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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU
(UFPI)
Pr-Reitoria de Ensino de Ps-Graduao
(PRPG)
Ncleo de Referncia em Cincias Ambientais do Trpico Ecotonal do Nordeste
(TROPEN)
Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA)
Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(MDMA)
USO, CLASSIFICAO E REPRESENTAO AMBIENTAL DE
MACROFUNGOS EM UMA REGIO DE CAATINGA, NORDESTE DO
BRASIL
SANTINA BARBOSA DE SOUSA
TERESINA
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU
(UFPI)
Pr-Reitoria de Ensino de Ps-Graduao
(PRPG)
Ncleo de Referncia em Cincias Ambientais do Trpico Ecotonal do Nordeste
(TROPEN)
Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA)
SANTINA BARBOSA DE SOUSA
USO, CLASSIFICAO E REPRESENTAO AMBIENTAL DE
MACROFUNGOS EM UMA REGIO DE CAATINGA, NORDESTE DO
BRASIL
Dissertao apresentada ao Programa Regional de Ps-
Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente da
Universidade Estadual do Piau
(PRODEMA/UFPI/TROPEN), como parte dos requisitos
obteno do ttulo de Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente. rea de concentrao: Desenvolvimento do
Trpico Ecotonal do Nordeste. Linha de Pesquisa:
Biodiversidade e Utilizao Sustentvel dos Recursos
Naturais.
Orientador: Prof. Dr. Jos de Ribamar de Sousa Rocha
Co-Orientdor: Prof. Dr. Reinaldo Farias Paiva de Lucena
Co-orientadora: Prof Dra.Roseli Farias Melo de Barros
TERESINA
2016
OFEREO
Primeiramente a Deus e aos meus pais, Delzuita Barbosa de Sousa e Albino Moreira de
Sousa, que me conduziram incansavelmente nessa vida e, sempre estiveram comigo nas
minhas decises.
Muito Obrigada!!!
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me conceder o dom da vida, guiar meus passos e me permitir mais uma
caminhada nessa jornada da vida.
Ao Programa Regional de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA/UFPI), na pessoa da coordenadora Profa. Dra. Roseli Farias de Melo Barros,
pela oportunidade. Aos professores do programa e pessoal de apoio, pela amizade e
colaborao, em especial a Sra. Maridete Alcobaa, Sr. Batista Arajo e Sr. Raimundo
Lemos, pelo atendimento prestado e as boas conversas.
Secretaria Estadual de Educao e Cultura do Piau SEDUC, pela liberao em
regime integral para cursar o mestrado. direo da Unidade Escolar Beija Valente na pessoa
da Sra. Clia Sobreira e Valmor Pinheiro pelo incentivo e disposio em ajudar.
Ao Centro de Educao Aberta do Brasil (UAB) na pessoa do Prof. Dr. Gildsio
Guedes Fernandes, pela oportunidade de compartilhar experincia. Aos amigos Dra. Maria da
Conceio Prado Oliveira, Elies Idalino Rodrigues, Cledinaldo Borges Leal e Leom
Albuquerque Matos, pelo apoio e incentivo.
Ao Sistema de Biodiversidade e Conservao (SISBIO) do Instituto Chico Mendes
(ICMBio) e ao Comit de tica em Pesquisa (CEP) da UFPI, pela aprovao do projeto.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Jos de Ribamar de Sousa Rocha, pela pacincia, que
como pai cientfico dedicou-se com carinho e compreenso nas orientaes, contribuindo com
o conhecimento cientfico.
minha co-orientadora, Profa. Dra. Roseli Farias Melo Barros, pela ateno, carinho
e valiosas contribuies concedidas, e meu co-orientador Prof. Dr. Reinaldo Farias Paiva de
Lucena que sempre foi solcito nas suas contribuies.
Prefeitura Municipal de Canto do Buriti, na pessoa do Ilmo Sr. Prefeito Marcos
Pires Chaves, pelas ajudas de transporte para deslocamento de campo.
comunidade Zabel, em especial a famlia da Sra. Alberta Maria de Jesus e Sr.
Pedro Alcntara da Silva (Nouca), pela hospitalidade que gentilmente prestaram ao receber-
me em sua residncia. Ao Sr. Nilson Alves Parente, pela hospitalidade e pelas boas conversas
e ensinamentos sobre o conhecimento local. Ao Sr. Quitino Alves Tolentino e Sra. Joana
Joaquina de Jesus Alves, pelas contribuies e recepo calorosa em sua residncia. Ao amigo
Jlio Filho, pelas horas de ajuda em campo. A Sra. Gildete Gonalves, Agente Comunitrio
de Sade do Programa de Sade da Famlia, pelas contribuies das informaes concedidas.
Sra. Milena dos Santos Silva, presidente da comunidade pela autorizao e demais
contribuies de grande valia para o desenvolvimento da pesquisa. Ao Sr. Pedro Alcntara da
Silva (Nouca), pelas viagens de campo recheadas de informaes e descontraes.
Aos colegas do TROPEN, turma 2014-2016, Juliana Cardozo, Bernadete Bezerra,
Evadilson Costa, Jorge Henrique Silva Jnior, Brunna Laryelle, Helton Marques, Alexandra
Arajo, Lara Carvalho, Anderson Vieira, Clarisse Arajo, Irineu Campelo, Waneska
Vasconcelos e os demais pelo companheirismo, amizade, descontrao, incentivo e apoio
cientfico.
Aos colegas do Mestrado, turma 2012-2014, Kelly Nayara Cunha e Jos Almeida Neto
pelo apoio e incentivo.
Aos amigos do laboratrio de Micologia da Universidade Federal do Piau e da turma
2014-2016 Maria do Amparo Macedo, Larcio Saraiva e Janete Silva, pela amizade e apoio
nos momentos que passamos no laboratrio.
minha amiga, porque no dizer minha irm Evalece Sousa, pela sua dedicao,
companheirismo, pela parceria nas minhas decises e na pesquisa, pelas horas que se dedicou
idas ao campo, pela indispensvel ajuda na acolhida em sua casa e no desenvolvimento deste
trabalho.
minha famlia, em especial aos meus pais Albino Moreira de Sousa e Delzuita
Barbosa de Sousa pelo amor, compreenso, incentivo e oraes que, apesar de no serem
letrados sempre estiveram presentes e, foram decisivos e indispensveis para realizao desta
conquista. Aos irmos que me acompanharam em campo Joo Barbosa de Sousa, Roberto
Barbosa de Sousa, Albino Moreira de Sousa Filho, Jos Barbosa de Sousa Junior. Aos
membros da famlia que no foram aqui citados, pelo amor e compreenso dispensados a mim
a tudo e a qualquer momento.
minha nova famlia que Deus me deu a graa de conviver e me que me deu apoio D.
Doneves Teles, Antnia Lisboa e Maxsuely Oliveira, Lecirane Silva e Ranieri por me
receberem de braos abertos em sua casa durante o programa, bem como, pela amizade e
momentos de famlia, que Deus os recompense.
A todos que direta ou indiretamente ajudaram para realizao deste trabalho.
Obrigada!!!
RESUMO
A presente pesquisa objetivou registrar o conhecimento local e diversidade dos macrofungos
conhecidos e/ou utilizados em uma regio de Caatinga, no intuito de colaborar com a
preservao e conservao da biodiversidade ali existente, bem como, contribuir com o
resgate, a valorizao e a manuteno da cultura tradicional local. Realizou-se 56 entrevistas
(23 homens e 33 mulheres), com formulrio semiestruturado acompanhado de cheklist-
entrevista para coleta de dados etnomicolgicos, com os remanescentes da antiga Zabel.
Procedeu-se com a tcnica turn-guiada utilizando informantes-chave para as coletas
micolgicas. O material biolgico coletado foi identificado e incorporado ao Laboratrio de
Micologia da Universidade Federal do Piau e, todas as informaes dos dados foram
submetidas s anlises qualitativas e, quantitativas atravs do programa Freelist e Pilesorte
Multidimencional Scaling do Antropac Software e, ao programa Statistica 8.0, assim como
tambm com o ndice Valor de Uso (VU). Foram reconhecidas 08 espcies distribudas em 12
etnoespcies de macrofungos de ocorrncia em planta e solo, sendo mais citadas as orelhas-
de-pau pertencente famlia Ganodermataceae do Complexo Ganoderma applanatum
(Pers.) Pat., com citaes nas categorias que mata planta e uso medicinal. A maioria dos
informantes os classifica como diferentes de plantas e animais. A diversidade observada est
diretamente relacionada varivel climtica, distribuda em substratos vegetais e solo. As
atribuies ecolgicas foram bem descritas quanto decomposio da matria orgnica.
