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Guilherme Forma Klafke
VÍCIOS NO PROCESSO DECISÓRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de
Direito Público – SBDP, sob orientação do Professor Henrique Motta Pinto
SÃO PAULO
2010
Resumo: A monografia discute uma questão essencial da jurisdição
constitucional brasileira: como decide o STF? A doutrina especializada critica
a falta de clareza e coesão das decisões, bem como a inexistência de uma
“opinião da Corte”, num cenário de “onze ilhas”. O meu objetivo é testar
empiricamente essas críticas. Para tanto, crio um método para examinar
analiticamente os pontos levantados, os tipos de votos e as interações em
Plenário nos acórdãos selecionados. Como resultado, aponto sete vícios do
processo decisório na Corte: a) não deliberação sobre todos os pontos
surgidos no julgamento; b) existência de uma única sessão para toda a
resolução do caso; c) má-utilização do instrumento do voto-vista; d)
ineficácia dos debates plenários para a produção de consensos; e) falta de
uma opinião que possa ser atribuída ao colegiado como um todo; f)
isolamento dos ministros para a formação da própria convicção; g)
inconsistência na definição dos pontos a serem julgados. Ao final, proponho
algumas soluções que poderiam mitigar essas dificuldades.
Acórdãos citados: ADC 12; ADI 125; ADI 1864; ADI 3854; ADI-MC 4167;
ADI-REF-MC 4178; ADPF 46.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; processo decisório;
deliberação; argumentação; colegiado; “onze ilhas”.
Sumário
1. Introdução
1.1. Apresentação do objeto e justificativa ....................................... 01
1.2. Metodologia empregada ............................................................ 05
2. Análise do processo decisório do Plenário do STF
2.1. O processo decisório do Plenário do STF ................................... 11
2.2. Análise de julgados ................................................................... 16
2.2.1. Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos
estaduais e municipais catarinenses: ADI 125-6/SC, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007 ..............................
19
2.2.2. Caso dos tetos de remuneração da magistratura: ADI-MC
3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007 ...............
24
2.2.3. Caso PARANAEDUCAÇÃO: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício
Corrêa, j. 08.08.2007 ..........................................................
34
2.2.4. Caso do nepotismo: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j.
20.08.2008 ..........................................................................
46
2.2.5. Caso do piso salarial dos professores: ADI-MC 4167-3/DF,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008 ............................
52
2.2.6. Caso do monopólio dos Correios: ADPF 46-7/DF, Rel. Min.
Marco Aurélio, j. 05.08.2009 ...............................................
65
2.2.7. Caso dos concursos notariais: ADI-REF-MC 4178/GO, Rel.
Min. Cezar Peluso, j. 04.02.2010 .........................................
80
2.3. Panorama geral do universo de decisões ................................... 85
2.3.1. Análise dos votos ................................................................. 85
2.3.2. Análise dos debates ............................................................. 93
3. Os vícios do processo decisório do Plenário do STF
3.1. Primeiro vício: omissão do Plenário ........................................... 95
3.2. Segundo vício: inconsistência na definição dos pontos
controversos ....................................................................................
101
3.3. Terceiro vício: sessão única de julgamento ............................... 105
3.4. Quarto vício: deturpação do voto-vista ...................................... 109
3.5. Quinto vício: improdutividade dos debates ................................ 113
3.6. Sexto vício: ausência de racionalidade comum aos votos .......... 117
3.7. Sétimo vício: isolamento dos ministros ..................................... 119
4. Conclusão ....................................................................................... 121
5. Bibliografia ..................................................................................... 129
ANEXO I: Tabela dos acórdãos segundo o critério temático ................ 131
ANEXO II: Exemplo de resumo de processo em pauta para
julgamento .........................................................................................
133
ANEXO III: Descrição dos julgamentos analisados ............................. 134
ANEXO IV: Tabela de comparação entre os procedimentos decisórios
no estrangeiro ....................................................................................
172
1
1. Introdução1
1.1. Apresentação do objeto e justificativa
“Quero deixar bem claro que os Colegas, sobretudo os mais antigos,
devem ensinar-me a ter serenidade, a não me exaltar. Nós demos
uma lição de reflexão hoje. Aqui não há individualidade nenhuma. Eu
me considero integrado nesse todo e não preciso provar nada a
ninguém.
No dia em que cheguei a esta Corte venci toda e qualquer
individualidade, todo e qualquer impulso no sentido de tomar a minha
singularidade como motivo determinante de qualquer ação minha.
Queria pedir a Vossa Excelência que encerre. Já sabemos o resultado
que, para mim, não foi 6 a 5. Houve uma decisão do Tribunal do qual
eu faço parte; e não sou senão um pedaço deste Tribunal.
De modo que é inútil, é descabido. Não precisamos ficar discutindo
quem ganhou, quem perdeu. Quem ganhou foi o Tribunal todo. Este
deve ser um momento de serenidade, e, se Vossa Excelência me
permitir, vou me arrogar a circunstância de ser o mais velho, porque
sou o mais velho dos onze. Rogo, em nome da celeridade, que Vossa
Excelência encerre a sessão.” (Manifestação do Ministro Eros Grau.
STF: ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008, pp. 655-
656 do acórdão; pp. 522-523 do arquivo eletrônico)
O trecho que inicia este trabalho foi retirado dos debates ocorridos no
julgamento da ADI 3510/DF (Caso das pesquisas com células-tronco
humanas embrionárias). As considerações feitas pelo Min. Eros Grau
refletem com exatidão um determinado ponto de vista sobre o Supremo
Tribunal Federal que deve ser testado. O objetivo desta monografia é
problematizá-lo: o Supremo Tribunal Federal funciona sem problemas
decisórios? Os ministros exercem sua atividade como um órgão colegiado,
desprovidos de qualquer individualidade?
1 Agradeço às sugestões dos professores Henrique Motta Pinto, meu orientador, e Diogo Rosenthal Coutinho, membros da banca examinadora de minha monografia (07.12.2010). As preocupações de ambos foram devidamente consideradas para a versão revisada, enquanto as hipóteses e conclusões do trabalho foram revisitadas com um olhar mais crítico e criativo por conta das propostas discutidas na arguição.
2
O tema ganhou destaque nos círculos acadêmicos com a posse do
novo Presidente do STF, Min. Cezar Peluso. O Ministro defendeu a proposta
de se realizarem reuniões prévias antes dos julgamentos de grandes casos.2
Para ele, seria uma forma tanto de “blindar” o Tribunal contra a exposição
de seus membros na mídia, como de facilitar a tomada de decisões coesas.
A ideia já parece encontrar eco na Corte, como aponta reportagem do
jornal Valor Econômico3, mas também encontra focos de resistência, como
a concepção de que a tomada individual de votos é uma forma de manter a
independência dos ministros, que se manifestam de acordo com sua livre
convicção, sem a necessidade de barganhas e acordos. 4
2 Peluso não vai defender férias de 60 dias em projeto, Revista Consultor Jurídico, 11.03.2010, disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-mar-11/peluso-defen der-ferias-60-dias-batalha-perdida. Acesso em: 03.06.2010. 3 Juliano BASILE, Temas polêmicos e sucessão marcam ano do Supremo, Valor Econômico, 01.02.2010, disponível em: http://supremoemdebate.blogspot.com/ 2010/02/o-stf-em-2010-quais-serao-os-rumos.html. Acesso em: 03.06.2010. 4 É interessante, por exemplo, as manifestações do Min. Dias Toffoli, recentemente nomeado à Corte, respondendo ao sítio eletrônico Consultor Jurídico sobre assuntos como o julgamento da “Lei da Ficha Limpa”: “ConJur — Uma reunião prévia, informal, não poderia ter evitado essa situação? Toffoli — Existe a tradição de não se fazer reuniões prévias. Isso traz vantagens e desvantagens. A vantagem é que torna o julgamento mais transparente. Cada um leva o seu voto sem saber como votará o colega. É da tradição desta Suprema Corte. Por outro lado, isso gera situações como a que vimos: diante de um empate, a definição do modo como se decidirá a matéria é feita ao vivo, em cores, transmitida pela televisão. Esse aspecto é bom por revelar que, no Supremo, nada é combinado. A decisão é de cada um. E o colegiado fala em nome de todos”. O Ministro prossegue: “ConJur — Não é um clube... Toffoli — Não que as pessoas não se deem bem, mas não é um clube de amigos. E é bom que não seja, porque a ideia é que a manifestação do tribunal corresponda ao somatório das visões e pré-compreensões de cada um de seus ministros. Evidentemente, há problemas nessa forma de obtenção do que se poderia chamar de una vox do colegiado. A doutrina contemporânea discute qual o método mais democrático, tomando-se como parâmetros os modelos americano e europeu. Por agora, creio que é esse o nosso caminho, mas que é necessário aperfeiçoá-lo. Em certa medida, as ideias vencidas contribuem para legitimar a tese vencedora.” (Rodrigo Haidar, “Se o juiz cuida do futuro, torna o passado instável”, Consultor Jurídico, 20.02.2011, disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-fev-20/entrevista-dias-toffoli-ministro-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 04.03.2011). É também o teor da declaração do Min. Marco Aurélio, que afirmou quando do episódio da troca de mensagens eletrônicas entre o Min. Ricardo Lewandowski e a Min. Cármen Lúcia: “Não tenho como prática antecipar meu ponto de vista a quem quer que seja diante de um caso que está sob análise do colegiado. É o meu perfil. Há 28 anos procedo assim. Cada qual tem a sua forma de atuar. Eu acredito muito no colegiado, onde todos podem expressar seu voto em sessão pública” (Fausto MACEDO,“Nunca atuamos mediante combinação prévia”, O Estado de São Paulo, 24.08.2007, disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/arti gos.asp?cod=447ASP015). O isolamento vai além da dinâmica de julgamento, sendo percebido na própria relação pessoal entre os ministros, como explicado por um deles: “As pessoas acham que isso aqui é um grupo de amigos. Mas, na realidade, somos 11 ilhas. Não somos amigos. Não nos freqüentamos socialmente. Apenas nos encontramos no tribunal nos dias de sessão” (Fausto MACEDO,“Somos 11 ilhas. Não somos amigos”, O Estado de São Paulo, 24.08.2007, disponível
3
Isso conduz a fortes críticas doutrinárias, como os questionamentos
de Conrado Hübner Mendes e Virgílio Afonso da Silva. O primeiro autor
observa: “Se perguntarmos por que o STF decidiu um caso numa
determinada direção, não raro ficamos sem resposta. Ou melhor, ficamos
com muitas respostas que nem sequer conversam entre si, expressas nos
votos dos 11 ministros”.5 A preocupação com a questão, segundo o
pesquisador, reside no fato de que um Tribunal não pode construir suas
decisões a partir de uma soma de votos e, principalmente, com
divergências resultantes de meras vaidades. Caso contrário, a defesa dos
direitos fundamentais e a própria jurisdição constitucional se fragilizam.6
Em artigo sobre o tema, o professor Virgílio Afonso da Silva escreve
que o modelo brasileiro é marcado por ser um modelo de “deliberação
externa”, em contraposição a um modelo de “deliberação interna”.7 A
preocupação dos ministros em se posicionarem perante à sociedade e não
perante os pares levariam a características como a “quase total ausência de
trocas de argumentos entre os ministros”, a “inexistência de unidade
institucional e decisória” e a “carência de decisões claras, objetivas e que
veiculem a opinião do tribunal” (Silva, 2009, p. 217). O autor ressalta a
necessidade de que um tribunal superior de uma democracia constitucional
também se preocupe com suas relações internas (Silva, 2009, p. 211).
Nas próprias discussões ocorridas ao longo do ano na Escola de
Formação (EF), muito se criticou sobre a falta de pronunciamentos
coerentes, uma vez que eles eram formados sem uma organização dos
pontos comuns aos vários votos proferidos. Foi possível verificar as
em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/71579/2/complemento_1.htm. Acesso em: 03.06.2010). 5 Conrado Hübner Mendes, Onze Ilhas, Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 01.02.2010, disponível em: http://avaranda.blogspot.com/2010/02/conrado-hub ner-mendes.html. Acesso em: 03.06.2010. 6 A mesma questão é suscitada por David R. Stras e James F. Spriggs, que demonstram como a falta de clareza inerente a um julgamento sem uma fundamentação única resulta no enfraquecimento da autoridade da Corte sobre os tribunais inferiores, que passam a decidir diferentemente do que os juízes constitucionais provavelmente desejavam (Stras e Spriggs, 2010, pp. 17-19). 7 Adotando uma distinção proposta por Ferejohn e Pasquino, afirma que “deliberação interna” se distingue de “deliberação externa”. O primeiro tipo se refere à “troca de razões e argumentos no interior de um grupo, no intuito de fazer com que esse grupo, como um todo, decida em uma determinada direção”; o segundo tipo “consiste no esforço de convencer atores externos ao grupo” (Silva, 2009, p. 210).
4
implicações práticas dos problemas decisórios da Corte. É o exemplo do
julgamento na Rcl. 9428/DF (Caso da censura ao jornal Estado de S. Paulo),
na qual se discutia, para além da vinculação apenas à decisão desrespeitada
ou também aos seus fundamentos, a inexistência de uma opinião comum
ao Tribunal.8
O questionamento assume relevo a partir da maior valorização dos
precedentes no sistema jurisdicional brasileiro. A importância da discussão
sobre o modo de deliberação do Supremo Tribunal Federal, então, exige
uma atenção especial por parte dos estudiosos do direito, e é para atender
essa necessidade que procurei desenvolver o trabalho.
A hipótese a partir da qual iniciei a pesquisa foi a seguinte: existem
problemas decisórios no STF e eles podem ser encontrados a partir de uma
análise metódica de seus acórdãos. Esperava encontrar, portanto: (i) uma
grande dispersão de argumentos, com onze ministros construindo linhas de
raciocínio diferentes; (ii) falta de relação entre os votos proferidos; (iii) falta
de clareza quanto à definição da “opinião da Corte”, ou seja, de qual fora a
decisão tomada pelo colegiado; (iv) indícios de que os ministros votavam
com uma convicção anteriormente formada, de modo que a sessão não
serviria para alterar sua posição, mas apenas para o pronunciamento de
seu voto; (v) ausência de debates construtivos e de troca de ideias.9 Tudo
8 O Min. Cezar Peluso afirma, na Rcl. 9428/DF, quando o Plenário julgava o caso da censura ao jornal Estado de São Paulo: “É que aqui, diferentemente do que sucede em sistemas constitucionais estrangeiros, não há, de regra, tácita e necessária concordância entre os argumentos adotados pelos Ministros, que, em essência, quando acordes, assentimos aos termos do capítulo decisório ou parte dispositiva da sentença, já nem sempre sobre os fundamentos que lhe subjazem. Não raro, e é coisa notória, colhem-se, ainda em casos de unanimidade quanto à decisão em si, públicas e irredutíveis divergências entre os fundamentos dos votos que a compõem, os quais não refletem, nem podem refletir, sobretudo para fins de caracterização de paradigmas de controle, a verdadeira opinion of the Court.” (STF: Rcl 9.428/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 10.12.2009, p. 197 do acórdão; p. 23 do arquivo eletrônico). 9 Utilizo a palavra “debate” em dois sentidos na monografia. No primeiro sentido, “debate” é tomado como uma divisão formal do acórdão e um tipo de voto. Assim, votos “em debates” e análise de “debates” se referem ao momento no qual os ministros fazem apartes ou discutem entre si alguma questão. Em outras palavras, são todas as situações em que pelo menos dois ministros trocaram idéias entre si, seja para reforçar uma parte da argumentação do colega, seja para rebater algum fundamento do outro voto, por meio de apartes ou de pedidos de explicação, propostas ou esclarecimentos. No segundo sentido, utilizado principalmente na parte em que explico os vícios do processo decisório do Plenário do STF, “debate” não é uma mera interação entre os ministros, com apartes de lado a lado, mas sim uma efetiva troca de argumentos, com vistas ao convencimento e à formação de consenso, na tentativa de se chegar a uma decisão comum ou, ao menos, à explicitação das
5
resultaria em dificuldades para a implementação dos efeitos práticos para a
decisão, especialmente quanto à interpretação conforme a Constituição.
Como resultado, pude confirmar diversos pontos assinalados por
Virgílio Afonso da Silva. Dois problemas que ficaram evidentes, por
exemplo, foram a falta de diálogo entre os ministros no momento de
formação de suas convicções e a indeterminação dos pontos a serem
tratados no julgamento. Além disso, notei que a existência de apenas um
único momento para apresentar, deliberar e julgar definitivamente o caso
pode ter influência na falta de um espaço deliberativo em Plenário.
Espero, portanto, fornecer subsídios empíricos para as críticas feitas
ao modelo decisório do Supremo Tribunal Federal, sem, no entanto, reduzir
a sua atividade a simplificações que podem distorcer os seus problemas. A
preocupação com uma rígida metodologia, que exponho a seguir, segue a
recomendação de Lawrence Baum: “Alguém que procure compreender por
que a Corte faz o que faz precisa aceitar a complexidade do processo pelo
qual a Corte chega a suas decisões” (Baum, 1987, p. 240).
1.2. Metodologia empregada
Em minha monografia, tentei constatar possíveis problemas do atual
processo decisório do Supremo Tribunal Federal, em especial nas sessões
de julgamento, para então levantar suas prováveis causas e apresentar
alternativas para o enfrentamento das dificuldades percebidas.
premissas da posição de cada ministro. Assim, quando afirmo que os debates na Corte são improdutivos, digo que as discussões não são capazes de produzir consenso nem de tornar explícitas as razões dos votos dos ministros. Trata-se de um conceito semelhante ao conceito de “deliberação interna” apresentado pelo professor Virgílio Afonso da Silva (ver nota n. 7). Esse conceito poderia ser ainda mais restrito, de forma a abranger apenas aquelas trocas de ideias nas quais um ministro aponta falhas na fundamentação do outro, demonstrando-as por meio de argumentos jurídicos ou mesmo consequencialistas, ou realça um ponto da argumentação que afirma ser importante para a decisão. Nesse caso, debate não seria uma mera troca de ideias visando ao convencimento, mas um verdadeiro exercício de desconstrução e reconstrução do raciocínio exposto pelos ministros, de tal sorte que as desvantagens e vantagens de cada construção jurídica pudessem ficar claras. Como bem ressaltou o professor Diogo R. Coutinho, durante a banca examinadora, o que “estão em jogo” são ideias e determinadas interpretações do direito, que podem ser confrontadas nas suas premissas. Assim, um colegiado que tratasse das mesmas questões não seria suficiente, pois ele deveria ser capaz de explorar essas discussões jurídicas e chegar a uma decisão que fosse pelo menos clara em seus pressupostos e harmônica em sua construção.
6
O recorte metodológico que orientou o raciocínio foi feito com base
na análise de sete acórdãos do Tribunal. Busquei neles dados que pudessem
indicar dificuldades de compreensão, de justificação e de sistematização dos
motivos utilizados pelos ministros para suas decisões. A escolha foi feita a
partir de alguns critérios:
⇒ opção pelo controle abstrato de constitucionalidade (ADI, ADC,
ADPF): o motivo para isso é o fato de as decisões em controle
abstrato serem tomadas geralmente pelo Pleno, que é o órgão
composto por todo o colegiado do Tribunal. Além disso, constitui o
trabalho de maior destaque e maior repercussão política da Corte
nos últimos anos;
⇒ opção por decisões do Pleno: em meu universo de pesquisa não
considerei as decisões monocráticas, como, por exemplo, medidas
liminares em ações de controle de constitucionalidade, pois não
evidenciam algum processo colegiado de deliberação;
⇒ opção pelas decisões que aparecem na parte de “Pesquisa de
Jurisprudência” do sítio eletrônico do STF: como a página da
Internet não possui todos os julgamentos proferidos, quaisquer
decisões que se enquadrem nos critérios utilizados, mas não
apareçam na pesquisa eletrônica, não foram consideradas;
⇒ opção pelas decisões que envolvem a interpretação conforme a
Constituição, segundo o critério de busca “interpreta$ adj
conforme”: inicialmente a ideia era buscar, por meio de
Reclamações e Embargos de Declaração, os problemas do processo
deliberativo no STF. Todavia, verifiquei que o primeiro recorte
oferecia um grande problema: a rejeição da “transcendência dos
motivos determinantes” pela maioria do Tribunal.10 Se os ministros
10 A Ministra Ellen Gracie cita a Reclamação 2.475-AgR/MG, Rel. Min. Marco Aurélio (Caso da constitucionalidade da COFINS), como um julgamento no qual os ministros rejeitaram expressamente os motivos determinantes. O Min. Celso de Mello manifesta-se, em seus julgados monocráticos, no sentido de prestigiar o colegiado, que rechaçou a teoria, não obstante ele tenha entendimento pessoal em sentido contrário. A Min. Ellen Gracie cita essa posição do companheiro de bancada, tomada, por exemplo, na Rcl 7.280-MC/SP (Caso da eleição do Corregedor Regional do TRT da 15ª Região).
7
não se sentiam vinculados aos fundamentos, a princípio não seria
possível identificar, em sede de Reclamação, problemas decorrentes
das deliberações nas decisões violadas. Por outro lado, a maioria
dos Embargos de Declaração era utilizada como se fosse um
sucedâneo recursal. Por isso, optei pelo recorte da interpretação
conforme a Constituição, pois me pareceu o único caso em que
indubitavelmente se exige uma remissão à argumentação da
decisão para que se possa compreendê-la, especialmente quando
ela é feita “nos termos do voto do Relator”;
⇒ opção por matérias relativas à Administração Pública e à Ordem
Econômica: o motivo para o recorte temático foi a necessidade de
redução no número de casos para uma análise qualitativa. Assim,
primeiramente optei por ler as ementas e os relatórios dos acórdãos
para então dividi-los nos seguintes temas: (i) Separação dos
Poderes; (ii) Administração Pública; (iii) Organização da Justiça; (iv)
Federalismo; (v) Ordem Tributária; (vi) Ordem Econômica; (vii)
Orçamento; (viii) Seguridade Social; (ix) Direitos Individuais.11 A
escolha pela Administração Pública e pela Ordem Econômica se deu
simplesmente por um juízo de conveniência baseado no número
razoável de decisões, somado à ideia de que tocam fortemente uma
discussão sobre a configuração do Estado, que favorece debates
ideológicos sobre a reforma estatal da década de 1990. Acredito
também que o recorte não compromete a análise, que poderia ser
igualmente válida, por exemplo, com casos de Direitos Individuais,
em função de um conflito entre posições mais liberais ou mais
conservadoras.
⇒ opção por um recorte temporal entre 21.06.2006 e 24.08.2010:
com esse critério busquei não apenas diminuir o número de
acórdãos como também reduzir a margem de variação da análise
por meio da delimitação de um espaço temporal no qual a
11 Inicialmente, a divisão seria feita de acordo com os Capítulos do texto constitucional. Contudo, optei por separar os temas conforme eles fossem aparecendo nos acórdãos e se distinguissem uns dos outros. Cheguei, assim, às nove categorias expostas, que pouco se diferenciam do que seria obtido se tivesse adotado a ideia inicial.
8
composição da Corte fosse bastante homogênea. De fato, no
período considerado, apenas duas vagas sofreram alteração. Trata-
se da vaga deixada pelo Min. Sepúlveda Pertence, em 17.8.2007, e
ocupada pelo Min. Menezes Direito, em 29.08.2007, e da vaga
deixada pelo Min. Eros Grau, em 30.07.2010, recém-ocupada pelo
Min. Luiz Fux, em 03.03.2011. Com o falecimento do Min. Menezes
Direito, a vaga passou a ser ocupada, em 23.10.2009, pelo Min.
Dias Toffoli.
Em síntese, com esses recortes, cheguei a um total de 51 decisões
que citavam a interpretação conforme.12 Dessas, 46 eram decisões em
controle abstrato. Das 46, 24 não resultaram na proclamação final de
interpretação conforme e, portanto, poderiam não oferecer as dificuldades
que eu esperava encontrar, enquanto as outras 22 continham
pronunciamento de interpretação conforme a Constituição no dispositivo
decisório.
Essas 22 decisões foram agrupadas segundo os critérios temáticos
(anexo I), chegando-se a um número de 5 acórdãos apenas de
Administração e 1 acórdão de Administração e Direitos Individuais; 4
acórdãos apenas de Separação de Poderes; 2 acórdãos apenas de Direitos
Individuais; 2 acórdãos de Direitos Individuais e Organização da Justiça; 2
acórdãos apenas de Ordem Tributária; 2 acórdãos apenas de Seguridade
Social; 1 acórdão apenas de Ordem Econômica; 1 acórdão apenas de
Orçamento; 1 acórdão apenas de Organização da Justiça; 1 acórdão apenas
de Federalismo.
Portanto, o universo material da pesquisa restringiu-se a sete
acórdãos sobre Administração Pública e Ordem Econômica:
Administração Pública
ADC 12/DF (Caso do nepotismo)
ADI 125-6/SC (Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos
estaduais e municipais catarinenses)
12 Pesquisa no sítio eletrônico do STF (www.stf.jus.br), feita na Seção “Jurisprudência > Pesquisa”, com os seguintes parâmetros: (i) “interpreta$ adj conforme”; (ii) Plenário; (iii) 21.06.2006 a 24.08.2010; (iv) Acórdãos.
9
ADI-MC 3854-3/DF (Caso dos tetos de remuneração da magistratura)
ADI-MC 4167-1/DF (Caso do piso salarial dos professores)
ADI-REF-MC 4178/GO (Caso dos concursos notariais)
ADI 1864/PR (Caso PARANAEDUCAÇÃO)
Ordem Econômica
ADPF 46-7/DF (Caso do monopólio dos Correios)
Essas decisões foram analisadas com base em alguns critérios, a
partir dos quais extraí meus dados. As informações foram agrupadas em
tabelas, que constam do corpo da monografia. Basicamente, realizei duas
análises: quanto aos votos dos ministros e quanto aos debates em Plenário.
Embora eu explique mais detidamente o método no tópico 2.2 da
monografia, vale sintetizar os principais critérios.
Assim, em relação ao primeiro ponto, procurei identificar: (i) as
questões tratadas pelos ministros em seus votos, i. e., quais os pontos que
tentavam resolver; (ii) os fundamentos utilizados para embasar suas
posições; (iii) o grau de relação entre o voto proferido e os votos
anteriores; (iv) as interações do ministro em Plenário, i. e., suas menções a
outros argumentos ou votos.
Quanto ao segundo ponto, procurei identificar: (i) em que momento
se iniciou o debate; (ii) quem iniciou a discussão e por qual motivo o fez;
(iii) quem participou das discussões; (iv) quais posições foram defendidas;
(v) qual foi o resultado, ou seja, se houve consenso ou dissenso.
Para descrever o processo decisório no Brasil, busquei livros e
artigos, com pouco sucesso, de modo que a parte principal da pesquisa
ficou por conta da sistematização do Regimento Interno do STF e das
informações que obtive a partir de visita in loco, realizada com a Escola de
Formação entre 14 e 16 de dezembro de 2010.
