar o coração das Constituições
modernas.
No segundo capítulo, tratamos do estudo do princípio da capacidade
contributiva, seu histórico, conceituação e também como a norma constitucional
acolheu este princípio, procuramos distinguir as expressões relacionadas à
capacidade contributiva e o sentido das expressões “sempre que possível” e “caráter
pessoal” dadas por nosso texto constitucional.
Foi feito um balanço doutrinário e jurisprudencial no direito pátrio e
também no direito comparado, uma vez que, atualmente, é raro um texto
constitucional que não exige, expressa ou implicitamente, que os cidadãos
contribuam para o custeio das necessidades do Estado segundo a sua capacidade
contributiva. Uma vez que é universal a consciência desse princípio como norma de 1 TORRES, Ricardo Lobo. A legitimação da capacidade contributiva e dos direitos fundamentais do contribuinte. In SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário - homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, V.I, 2003, p. 435.
12
justiça, este é um critério impossível de ser desprezado na busca por uma tributação
justa. Para perquirir este estudo, utilizamos a metodologia de revisão bibliográfica,
fazendo um estudo descritivo-analítico das questões, elaborando análise de
conteúdos e confrontação das correntes doutrinárias e jurisprudenciais pertinentes
ao tema.
Sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva, analisamos a
aplicação às diversas espécies tributárias, no sentido de verificar se em todas elas
este princípio se faz presente, uma vez que as posições doutrinárias são
divergentes.
Para bem expor o princípio da capacidade contributiva,foi necessário
também, tratar de seus subprincípios, pois o estudo da capacidade contributiva
obrigatoriamente passa pela análise dos princípios da progressividade, da
seletividade e da proporcionalidade.
No último capítulo, ponto central do trabalho, centramos a pesquisa no
estudo da limitação deste princípio norteador de justiça tributária pelos direitos
fundamentais, uma vez que estes direitos são constantemente questionados diante
do poder de tributar. Na análise da limitação, examinamos o relacionamento entre
este princípio e os direitos fundamentais sob o aspecto quantitativo, traduzidos na
imunidade do mínimo existencial e na vedação dos tributos com efeito de confisco,
posto que estes assumem a característica de mandamentos limitadores do princípio
da capacidade contributiva, e são garantias constitucionais do contribuinte
decorrentes dos direitos fundamentais.
Assim, procuramos estabelecer o limite vertical da capacidade
contributiva, onde está somente terá início após a dedução dos gastos necessários
ao mínimo vital e como não é possível mensurar onde esta capacidade termina,
13
analisamos o princípio da vedação de tributos com efeito de confisco como seu limite
superior.
No final do último capítulo analisamos a carga tributária brasileira e como
o nosso sistema tributário vem sendo exercido; nessa seção fizemos uma
comparação entre a tributação de nosso país e a dos países desenvolvidos em
termos de carga tributária, no sentido de verificar se nosso país vem obedecendo o
princípio constitucional da tributação em conformidade com a capacidade
contributiva.
Sendo esse princípio um dos pilares da justiça fiscal, um princípio que
busca uma justa tributação pelo seu conteúdo igualitário, temos que este colabora
para o exercício da cidadania, para a constituição da democracia e para a
implantação de uma sociedade livre e justa. Assim, a importância deste tema vem da
necessidade latente de se alcançar uma estrutura tributária ideal, sob o ponto de
vista da igualdade, da equidade e da justiça em termos fiscais, assegurando o
exercício dos direitos fundamentais consagrados por nossa Carta Magna.
O assunto é bastante árido e pluridimensional, embora se torne
apaixonante à medida que se avança na pesquisa. Evidentemente, este trabalho
não teve a pretensão de esgotar o estudo sobre o princípio da capacidade
contributiva, limitamos a trabalhar nossa atenção em algumas das principais
questões atinentes a este princípio, tencionando empreender uma reflexão sobre a
fenomenologia deste princípio basilar da justiça fiscal e de sua limitação sob o
aspecto quantitativo pelos direitos fundamentais.
14
CAPÍTULO I- ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Seção I- ASPECTOS GERAIS
Da análise histórica da humanidade, em suas diversas perspectivas,
verificamos que a idéia de tributação2 surge muito antes da de Estado e está
intrinsecamente ligada à noção de poder, aparecendo sempre que este está
presente3, consolidando uma realidade onipresente que, inevitavelmente,
acompanha o modo da vida dos homens, pois o tributo é o instrumento básico
viabilizador de qualquer sociedade. E em cada época, de acordo com a concepção
particular de Estado há um sistema tributário diferente.
Da impossibilidade de viver isoladamente e a constante necessidade de
evoluir levou o homem a buscar a união com seus semelhantes para alcançar os
objetivos que seriam inatingíveis por um só indivíduo. Dessa forma, da união das
famílias, dos clãs, surgiram os primeiros agrupamentos sociais, que em princípio,
organizaram-se politicamente para se fortalecerem e defenderem seus interesses
comuns.
Da vida em sociedade, vários foram os interesses oriundos da vivência
em grupo, e de alguma forma, estes deveriam ser custeados pelos membros da
sociedade, que deveriam colaborar/contribuir para fazer face aos custos dessas
necessidades comuns, dentre elas, a principal foi a de organização de defesa,
traduzida como necessidades militares.
2 A atividade tributária existe nas mais remotas e primitivas organizações sociais, embora a tributação dos tempos modernos seja diferente da dos tempos antigos, onde a tributação de hoje somente tem em comum com aquelas o nome. Nas palavras de Ricardo Lobo Torres, “Tributo é uma figura que surge historicamente na época moderna, sendo inútil procurá-lo em períodos anteriores, nos quais só por analogia pode ser visualizado”. (TORRES, Ricardo Lobo . Ética e justiça tributária. In SCHOUERI, Luís Eduardo, ZILVETI, Fernando Aurélio. Direito tributário – Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética. 1998, p. 173). 3 O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação. (BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualiz. Misabel de Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.1)
15
No início, os governantes, procuraram atender seus próprios interesses,
ambições e, também, daqueles que o mantinham no comando. Neste contexto, os
tributos assumiram um caráter de fiadores dos interesses desses governantes,
deixando as necessidades comuns de serem atendidas primeiramente,
intensificando a tributação das classes mais abastadas4.
A introdução de valores humanistas na sociedade, através de movimentos
filosóficos, contribuíram para que se procurasse uma justa atividade tributária. Os
movimentos sociais e filosóficos passaram a assumir a idéia de que a sociedade
deveria organizar-se politicamente, para instituir uma ordem maior e justa.
Como sociedade politicamente organizada, instituição necessária ao
convívio e desenvolvimento humano, surge o Estado como gestor do interesse
comum, onde recebe atribuições e encargos na organização da vida social. Para
cumprir suas finalidades e promover o bem-estar coletivo, proporcionando utilidades
e comodidades à sociedade que o criou, este necessita de recursos financeiros, o
que obtém, basicamente, através de seu poder fiscal, exigindo coercitivamente dos
membros da sociedade, determinada quantia para custear os serviços públicos
colocados à disposição dos mesmos.