Retrataram memrias da infncia onde os fungos eram utilizados como objeto ldico nas
brincadeiras. Registraram-se espcies de fungos de uso medicinal para os sistemas digestivo,
reprodutor, tegumentar e anticancergeno, onde pequena parcela (18%) da comunidade faz ou
fez uso desses organismos, sendo que parte destes est apenas na memria. No houve
diferena significativa entre o conhecimento em idosos e adultos, porm acrescentou novas
informaes entre os jovens, na relao fungo e animais. Os idosos apresentaram mais
detalhes nas informaes do que os adultos e os jovens, destacando-se maior atribuio para a
natureza, seguida de uso medicinal. O conhecimento local acerca da biodiversidade pode
contribuir no processo de conservao da biodiversidade da Caatinga, visto que a comunidade
apresenta algum tipo de conhecimento a respeito dos macrofungos, onde tal conhecimento
importante no auxlio para o entendimento do dinamismo das espcies em questo, assim
como na insero dos mesmos nas aes que se destinem a este fim ou, como uma alternativa
de conciliar a manuteno da biodiversidade e da cultura local, j que se trata de
remanescentes de reas protegidas, como o Parque Nacional Serra da Capivara, criadas para
atender a necessidade de preservar a biodiversidade.
Palavras-chave: Comunidade rural. Etnomicologia. Conservao
ABSTRACT
This research aimed to register the local knowledge and diversity of known and used
macrofungi in a Caatinga region in order to contribute to the preservation and conservation of
the local biodiversity and contribute to the rescue, recovery and maintenance in the traditional
local culture. We conducted 56 interviews (23 men and 33 women) with semistructured form
accompanied by cheklist-interview to collect ethnologic data with the remnants of the old
Zabel. We proceeded with the "tour-guided" technique, using key informants for the
mycological collection. The biological material collected has been identified and incorporated
into the Federal University of Piau Mycology Laboratory and all the information of the data
were submitted to qualitative and quantitative analysis through FREELIST and Pilesorte
multidimensional Scaling from Antropac Software and to the Statistica 8.0 program, as well
as with the Use Value index (VU). It were recognized 08 species distributed in 12
ethnospecies of macrofungi occurring in plant and soil. It was more cited the "ears-to-stick"
belonging to Ganodermataceae family from Ganoderma applanatum (Pers.) Pat. Complex,
with quotes in the categories that kills plant and medicinal use. Most informants classifies
them as different from plants and animals. The observed diversity is directly related to
climate, distributed in plant and soil substrates. The ecological functions have been well
described as the decomposition of organic matter. They portrayed childhood memories where
the fungi were used as a playful object in play. It were registered species of medicinal use
fungi to the digestive, reproductive, integumentary and anticancer where small portion (18%)
of the community does or did use of these organisms, and part of these are only in memory.
There was no significant difference of knowledge between elderly and adults, but added new
information among young people, about fungus and animals relationship. Older people had
more details on the information than adults and young people, most award highlighting for
nature, followed by medicinal use. Local knowledge about biodiversity can contribute to the
process of conservation of the Caatinga biodiversity, as the community has some kind of
knowledge about the macrofungi. Such knowledge is important in helping to understand the
dynamics of the species concerned as well as the insertion of them in the actions that are
intended for this purpose or as an alternative to reconcile the maintenance of biodiversity and
local culture, as it comes to remnants protected areas (E.g. the Serra da Capivara National
Park), created to meet need to preserve biodiversity.
Keywords: Rural Community. Ethnomycology. Conservation
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Localizao da atual comunidade Zabel, So Raimundo Nonato/PI,
Brasil PI ................................................................................................................................... 24
Figura2. Estrutura fsica da antiga comunidade Zabel, Parque Nacional Serra da Capivara,
So Raimundo Nonato/PI ......................................................................................................... 26
Figura 3. Grfico de ocupao da populao pesquisada da comunidade Zabel, So
Raimundo Nonato, Brasil ......................................................................................................... 28
Figura 4. Fonte de renda complementar da populao pesquisada da comunidade Zabel, So
Raimundo Nonato, Brasil ......................................................................................................... 28
Figura 5. Grfico da distribuio por gnero e faixas etrias da populao pesquisada da
comunidade Zabel, So Raimundo Nonato, Brasil .................................................................. 29
Figura 6- Grfico da distribuio quanto a escolaridade da populao pesquisa da
comunidade Zabel, So Raimundo Nonato/PI, Brasil.............................................................. 30
LISTA DE FIGURAS DOS ARTIGOS
ARTIGO 1. Classificao Folk dos macrofungos por uma comunidade rural, Nordeste do
Brasil.
Figura 1. Identificao dos macrofungos, na classificao dos seres vivos, citados pelos
informantes da Comunidade Novo Zabel, So Raimundo Nonato/Piau .................................. 44
Figura 2. Agrupamento dos macrofungos citados pelos informantes locais da comunidade
Zabel, Piau, Brasil, utilizando o programa ANTROPAC ....................................................... 46
Figura 3.Agrupamento dos macrofungos conforme varivel ambiental citadas pelos
informantes locais da comunidade Zabel, Piau, Brasil, utilizando o programa
ANTROPAC ............................................................................................................................ 50
ARTIGO 2 Percepo sobre os macrofungos em uma comunidade rural na Caatinga, Nordeste
do Brasil
Figura 1. Mapa de localizao da comunidade Zabel, So Raimundo Nonato/PI. ................... 60
Figura 2. Fase da vida na aquisio do conhecimento sobre macrofungos da populao
pesquisada da comunidade Zabel, So Raimundo Nonato, Brasil............................................ 64
Figura 3. Relao intergeracional na transmisso dos saberes sobre os macrofungos, citados
pelos informantes da Comunidade Novo Zabel, So Raimundo Nonato .................................. 65
Figura 4. Histograma de categorizao por faixa etria quanto a importncia dos
macrofungos, citados pelos informantes da Comunidade Novo Zabel, So Raimundo
Nonato ..................................................................................................................................... 67
ARTIGO 3 Uso de macrofungos em regio de caatinga no Nordeste do Brasil
Figura1. Mapa de localizao da comunidade Novo Zabel, So Raimundo Nonato/PI,Brasil . 76
Figura 2. Citao de uso de macrofungos pelos informantes da comunidade Novo Zabel,
So Raimundo Nonato/PI ......................................................................................................... 78
Figura 3. Ilustrao de macrofungos com citao de uso na comunidade Novo Zabel, So
Raimundo Nonato/PI................................................................................................................ 80
Figura 4. Esporos de Coprinus sp utilizados como cicatrizante de ferimento da pele na
comunidade Novo Zabel, So Raimundo Nonato/PI Brasil, utilizando o programa do
ESTATISTA ............................................................................................................................ 83
LISTA DE TABELAS
ARTIGO1 Classificao Folk dos macrofungos por uma comunidade rural, Nordeste do
Brasil.
Tabela 1. Palavras que justifica o agrupamento dos macrofungos na categorizao nem
planta/nem animal, citadas pelos informantes locais da comunidade Zabel, Piau, Brasil,
utilizando o Freelist do ANTROPAC. ...................................................................................... 47
Tabela 2. Formas de identificao dos macrofungos citadas pelos informantes locais da
comunidade Zabel, Piau, Brasil, utilizando o Freelist do ANTROPAC .................................. 48
Tabela 3. Nomes vernaculares encontrados nos substratos citados pelos informantes locais da
comunidade Zabel, Piau, Brasil ............................................................................................. 49
ARTIGO 2 Percepo sobre os macrofungos em uma comunidade rural na Caatinga, Nordeste
do Brasil
Tabela 1. Percepo ambiental dos informantes na relao fungo-planta-ambiente. ................. 63
ARTIGO 3 Uso de macrofungos em regio de caatinga no Nordeste do Brasil
Tabela 1. Citao de uso de macrofungos com forma de transmisso na comunidade Novo
Zabel, So Raimundo Nonato/PI ............................................................................................ 79
Tabela 2. Utilizao de espcies de macrofungos na comunidade Novo Zabel, So
Raimundo Nonato/PI................................................................................................................ 81
SUMRIO
1.INTRODUO .................................................................................................................... 14
2 REVISO DE LITERATURA.............................................................................................. 16
2.1 Os macrofungos ................................................................................................................. 16
2.2 Etnomicologia .................................................................................................................... 17
2.2.1 Usos de macrofungos ...................................................................................................... 17
2.2.2 Classificao Folk ........................................................................................................... 21
2.2.3 Representao local ......................................................................................................... 22
3.0 CARACTERIZAO DA REA DE ESTUDO ............................................................... 23
3.1 Localizao ........................................................................................................................ 23
3.2 Perfil histrico da antiga comunidade Zabel ..................................................................... 24
3.3 Caracterizao da atual comunidade Zabel ....................................................................... 26
3.4 Perfil socioeconmico ........................................................................................................ 27
4. REFERNCIAS ................................................................................................................... 32
5. ARTIGOS ............................................................................................................................ 39
5.1 Artigo 1. Classificao Folk dos macrofungos por uma comunidade rural, Nordeste do
Brasil ....................................................................................................................................... 39
5.2 Artigo 2 Percepo sobre fungos em uma comunidade rural, semiarido brasileiro .............. 39
5.3 Artigo 3. Uso de macrofungos em regio de Caatinga no Nordeste do Brasil .................... 39
6. CONSIDERAO FINAL ................................................................................................. 91
APNDECE ............................................................................................................................ 93
ANEXOS ................................................................................................................................. 96
14
1 INTRODUO
O Brasil um pas que possui uma grande diversidade biolgica, podendo abrigar
variedades de espcies nos grandes biomas. Porm, ainda necessita avanar em pesquisas para
conhecer essa megadiversidade (LEWINSHON E PRADO, 2005; FORZZA et al., 2010).