Também fiz uma pesquisa exemplificativa do processo decisório nas
outras Cortes, baseando-me em livros de doutrina e nos sítios eletrônicos
desses mesmos Tribunais. Tendo em vista a existência de dois modelos, o
norte-americano e o europeu, optei por escolher a Suprema Corte
10
americana e alguns Tribunais Constitucionais europeus, que também
possuem diferenças entre si.13
A análise, nesse ponto, é meramente exemplificativa. Isso porque
pode haver uma grande diferença entre a prática e o que está positivado
nos regimentos internos. O quadro geral dos processos deliberativos foi
esquematizado em uma tabela comparativa segundo alguns critérios, tais
como: forma de escolha do Relator, existência de reuniões prévias ao
julgamento, possibilidade de mudanças entre os votos e a elaboração do
acórdão, etc. Ela encontra-se anexada à monografia.
Por fim, em relação à divisão formal, a monografia foi estruturada
em dois capítulos. No primeiro deles (Capítulo 2), analiso o processo
decisório no STF com base nos julgados selecionados. O capítulo é
introduzido por uma pequena sistematização do procedimento adotado no
controle abstrato de constitucionalidade, feita à luz do Regimento Interno
do STF (RISTF). Em seguida, são apresentados os sete acórdãos, sempre a
partir de dois pontos: a descrição do caso e o estudo analítico do
julgamento. Finalmente, exponho um panorama geral do que pode ser
percebido do conjunto dos casos.
No Capítulo 3, apresento as dificuldades mais importantes. Elas são
agrupadas em tópicos, cada um representando um vício do processo
decisório no STF. A ideia é mostrar quais os problemas estruturais e
comportamentais são os responsáveis pelas consequências negativas dos
procedimentos adotados na Corte.
Por fim, na conclusão proponho, com base no que observei nos
julgamentos e nos procedimentos estrangeiros, algumas idéias que
13 Não analisei nenhuma Corte latino-americana por dois motivos: em primeiro lugar, trata-se de um exame meramente exemplificativo dos procedimentos em outros lugares, não havendo um verdadeiro estudo de direito comparado; em segundo lugar, os dois principais modelos de decisão, como apontado pela doutrina, são os modelos europeu e americano. O modelo europeu, por sua vez, possui diferenças internas profundas em alguns aspectos. As Cortes escolhidas podem ser agrupadas segundo esses tipos ideais. Vale a menção, feita pelo professor Diogo R. Coutinho durante a banca examinadora, ao Tribunal Constitucional colombiano, que teria semelhanças com o Supremo Tribunal Federal, mas possuiria um perfil mais agregador.
11
poderiam ajudar o Supremo Tribunal Federal a aprimorar a sua própria
forma de decidir os casos.
2. Análise do processo decisório do Plenário do STF
2.1. O processo decisório do Plenário do STF
A maior parte do procedimento decisório do Supremo Tribunal
Federal encontra-se disciplinada em seu Regimento Interno. Há a divisão
em Plenário e Turmas (art 3º, RISTF)14. O enfoque recairá sobre o primeiro,
responsável pelo controle de constitucionalidade em abstrato (art. 97,
CF/88)15.
O processo perante o Supremo é disciplinado pelos artigos 54 e
seguintes do RISTF e, no controle abstrato, pela Lei n. 9.868/99. Os autos
ficam à disposição do Presidente para que este proceda à distribuição (art.
60)16. Porém, ao contrário de outras Cortes analisadas, o Presidente nada
pode fazer em relação à designação do Relator, que deve ser feita mediante
sorteio eletrônico ou por prevenção, neste caso se um ministro já tiver
alguma relação com o processo (art. 66)17.18 A distribuição é aleatória
dentre todos os membros do Tribunal, exceto o Presidente (art. 67)19.
14 Dispõe o artigo: “Art. 3º - São órgãos do Tribunal o Plenário, as Turmas e o Presidente.”. 15 O artigo está assim redigido: “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”. 16 Dispõe o artigo: “Art. 60 - Verificado o preparo, sua isenção ou dispensa, os autos serão imediatamente conclusos ao Presidente para distribuição”. 17 Dispõe o artigo: “Art. 66 - O Presidente fará a distribuição em audiência pública, mediante sorteio, obrigatória e alternada, em cada classe de processo, ressalvadas as exceções previstas neste Regimento. Parágrafo único. Designado o Relator, ser-lhe-ão imediatamente conclusos os autos”. 18 No caso de ADI, ADI por omissão, ADC e ADPF, observa-se o disposto no art. 77-B, sobre a prevenção: “Na ação direta de inconstitucionalidade, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, na ação declaratória de constitucionalidade e na argüição de descumprimento de preceito fundamental, aplica-se a regra de distribuição por prevenção quando haja coincidência total ou parcial de objetos”. 19 Dispõe o artigo: “Art. 67 - Far-se-á a distribuição entre todos os Ministros, inclusive os ausentes ou licenciados por até trinta dias, excetuado o Presidente. § 1º A distribuição que deixar de ser feita a Ministro ausente ou licenciado será compensada, quando terminar a licença ou ausência, salvo se o Tribunal dispensar a compensação. § 2º Não será compensada a distribuição que deixar de ser feita ao Vice-Presidente, quando substituir o Presidente. § 3º Em caso de impedimento do relator, será feito novo sorteio, compensando-se a distribuição. § 4º Haverá também compensação quando o processo tiver de ser distribuído a determinado Ministro”.
12
O Relator é o responsável por dirigir o processo. Para tanto, ele
possui diversos poderes:
⇒ poder de indeferir liminares (art. 4° e art. 15 da Lei n. 9.868/99 e
art. 4°, §2° da Lei n. 9.882/99);
⇒ poder de conceder liminar em período de recesso (art. 10, §1° da
Lei n. 9.868/99 e art. 5°, §§ 1° e 2° da Lei n. 9.882/99);
⇒ poder de admitir de amici curiae (art. 7°, §2° da Lei n. 9.868/99);
⇒ poder de aplicar o art. 12 da Lei n. 9.868/99;
⇒ poder de instrução processual (art. 6° e art. 11, caput da Lei n.
9.868/99 e art. 6°, caput da Lei n. 9.882/99);
⇒ poder de convocar audiências públicas e peritos (art. 5°, §§ 1°, 2°
e 3°; art. 20, §§ 1°, 2° e 3° da Lei n. 9.868/99; art. 6°, §1° da
Lei n. 9.882/99).
Também cabe ao Relator submeter questões de ordem ao Plenário ou
à Turma (art. 21, III, RISTF), pedir dia para julgamento (art. 21, X, RISTF)
e, principalmente, fazer o relatório, cujas cópias serão distribuídas
antecipadamente para os outros ministros (art. 87)20, e também proferir o
primeiro voto na sessão de julgamento. Segundo a Lei n. 9.868/99, que
disciplina o processo e o julgamento da ADI, da ADO e da ADC, após ouvir
as pessoas e órgãos aptos a participarem como sujeitos processuais, o
Relator “lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia
para julgamento” (art. 9º, caput, e art. 20, caput, da lei 9.868/99). No
mesmo sentido há a previsão do art. 7º, caput, da Lei n. 9.882/99, que
disciplina o processo e julgamento da ADPF.
Recentemente foi introduzida na Corte a prática de se elaborar um
pequeno resumo sobre os processos em pauta para julgamento. Ele é
distribuído para os ministros como uma forma de definir os aspectos
20 Dispõe o artigo: “Art. 87 - Aos Ministros julgadores será distribuída cópia do relatório antecipadamente: I - nas representações por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual; II - nos feitos em que haja Revisor; III - nas causas evocadas; IV - nos demais feitos, a critério do Relator.”
13
essenciais do caso a ser julgado, como partes, pedido, causa de pedir,
histórico processual e, principalmente, a tese em questão (anexo II).21
As sessões serão públicas, salvo quando o próprio Regimento ou o
Plenário (ou Turmas) determinarem o contrário (art. 124). Por outro lado,
em geral serão secretas deliberações sobre ação penal originária, avocação
de causas, revisão criminal, intervenção federal e outros tipos de incidentes.
No tocante à votação em controle abstrato, não há nenhuma norma
expressa no RISTF que permita o segredo.22
Reuniões prévias e secretas entre os ministros por vezes são
realizadas, em que pese a falta de institucionalização da medida, como
ocorreu antes do julgamento do caso do “Mensalão”. Segundo Kennedy
Alencar, a Min. Ellen Gracie desejava reunir os ministros para “afinar o
discurso do Supremo”. Além disso, o Min. Joaquim Barbosa teria enviado
para seus pares um resumo de seu voto, recebendo comentários e
esclarecendo dúvidas.23 Uma reunião prévia também teria ocorrido antes do
julgamento da ADI sobre a obrigatoriedade da apresentação do título de
eleitor e de um documento com foto para votar nas eleições de 2010.24
Na sessão, o relatório é lido pelo ministro Relator. Seguem-se as
sustentações orais (art. 131). As manifestações dos ministros são
disciplinadas, só podendo ocorrer por duas vezes sobre a matéria e mais
uma vez, quando da explicação de uma eventual mudança de voto (art.
133). Poderá haver apartes quando outro Ministro estiver proferindo seu
21 A informação foi obtida em visita à Secretaria de Sessões do STF, em dezembro de 2011. 22 A. Baleeiro compara a previsão do RISTF vigente no final dos anos 60, semelhante à atual, com o funcionamento da Suprema Corte norte-americana: “O Supremo Tribunal, como, aliás, todos os Tribunais brasileiros, decide publicamente, emitindo cada juiz de viva voz seu voto, lido ou taquigrafado. Em contraste, a Côrte Suprema ouve durante uma quinzena, seguidamente, os advogados, concedendo uma hora ao patrono de cada parte. Na quinzena imediata, delibera de portas fechadas, designando um justice, inclusive o próprio presidente, o chief justice, para lavrar a decisão, à qual os dissidentes podem juntar seus votos vencidos” (BALEEIRO,1968, p. 118). 23 Kennedy Alencar, STF faz debate prévio sobre denúncia do mensalão, Folha de S. Paulo, 19.08.2007, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/colu nas/brasiliaonline/ult2307u321102.shtml. Acesso em: 04.03.2011. 24 Felipe Recondo e Mariangela Gallucci, Telefonema entre Serra e Mendes gera tensão na corte, O Estado de S. Paulo, 01.10.2010, disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101001/not_imp618141,0.php. Acesso em: 04.03.2011.
14
voto, e eles podem ser cancelados por quem os fez, não constando
necessariamente no acórdão.
O julgamento na sessão é disciplinado pelo art. 135:
Art. 135 - Concluído o debate oral, o Presidente tomará os votos do
Relator, do Revisor, se houver, e dos outros Ministros, na ordem
inversa da antigüidade.
§ 1º Os Ministros poderão antecipar o voto se o Presidente autorizar.
§ 2º Encerrada a votação, o Presidente proclamará a decisão.
§ 3º Se o Relator for vencido, ficará designado o Revisor para redigir
o acórdão.
§ 4º Se não houver Revisor, ou se este também tiver sido vencido,
será designado para redigir o acórdão o Ministro que houver proferido
o primeiro voto prevalecente.
O julgamento se inicia e termina na mesma sessão (art. 139). Ocorre
depois do relatório e da sustentação oral, através da tomada de votos de
cada um dos ministros. Não há qualquer período posterior para a
elaboração da decisão, que será proclamada logo após a votação.
É possível haver pedido de vista por algum dos julgadores. Nesse
caso, o julgamento é suspenso até que o processo seja apresentado
novamente. Ao contrário do que acontece, por exemplo, no Tribunal
italiano, os votos proferidos são computados mesmo na hipótese de quem
os proferiu ter saído do cargo. Por outro lado, ao contrário do Tribunal
espanhol, um ministro que não tenha assistido ao Relatório ou aos debates
poderá proferir voto se se declarar esclarecido (art. 134).
O procedimento para a redação do acórdão é muito simples, ficando
a cargo do Relator, quando for o vencedor, ou do Ministro que houver
proferido o primeiro voto da corrente majoritária, quando o Relator for
vencido (não há Revisor em controle abstrato). Sobre a sua elaboração,
Aliomar Baleeiro descreve o procedimento ao final da década de 60:
“Geralmente, os ministros redigem previamente os votos, para serem
lidos. Terminado o julgamento, os autos, o relatório e os votos vão
15
para a Seção de Taquigrafia, que junta as notas ou resumos dos
debates. Os ministros fazem a revisão das notas taquigráficas e das
cópias do relatório e do voto. Os originais ficam arquivados. No
passado, o relator redigia do próprio punho o acórdão e a ementa.
Atualmente, só esta é redigida pelo juiz. O Acórdão tem hoje sentido
apenas formal, pois os fundamentos e o alcance da decisão constam
dos votos escritos ou taquigrafados, que o integram.” (Baleeiro,
1968, p. 119).
No RISTF, o procedimento para a elaboração do acórdão final é
descrito nos artigos 93 e seguintes, tendo sido atualizado em 2008. O
acórdão conterá as conclusões e a transcrição do áudio do julgamento (art.
93). Essa transcrição diz respeito ao relatório, à discussão, aos votos
fundamentados e às perguntas feitas aos advogados, bem como suas
respostas (art. 96).
Os ministros que participaram do julgamento podem encaminhar os
votos escritos para a Secretaria das Sessões, que os anexa ao acórdão. Os
votos podem não corresponder exatamente ao que foi proferido na sessão
que julgou o caso. Nesse caso, o STF já decidiu que prevalece a gravação
do áudio.25 Da mesma forma, o voto pode ser revisado de modo a conter
posições surgidas nos debates em Plenário, inclusive mudanças no
resultado. Por outro lado, pode acontecer de os Gabinetes não liberarem os
votos no prazo exigido (20 dias a partir da sessão). Nesse caso, a
Secretaria das Sessões transcreve o áudio, com a ressalva de que não
houve revisão.
Terminada a transcrição, com ou sem todos os votos, os autos são
encaminhados ao Relator original ou ao Redator para o acórdão, a fim de
que ele elabore o acórdão e a ementa, dentro de 10 dias (art. 96, §4º). Ele
pode aguardar pelos pronunciamentos faltantes ou pode publicar o
documento sem os votos. Em tese, é possível haver apenas a manifestação
25 STF, Pleno, ADI 2581 ED, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 15.04.2009. Ementa: “EMBARGOS DECLARATÓRIOS - CONTRADIÇÃO - AFASTAMENTO. Há contradição quando o voto de desempate juntado ao processo, sem revisão do autor, surge conducente a conclusão diversa da constante da proclamação. Dá-se o afastamento da citada contradição a partir de degravação do áudio, com documentação do voto realmente proferido”.
16
do Relator, sem que isso signifique, porém, que outros votos inexistam,
inclusive participações em sentido contrário.
Ao final, ainda é acrescentado o extrato da ata, que contém as
informações básicas, como a decisão tomada, os nomes daqueles que
participaram do julgamento e daqueles que não participaram, seus
pronunciamentos, etc. (art. 97). No extrato é possível verificar a posição
dos ministros cujos votos não estão no acórdão. Este, então, é publicado no
Diário de Justiça.
Após essa apresentação, vale ressaltar que a análise empreendida
nesse trabalho está baseada nessa descrição. Qualquer prática que esteja
presente no Tribunal, mas confinada ao seu âmbito interno, não foi
considerada.
2.2. Análise de julgados
A seguir são tratados os julgados selecionados para a pesquisa. São
sete acórdãos, de variados tamanhos e diferentes graus de complexidade.
Foi feita uma descrição isolada de cada caso, com enfoque naqueles dados
que permitem identificar problemas e responder às perguntas propostas
para a pesquisa. Nessa parte, verifiquei:
⇒ quem é o Relator do caso;
⇒ qual foi a estrutura do Relatório apresentado;
⇒ como foi a condução da discussão, i. e., quais foram as questões
trazidas e decididas em Plenário;
⇒ como foi a relação entre os votos proferidos, i. e., as referências
entre os votos;
⇒ qual foi o resultado do julgamento;
⇒ qual foi a ratio (ou rationes) decidendi extraída do conjunto de votos
vencedores, especialmente no tocante à interpretação conforme a
Constituição;
17
⇒ a existência de conformidade entre a ementa redigida pelo Relator ou
pelo Redator para o acórdão e o que foi decidido pelo Tribunal.
Para tanto, criei tabelas para cada um dos acórdãos, nas quais
constam as seguintes informações:
1) Tabelas de votos
⇒ Questões a serem respondidas / Fundamentos: procurei as questões
centrais tratadas em cada voto, bem como os fundamentos que
poderiam ser atribuídos a cada uma delas. Fundamentos contrários
ou de reforço ao voto do Relator que não tiverem sido tratados pelos
ministros anteriores são indicados como “novos”;
⇒ Forma do voto: procurei verificar se os votos mantinham relação com
outros votos ou se eram construídos em conjunto. Criei quatro
categorias para os votos:
a) votos não-relacionais: não fazem qualquer menção a votos
anteriores ou, se o fazem, apenas mencionam o resultado,
acompanhando-o ou não. Enquadram-se aqui todos os votos
dos relatores;
b) votos relacionais: fazem menção a votos anteriores,
explorando algum argumento específico, seja para realçá-lo,
seja para rebatê-lo;26
c) votos em debates: são votos construídos em meio a apartes
dos outros ministros;
d) votos sem fundamentação própria: são votos que
simplesmente acompanham outros anteriormente proferidos,
26 Nesse caso, adotei um conceito bastante amplo, englobando na categoria de votos relacionais quaisquer votos que fizessem, na fundamentação, uma remissão ao fundamento ou ao resultado de outro voto na fundamentação. Essa categoria poderia, porém, ser muito mais restrita, de tal forma que só fossem considerados relacionais aqueles votos que: (i) apontassem explicitamente falhas na fundamentação de outro, tentando ou não supri-la; (ii) reforçasse explicitamente algum argumento presente em outro voto; (iii) partisse dos resultados ou de um fundamento de outro voto para desenvolver a sua própria linha de raciocínio ou seus próprios questionamentos; (iv) fizesse qualquer menção aos efeitos e consequências de outro voto.
18
sem manifestar fundamentação própria, ou que não foram
anexados ao acórdão pelo Relator antes da publicação.
⇒ Interação em Plenário: associa-se com o critério anterior para indicar
as relações que o voto estabelece com as posições dos outros
ministros durante a realização da sessão do Plenário.
2) Tabelas de debates
⇒ Momento do debate: busquei saber se o debate surge durante a
exposição de um voto ou no intervalo entre um voto e outro;
⇒ Quem inicia / Motivo: procurei quem foi o responsável por iniciar o
debate, i. e., quem fez o primeiro aparte, e qual foi o seu motivo.
Para tanto, criei três categorias de situações:
a) esclarecimento: um ministro pede a outro que lhe dê
esclarecimentos;
b) bloqueio: um ministro se contrapõe ao raciocínio exposto
por outro ou tenta impedir uma manifestação contrária;
c) nova questão: um ministro faz um aparte para suscitar uma
nova questão;
⇒ Participantes: procurei saber quais os ministros que participam dos
debates;
⇒ Posições: verifiquei quais as posições dos ministros envolvidos. Nas
hipóteses em que convergiram para o mesmo ponto, não trabalhei
com os argumentos de todos;
⇒ Resultados: procurei os resultados das discussões, ou seja, a
produtividade dos debates. Para isso, trabalhei com duas categorias:
a) consenso: algum ou alguns ministros expressaram uma
posição e saíram da discussão com outra;
b) dissenso: nenhum ministro alterou a posição expressada no
início do debate.
19
A apresentação dos julgados está disposta segundo a data do
julgamento, e os casos são nomeados para facilitar a sua identificação.
2.2.1. Caso da estabilidade excepcional dos servidores
públicos estaduais e municipais catarinenses: ADI 125-6/SC,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007
A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 125-6/SC foi ajuizada pelo
Governador do Estado de Santa Catarina contra artigos do ADCT da
Constituição daquele Estado. Os dispositivos impugnados fixavam o regime
de aquisição de estabilidade excepcional pelos servidores públicos estaduais
e municipais catarinenses que não tivessem ingressado antes do novo
marco constitucional de 1988, sendo inconstitucionais por não respeitarem
os limites impostos pela Constituição Federal.27 Basicamente, eles
estabeleciam a Constituição Estadual, não a Federal, como marco para o
cálculo dos cinco anos necessários à estabilidade excepcional, além de abrir
outras exceções.
Uma descrição mais detalhada do caso e da dinâmica de julgamento
pode ser vista no anexo III, de modo que as passagens citadas a seguir são
as mais importantes para a minha análise.
Verifica-se que o voto do Relator, Min. Sepúlveda Pertence, trouxe
três questões centrais: (i) cabimento da ação; (ii) constitucionalidade dos
pressupostos trazidos no ADCT da Constituição catarinense; (iii) solução do
problema dos professores temporários contratados antes da Constituição
catarinense, que poderiam ganhar a estabilidade, impactando o orçamento.
27 Os artigos impugnados eram o art. 6º, §3º, e 15 do ADCT, com o seguinte teor: “Art. 6º Os servidores públicos civis do Estado e dos Municípios, da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive os admitidos em caráter transitório, em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos, continuados ou não, são considerados estáveis no serviço público. (...) § 3º Será apostilado, de imediato ou logo após, conforme o caso, para que se declare seu direito, o título de servidor que tiver preenchido ou que, admitido em data anterior a instalação da Constituinte, vier a preencher as condições estabelecidas neste artigo. (...) Art. 15. Ficam extintos os efeitos jurídicos de qualquer ato legislativo ou administrativo lavrado a partir da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, convalidados os anteriores, que tenham por objeto a concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso público, da administração direta ou indireta, inclusive das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”.
20
Como resultado, o Ministro votou não conhecendo a ação na parte
em que impugnava a aplicação dos dispositivos, pois a matéria já teria sido
julgada anteriormente, além de declarar a inconstitucionalidade de
expressões constantes nos arts. 6°, caput e §3°, e declarar integralmente
inconstitucional o art. 15.
Em seguida, a Min. Cármen Lúcia pediu esclarecimentos sobre um
aspecto não observado pelo Relator, como admitido por ele mesmo28: como
ficaria a ambiguidade do art. 6º, caput, que passava a ter como redação
“em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco
anos”? A qual Constituição o dispositivo se referiria, à Federal ou à
Estadual? Para a Ministra, com a solução do Relator, o artigo se manteria
incólume nessa parte, mas poderia ser inconstitucional se interpretado no
sentido de ser a Constituição Estadual. Nota-se que ela parte do resultado
do voto anterior, analisando o art. 6º depois de depurado das
inconstitucionalidades apontadas, para levantar um quarto ponto a ser
debatido pelos ministros (iv).
Após essa observação, o Min. Sepúlveda Pertence suscitou a proposta
de se fazer uma interpretação conforme, a fim de se estabelecer que a
Constituição a que se refere o art. 6º, caput, é a Constituição Federal.29
Com esse acréscimo, a Min. Cármen Lúcia seguiu integralmente o Relator.
Acredito ser relevante a atitude do Ministro, quem, diante do problema,
apresentou uma proposta e construiu parte da decisão naquele momento,
em Plenário, com seus pares.
28 Isso pode ser constatado no seguinte trecho do debate: “A Senhora Ministra Cármen Lúcia: [...] É de se entender que ‘da Constituição’ é desta, a Estadual, e estaríamos quebrando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, arrostando toda a doutrina e, realmente, dando um ano de presente. O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Realmente, consta ‘da Constituição’. A Senhora Ministra Cármen Lúcia: ‘Da Constituição’ pode ser, inclusive, uma técnica” (STF: ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007, p. 13 do acórdão; p. 13 do arquivo eletrônico). 29 O diálogo entre os dois ministros termina da seguinte forma: “O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tenho nada a objetar a que se explicite a restrição, como interpretação conforme. A Senhora Ministra Cármen Lúcia: Isso. Então, eu gostaria que ficasse como sendo interpretação conforme, quando se trata da Constituição, o que significa quem tivesse quatro anos na data da promulgação desta Constituição” (STF: ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007, p. 14 do acórdão; p. 14 do arquivo eletrônico).
21
Essas são as quatro questões resolvidas pela Corte no julgamento.
Todas foram debatidas ou pelo menos resolvidas no Plenário. O Min. Carlos
Britto ainda teceu considerações sobre o cabimento da ação, inconformado
com o fato de a Constituição Estadual não dar margem para que as Leis
Orgânicas determinassem o regime de estabilidade dos servidores públicos,
mas elas não levaram a nenhuma conclusão, nem conduziram o próprio
Ministro a votar em sentido contrário ao Relator.
Como resultado final, o Plenário aderiu unanimemente ao voto do
Relator, com o acréscimo da interpretação conforme ao art. 6º, caput.
Nenhuma outra manifestação além das três mencionadas pode ser vista no
acórdão.
Em relação aos fundamentos, eles constam apenas no voto do
Relator, com exceção da solução apresentada para a redação do art. 6º,
caput, que foi construída conjuntamente pelos ministros. Nenhum ministro
trouxe fundamentos que pudessem ser acrescentados ao voto do Relator.
No tocante aos tipos de votos, verificam-se um “não-relacional” (do
Relator) e dois “em debates”. Destes, o primeiro (Min. Cármen Lúcia) traz
uma nova questão a ser discutida e o segundo (Min. Carlos Britto) não tem
grandes consequências. Também vale mencionar que, com exceção do voto
do Min. Sepúlveda Pertence, nenhum voto escrito foi anexado ao acórdão.
Mesmo as participações dos outros dois ministros foram transcritas a partir
do áudio. Além deles, sete ministros acompanharam o Relator, mas seus
fundamentos não constam do documento. Não parece ter havido, então,
grandes divergências quanto à ratio que norteou o julgamento após o
acréscimo da interpretação conforme para o art. 6º, caput.
Outro aspecto da decisão diz respeito aos debates. Há dois momentos
de discussão no acórdão, ambos em votos dos ministros. Destaco, além do
que já foi dito, que nos dois casos obteve-se consenso. Mesmo a discussão
durante o voto do Min. Carlos Britto, originada de um aparte de bloqueio do
Min. Sepúlveda Pertence, resultou na resignação daquele frente aos
argumentos trazidos pelo último.
22
No tocante à interpretação conforme a Constituição, não identifiquei
divergências na fundamentação que pudessem comprometer a
compreensão do que foi decidido. O Relator, Min. Sepúlveda Pertence,
incorporou a proposta ao seu voto, que foi acompanhado por todos depois
dele sem maiores considerações.