Contudo, o poder de tributar deve ser exercido dentro de certos
parâmetros e deve buscar a promoção do bem comum e se tornar um instrumento
de política sócio-econômica, onde o tributo ultrapassa o limite meramente fiscal,
deixando de ser apenas uma fonte de receita para o Estado para assumir a posição
de meio de realização de justiça social.
4 Na Idade Média, em tese, a única tributação sobre os nobres era o serviço militar, ou o pagamento da Fonsadera, tributo exigido para gastos de guerra, reparo de fossos e castelos, sendo pago somente por aqueles que não podiam ir pessoalmente ao campo de batalha.
16
Assim, o tributo5, desde suas origens, pode ser representado por duas
formas, uma como instrumento de submissão e a outra como meio de solidariedade
do grupo social. Solidariedade porque é através dos tributos que o Estado possui
condições de redistribuir a renda entre os mais carentes e positivar a idéia de
fraternidade defendida na Revolução Francesa.
Na conversão da atividade tributária como instrumento de
desenvolvimento político socioeconômico, o tributo assume um papel de fomentador
das estruturas da cidadania e do fortalecimento da dignidade da pessoa humana. A
noção de tributo como via de participação no processo de construção social é um
axioma basilar de nossa época, podendo ser visto como um instrumento de
cidadania, uma vez que a tributação moderna não mais está adstrita à função de
obtenção de recursos para o Estado6. Hoje, se constitui em um dos principais
instrumentos de repartição de riqueza e desenvolvimento econômico, sendo também
utilizado como instrumento de intervenção do Estado na economia.
Apesar dessa visão moderna dos tributos, o poder de tributar também
pode ser visto como o poder de destruir, quando não exercido dentro de certos
limites. É muito conhecida a tese do juiz americano John Marshall, que em 1819, no
caso “McCulloch versus Maryland”, pontuou que “o poder de tributar envolve o poder
de destruir”7. Assim, para que a atividade tributária não seja vista como uma relação
5 Tributo aqui mencionado tal como entendemos nos dias de hoje. Pois embora a atividade tributária tenha surgido com o próprio nascimento da coletividade, a tributação das civilizações antigas e mesma a da sociedade medieval, não se equivale à definição moderna, pois o tributo era sinônimo de prestação típica de sujeição de um povo para outro, somente assumindo as características hodiernas a partir da Idade Moderna. ( neste sentido ver : TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no Estado patrimonial e no Estado fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 2). 6 Não devemos esquecer que o tributo não é cobrado para atender os interesses e as necessidades do Estado. Ele tem destinação específica: é a de servir como instrumento concretizador da satisfação das exigências materiais e imateriais dos componentes da textura social, fortalecendo, assim, a expressão da cidadania e da valorização da dignidade humana em sua conceituação máxima. ( DELGADO, José Augusto. A interpretação contemporânea do Direito Tributário e os princípios da valorização da dignidade humana e da cidadania. In FISCHER, Octávio Campos (coord.).Tributos e direitosfFundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 156). 7 No original:” the power to tax involves the power to destroy”. (UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. Tradução GRECO, Marco Aurélio. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 19)
17
de força e de submissão, esta deve ser balizada sob certos limites para que atenda
aos interesses da coletividade e respeite os direitos individuais.
O poder do Estado de tributar não é absoluto, não atua livremente, se
manifesta dentro do conceito de ordem jurídica e a ela está subordinado, possuindo
limites de atuação. Nesse diapasão, o poder de tributar não pode ser uma atividade
abusiva, deve observar os limites da imposição tributária e ser compatível com as
liberdades dos contribuintes, respeitando os direitos fundamentais daquele que
suportará a carga tributária.
E no afã de restringir o poder de tributar, muitas Constituições modernas
açambarcaram os princípios em seus textos, de forma implícita ou expressa,
reconhecendo, nos direitos fundamentais do homem, a proteção necessária contra
as agressões às liberdades individuais.
Nesta seara, a necessidade financeira do Estado não permite uma
distribuição arbitrária dos tributos entre os cidadãos, é necessário que seja exercida
de uma maneira justa e adequada para a obtenção de uma estrutura tributária ideal,
sob o ponto de vista da igualdade, da equidade e da justiça fiscal, onde a justiça
fiscal pode ser entendida como justiça distributiva. Deve haver uma correspondência
justa entre o gravame e a capacidade econômica daquele que irá suportar encargo
tributário.
Assim, a atividade tributária deve pautar-se dentro de certos parâmetros
de razoabilidade8, observando o limite mínimo e máximo da tributação, para que
haja uma distribuição eqüitativa do ônus tributário entre todos os membros da
sociedade, devendo estes colaborarem para o financiamento dos gastos do Estado
8 Nas palavras de Ricardo Lobo Torres: a razoabilidade permite o equilíbrio entre o mínimo existencial e a capacidade contributiva e a determinação do limite máximo de riqueza suscetível de imposição, além do qual se caracteriza o efeito confiscatório.( TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2003, p.452.)
18
na proporção de sua capacidade de contribuição, podendo esta ser maior ou menor
de acordo com sua capacidade econômica .
Como limite mínimo, a fixação da carga tributária deve respeitar a não
tributação do mínimo existencial9, que se configura no respeito da dignidade da
pessoa humana com os direitos sociais. E como limite máximo a proibição da
tributação com efeito de confisco, onde a imposição tributária não deve inviabilizar o
exercício das liberdades econômicas e o direito de propriedade.
Diante dessa necessidade de restringir a atividade tributária e visando
assegurar os direitos dos contribuintes contra os arbítrios do poder estatal, as
Constituições modernas passaram a fazer referência à cobrança de tributos e traçar
limites ao poder de tributar.
Seção II- A TRIBUTAÇÃO CONTEMPORÂNEA
O Direito Tributário recebeu forte impacto de uma perspectiva pós-
positivista e principiológica do fenômeno jurídico. A relação da tributação
contemporânea não é apenas uma relação de poder, mas uma relação jurídica e,
assim, está submetida a um disciplinamento jurídico que nada mais é que um
sistema de normas orientadas por princípios jurídicos.
A tributação de nossa época está subordinada a princípios e diretrizes na
elaboração, interpretação e aplicação de suas normas, onde estes princípios
norteadores da atividade tributária garantem os direitos fundamentais do ser humano
contra o poder estatal de tributar.
9 O mínimo existencial confunde-se com a própria questão da pobreza e abrange qualquer direito considerado em sua dimensão essencial e inalienável. “É necessário garantir que todos tenham acesso àqueles bens essenciais que se considera constituírem as condições mínimas para que se possa agir como agente moral- por outras palavras, agir livremente, ou fazer o uso da liberdade”. ( ESPADA, João Carlos. Direitos sociais e cidadania. Lisboa: Imprensa Nacional, 1997, p. 263).
19
II.1- O Pós-positivismo
A partir da superação histórica do jusnaturalismo, com o advento da
promulgação dos códigos, incorporando de forma generalizada o direito natural aos
ordenamentos positivos, o positivismo tornou-se a filosofia dos juristas. O direito
positivado passou a ser acreditado como única forma legítima de se fazer justiça.