Para atender essa necessidade, as comunidades tradicionais contribuem com conhecimento da
biodiversidade local promovendo a conservao e uso sustentado dos recursos (DIEGUES et
al., 1999).
A Etnobiologia surge na Etnocincia para compreender as conceituaes do mundo
natural desenvolvidas pela sociedade, o papel da natureza no ambiente das crenas,
percepes em organizar as coisas a partir das observaes do ambiente natural, dedicando-se
num contexto interdisciplinar das interaes entre seres humanos e, seu ambiente vegetal,
animal e fngico (DIEGUES, 1999; TOLEDO, 1992). compreendida tambm como sendo
estudo do conhecimento e das conceituaes desenvolvidas por qualquer cultura sobre os
seres vivos e os fenmenos biolgicos, podendo atuar no campo da Etnozoologia,
Etnoecologia, Etnobotnica, entre outros (ALBUQUERQUE, 2005).
Como parte da Etnobiologia, a Etnomicologia estuda as relaes entre o homem e os
fungos, os conhecimentos locais e uso desses organismos, por meio de comunidades
tradicionais, investigando saberes ligada a importncia ecolgica e cultural, assim como a
utilizao dos recursos fngicos, compreendendo o valor dado a esses recursos a partir da
vivncia local (RUAN-SOTO et al., 2009).
O uso de fungos na terapia faz parte de tradies milenares (AMAZONAS;
SIQUEIRA, 2003). Apresenta descries h 3000 anos, na Guatemala e na civilizao Grega
no uso de fungos medicinais e mstico (MOLITORIS, 1994).
Estudos de cunho etnomicolgico no Brasil tiveram incio na dcada de 60 em
comunidades indgenas por o pesquisador Oswaldo Fidalgo onde este concluiu que os ndios
brasileiros demonstram pouco interesse para com os fungos, na dcada seguinte registrou-se
uso na categoria medicinal e alimentao (FIDALGO; PRANCE, 1976).
Na regio Nordeste, as pesquisas realizadas sobre fungos esto mais concentradas no
estado de Pernambuco, porm, voltadas ao levantamento taxonmico da micota em geral
(PIRES et al. 2014). No estado do Piau, a pesquisa etnomicolgica pioneira, fato que
relevante para iniciar uma srie de discusses no Estado, visando aprofundamento no
conhecimento tradicional que poder contribuir tanto para preservao, quanto para outras
necessidades que venham surgir na sociedade.
15
A comunidade Zabel, localizada no municpio de So Raimundo Nonato, serto
piauiense, est situado em assentamento rural Novo Zabel, criado atravs do Programa de
Reforma Agrria do governo brasileiro, em 1997. constituda por grupo social secular,
formado entre os anos de 1800 e 1900, cujo territrio teve que ser desocupado pelas famlias
que l viviam devido implantao do Parque Nacional Serra da Capivara, em 1989
(MATOS, 2012), motivo que levou a investigao dos saberes dessa comunidade, devido sua
relao com uma Unidade de Conservao.
Assim, prope-se realizar um estudo etnomicolgico da comunidade Zabel
relacionando variveis ambientais, cultural e socioeconmica. Para tal estudo, necessita-se
dos conhecimentos biolgicos, ambientais, antropolgicos e econmicos da comunidade
pesquisada. Justifica-se estudo nessa comunidade por possui um histrico cultural e ambiental
bastante interessante, possibilitando investigao socioambiental, pois moraram em rea que
pertence atualmente ao Parque Nacional Serra da Capivara e, sendo que de alguma forma
pode retratar conhecimentos da biodiversidade do semirido brasileiro.
Diante do contexto histrico em que se encontra a comunidade, reflete-se, 1) a
populao da comunidade Zabel reporta algum conhecimento sobre macrofungos no
contexto da biodiversidade da Caatinga? 2) Existe alguma forma de uso desses fungos? 3)
Que tipo de vnculo mantido entre a populao remanescente e os fungos?. Como hiptese
supe-se que, pelas condies de convivncia em regio do semirido, a populao
remanescente da comunidade Zabel pode apresentar saberes etnomiclogicos importantes
quanto representao ambiental e uso desses recursos na Caatinga que pode variar quanto ao
gnero e faixa etria.
Definiu-se como objetivo principal dessa pesquisa, registrar o conhecimento local
sobre a diversidade os macrofungos conhecidos e/ou utilizados da comunidade Zabel,
situado no municpio de So Raimundo Nonato, Piau/Brasil. Assim, na perspectiva de
discutir a relao homem/fungos existente na comunidade, no que diz respeito ao
conhecimento e uso desses recursos biolgicos, optou-se por organizar este trabalho do
seguinte modo: introduo geral, seguida pelos tpicos de reviso de literatura, histrico da
comunidade, referncias segundo as normas da ABNT vigentes em 2011. Seguiu-se, com a
apresentao dos artigos cientficos intitulados: Classificao folk dos macrofungos por uma
comunidade rural, Nordeste do Brasil, publicado na Revista Espacios, Percepo sobre fungos
no semirido brasileiro e Uso dos fungos em regio de Caatinga, Nordeste do Brasil, que
sero submetidos a Revista Ambiente & sociedade e, a Revista Gaia Science,
respectivamente.
16
2 REVISO DE LITERATURA
2.1 Os Macrofungos
Os fungos so definidos pelos bilogos como organismos eucariticos, aclorofilados e
produtores de esporos, com nutrio absortiva, que geralmente reproduzem-se assexuada e
sexuadamente e cujas estruturas somticas filamentosas, conhecidas como hifas, so rodeadas
por paredes celulares (ALEXOPOULOS MIMS; BLACKWELL, 1996). Por sua vez, as
partes somticas, at recentemente chamada de corpos de frutificao e, os macrofungos
possuem cores vivas, formas curiosas e outras atribuies como toxidade, valor nutricional e
efeitos medicinais, que sempre atraram a ateno de povos de diferentes culturas
(AMAZONAS; SIQUEIRA, 2003; RAVEN; EVERT; EICHORN, 2001). Formam estruturas
reprodutivas que proporcionam a continuidade da espcie, desenvolvendo como conhecido
popularmente os cogumelos, orelhas de pau, e outras estruturas reprodutivas visveis a olho
nu (ISHIKAWA et al. 2012).
Na classificao dos seres vivos os fungos apresentam caractersticas tpicas como
formas de vida diferenciada dos demais organismos, o que levou a sistemtica moderna a
agrup-los em um reino parte. Quanto ao metabolismo apresentam semelhana com animais
por serem heterotrficos e, na reproduo est mais prximo das plantas devido o crescimento
multicelular e a presena da parede celular (AMAZONAS; SIQUEIRA, 2003). Quando se
trata de evidncias moleculares, recentes sugerem que os fungos esto mais relacionados com
os animais do que com as planta, devido sua parede celular ser constituda por quitina, sendo
o mesmo revestimento encontrado no exoesqueleto dos insetos, aracndeos e crustceos e, por
armazenarem glicognio (ALEXOPOULOS MIMS; BLACKWELL, 1996; RAVEN;
EVERT; EICHORN, 2001).
O Brasil apresenta registros de macrofungos com finalidade de conhecer a micota
brasileira, no entanto, apesar de ser um pas que apresenta uma megadiversidade de seres
vivos, a maior informao existente est restrita a alguns tipos de organismos, como plantas
superiores e vertebrados (BONONI et al., 2008). A diversidade de vida pertencente ao reino
Fungi surpreendente, constituindo o segundo grupo mais variado de organismos eucariontes
terrestre, apesar de serem poucos conhecidos (FORZZA et al. 2010). Contribuindo com
grande parte da diversidade fngica, o Brasil, apesar de ser pouco conhecida a micota das
regies, tem ocorrncia de registro com distribuio em variados ecossistemas (PIRES et al.
2014).
17
A regio nordeste, considerando registros em geral sobre diversidade de fungos,
apresenta referncia sobre a micota bastante significante para o Brasil, possuindo cerca de
1.749 espcies, sendo que o estado de Pernambuco registrou maior nmero (937 spp) (PIRES
et al., 2014). Na categoria dos macrofungos, registrou-se o basidiomiceto Graphiola
phoenicis (Moug.) Poit. (Graphiolales) ocorrentes em folhas de Phoenix dactylifera, no
municpio do Crato no Cear (FREIRE; GONALVES, 2012) e com espcies Ganoderma
lucidum (W. Curt:Fr.) Karst. Ganoderma parvulum Murrill nos Estados de Sergipe, Alagoas,
Pernambuco, Paraba e Rio Grande do Norte (GILBERTONI; RYVARDEN;
CAVALCANTE, 2004), assim como registro de espcie da famlia Agaricaceae no estado de
Pernambuco Agaricaceae (WARTCHOU, 2005). Dentre os macrofungos registrados na regio
Nordeste, encontra-se estudos farmacognsticos e atividade biolgica com o gnero
Ganoderma (PEREIRA JUNIOR, 2013).