Finalmente, em relação à estrutura do acórdão, o Relatório da
decisão transcreve os dispositivos impugnados, os argumentos do
requerente pela inconstitucionalidade e pela medida cautelar, além de citar
a ementa do julgado da liminar e a posição da Procuradoria-Geral da
República, a favor da procedência do pedido. Por sua vez, a ementa do
julgado não oferece maiores dificuldades, uma vez que a posição do Relator
prevaleceu integralmente dentre os membros da Corte.30
Esquematizei esses dados nas tabelas apresentadas a seguir:
30 É o que pode se concluir a partir da leitura da ementa redigida pelo Min. Sepúlveda Pertence: “Ação direta de inconstitucionalidade: arts. 6º, § 3º, e 15 do ADCT da Constituição do Estado de Santa Catarina, que disciplinam a aquisição da estabilidade excepcional pelos servidores públicos civis do Estado e dos Municípios, da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive os admitidos em caráter transitório, em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos, continuados ou não. 1. Servidor público: estabilidade extraordinária (ADCT/88, art. 19): restrição ou ampliação dos seus pressupostos por normas estaduais: inconstitucionalidade. Assentou a jurisprudência do Supremo Tribunal, ainda sob a égide da Carta pretérita, a impossibilidade de as normas locais - constitucionais ou ordinárias - criarem formas diversas e mais abrangentes de estabilidade no serviço público (v.g. RP 902, Baleeiro, DJ 27.9.74; Rp 851, Thompson, DJ 25.11.71; Rp 859, Amaral, DJ 5.11.71; Rp 862, Luiz Gallotti, RTJ 59/59). Essa orientação não foi modificada com o advento da Constituição de 1988, devendo-se interpretar estritamente a concessão da estabilidade excepcional pelo art. 19 ADCT e somente admitida com a observância dos pressupostos nele estabelecidos: v.g. ADIn 391/CE, Brossard, DJ 16.9.94; ADIn 495/PI, Néri, DJ 11.2.00; ADIn 498/AM Velloso, DJ 9.8.96; ADIn 100/MG, Ellen, DJ 1º.10.04. Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das expressões "inclusive os admitidos em caráter transitório", no caput do art. 6º; "ou que, admitido em data anterior à instalação da Constituinte, vier a preencher", no § 3º do art. 6º; e do art. 15, em sua integralidade; e para atribuir interpretação conforme à expressão "em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos", do caput do referido art. 6º, para reduzir a referência à Constituição Federal. 2. ADIn prejudicada, quanto às expressões "e dos Municípios" e "ou não", constantes do art. 6º impugnado, que já foram objeto da ADIn 208, Moreira Alves, DJ 19.12.02, julgada procedente apenas quanto à possibilidade de considerar-se o prazo de cinco anos de forma não continuada, mantida a inclusão na norma dos servidores municipais”.
2
3
Tabela 1: votos dos ministros na ADI 125-6/SC
Ministro
Questões a serem resolvidas / Fundamentos
Tipo
Interação em Plenário
Sepúlveda
Pertence
(Relator)
1) ap
licação do reg
ime aos M
unicípios: prejudicad
a em relação
à questão dos M
unicípios: ADI 208
2) constitucion
alidad
e dos dispositivos do A
DCT d
a Constituição Estad
ual: inconstitucion
al por n
ão
seguir os requisitos do art. 19 do ADCT da CF8
8
3)
situação dos professores contratados
de
form
a temporária:
pequen
os intervalos
não
descaracterizam a continuidade
Voto não-
relacion
al
(Relator)
Cármen Lúcia
4) redação “Da Con
stituição
” no art. 6º, caput: “Da Constituição” deve se referir à Constituição Federal
Voto em
deb
ates
Parte do resultado do voto do Relator para
suscitar uma nova questão
Ricardo
Lewandowski
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Joaquim
Barbosa
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Carlos Britto
1) ap
licação do reg
ime ao
s Municípios: não
se deixou liberdade para que a Lei Orgân
ica disciplinasse o
regim
e (novo)
Voto em
deb
ates
Aborda uma questão que o Relator demonstrou
ter sido objeto de ou
tra ação
Cezar Peluso
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Gilmar Mendes
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Marco Aurélio
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Celso de Mello
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Ellen Gracie
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Eros Grau
Ausente
Tabela 2: debates entre os ministros na ADI 125-6/SC
Momento
do Debate
Quem inicia /
Motivo
Quem participa
O que se discute
Quais as posições
Quais os resultados
1º Debate
Voto da
Min.
Cármen
Lú
cia
Min. Cármen
Lú
cia
Nova questão
Min. Cármen
Lúcia
Min. Sepúlveda
Pertence (Relator)
Min. Marco Aurélio
Redação ambígua do
dispositivo impugnad
o
(“Da Constituição”)
Min. Cármen
Lúcia: leitura pod
e ser tanto
“Con
stituição
Estadu
al” como “Constituição
Federal”
(não
há posição oposta)
Os Ministros acrescentam a
interpretação con
form
e a
Constituição ao vo
to do Relator
Consenso
2º Debate
Voto do
Min. Carlos
Britto
Min. Sepú
lveda
Pertence
Bloqueio
Min. Cármen
Lúcia
Min. Sep
úlved
a
Pertence (Relator)
Min. Carlos Britto
Aplicação do
dispositivo aos
servidores municipais
Min. Sep
úlved
a: a questão já foi julgada e
que o próprio art. 19 do ADCT traz isso
(não há posição oposta3
1)
Os Ministros não
con
hecem da ação
no ponto relativo aos servidores
municipais
Consenso
31 O M
in. Carlos Britto aceitou
que os servidores municipais fossem
abrangidos, m
as ap
enas por causa da força do dispositivo
constitucional.
24
2.2.2. O Caso dos tetos de remuneração da magistratura: ADI-
MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007
A ADI 3854-1/DF foi ajuizada pela Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) contra o art. 1º da Emenda Constitucional n. 41/03, que
deu nova redação ao art. 37, XI.32 Também se voltou contra o art. 2º da
Resolução 13/06 e contra o art. 1º, parágrafo único, da Resolução 14/06,
ambas do CNJ.33 No caso, esses artigos seriam responsáveis por criar
limites remuneratórios diferenciados para as magistraturas estadual e
federal, colocando a primeira em situação de inferioridade e, por
consequência, violando tanto o caráter nacional do Poder Judiciário como o
princípio da isonomia (para a descrição do julgado, ver anexo III).
Verifica-se que, basicamente, cinco pontos foram levantados pelos
ministros: (i) a possibilidade de discriminação de tetos de remuneração
global do Judiciário; (ii) o periculum in mora; (iii) o controle de
constitucionalidade de emendas constitucionais; (iv) a constitucionalidade
do escalonamento de subsídios na Justiça Federal; (v) as vantagens que
compõem a remuneração dos magistrados de ambas as Justiças.
32 Eis o dispositivo impugnado: “Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 37. XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”. 33 Eis os dispositivos impugnados das Resoluções 13/06 e 14/06, respectivamente: “Art. 2º. Nos órgãos do Poder Judiciário dos Estados, o teto remuneratório constitucional é o valor do subsídio de Desembargador do Tribunal de Justiça, que não pode exceder a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal.” e “Art. 1º. (...) Parágrafo único. Enquanto não editadas as leis estaduais referidas no art. 93, inciso V, da Constituição Federal, o limite remuneratório dos magistrados e dos servidores dos Tribunais de Justiça corresponde a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do teto remuneratório constitucional referido no caput, nos termos do disposto no art. 8º da Emenda Constitucional nº 41/2003.”.
25
Dos cinco problemas, apenas o primeiro foi discutido por todos, e a
maioria seguiu aproximadamente a mesma linha de fundamentação,
defendendo o caráter unitário e nacional do Poder Judiciário. O periculum in
mora foi abordado apenas no voto do Relator, para conceder a medida, e no
voto do Min. Joaquim Barbosa, para negá-la. Todos os outros parecem ter
seguido o Relator quanto ao ponto.
Os outros problemas apareceram como tópicos secundários do
julgamento. Assim, a discussão sobre o controle de constitucionalidade das
emendas foi suscitada pelo Min. Joaquim Barbosa para reforçar sua postura
de autocontenção, sendo retomada pelo Min. Gilmar Mendes, que fez
acréscimos teóricos sobre o tema. O ponto, porém, não foi alvo de
apreciação pelos outros Ministros em seus votos.
A questão da constitucionalidade do escalonamento na Justiça Federal
foi aventada no voto do Min. Carlos Britto, mas não prosperou,
especialmente diante da distinção entre teto remuneratório e limite de
vencimentos. O ponto foi discutido e rechaçado nos debates em Plenário.
Por fim, a questão das vantagens que compõem a remuneração dos
magistrados foi primeiramente discutida pelos Ministros Sepúlveda Pertence
e Cezar Peluso, após pedido de esclarecimento formulado pelo primeiro.
Posteriormente, o Min. Gilmar Mendes retoma o ponto, reforçado pelo Min.
Sepúlveda Pertence, para destacar a importância de ficarem claras as
vantagens de que tratava a Corte. Novamente, contudo, não houve
manifestação de todos os ministros sobre a questão.
Como resultado final, ampla maioria acompanhou o voto do Relator
(oito ministros), inclusive pela interpretação conforme a Constituição, com
exceção do Min. Joaquim Barbosa, que indeferia a liminar, e do Min. Marco
Aurélio, que a deferia apenas em relação às Resoluções do CNJ.
Em relação à fundamentação, verifica-se que os ministros que
formaram a maioria seguiram basicamente a mesma linha de raciocínio. No
caso, enfatizaram o caráter nacional do Judiciário e a vedação ao
tratamento discriminatório dos magistrados em função da diferença entre as
Justiças Federal e Estaduais.
26
Outros fundamentos se destacaram, mas não foram utilizados por
todos. É o caso da vinculação entre o caráter nacional e unitário do Poder
Judiciário e o princípio federativo, o que sujeitaria a discriminação a uma
análise também perante a cláusula-pétrea da Federação. Essa menção
consta dos votos dos Ministros Carlos Britto, Gilmar Mendes e Sepúlveda
Pertence, mas não foi incorporada na fundamentação final.
Por outro lado, o Ministro Marco Aurélio seguiu a mesma
fundamentação, mas chegou a uma conclusão diversa. Por não considerar
factível a interpretação do CNJ, deixou de optar pela interpretação conforme
a Constituição e simplesmente suspendeu as resoluções respectivas do
órgão.
No tocante aos votos proferidos, verificam-se três “não-relacionais”,
quatro “relacionais” e três “em debates”. Três dos quatro votos relacionais
limitaram-se a reforçar pontos na fundamentação do Min. Cezar Peluso. Por
outro lado, os votos proferidos em debates tiveram um grande destaque no
julgamento.
Assim, por exemplo, a participação do Min. Carlos Britto, embora
tenha chegado à mesma conclusão do Relator, foi benéfica para gerar uma
reflexão maior sobre o objeto do problema essencial da causa: a existência
de tetos remuneratórios, não de limites de subsídios, diferenciados. Houve
uma intensa participação dos ministros nos debates para circunscrever a
questão central do julgamento.
No debate, o Min. Carlos Britto construiu seu raciocínio tomando
como parâmetro os vencimentos dos ministros do STF, que deveriam ser
inalcançáveis. Os subsídios dos membros da Justiça Federal, então,
deveriam ficar limitados a 95% desses vencimentos. No entanto, segundo
os outros ministros, principalmente os Ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio
e Sepúlveda Pertence, o problema não se resumia apenas aos subsídios,
englobando também todas as vantagens percebidas. Por isso, estava-se a
discutir o teto de remuneração global, não o limite de vencimentos.34
34 É nesse sentido que se manifestou o Min. Cezar Peluso, durante os debates: “O que se discute aqui, Ministro, é a função dos subsídios dos ministros do Supremo como teto de
27
Da mesma forma, a participação do Min. Gilmar Mendes serviu para
esmiuçar ainda mais a posição da Corte. A seu pedido, o Min. Cezar Peluso
esclareceu as opções de decisão à disposição dos ministros:
“O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Parto do seguinte
pressuposto: para quem vê, no art. 37, XI, um texto com várias
normas, destacaria a que estabelece a diferença de teto
remuneratório, a qual consideraria inconstitucional. Para quem acha
que ali não há várias normas, mas uma só, com múltiplas hipóteses,
eu adotaria a ‘interpretação conforme’ para dispor que não abrange o
teto remuneratório da magistratura estadual.” (STF: ADI-MC 3854-
1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 765 do acórdão; 43
do arquivo eletrônico)
O Min. Gilmar Mendes também ressaltou a importância de se deixar
consignado que as vantagens não eram permanentes. Por fim, trouxe
subsídios para a discussão sobre o controle de constitucionalidade de
emendas, que foi justamente um ponto levantado pelo Min. Joaquim
Barbosa para indeferir a liminar.
Em relação à sequência de votos, percebe-se que os votos proferidos
após a participação do Min. Joaquim Barbosa trazem outros elementos para
a argumentação, discutindo ainda a opção pela interpretação conforme a
Constituição ou não. Isso pode ter algumas explicações, como os intensos
debates ocorridos a partir da intervenção do Min. Carlos Britto, ou mesmo a
maior preocupação em se fixar uma posição diante da divergência (casos do
Min. Carlos Britto, no início, e do Min. Marco Aurélio).
Quanto aos debates, verifica-se que por duas oportunidades ministros
pediram esclarecimentos ao Relator. O Min. Sepúlveda Pertence perguntou
quais seriam as vantagens às quais o Min. Cezar Peluso se referia em seu
voto e que poderiam ser acrescidas aos vencimentos dos magistrados. A
mesma pergunta é feita pelo Min. Gilmar Mendes.
Embora o Min. Cezar Peluso tenha confirmado que se tratavam de
vantagens eventuais, como indenizações, que não poderiam ser
remuneração, não como teto de subsídio” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 761 do acórdão; p. 39 do arquivo eletrônico).
28
incorporadas permanentemente aos subsídios, ele não aceitou as sugestões
dos dois colegas para que isso constasse do acórdão, afirmando que não se
tratava de questão colocada a julgamento.
Ao lado desses dois pedidos de esclarecimento, há dois debates
originados por tentativa de bloqueios. Primeiro, quando o Min. Carlos Britto
tentou desenvolver um raciocínio que não seguia exatamente a trilha do
Relator, este logo interveio. Após uma longa discussão, chegou-se ao
consenso, evidenciado pelo voto do Min. Carlos Britto, de que havia uma
discriminação de tetos, não de limites de vencimento.
Por outro lado, verifica-se que a outra tentativa de bloqueio não teve
êxito por causa da forte oposição do Min. Marco Aurélio à proposta da
interpretação conforme a Constituição. O Min. Sepúlveda Pertence tentou
convencê-lo da ideia de que a leitura do CNJ era razoável, mas o dissenso
permaneceu.
Chama atenção também o grande número de ministros que
participam dos debates para resolver a polêmica da diferenciação entre
limite de vencimento e teto remuneratório. Ao todo, foram seis os ministros
que deram alguma opinião.
No tocante à interpretação conforme a Constituição, não identifiquei
divergências na fundamentação que pudessem comprometer a
compreensão do que foi decidido. O Relator, Min. Cezar Peluso,
proporcionou duas possíveis soluções para o caso, como mencionado
anteriormente, adotando a interpretação conforme para excluir do
dispositivo impugnado a magistratura estadual. Os ministros que
acompanharam o seu voto, apoiaram a decisão.
Outras observações podem ser feitas sobre aspectos pontuais.
A primeira diz respeito a um problema de preparo de alguns ministros
para o julgamento. Por alguma razão, tanto o Min. Joaquim Barbosa como o
Min. Sepúlveda Pertence foram surpreendidos na sessão. O primeiro, que
pode ter sido influenciado por isso para decidir de forma mais contida,
afirma, na conclusão de seu voto:
29
“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa - Com essas considerações,
peço vênia ao Ministro Cezar Peluso e aos que o acompanharam para,
pelo menos nesse juízo preliminar – já que tomei conhecimento dessa
ação direta há poucos minutos -, indeferir a cautelar.” (STF: ADI-MC
3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 750 do acórdão;
p. 28 do arquivo eletrônico; grifos meus)
O Min. Sepúlveda Pertence afirma isso textualmente ao iniciar sua
participação:
“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Sra. Presidente, ao
contrário dos colegas mais modernos que se podem dar a delícia de
já trazer o voto escrito à luz do material recebido, eu, rigorosamente,
fui surpreendido com a colocação em mesa deste problema.” (STF:
ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 780 do
acórdão; p. 58 do arquivo eletrônico)
Uma segunda observação refere-se à atuação do Relator. Destaca-se
a forma como ele apresenta a sua posição final para os pares. Em outras
palavras, ele abre a possibilidade de que os outros ministros escolham uma
ou outra forma de decisão, seja pela inconstitucionalidade do dispositivo,
seja pela interpretação conforme a Constituição.
Um terceiro aspecto a ser salientado é a frase da Ministra Ellen
Gracie. Verifica-se uma preocupação com a boa expressão do resultado,
principalmente porque o julgamento foi marcado por três posições
diferentes.35 É curioso, porém, que essa preocupação tenha ocorrido após
uma maioria de oito ministros ter se firmado a favor da interpretação
conforme a Constituição.
Por fim, no tocante aos aspectos formais do acórdão, o Relatório
contém apenas a menção aos dispositivos impugnados e a transcrição do
pedido e das razões aduzidas pela autora da ação para a declaração de
inconstitucionalidade dos artigos citados.
35 A Ministra Ellen Gracie fez as seguintes considerações à Corte: “Então, com essas considerações, também acompanho o voto do eminente relator a quem solicito que supervisione a proclamação para que não haja qualquer reparo posterior a ser feito” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 783 do acórdão; p. 61 do arquivo eletrônico).
30
Na redação da ementa, por sua vez, apesar de aparecer o caráter
nacional do Poder Judiciário, em nenhum momento cita-se o princípio
federativo como um dos fundamentos para a decisão, tal como aduzido
explicitamente pelos Ministros Carlos Britto, Sepúlveda Pertence e Gilmar
Mendes. Da mesma forma, não há qualquer menção às preocupações dos
Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes, quanto à expressa definição
das vantagens de que tratavam ao falar em remuneração global.36
Os dados do julgamento podem ser vistos nas tabelas a seguir:
36 É o que se pode concluir da ementa redigida pelo Min. Cezar Peluso: “MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, parágrafo único, da Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal”.
3
1
Tabela 3: votos dos ministros na ADI-MC 3854-1/DF
Ministro
Questões a serem resolvidas / Fundamentos
Tipo
Interação em Plenário
Cezar Peluso
(Relator)
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- tratar mag
istrados de m
odo diferen
te viola a isonomia
- ao contrário do Ministério Pú
blico, o Judiciário é Pod
er nacional e unitário
- existe um escalonamen
to vertical e nacion
al de subsídios de tod
a a m
agistratura
- qualquer discrim
inação na rem
uneração deve ser legítim
a e baseada nas diferen
ças
entre as Justiças (ex. número de entrân
cias)
- discrim
inação de tetos de rem
uneração global é inconstitucion
al
- problema prático do desestím
ulo à m
agistratura estadual
2)
pericu
lum
in m
ora
- Tribunais já estavam implementando os nov
os tetos
Voto não-
relacion
al
(Relator)
Cármen Lúcia
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- preceden
te relativo ao M
P não se aplica porque o Judiciário é Poder, en
quanto o M
P é
instituição perm
anen
te
- a m
agistratura é nacional, e qualquer diferença deve ser baseada em
fatores legítim
os
- tratar a magistratura desigualm
ente viola a isonom
ia
Voto
relacion
al
Rea
firm
a o voto do Relator, realçan
do alguns pontos
mais importantes
Ricardo
Lewandowski
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- caráter unitário e nacional da mag
istratura (art. 93 e 96 CF/88; Lei Orgân
ica) a difere
do M
P
- discrim
inação viola a isonom
ia
- discrim
inação viola a razoabilidad
e (m
agistrad
os desempen
ham a mesma função)
(novo)
Voto
relacion
al
Rea
firm
a o voto do Relator e da Min. Cárm
en Lúcia,
realçando alguns pon
tos im
portantes e acrescentando
mais um
Eros Grau
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- Poder Judiciário é nacional
- mag
istrados possuem
as mesm
as garantias, e discrim
inações violam a isonomia
Voto não-
relacion
al
Não faz qualquer men
ção a votos anteriores, exceto
para m
anifestar concordân
cia com o Relator
Joaquim
Barbosa
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- num país de desigualdad
es reg
ionais o legislador pode estabelecer gradações mínim
as
na rem
uneração dos agentes (novo)
2)
pericu
lum
in m
ora
- ped
ido cau
telar form
ulado dep
ois de m
uitos an
os de vigência do dispositivo é atenuado
(novo)
3) controle de constitucion
alidad
e de emen
da constitucional
- controle de emen
das pode servir para m
anter o s
tatu
s quo, por isso deve ser feito com
cuidado
Voto não-
relacion
al
Não faz m
enção a qualquer ou
tro voto, exceto para
divergir do Relator
Carlos Britto
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- caráter nacion
al do Judiciário decorre da cláusula-pétrea da Federação (novo)
- duas ideias: o
STF
deve ser o teto máxim
o da remuneração e não
pode haver
discrim
inação en
tre Justiças Federal e Estad
uais
4) constitucion
alidad
e do escalonam
ento remuneratório na Justiça Federal
- no art. 93, V, originalmen
te só se proibiam subsídios maiores que os dos membros do
Voto em
debates
Rebate as duas corren
tes que se form
aram, mas dep
ois
adere ao Min. Cezar Peluso
3
2
STF; com a EC 19/98, o que era inexcedível também se tornou
inalcançável (lim
ite de
subsídios)
- Justiça Federal não poderia alcançar o subsídio do S
TF, devendo ficar lim
itada aos
vencimen
tos dos Tribunais Superiores
Gilmar Mendes
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- ison
omia é um conceito relacional, e a discrim
inação configura uma violação
- repercussão também no quadro federativo
: quebra da unidade do Poder Judiciário
5) vantagens que compõem
a remuneração
- não
podem ser van
tagens perm
anen
tes
3) controle de constitucion
alidad
e de emen
da constitucional
- Brasil é o
único exemplo da
cultura jurídica ociden
tal de controle
frequen
te de
emen
das (novo)
Voto em
debates
Ped
e esclarecimen
tos ao Relator sobre sua conclusão
Marco Aurélio
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- preceden
te sobre os vencimen
tos do MP acabou levan
do à interpretação errad
a do CNJ
(novo)
- teto de remuneração
aplica-se apen
as
aos servidores
públicos
que não são
mag
istrados (novo)
Voto em
debates
Deb
ate com o Min. Sepúlveda Perten
ce a aplicação da
interpretação con
form
e a Con
stituição
Celso de Mello
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Sepúlveda
Pertence
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- Poder Judiciário é nacional e unitário como corolário do princípio federativo
Voto
relacion
al
Aprove
ita a m
enção do Relator para an
exar a ADI-MC
2087, da qual foi relator
Ellen Gracie
1) possibilidade de discrim
inação
de tetos de remuneração global do Judiciário
- CNJ realmen
te leu
de form
a errônea
o precedente do STF
Voto
relacion
al
Confirm
a a fala do Min. Marco Aurélio
3
3
Tabela 4: debates entre os ministros na ADI-MC 3854-1/DF
Momento do
Debate
Quem inicia /
Motivo
Quem participa
O que se discute
Quais as posições
Quais os resultados
1º Debate
“Debate”
inserido en
tre o
Voto do M
in.
Ricardo
Lewan
dowski e
o Voto do Min.
Eros Grau
Min. Sepú
lveda
Pertence
Esclarecimen
to
Min. Sepú
lveda Perten
ce
Min. Cezar Peluso
(Relator)
Quais seriam
as
vantagen
s referidas no
voto do Relator
Ministros: não seriam
van
tagen
s individuais, ved
adas pelo regim
e de
subsídio único
Vantagen
s seriam apenas as de
caráter eventual presentes na
Resolução n. 13 do CNJ
Con
senso
2º Debate
Voto do M
in.
Carlos Britto
Min. Cezar Peluso
Bloqueio
Min. Carlos Britto
Min. Cezar Peluso
(Relator)
Min. Sepú
lveda Perten
ce
Min. Gilm
ar M
endes
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello
Constitucionalidade do
limite rem
uneratório
da Justiça Federal, à
luz do escalonam
ento
de vencimen
tos
- Min. Carlos Britto: a Justiça
Federal deve respeitar o lim
ite de
95% dos subsídios do STF
- Outros Ministros: haveria uma
confusão entre lim
ite de
vencimen
tos e teto rem
uneratório
- Min. Marco Aurélio: não há
inconstitucion
alidad
e porque o teto
se refere aos servidores
Há uma discrim
inação
inconstitucion
al no tratam
ento de
tetos remuneratórios (diferen
te de
limite de ven
cimen
tos)
diferen
ciado en
tre as Justiças
Con
senso
3º Debate
1ª parte
Voto do M
in.
Gilm
ar Men
des
Min. Gilm
ar
Men
des
Esclarecimen
to
Min. Gilm
ar M
endes
Min. Cezar Peluso
(Relator)
Min. Marco Aurélio
Min. Sepú
lveda Perten
ce
Qual a conclusão do
voto do M
in. Cezar
Peluso
- Min. Cezar Peluso: duas
alternativas, pela
inconstitucion
alidade ou pela
interpretação conform
e
Adesão à interpretação conform
e,
exceto o Min. Marco Aurélio
Con
senso
3° Debate
2ª parte
Voto do M
in.
Gilm
ar Men
des
Min. Gilm
ar
Men
des
Nova Questão
Min. Gilm
ar M
endes
Min. Cezar Peluso
(Relator)
Min. Sepú
lveda Perten
ce
Definição das
vantagen
s que não
compõem
o subsídio
- Ministros Sep
úlved
a Pertence e
Gilm
ar Men
des: importância de se
fixar que não
são
vantagen
s perman
entes
- Min. Cezar Peluso: na ação não
se
discute a estrutura das verbas
Manutenção das posições
originariamen
te apresentadas
Dissenso
4º Debate
Voto do M
in.
Marco Aurélio
Min. Sepú
lveda
Pertence
Bloqueio
Min. Marco Aurélio
Min. Sepú
lveda Perten
ce
Min. Carlos Britto
Possibilidad
e ou não de
interpretação conform
e
- Min. Sepúlveda Perten
ce: o artigo
permite duas leituras razoáveis,
possibilitando a técnica
- Min. Marco Aurélio: a leitura do
CNJ não
é razoável
Manutenção das posições
originariamen
te apresentadas
Dissenso
34
2.2.3. Caso PARANAEDUCAÇÃO: ADI 1864/PR, Rel. Min.
Maurício Corrêa, j. 08.08.2007
A ADI 1864/PR foi ajuizada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT)
contra a Lei 11.970/97 do Paraná, que criava o PARANAEDUCAÇÃO,
“serviço social autônomo” criado para gerenciar os recursos da educação no
Estado.37 Em apertada síntese, alegavam a ruptura do regime de direito
público e a “privatização” do serviço de educação. Além disso, sustentavam
que dinheiro público estava sendo usado por entidade privada, que não
seguia as regras de licitação nem de concurso público (para a descrição do
julgado, ver anexo III).
Verifica-se que diversas questões foram suscitadas. Aponto as
principais: (i) conhecimento da ação; (ii) natureza jurídica e características
do PARANAEDUCAÇÃO; (iii) possibilidade de atuação de um ente privado na
prestação de serviços de educação; (iv) regime jurídico do
PARANAEDUCAÇÃO; (v) higidez da faculdade dada ao pessoal do
PARANAEDUCAÇÃO para optar pelo regime celetista ou estatutário; (vi)
constitucionalidade da gestão de recursos.
A partir dessa lista, identifiquei os votos dos Ministros Maurício Corrêa
(Relator) e Joaquim Barbosa (segundo a votar, em voto-vista) como os
principais. Os dois trataram dos tópicos (i) a (iv), e o último ainda
acrescentou as duas últimas questões às discussões em Plenário.