Mas com o tempo, este movimento sujeitou-se a várias e profundas críticas,
provenientes de uma reação intelectual que chegou a um fracasso político. A
decadência deste estava associada à indignação diante das barbáries promovidas
pelos episódios históricos, que em nome da lei10, se valeram para disfarçar os
arbítrios praticados pelos regimes totalitários, arbítrios estes que promoveram um
desrespeito ao ser humano que ultrajou a consciência da humanidade.
Os acontecimentos da época, diante das desastrosas conseqüências
geradas pelo desrespeito aos direitos da pessoa humana, serviram para mostrar que
a estrutura meramente formal do positivismo desassociado dos valores éticos já não
era passível de aceitação. O inconformismo deu margens a um conjunto amplo de
reflexões à cerca do Direito, promovendo um novo movimento denominado pós-
positivismo11. Este movimento retomou a discussão do direito sob um novo prisma,
que sem retornar à razão subjetiva do jusnaturalismo, ultrapassou o legalismo do
positivismo e introduziu idéias de justiça e legitimidade, consagrando o respeito aos
10 A decadência do positivismo é emblemática associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro da legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e da obediência a ordens emanadas da autoridade competente. ( BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 325). 11 O pós-positivismo identifica um conjunto de idéias difusas que ultrapassam o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturlismo. Sua marca é ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Com ele, a discussão ética volta ao Direito. O pluralismo político e jurídico, a nova hermenêutica e a ponderação de interesses são componentes dessa reelaboração teórica, filosófica e prática que fez a travessia de um milênio para o outro. (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In Revista Diálogo jurídico. Salvador : CAJ –Centro de Atualização Jurídica. V.1 nº6. setembro, 2001. Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 21 de dezembro de 2004.)
20
direitos fundamentais da pessoa humana como forma de orientação da atuação
estatal.
Para Luís Roberto Barroso: ... o Pós-positivismo não surge com o ímpeto da
desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre Ética e Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando da filosofia para o mundo jurídico, esses valores compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente12.
Assim, a partir da segunda metade do século XX, os desejos humanitários
promoveram uma reaproximação entre a ética e o direito, ao reintroduzir no
ordenamento jurídico as idéias de justiça e eqüidade.
Com a virada kantiana, a partir da década de 70, a partir da releitura do
imperativo categórico de Kant – “age como se a máxima de tua conduta pudesse se
transformar em lei universal”, a liberdade estava relacionada com a legalidade, uma
vez que era entendida como princípio de direito; agora, passa a ser vista sob um
novo enfoque. Ao lado da idéia de liberdade, foi incluída a regra de justiça, passando
a norma ética a exercer influência sobre a ordem jurídica positivada. Assim, faz
surgir todo um campo de estudos que salienta a utilização da argumentação para
uma melhor compreensão do Direito, uma aproximação da teoria dos direitos
fundamentais e da teoria da justiça, como também um reconhecimento dos
princípios na ordem jurídica.
Com a reproaximação entre o direito e a ética, bem como do
reconhecimento dos valores na órbita jurídica, houve uma promoção e uma
referência aos princípios constitucionais, expressos ou implícitos.
12 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., 2003, p. 326.
21
Este movimento contemporâneo promoveu a ascensão dos valores, o
resgate da teoria dos direitos fundamentais e fez surgir uma dogmática principialista.
Inaugurou uma nova concepção sobre a eficácia e a importância dos princípios, por
reconhecer a sua normatividade e a sua relevância no sistema jurídico, passando a
ser a síntese dos valores fundamentais consagrados no novo ordenamento jurídico.
II.2- Dogmática principialista
Com o pós-positivismo, os princípios obtiveram uma posição de relevo e
denunciaram a insuficiência da subsunção como método de aplicação das normas.
Foi concebido um sistema jurídico composto por regras e princípios, e assim, fez
nascer a teoria contemporânea dos princípios jurídicos, onde merece destaque,
dentre outros autores, o trabalho de Ronald Dworkin e Robert Alexy.
A teoria dos princípios tem como principal autor Ronald Dworkin, que
numa crítica ao positivismo propõe um modelo diferente; procura mostrar que os
métodos clássicos de produção de direito não são únicos e que o direito pode ser
redescoberto por seus operadores. Em sua tese, constrói uma teoria monista onde
direito e moral se confundem, ou seja, não mais são entendidos em termos de
separação estrita, pois ele reconhece a condição jurídica dos princípios-morais.
O modelo de Dworkin constrói um ordenamento jurídico aberto e propõe
um sistema formado por regras e princípios. Estes últimos têm a sua importância
ressaltada, sendo proclamados como normas jurídicas, passando a ter validade
jurídica, podendo, assim como as regras, imporem obrigação legal, uma vez que a
eles é atribuída eficácia plena.
Robert Alexy, posicionou-se muito próximo às idéias de Ronald Dworkin,
principalmente com a inserção dos princípios em seu modelo de sistema jurídico,
22
embora não adotando o conceito restritivo do jusfilósofo americano13. Mas de forma
diferente, o seu modelo compõe-se de regras, princípios e procedimentos.
Em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy coloca que a distinção
entre regras e princípios14 pode ser considerada como o marco de uma teoria
normativo material dos direitos fundamentais, sendo o ponto inicial para responder
às dúvidas sobre a possibilidade e os limites de racionalidade no âmbito dos direitos
fundamentais. E, para a aplicação dos princípios, Alexy propõe procedimentos
racionais de ponderação, através de um processo argumentativo.
Diante desta nova fase, os princípios jurídicos passaram a ocupar um
novo espaço dentro do constitucionalismo contemporâneo, projetaram-se como
normas basilares de todo o ordenamento jurídico, dando coesão ao sistema,
assumindo uma posição hierárquica. Converteram-se em fonte primária de
normatividade e as novas Constituições promulgadas acentuaram a hegemonia
axiológica dos mesmos, convertendo-se, nas palavras de Paulo Bonavides15, no
coração das Constituições.
Por conseguinte, a positivação dos princípios nos textos constitucionais
traduz uma eficácia que vincula, de forma obrigatória, a sua observância, pois estes
sintetizam a idéia de direito e justiça vigentes ao refletirem os valores eleitos
constitucionalmente pela sociedade.
13 Dworkin, dividiu os princípios entre princípios em sentido estrito e diretrizes políticas, Robert Alexy não faz esta distinção, para ele tudo são princípios, tanto as normas de direitos fundamentais do indivíduo como as que ordenam a persecução de interesses da comunidade, e em relação aos direitos fundamentais concede apenas uma prioridade prima facie, indicando um ponto de partida. 14Alexy coloca que embora os princípios sejam espécies de normas, estes podem distinguir-se daquelas pela generalidade e também pela forma qualitativa, demonstrando que essa diferença desponta com maior intensidade quando se tem uma colisão de princípios ou um conflito de regras. Mas, o ponto decisivo para distinção entre regras e princípios, é a idéia de que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na sua maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, onde as regras são mandatos definitivos e os princípios são mandatos de otimização, que se caracterizam por poder serem cumpridos em diversos graus. Por isso a forma de aplicação dos princípios é a ponderação (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 83 e ss). 15 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 281.
23
Assim, os princípios assumiram uma posição de fonte primária de
normatividade no constitucionalismo contemporâneo, sendo incorporados aos
valores sociais, políticos e éticos, de forma explícita ou implicitamente, na tentativa
de construção de uma sociedade justa e democrática.