2.2 A Etnomicologia
A Etnomicologia estuda a relao entre o homem e os fungos (RUAN-SOTO, 2009).
Tem como principais categorias: gastronomia, com consumo de espcies que complementam
a dieta de muitos povos; medicinal, desenvolvido principalmente no extremo oriente e
associado Polyporales e espcies afins, com relevncia nas prticas da medicina;
alucingenos, onde o consumo tradicionalmente associado a ritos xamnicos em muitas
culturas da sia, da frica e da Amrica e, na categoria toxidade, relacionado a espcies
nativas comestveis, consumidas acidentalmente (OLIVEIRA; CALADO; ROSADO, 2003;
VARGAS-ISLA; ISHKANA; DANIELA, 2013).
Por os fungos exercerem papel importante ao longo da histria da humanidade,
populaes tm sido distribudas pelos micologistas modernos como povos micfilos, que
sempre demonstraram atrao pelos fungos em seus diversos usos e, no micfilos que nunca
manifestaram interesse pelos fungos ou que tem averso por eles (FIDALGO, 1968) e que, a
forma de demonstrao de interesse pode ser influenciada por eventos culturais de migrao
humana (LEFF, 2010). Nesse sentido, na formao de um grupo humano, torna-se possvel
refletir como a cultura pode modular a nossa relao com os fungos (FERREIRA JUNIOR;
ALBUQUERQUE, 2014).
2.2.1 Usos de macrofungos
Para Boa (2004), mais de 200 gneros de macrofungos so utilizados por populaes
no mundo, principalmente pelas suas propriedades comestveis e, cerca de 100 espcies de
18
cogumelos nativos podem ser cultivadas. Nesse contexto, destacam-se comunidades na regio
do Mxico que usam fungos em suas dietas e, fazem comercializao desse produto.
Em regio florstica do Golfo do Mxico, pesquisas foram desenvolvidas no intuito de
descrever o conhecimento micolgico tradicional de grupos tnicos em mercados de doze
municpios, onde registrou venda de espcies Schizophyllum commune Fr. e Polyporus
tenuiculus (Beauv.) Fr. como tambm de Auricularia polytricha (Mont.) Sacc., Auricularia
delicata (Fr.) Henn. e Pleurotus djamor (Fr.) Boedijn; que so comercializados e apreciados
por a populao, sendo a espcie Schizophyllum commune a mais preferida de toda regio
devido o sabor e a consistncia. Foi relatado fungos de concepes txicas, alucingenos e
relatos de saberes ecolgicos dos fungos conhecidos e utilizados ( RUAN-SOTO;
GARIBAY-ORIJEL; JOAQUI, 2004).
Ainda sobre consumo e comercializao no Mxico, foi relatado uso de fungos
comestveis em mercados de Chalco, Amecameca e Ozumba, determinando o valor de uso das
espcies encontradas, onde foram registradas 67 espcies de fungos comestveis nos quatro
mercados pesquisados e, os fungos consumidos representam uma riqueza de importncia
cultural herdada atravs de gerao e, reiterada no conhecimento tradicional dos compradores
com gerao de renda familiar, tendo preferncia por espcies de Morchella por ter maior
Valor de Importncia Etnomicolgica (VIE), observada em pequenas vendas dos mercados
regionais (ESTRADA-MATNEZ et al., 2008).
Uso e comercializao, tambm foram verificados em regio de Oaxaca, Mxico,
identificando 20 espcies de fungos comestveis, descritos em 12 gneros em mercados
regionais, das espcies de fungos relatadas, reportando diferentes usos com potencial de
exportao, valor nutricional, propriedades medicinais e biotecnolgicos. Os fungos
comestveis silvestres em mercados podem ser utilizados em modelos de sustentabilidade por
comunidades rurais da regio (JIMNEZ-RUIZ et al., 2013). Na mesma regio revelou
importncia da espcie Tremelloscypha gelatinosa no aspecto do seu valor cultural e
ecolgico. O fungo, que apreciado na culinria local percebido localmente, fazendo
associao com razes de plantas, considerada indicador do valor ecolgico do sistema de
redes de micorrizas da Gymnopodium floribundum (BANDALA et al., 2014).
Uso comestvel em comunidades rurais, foi encontrado no trabalho de Burrola-Aguilar
et al., (2012) registrando conhecimento micolgico no municpio de Amanalco, Mxico
partindo do conhecimento das espcies consumidas e a valorizao dada a esse recurso com
importncia para o manejo e proteo. Assim, recopilaram o conhecimento tradicional dessas
comunidades evidenciando variaes quanto s espcies conhecidas, os nomes tradicionais
19
dados, a preferncia de consumo e o aproveitamento, apresentando ndice de importncia
cultural dos fungos usados. Foram registrados 56 fungos comestveis, onde 38 eram
comercializados, sendo de maior importncia as espcies de Helvella crispa, H. lacunosa, H.
sulcata (gachupines), Amanita caesarea (tecomates) e Lyophylum decastes (clavitos).
Em Chiapas, regio sul do Mxico, pesquisadores analisaram diferentes prticas
culturais no uso de fungos por trs comunidades migrantes, com histrico de antecedentes h
300 anos, por meio de uma aproximao qualitativa, sendo relatado conhecimento mais
difundido nas comunidades, o uso comestvel de preferncia da espcie Pleurotus djamor,
seguido do conhecimento de fungos venenosos, medicinais e os ldicos. A comunidade
identifica os fungos comestveis, os que frutificam em madeira e, os venenosos no solo
(RUAN-SOTO et al., 2009).
Na categoria medicinal, os fungos tiveram atuaes muito importantes na Antiga
Grcia, ndia e Mesoamrica, segundo Conceio et al. (2010), onde a populao cultuavam
esses organismos, por acreditavam que seus benefcios teraputicos reduziam infeces e,
agia como afrodisaco. Em termo mundial, o continente asitico tambm contribui com o
conhecimento de uso medicinal, onde povos da China para fins teraputicos espcies do
gnero Ganoderma (MILES; CHANG, 1997). A utilizao desse gnero tem sido
amplamente usada para promoo da sade em geral na medicina tradicional, onde era
comum o uso como agente de quimioterapia do cncer desde a China antiga, sendo
comprovada ao de suas propriedades bioativas (SLIVA, 2003).
No trabalho de Gonzlez (2013), utilizando tcnicas como entrevistas estruturadas,
no estruturadas e semiestruturadas, seguido de estmulos fotogrficos, turn-guiada, tcnica
de bola de neve, com sitiantes idosos, verificou-se espcies de fungos usados na medicina
popular de forma regionalizada em cinco comunidades do Mxico, atribuindo cura para
diversas enfermidades, tendo citaes para uso tpico e alvio de queimadura com espcies
Ustilago maydis e Claviceps gigantea, tratamento de diarria com espcies Lactarius
deliciosus e, atribuies com princpio ativo comprovado para ao antibitica dos gneros
Ganoderma e Fomitopsis.
Na categoria alucingena, os cogumelos so reportados desde a antiguidade atravs de
rituais mstica religioso, como descrito no trabalho de Robert Gordon Wasson que, aps
participar de uma cerimnia religiosa no Mxico, em 1955, ingeriu cogumelos psicoativos e, a
partir de ento, desenvolveu pesquisas acerca da relao entre o uso de cogumelos
alucingenos e religiosidade (WASSON; HOFMANN; RUCK, 2008).
20
A Etnomicologia brasileira, historicamente no teve tanto progresso como no Mxico,
por conta do modelo de colonizao. Os portugueses tinham propsito voltado apenas
explorao das terras e de sua gente, extraindo as riquezas naturais, porm, com mercado em
Portugal. Dessa forma, no sendo os portugueses micfilos por sua natureza, os fungos
escaparam da fria exploradora, assim como tambm no foram incorporados os hbitos dos
nativos brasileiros quanto utilizao dos fungos na alimentao, remdios e culto religioso,
como ocorre com os ndios mexicanos (FIDALGO, 1985).
Registro sobre o uso de fungos no Brasil teve incio na dcada de 60. Na categoria
comestvel com o trabalho do botnico brasileiro Oswaldo Fidalgo publicado em 1965,
intitulado Conhecimento micolgico dos ndios brasileiros, considerado o ponto de
partida para os estudos da Etnomicologia brasileira. Em seus estudos iniciais, constatou que
pouco ou quase nada se sabia sobre consumo de fungos em ndios brasileiros, salvo algumas
indicaes que consta apenas uso na medicina tradicional ou alimentao (FIDALGO, 1968).
Assim, a Etnomicologia brasileira demonstrou progresso na dcada de 60 e 70 com
conhecimento dos ndios Yanomam no consumo em sua dieta diria, porm com poucos
relatos em outras tribos no reconhecimento dos fungos como alimento, sendo as espcies mais
comuns utilizadas pertence s subfamlias Polyporoideae e Lentinoideae e dos
Aphyllophorales e os Agaricales. As tribos mostraram saberes na taxonomia e nomes nos
fungos superiores (FIDALGO; POROCA, 1986).