Percebi, ademais, que os questionamentos sobre a natureza jurídica
do PARANAEDUCAÇÃO (ii) e a constitucionalidade da opção celetista pelo
pessoal da entidade (v) nortearam a segunda sessão de julgamento,
estando presentes em metade dos votos proferidos. No primeiro caso, a
natureza jurídica passou a ser longamente debatida a partir de posições
divergentes, principalmente dos Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos
37 Alternativamente, caso a lei não fosse integralmente declarada inconstitucional, os autores pediam a inconstitucionalidade dos respectivos artigos 1º; 3º, caput e incs. I, III, IV e V; 6º; 7º; 11 incs. II, III, IV, VI e VII; 15, § 1º e incs. II, III e IV; 16, §1º; 17, I e VII; 18; 19, §3º; e art. 22.
35
Britto, que não concebiam a existência de “serviços sociais autônomos” fora
da relação capital-trabalho.
Em relação à constitucionalidade da opção pelo regime de trabalho, a
questão se originou do voto-vista do Min. Joaquim Barbosa. Desenvolveu-se
por causa, principalmente, das dúvidas da Min. Cármen Lúcia e da
existência de uma outra ação, julgada na semana anterior, que tratava do
assunto. A questão também foi alvo de deliberação.
Os outros pontos ficaram restritos aos dois votos iniciais, com
exceção do posicionamento do Min. Carlos Britto, que fez forte oposição à
possibilidade de uma entidade privada caracterizada como “serviço social
autônomo” poder atuar na área de educação. Para o Ministro, tais entidades
só poderiam atuar no espaço constitucionalmente definido para elas
(seguridade social). Por outro lado, o Estado só poderia criar entes privados
se fossem ou sociedades de economia mista ou empresas públicas, com
todas as regras a elas inerentes. Essas posições, porém, não prosperaram.
A discussão sobre o regime jurídico do PARANAEDUCAÇÃO também
esteve presente nos debates. Para solucionar as preocupações da Corte em
relação à existência de um ente privado que gerisse os recursos financeiros
destinados à educação, o Min. Joaquim Barbosa conferiu interpretação
conforme a Constituição para o dispositivo, determinando que a entidade só
poderia manejar os recursos especificamente destinados a ela, e não todas
as dotações orçamentárias da educação. O gerenciamento ainda deveria
ocorrer segundo diretrizes dadas pelo Poder Público.
O resultado final do julgamento teve maioria de seis ministros pela
procedência parcial para conferir interpretação conforme a Constituição à
lei, nos termos do voto do Min. Joaquim Barbosa, restringindo o regime
jurídico do PARANAEDUCAÇÃO. Ficaram vencidos os Ministros Maurício
Corrêa (improcedência total), Carlos Britto e Marco Aurélio (procedência
total).
Sobre a fundamentação, os dois votos principais convergiram no
sentido de que o PARANAEDUCAÇÃO seria ente privado e para-estatal
sujeito aos parâmetros conferidos pela lei que o instituiu, inclusive quanto
36
às regras de licitação e contratação de pessoal. Não haveria problema na
sua atuação na área de educação, desde que permanecesse como mera
entidade auxiliar.
Um problema que vem a lume é a dificuldade em se determinar, com
base apenas nos outros votos, como a Corte entendeu a natureza jurídica
da entidade. Se durante a maior parte do julgamento ela foi tratada por sua
definição legal de “serviço social autônomo”, em outros momentos os
ministros tentaram apresentá-la como uma categoria intermediária de
entidade. Não fica muito claro se ela é um ente estatal ou não-estatal,
embora se possa entender que ele não integra nem a Administração direta
nem a indireta.38
Pelo menos um ministro que formou a corrente majoritária, pela
interpretação conforme a Constituição, não pareceu entender o
PARANAEDUCAÇÃO como os outros. Foi o Min. Ricardo Lewandowski, que
desejava até mesmo excluir a expressão “serviço social autônomo” do art.
1º da lei.
38 Apenas para exemplificar esse problema, transcrevo dois trechos extraídos do acórdão: “O Senhor Ministro Cezar Peluso - Tenho a impressão de que vamos ficar num terreno puramente nominalista. Essas referências a regime de Direito Privado, nome de serviço social, isso não importa. O que importa é o modelo resultante de todas as normas da lei; ele delimita e prevê competências, estabelece o tipo de atividade, etc. Agora, dar nome de serviço social autônomo ou dar outro nome não muda nada; o importante é verificar, no conjunto da lei, a estruturação do serviço” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 159 do acórdão; p. 71 do arquivo eletrônico); e “O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Realmente, consignar que a lei estadual pode criar um serviço social autônomo traz consequências. Por exemplo, as verbas que são aportadas para essa entidade podem vir não apenas do orçamento, mas também de contribuições parafiscais. Portanto, há consequências de natureza tributária. Por isso manifesto reservas nesse aspecto. O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Está claro. Apenas digo que, neste caso específico, a própria interpretação conforme encaminhada pelo Ministro acaba por dizer que este é um serviço social autônomo, ma non troppo. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Sui generis. [...] A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Aqui não é serviço social, é serviço público. Valeu-se de um rótulo que não cabe na composição normativa feita. O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - É a tentativa de esboçar uma ideia. A Senhora Ministra Cármen Lúcia - De criar, e nisso eles se valeram de um nome que não cabe aqui. O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Por isso a interpretação conforme resolve o problema. O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Na verdade, o artigo 1° poderia dizer simplesmente ‘pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo, com a finalidade de auxiliar’, expurgando-se do texto exatamente essa expressão - serviço social autônomo -, o que causou certa perplexidade. O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Vamos registrar, de qualquer forma, a ressalva” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 167-169 do acórdão; pp. 79-81 do arquivo eletrônico).
37
Isso justifica a reação do Min. Cezar Peluso, que sustentou que a
Corte não deveria se ater aos nomes, mas sim ao regime jurídico, que não
seria totalmente privado. Trata-se de outro aspecto que pode ser inferido
das discussões: o PARANAEDUCAÇÃO não estaria sujeito a um regime
totalmente privado, mas sim a um regime privado com matizes de regime
público.
Quanto aos tipos de votos, verificam-se dois “não-relacionais”, um
“relacional” e cinco “em debates”. Dos votos não-relacionais, é interessante
notar que o voto-vista do Min. Joaquim Barbosa assemelha-se muito a um
voto proferido por relatores. Ele mencionou a posição do Min. Maurício
Corrêa, mas nem desconstruiu sua fundamentação, nem tampouco indicou
tópicos com os quais concordava. Após a descrição, o voto do Relator não
foi mais citado, e o Min. Joaquim Barbosa passou a construir a sua própria
linha de raciocínio.
Por outro lado, é importante verificar a grande influência que o voto-
vista exerceu sobre o julgamento. O primeiro voto, do Relator, foi no
sentido da total improcedência da ação. Nenhum outro ministro seguiu essa
solução na segunda sessão. Ao contrário, a maioria seguiu o voto-vista do
Min. Joaquim Barbosa, que propunha a interpretação conforme a
Constituição.
Essa situação poderia evidenciar um problema causado pelo pedido
de vista: a interrupção pode ser decisiva para a formação de uma maioria.
Como isso pode ser demonstrado? Há alguns indícios no acórdão, como, por
exemplo, a manifestação do Min. Marco Aurélio no sentido de registrar sua
opinião para poder rememorá-la posteriormente, ou então a resposta do
Min. Joaquim Barbosa afirmando que seu voto estava pronto há dois anos, e
que, por isso, ele não se lembrava de detalhes.39
39 Transcrevo as duas passagens: “O Senhor Ministro Marco Aurélio - [...] já tinha formado convencimento a respeito e fatalmente não me lembrarei mais dos parâmetros, em si, da controvérsia, quando vier à balha o processo. Por isso, quis adiantar, para deixar, em notas taquigráficas, meu ponto de vista sobre a inconstitucionalidade da lei” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 118 do acórdão; p. 30 do arquivo eletrônico); e “O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Quanto ao art. 19, vejo um problema, esse meu voto está preparado há mais de dois anos, já não me lembrava de muita coisa. Temos aqui um problema em razão daquela decisão da semana passada.” (STF:
38
Outro indício é o próprio resultado na segunda sessão. Nenhum
ministro acompanhou a posição do Relator. Ainda mais, não houve qualquer
menção aos argumentos do primeiro voto, como se ele tivesse sido
completamente esquecido. O voto do Min. Joaquim Barbosa pautou
totalmente esse segundo momento, e, como não se relacionou com o do
Relator, suplantou inteiramente a fundamentação do Min. Maurício Corrêa.
Uma segunda observação diz respeito à participação do Min. Carlos
Britto nas duas sessões. Na primeira, ele levantou questões que poderiam
ser respondidas pelo Min. Joaquim Barbosa em seu voto-vista, como
mencionado anteriormente. O Ministro respondeu as questões em seu voto,
afirmando a possibilidade de o Estado criar serviços sociais autônomos para
certas atividades e a extensão dessa possibilidade para a educação.
Contudo, o Min. Carlos Britto reiterou os mesmos questionamentos.40
Eles conduziram a intensos debates sobre a possibilidade de existirem
serviços sociais ou entes privados para realizar outras atividades da
Administração Pública, em especial no serviço público. O Ministro não
aportou nenhum voto ao acórdão, mas as suas manifestações podem dar
uma ideia da sua linha de raciocínio.
Quanto à interpretação conforme a Constituição, não identifiquei
divergências na fundamentação que pudessem comprometer a
compreensão do que foi decidido. A solução proposta pelo Relator, Min.
Joaquim Barbosa, foi mesmo elogiada pelos outros ministros. O próprio Min.
Gilmar Mendes apoiou integralmente a interpretação conferida ao
dispositivo impugnado, que retirava do PARANAEDUCAÇÃO a possibilidade
de gerenciar todos os recursos do orçamento da educação do Estado do
Paraná (ver nota 38).
ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 152 do acórdão; p. 64 do arquivo eletrônico). 40 O Min. Carlos Britto fez a seguinte pergunta: “É possível o Estado criar uma pessoa totalmente privada fora desse espectro da administração pública?” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 147 do acórdão; p. 59 do arquivo eletrônico). Verifica-se que é a mesma dúvida que ele expôs na primeira sessão, ao dizer: “Ao levantar a questão, já sugiro ao eminente Ministro Joaquim Barbosa que leve em conta esta pergunta: se possível – à luz da Constituição – o Estado criar um ente privado de serviço social para transferir a ele...” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p.122 do acórdão/p. 33 do arquivo eletrônico).
39
No tocante ao aspecto formal, o Relatório ficou assim estruturado:
apresentação de todos os dispositivos impugnados; apresentação de um
resumo das razões para a inconstitucionalidade; manifestação do Estado do
Paraná e da Assembleia Legislativa paranaense, a favor do ato;
manifestação da AGU e da PGR.
Quanto à ementa, por ter sido o primeiro a aportar o voto da corrente
vencedora, o Min. Joaquim Barbosa foi escolhido para redigi-la. Nela, o
PARANAEDUCAÇÃO é apresentado como entidade de direito privado,
instituída para auxiliar a Gestão do Sistema Estadual de Educação,
cooperando no exercício de função pública.41
41 Transcrevo a ementa do julgado: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EDUCAÇÃO. ENTIDADES DE COOPERAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEI 11.970/1997 DO ESTADO DO PARANÁ. PARANAEDUCAÇÃO. SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. POSSIBILIDADE. RECURSOS PÚBLICOS FINANCEIROS DESTINADOS À EDUCAÇÃO. GESTÃO EXCLUSIVA PELO ESTADO. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Na sessão plenária de 12 de abril de 2004, esta Corte, preliminarmente e por decisão unânime, não conheceu da ação relativamente à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação-CNTE. Posterior alteração da jurisprudência da Corte acerca da legitimidade ativa da CNTE não altera o julgamento da preliminar já concluído. Preclusão. Legitimidade ativa do Partido dos Trabalhadores reconhecida. 2. O PARANAEDUCAÇÃO é entidade instituída com o fim de auxiliar na Gestão do Sistema Estadual de Educação, tendo como finalidades a prestação de apoio técnico, administrativo, financeiro e pedagógico, bem como o suprimento e aperfeiçoamento dos recursos humanos, administrativos e financeiros da Secretaria Estadual de Educação. Como se vê, o PARANAEDUCAÇÃO tem atuação paralela à da Secretaria de Educação e com esta coopera, sendo mero auxiliar na execução da função pública - Educação. 3. A Constituição federal, no art. 37, XXI, determina a obrigatoriedade de obediência aos procedimentos licitatórios para a Administração Pública Direta e Indireta de qualquer um dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A mesma regra não existe para as entidades privadas que atuam em colaboração com a Administração Pública, como é o caso do PARANAEDUCAÇÃO. 4. A contratação de empregados regidos pela CLT não ofende a Constituição porque se trata de uma entidade de direito privado. No entanto, ao permitir que os servidores públicos estaduais optem pelo regime celetista ao ingressarem no PARANEDUCAÇÂO, a norma viola o artigo 39 da Constituição, com a redação em vigor antes da EC 19/1998. 5. Por fim, ao atribuir a uma entidade de direito privado, de maneira ampla, sem restrições ou limitações, a gestão dos recursos financeiros do Estado destinados ao desenvolvimento da educação, possibilitando ainda que a entidade exerça a gerência das verbas públicas, externas ao seu patrimônio, legitimando-a a tomar decisões autônomas sobre sua aplicação, a norma incide em inconstitucionalidade. De fato, somente é possível ao Estado o desempenho eficaz de seu papel no que toca à educação se estiver apto a determinar a forma de alocação dos recursos orçamentários de que dispõe para tal atividade. Esta competência é exclusiva do Estado, não podendo ser delegada a entidades de direito privado. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 19, § 3º da lei 11.970/1997 do estado do Paraná, bem como para dar interpretação conforme à Constituição ao artigo 3º, I e ao artigo 11, incisos IV e VII do mesmo diploma legal, de sorte a entender-se que as normas de procedimentos e os critérios de utilização e repasse de recursos financeiros a serem geridos pelo PARANAEDUCAÇÃO podem ter como objeto, unicamente, a parcela dos recursos formal e especificamente alocados ao PARANAEDUCAÇÃO, não abrangendo, em nenhuma hipótese, a totalidade dos recursos públicos destinados à educação no Estado do Paraná”.
40
No julgamento, houve um momento interessante. Trata-se da
discussão sobre o que fazer com a mudança da jurisprudência em relação à
legitimidade de confederações para ajuizar ação direta de
inconstitucionalidade. Segue-se a passagem de debates:
“O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Pode-se não
enfatizar a questão, até porque a matéria já está superada; ou deixar
em obiter dictum.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Pode-se deixar
especificado na ementa.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Só uma
lembrança: o Ministro Joaquim Barbosa acabará como Relator,
quanto à legitimidade.
O Senhor Ministro Cezar Peluso – Legitimidade da Confederação.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Porque,
depois, o Tribunal evoluiu para entender que essa composição não
comprometia a legitimidade.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Apenas na ementa,
poderia consignar-se que a requerente foi julgada ilegítima na
conformidade da jurisprudência então dominante.
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) – Basta
especificar a data em que tomada a decisão.” (STF: ADI 1864/PR, Rel.
Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 181-182 do acórdão; pp. 93-94
do arquivo eletrônico; grifos no original)
Assim, tem-se uma preocupação com a redação da ementa,
especialmente porque o resultado anacrônico poderia representar uma
incoerência com a jurisprudência da Corte daquele momento, se não
houvesse nenhuma ressalva. Por isso, foi feita a referência à mudança
jurisprudencial sobre a legitimidade da CNTE (tópico 1 da ementa).
Os dados das deliberações podem ser verificados nas tabelas a
seguir:
4
1
Tabela 5: votos dos ministros na ADI 1864/PR
Ministro
Questões a serem resolvidas / Fundamentos
Tipo
Interação em Plenário
Maurício
Corrêa
(Relator)
1) conhecimen
to da ação
- CNTE
não
tem
legitim
idade por não
ser integrada por federações
2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO
- é en
tidade de direito priva
do criad
a sob
a m
odalidade serviço social au
tônom
o, para auxiliar a gestão da
educação; não integra a administração pública, direta ou indireta, sendo en
te paraestatal
- coop
era com o Poder Pú
blico, ao contrário de usurpar a prestação do serviço de ed
ucação
- sustentada por dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais, deven
do sempre prestar contas
3) possibilidade da atuação de um ente priva
do no serviço de educação
- a criação, pelo Estado, de um ente privado que o auxilie é uma adeq
uação aos tempos de globalização
- educação não
é uma atividad
e estatal indelegável
- não há substituição do Estad
o, porque uma delegação leg
al perm
ite o controle pela Administração Pública,
pelo Judiciário e pelos particulares
- trata-se de um ente administrativo, não
de um ente privado qualquer
4) regim
e jurídico do PARANAEDUCAÇÃO
- vinculação não é subordinação hierárquica: há um con
trole finalístico pelo órgão estatal mais relacion
ado
com as atividad
es, m
as sem
subordinação
- há o dever de prestar con
tas de todos os recursos e a presença estatal na composição do ente
- os princípios da Administração não se aplicam
de form
a cog
ente, mas nos lim
ites da lei que instituiu o ente
- lei que criou
a entidade exige procedim
entos simplificados de licitação
- procedim
ento para contratação de servidores não
deve ser o da Administração, m
as o da lei que instituiu a
entidad
e; entidad
e está fora da Administração Pú
blica e pode contratar pessoas sob regim
e celetista
- nova redação do art. 39 da Constituição não
exige o reg
ime jurídico único
- dotações orçam
entárias e alienação de bens são recursos ineren
tes ao
con
trato de gestão
Voto não
-relacion
al
(Relator)
Joaquim
Barbosa
2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO
- serviços sociais autônom
os são entes privados criados pelo Estado para participar de atividad
es privadas
que o Estad
o deseja fomen
tar
3) possibilidade da atuação de um ente priva
do no serviço de educação
- educação é um serviço público, mas o PARANAEDUCAÇÃO atua no auxílio à gestão, não na prestação em si
- em
bora a C
onstituição
seja silente, a exigên
cia de colaboração da sociedad
e permite que sejam criad
os
serviços sociais autônom
os para a educação, pois o Estado precisa de m
eios eficientes de prestar os serviços
4) regim
e jurídico do PARANAEDUCAÇÃO
- como m
ero auxiliar da Secretaria de Educação, não há proibição ao regim
e jurídico de direito privado
- a reg
ra da licitação é exigida para a Administração Pú
blica Direta e Indireta, não
para entes paraestatais
- por ser pessoa
jurídica de direito priva
do, não está sujeita à regra de concurso público
5) constitucion
alidad
e da opção de escolha do reg
ime de trab
alho: celetista ou estatutário
- inconstitucional porque no
art. 39 original, havia a ob
rigatoriedad
e do regim
e único para servidores
públicos, e esse dispositivo voltou
a vigorar com a decisão do STF na ADI-MC 2135
6) constitucion
alidad
e da gestão de recursos
- o PARANAEDUCAÇÃO não pode gerir todos os recursos destinad
os à educação, inclusive os de natureza
orçamen
tária, mas ap
enas aqueles destinados a ele, sob p
ena de o E
stado se desincumbir d
e seu dever
Voto não
-relacion
al
Voto-vista: descreve o voto anterior, mas
não
faz nenhuma consideração específica
sobre os argumentos
4
2
constitucional de prestar a ed
ucação;
- a gerência dos recursos será feita conform
e as diretrizes estabelecidas pelo Estado
Cármen Lúcia
5) constitucion
alidad
e da opção de escolha do reg
ime de trab
alho: celetista ou estatutário
- tanto a redação do art. 39 ao tempo da criação da lei, com
o a red
ação após a ADI-MC 2135, im
põem o
regim
e único para os servidores públicos
Voto em
debates
Concorda em relação a todos os pon
tos do
voto do Min. Joaquim
Barbosa, mas pede
esclarecimen
tos quan
to ao regim
e único dos
servidores públicos
Ricardo
Lewandowski
2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO
- necessidade da busca de novos modelos para a Administração Pública
- não
se pod
e en
tender que é um serviço social au
tônom
o (relação capital-trabalho), m
as sim
uma fundação
pública (novo)
5) constitucion
alidad
e da opção de escolha do reg
ime de trab
alho: celetista ou estatutário
- inconstitucion
alidade pela estranheza que cau
sa a possibilidade de um servidor público passar para en
tidad
e
priva
da
Voto em
debates
Compartilha a dúvida do Min. Carlos Britto
em relação à terminologia utilizada pela lei
Acompanha o Min. Joaq
uim
Barbosa quanto
ao resto
Discute a categ
oria jurídica em
que se
insere o PARANAEDUCAÇÃO
Cezar Peluso
5) constitucion
alidad
e da opção de escolha do reg
ime de trab
alho: celetista ou estatutário
- é inconstitucion
al à luz da redação constitucional vigente à época (art. 39)
Voto
relacion
al
Refere-se às preocupações do Min. Carlos
Britto, mas afirm
a ser necessário que a
Corte não se fixe em um nominalismo
Carlos Britto
2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO
- fora do âmbito fundacion
al, não se perm
ite a criação
pelo Estad
o de pessoas totalmen
te priva
das que não
sejam empresas públicas ou sociedad
es de economia m
ista (novo)
3) possibilidade da atuação de um ente priva
do no serviço de educação
- Con
stituição só perm
ite criação de serviços sociais na relação capital-trab
alho (novo)
4) regim
e jurídico do PARANAEDUCAÇÃO
- controle direto pela composição da entidad
e não é efetivo: o Pod
er Público pod
e perder esse controle para
os particulares (novo)
- não há restrições para a g
estão dos recursos, o que eviden
cia a ten
tativa
de privatização dos serviços
(novo)
- há uma interpenetração do quadro do funcion
alismo público com o quadro de empregados da entidad
e (novo)
Voto em
debates
(inexiste
um voto
específico)
Discute ativa
men
te sua posição con
trária à
dos colegas
Marco
Aurélio
2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO
- serviços públicos essenciais não
podem ser delegad
os a entidades privadas, especialmen
te quan
do ela lidará
com recursos públicos sem as amarras do Estado (novo)
- criar um en
te subordinad
o a
um regim
e de direito privado
para lidar com serviços públicos significa
priva
tizar a atuação do Estad
o
Voto em
debates
Debate a possibilidade de a Administração
Pública criar um ente privado para “driblar”
o reg
ime público
Gilmar
Mendes
1) conhecimen
to da ação
- CNTE
tinha sido declarada parte ilegítim
a, m
as a jurisprudên
cia mudou
sua posição
(novo)
Voto em
debates
Debate a mudan
ça do julgamento
Sepúlveda
Pertence
Voto sem fundamen
tação própria que acompanha o voto do Min. Joaquim
Barbosa
Ellen Gracie
Ausente
Celso de
Mello
Ausente
4
3
Tabela 6: debates entre os ministros na ADI 1864/PR
Momento do
Debate
Quem inicia /
Motivo
Quem participa
O que se discute
Quais as posições
Quais os resultados
1º Debate
1ª parte
“Debates”
depois do
pedido de
vista
Min. Marco
Aurélio
Bloqueio
Min. Marco Aurélio
Min. Maurício Corrêa
(Presiden
te e Relator)
Min. Joaquim
Barbosa
Ente privado na
Administração
- Min. Marco Aurélio: falência do Estado
não justifica o ente priva
do
- Min. M. Corrêa: são novas form
as
administrativas
- Min. J. Barbosa: não
se pode denegar o
sistema
Manutenção das posições
originalm
ente apresentadas
Dissenso
1º Debate
2ª parte
“Debates”
depois do
pedido de
vista
Min. Carlos
Britto
Bloqueio
Min. Carlos Britto
Min. Gilm
ar M
endes
Min. Cezar Peluso
Serviço autônom
o na
educação
- Min. Carlos Britto: a Constituição não
autoriza serviços públicos na ed
ucação
- Min. Gilm
ar M
endes e Cezar Peluso: a
Con
stituição
não
proíbe tampouco
Manutenção das posições
originalm
ente apresentadas
Dissenso
1º Debate
3ª parte
“Debates”
depois do
pedido de
vista
Min. Carlos
Britto
Bloqueio
Min. Carlos Britto
Min. Gilm
ar M
endes
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Maurício Corrêa
Reg
ime jurídico da
entidade criada
- Min. Carlos Britto e Joa
quim
Barbosa: é
entidade exó
gen
a privada
- Min. Gilm
ar M
endes e Maurício Corrêa: é
entidad
e criada por lei e vinculada ao
Estad
o
Manutenção das posições
originalm
ente apresentadas
Dissenso
2º Debate
1ª parte
“Deb
ate”
inserido entre
o Voto do Min.
Joaquim
Barbosa e o
Voto da Min.
Cármen
Min. Carlos
Britto
Bloqueio42
Min. Cármen
Lúcia
Min. Gilm
ar M
endes
(Presiden
te)
Min. Carlos Britto
Min. Sep
úlved
a Pertence
Min. Joaquim
Barbosa
Ente privado na
Administração
- Min. Carlos Britto: não
seria possível à
Administração criar pessoa jurídica de
direito privado que não nas hipóteses da
Con
stituição
- Min. Sepúlved
a Pertence: pod
e criar
fundações
- Min. Cárm
en Lúcia: reg
ime mostra que
não é totalm
ente priva
da (público estatal)
- Min. Gilm
ar Men
des: regim
e mostra que
é público não-estatal
- Min. Joaquim
Barbosa: é um m
odelo
interm
ediário
Manutenção das posições
originalm
ente apresentadas
Dissenso
42 A M
in. Cárm
en Lúcia inicia o deb
ate ped
indo um esclarecimen
to ao M
in. Joaquim
Barbosa acerca da con
stitucion
alidade do art. 19, §3º, da lei
que cria o PARANAEDUCAÇÃO e que permite aos servidores alocados na entidade optarem entre o reg
ime estatutário ou celetista. Todavia, logo
em seg
uida o M
in. Carlos Britto intervém
, ampliando a pergunta para outro tema, sobre a possibilidade de atuação da entidade na educação. No
caso, optamos por mostrar como o deb
ate se iniciou, mas não trataremos especificamen
te daquela primeira pergunta, senão na parte em
que é
retomada, ainda no m
esmo deb
ate, mais adiante.
4
4
2º Debate
2ª parte
“Deb
ate”
inserido entre
o Voto do Min.
Joaquim
Barbosa e o
Voto da Min.
Cármen
Min. Cármen
Lú
cia
Esclarecimen
to
Min. Cármen
Lúcia
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Gilm
ar M
endes
(Presiden
te)
Min. Sep
úlved
a Pertence
Con
stitucion
alidad
e da
opção entre o reg
ime
estatutário e o celetista
(art. 19)
- Min. Carlos Britto: não
pode haver
interpen
etração de quadros
- Min. Ricardo Lewan
dowski: poderia ser
do estatutário para o celetista
- Outros: Regim
e Único teria sido
reestabelecido
Min. Joaq
uim
Barbosa opta
pela inconstitucion
alidade do
art. 19
Consenso
43
2º Debate
3ª parte
“Deb
ate”
inserido entre
o Voto do Min.
Joaquim
Barbosa e o
Voto da Min.