Paulo Bonavides ao sintetizar a evolução da teoria dos princípios, assim
se pronunciou:
Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transposição crucial da ordem jusprivatista ( sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicista (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios.
Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes. São qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição. 16
Pode-se dizer que, esta nova dimensão do constitucionalismo, tem-se
mostrado como uma resposta adequada17 para impor respeito aos direitos
individuais e como limitação do poder estatal. Embora no limiar deste novo século,
esteja havendo um refluxo do constitucionalismo, uma tendência à
desconstitucionalização em nome da complexidade das transformações sócio-
econômicas e da transnacionalização dos mercados; a Constituição, muitas das 16 Idem, ibidem, p. 294. 17 O constitucionalismo chega vitorioso ao inicio do milênio, consagrado pelas revoluções liberais e após haver disputado com inúmeras outras propostas alternativas de construção de uma sociedade justa e de um Estado democrático. A razão de seu sucesso está em ter conseguido oferecer ou, ao menos, incluir no imaginário das pessoas: (i) legitimidade – soberania popular na formação da vontade nacional, por meio do poder constituinte; (ii)limitação do poder – repartição de competências, processos adequados de tomada de decisão, respeito aos direitos individuais, inclusive das minorias; (iii) valores- incorporação à Constituição material das conquistas sociais, políticas e éticas acumuladas no patrimônio da humanidade. ( BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 310)
24
vezes, é colocada como entrave ao funcionamento do mercado, à competitividade e
à expansão da economia, apontando, assim, para o ritmo de regressão dos direitos
sociais e dos direitos humanos18.
II.3- O pós-positivismo e a tributação
Essa perspectiva contemporânea, onde a discussão ética volta ao centro
do Direito, e as perspectivas principiológicas do pós-positivismo provocaram um
grande impacto na área tributária, os princípios passaram a exercer grande
influência na elaboração e aplicação do direito tributário19. A virada kantiana no
Direito Tributário repercutiu pelo reconhecimento de valores que inspiraram os
princípios da tributação, constitucionalmente expressos ou implícitos.
No campo Tributário, o representante da virada kantiana foi Klaus Tipke20,
que sob a luz das teorias contemporâneas examinou o ordenamento positivo
tributário, formulou a teoria de que os postulados éticos se concretizam na ordem
jurídica. Ou seja, a ética não permanece no plano abstrato, pelo contrário, ela se
positiva na lei (visão kantiana suprapositiva), se transforma em direito tributário 18 Criticando a tendência do refluxo da Constituição em matéria tributária, Alberto Nogueira assim se pronunciou: “Está, sem dúvida, na contramão da história, a idéia de “desconstitucionalização”, no pertinente a matéria tributária, sendo ela própria, e não o texto em vigor, dessincrônica. Só poderá servir para a ruína da única parte do sistema estruturado na Constituição, que tem a seu favor a tradição de instrumento eficaz de contenção dos abusos legislativos, freqüentemente cometidos em parceria com o Poder Executivo. Desmontado esse sistema constitucional, restará o descalabro inconteste da legislação infraconstitucional existente, que faz amontoar o entulho autoritário anterior à redemocratização com o posterior, que se somarão às futuras investidas do legislador ordinário e do Executivo. (NOGUEIRA, Alberto. Os limites da legalidade tributária no Estado democrático de direito. Fisco x contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, 2ª ed., p. 106). 19 No Brasil esta influência aconteceu de forma lenta, pois nossos tribunais adotaram o modelo de regras, conforme o previsto no Código Tributário Nacional, artigo 108, que ao adotar estas regras de interpretação, reservaram um papel secundário para os princípios; e a doutrina pátria apegou-se apenas ao princípio da legalidade. Porém, nos últimos anos, algumas exceções foram observadas pelo Supremo Tribunal Federal, recuperando, assim, em parte a importância dos princípios. (ADIn-1655, Relator Ministro Maurício Corrêa, publicado no DJ de 24/10/97. Consulta no site do STF, disponível em http://www.stf.gov .br/jurisp.html. Acesso em 18/12/2004). 20 Klaus Tipke, jurista Alemão foi autor do livro Justiça Fiscal na Teoria e na Prática e posteriormente publicou um tratado, onde expôs a sua doutrina da justiça fiscal, intitulado como O Ordenamento jurídico tributário, em três volumes, onde, traça os fundamentos sistemáticos e os princípios jurídicos do Direito Tributário, trata da teoria da justificação dos impostos na Alemanha e busca demonstrar um sistema tributário coerente baseado no princípio da capacidade contributiva.
25
positivo. Defende que a justa repartição do ônus tributário é um imperativo da ética,
vinculando esta à idéia de justiça.
Embora com esta visão moderna, Klaus Tipke tem sofrido críticas por
parte de Paul Kirchhof21, que preocupado mais com a liberdade do que com a
justiça, coloca como pano de fundo no relacionamento entre a ética e o direito a
questão dos direitos fundamentais, onde a justiça fiscal deve ser buscada na
moldura desses direitos.
Mas a tributação deve encontrar um equilíbrio entre liberdade e justiça,
pois esta relação é ponto de constante tensão no pensamento jurídico. No Direito
Tributário contemporâneo foi resgatada a idéia de justiça tributária que havia sido
repudiada pelo positivismo, e que, na atualidade, ganha concretude constitucional
através dos princípios constitucionais tributários, que passam a ser o canal de
comunicação entre o sistema jurídico e o sistema de valores éticos.
Assim, a importância dos princípios no campo tributário é enfatizada,
obrigando a sua observância, na tentativa de assegurar uma tributação racional,
justa, equilibrada e harmônica.
A atividade tributária passa a ser examinada sob a luz das teorias da
justiça e dos direitos humanos, frutos da aproximação entre a ética e o Direito; a
ética tributária se revela num equilíbrio entre a necessidade de recursos por parte do
poder estatal e a liberdade do cidadão. Neste contexto, a tributação justifica a
limitação da liberdade individual em nome da liberdade coletiva, onde o cidadão
busca no Estado proteger a sua liberdade individual e o Estado exige uma
contraprestação pecuniária para garantir-lhe a liberdade coletiva.
21 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário - valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, volume II, 2005, p. 9.
26
No Estado democrático fiscal, a liberdade adquire feição de igual
liberdade, se caracterizando como a liberdade que se aproxima da justiça na mesma
equação valorativa22, embora a tensão entre liberdade e tributo seja constante, pois
este pode implicar em opressão daquele quando exercido além dos limites aceitos.
Para Ricardo Lobo Torres “o tributo surge no espaço aberto pelas
liberdades fundamentais, o que significa que é totalmente limitado por essas
liberdades”, e conclui que:
O relacionamento entre liberdade e tributo é dramático, por se afirmar sob o signo da bipolaridade: o tributo é garantia de liberdade e, ao mesmo tempo, possui extraordinária aptidão para destruí-la; a liberdade se autolimita para se assumir como fiscalidade e se revolta, rompendo os laços da legalidade, quando oprimida pelo tributo ilegítimo.23 ( os grifos não são do original)
É justamente pelo relacionamento dramático da relação tributária que o
poder fiscal fica restringido pelas liberdades individuais. A constante invasão do
Estado sobre a esfera dessas liberdades em busca de recursos tributários, faz com
que seja indispensável a aplicação dos direitos fundamentais na relação jurídico-
tributária, para a proteção das liberdades individuais contra as investidas do Estado
arrecadador. E, assim, esses direitos exercem uma permanente limitação do poder
do Estado em impor o dever de pagar tributos.