Na dcada de 70 Prance (1973) reportou que a etnia Yanomam do territrio de
Roraima usava fungos extensivamente em sua dieta, sendo identificadas as espcies Favolus
brasiliensis (Fr.) Fr., Favolus tessolatus Mont., Polyporus stipirius Berk. & Curt. e
Neoclitocybe bissiseda (Bres.) Sing. Em 1974, Fidalgo e Prance revisitaram a tribo
Yanomom e relataram usos na dieta dos ndios com espcies das subfamlias Polyporoideae
e Lentinoideae do gnero Favolus, Polyporus (sensu stricto), Lentinus e Pleurotus
(FIDALGO; PRANCE, 1976).
Recentemente, Vargas-Isla et al. 2013 pesquisou o conhecimento etnomicolgico dos
povos indgenas da Amaznia relatando uso de 34 espcies de cogumelos comestveis. Dentre
estas, os gneros Auricularia, Favolus, Lentinula, Lentinus sensu stricto, Panus e Pleurotus
apresenta maior consumo. Estas espcies apresentam potencial de cultivo de cogumelos
nativos para a regio Amaznica.
21
2.2.2 Classificao Folk
Cada povo possui um sistema nico de perceber e organizar as coisas, os eventos e o
comportamento (DIEGUES, 1999; PEREIRA; DIEGUES, 2010). Sustentando a maneira
como o homem organiza o que est ao seu redor, a Etnobiologia vm buscando compreender
por meio da cultura, os sistemas de classificao do mundo vivo e a forma de interao com
seu ambiente vegetal, animal e fngico (ALBUQUERQUE, 2005; TOLEDO, 1992).
Basicamente, trata-se do papel da natureza no sistema de crenas e adaptaes do homem a
determinados ambientes, enfatizando os conceitos utilizados pelos povos pesquisados
(POSEY, 1986), acontecendo o que chamado de taxonomia folk ou sistema de classificao
biolgica tradicional (ALVES et al. 2014).
Existem duas correntes tericas sobre sistema de classificao folk. Uma defende que
a classificao tradicional norteada a partir do carter utilitrio dos recursos ambientais,
tendo como defensor o antroplogo Eugene Hunn. Outra corrente a intelectualista ou
cognitivista, sugerindo que o sistema de classificao biolgica acontece por meio de que as
pessoas classificam os organismos para satisfazer uma necessidade de organizar os
organismos que esto a sua volta ou, simplesmente por meio de curiosidades, tendo como
defensor Brent Berlin (ALVES et al. 2014). Mediante as duas correntes, surgiram trabalhos
no campo vegetal, animal e fngico que confirmam as teorias descritas.
A etnoclassificao dos seres vivos relatada em trabalhos com comunidades rurais
do nordeste brasileiro, destacando a Etnobotnica com plantas teis, onde os informantes
demonstraram critrios de classificao predominantemente morfolgico e utilitrios
(ABREU et al., 2011) e, na Etnozoologia com categorizao de insetos, sendo que os animais
conhecidos nessa categoria, muitos no so classificados dentro da categoria lineana Insectae,
ocorrendo de forma como que os informantes os percebem (MONTENEGRO et al. 2014;
ALMEIDA NETO et al. 2015).
Mediante estudos etnomicogrfico em duas comunidades em regio de serra, nos
municpios de Marqus e de Comilla, no Mxico, por meio de tcnica de bola de neve, a
populao relatou conhecimentos tradicionais para abordagem de nomes, classificao e
percepo dos fungos silvestres dessas comunidades. O registro do reconhecimento dos
fungos ocorreu por ter algum significado do nome ou por ter alguma utilidade. Os nomes em
sua maioria fazem aluses a morfologia de membros corporais e objetos da vida cotidiana. As
comunidades classificam os fungos dentro de uma categoria hierrquica, correspondente a cor
e ao substrato e, percepes de atribuies a podrido de planta. Concluram com a pesquisa
22
que a forma de perceber os fungos leva em conta os fatores histricos e culturais das
comunidades pesquisada (RUAN-SOTO et al., 2007).
No Mxico, tambm foi realizado estudo apresentando conhecimento da diversidade
biolgica atravs da classificao folk, relatando nomes dos fungos na lngua zapotecos.
Destaca-se nessa pesquisa a importncia da conservao cultural nessa lngua sendo que,
apesar de apresentar uma variao nos nomes, os fungos Amanita caesareas, Cantharellus
cibarius e Hydnum repandum , foram preservados por apresentarem importncia na categoria
alimentcia nessa comunidade indgena (GARIBAY-ORIJEL, 2009).
A etnoclassificao possibilita conhecer a biodiversidade local. o que acontece com
o grupo indgena sul-americano Hoti da Amaznia venezuelana que reporta conhecimento
sobre uso em 31 taxon de fungos, sendo relatado uso na alimentao, rituais msticos e uso
medicinal. O grupo classifica os fungos conhecidos e utilizados como diferentes de plantas e
animais e, a forma como organizam esses seres, apresenta um significado para biodiversidade
local (ZENT; ZENTS; ITURRIAGAT, 2004).
No Brasil, os ndios da Amaznia do grupo Yanomami, devido provavelmente ao seu
comportamento micoflico antigo, apresentam um amplo conhecimento em etnoclassificao
de fungos baseado em caractersticas morfolgicas, sendo alguns casos similares
classificao filogentica. O conhecimento tradicional indgena pode ser importante para o
desenvolvimento da sistemtica de fungos, reforando a validade epistemolgica dessas
formas distintas de conhecimento do mundo natural ( CARDOSO et al., 2010). Nessa mesma
regio, Vargas-Isla et al. (2013) relatou a contribuio dos indgenas para a Etnomicologia,
correlacionando os saberes com a taxonomia filogentica, na tentativa de realizar um
rearranjo da taxonomia dos fungos relatados na literatura. A etnoclassificao dos fungos por
tribos indgenas demonstrando saberes na taxonomia e nomes nos fungos superiores que
utilizam j demonstrados na dcada de 80 no estudo de Fidalgo e Poroca (1986).
2.2.3 Representao local
A construo da histria biolgica e cultural humana acontece com base nas interaes
com os outros seres vivos, estabelecendo vnculos cognitivos, perceptivos, econmicos e
comportamentais com os elementos da natureza. A percepo por sua vez, na Etnobiologia,
leva em considerao fatores psicolgicos adquiridos por meio de estmulos visuais externos e
o fator cultural, substituindo a percepo por representao, sabendo que o acesso s
informaes de um grupo social pesquisado sobre elementos ambientais no o que de fato
percebido, mas sim, uma representao da realidade interna da mente dos indivduos em
23
relao realidade externa (SILVA; ALBUQUERQUE, 2014). E assim, so construdas
representaes ambientais na sociedade moderna com elementos fngicos, como acontece,
por exemplo, com os povos nativos do Mxico e Guatemala que acreditam no surgimento de
certos fungos como Amanita muscaria, relacionando-o com raios e troves
(ALEXOPOULOS MIMS; BLACKWELL, 1996).
As representaes quanto ao uso e conhecimento tm diferena de gneros como
relatado no trabalho de Garigay-Orijel (2012), onde pesquisou distribuies de saberes
etnomicolgico atravs de reviso de literatura, demonstrando que as mulheres conhecem
mais o ambiente fngico, enquadrando-se em todas as fases desde a coleta, processamento e
comercializao. Foi levado em considerao uso dos fungos na alimentao, medicina e
objetos recreativos, assim como o suporte na economia familiar. A pesquisa constatou que as
mulheres apresentam vasto conhecimento micolgico tradicional em todas as regies do
mundo, sendo vital na transmisso dos saberes, tanto no processamento dos fungos quanto na
inovao.
A relao entre os seres vivos est entre observaes nas representaes ambientais.
Neste contexto, Vasco-Palacios et al, (2008), destacaram contribuio do conhecimento
etnoecolgico por populaes indgenas de etnias Uitoto, Andoke e Muinane que habitam a
regio do Mdio Caquet, na Amaznia colombiana, descrevendo a relao dos fungos com
animais e plantas. Essas etnias conhecem algumas espcies de vegetais que servem de
substratos para fungos que usam na alimentao. Reconhecem vrias espcies de insetos que
alimentam habitualmente de fungos. A populao indgena pesquisada apresenta pensamento
integrador e holstico nas concepes ecolgicas e so transmitidas oralmente em geraes.
Nesse sentido, evidente que a forma de perceber os fungos leva em conta os fatores
histricos e culturais, visto que regies distintas apresentam a mesma concluso, como
verificado em comunidade camponesa no trabalho de Ruan-Soto et al. (2007).