Cármen
Min. Carlos
Britto
Bloqueio
Min. Carlos Britto
Min. Cezar Peluso
Min. Gilm
ar M
endes
Min. Cármen
Lúcia
Min. Joaquim
Barbosa
Serviço autônom
o na
educação
- Min. Carlos Britto: Con
stituição não
permitiu a destinação de recursos da
educação para en
tes privados e não
permite serviço social
- Min. Cezar Pe
luso: en
tidad
e é auxiliar e
não se pode ficar com nominalismos
- Min. Gilm
ar Men
des: m
odelo de serviço
autônom
o precedeu a Carta
- Min. Cárm
en Lúcia: é exemplo de novas
form
as adotad
as pela Administração
Manutenção das posições
originalm
ente apresentadas
Dissenso
3º Debate
Voto da Min.
Cármen
Lúcia
Min. Cármen
Lú
cia
Esclarecimen
to
Min. Cármen
Lúcia
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Cezar Peluso
Min. Ricardo Lewan
dowski
Min. Gilm
ar M
endes
(Presiden
te)
Con
stitucion
alidad
e da
opção entre o reg
ime
estatutário e o celetista
(art. 19)
Ministros: tan
to à época da criação do
artigo com
o à época do julgam
ento (por
suspen
são da emen
da constitucional),
vigorava o Reg
ime Único
O dispositivo é
inconstitucion
al por perm
itir
que funcion
ários públicos
escolham o regim
e celetista
Con
senso
4º Debate
1ª parte
Voto do Min.
Ricardo
Lewandow
ski
Min. Gilm
ar
Mendes
(Presiden
te)
Bloqueio
Min. Ricardo Lewan
dowski
Min. Gilm
ar M
endes
(Presiden
te)
Min. Cármen
Lúcia
Natureza jurídica da
entidade criad
a pela lei
- Min. Ricardo Lewandowski: seria uma
fundação
- Min. Gilm
ar Men
des: a lei estab
elece um
ente e ten
ta dar um nome para ele
- Min. Cárm
en Lúcia: é serviço público, não
serviço social, o que evidencia o erro no
nome
O PARANAEDUCAÇÃO não
pode ser visto sob o prism
a
de sua qualificação, mas sim
de seu reg
ime jurídico
Con
senso
4º Debate
2ª parte
Voto do Min.
Ricardo
Lewandow
ski
Min. Carlos
Britto
Bloqueio
Min. Carlos Britto
Min. Cármen
Lúcia
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Sep
úlved
a Pertence
Min. Gilm
ar M
endes
(Presiden
te)
Min. Cezar Peluso
Estrutura da entidade
- Min. Carlos Britto: composição do
Conselho permite a perda de controle pelo
poder público
- Outros: os Pod
eres estão
rep
resentados
no Conselho e podem participar
diretamen
te
Manutenção das posições
originalm
ente apresentadas
Dissenso
43 Posteriorm
ente, em
seu
voto, o M
in. Ricardo Lewandowski admite que a hipótese de um servidor público passar para o regim
e estatutário não
seria admissível.
4
5
5º Debate
Voto do Min.
Marco Aurélio
Min. Sepúlved
a Pertence
44
Bloqueio
Min. Marco Aurélio
Min. Sep
úlved
a Pertence
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Cezar Peluso
Min. Gilm
ar M
endes
(Presiden
te)
Reg
ime jurídico da
entidad
e - Min. Marco Aurélio: é uma pessoa jurídica
de direito privado sujeita a um reg
ime de
direito privado
- Outros: é uma pessoa jurídica de direito
priva
do, mas com controle direto do
Estad
o, seja na composição
, seja nos
recursos, seja na prestação de contas, seja
nas diretrizes públicas
Manutenção das posições
originalm
ente apresentadas
Dissenso
6º Debate
Voto do Min.
Gilm
ar
Mendes
Min. Cezar
Peluso
Nova questão
Min. Cezar Peluso
Min. Gilm
ar M
endes
(Presiden
te)
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Sep
úlved
a Pertence
Min. Cármen
Lúcia
Mudan
ça de
jurisprudên
cia sobre a
legitim
idad
e ativa da
CNTE
Ministros: a questão estaria preclusa e não
poderia ser m
ais suscitad
a A ilegitim
idad
e da CNTE não é
revista, m
as a m
udança de
jurisprudên
cia é consignad
a
na emen
ta
Con
senso
44 O
primeiro aparte é feito pelo M
in. Carlos Britto, que apen
as complemen
ta o que o M
in. Marco Aurélio trazia em seu
voto. O aparte que dá
origem ao deb
ate é o do Min. Sep
úlved
a Pertence, ao se contrapor à ideia do M
inistro que vo
tava
.
46
2.2.4. Caso do nepotismo: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto,
j. 20.08.2008
A ADC 12/DF foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB) a favor da Resolução n. 07/2005 do CNJ, que dispunha sobre regras
de combate ao nepotismo no âmbito do Poder Judiciário, ou, como consta
no próprio ato, a disciplina sobre “o exercício de cargos, empregos e
funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de
servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito
dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências”. A norma atenderia
aos princípios administrativos, especialmente da moralidade e da
impessoalidade, e também estaria no âmbito de competência do CNJ (para
a descrição do julgado, ver anexo III).
Basicamente, quatro problemas foram suscitados, todos a partir do
voto do Relator: (i) cabimento do controle de constitucionalidade da
Resolução; (ii) possibilidade da vedação ao nepotismo; (iii) competência do
CNJ; (iv) necessidade da interpretação conforme a Constituição. Nenhum
novo problema foi trazido por outros ministros.
O Relator, Min. Carlos Britto, expôs novamente as razões que o
levaram a votar pelo deferimento da medida liminar. O CNJ teria apenas
concretizado os princípios constitucionais da Administração Pública, de tal
sorte que estaria exercendo sua função constitucional. Por outro lado, a
regra poderia ser extraída diretamente da Constituição, não atentando
contra o direito de nomeação a cargos de confiança. Por fim, seria
importante aplicar a técnica da interpretação conforme a Constituição para
deduzir a função de “chefia” do substantivo “direção”, presente na
Resolução.
A grande maioria dos ministros posicionou-se em relação à
competência do CNJ e à vedação do nepotismo, com exceção dos Ministros
Cezar Peluso e Gilmar Mendes, que trataram apenas da necessidade da
interpretação conforme para esclarecer a Resolução e não propiciar uma
brecha legal para que fosse descumprida. Provavelmente, os dois rebateram
47
as considerações dos Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que não
haviam utilizado a técnica por reputarem-na desnecessária.
Em relação aos fundamentos, em primeiro lugar cabe o alerta de que
a análise deve ser feita cum grano salis. Isso porque é grande a quantidade
de referências aos votos proferidos no julgamento da medida liminar. Tanto
o Relator, Min. Carlos Britto, como os Ministros Cezar Peluso, Celso de Mello
e Gilmar Mendes fizeram referência expressa ao voto proferido
anteriormente. O Min. Marco Aurélio mencionou seu voto na ADI 1.521.
Assim, atendo-se apenas às razões apresentadas no julgamento
definitivo, verifica-se que novos fundamentos foram trazidos por outros
ministros. O Min. Menezes Direito, por exemplo, reforçou a competência do
CNJ para regular os princípios do art. 37 da Constituição. A Min. Cármen
Lúcia, por sua vez, trouxe três novos fundamentos para a
constitucionalidade material da Resolução: o fato de os princípios se
aplicarem a todos os Poderes e a todos os níveis da Federação (é a primeira
a mencionar isso); a evolução histórica de crescente combate ao nepotismo
e à confusão entre público e privado; a força do princípio republicano. O
Min. Celso de Mello seguiu essas razões e ainda acrescentou a necessidade
de aferição da inconstitucionalidade em relação ao bloco da Constituição.
No que diz respeito ao raciocínio que norteou o julgamento, dos nove
votos proferidos, seis foram explícitos acerca da aplicação direta dos
princípios constitucionais da Administração Pública para a vedação do
nepotismo. O Min. Eros Grau simplesmente acompanhou o Relator,
enquanto o Min. Marco Aurélio simplesmente acompanhou o Min. Menezes
Direito. Por fim, os Ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes apenas fizeram
remissão aos respectivos votos proferidos no julgamento da liminar.
O resultado final foi majoritário (sete votos) pela procedência com a
interpretação conforme a Constituição, de acordo com o Relator, com a
exceção dos dois ministros que a dispensavam. Da corrente majoritária,
quatro votos fizeram menção expressa à auto-aplicabilidade dos princípios
do art. 37 da CF/88. Da mesma forma, quatro votos afirmaram a
competência do CNJ para densificar os princípios constitucionais da
48
Administração Pública. Os outros três ministros que compuseram a corrente
vencedora não teceram quaisquer considerações nesse sentido, mas
presumidamente acompanharam os quatro quanto a ambas as ideias.
Em relação à forma que assumem os votos, verificam-se seis “não-
relacionais” e três “relacionais”. Dois deles, um de cada tipo, fizeram
menção à juntada das razões do voto proferido em liminar (Min. Cezar
Peluso e Min. Gilmar Mendes). Outra observação interessante diz respeito à
brevidade das manifestações dos ministros. Tem-se a impressão, portanto,
de que a maioria dos ministros não estava disposta a rediscutir a questão,
remetendo-se a uma convicção externada anteriormente.45
Sobre essa firmeza de convicção, a matéria sobre a qual versava a
ação (moralidade da Administração Pública) deve ser considerada como
fator relevante para explicá-la, pois dificilmente a ideia de uma
Administração Pública proba encontraria resistências no Tribunal. O mesmo,
porém, poderia não se aplicar à interpretação conforme a Constituição.
Aliás, sobre esse ponto, a própria a questão da necessidade ou não da
técnica já não havia sido levantada na decisão da liminar. Isso não impediu
o Min. Menezes Direito, que não participou do julgamento da liminar, de
suscitar novamente a discussão.
Assim, em relação à oposição apresentada pelo Min. Menezes Direito,
os ministros limitaram-se a ressaltar a importância de que se afastasse
qualquer dúvida sobre a interpretação do dispositivo impugnado. É
sintomático, aliás, que os Ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes tenham
apresentado voto apenas para defender a utilização da técnica. 45 Verifica-se, pelo resultado do julgamento da medida cautelar, que a unanimidade quanto ao mérito se manteve. A confirmação das convicções anteriores pode ser ilustrada por algumas passagens do acórdão: “O Senhor Ministro Carlos Ayres Britto (Relator) - Tenho que a matéria constitucional desta ação declaratória foi exaustivamente examinada por este Supremo Tribunal Federal quando do enfrentamento do pedido de medida liminar [...]” (STF: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008, p. 10 do acórdão; p. 10 do arquivo eletrônico); “O Senhor Ministro Cezar Peluso - Senhor Presidente, também acompanho o voto do eminente Relator e peço vênia para fazer incluir no acórdão a declaração de voto que oralmente já tinha proferido no julgamento da liminar, ao qual, creio, nada precisa ser acrescentado” (STF: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008, p. 27 do acórdão; p. 27 do arquivo eletrônico); e “O Senhor Ministro Celso de Mello – Reafirmo, Senhor Presidente, o teor do voto que proferi quando do julgamento, pelo Plenário desta Suprema Corte, do pedido de medida cautelar formulado na presente sede de fiscalização normativa abstrata” (STF: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008, p. 28 do acórdão; p. 28 do arquivo eletrônico; grifos no original).
49
Especificamente sobre a utilização da técnica, não identifiquei
divergências quanto à fundamentação que pudessem comprometer a
compreensão do julgado. Na verdade, a interpretação conferida pelo Min.
Carlos Britto já havia sido aceita no julgamento da liminar e foi reforçada
pela Min. Cármen Lúcia. Ela afirmou que era necessário fazer esse
condicionamento porque existiriam cargos de “chefia” que não seriam de
“direção”, nos casos de “chefia intermediária”.
Por fim, sobre os aspectos formais do acórdão, o Relatório está
estruturado da seguinte maneira: menção da Resolução, apresentação dos
fundamentos aduzidos pelo autor para o mérito (a favor do ato) e para a
liminar, menção do julgamento liminar, apresentação da ementa do parecer
da PGR e menção dos amici curiae.
A ementa, por sua vez, encontra-se em consonância com o
pensamento da maioria do Plenário, principalmente no tocante à vedação
do nepotismo por aplicação direta dos princípios constitucionais da
Administração Pública (impessoalidade, eficiência, igualdade, moralidade), à
competência do CNJ para editar a Resolução e à utilização da técnica da
interpretação conforme a Constituição.46
Os dados do julgamento podem ser verificados nas tabelas a seguir:
46 É o que se pode concluir da ementa redigida pelo Min. Carlos Britto: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE ‘DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS’. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios "estabelecidos" por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo "direção" nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça”.
5
0
Tabela 7: votos dos ministros na ADC 12/DF
Ministros
Questões a serem resolvidas / Fundamentos
Tipo
Interação em Plenário
Carlos Britto
(Relator)
1) cabim
ento de controle de constitucionalidade da Resolução
- a
Resolução
do CNJ é ato
norm
ativo primário dotado dos
atributos
da gen
eralidad
e, universalidade e
abstratividade
2) coibição do nepotismo
- a
Resolução
densifica os
princípios
do art. 37, que já são
totalm
ente au
to-aplicáveis (impessoalidade
, moralidade, igualdade e eficiên
cia)
- a Resolução não atenta con
tra a liberdad
e de nomeação e exoneração porque as restrições são constitucion
ais
3) competência do CNJ
- não
há ofensa à sep
aração de Poderes porque o CNJ não
é estranho ao Judiciário
- não
há ofensa ao princípio fed
erativo porque o Judiciário tem caráter nacion
al
4) necessidad
e da técnica da interpretação con
form
e a Con
stituição
- necessidade de completar uma brecha pela ausência da m
enção ao cargo de chefia
Voto
não-
relacion
al
(Relator)
Menezes
Direito
2) coibição do nepotismo
- o conteúdo da R
esolução é constitucion
al e já vem sen
do previsto por outros atos de órgãos do Judiciário
(novo)
3) competência do CNJ
- CNJ é competente para preservar os princípios esculpidos no art. 37 da Con
stituição
, em especial a m
oralid
ade
(novo)
4) necessidad
e da técnica da interpretação con
form
e a Con
stituição
- a ausência da interpretação conform
e a Constituição não compromete o cumprimen
to da reg
ra (novo)
Voto
relacion
al
Rebate a opção do Relator pela
interpretação conform
e
Cármen Lúcia
2) coibição do nepotismo
- a Resolução concretiza princípios como da impessoalidade e da moralid
ade
- os princípios se aplicam
a tod
os os Poderes, em todos os níveis da Federação (novo)
- evolução histórica do direito público demon
stra um crescen
te com
bate ao nep
otismo e à confusão en
tre público
e priva
do (novo)
- princípio republican
o já basta para proibir o nepotismo (novo)
3) competência do CNJ
- CNJ tem competência para fazer atuar os princípios da Administração Pú
blica (art. 103-B, § 4º, II)
Voto
não-
relacion
al
Não faz qualquer men
ção a votos
anteriores, exceto para m
anifestar
concordân
cia com o Relator
Marco
Aurélio
2) coibição do nepotismo
- a Resolução é constitucional se o CNJ tiver competên
cia, como assentado pela Corte
Voto
não-
relacion
al
Não faz qualquer men
ção a votos
anteriores, exceto para m
anifestar
concordância com o Min. Menezes
Direito
Ricardo
Lewandowski
2) coibição do nepotismo
- princípios constitucion
ais da Administração Pública são au
to-aplicáveis
3) competência do CNJ
- Resolução regulamen
ta os princípios do art. 37 (art. 103-B, § 4º, II)
Voto
relacion
al
Con
verge com o Relator quan
to à auto-
aplicabilidad
e dos princípios
constitucionais da Administração Pública
Eros Grau
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Cezar Peluso
4) necessidad
e da técnica da interpretação con
form
e a Con
stituição
- é bom esclarecer que a Resolução tam
bém abrange cargos de chefia
Voto
não-
Não faz qualquer men
ção a votos
anteriores, exceto para acompan
har o
5
1
relacion
al
Relator
Celso de
Mello
2) coibição do nepotismo
- a moralidade é um princípio con
stitucion
al que legitim
a o controle de tod
os os atos que transgridam valores
éticos
- a Constituição deve ser vista de m
odo m
ais amplo, abrangendo também valores de caráter suprapositivo e do
espírito que a con
form
a (bloco de constitucion
alidad
e) (novo)
- rejeição da ideia de um Estad
o patrim
onial e da con
fusão entre espaço público e espaço privado
- princípios da igualdade, da m
oralidad
e e da impessoalidad
e devem ser observad
os por todos os Po
deres
3) competência do CNJ
- o CNJ apen
as regu
lamen
tou o art. 37 da Constituição (art. 103-B, § 4º, II)
- não há violação do princípio da separação dos Po
deres ou
do princípio federativo
porque o C
NJ é órgão
do
Judiciário e de âmbito nacional
Voto
não-
relacion
al
Não faz qualquer men
ção a votos
anteriores, exceto para m
anifestar
concordân
cia com o Relator
Gilmar
Mendes
4) necessidad
e da técnica da interpretação con
form
e a Con
stituição
- é necessário deixar o dispositivo bem claro para que não
haja descumprimen
to
Voto
relacion
al
Rebate a opinião dos Ministros Menezes
Direito e Marco Aurélio, contrária à
interpretação conform
e a Con
stituição
, e
reafirm
a a posição do Relator sobre o
ponto
Joaquim
Barbosa
Ausente
Ellen Gracie
Ausente
Tabela 8: debates entre os ministros na ADC 12/DF
Momento do
Debate
Quem inicia /
Motivo
Quem participa
O que se discute
Quais as posições
Quais os resultados
1º Debate
“Debate” inserido
entre o Voto do M
in.
Menezes Direito e o
Voto da Min. Cárm
en
Lúcia
Min. Gilm
ar Mendes
(Presiden
te)
Esclarecimen
to
Min. Gilm
ar Men
des
(Presiden
te)
Min. Carlos Britto (Relator)
Min. Cármen
Lúcia
Se a Corte havia se
pronunciad
o, na lim
inar,
sobre a interpretação
conform
e ao termo
“direção
”
Ministros: tam
bém tinha havido
oposição
, mas ficou consignada
a interpretação conform
e já na
liminar
A Corte havia decidido pela
interpretação conform
e em
liminar
Consenso
52
2.2.5. Caso do piso salarial dos professores: ADI-MC 4167-
3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008
A ADI 4167-3/DF foi ajuizada pelos Governadores dos Estados de
Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará
contra o artigo 2º, §§ 1º e 4º, art. 3º, caput, II e III, art. 8º, todos da Lei
11.738, de 16 de julho de 2008.47 Tais dispositivos tratavam da criação do
piso salarial para o magistério público. Em geral, os autores alegaram
desproporcionalidade em algumas previsões, invasões de competência e
imposição abusiva de custos financeiros (para a descrição do julgado, ver
anexo III).
A análise do acórdão evidencia que sete pontos foram suscitados: (i)
a constitucionalidade da fixação, por lei federal, de uma jornada de trabalho
dos professores em 40 horas; (ii) a constitucionalidade da determinação do
vencimento inicial como referência para o piso salarial; (iii) a
constitucionalidade da redução da carga horária funcional dos professores
por lei federal; (iv) a constitucionalidade da implementação do piso; (v) a
constitucionalidade das frações impostas aos entes para a gradual
implementação do piso; (vi) o quorum para julgamento; (vii) a
constitucionalidade formal da lei.
Todos os ministros manifestaram-se explicitamente acerca de pelo
menos um dos quatro primeiros pontos, todos trazidos pelo Relator. Seis
trataram da jornada de trabalho (i); seis trataram do piso salarial (ii); sete
47 Eis os dispositivos impugnados: “Art. 2o O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. § 1o O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais. (...) § 4o Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos. (...) Art. 3o O valor de que trata o art. 2o desta Lei passará a vigorar a partir de 1o de janeiro de 2008, e sua integralização, como vencimento inicial das Carreiras dos profissionais da educação básica pública, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios será feita de forma progressiva e proporcional, observado o seguinte: (...) II – a partir de 1o de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor referido no art. 2o desta Lei, atualizado na forma do art. 5o desta Lei, e o vencimento inicial da Carreira vigente; III – a integralização do valor de que trata o art. 2o desta Lei, atualizado na forma do art. 5o desta Lei, dar-se-á a partir de 1o de janeiro de 2010, com o acréscimo da diferença remanescente. (...) Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.
53
trataram da redução da carga horária (iii); e quatro trataram da
implementação do piso (iv).
Analisando os números, o grande número de manifestações sobre a
jornada de trabalho não significou uma grande controvérsia. Na verdade,
quase todos caminharam no mesmo sentido, afirmando que era uma forma
de evitar fraudes.48 O estabelecimento de um parâmetro de jornada seria
importante para que a redução ou o aumento no tempo de trabalho dos
professores tivesse uma redução ou um aumento proporcional nos
vencimentos.
Da mesma forma, a baixa participação quanto à questão da
implementação do piso tem sua causa na grande adesão à proposta de
interpretação conforme a Constituição feita pelo Relator, Min. Joaquim
Barbosa. O Ministro considerou que não seria possível para uma lei que
começava a ter efeitos práticos em 2009 retroagir e considerar a
implementação a partir de 2008. Por isso, interpretava a norma em
conformidade com a Constituição para determinar a apuração a partir de
2009.
Por outro lado, o grande número de votos que tratam da redução da
carga horária em cerca de um terço ocorre justamente pela divergência
sobre o tema. O placar foi de três ministros pela constitucionalidade contra
quatro ministros pela inconstitucionalidade, excluindo-se aqueles que
apenas acompanharam uma das correntes sem abordar o ponto. O mesmo
pode ser observado na questão da fixação do vencimento inicial como
parâmetro para o piso salarial, não da remuneração global. Os Estados
tinham interesse em que vantagens patrimoniais pudessem ser
contabilizadas para efeitos do piso salarial, alegando o desequilíbrio
financeiro que uma interpretação contrária poderia causar.
Apenas três ministros trouxeram questões novas para debate. O
primeiro foi o Min. Ricardo Lewandowski, que questionou a
constitucionalidade das frações de implementação do piso. Além do debate
48 Apenas o Min. Marco Aurélio questionou a redução da jornada de trabalho, afirmando que isso exigiria a contratação de novos professores.
54
que suscitou no momento, a única repercussão da proposta pode ser vista
no voto do Min. Cezar Peluso, que tratou expressamente do tópico,
rechaçando a inconstitucionalidade.
Outro ministro que inovou foi o Min. Marco Aurélio, em grande parte
pela oposição ao resultado do julgamento. Foi ele quem levantou os dois
últimos pontos: o quorum para julgamento e a inconstitucionalidade formal
da lei. Em relação ao primeiro, o Ministro criticou a continuação do
julgamento com quatro ministros ausentes, mas o Plenário votou por
rejeitar a questão de ordem; quanto ao segundo, a posição pela
inconstitucionalidade formal não teve qualquer repercussão na Corte.
Acredito que uma das possíveis causas para o fato de os ministros
tratarem dos mesmos pontos no julgamento tenha sido o modo didático
como o Relator tratou da questão em seu voto (não no Relatório), acrescido
do reforço que os votos subsequentes deram à sua forma de tratar a
questão. Os elogios que o Min. Joaquim Barbosa recebeu pela articulação de
ideias poderiam revelar essa situação.49
No que toca à fundamentação, o problema da jornada de trabalho foi
resolvido pelos ministros a partir das mesmas razões. Em relação ao art.
2º, caput e § 1º, a situação foi diferente. Configurou-se o seguinte quadro:
diante do mecanismo trazido pela lei para atenuar o impacto financeiro do
piso salarial, o Min. Menezes Direito propôs a extensão do prazo em que o
parâmetro seria a remuneração global até o julgamento final, porque temia
o desequilíbrio orçamentário dos entes. A esse pensamento aderiram, sem
outras considerações, os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e
Gilmar Mendes.
Por outro lado, o Min. Cezar Peluso pareceu ter sido aquele que
melhor sustentou essa posição, discutindo a natureza do piso salarial. Para
o Ministro, como piso significava um mínimo existencial, estaria se referindo
à remuneração global, não apenas aos vencimentos. Além dele, apenas o
49 É o caso do elogio feito pela Min. Cármen Lúcia: “Senhor Presidente, em primeiro lugar, também registro o brilhante voto do Ministro Relator, que tratou separadamente, articuladamente, de cada qual dos itens questionados” (STF: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 191 do acórdão; p. 35 do arquivo eletrônico; grifos nossos)
55
Min. Carlos Britto fez o mesmo, embora tenha votado em outro sentido. De
qualquer forma, se as consequências orçamentárias foram o principal
argumento para o Min. Menezes Direito, foram apenas mais um argumento
para o Min. Cezar Peluso.
O mesmo acontece com o resultado relativo ao art. 2º, § 4º, sobre a
carga horária dos professores. Embora tenha se formado uma ampla
maioria pelo deferimento (sete votos), houve uma divergência de
fundamentação. O Ministro Ricardo Lewandowski considerou o dispositivo
inconstitucional porque invadiria competência privativa dos Chefes dos
Executivos dos Estados (ter a iniciativa de lei em matéria de servidor
público). A Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Menezes Direito e Cezar
Peluso, por sua vez, argumentaram que a União extrapolava a sua
competência ao disciplinar matéria de educação diferente do piso salarial.
Por fim, o Ministro Marco Aurélio considerou que o dispositivo seria
inconstitucional por violar a “reserva do possível” e exigir dos entes que
eles contratassem novos professores.
Tanto no primeiro como no segundo caso, a divergência de
fundamentação não teve outra consequência senão fornecer uma base mais
completa para a decisão. Contudo, é possível questionar, por exemplo, se a
partir do raciocínio do Min. Cezar Peluso o piso salarial deveria tomar como
parâmetro a remuneração global mesmo depois do julgamento de mérito. O
próprio Ministro afirmou que Estados e Municípios poderiam estabelecer
livremente a estrutura da remuneração.
Como resultado do julgamento, tem-se o seguinte:
- em relação ao art. 2º, caput e § 1º, a maioria (cinco ministros)
acompanhou a proposta de interpretação conforme a Constituição do Min.
Menezes Direito, para estender o período no qual o parâmetro seria a
remuneração global até o julgamento de mérito;
- em relação ao art. 2º, § 4º, a maioria (seis ministros) deferiu a cautelar;
- em relação ao art. 3º, a maioria (oito ministros) acolheu a interpretação
conforme a Constituição proposta pelo Relator.
56
Relativamente aos votos proferidos, verificam-se quatro “não-
relacionais”, três “relacionais” e dois “em debates”. Destaque deve ser
conferido ao voto em debates da Min. Cármen Lúcia, na qual os Ministros
Joaquim Barbosa e Menezes Direito apresentaram as premissas de seus
votos para tentar convencê-la de que a redução da carga horária pela lei
seria constitucional ou inconstitucional, respectivamente. A Ministra não via
inconstitucionalidade no dispositivo em relação ao argumento econômico,
mas concordou com o Min. Menezes Direito em relação à extrapolação de
competência sobre a matéria por parte da União.
Vale ressaltar o voto relacional do Min. Cezar Peluso. Trata-se de um
dos exemplos mais claros desse tipo de voto em toda a pesquisa,
apontando uma falha na argumentação da própria corrente a que aderiu,
tentando supri-la. No caso, o Ministro mostrou como ninguém da corrente
majoritária havia tratado a questão da natureza jurídica do piso salarial.