Um outro aspecto, também visualizado dentro constitucionalismo
moderno, e que traz conseqüências frente à tributação, causando uma intrigada
relação de força, é a pressão do Estado para executar as políticas características do
Estado social de direito e a necessidade de arrecadação para suportar essas
mesmas políticas, uma vez que as garantias individuais são constantemente
questionadas pelo poder de tributar.
22 Idem, ibidem, p. 83 23 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2005, p. 4-6.
27
Este ponto é ainda mais sensível nos países subdesenvolvidos,
intitulados como de terceiro mundo, onde os custos estatais estruturais são
elevadíssimos e o Estado não consegue cumprir o seu papel no atendimento dos
direitos sociais contemplados nas Constituições, na promoção das políticas públicas
destinadas à atenuação das desigualdades sociais e na criação de ambiente
econômico saudável; tendo ainda como agravante uma carga tributária alta e uma
dívida pública elevadíssima.24
Assim, as Constituições modernas, além de uma inserção de direitos
sociais, possuem como traço comum as limitações do poder público e as garantias
dos direitos e liberdades do indivíduo, embora as limitações do poder estatal não
precisam de estar necessariamente escritas.
No plano tributário, esses direitos de liberdade não se relativizam, pelo
poder de tributar, pelo contrário, são limitadores do poder de tributar. Servem de
substrato, de parâmetros para que a imposição tributária seja exercida em
conformidade com a justiça fiscal, com uma distribuição igualitária do ônus tributário,
respeitando a capacidade de cada cidadão em poder contribuir para as despesas
públicas dentro dos limites impostos pela Constituição.
É dentro desse novo cenário constitucional que o nosso estudo se acha
encartado.
24 A arrecadação dos impostos e contribuições administrados pela Receita Federal e das demais receitas (taxas e contribuições controladas por outros órgãos, excluídas as contribuições previdenciárias) atingiu o valor de R$ 322,5 bilhões no período de janeiro a dezembro de 2004 e em 2005, no período de janeiro a junho assumiu o patamar de R$ 175, 7 bilhões. E o serviço da dívida pública brasileira (interna e externa) consome mais da metade do orçamento, em 2004, do orçamento federal foram 70,49% (soma das rubricas encargos financeiros da União - 12,51% e refinanciamento da dívida pública mobiliária federal – 57,98%). Fonte: Lei n° 10.837 de 16 de janeiro de 2004.
28
Seção III- JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
O ideal de justiça está inserido na alma do homem, que ao se tornar
consciente, principalmente com o convívio social iniciado com a experiência na
família, já sente em seu âmago a transformação moral, que passa a ser limite para
todos os seus atos. A concepção de justiça justifica várias ações do homem ou de
uma sociedade, e em nome dela, muitas guerras, revoltas e conflitos foram e ainda
são gerados.
A formulação de uma noção de justiça é bastante complexa, embora seja
um valor universalmente prestigioso e aclamado por todos. Não é objeto de nosso
trabalho o estudo profundo de suas teorias, mas tão somente entender como o valor
justiça tributária ganha concretude por seu princípio maior que é o respeito da
capacidade contributiva.
O tema da justiça é um assunto conflitante. E, embora exista uma
variedade de concepções sobre o que é justiça e a sua natureza, é inegável a idéia
de igualdade como elemento comum à maioria das concepções, pois esta é
essencial na aplicação de sua noção, numa tentativa de análise lógica do que é
justiça, de como estabelecer suas regras e de como efetivá-la. Ou seja, a igualdade
é o objetivo de quem pretende ser tratado com justiça.
Sendo sua conceituação um tanto confusa, a análise lógica de sua noção
é um permanente desafio aos filósofos do Direito, e não existe consenso entre estes
estudiosos sobre o seu significado. São vários os sentidos, planos e ideologias que
modelam o desenvolvimento de uma teoria da justiça. Segundo Chaim Perelman:
... toda visão do mundo molda a sua maneira os critérios de conduta válida, não se ficará nem um pouco espantado de constatar, ao estudar os textos relativos a noção de justiça, que esta se encontra imersa na ambigüidade e na confusão, à primeira vista ainda mais irremediáveis por resultarem, a um só tempo, da
29
variedade das ideologias que a modelam e da diversidade dos planos nos quais se encontra desenvolvida uma teoria da justiça.25
No campo tributário não é diferente, a idéia de se fazer uma tributação
justa sempre foi aspiração da humanidade. A justiça tributária é um ideal almejado
por todos, mas não é uma mera utopia, uma figura retórica, é um valor que deve
alicerçar toda a atividade da tributação, principalmente por ter esta a capacidade de
“destruir” ou de “conservar”.26
Com a aproximação da ética e do direito no pós-positivismo, houve
também uma reaproximação entre justiça e liberdade no campo tributário, através do
resgate da teoria da justiça tributária, que compreende o processo justo na cobrança
dos tributos.
A justiça tributária é uma das formas da justiça fiscal, que é um termo
amplo que comporta a própria justiça tributária, a financeira (que abrange
transferências intergovernamentais e subvenções econômicas e sociais) e a
orçamentária (que trata do justo nas despesas e nas receitas públicas)27.
É através da justiça fiscal que se pode concretizar a justiça política, onde
o Estado promove a redistribuição de rendas através de suas instituições,
procurando alcançar os objetivos traçados constitucionalmente pelo Estado
Democrático de Direito. A justiça fiscal é um dos instrumentos para a promoção da
distribuição e redistribuição de rendas.
Pode-se dizer que a justiça tributária é por excelência uma justiça
distributiva, Klaus Tipke coloca que esta se concretiza como justiça contributiva, e
25 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.68. 26A jurisprudência americana, através do julgado de Marshall afirmou que o poder de tributar envolve o poder de destruir. Contrapondo à teoria de Marshall, o juiz Holmes afirmou que o poder de tributar não é o poder de destruir, mas o dever de conservar e Frankfurter disse que o poder de taxar é o poder de assegurar a sobrevivência do contribuinte. ( TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1999, p. 45). 27 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit. 2005, p. 121-124.
30
para Ricardo Lobo Torres28 é em parte distributiva, com seus princípios específicos
(capacidade contributiva, distribuição de rendas), e também comutativa, no que
concerne às taxas e às contribuições.
Na vertente da justiça fiscal como justiça distributiva, a capacidade
contributiva é o mais importante dos princípios, onde cada um deve pagar o tributo
em conformidade com sua riqueza, consistindo, assim, em uma das regras de ouro
da justiça.