3. CARACTERIZAO DA REA DE ESTUDO
3.1 Localizao
O estudo foi desenvolvido em rea da Caatinga do estado do Piau/Brasil,
especificamente na comunidade Zabel, municpio de So Raimundo Nonato, que tem
antecedentes histricos. O municpio possui uma populao de 32.327 habitantes, com rea
territorial de 2.415,602 km2
e uma densidade demogrfica de 13,38 hab/km2
localizado no sul
do Piau (Figura 1), na chapada das Mangabeiras, distante 530 km de Teresina, capital do
estado (IBGE, 2010). Pertencente a microrregio de So Raimundo Nonato, fazendo limites
24
ao norte com Joo Costa e Brejo do Piau; sul, Fartura do Piau; leste, Coronel Jos Dias e So
Loureno do Piau e oeste com So Braz do Piau e Bonfim do Piau. O clima tropical
semirido quente, com durao do perodo seco de oito meses e a vegetao de caatinga
arbrea e arbustiva (CEPRO, 2010).
Figura 1 Localizao da Comunidade Zabel. So Raimundo Nonato-PI/ Brasil
3.2 Perfil histrico da antiga comunidade Zabel
Para entender o processo histrico da comunidade, denominado pelos moradores como
antigo Zabel, tem-se como base a obra de Godoi (1999), trazendo subsdios para
compreenso da ocupao camponesa da regio em parceria com a FUNDAM Fundao
Museu Homem Americano.
A comunidade Zabel foi constituda na mesma poca do municpio de So Raimundo
Nonato, atravs do processo de colonizao espontnea, pertencente ao tronco vio do
Vitorino. O nome do povoado Zabel provm do descobrimento do lugar que, segundo relato
etnogrfico foi atravs dos filhos do Velho Vitorino, bisav de todo o povo da comunidade.
Sem saber o nome do lugar, os primeiros ocupantes, explorando aquelas terras, perceberam
que voou uma zabel que se enganchou num garrancho de pau, caiu e ficou batendo pra voar.
25
Assim, colocaram o nome daquele lugar de Zabel. Por partilharem do mesmo territrio,
incluem-se juntamente com o Zabel, a tradio dos povoados Rua Velha, Barreiro Grande e
Barreirinho. Nessa linhagem indicam grupos de parentes espalhados pelos povoados
perfazendo um total de 82 unidades familiares (GODOI, 1999).
At os anos 80, o povoado era instalado prximo aos paredes da Serra, onde hoje
pertence ao Parque Nacional Serra da Capivara. Ficava cerca de 45 km de distncia da cidade
de So Raimundo Nonato/PI. A estrada era esburacada e a populao se deslocava a bordo do
caminho de feira e animal.
A economia do povoado inicialmente ocorria com o extrativismo da manioba, quando
tinha importncia para o Piau, principalmente no perodo de 1897-1987, poca que era
economicamente vivel. Perodo conhecido como o ciclo da borracha, acompanhando o
crescimento das indstrias automobilsticas e eltrica (GODOI, 1999).
Os moradores relataram cultivo na agricultura familiar, que apresentava perfil de
subsistncia, sendo intenso na produo de mandioca (Manihote sculenta Crantz), feijo
(Phasealus vulgaris L. e Vigna unguilata L.Walp), milho (Zea mays L.), Abobra (Curcubita
maxima (ou pepo) Chesne), Mamona (Ricinus communis L.) e palma (Opuntia sp). Realizava
ainda, criao de pequenos animais e caa de animais silvestres que faziam parte do sustento
das famlias. Aps a institucionalizao do Parque teve proibio da caa na regio, gerando
conflitos que dura at o presente momento. Na dcada de 80, a populao da comunidade Zabel foi transferida para outra
localidade porque suas terras foram includas no Parque Nacional Serra da Capivara, criado
por Decreto de 05 de junho de 1979, sendo o Presidente da Repblica Joo Figueiredo e,
declarado Patrimnio da Humanidade pela Organizao das Naes Unidas para a Educao,
a Cincia e a Cultura (UNESCO) em 1991. Os moradores foram indenizados pelo Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)e, posteriormente assentados fora do Parque
Nacional Serra da Capivara (PARNA).
O local que estava inserida a comunidade Zabel foi preservado e identificado cada
parte que constitua a cultura do povo que habitava aquelas terras, como escola, cemitrio,
casa de pedra, barragem (figuras 2), preservando parte da histria construda pelos moradores.
26
Figura 2. Estrutura fsica da antiga comunidade Zabel, Parque Nacional Serra da Capivara,
So Raimundo Nonato/PI.
A: Barragem do Zabel; B: Escola; C: Placas de identificao; D: Casa de pedra.
Foto: autora (2014)
3.3. Caracterizao da atual comunidade Zabel.
Localizado a dez quilmetros da cidade de So Raimundo Nonato, a comunidade
atualmente chamada Assentamento Fazenda Lagoa - Novo Zabel est composta por 256
famlias. A elevada quantidade de assentados deve-se a ocorrncia migratria de famlias
oriundas de vrias localidades da microrregio de So Raimundo Nonato e, no somente os
remanescentes da antiga comunidade Zabel.
Em decorrncia da criao do Parque, na dcada de 70, a populao da antiga Zabel
em 1987 passa por um contexto de conflito devido a dualidade de mundos Velha e Nova
caracterizada pela desterritorialidade, substituio de verdades e conhecimentos orientadores
da relao com a natureza, baseada na racionalizao da
cincia e as leis. Isso trouxe introduo de outras crenas, valores que coabitam com a
memria de um mundo destrudo e a reconstruo de um novo mundo. A populao
27
passa pelo processo de aceitao de validao dos direitos, por meio de reivindicaes de
indenizaes, direitos nos negcio do parque1
e tratamento adequado (SOUSA, 2010,
2011).
Algumas organizaes no governamentais vm implantando projetos que promovam
convivncia com o seminrido contribuam para melhoramento de renda das famlias
assentadas. Entre estes, est assessoria tcnica prestada pelas Critas Diocesana de So
Raimundo Nonato e a FETAG/PI e, o Projeto Dom Helder. Dentre as aes desenvolvidas
est a formao do grupo de mulheres, possibilitando meios de apoio a beneficiamento e
comercializao de frutas nativas da caatinga, sobretudo o umbu (Spondias tuberosa, Arr.). O
objetivo garantir ao grupo de mulheres condies de aproveitamento, agregao de valor e
comercializao das frutas do semirido, com base nos princpios agroecolgicos, pautada na
preservao e no equilbrio ambiental da Caatinga. Dessa forma, esse grupo produz doces,
gelias, polpas, rapadura de caju e cajuna. A formao do grupo iniciou com sete mulheres e,
atualmente j participam vinte e duas (JALFIM et al., 2010)
3. 4. Perfil socioeconmico
A abordagem socioeconmica se deu no sentido de entender em que contexto se
encontra a comunidade, a fim de fornecer subsdio para compreenso da relao entre os
moradores entrevistados e o meio ambiente.
Entre a populao entrevistada sobressai o nmero de aposentados (52%), agricultores
(27%), donas de casa (9%), funcionrios pblicos (5%),funcionrio privado (3%), autnomo
(2%), sem ocupao (2%) (Figura 4).
1 A expresso negcio do parque, relatado pela autora, trata-se de reinvindicao em pleitear no sistema administrativo e judicirio a garantia de seus direitos como pertencentes e a correo do que foi violado por parte
dos deslocados/desterritorializados da comunidade Zabel.
28
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Figura 3. Grfico de ocupao da populao pesquisada da comunidade Zabel, So
Raimundo Nonato, Brasil.
Fonte: Pesquisa direta (2014-2015)
Os aposentados em sua maioria tambm praticam a agricultura de subsistncia. Tem
como fonte de renda complementar os que participam da casa de beneficiamento das frutas do
semirido e, o aproveitamento de sementes da regio. Tudo que produzido vendido para
populao local e, principalmente para os turistas que visitam o Parque Nacional Serra da
Capivara. (Figura 4).
Figura 4. Fonte de renda complementar dos habitantes da comunidade Zabel, So Raimundo
Nonato, Brasil.
29
A: Sementes da regio; B: Bijuterias confeccionadas; C: Frutas da regio; D: Produtos para
comercializao.
Fonte: Autor (2015)
Dentre as atividades desenvolvidas por meio de projetos que buscam alternativas de
convivncia com o semiarido, tem produo de medicamentos caseiros de plantas medicinais
da regio com participao de 8 (oito) pessoas, includo homens e mulheres. O produto
comercializado tanto na comunidade, quanto na regio de So Raimundo Nonato/PI.
Todas as aes desenvolvidas pelas instituies que do assistncia no assentamento
esto voltadas para valorizao dos recursos disponveis, ajudando no desenvolvimento local
a partir de situaes de convivncia no semirido. O sistema de captao de gua para
aproveitamento da chuva tambm bastante marcante nas residncias. Contriburam para
construo das cisternas o INCRA e as Critas Diocesana de So Raimundo Nonato. Foi uma
alternativa para captura e armazenamento de gua em uma regio que to carente de chuva e
sistema de abastecimento.
As faixas etrias foram citadas segundo IBGE (2010), onde jovens (entre 18 e 24),
adultos (entre 25 e 59) e idosos (a partir dos 60). A maioria dos entrevistados era Adulta
(48%), seguido por idosos (44%) e jovens (7%). Vale ressalvar que a comunidade Zabel, j
estar com 26 anos que foi deslocada para localizao atual. Dentre eles, 43% do gnero
masculino e, 59% do gnero feminino, como destacado na figura 5.