Outras observações podem ser feitas sobre o acórdão. Em primeiro
lugar, e talvez mais importante, vale mencionar a questão de ordem
proposta pelo Min. Marco Aurélio, em relação ao quorum para julgamento.
O problema da ausência de vários ministros não é apenas a possibilidade de
que um ministro mude de opinião, mas a própria necessidade de
esclarecimentos que podem até mesmo influenciar uma decisão.
Embora não seja possível apontar como a ausência dos ministros
tenha gerado problemas para o julgamento – e me parece que ela não
gerou nenhuma dificuldade aparente –, é possível demonstrar o contrário, i.
e., como a presença dos ministros pode ser importante.
Assim, por exemplo, por duas oportunidades houve pedidos de
esclarecimentos de ministros. Foi assim com a Min. Cármen Lúcia, quando
perguntou se o Min. Joaquim Barbosa lia o art. 2º, caput, como “a partir de
janeiro de 2009”. Também aconteceu quando a própria Ministra Cármen
Lúcia estava votando, e tanto o Min. Menezes Direito, com a ajuda do Min.
Cezar Peluso, como o Min. Joaquim Barbosa tentaram reafirmar as
premissas de suas posições, num esforço de esclarecimento dos resultados
57
alcançados por eles e de convencimento da colega. Frise-se que uma das
pessoas que se ausentaram da sessão foi a própria Ministra.
Uma segunda consideração diz respeito aos ricos debates travados no
julgamento. O primeiro deles se deu entre a Ministra Cármen Lúcia e os
Ministros Menezes Direito, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, como
mencionado anteriormente. Há um claro confronto de ideias, principalmente
entre a Min. Cármen Lúcia e o Min. Joaquim Barbosa.
Ao contrário do Min. Joaquim Barbosa, que manteve a sua posição
original a favor da constitucionalidade do art. 2º, § 4º, os outros Ministros
trocaram argumentos para questionar a higidez da norma, convergindo para
uma conclusão comum. Conhecer as bases do voto do Min. Menezes Direito,
aliás, pareceu fundamental para que a Min. Cármen Lúcia o seguisse nesse
ponto, porquanto ela parecesse discordar da ideia de que a
inconstitucionalidade residiria na necessidade de mais professores.50
Outro debate interessante ocorreu durante o voto do Min. Ricardo
Lewandowski. O Ministro afirmou que as frações impostas pela lei para a
implementação do piso (2/3 em 2009 e o restante em 2010) retiravam a
autonomia dos entes federados e, por isso, seriam inconstitucionais. A
proposta que o Ministro trouxe como complemento aos votos já proferidos
foi rebatida pelos Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e pela Min.
Cármen Lúcia, que reafirmavam o objetivo do diploma legal. Mesmo assim,
e isso pode ser visto como uma demonstração de convicção, o Min. Ricardo
Lewandowski afirmou: “no meu entender, aqui, o legislador federal
ingressou na autonomia financeira dos entes federados” (STF: ADI-MC
4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 201 do acórdão;
p. 45 do arquivo eletrônico).
Sobre a interpretação conforme a Constituição, não identifiquei
nenhuma divergência de fundamentação dentre aqueles que a adotaram.
Todos os ministros que acompanharam o Min. Joaquim Barbosa nesse ponto
não fizeram maiores considerações, com exceção do Min. Cezar Peluso, que
50 A posição, aliás, é coerente com o resto do voto. Se a União fica responsável por integralizar os aportes necessários naquilo que os outros entes não conseguirem, especialmente através do Fundo para Educação, então não haveria problemas nesse sentido.
58
ressaltou sua preferência em que o dispositivo fosse lido como “não implica
obrigação de pagamento a partir de 1º de janeiro de 2008”, ao invés da
leitura dada pelo voto do relator. Porém, isso não interferiu na sua adesão.
Em relação ao aspecto formal, o Relatório está estruturado da
seguinte maneira: apresentação dos dispositivos impugnados; apresentação
dos respectivos pedidos e dos argumentos aduzidos para a
inconstitucionalidade de cada um dos dispositivos impugnados; menção às
informações prestadas, à posição da AGU pela constitucionalidade da lei e à
posição da PGR pelo indeferimento.
Sobre ementa do julgado, ela é digna de destaque.51 Como foi
vencido apenas parcialmente, o Min. Joaquim Barbosa pode redigi-la. Ela se
51 Transcrevo a ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR (ART. 10 E § 1º DA LEI 9.868/1999). CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PISO SALARIAL NACIONAL DOS PROFESSORES PÚBLICOS DE ENSINO FUNDAMENTAL. LEI FEDERAL 11.738/2008. DISCUSSÃO ACERCA DO ALCANCE DA EXPRESSÃO "PISO" (ART. 2º, caput e §1º). LIMITAÇÃO AO VALOR PAGO COMO VENCIMENTO BÁSICO INICIAL DA CARREIRA OU EXTENSÃO AO VENCIMENTO GLOBAL. FIXAÇÃO DA CARGA HORÁRIA DE TRABALHO. ALEGADA VIOLAÇÃO DA RESERVA DE LEI DE INICIATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO PARA DISPOR SOBRE O REGIME JURÍDICO DO SERVIDOR PÚBLICO (ART. 61, § 1º, II, C DA CONSTITUIÇÃO). CONTRARIEDADE AO PACTO FEDERATIVO (ART. 60, § 4º E I, DA CONSTITUIÇÃO). INOBSERVÂNCIA DA REGRA DA PROPORCIONALIDADE. 1. Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada contra o art. 2º, caput e § 1º da Lei 11.738/2008, que estabelecem que o piso salarial nacional para os profissionais de magistério público da educação básica se refere à jornada de, no máximo, quarenta horas semanais, e corresponde à quantia abaixo da qual os entes federados não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica. 2. Alegada violação da reserva de lei de iniciativa do Chefe do Executivo local para dispor sobre o regime jurídico do servidor público, que se estende a todos os entes federados e aos municípios em razão da regra de simetria (aplicação obrigatória do art. 61, § 1º, II, c da Constituição). Suposta contrariedade ao pacto federativo, na medida em que a organização dos sistemas de ensino pertinentes a cada ente federado deve seguir regime de colaboração, sem imposições postas pela União aos entes federados que não se revelem simples diretrizes (arts. 60, § 4º, I e 211, § 4º da Constituição. Inobservância da regra de proporcionalidade, pois a fixação da carga horária implicaria aumento imprevisto e exagerado de gastos públicos. Ausência de plausibilidade da argumentação quanto à expressão "para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta horas)", prevista no art. 2º, § 1º. A expressão "de quarenta horas semanais" tem por função compor o cálculo do valor devido a título de piso, juntamente com o parâmetro monetário de R$ 950,00. A ausência de parâmetro de carga horária para condicionar a obrigatoriedade da adoção do valor do piso poderia levar a distorções regionais e potencializar o conflito judicial, na medida em que permitiria a escolha de cargas horárias desproporcionais ou inexeqüíveis. Medida cautelar deferida, por maioria, para, até o julgamento final da ação, dar interpretação conforme ao art. 2º da Lei 11.738/2008, no sentido de que a referência ao piso salarial é a remuneração e não, tão-somente, o vencimento básico inicial da carreira. Ressalva pessoal do ministro-relator acerca do periculum in mora, em razão da existência de mecanismo de calibração, que postergava a vinculação do piso ao vencimento inicial (art. 2º, § 2º). Proposta não acolhida pela maioria do Colegiado. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FIXAÇÃO DA CARGA HORÁRIA DE TRABALHO. COMPOSIÇÃO. LIMITAÇÃO DE DOIS TERÇOS DA CARGA HORÁRIA À INTERAÇÃO
59
apresentou inteiramente concordante com a opinião do Colegiado no
julgamento, mas o Relator também ressalvou suas próprias posições. É o
exemplo dos seguintes trechos:
“Medida cautelar deferida, por maioria, para, até o julgamento final
da ação, dar interpretação conforme ao art. 2º da Lei 11.738/2008,
no sentido de que a referência ao piso salarial é a remuneração e
não, tão-somente, o vencimento básico inicial da carreira. Ressalva
pessoal do ministro-relator acerca do periculum in mora, em razão da
existência de mecanismo de calibração, que postergava a vinculação
do piso ao vencimento inicial (art. 2º, § 2º). Proposta não acolhida
pela maioria do Colegiado.”
“Ressalva pessoal do ministro-relator, no sentido de que o próprio
texto legal já conteria mecanismo de calibração, que obrigaria a
adoção da nova composição da carga horária somente ao final da
aplicação escalonada do piso salarial. Proposta não acolhida pela
maioria do Colegiado. Medida cautelar deferida, por maioria, para
suspender a aplicabilidade do art. 2º, § 4º da Lei n. 11.738/2008.”
COM EDUCANDOS (ART. 2º, § 4º DA LEI 11.738/2008). ALEGADA VIOLAÇÃO DO PACTO FEDERATIVO. INVASÃO DO CAMPO ATRIBUÍDO AOS ENTES FEDERADOS E AOS MUNICÍPIOS PARA ESTABELECER A CARGA HORÁRIA DOS ALUNOS E DOS DOCENTES. SUPOSTA CONTRARIEDADE ÀS REGRAS ORÇAMENTÁRIAS (ART. 169 DA CONSTITUIÇÃO). AUMENTO DESPROPORCIONAL E IMPREVISÍVEL DOS GASTOS PÚBLICOS COM FOLHA DE SALÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE ACOMODAÇÃO DAS DESPESAS NO CICLO ORÇAMENTÁRIO CORRENTE. 3. Plausibilidade da alegada violação das regras orçamentárias e da proporcionalidade, na medida em que a redução do tempo de interação dos professores com os alunos, de forma planificada, implicaria a necessidade de contratação de novos docentes, de modo a aumentar as despesas de pessoal. Plausibilidade, ainda, da pretensa invasão da competência do ente federado para estabelecer o regime didático local, observadas as diretrizes educacionais estabelecidas pela União. Ressalva pessoal do ministro-relator, no sentido de que o próprio texto legal já conteria mecanismo de calibração, que obrigaria a adoção da nova composição da carga horária somente ao final da aplicação escalonada do piso salarial. Proposta não acolhida pela maioria do Colegiado. Medida cautelar deferida, por maioria, para suspender a aplicabilidade do art. 2º, § 4º da Lei 11.738/2008. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PISO SALARIAL. DATA DE INÍCIO DA APLICAÇÃO. APARENTE CONTRARIEDADE ENTRE O DISPOSTO NA CLÁUSULA DE VIGÊNCIA EXISTENTE NO CAPUT DO ART. 3º DA LEI 11.738/2008 E O VETO APOSTO AO ART. 3º, I DO MESMO TEXTO LEGAL. 4. Em razão do veto parcial aposto ao art. 3º, I da Lei 11.738/2008, que previa a aplicação escalonada do piso salarial já em 1º de janeiro de 2008, à razão de um terço, aliado à manutenção da norma de vigência geral inscrita no art. 8º (vigência na data de publicação, isto é, 17.07.2008), a expressão "o valor de que trata o art. 2º desta Lei passará a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008", mantida, poderia ser interpretada de forma a obrigar o cálculo do valor do piso com base já em 2008, para ser pago somente a partir de 2009. Para manter a unicidade de sentido do texto legal e do veto, interpreta-se o art. 3º para estabelecer que o cálculo das obrigações relativas ao piso salarial se dará a partir de 1º de janeiro de 2009. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade concedida em parte”.
60
Essa maneira de redigir a ementa parece ser muito eficiente para
mostrar a posição do redator – seja o Relator originário ou o Redator para o
acórdão – sem que ele recaia no erro de não refletir a posição do Colegiado.
Por outro lado, questiona-se se é realmente necessário que essa
divergência venha realmente expressa ou não.
Finalmente, os dados do julgamento são apresentados nas tabelas a
seguir:
6
1
Tabela 9: votos dos ministros na ADI-MC 4167-3/DF
Ministros
Questões a serem resolvidas / Fundamentos
Tipo
Interação em Plenário
Joaquim
Barbosa
(Relator)
1) constitucionalidade da jornada de trab
alho de 40 horas
- compõe o cálculo do piso e permite o cálculo proporcional do piso para outras jornadas
de trabalho
2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial
- o próprio art. 3º, § 2º, da Lei permite que em até 31.12.2009 a rem
uneração global seja
usada como parâmetro
- o prazo será necessário para que
se coletem dados
sobre os
efetivo
s prejuízos
financeiros
3) constitucionalidade do lim
ite à carga horária funcion
al
- fundamen
to da n
orm
a n
ão é o art. 60, do A
DCT, mas a rep
artição de competên
cias
federativa
s - a União pode
estabelecer norm
as gerais que reduzam as desigualdades regionais e
busquem m
elhorar a qualidade de en
sino
- a presunção de que os Municípios com m
enor capacidade financeira não
terão recursos
para con
tratar professores é insuficiente, porque exige exa
me detalhado de cada situação
- alteração do modelo de carreira deve observar o m
esmo prazo de implemen
tação do piso
(não
antes de 31.12.2009)
4) constitucionalidade da ap
uração e da implementação do piso salarial
- a previsão de im
plemen
tação “a partir de 1º de janeiro de 2008” seria desprovida de
eficácia e deveria ser lida como “a partir de 1º de janeiro 2009”
Voto
não
-relacional
(Relator)
Menezes
Direito
1) constitucionalidade da jornada de trab
alho de 40 horas
- vinculação ao piso ev
ita distorções pela lei ordinária
2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial
- não há inconstitucionalidade na fixação de um piso salarial, porque busca a m
elhora das
condições do m
agistério
- para não onerar dem
ais os en
tes na implemen
tação, a previsão do art. 3º, § 2º, poderia
ser estendida até o julgamen
to definitivo da ação (novo)
3) constitucionalidade do lim
ite da carga horária funcional
- inconstitucionalidade pela inva
são de competência de outros en
tes federativos quanto a
assuntos desses en
tes (novo)
- pericu
lum
in m
ora pela necessidade de contratação de professores em
Municípios com
men
or capacidade finan
ceira (novo)
4) constitucionalidade da ap
uração e da implementação do piso salarial
- a lei estabelece u
ma data a partir da qual as remunerações dev
erão ser p
agas, n
ão
poden
do retroag
ir como num caso de cálculo de aumen
to
Voto
relacional
Refere-se exp
ressamente ao vo
to do
Relator em
todas as três questões, seja
para concordar quanto à conclusão, seja
para discordar, seja para acompanhar
integralm
ente
Refere-se ex
pressamente à m
anifestação
da Min. Cárm
en Lúcia em esclarecimen
to
ped
ido por ela ao M
in. Joaq
uim
Barbosa
6
2
Cárm
en Lúcia
2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial
- não há oneração desproporcional dos en
tes porque a U
nião está obrigada a auxiliá-los
nessa respon
sabilidade (novo)
3) constitucionalidade do lim
ite da carga horária funcional
- a lei extrapola a reg
ulamen
tação d
o p
iso n
acion
al ao dispor sobre carga h
orária dos
professores
- a falta de dados não é suficien
te para afastar o aparente vício de inconstitucionalidad
e (novo)
Voto em
debates
Discute as premissas dos vo
tos anteriores
com os Ministros Joaquim
Barbosa e
Men
ezes Direito
Ricardo
Lewandowski
1) constitucionalidade da jornada de trab
alho de 40 horas
- ev
ita que a lei ordinária desvirtue o parâmetro
3) constitucionalidade do lim
ite da carga horária funcional
- inconstitucionalidad
e form
al por regular regim
e jurídico dos servidores públicos, m
atéria
cuja iniciativa
de lei é priva
tiva
do Chefe do Exe
cutivo
(novo)
4) constitucionalidade da ap
uração e da implementação do piso salarial
- a vontade legislativa
é de im
plantar o piso a partir de 2009
5) constitucionalidade das frações impostas aos en
tes para a implemen
tação do piso
- a fixa
ção de
percentuais a serem pagos
pelos
entes
viola a autonomia finan
ceira
respectiva
Voto em
debates
Traz uma nova questão em
complemen
to
às ap
resentadas pelos ou
tros ministros
Eros Grau
3) constitucionalidade do lim
ite da carga horária funcional
- razoabilidade e proporcionalidade da redução é m
atéria para o leg
islador (novo)
Voto
relacional
Afirm
a que não irá rep
etir o que os ou
tros
já falaram, mas que gostaria de ter dito
várias coisas, principalm
ente sobre
razoabilidade e proporcionalidade
Carlos Britto
1) constitucionalidade da jornada de trab
alho de 40 horas
- há uma ligação en
tre piso e jornada de trabalho, até para evitar fraudes ao
piso
2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial
- Con
stituição reg
ula a educação de form
a transfed
erativa e m
inuciosa, estabelecen
do a
cooperação financeira entre os en
tes
- piso é
vencimento básico que
serve
de referência para todas as demais va
ntagen
s (novo)
- piso é um m
ínim
o ex
istencial que afasta a reserva do possível (novo)
3) constitucionalidade do lim
ite da carga horária funcional
- trata-se de concretização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Voto
não
-relacional
Elogia o voto do M
in. Joaquim
Barbosa,
mas sem aden
trar nos argumen
tos
Cezar Peluso
1) constitucionalidade da jornada de trab
alho de 40 horas
- ev
ita-se o risco de o piso ser pago para jornadas de trabalho superiores
2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial
- natureza do piso salarial: é garantia m
ínim
a que permite um m
ínim
o existen
cial para
uma vida digna
Voto
relacional
Afirm
a que os outros ministros, salvo o
Min. Carlos Britto, não avançaram na
natureza jurídica do piso salarial
Rebate a proposta do M
in. Ricardo
6
3
- se a referên
cia não fosse a uma garantia m
ínim
a, hav
eria inva
são de competên
cia dos
outros en
tes, acerca da fixa
ção da estrutura de ve
ncimen
tos e remuneração
de seus
servidores (novo)
- se o m
arco tem
poral não for alargado, corre-se o risco de que os en
tes não consigam ter
recursos para o piso
3) constitucionalidade do lim
ite da carga horária funcional
- é matéria impertinen
te ao âmbito da lei e inva
de competên
cia dos outros entes
4) constitucionalidade da ap
uração e da implementação do piso salarial
- ressalva a preferência de que o dispositivo
fosse lido como “não
implica obrigação de
pagamen
to a partir de 1º de janeiro de 2008”
5) constitucionalidade das frações impostas aos en
tes para a implemen
tação do piso
- as frações protegem
os en
tes e im
pedem
que o piso seja imed
iatamente exigido
Lewandow
ski
Afirm
a que sua conclusão não
se diferen
cia
muito da do Relator, salvo com a
observação do Min. Men
ezes Direito
Marco
Aurélio
1) constitucionalidade da jornada de trab
alho de 40 horas
- carga sem
anal passa de 44 horas para 40 horas, criando a necessidad
e de contratação
de nov
os professores (novo)
2) constitucionalidade da referência ao vencimento inicial como piso salarial
- piso é o básico, que pode ser acrescido de ou
tras parcelas remuneratórias, ultrapassando
o m
ínim
o
- violação da Constituição ao exigir dos en
tes ônus com os quais não
podem
arcar (novo)
3) constitucionalidade do lim
ite da carga horária funcional
- violação da reserva do possível, especialm
ente em M
unicípios men
ores
6) quórum para julgamento
- a Corte não
pode continuar julgando com quórum inferior ao exigido, por im
possibilitar
mudanças de opinião
7) constitucionalidade form
al da lei inteira
- pelo princípio fed
erativo
cabe aos Estados e Municípios disciplin
arem o reg
ime jurídico de
seus servidores
- a lei só seria constitucional form
alm
ente em relação aos servidores federais
Voto
não
-relacional
Não faz qualquer men
ção a votos
anteriores, exceto para m
anifestar sua
divergên
cia
Gilmar
Mendes
Voto sem
fundamen
tação própria que acompan
ha o vo
to do Min. Men
ezes Direito
Ellen Gracie
Ausente
Celso de
Mello
Ausente
6
4
Tabela 10: debates entre os ministros na ADI-MC 4167-3/DF
Momento do
Debate
Quem inicia /
Motivo
Quem participa
O que se discute
Quais as posições
Quais os resultados
1º Debate
“Esclarecimento”
entre o Voto do M
in.
Joaquim
Barbosa e o
Voto do Min.
Menezes Direito
Min. Cármen
Lúcia
Esclarecimen
to
Min. Cármen
Lúcia
Min. Joaq
uim
Barbosa
(Relator)
A interpretação ad
otada
pelo Min. Relator para o
dispositivo impugnad
o
Min. Joaquim
Barbosa: esclarece
que em vez de 2008, deve-se ler
2009
Ministros entendem que
o artigo deve ser lido
como “a partir de 1º de
janeiro de 2009”
Con
senso
2º Debate
Voto da Min. Cárm
en
Lúcia
Min. Men
ezes Direito
Bloqueio
Min. Cármen
Lúcia
Min. Men
ezes Direito
Min. Cezar Peluso
Min. Joaq
uim
Barbosa
(Relator)
Con
stitucion
alidad
e da
disposição que reduz a
carga horária dos
professores (art. 2º,
§4º)
- Min. Menezes Direito: fundamento
é a inva
são de competência
- Min. Cezar Peluso: há
impertinência temática da lei
- Min. Joaquim
Barbosa: não há
desproporcionalidad
e nem
inform
ações suficien
tes sobre
prejuízo, e o tem
a é inerente ao
piso
Ministra Cárm
en Lúcia
segue o Min. Men
ezes
Direito, enquan
to o M
in.
Joaq
uim
Barbosa
mantém o voto dele
Con
senso
3º Debate
Voto do Min. Ricardo
Lewandow
ski
Min. Joaquim
Barbosa (Relator)
Bloqueio
Min. Ricardo Lewandow
ski
Min. Joaq
uim
Barbosa
Min. Cármen
Lúcia
Con
stitucion
alidad
e das
frações que determ
inam
quanto deverá ser
integralizado pelos en
tes
- Min. Ricardo Lewandow
ski: as
frações violam a autonomia
finan
ceira
- Outros: são uma garantia m
ínim
a
que não imped
e os entes de agirem
diferen
te
Manutenção das
posiçõe
s originalm
ente
apresentadas
Dissenso
4º Debate
“Debate” inserido
entre o Voto do M
in.
Ricardo Lewan
dowski
e o Voto do Min. Eros
Grau
Min. Joaquim
Barbosa (Relator)
Bloqueio
Min. Joaq
uim
Barbosa
(Relator)
Min. Ricardo Lewandow
ski
Consequ
ências da
solução proposta pelo
Min. Ricardo
Lewandow
ski
- Min. Joaquim
Barbosa: efeito
prático seria impedir a
integralização do piso no prazo legal
- Min. Ricardo Lewan
dowski: pode
não
suspen
der o artigo, mas só a
fração
Min. Ricardo
Lewan
dowski deixa de
suspen
der o dispositivo
para suspender parte
dele
Consenso
52
5º Debate
“Questão de Ordem”
Min. Marco Aurélio
Nova questão
Min. Marco Aurélio
Min. Gilm
ar Men
des
(Presiden
te)
Min. Carlos Britto
Min. Joaq
uim
Barbosa
(Relator)
Ausência de Ministros
em número superior ao
possível, para se ter
quorum de julgamen
to
- Min. Marco Aurélio: julgamen
to
não pode prosseguir com sete
ministros
- Min. Gilm
ar Men
des: os ausentes
já proferiram voto
- Min. Joaquim
Barbosa: sugere a
suspen
são
A m
atéria é votad
a em
Plenário e rejeitada,
vencido o Min. Marco
Aurélio
Dissenso
52 Considero que houve
consenso ao m
enos quanto à opinião de que o voto anterior do M
in. Ricardo Lew
andow
ski foi ex
cessivo, como reconhecido
pelo próprio m
inistro.
65
2.2.6. Caso do monopólio dos Correios: ADPF 46-7/DF, Rel. Min.
Marco Aurélio, j. 05.08.2009
A ADPF 46-7/DF foi ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas
de Distribuição (ABRAED) contra atos praticados pela Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos (ECT) e o art. 9º da Lei 6.538/78. Postulava também
a definição do conceito de carta, presente no art. 47 da mesma lei.53 Em
síntese, argumentava que haveria uma restrição indevida à atividade de
empresas de logística, transporte, entrega de encomendas, dentre outras,
causada pela prescrição de que a empresa estatal de Correios deteria o
monopólio do serviço postal (art. 9º). Este, porém, seria uma atividade
econômica não sujeita a monopólio, donde se extrairia a não recepção do
art. 9º pela Constituição de 1988 (para a descrição do julgado, ver anexo
III).
Basicamente quatro pontos foram suscitados pelos ministros: (i) a
natureza do serviço postal, se atividade econômica ou serviço público; (ii) a
extensão do regime de prestação do serviço postal, i. e., os limites do
monopólio ou do privilégio; (iii) a definição do conceito de carta; (iv) a
constitucionalidade dos tipos penais contra a violação do monopólio.
As duas primeiras questões já estavam presentes no voto do Relator,
Min. Marco Aurélio, e foram discutidas por todos os ministros que
53 Dispõe a Lei, em seus arts. 9° e 47: “Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais: I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada: III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal. § 1º - Dependem de prévia e expressa autorização da empresa exploradora do serviço postal; a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal; b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal. § 2º - Não se incluem no regime de monopólio: a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial; b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.”; “Art. 47º - Para os efeitos desta Lei, são adotadas as seguintes definições: CARTA - objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário.”.
66
proferiram algum voto.54 Significa dizer que todos os ministros definiram se
o serviço postal era serviço público ou atividade econômica, e todos eles
também delimitaram o âmbito de monopólio ou privilégio da União na
exploração do serviço. Assim, o Relator e em menor parte o Min. Ricardo
Lewandowski defenderam ser o serviço postal uma atividade econômica,
enquanto os outros ministros seguiram a divergência iniciada com o Min.
Eros Grau, sustentando o caráter de serviço público da atividade. Para
todos, o monopólio (para atividade econômica) ou o privilégio (para serviço
público) se estendia às cartas, correspondência agrupada e comercialização
de selos.
O terceiro ponto (conceito de carta) é um desdobramento da
extensão do regime de prestação do serviço postal. Em outras palavras, o
monopólio ou a exclusividade depende do que se entenda por “carta”,
“cartão-postal” e “correspondência agrupada” (art. 9°, I e II da Lei Postal).
Esses conceitos são trazidos pelo art. 47, mas não esclarecem algumas
hipóteses, principalmente de correspondência comercial, como boletos
bancários, talões de cheques, etc.
O primeiro a tratar do tema não foi nem o Min. Marco Aurélio,
Relator, nem o Min. Eros Grau, que inaugurou a divergência. Quem
levantou a questão pela primeira vez foi o Min. Joaquim Barbosa, que
compreendia no âmbito do art. 9°, I, também a correspondência comercial.
Sobre ela também incidiria a exclusividade em favor da União.
Em seguida, o Min. Carlos Britto tratou da questão sob o prisma das
garantias constitucionais. Ele relacionou o conceito de carta ao princípio do
sigilo de correspondência, de modo que compreendia por “carta” tudo aquilo
que for comunicação privada entre as pessoas, excluindo-se a de caráter
comercial. Essa foi a sua primeira posição, posteriormente alterada para
excluir apenas encomendas e impressos, como será visto adiante.