Na tentativa de dar um sentido à justiça material, Chaim Perelman tentou
definir a justiça a partir de uma lógica formal, optou por estabelecer como regra de
justiça a igualdade formal. Definiu a justiça formal como um princípio de ação,
segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados do
mesmo modo. Interessou-se em criar com a Nova Retórica, uma doutrina de
confrontação de argumentos contrários, que através de uma lógica de juízos de
valores, capazes de fornecerem critérios objetivos e universais, poderiam persuadir
por meio do discurso. Fez da igualdade o elemento invariável na relação de justiça,
uma vez que a idéia de igualdade sugere a todas as pessoas certa noção do que é
justiça, ou seja, ser justo é tratar de um mesmo modo as pessoas iguais, os seres
pertencentes à mesma categoria. Mas a concepção de igualdade fundamenta-se
em valores escolhidos de forma aleatória.
E assim, dentro de um conceito formal de justiça enumerou algumas
fórmulas de justiça distributiva 29:
1º - a cada qual a mesma coisa: esta fórmula preconiza uma concepção
igualitária de justiça e parece realizar o ideal de justiça perfeita, onde todos devem
28 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1998, p. 185 29 PERELMAN, Chaim. Op. cit., p. 19.
31
ser tratados da mesma forma, uma distribuição idêntica de tudo a todos,sendo que
todos deve ser entendido como os membros da mesma categoria essencial.
2º - a cada qual segundo seus méritos: esta fórmula coloca a aplicação da
justiça de forma proporcional ao mérito da pessoa, o valor intrínseco do indivíduo.
3º - a cada qual segundo suas obras: para aplicação desta lição deve-se
levar em conta o trabalho, a produção ou o conhecimento dos indivíduos, nesta
fórmula o critério distributivo se atém aos resultados da ação humana.
4º - a cada qual segundo suas necessidades: esta fórmula pressupõe
uma desigualdade que deve ser evitada ou diminuída, se aproxima de uma
concepção de caridade, embora não possa ser considerada sinônima desta. Indica
que devem ser tratados da mesma forma as pessoas da mesma categoria com as
mesmas necessidades, sendo estas necessidades essenciais ao homem.
5º - a cada qual segundo sua posição: esta fórmula consiste no
tratamento das pessoas conforme a categoria a que pertençam. Considera como
justo o tratamento diferenciado para membros das classes diversas.
6º - a cada qual segundo a lei lhe atribui: com esta fórmula temos que o
justo é conceder a cada um o que a lei prescreve, ou seja, cabe ao juiz aplicar às
mesmas situações a mesma disposição legal, não sendo assim a aplicação da lei
um ato discricionário, mas uma observância da regra estabelecida; esta regra se
ajusta a todo e qualquer sistema jurídico, pois prescreve que a justiça deve respeitar
o direito positivo.
Dentre estas fórmulas, o princípio da capacidade contributiva se enquadra
na terceira, no sentido de que quem produz mais deverá contribuir com mais, e
quem possui menos condições irá contribuir com menos. Neste sentido, a tributação
deve respeitar o mínimo existencial e um máximo suportável, para que a tributação
32
não desestimule a pessoa, para que esta possa continuar produzindo. Também se
enquadra na quarta fórmula, onde o sentido da mesma remete para a sociedade a
obrigação de zelar por seus membros, um dever de solidariedade que se encontra
embutido na concepção do tributo. Mas aplicando esta fórmula ao princípio da
capacidade contributiva, temos que a tributação somente pode atingir o excedente
das condições mínimas indispensáveis a uma vida digna, onde este mínimo deve
estar excluído da tributação.
Klaus Tipke30 completa estes seis critérios apontados por Perelman com
um sétimo: a cada um segundo a sua capacidade, a significar que quem possui
maior renda ou maior patrimônio, deve pagar mais imposto. Embora, posteriormente,
moderou a sua visão da ética moral, extraindo dos princípios do Estado Social de
Direito e da justiça material o princípio da capacidade contributiva, afirmou que este
é o princípio fundamental de uma tributação materialmente justa e que encontra sua
justificativa na consciência jurídica geral e na razão prática.
O princípio da capacidade contributiva corresponde ao princípio do
Estado Social, não na medida em que todos devam pagar igualmente o mesmo,
mas na medida em que a carga tributária do indivíduo seja mensurada segundo sua
renda: quanto mais alta a renda, mais alto o imposto31.
Analisando as fórmulas apontadas por Perelman e fazendo uma
comparação de como o princípio da capacidade contributiva foi tratado pelas
Constituições Brasileiras de 1946 e 1988, Tércio Sampaio Ferraz Júnior32 conclui
que a imposição deste princípio na Carta Magna de 1946 está em conformidade com
30 TIPKE, Klaus. Apud TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 1998, p. 186 31 O princípio do Estado social dá à justiça um acento social; ele cuida para que a justiça não se esgote na igualdade perante a lei, mas também vise mais a igualdade material, a fim de que a distribuição de renda e patrimônio não seja tão ruim, a ponto de ameaçar a paz social. (TIPKE, Klaus. YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 43-44) 32 JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1990, p. 54-58
33
a 3ª fórmula - a cada um segundo suas obras, onde este princípio foi colocado como
um valor que o legislativo deve respeitar ao tipificar as tributações. Já a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 145, § 1º, aderiu a 4ª
fórmula, a cada um segundo suas necessidades, tendo o sentido de preceito
material de justiça. Esta Lei Maior autorizou o legislador a articular e configurar o
interesse público, levando em conta suas tarefas sociais; estabeleceu, assim, uma
missão ao Estado, pela via tributação, de diminuição das injustiças sociais, sendo
que para isto, possibilitou à Administração identificar o patrimônio, os rendimentos e
as atividades econômicas do contribuinte.
Por outro lado, na reflexão da justiça tributária como justiça distributiva,
John Rawls fornece uma filosofia política através de sua Teoria da Justiça33,
oferecendo várias reflexões político-filosóficas acerca da justiça sobre a
reformulação procedimentalista do contratualismo clássico, de forma a reabilitar o
liberalismo político através de uma articulação teórica dos ideais de liberdade,
igualdade e de justiça num sistema de direitos.
Indica os princípios básicos e demonstra, com a definição desses
princípios, que a sua concepção política de justiça pode ser compartilhada em uma
sociedade democrática, de cidadãos racionais, livres e iguais. Os princípios básicos
escolhidos pela sociedade de pessoas originalmente iguais ou em situação de
igualdade, livres e racionais deveriam encaminhar para a formação de bases
fundamentais a serem utilizadas nos acordos vindouros e na cooperação social.
Neste pacto hipotético, na posição original e sob o “véu da ignorância”, os princípios
33 Em sua “Teoria da Justiça”, publicada originalmente em 1971, Rawls objetivou apresentar uma concepção de justiça que servisse para generalizar e elevar a um nível superior a teoria do contrato social, já conhecida e desenvolvida por pensadores como John Locke, J. J. Rousseau e Kant. Discute a concepção de justiça como eqüidade, examinando a maneira pela qual as idéias intuitivas básicas de sua concepção de justiça combinam com uma concepção política da justiça para uma democracia constitucional. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Carlos Pinto Correia. Lisboa: Editorial Presença, 1993.
34
que iriam vigorar posteriormente eram escolhidos. Com isto, acredita-se que os
princípios de justiça seriam o resultado de uma negociação eqüitativa, uma vez que
os participantes do processo estariam em situação de igualdade, sendo assim
incapazes de apregoar princípios que lhe pudessem beneficiar diretamente. Sendo
assim, os acordos fundamentais estabelecidos na posição original seriam
eqüitativos, consolidando a justiça como eqüidade.