Figura 5. Grfico da distribuio por gnero e faixas etrias da populao pesquisada da
comunidade Zabel, So Raimundo Nonato, Brasil.
Fonte: Pesquisa direta (2014-2015)
52%
35%
13%
39%
58%
3%
Idoso(Apartir 60 anos) Adulto ( 25 59) Jovem ( 18 24)
Masculino Feminino
30
Por pesquisar apenas os saberes das famlias remanescentes da comunidade Zabel,
observou-se que os jovens esto atualmente morando em outra cidade para aprofundamento
dos estudos, ou em busca de emprego. O que explica a grande participao dos adultos e
idosos e, a baixa quantidade dos jovens nas famlias pesquisadas.
Em se tratando do ensino, a comunidade possui duas escolas de Educao Bsica, a
Unidade Escolar Elzair Rodrigues de Oliveira, e a Unidade Escolar Joslia Paixo. Dos
entrevistados, 39,00% no frequentaram a escola, no dominando deste modo a leitura ou
escrita, mas em alguns casos aprendem apenas a escrever o prprio nome, 34,00% possuem o
Ensino Fundamental Incompleto, 7,00% possuem Ensino Fundamental Completo, 13,00%
tem Ensino Mdio Incompleto, 5,00% com Ensino Mdio Completo e, 2,00% com Ensino
Superior Completo. A grande quantidade de pessoas que no frequentaram escola deve-se ao
nmero de idosos que esto na pesquisa. Estes declararam que era muito difcil frequentar
escola porque no tinham tanta facilidade como hoje. O entrevistado que possui Ensino
Superior Completo, j morou em So Paulo (Figura 6).
Figura 6. Grfico da distribuio quanto escolaridade da populao pesquisa da
comunidade Zabel, So Raimundo Nonato/PI, Brasil.
Fonte: Pesquisa direta (2014-2015)
No quesito religio, a populao local dividia entre Catlica Apostlica Romana,
tendo como padroeiro Santo Expedito, com realizao das festividades no dia 19 de abril e,
39%
34%
7%
13%
5% 2%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
Sem
Escolaridade
Ensino
Fundamental
Incompleto
Ensino
Fundamnetal
Complento
Ensino Mdio
Completo
Ensino Mdio
Incompleto
Ensino
Superior
Completo
31
Evanglicos, predominando a Assembleia de Deus, Adventista do Stimo Dia e, a Crist
Evanglica.
O levantamento de dados sobre a religio importante para identificao a relao do
uso dos recursos naturais em rituais religiosos. Um caso caracterstico a utilizao de
material botnico em ritual religioso, observado no ato de benzer e curar enfermidades,
acompanhadas de oraes pertencentes igreja catlica, como relatado em estudo com grupo
de benzedeiras no municpio de Jurema, Mato Grosso (MACIEL; GUARIM NETO, 2006) e,
uso de espcies botnicas em prticas de cura por rezadores no estado da Paraba/Brasil,
sendo que os informantes da comunidade pesquisada, em seus relatos de uso, apresentaram
forte influncia africana nas prticas msticas, uma vez que tais espcies so originrias do
continente africano (OLIVEIRA; TROVO, 2009).
Na comunidade Zabel no foi registrado nenhuma forma de uso dos macrofungos
relacionados a rituais religiosos. Esse fato pode ser em decorrncia da populao ser
composta por catlicos e evanglicos que no fazem uso de elementos naturais para
exposies sobrenaturais, como acontece no xamanismo, candombl e umbanda que usam
plantas e fungos como alucingenos.
32
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5. ARTIGOS
ARTIGO 1:
5.1 Classificao Folk dos macrofungos por uma comunidade rural, Nordeste do Brasil.
Artigo publicado na Revista Espacios
Espacios, v. 36, n. 21, p. 18, 2015
ARTIGO 2:
5.2 Percepo sobre os fungos em comunidade rural, semirido brasileiro.
Artigo a ser enviado a Revista Ambiente & Sociedade
ARTIGO 3:
5.3 Uso dos fungos em ambiente de Caatinga no Nordeste do Brasil
Artigo a ser enviado a Revista Gaia Science
40
Classificao Folk dos macrofungos por uma comunidade rural no semirido do
Nordeste do Brasil.
Santina Barbosa de SOUSA1, Reinaldo Farias Paiva LUCENA
2, Roseli Farias Melo de
BARROS3, Jos de Ribamar de Sousa ROCHA
4
Resumo
Buscou-se levantar saberes tradicionais sobre a classificao dos macrofungos da Caatinga, na
comunidade Zabel, So Raimundo Nonato, Piau. Os dados foram obtidos por meio de
entrevistas semiestruturadas, aplicadas a 48 informantes, acompanhadas de lbum seriado
com fotografias de macrofungos, de novembro/2014 a maro/2015. Na anlise utilizou-se
programa do ANTHROPAC. Reconheceram 08 txons genricos, classificando-os como
sendo diferentes das plantas e animais, identificando-os por sua cor e forma e, a diversidade
depende da sazonalidade. Retrataram memrias da infncia, com os fungos que sai do cho.
Os resultados confirmam que os seres vivos so organizados pelo homem a partir do contato
com o ambiente natural.
Palavras-chave: Populaes Tadicionais, Etnomicologia, Caatinga.
Abstract
We seek to raise traditional knowledge on the classification of macrofungi of Caatinga in
Zabel community, So Raimundo Nonato, Piau. Data were collected through semi-
structured interviews, applied to 48 informants, accompanied by flipchart with macrofungi
photographs, November/2014 to March /2015. In the analysis, we used ANTHROPAC the
program. They recognized 08 generic taxa, classifying them as being different from plants and
animals, identifying them by their colorand shape and that their diversity depends on
seasonality. They portrayed childhood memories, with the fungi that sprouts the ground. The
results confirm that living things are organized by man from the contact with the natural
environment.
Keywords: Traditional populations, ethnomycology, Caatinga.
41
1. Introduo
As classificaes biolgicas formam um sistema geral de referncia sobre a
diversidade biolgica e so verdadeiros depsitos de informaes. Neste sentido, as
classificaes etnobiolgicas tambm o so, na medida em que, contm uma riqueza enorme
de informaes sobre a biologia, ecologia e etologia de diversos grupos de animais e plantas
(Hennig, 1966)
A classificao folk a forma tradicional como as comunidades classificam os seres
vivos (Albuquerque, 2005). Trata-se de um dos objetos de estudos da Etnobiologia para
analisar como as diversas culturas humanas organizam o mundo que percebido (Begossi,
1993).Verifica o papel da natureza no sistema de crenas e adaptaes do homem a
determinados ambientes, enfatizando os conceitos utilizados pelos povos pesquisados (Posey,
1986). Apresenta duas correntes, a utilitarista e a intelectualista ou cognitivista (Alves et. al.
2014).
Os fungos esto entre os grupos de organismos mais diverso do planeta e possui uma
versatilidade do modo de vida que podem ser encontrados e se desenvolver em ambientes
extremos (Queiroz et. al. 2006). A diversidade desse reino surpreendente, constituindo o
segundo grupo mais variado de organismos eucariontes terrestre (Forrza et. al. 2010).
O Brasil contribui com grande parte da diversidade fngica, apesar de ser pouco
conhecida a micota das regies, apresentando registro de distribuio em variados
ecossistemas (Pires. et al. 2014). No grupo dos macrofungos, encontram-se relatos na Floresta
Estacional Semidecidual (Quevedo et. al. 2012), Floresta Ombrfila (Pires et. al. 2014),
Floresta Estacional Decdua (Lazarotto et. al. 2014), Floresta Amaznica (Ishikawa et. al.
2012) e na Caatinga (Freire, Gonalves, 2012).
A Caatinga considerada o mais fragilizado dos tipos vegetacionais brasileiro, em
decorrncia do processo de colonizao e clima semirido, porm apresenta riquezas
particulares onde os macrofungos esto includos (Freire, Gonalves, 2012). A micota da
regio Nordeste possui registro significante para o Brasil, cerca de 1.749 espcies, sendo que
o estado de Pernambuco registrou maior nmero, 937 espcies (Pires et. al. 2014).
Em meio biodiversidade, as populaes tradicionais trazem contribuio para o
conhecimento da diversidade biolgica local e a conservao, pressupondo que cada povo
possua um sistema nico de perceber e organizar as coisas por meio de observao da
natureza (Pereira, Diegues, 2010), o que possibilita uma organizao taxonmica relacionada
por categorias cognitivas relacionadas aos elementos percebidos na natureza (Posey, 1987).
42
Na Amaznia colombiana os ndios Uitotos, Muinanes e Andokes, descrevem a
relao etnoecolgica entre fungos e plantas, atribuindo uma espcie de simbologia entre o
corpo de frutificao visvel a olho nu e os troncos das rvores, relatando que os macrofungos
so como a ltima alma das rvores (Vasco-Palagio, 2008). Quanto ao reconhecimento dos
seres vivos, os fungos so classificados pelos povos micfilos, por meio de sua utilizao,
tendo importncia na significao cultural (Ruan-Soto et. al. 2007; Estrada-Matinez et. al.