Os Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski trataram do tema
no mesmo sentido, afirmando que o privilégio não se estenderia à entrega
54 A manifestação do Min. Celso de Mello não aparece no acórdão. Presumo que, tendo aderido à proposta de interpretação conforme a Constituição, tenha seguido integralmente o voto do Min. Gilmar Mendes.
67
de correspondência comercial (boletos, cartões de cobrança, talões de
cheques, etc.), resumindo-se tão-somente à carta, ao cartão-postal, à
correspondência agrupada e à fabricação e distribuição de selos. A Min.
Ellen Gracie ainda tocou no ponto da definição de carta, mas rejeitou fazer
qualquer interpretação porque não desejava deixar as empresas privadas
com o quinhão mais lucrativo do setor postal.
Assim, apenas quatro dos dez ministros se manifestaram sobre o
conceito de carta. Deles, apenas os Ministros Joaquim Barbosa e Carlos
Britto fizeram parte da corrente vencedora, formada por outros quatro
ministros. Mesmo em termos de Plenário, não houve qualquer maioria
formada sobre a polêmica, como bem assinalou a Ministra Ellen Gracie.
A quarta questão, sobre a constitucionalidade dos tipos penais, foi
apresentada pela primeira vez pelo Min. Gilmar Mendes, antes do voto-vista
da Min. Ellen Gracie. Posteriormente, a mesma questão foi tratada quando o
Ministro reajustou o seu voto. Contudo, além dele, apenas o Min. Ricardo
Lewandowski tratou do tema. É importante frisar que, na sequência de
votação, restava apenas o voto da Min. Cármen Lúcia.
Foi justamente a análise do tipo penal que ensejou a última discussão
sobre a interpretação do art. 42, conjugado com os arts. 9° e 47 da Lei
Postal. A abertura do tipo, como acentuada pelos Ministros Ricardo
Lewandowski e Gilmar Mendes, deveria ser reduzida de alguma forma. Uma
vez que a maioria se posicionou pela recepção da lei sem qualquer
alteração, entendeu-se que o tipo penal seria aplicado para os casos de
exploração da entrega de cartas, cartões-postais, correspondências
agrupadas e para os casos de fabricação e emissão de selos.
No tocante à fundamentação, o Min. Relator partiu da premissa de
que o Estado não poderia prestar atividade econômica lato sensu, salvo em
hipóteses excepcionais. Tal premissa não foi adotada por nenhum outro
ministro da Corte. Por outro lado, o Min. Eros Grau trouxe a fundamentação
que serviu de base para os outros votos da corrente majoritária. Segundo
ele, o serviço postal seria serviço público e, como tal, estaria sujeito ao
regime de privilégio.
68
Alguns fundamentos complementares podem ser apontados nos votos
do Ministro Joaquim Barbosa e da Ministra Ellen Gracie, que rechaçaram a
possibilidade de que as empresas ficassem apenas com a parte mais
lucrativa do serviço, ou no voto do Min. Cezar Peluso, que afirmou ser o
serviço postal um serviço público até mesmo por uma necessidade de
integração nacional.
O primeiro voto do Min. Carlos Britto também trouxe fundamentos
adicionais que não constam dos votos dos outros ministros da corrente
majoritária. É o caso da vinculação entre a extensão do privilégio no serviço
postal e as garantias constitucionais, como o sigilo de correspondência (no
caso da inclusão da carta) ou a liberdade de imprensa (no caso da exclusão
dos impressos).
Por fim, a terceira corrente é capitaneada pelo Min. Gilmar Mendes.
Embora o Min. Ricardo Lewandowski concorde com o colega em relação aos
tipos penais excessivamente amplos e também quanto à abrangência do
monopólio da União (excluindo boletos, talões de cheques, etc.), a forma
como ele trata a questão, baseado no conceito de monopólio e na ideia de
livre iniciativa, pressupõe a premissa de que o serviço postal é atividade
econômica. Ao contrário, o Min. Gilmar Mendes considera que o serviço
postal é serviço público. Seria uma divergência profunda quanto à premissa.
Como resultado, a Corte julga improcedente a ADPF e confere
interpretação conforme a Constituição à Lei Postal para que o tipo penal do
art. 42 seja lido à luz do privilégio no serviço postal contido no art. 9º.
No que diz respeito à forma dos votos proferidos, curiosamente
identifiquei três “não-relacionais” e sete “relacionais”, além de um que não
consta no acórdão55. Indaguei-me, então, sobre o porquê de tantos votos
relacionais num caso em que a confusão sobre o resultado e a respectiva
fundamentação ficou patente até o final.
Analisando os votos relacionais, é interessante notar que três deles
foram classificados assim por conterem alguma forma de contraposição ou
55 O total é de onze votos porque contabilizei tanto o primeiro voto como o reajuste de voto do Min. Gilmar Mendes.
69
rejeição a outro voto (casos dos Ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa e
da Ministra Cármen Lúcia, em contraposição ao voto do Min. Marco Aurélio).
Outros dois ministros proferiram votos considerados relacionais
porque afirmavam estar numa posição mais próxima à decisão de algum
colega. É curioso que o primeiro desses tenha sido o Min. Carlos Britto, ao
ponderar que a sua decisão (a primeira) aproximava-se da proferida pelo
Min. Joaquim Barbosa, no ponto em que também ele definia qual era a
abrangência do serviço postal. Infelizmente, esse ponto não foi
desenvolvido por todos os ministros.56
Por outro lado, antes que o Min. Carlos Britto mudasse sua posição, o
Min. Ricardo Lewandowski proferiu voto em que considerava estar mais
próximo do colega, caminhando por um meio-termo entre os votos do Min.
Marco Aurélio e do Min. Eros Grau.
É interessante notar que os Ministros que proferiram voto-vista
trouxeram votos relacionais, seja para rechaçar a posição contrária (Min.
Joaquim Barbosa quanto ao voto do Relator), seja para afirmar a posição da
corrente a que aderiam (Min. Ellen Gracie). Por outro lado, o voto
reajustado do Min. Gilmar Mendes aparece como um voto não-relacional, na
medida em que descreveu os votos anteriores, mas sem adentrar ou
reforçar algum deles expressamente.
O que se verifica é que mesmo com um grande número de
referências aos outros votos, isso não foi capaz de evitar o problema do
empate ao final do julgamento. Isso poderia demonstrar, talvez, que os
ministros fizeram muitas referências a votos dos colegas que votaram da
mesma forma que eles, mas não aos outros, que divergiram. Outra hipótese
seria a de que a Corte limitou-se a discutir as premissas do caso, sem, no
entanto, cuidar de definir os problemas do regime jurídico do serviço postal.
O grande número de votos que se contrapõem às premissas da outra
56 No final do voto do Min. Carlos Britto, o Min. Nelson Jobim fez um aparte para perguntar se a parte lucrativa, responsável por financiar a entrega de cartas, poderia ser privatizada. Não considero que essa parte tenha sido capaz de qualificar o voto como “voto em debates”, porque, muito embora se trate de um aparte, essa intervenção foi feita após o voto do Ministro, que, depois a interpelação, limitou-se a confirmar o que já havia dito, sem aprofundar o tema.
70
posição (três votos num total de dez) indicaria que os debates se centraram
em um ponto específico, sem tocar no cerne do problema.
Outra observação que poderia ser feita com base nessa informação
diz respeito à problemática do surgimento de questões durante o
julgamento. Apesar do grande número de votos relacionais, eles não foram
classificados assim por retomarem pontos levantados por outros ministros
no curso das deliberações.
Outras notas podem ser feitas acerca do julgamento.
Em primeiro lugar, os efeitos práticos da decisão ficaram
absolutamente nebulosos. O problema todo se resumia à punição às
empresas do setor privado que violassem a exclusividade de prestação do
serviço postal pela União. Para tanto, era necessário circunscrever o âmbito
no qual as empresas do setor privado estavam proibidas de atuar. Com a
manutenção da lei como estava, isso dependeria da interpretação dos
conceitos de “carta”, “cartão-postal”, “correspondência agrupada” e
“fabricação e emissão de selos” (art. 9°, I, II e III da Lei Postal).
O enfoque claramente recairia sobre os conceitos legais. Em outras
palavras, boletos bancários, talões de cheque, cartões de banco, contas de
água e luz, até mesmo um buquê de flores com um cartão, tudo isso estaria
ou não abrangido pelo conceito de “carta” e “correspondência agrupada”?
Da corrente majoritária, quatro ministros não fizeram qualquer
menção ao que deveria estar abrangido pelo conceito (Ministros Eros Grau e
Cezar Peluso, Ministras Ellen Gracie e Cármen Lúcia). O próprio Min. Eros
Grau parece ter adotado a posição de resolver o problema caso a caso,
conforme os processos fossem subindo ao Tribunal.
Outros dois ministros vencedores fizeram delimitações ao privilégio
estatal. Tanto o Min. Joaquim Barbosa como o Min. Carlos Britto, em voto
reajustado, consideraram que essas correspondências comerciais estavam
abrangidas pela vedação. Excluíam apenas o que já não era proibido aos
particulares (impressos e encomendas). Três outros ministros (Ministros
Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello) entenderam que
essas correspondências comerciais não eram abrangidas pelo conceito de
71
“carta”, assim como encomendas, impressos e algumas outras atividades.
Por fim, pouco ajuda o voto do Min. Marco Aurélio, pois, caminhando na
total revogação da lei, abolia por completo o monopólio e, por
consequência, a criminalização de quem o violasse.
Qual a situação, então? A Corte se fragmentou de tal forma para a
resolução dessa questão, que simplesmente não houve qualquer maioria
formada. Não é possível presumir que todos os quatro ministros que
mantiveram o privilégio estatal o fizeram tendo em vista também essa
correspondência comercial.
Como vimos, esse problema resultou da falta de deliberação por
todos os membros do Plenário acerca de um ponto fundamental para a
decisão. A solução foi criar uma interpretação conforme a Constituição que,
dizendo algo, não dizia nada - o STF vinculou a aplicação do tipo penal a
conceitos que ele mesmo não havia delimitado precisamente.
Essa composição do resultado evidencia a dispersão de raciocínios
existente na Corte. Cada ministro expôs uma argumentação diferente. Se
cada voto entende o conceito de serviço postal como abrangendo atividades
diferentes, no momento em que se forma a corrente majoritária será
necessário buscar o mínimo consenso, ou seja, aquelas atividades em que
todos concordam haver serviço postal. Esse problema é agravado pelo fato
de que nem todos os ministros expõem um conceito de serviço postal ou de
correspondência.
Outra hipótese que pode ser levantada diz respeito ao papel
desempenhado pelos pedidos de vista nessa dificuldade de deliberação
sobre os pontos mais importantes da causa. De fato, o Min. Joaquim
Barbosa e o Min. Carlos Britto trataram do conceito de “carta” em seus
votos, mas houve um pedido de vista que interrompeu o julgamento. Na
sessão seguinte, a Min. Ellen Gracie apontou essa discussão como o pedido
do requerente, mas uma nova interrupção impediu o prosseguimento da
abordagem. Na penúltima sessão, o Min. Gilmar Mendes trouxe novamente
à balha esse questionamento. Mesmo na última sessão, não houve decisão
por todos os ministros sobre o ponto.
72
Uma segunda observação muito interessante diz respeito à
participação dos advogados no julgamento. De forma anormal, por pelo
menos três vezes eles tiveram que ir à tribuna para fazer “esclarecimentos
fáticos”. Isso poderia demonstrar que a Corte não estava suficientemente
esclarecida sobre a matéria julgada, especialmente em relação ao fato de
que encomendas e impressos já eram excluídos do privilégio estatal.
Essa nota é curiosa. Paradoxalmente, o Relatório feito pelo Min.
Marco Aurélio foi o mais completo, trazendo em sua plenitude o raciocínio
tanto do arguente como da arguida. Além disso, por três vezes os ministros
tiveram a oportunidade de pensar sobre o caso, por conta de pedidos de
vista.
No entanto, a maior confusão parece ter sido causada mesmo pelo
Min. Carlos Britto. Isso porque ele se considerava o responsável por iniciar
uma terceira via, ao considerar que o serviço postal era serviço público,
mas sem estender o privilégio apenas às encomendas e aos impressos.
Todavia, isso significava exatamente a improcedência da ação, como bem
demonstraram os advogados que participaram da tribuna. Mais do que isso,
implicava também na mudança de sua posição anterior, que excluía a
correspondência comercial do âmbito do privilégio estatal, e,
consequentemente, importava no seu afastamento da corrente que defendia
a procedência parcial da ação.
Sobre a interpretação conforme a Constituição, que associou o art. 42
da Lei Postal com seus arts. 9° e 47, verifica-se que a anuência do
colegiado à solução, inclusive daqueles que formaram a corrente vencedora,
não resolve todos os problemas. Isso porque o tipo penal proíbe que os
particulares explorem serviços exclusivos da ECT, mas não se definiu qual
seria a exata abrangência desse espaço de exclusividade da empresa.
Portanto, se a Corte não conseguiu definir o que estaria incluído nesse
privilégio, também não é possível delimitar com precisão a interpretação a
ser dada ao dispositivo.
Em relação aos aspectos formais, o Relatório da ação está
estruturado da seguinte maneira: menção do dispositivo impugnado;
73
apresentação de todo o raciocínio que fundamenta a pretensão da ABRAED;
apresentação de todo o raciocínio da ECT; apresentação sintética dos
argumentos da AGU; apresentação sintética dos argumentos da PGR. Trata-
se do Relatório mais detalhado dentre todos aqueles examinados na
pesquisa.
No que tange à ementa, ela procura conceituar o que seja serviço
postal e especifica que ele é prestado em regime de privilégio, não de
monopólio. Não há, porém, qualquer menção à polêmica sobre se o serviço
postal abrange ou não abrange encomendas e impressos (voto do Min.
Carlos Britto). Ela indica que a Corte julgou improcedente a ação e conferiu
interpretação conforme a Constituição para que o art. 42 fosse aplicado nos
casos das atividades presentes no art. 9º, ambos da Lei Postal.57
57 Eis a ementa do acórdão: “ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI. 1. O serviço postal --- conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado --- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Argüição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo”.
74
Contudo, do jeito que está redigida, a ementa não permite que se
saiba quais são exatamente essas atividades englobadas pelo art. 9º da Lei
Postal. O problema não foi causado pelo redator, Min. Eros Grau, mas sim
pela própria composição da corrente vencedora. Não houve manifestação da
maioria dos ministros que a compõem sobre essa questão, de tal sorte que
a posição do Min. Carlos Britto oferece uma grande dificuldade a ser
resolvida.
Portanto, a má-compreensão de um voto e a falta de determinação
dos pontos a serem decididos foram os principais problemas da ação. As
consequências podem ser medidas pela posterior oposição de embargos de
declaração pela ABRAED, dada a situação precária de suas associadas após
a decisão do Plenário.
Os dados do julgamento podem ser vistos nas tabelas a seguir:
7
5
Tabela 11: votos dos ministros na ADPF 46-7/DF
Ministros
Questões a serem resolvidas / Fundamentos
Tipo
Interação em Plenário
Marco
Aurélio
(Relator)
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
- interpretação
deve levar em conta a
s tran
sformações h
istóricas para
conferir a m
aior efetividade
possível à
Constituição
- distinção entre atividad
e econôm
ica e serviço público varia conform
e o con
texto histórico
- contexto histórico do Brasil atual: reform
a do Estado, que atingiu o seu
esgotamen
to com
o prestador de todos os
serviços, e exp
ansão da atividade priva
da
- o Estad
o só atuou
na atividade econômica relativa ao setor postal enquan
to não
havia empresas capacitad
as a
prestar os serviços
- com a m
udan
ça da configuração do Estad
o, não está recepcion
ada a lei, especialmente na parte que con
fere
monopólio à União
2) exten
são do reg
ime de prestação do serviço postal (do m
onopólio ou do privilégio)
- enquadramen
to do serviço postal nas áreas de atuação estatal: são
serviços que podem ser prestados pelos
particulares
- sempre que a Constituição
quis exigir a
prestação
direta do
Estad
o, no
art. 21, ela o fez exp
ressam
ente,
acontecendo o m
esmo com as situações de m
onop
ólio
- “m
anter” não significa “m
anter mon
opólio”, m
as garan
tir a existên
cia do serviço, nem que pela prestação direta,
quando não hou
ver em
presas para prestá-lo
- princípio da subsidiariedade: o Estad
o só deve atuar quan
do a iniciativa priva
da for ineficiente
- a dicotom
ia não
é entre serviço público e atividad
e econômica em
sen
tido estrito, porque a atividade econôm
ica
em sen
tido lato não
é própria do Estado, mas a dicotom
ia é entre atividades exercidas em
regim
e de direito público
(contratos de concessão ou perm
issão) ou
em regim
e de direito priva
do
- mon
opólio não
convive com
a livre iniciativa nem
com
a possibilidad
e de que os consumidores façam um con
trole
da atividad
e, porque os preços são m
anipulados
- mod
elo pen
sado para o setor postal era semelhan
te ao m
odelo criad
o para o setor de telecomunicações, no qual
se abre a atividade para os privados, mas se exige a universalização (duplo regim
e: público e priva
do)
- noção de serviço público não está ligada a nen
huma essên
cia da atividade, m
as a necessidades pontuais de m
aior
interven
ção do Estad
o - a
própria
ECT realizou
contratos de franquia, que
seriam claramen
te inconstitucionais se a atividade
fosse
considerada exclusiva dela
Voto não
-relacion
al
(relator)
Eros Grau
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
- trata-se de serviço público, não de atividade econ
ômica em
sentido estrito (novo)
2) exten
são do reg
ime de prestação do serviço postal (do m
onopólio ou do privilégio)
- é serviço público a ser prestado exclusivamen
te pela União, em reg
ime de privilégio, não de m
onop
ólio (novo)
- regim
e de privilégio: em
regra atribui a exclusividade de exp
loração ao Estad
o (novo)
- a C
onstituição
não abre a possibilidad
e para que os particulares exp
lorem, diferen
temen
te do que faz com a
educação e a saúde (novo)
- a Constituição exige a existência de um Estado forte e vigoroso para concretizar os preceitos de seus arts. 1º e 3º
(novo)
- o que seja serviço postal está delim
itado nos arts. 7º e seg
uintes da Lei n. 6.538/78 (novo)
Voto
relacion
al
Refere-se ao voto do Min. Marco
Aurélio para desconstruir o
raciocínio basead
o na atividade
econômica e rebater o uso de um
parecer seu
Joaquim
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
Voto
Voto-vista: rechaça a posição
de
7
6
Barbosa
- se se en
tende pela atividad
e econômica
em sentido
estrito, incidem
os princípios
da livre iniciativa
e da
concorrên
cia, presentes no art. 170, e afasta-se o m
onopólio, exp
osto taxativa
men
te no art. 177
- o serviço postal, porém, é serviço público, de titularidade do Estado, no caso, da União, e inform
ado
por outros
princípios (supremacia do interesse público, igualdade, universalidade, etc.)
2) exten
são do reg
ime de prestação do serviço postal (do m
onopólio ou do privilégio)
- trata-se de regim
e de privilégio, não de regim
e de mon
opólio, a ser prestado exclusivamen
te pelo Estado por
meio de outorga leg
al à ECT
- as empresas que desejam a ruptura do “monopólio” da ECT desejam atuar apen
as nos setores mais lucrativos e
restritos às grandes cidades e capitais (novo)
- o que seja serviço postal de exclusividad
e da União está no art. 9º da Lei n. 6.538/78
3) definição do con
ceito de carta
- o art. 9º, I, abrange a carta, que está definida no art. 47, inclusive em relação à com
unicação comercial, como
boletos e notificações para cobrança de déb
itos
relacion
al
quem defende que é atividade
econômica e concorda com
a
distinção feita pelo M
in. Eros Grau
entre privilégio e m
onop
ólio
Carlos Britto
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
- serviço público reservado à competên
cia da União
2) exten
são do reg
ime de prestação do serviço postal (do m
onopólio ou do privilégio)
- verbo “m
anter” indica que a União não pod
e deixar de prestar, assim
, não é serviço público passível de trespasse
para a iniciativa priva
da (novo)
- motivo dessa ved
ação: a atividade postal busca favorecer a comunicação entre as pessoas, a integração nacional
e o sigilo da correspon
dência (epistolar e telegráfica) (novo)
3) definição do con
ceito de carta
- correspon
dência ep
istolar é
comunicação priva
da en
tre
pessoas
no plano da
privacidad
e, não
abrangen
do
documen
tos e encomendas (novo)
- exclusividad
e, então, ab
range as atividades que im
pliquem
com
unicação priva
da e com
unicação teleg
ráfica (em
função do sigilo da correspondên
cia), ao contrário da atividad
e mercan
til, que é excluída (novo)
Voto
relacion
al
Afirm
a compartilhar ideias com a
Corte
Afirm
a que a sua posição se
aproxima do voto do Min. Joaquim
Barbosa, na m
edida em que
também
define a abrangên
cia das
atividad
es
Cezar Peluso
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
- é serviço público até m
esmo por uma razão metajurídica: o serviço postal é instrumento para a integração e
coesão nacion
al
2) exten
são do reg
ime de prestação do serviço postal (do m
onopólio ou do privilégio)
- regim
e de privilégio da União
- hipóteses de colaboração en
tre particular e União já são definidas em lei
Voto não
-relacion
al
Não faz nenhuma m
enção aos
outros vo
tos, exceto para
acompanhar a corren
te divergen
te
Gilmar
Mendes
1º voto
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
- dificuldad
e em se distinguir quais as atividades da lei não
se enquad
ram como serviços públicos
4) constitucionalidade dos tipos pen
ais contra a violação do m
onop
ólio
- são inconstitucion
ais pela excessiva abertura dos tipos
2º voto (reajuste)
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
- critério da definição se é ou não serviço público é constitucional, não infraconstitucion
al
- jurisprudên
cia do STF é sólida no sentido de ser serviço público
- serviço público é aquilo que a lei (incluída a C
onstituição) afirm
a que deve ser excluído da livre iniciativa dos
particulares
1º voto
Voto
relacion
al
2º voto
(reajuste)
Voto não
-relacion
al
1º voto
Faz menção ao voto do M
in.
Carlos Britto, que teria destacado
a disciplin
a constitucion
al de
garantia ineren
te ao serviço postal
2° voto (reajuste)
Descreve os votos anteriores, mas
não faz nenhuma con
sideração
específica sobre os seus
argumen
tos
7
7
2) exten
são do reg
ime de prestação do serviço postal (do m
onopólio ou do privilégio)
- verbo “manter” revela certa flexibilização da form
a como o serviço pod
e ser prestado
- legislador não
precisa ficar lim
itad
o às form
as de prestação
do art. 175, mas deve
respeitar os princípios
constitucionais (novo)
- intérprete deve atentar-se em especial à universalidad
e e à prestação de serviço adeq
uado (novo)
- serviço postal é garantia institucion
al: exige-se da União que proteja o núcleo essencial da atividad
e, ou
seja, a
universalidade e a eficiên
cia da prestação do serviço (novo)
- art. 9
º traz as hipóteses de “m
onop
ólio” da U
nião, n
ão incluindo tod
as as atividades de
serviço p
ostal (ex.
“encomen
da” e “im
presso”)
3) definição do con
ceito de carta
- periódicos, jornais e boletos também são
agrupad
os dentre atividades não
sujeitas ao m
onopólio, ap
roximando-se
mais dos con
ceitos de “en
comenda” e “im
presso” do qu
e ao con
ceito de “carta”
- processo de inconstitucion
alização da exclusividad
e an
te as mudan
ças tecnológicas (novo)
4) constitucionalidade dos tipos pen
ais contra a violação do m
onop
ólio
- tipo pen
al se ap
lica às condutas não
perm
itidas na Lei
- a excessiva abertura pode ser reduzida se o tipo penal for lido em conjugação apenas com o art. 9º
Ellen Gracie
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
- serviço postal é serviço público confiado à União, que tem o dever de prestá-lo em todo o território nacional
- interesses de integração nacional e de prestação de serviços para lugares em condições deficitárias
2) exten
são do reg
ime de prestação do serviço postal (do m
onopólio ou do privilégio)
- regim
e de privilégio que exclui um sistema de livre com
petitividade
3) definição do con
ceito de carta
- a arguente ficaria satisfeita se a Corte excluísse do conceito de carta ob
jetos de seu interesse, pois seu objetivo
era excluir tudo o que não
fosse correspondência priva
da e con
fiden
cial, para q
ue ficasse com a parcela m
ais
rentável do serviço
Voto
relacion
al
Voto-vista: faz men
ção à distinção
entre privilégio e m
onop
ólio, que
teria sido explicitad
a no voto do
Min. Eros Grau
Cármen Lúcia
1) natureza do serviço postal (atividade econômica ou serviço público)
- é serviço público o que a Constituição
deseja que seja serviço público
Voto
relacion
al
Afirm
a que leu
todos os votos
Rejeita completamen
te o voto do
Min. Marco Aurélio, mesm
o por
uma interpretação afinada com o
contexto atual
Ricardo
Lewandowski
2) exten
são do reg
ime de prestação do serviço postal (do m
onopólio ou do privilégio)
- regim
e de m
onopólio não en
globa a correspon
dência comercial nem a entrega de encomendas, inclusive talões de
cheques, cartão de crédito, cartões de cobrança, etc.
- iniciativa priva
da é um dos fundamentos da Con
stituição
4) constitucionalidade dos tipos pen
ais contra a violação do m
onop
ólio
- acompan
ha o Min. Gilm
ar M
endes
Voto
relacion
al
Afirm
a que a posição do M
in.
Gilm
ar Men
des é conve
rgen
te à
do Min. Carlos Britto
Celso de
Mello
Voto sem fundamen
tação própria que acompan
ha o voto do Min. Eros Grau
Menezes
Direito
Declarou
-se suspeito
7
8
Tabela 12: debates entre os ministros na ADPF 46-7/DF
Momento do
Debate
Quem inicia
/ Motivo
Quem participa
O que se
discute
Quais as posições
Quais os resultados
1º
Debate
“Exp
licação”
após o reajuste
do Voto do Min.
Gilm
ar Men
des5
8
Min. Gilm
ar
Mendes
(Presiden
te)
Esclarecimen
to
Min. Gilm
ar Mendes
(Presiden
te)
Min. Marco Aurélio (Relator)
Min. Eros Grau
Con
clusões do
voto do M
in.
Gilm
ar
Mendes
- Min. Gilm
ar Men
des: a exclusividad
e dos correios
está num processo de inconstitucionalização em
relação a algumas atividad
es, e a
inconstitucion
alidade dos tipos pen
ais se resume a
um só
- Min. Marco Aurélio: atividad
es praticadas hoje por
particulares seriam considerad
as ilícitas
- Min. Eros Grau: há serviço público, não
atividade
econômica
Manutenção das posições
originalmen
te apresentadas
Dissenso
2º
Debate
“Debate”
inserido entre o
Voto do Min.
Gilm
ar M
endes e
o Voto da Min.
Cármen
Lúcia
Min. Cármen
Lú
cia
Esclarecimen
to
Min. Cármen
Lúcia
Min. Gilm
ar Mendes
(Presiden
te)
Min. Marco Aurélio (Relator)
Min. Carlos Britto
Con
clusões do
voto do M
in.