A teoria da justiça, enquanto idéia contratualista, do jurisfilosófo John
Rawls tem influenciado com certa relevância o pensamento contemporâneo da
filosofia do direito, na medida em que apresenta uma correlação entre a justiça e a
igualdade, onde esta pode ser pensada entre os homens como possível de se
perceber na origem da sociedade.
Esse jurista americano trabalha o ideal de justiça apontando os princípios
mais apropriados aos cidadãos dotados de personalidade moral e habilitados a
participar da sociedade. Segundo Rawls, os princípios de justiça capazes de garantir
a liberdade e a igualdade e que serviriam para efetivar a distribuição eqüitativa dos
bens primários ou bens tidos como fundamentais para todos os homens, seriam:
1º - cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos;
2º - as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade (princípio de diferença)34.
Com este dois princípios imantados pela igualdade, Rawls coloca que os
valores sociais devem ser distribuídos igualmente, somente aceitando a
desigualdade quando esta venha a trazer vantagens aos grupos menos privilegiados
da sociedade. O segundo princípio além de trazer a idéia da desigualdade, trata da
34 RAWLS, John. Justiça como equidade – uma reformulação. Tradução Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 60.
35
distribuição de renda e de bens, posto que este princípio tem a função de corrigir os
defeitos da igualdade formal de oportunidades.
O princípio da diferença, que trata da distribuição dos bens na sociedade,
pode ser decomposto em três partes. A primeira diz respeito à distribuição da
desigualdade no âmbito da sociedade, devendo maximizar o bem-estar dos menos
favorecidos, de modo que traga um benefício maior para os representativamente
mais pobres. A segunda exige que as posições e funções na sociedade têm de
estar abertas a todos indistintamente. E, como última parte, coloca que os indivíduos
devem se encontrar em uma posição eqüitativa de oportunidades, com condições
mínimas de existência, uma vez que sem estas há uma inviabilização das liberdades
asseguradas pela ordem jurídica.
Assim, Rawls coloca que todos os homens têm o direito à liberdade e, em
função da existência das desigualdades sociais, deve-se prever um sistema de
vantagens para os menos favorecidos e uma justa igualdade de oportunidades. A
justiça como eqüidade objetiva mostrar uma base pública de justificação nas
questões de justiça política, levando-se em conta a existência de um pluralismo
razoável. A busca primordial da justiça consistirá na forma pela quais as instituições
sociais distribuem os direitos e deveres fundamentais, e de como determinam a
divisão dos benefícios na sociedade.
Colocando a teoria da justiça como equidade de John Rawls no campo da
justiça tributária, temos que com base em seus princípios de justiça, a atividade
tributária deve respeitar e promover o mínimo existencial e evitar as desigualdades
injustificadas.
Ricardo Lobo Torres ao analisar a teoria de Rawls aponta as principais
influências dessa teoria no âmbito da justiça fiscal:
36
No campo da justiça fiscal John Rawls extrai importantes conseqüências a partir do princípio do “maximin”, que se inclui na concepção de “justice as fairness” e que leva as pessoas, em razão do véu da ignorância, a aceitar desigualdades que maximizem as expectativas dos grupos menos afortunados da sociedade, ou seja, que lhes garanta, na pior das hipóteses, um mínimo social. Desenvolve, com base no economista americano Richard Musgrave, extensa lição sobre a igualdade entre gerações e sobre o mínimo existencial.35
A atividade tributária se enquadra na idéia de justiça distributiva e deve
obedecer a idéia de igualdade eqüitativa na repartição do ônus tributário. Ou seja,
cada qual deve contribuir para as despesas do Estado na medida de sua riqueza, de
modo que, através da tributação e do dever de cooperação social da sociedade para
com todos os seus membros, possa haver uma distribuição de rendas e uma
promoção do mínimo necessário a uma vida digna.
Klaus Tipke ao construir sua teoria a respeito da justiça tributária denota a
influência recebida da visão procedural e da teoria da justiça com imparcialidade de
John Rawls, bem como da teoria da justiça formal de Chaim Perelman. Concretiza o
conceito de justiça como: “Justiça por meio de um tratamento isonômico; tratamento
isonômico segundo um critério adequado à matéria; justiça social- tributação
socialmente justa com base num princípio adequado à matéria, que somente pode
ser sacrificado por princípios do mesmo valor”.36
A partir da retomada da ética fiscal, formula uma teoria onde a justiça se
forma a partir de princípios justos, que cria uma medida uniforme e proporciona um
tratamento isonômico e imparcial a todos. Afirma que o princípio da igualdade é
uma decorrência do postulado da justiça, onde qualquer desigualdade deve vir
justificada. E, ao apontar o princípio da capacidade contributiva como o critério justo
de repartição da carga de impostos, estabelece que a atividade tributária deve ser
uma política de justiça e não mera política de interesses.
35 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2005, p. 85. 36 TIPKE, Klaus. YAMASHITA, Douglas. Op. cit., 2002, p. 22.
37
Assim, o princípio da capacidade contributiva é ressaltado como
expressão da justiça fiscal e utilizado para justificar os tributos, apoiando-se na tese
da interpretação da norma tributária pelo método teleológico, analisa os parâmetros
que o legislador deve utilizar para determiná-lo.
No Direito Tributário, a justiça se dá por meio do tratamento isonômico,
que deve ser orientado pelo princípio da capacidade contributiva, pois este é o único
princípio justo de comparação para a aplicação do princípio da igualdade37 .
Em sua teoria estabelece duas regras de justiça financeira: a cada um de
acordo com a sua necessidade e a cada um de acordo com a sua capacidade, a
primeira orienta a justiça das subvenções de acordo com os interesses conjunturais
ou econômicos do Estado e a outra, a justiça tributária.
Assim, a justiça tributária tem como pressuposto a defesa da igualdade na
tributação, mediante eqüitativa repartição da carga fiscal, tendo como expressão
maior o princípio da capacidade contributiva, que é a medida de justiça fiscal por
excelência; deve haver uma igualdade na distribuição do ônus tributário, respeitando
o mínimo existencial e, devendo a igualdade ser entendida como universalidade da
tributação38.
O princípio da capacidade contributiva está subordinado à idéia de justiça
distributiva, uma vez que promove a tese igualitária. É o mais importante dos
princípios de justiça fiscal por reunir em sua observância os direitos humanos
fundamentais da limitação do poder de tributar, formando, assim, um quadro
valorativo de tensão e ponderação na aplicação das garantias constitucionais39.
37 TIPKE, Klaus. Sobre a unidade da ordem jurídica tributária. In SCHOUERI, Luís Eduardo, ZILVETTI, Fernando Aurélio. Direito Tributário – Estudos em homengem a Brandão Machado. Trad. Luis Eduardo Schoueri. São Paulo: Dialética. 1998, p. 64. 38 TIPKE, Klaus. Princípio da igualdade e idéia de sistema no direito tributário. In MACHADO, Brandão .Direito tributário – Estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, p. 518. 39 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., 2003, p. 434
38
CAPÍTULO II - O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, PRINCÍPIO
NORTEADOR DE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
Seção I- ESCORÇO HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA
A questão da capacidade contributiva, como justiça da tributação não é
um problema novo da ciência jurídica, pelo contrário, a doutrina aponta sua elevada
antiguidade. Há milênios, aqueles que são obrigados a contribuir pugnam pela
justiça na decretação e liquidação dos tributos.