2009; Aguilar et. al. 2012; Bandala et. al. 2012; Ruiz et. al. 2013).
No Brasil, a Etnomicologia iniciou na dcada de 1960 e intensificou-se na dcada
posterior por meio de investigaes com grupos indgenas que fazem uso de macrofungos em
sua dieta (Fidalgo, Prance, 1976). A classificao folk dos macrofungos por etnias obtida
por meio de longo tempo de observao e experincias dos ndios, fornecendo conhecimentos
que so importantes na correlao com a sistemtica filogentica (Fidalgo, Poroca, 1986;
Cardoso et. al., 2010).
Levantando a hiptese de que os fungos apresentam caractersticas prprias que os
agrupam em um reino separado dos demais seres vivos e, esse agrupamento est relacionado
observao e experincias prprias de cada povo e cultura, procurou-se retratar como uma
comunidade rural, localizada na Caatinga, classifica os macrofungos a partir da sua relao
com o ambiente natural.
2. Mtodos
A pesquisa foi desenvolvida na Comunidade Zabel, municpio de So Raimundo
Nonato, no sul do Piau, que possui uma populao de 32.327 habitantes, com rea territorial
de 2.415,602 km2
e uma densidade demogrfica de 13,38 hab/km2
localizada na chapada das
Mangabeiras, distante 530 km de Teresina, capital do Estado (IBGE, 2010). Pertencente
microrregio de So Raimundo Nonato limitando-se ao norte com Joo Costa e Brejo do
Piau; ao sul com Fartura do Piau; ao leste com Coronel Jos Dias e So Loureno do Piau e
oeste com So Braz do Piau e Bonfim do Piau. O clima tropical semirido quente, com
durao do perodo de estiagem de sete a oito meses e a vegetao de caatinga arbrea e
arbustiva (CEPRO, 2001).
O processo de colonizao da comunidade aconteceu de forma espontnea,
localizando-se no entorno dos paredes da Serra da Capivara, teve como atrativo inicial o
extrativismo da manioba (Manihot sp), distante 45 quilmetros da sede do municpio (Godoi,
1999). Atualmente est situada em um assentamento rural denominado Nova Zabel, criado
atravs do Programa de Reforma Agrria do Governo brasileiro, em 1997. constituda por
43
grupo social secular, formado entre os anos de 1800 e 1900, cujo territrio teve que ser
desocupado pelas famlias que l viviam devido implantao do Parque Nacional Serra da
Capivara, em 1989 (Matos, 2012).
Devido a Comunidade Zabel assentar grande nmero de famlias advindas de toda a
microrregio, optou-se por visitar todas as residncias para ento restringir o universo
amostral somente com os moradores provenientes da antiga comunidade Zabel, com
finalidade de registrar os saberes etnomicolgicos, pressupondo que os fatores histricos e
culturais podem ser relevantes para o conhecimento da Caatinga.
Este estudo foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa (CEP) da Universidade
Federal do Piau (UFPI), com registro 36066214.4.0000.5214, atendendo ao que pressupe a
Resoluo 466/2012 da Comisso Nacional de tica e Pesquisa do Ministrio da Sade.
A coleta de dados foi obtida com a utilizao de entrevistas auxiliadas por formulrio
semiestruturado (Albuquerque et. al. 2010) com 48 informantes da comunidade (28 mulheres
e 20 homens), os quais concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), no perodo de novembro de 2014 a maro de 2015.
As entrevistas semiestruturadas sobre conhecimento de macrofungos seguiu-se com
utilizao projetiva de lbum seriado com fotografias das espcies locais (Medeiros et. al.
2010), elaborado no momento das visitas para o reconhecimento da rea e, durante as
entrevistas, a fim de registrar como os classificam. O formulrio utilizado nas entrevistas
abordava tambm o perfil socioeconmico do informante. Aplicou-se a tcnica da Turn-
Guiada (Bernard, 1988), referida tambm por alguns autores como mtodo informante de
campo (Albuquerque et. al. 2010), que consiste na realizao de caminhadas no campo
acompanhadas por moradores que possuam maior conhecimento sobre o local e os
macrofungos da regio, em reas da antiga Zabel, localizada dentro do PARNA Serra da
Capivara e, no Novo Zabel. Dessa forma, obteve-se confirmao dos nomes vernaculares,
correspondendo com seus respectivos atributos na natureza, objetivando validar e
fundamentar os saberes citados nas entrevistas (Albuquerque et. al. 2010). Durante as turns
foram coletados exemplares do material fngico, conforme procedimentos preconizados por
Vargas-Isla et. al. (2014) e, por Fidalgo e Bonine (1984). No Laboratrio de Micologia da
Universidade Federal do Piau - UFPI identificou-se o material, por meio de observaes
macro e microscpicas, utilizando-se chaves analticas contidas em literatura especializada.
Os dados coletados foram organizados em tabelas do Microsoft Exel 2010 e analisados
por meio de representao das categorias, com utilizao do programa Pilesort
44
Multidimensional Scaling do ANTROPAC, software (Analytic Technologies & Medical
Decision Logic, Inc. verso 1.0).
Como critrio de diviso dos grupos por faixa etria, seguiu-se a delimitao utilizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2010): jovens (entre 18 e 24 anos),
adultos (entre 25 e 59) e idosos (a partir dos 60).
3. Resultados e Discusso
Observou-se que o sistema de classificao seguiu a proposio de Posey (1987), onde
a forma como as populaes tradicionais classificam os seres vivos est relacionada
percepo da viso da natureza, os fenmenos naturais e, a utilidade dos recursos naturais,
relacionada a corrente cognetivista de Berlin.
Aps reconhecimento, os informantes agruparam os macrofungos na categoria dos
seres vivos, reunindo-os, conforme observado na natureza, em trs grupos distintos, como
sendo diferentes de plantas e animais (81%), como plantas (17%), como fungos (2%) (Figura
1). A observao da maioria apresentou semelhana com etnias indgenas da Amaznia
brasileira, onde separaram os macrofungos das plantas e animais (Fidalgo, Prance 1976;
Cardoso et. al. 2010). O sistema de classificao etnobiolgica dos entrevistados corresponde
ao proposto por Posey (1987) quando categorizam os macrofungos na natureza por meio do
que percebido e por sua utilizao.
Figura 1. Identificao dos macrofungos, na classificao dos seres vivos, citados pelos
informantes da Comunidade Novo Zabel, So Raimundo Nonato/Piau
45
Dos 81% que organizaram os macrofungos como diferentes de planta e animal, 61%
so idosos e, a forma como os fizeram enquadrar nessa categoria parece estar ligado a
observaes das caractersticas particulares nesses seres. O resultado corrobora com as
informaes de Albuquerque et. al. (2007) de que o homem, por meio da convivncia com o
meio ambiente, consegue identificar diferenas e semelhanas nas diversas formas de vida,
estabelecendo relaes entre conhecimento, comportamento, natureza e cultura. O
enquadramento na categoria de fungos foi citado por informantes adultos, sendo observado
durante a entrevista que, provavelmente a resposta ao reconhecimento teve influncias
exgenas, como o nvel de escolaridade, visto 58% j frequentou sries da educao bsica e
educao superior e, a maioria dos idosos no tem escolarizao. As informaes tambm
podem ter sido obtidas por meio de comunicao de massa, como a televisiva, haja que foi
observado citaes com referncia desse meio.
Na classificao folk de Berlin (1992) so estabelecidos alguns critrios que so
utilizados pela sociedade para incluir os seres vivos em categorias, sendo possvel ordenar em
cinco categorias sistemticas, o que o tornam semelhante cientfica. A populao pesquisada
demonstra conhecimento quanto incluso dos macrofungos em uma categoria nica da
classificao folk, o que corresponde sistemtica moderna que agrupa os fungos em um
reino distinto das plantas e dos animais. Cientificamente, do ponto de vista metablico esto
mais prximos dos animais por serem heterotrficos e, quanto reproduo est mais
prximo das plantas devido o crescimento multicelular e a presena da parede celular
(Amazona, Siqueira, 2003). Evidncias moleculares recentes sugerem que os fungos esto
mais relacionados com os animais do que com as planta, devido sua parede celular ser
constituda por quitina, mesmo revestimento encontrado no exoesqueleto dos insetos,
aracndeos e crustceos e, por armazenarem glicognio (Alexopoulos et. al. 1996; Raven et.
al. 2001).
Comparando a classificao folk dos macrofungos com plantas e animais, observou-se
que houve uma maior aproximao com plantas do que com animais (Figura 2), apresentando
semelhana com a categoria de indicador nico de Berlin (1992). Desse modo, as categorias
fungo e nem planta/nem animal foram consideradas no mesmo nvel de categorizao.
46
Figura 2. Agrupamento dos macrofungos citados pelos informantes locais da comunidade
Novo Zabel, So Raimundo Nonato/Piau, utilizando o programa do ANTROPAC.
Os informantes foram conduzidos a justificarem porque os macrofungos so diferentes
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