Podem ser encontrados registros desta questão ao longo da história, até
mesmo na antiguidade clássica, e sua origem remonta do próprio surgimento da
atividade tributária e da idéia de justiça fiscal.
I.1- Origem e histórico
Segundo Becker40, este princípio deriva do tronco filosófico da justiça
distributiva que deita raízes na Grécia Antiga, não sem antes haver preocupado os
egípcios, ou seja, no Antigo Egito já prevalecia a idéia de que o tributo deveria
guardar relação com a riqueza daqueles que os deveriam pagar.
Na Inglaterra, a Magna Carta, assinada pelo rei João Sem-Terra em
1215, apesar de ser um documento essencialmente feudal, representou um avanço
no delineamento de direitos hoje consolidados, embora lhe faltasse o elemento
essencial da universalidade.
Carlos Palao Taboada41 indica que, provavelmente, desde que se criaram
os impostos, em algum momento remoto da história, percebeu-se que estes 40 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 1972, p. 437. 41 TABOADA, Carlos Palao. Isonomia e capacidade contributiva. In Revista de direito tributário nº 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 126.
39
deveriam ser recolhidos de acordo com a riqueza daqueles que deveriam pagá-los.
A filosofia medieval deu maior precisão a essa idéia, creditando a Santo Tomás de
Aquino a determinação de que cada um deveria pagar os tributos secundum
facultatem ou secundum equalitem proportionis; e segundo este teólogo haveria
impostos justos ou injustos, conforme obedecessem ou não a este critério, ou seja, a
não instituição de impostos justos seria pecado e os impostos injustos não deveriam
ser pagos, pois correspondiam a um procedimento arbitrário dos soberanos.
Esta idéia levou Adam Smith a demonstrar uma necessidade de equidade
na tributação, devendo haver relação entre a capacidade contributiva e o valor a ser
determinado como tributo. Através de sua obra a fundamentação deste princípio
ganhou contornos de ciência e acabou por se propagar nas sociedades ocidentais
como expressão maior da justiça tributária, sustentou que: “os súditos de cada
Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo, em
proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de
que cada um desfruta, sob a proteção do Estado”.42
Pregava que os cidadãos tinham o dever de contribuir para as despesas
do Estado na proporção de seus recursos para que possam gozar da proteção do
Estado, ou seja, o ônus suportado pelos cidadãos deveria sê-lo apenas e tão
somente na medida de sua aptidão econômica para concorrer com o financiamento
das despesas estatais.
Adam Smith traçou quatro regras tributárias – justiça, certeza,
comodidade e economia, conhecidas com os cânones ou máximas, onde o cânone
da justiça sugere a observância do princípio da capacidade no custeio dos gastos do
42 SMITH, Adam. A Riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. de Luiz João Barúna. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1985, p. 247.
40
Estado. Nestas máximas, ainda hoje válidas, estão fixadas as raízes do sistema
tributário.
Com o advento do liberalismo, em que a principal idéia era o absenteísmo
estatal da vida social, não houve uma preocupação especial com os efeitos
econômicos dos gastos públicos ou com a arrecadação tributária. Com efeito, a
doutrina liberal orientou-se pela noção de que a administração pública era ineficiente
e com gastos improdutivos; difundiu-se a crença de que a arrecadação tributária
deveria limitar-se ao máximo indispensável, balizada apenas por objetivos
puramente fiscais.
Para neutralizar os excessos do liberalismo, surgiu a convicção de que
apenas através do Estado seria possível obter a contraposição capaz de suprir as
necessidades sociais emergentes. Neste contexto, o Estado começa a ser cada vez
mais solicitado a intervir na vida social, toma corpo a doutrina do intervencionismo e
de Estado dirigista. São exigidas medidas de planejamento econômico e social, uma
intervenção direta e dirigente na economia e um sistema de prestações em todos os
níveis da vida social.
O tributo passa a não se revestir mais do aspecto meramente fiscalista,
de simples meio de obtenção de recursos para o Estado, passando também a
encerrar objetivos extrafiscais que visam a uma dimensão nitidamente social.
Na evolução histórica do princípio da capacidade contributiva formaram-
se várias teorias na busca de um critério justo para a distribuição do encargo fiscal.
A teoria do igual sacrifício da doutrina utilitarista defendeu que a tributação em
conformidade com a capacidade contributiva encontrava sua justificativa no igual
sacrifício dos contribuintes e, serviu de embasamento para a idéia de
progressividade. A teoria do benefício também se prestou para fundamentar o
41
princípio da capacidade contributiva. Benvenuto Griziotti43, para verificar o potencial
econômico do contribuinte, defendeu a tese de que se deveria criar um nexo de
causalidade entre a capacidade contributiva e a obrigação tributária.
Na história da humanidade, a idéia de justiça fiscal se enraizou e os
acontecimentos de muitos fatos históricos relevantes podem ser atribuídos ao
arbítrio na atividade de tributação, que, em maior ou menor grau, desrespeitava a
dignidade e o sentimento de justiça dos obrigados ao seu pagamento, como por
exemplo, a Revolução Francesa e a Inconfidência Mineira, dentre outros.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 fez
referência ao princípio da capacidade contributiva em seu artigo 13: “doit être
également répartie entre tous les citoyens, en raison de leurs facultés”, a
contribuição para as despesas da administração deveria ser igualmente repartida
entre todos os cidadãos do Estado na proporção de seu patrimônio.
A Constituição Francesa de 1791 influenciou a maioria das Constituições
que acolheram o princípio da capacidade contributiva em seus textos ou que
passaram a respeitá-lo como um corolário do princípio da igualdade. Desenvolveu o
conceito de que os tributos são uma contrapartida para os benefícios concedidos
pelo Estado na proteção de sua pessoa e de sua propriedade. Assim, esta
Constituição declarou que a regra da distribuição do encargo das despesas públicas
deveria ser feito de modo igual entre os cidadãos, respeitando suas faculdades.
Posteriormente este tema passou a fazer parte de vários textos
constitucionais, a Constituição Francesa de 1848, por exemplo, em seu artigo 15
rezava que “cada cidadão contribui para o imposto na proporção de suas faculdades
e de sua fortuna”. A Constituição Alemã de 1919 (Weimar), em seu artigo 134
43 ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de direito tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 149.
42
também fez menção ao princípio da capacidade contributiva. Outro exemplo que
deve ser lembrado, é a Constituição Italiana de 1947, que em seu artigo 53
expressou que “todos são obrigados a pagar impostos em conformidade com sua
capacidade contributiva.” A Constituição Brasileira, a Constituição Argentina, a
Espanhola, também fazem menção a este princípio, mas utilizam a expressão
capacidade econômica como sinônima de capacidade contributiva. Podemos dizer
que vários foram os países que consagraram este princípio em suas Constituições.
Assim, a partir do século XX, nos país
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