Gilm
ar
Mendes
- Min. Gilm
ar M
endes: recepção parcial para
restringir o âmbito de exclusividade do serviço
- Min. Carlos Britto: necessidad
e de definição
sobre
o que seja serviço postal e carta
Min. Carlos Britto afirm
a que o
voto do Min. Gilm
ar M
endes
realça a necessidade de se
definir o que é serviço postal
Con
senso
3º
Debate
“Esclarecimen
to”
após o Voto do
Min. Ricardo
Lewandow
ski
Min. Eros Grau
Bloqueio
Min. Eros Grau
Min. Gilm
ar Mendes
(Presiden
te)
Min. Ricardo Lewan
dowski
Discussão
sobre
mon
opólio ou
exclusividad
e
- Min. Eros Grau: não há atividad
e econôm
ica,
então não há m
onop
ólio nem
iniciativa privada
- Min. Ricardo Lewandow
ski: privilégio é uma ideia
do m
ercantilismo
- Min. Gilm
ar Men
des: ideia é ten
tar delim
itar o
âmbito da exclusividade
Manutenção das posições
originalmen
te apresentadas
Dissenso
4º
Debate
“Debate” ap
ós o
Voto do Min.
Ricardo
Lewandow
ski
Min. Gilm
ar
Mendes
(Presiden
te)
Nova questão
Min. Gilm
ar Mendes
(Presiden
te)
Min. Celso de Mello
Min. Eros Grau
Min. Marco Aurélio (Relator)
Min. Carlos Britto
Min. Ricardo Lewan
dowski
Min. Ellen Gracie
Min. Cármen
Lúcia
Com
o resolver
o empate no
julgam
ento e
definir o voto
médio
- Min. Eros Grau: existiriam nove votos mantendo o
privilégio em diferentes extensões e não haveria
seis votos pela não
-recepção
- Min. Cármen
Lúcia: não haveria seis votos
- Min. Gilm
ar Men
des: não haveria seis vo
tos pela
recepção e o problema está na restrição
do
conceito de carta
- Min. Marco Aurélio: aproximação pelo voto médio
A sessão é suspen
sa por falta
de regra apta a definir o
resultad
o final
Dissenso
5º
Debate
“Debate” ap
ós a
Con
firm
ação de
Min. Carlos
Britto
Min. Carlos Britto
Min. Gilm
ar Mendes
Com
o resolver
o empate no
- Min. Carlos Britto: há exigência de quorum
absoluto, só obtido por meio do voto m
édio, que
Manutenção das posições
originalmen
te apresentadas
58 Embora o rea
juste de vo
to esteja ao final do acórdão
, ele dev
eria logicamen
te começar a sessão do dia 03.08.2009. Isso porque o Presidente foi
o responsável por trazer o processo a julgamen
to, ap
ós a suspeição do M
in. Men
ezes D
ireito. A
“Exp
licação” a que me refiro, en
tão, seria a
explicação da conclusão de seu voto rea
justado.
7
9
1ª
parte
Voto do Min.
Cezar Peluso
59
Bloqueio
(Presiden
te)
Min. Marco Aurélio
Min. Cezar Peluso
julgam
ento e
definir o voto
médio
seria a terceira tese iniciada por ele, mais próxima
da corrente da improcedên
cia
- Min. Gilm
ar Men
des: sem os seis votos não há
efeitos vinculantes, e, inicialm
ente, o Min. Carlos
Britto reduzia a exp
ressão “carta”
- Min. Marco Aurélio: aplicação analógica do
procedim
ento em m
andado de segurança (vo
to de
qualidade do presiden
te por man
ter o ato)
- Min. Ellen Gracie: se a Corte restringir o con
ceito
de carta estará dando procedência total à ação
Dissenso
5º
Debate
2ª
parte
“Deb
ate” em
continuação ao
debate anterior
Min. Gilm
ar
Mendes
(Presiden
te)
Esclarecimen
to
Min. Gilm
ar Mendes
(Presiden
te)
Min. Marco Aurélio (Relator)
Min. Carlos Britto
Min. Ricardo Lewan
dowski
Min. Cezar Peluso
Min. Ellen Gracie
Min. Eros Grau
Min. Cármen
Lúcia
Min. Joaquim
Barbosa
Advo
gad
os
Com
o resolver
o empate no
julgam
ento
- Min. Carlos Britto: entendim
ento de que privilégio
só não abrange encomendas e impressos
- Min. Gilm
ar Men
des e Ricardo Lewandow
ski:
entendim
ento m
ais restrito do que seja “carta”
- Advo
gado: privilégio já não ab
range encomen
das
nem impressos
O voto do M
in. Carlos Britto,
em m
antendo a legislação em
vigor tal como ela é, seria
adequad
o à corrente da
improcedência
Consenso
60
5º
Debate
3ª
parte
“Deb
ate” em
continuação ao
debate anterior
Min. Ricardo
Lewan
dowski
Esclarecimen
to
Min. Gilm
ar Mendes
(Presiden
te)
Min. Marco Aurélio (Relator)
Min. Carlos Britto
Min. Ricardo Lewan
dowski
Min. Cezar Peluso
Min. Ellen Gracie
Min. Eros Grau
Min. Cármen
Lúcia
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Celso de Mello
Advo
gad
os
Problema da
excessiva
abrangência
do tipo penal
- Min. Eros Grau: não
teria se pronunciad
o sobre o
assunto
- Min. Cárm
en Lúcia e Ellen Gracie: se as
encomen
das já não
estão
em regim
e de privilégio,
a persecução penal é descabida
- Min. Cezar Pe
luso e Joa
quim
Barbosa: o tipo
pen
al não faz parte do pedido
- Min. Gilm
ar Men
des, Ricardo Lewandowski e Celso
de Mello: tipo penal é excessivamente amplo
Ministros aceitam que o tipo
pen
al ten
ha sua interpretação
restrita, de m
odo a incidir
apenas sobre quem praticar
algum dos atos elencados no
art. 9º
Con
senso
59 Inclui-se aqui tanto o “Esclarecimento” trazido pela Min. Ellen Gracie, como a continuação dos debates dep
ois da sua m
anifestação. Faço isso por
pertinên
cia e continuidade lógica, mas também
por conve
niência, uma vez que eles vêm
logo em seg
uida e tratam das mesm
as questões.
60 Na falta de oposição, acred
ito que o m
ais adeq
uado seja falar em
consenso. Contudo, esse consenso refere-se apen
as ao
modo com
o o empate
foi resolvido, sem
qualquer apreciação quanto ao m
érito. No que tange ao m
érito, i. e., no que toca à abrangên
cia do serviço postal, em si, não há
consenso entre os mem
bros da Corte.
80
2.2.7. Caso dos concursos notariais: ADI-REF-MC 4178/GO,
Rel. Min. Cezar Peluso, j. 04.02.2010
A ADI 4178/GO foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República
contra o art. 16, II, III, V, VIII, IX e X da Lei 13.136/97 do Estado de Goiás,
que disciplinava concursos de ingresso e remoção nos serviços notariais e
de registro naquele Estado.61 Em síntese, alegava-se violação ao princípio
da isonomia, por favorecimento na prova de títulos a quem já estava na
carreira (para a descrição do julgado, ver anexo III).
Verifica-se que, essencialmente, quatro questões foram suscitadas.
Três delas foram trazidas pelo voto do Min. Cezar Peluso: (i) a
constitucionalidade ou não dos títulos, à luz do princípio da igualdade; (ii) a
possibilidade do título de “aprovação em concurso de ingresso no serviço
notarial”; (iii) a possibilidade do título de “participação em simpósios e
congressos”. Uma quarta questão foi trazida pelo próprio Relator, em
esclarecimento, e desenvolvida pelo Min. Marco Aurélio. Dizia respeito aos
efeitos da medida cautelar sobre um concurso, cujo resultado já havia sido
homologado (iv).
Todas as questões foram objeto de deliberação em Plenário, embora
só constem três votos do acórdão (Min. Cezar Peluso, Min. Carlos Britto,
Min. Marco Aurélio). De fato, o ponto (ii) foi retomado pelo Min. Carlos
Britto, que elogiou o critério utilizado pelo Min. Cezar Peluso para a
resolução do problema. Da mesma forma, o ponto (iv) foi alvo tanto da
discussão entre os ministros, como do voto do Min. Marco Aurélio, embora
nem todos tenham se manifestado.
Especificamente sobre o último ponto, é interessante notar que o Min.
Cezar Peluso desenvolveu a preocupação do Min. Carlos Britto. Este frisou
61 Eis o dispositivo impugnado: “Art. 16 – Do edital constarão os critérios de valoração dos títulos, considerando-se na seguinte ordem: (...) II – apresentação de tese em congressos ligados à área notarial e de registro; III – participação em encontros, simpósios e congresso sobre temas ligados aos serviços notariais ou de registro, mediante apresentação de certificado de aproveitamento; (...) V – aprovação em concurso de ingresso e remoção em serviço notarial e registral; (...) VIII – tempo de serviço prestado como titular em serviço notarial ou de registro; IX – tempo de serviço prestado como escrevente juramentado ou suboficial, em serventia notarial ou de registro; X – tempo de serviço público ou privado prestado em atividades relacionadas com a área notarial ou de registro, de no mínimo 5 (cinco) anos”.
81
que a avaliação de títulos nos concursos só poderia servir para classificação,
não para reprovação, o que pode ter levado à necessidade do
esclarecimento sobre os efeitos da decisão. Ela resultaria na reclassificação
dos candidatos aprovados no concurso, e não numa modificação da lista de
aprovados.
Além disso, vale notar que a intervenção do Ministro Cezar Peluso,
buscando esclarecer os efeitos da medida cautelar, norteou a participação
seguinte do Ministro Marco Aurélio, que se manifestou exclusivamente sobre
esse ponto, rejeitando que o processo objetivo pudesse servir para ajustar
situações concretas.
Em relação à fundamentação, com exceção das considerações
complementares do Min. Carlos Britto, não houve o aporte de outros
argumentos à posição do Relator.
O resultado final foi pelo referendo da liminar, com o acréscimo da
interpretação conforme a Constituição ao art. 16, V, no sentido de que seria
válido o título de “aprovação em concurso de ingresso no serviço notarial”,
desde que fosse distinto do título de aprovação em concurso jurídico e não
tivesse um valor superior a ele. Restou vencido o Min. Marco Aurélio, que
simplesmente referendava a decisão do Min. Gilmar Mendes.
No que tange aos votos, verificam-se um “não-relacional” (do
Relator), um “relacional” e um “em debates”. O voto relacional (Min. Carlos
Britto) realça a questão do título de aprovação em concurso público; o voto
em debates (Min. Marco Aurélio) resulta da discussão sobre os efeitos da
medida cautelar. Novamente há um grande número de ministros que não
aportaram voto escrito nem falaram qualquer coisa que pudesse ser
transcrita para o acórdão.
Sobre a interpretação conforme a Constituição, não identifiquei
divergências na fundamentação que pudessem comprometer a
compreensão do que foi decidido. O Relator, Min. Cezar Peluso, trouxe a
solução em seu voto, que foi acompanhado por todos depois dele sem
maiores considerações.
82
Sob o aspecto formal, o Relatório feito pelo Min. Cezar Peluso
estrutura-se da seguinte maneira: apresentação dos dispositivos
impugnados, do argumento pela inconstitucionalidade, da decisão do
Presidente suspendendo os incisos da Lei, da sustentação da PGR a favor da
decisão, exceto quanto ao inc. V, e menção da defesa do ato pelo
Assembleia Legislativa de Goiás.
Em relação à redação da ementa, ela se apresenta em consonância
com a opinião da maioria, uma vez que não houve outras manifestações
que divergissem das interpretações e dos conceitos dados pelo Relator.62
Os dados do julgamento se encontram nas tabelas a seguir:
62 É o que se pode concluir da ementa redigida pelo Min. Cezar Peluso: “1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 16, incs. II, III, V, VIII, IX e X, da Lei nº 13.136/97, do Estado de Goiás. Concurso público. Ingresso e remoção nos serviços notarial e de registro. Edital. Pontuação. Critérios ordenados de valoração de títulos. Condições pessoais ligadas à atuação anterior na atividade. Preponderância. Inadmissibilidade. Discriminação desarrazoada. Ofensa aparente aos princípios da isonomia, impessoalidade e moralidade administrativa. Liminar concedida. Medida referendada. Para fins de concessão de liminar em ação direta, aparentam inconstitucionalidade as normas de lei que, prevendo critérios de valoração de títulos em concurso de ingresso e remoção nos serviços notariais e de registro, atribuam maior pontuação às condições pessoais ligadas à atuação anterior nessas atividades. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 16, incs. II, III, V, VIII, IX e X, da Lei nº 13.136/97, do Estado de Goiás. Concurso público. Remoção nos serviços notarial e de registro. Edital. Pontuação. Critérios ordenados de valoração de títulos. Condições pessoais ligadas à atuação anterior na atividade. Marco inicial. Data de ingresso no serviço. Interpretação conforme à Constituição. Liminar concedida para esse efeito. Medida referendada. Para fins de concessão de liminar em ação direta, devem ter por marco inicial a data de ingresso no serviço, em interpretação conforme à Constituição, as condições pessoais ligadas à atuação anterior na atividade, objeto de lei que estabelece critérios de valoração de títulos em concurso de remoção nos serviços notariais e de registro. 3. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 16, inc. V, da Lei nº 13.136/97, do Estado de Goiás. Concurso público. Serviços notarial e de registro. Edital. Pontuação. Critérios ordenados de valoração de títulos. Aprovação anterior em concurso de ingresso num daqueles serviços. Título admissível. Impossibilidade, porém, de sobrevalorização e equiparação ao de aprovação em concurso para cargo de carreira jurídica. Limitação ditada por interpretação conforme à Constituição. Liminar referendada com tal ressalva. Para fins de concessão de liminar em ação direta, norma que preveja, como título em concurso para ingresso no serviço de notas ou de registro, aprovação anterior em concurso para os mesmos fins, deve ser interpretada sob a limitação de que esse título não tenha valor superior nem igual ao de aprovação em concurso para cargo de carreira jurídica”.
8
3
Tabela 13: votos dos ministros na ADI-REF-MC 4178/GO
Ministros
Questões a serem resolvidas / Fundamentos
Tipo
Interação em Plenário
Cezar Peluso
(Relator)
1) constitucionalidad
e dos critérios utilizad
os na prova
de títulos
- inconstitucion
ais por conta de fatores arbitrários de discrim
inação
2) constitucionalidad
e do título de aprovação em
con
curso de ingresso no serviço notarial
- ap
rovação em
concurso de ingresso deve contar como título, mas não pode ser sobreva
lorizada em
relação aos títulos de carreira jurídica
3) constitucionalidad
e do título de participação em sim
pósios, congressos
- participação em sim
pósios e con
gressos não
pod
e ser considerada como título, sob pena de favo
recer
quem
já está na carreira
4) eficácia no tem
po da medida cautelar (em debates)
- o concurso rea
lizad
o deve ser revisto e a classificação
refeita
Voto
não-
relacion
al
(Relator)
Dias Toffoli
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Cármen Lúcia
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Ricardo
Lewandowski
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Joaquim
Barbosa
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Carlos Britto
2) constitucionalidad
e do título de aprovação em
con
curso de ingresso no serviço notarial
- avaliação do
título de aprova
ção em concurso
anterior serve para verificar a
ilustração
men
tal do
candidato (novo)
Voto
relacion
al
Elogia a valorização do título de “ap
rovação
em con
curso anterior” pelo Min. Cezar
Peluso, porque tornaria a disposição razoável
Marco
Aurélio
4) eficácia no tem
po da medida cautelar
- processo objetivo não é o lugar próprio para an
álise de situações con
cretas (novo)
Voto em
deb
ates
Diverge do Relator quan
to à possibilidade de
se rever a hom
ologação do concurso
Gilmar
Mendes
Voto sem fundam
entação própria que acompanha o voto do Relator
Ellen Gracie
Ausente
Eros Grau
Ausente
Celso de
Mello
Ausente
8
4
Tabela 14: debates entre os ministros na ADI-REF-MC 4178/GO
Momento do
Debate
Quem inicia /
Motivo
Quem participa
O que se discute
Quais as posições
Quais os resultados
1º
Debate
“Debate” inseridos
entre o Voto do M
in.
Carlos Britto e o Voto
do M
in. Marco Aurélio
Min. Cezar
Peluso (Relator)
Esclarecimen
to
Min. Cezar Peluso
(Relator)
Min. Cármen
Lúcia
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Carlos Britto
Efeitos da med
ida
cautelar sobre
concurso já realizad
o e
com classificação já
hom
ologada
- Min. Cezar Peluso e Min. Cárm
en
Lúcia: refazimen
to da homologação
- Min. Joaquim
Barbosa: alerta para as
repercussões
Definição de que a hom
ologação do
concurso deverá ser refeita para
que a classificação reflita os novos
critérios
Consenso
2º
Debate
63
Voto do Min. Marco
Aurélio
Min. Cezar
Peluso (Relator)
Bloqueio
Min. Cezar Peluso
(Relator)
Min. Marco Aurélio
Efeitos da med
ida
cautelar sobre
concurso já reaizado e
com classificação já
hom
ologada
- Min. Marco Aurélio: homologação
anterior à decisão não
é afetada
- Min. Cezar Pe
luso: homologação
posterior à decisão
Ministro Marco Aurélio m
antém sua
posição
de não
rever o concurso sob
o argumento de que se trata de
controle objetivo
Dissenso
3º
Debate
“Debate” inseridos
entre o Voto do M
in.
Marco Aurélio e a
proclam
ação do
resultad
o
Advo
gado
Esclarecimen
to
Min. Gilm
ar Mendes
(Presiden
te)
Min. Cezar Peluso
(Relator)
Min. Carlos Britto
Min. Joaquim
Barbosa
Min. Cármen
Lúcia
Definição
de
parâmetros de
proporcionalidad
e para
evitar futuras
desigualdades
Ministros: não cabe ao STF fazer o
papel de Comissão Julgadora e definir
parâm
etros para a pontuação dos
títulos
A definição dos critérios para a
pontuação
do título de aprova
ção
em concurso será feita pela própria
Comissão
Consenso
63 Embora se ten
ha um voto de apen
as uma página, com um único aparte feito pelo M
in. Cezar Pe
luso, considero essa m
anifestação um deb
ate
porque o Ministro corrige o Min. Marco Aurélio, na tentativa
de interromper seu
argumen
to.
85
2.3. Panorama geral do universo de decisões
Apresentados todos os julgados que fazem parte do objeto da pesquisa, é
importante expor um pequeno balanço geral do que pode ser verificado até agora.
2.3.1. Análise dos votos
Em relação aos critérios que busquei especificamente nos acórdãos, os dados
comparativos constam da tabela a seguir:
Tabela 15: comparação entre os julgados a partir dos critérios de análise de votos
Questões do
Relator/ Total de questões
Novos fundamentos /
Total de fundamentos64
Tipos de votos (não-
relacionais, relacionais, em debates e sem fundamentação
própria)
Ementa Observações adicionais
ADI 125-6 3 / 4 1 / 1 1 VNR; 2 VD; 7 VSFP
Sem problema
Construção da decisão em debates
Grande número de votos sem
fundamentação própria
ADI-MC 3854
2 / 5 8 / 19 3 VNR; 4 VR; 3 VD
Com algumas
pendências
Problema de surpresa de ministros
Relator apresentou alternativas de decisão
ADI 1864 4 / 6 8 / 19 2 VNR; 1 VR; 5 VD; 1 VSFP
Sem problema
Problema do voto-vista Discussão sobre o que colocar na ementa
ADC 12 4 / 4 7 / 19 6 VNR; 3 VR Sem problema
Convicção formada no juízo liminar
ADI-MC 4167
4 / 7 12 / 29 4 VNR; 3 VR; 2 VD
Com ressalvas do Relator
Problema do quorum de julgamento
Riqueza de debates
ADPF 46 2 / 4 15 / 38 3 VNR; 7 VR; 1 VSFP
Com algumas
pendências
Problema da falta de tratamento de questões Intensa participação dos
advogados
ADI-REF-MC 4178
4 / 4 2 / 2 1 VNR; 1 VR; 1 VD; 5 VSFP
Sem problema
Muitas ausências (três ministros)
Grande número de votos sem
fundamentação própria
64 Apresento nesse tópico o número de vezes que um novo argumento (contrário ou a favor ao relator) foi apresentado. Considerei que um novo argumento era apresentado sempre que um ministro inovava em um ponto que havia sido levantado em voto anterior. Portanto, não entram nessa lista os fundamentos apresentados por quem suscitou o ponto, mas apenas os referidos pelos votos subsequentes. Apenas para exemplificar, o último ministro a votar só inova se expor um fundamento não visto anteriormente na tabela para uma questão já tratada pelos colegas.
86
Em relação aos relatores, foram seis ministros diferentes para os sete casos,
ficando o Min. Cezar Peluso responsável por duas relatorias (Caso dos tetos de
remuneração da magistratura e Caso dos concursos notariais).
Sobre os relatórios, todos, sem exceção, seguiram a mesma estrutura.
Primeiro, a apresentação dos dispositivos impugnados, às vezes transcritos, às
vezes apenas mencionados. Depois, a apresentação das alegações do autor da ação
e dos seus pedidos, geralmente com o acompanhamento dos motivos para o
julgamento liminar. Em seguida, a apresentação sucinta da posição da Advocacia-
Geral da União e da Procuradoria-Geral da República. Menos frequentemente, há
também referências ao posicionamento do órgão que editou o diploma reputado
inconstitucional.
Essas informações parecem indicar que os ministros não consideram haver
necessidade de delimitar, no relatório, as questões a serem analisadas pelo
Plenário, pois apenas as normas envolvidas e as alegações do autor já seriam
suficientes para cingir o objeto do julgamento. Esse cenário assume maior
importância a partir dos números apresentados: em cinco dos sete casos, pelo
menos uma questão surgiu a partir dos votos de outros ministros que não o relator.
Em que pese a discussão sobre a importância desses novos pontos, deve-se
ressaltar que a falta de uma delimitação precisa sobre o que será julgado, mesmo
que feita pela própria Corte em uma reunião prévia, possibilita que os ministros
abordem o caso sob diferentes ópticas, dificultando uma decisão coesa.
Mesmo assim, no que diz respeito especificamente às questões a serem
tratadas na sessão, impressiona a força do ministro relator para pautar as
discussões. Dos sete casos, em dois deles a Corte só discutiu pontos tratados pelo
relator em seu voto, enquanto em outros três mais da metade dos assuntos foram
levantados por ele.
É possível levantar duas possíveis causas para esse fenômeno: (i) ou o
relator tem grande influência por ser aquele que tem o contato mais próximo e
duradouro com o processo, o que poderia ser corroborado pela força que os votos-
vista exercem sobre os votos subsequentes; (ii) ou ele, por ser o primeiro a votar,
87
decide sobre os problemas fundamentais do caso e, assim, pauta as discussões
seguintes.
No Caso do nepotismo (ADC 12), isso pode ser atribuído à convicção formada
no juízo liminar. Bastava ao relator, então, reproduzir o que já havia sido decidido
anteriormente. No Caso dos concursos notariais (ADI-REF-MC 4178), isso pode ter
sido decorrência tanto do pequeno grau de divergência quanto ao mérito, como do
grande número de votos sem fundamentação própria na sessão.
Por outro lado, em outros dois acórdãos, quem relatava a ação foi
responsável por metade ou menos da metade das questões. Cabe, porém, analisar
a importância que elas tiveram para o julgamento. No Caso dos tetos de
remuneração da magistratura (ADI-MC 3854), os três pontos levantados por outros
ministros não foram desenvolvidos pelo Plenário.65 Somente os dois levantados pelo
relator foram discutidos por todos os ministros e estiveram presentes na ementa.
No Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46), a sorte foi outra. As duas
questões que não foram trazidas pelo primeiro voto (definição do conceito de carta
e constitucionalidade dos tipos penais) foram justamente as que ensejaram a
grande disputa verificada durante as sessões sobre quais pontos decidir. Essa
discussão e a falta de manifestação de toda a Corte sobre os conceitos legais
geraram problemas em relação aos efeitos práticos do julgado.
Portanto, o que se pode verificar, a partir dos acórdãos, é a relevância dos
pontos tratados pelo ministro que relata a ação, pois em raras ocasiões eles foram
ignorados pelos seus colegas. Pode-se afirmar, contudo, que há um grande risco
para o julgamento quando o primeiro a votar expõe uma posição bem diferente da
sustentada por outros ministros (vide Caso do monopólio dos Correios e Caso do
PARANAEDUCAÇÃO). Nesses casos, a solução é o pedido de vista, que permite aos
outros ministros interromperem a sessão para estudarem o caso mais detidamente.
Em relação à fundamentação, é interessante notar que outros ministros
trouxeram contribuições para o voto do Relator em quase todas as decisões 65 Só para rememorar, os cinco pontos eram: (i) a possibilidade de discriminação de tetos de remuneração global do Judiciário; (ii) o periculum in mora; (iii) o controle de constitucionalidade de emenda constitucional; (iv) a constitucionalidade do escalonamento na Justiça Federal; (v) as vantagens que compõem a remuneração.
88
analisadas. A importância desses aportes, porém, não foi a mesma em todas as
situações. Conforme indica a tabela anterior, em dois casos apenas um ou dois
fundamentos foram trazidos para a discussão, pois todos os outros votos ou
levantaram novas questões ou simplesmente acompanhavam o relator (votos não
anexados). Assim, por exemplo, no Caso dos concursos notariais (ADI-REF-MC
4178), só um fundamento trazido realmente complementou a posição do Relator,
Min. Cezar Peluso, enquanto o outro era contrário à sua posição. É possível associar
o que aconteceu com o baixo número de votos com fundamentação própria e o
grande número de ausências no Plenário.
Por outro lado, em nenhum dos outros casos nos quais houve uma difusão
maior de argumentos, a inovação chegou à metade dos fundamentos apresentados.
Significa dizer que a maioria das manifestações simplesmente reforçou aspectos já
ressaltados nos votos anteriores. No Caso dos tetos de remuneração da
magistratura (ADI-MC 3854), os ministros não trouxeram muitos argumentos novos
para a decisão (8 em 19). Exceto as razões aduzidas nos votos dos Ministros Carlos
Britto, Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes, quanto à aferição da
inconstitucionalidade em relação à cláusula pétrea da Federação, nada foi
acrescentado. A Corte limitou-se a ressaltar o caráter unitário do Poder Judiciário e
a importância do princípio da isonomia.
No Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), chama a atenção que, salvo as
razões de decidir que levaram a uma conclusão diferente daquela do Min. Joaquim
Barbosa, nenhum outro fundamento relevante foi acrescentado para fortalecer mais
ainda a corrente vencedora. A fundamentação, aliás, era relevante para se
determinar a natureza do regime jurídico a que estava sujeito o
PARANAEDUCAÇÃO, se exclusivamente de direito privado, direito privado com
determinadas nuances de direito público, ou inteiramente de direito público.
Portanto, verifica-se, a partir dos acórdãos pesquisados, que as
manifestações que se seguem às do relator do caso ou acrescentam fundamentos
que não são aproveitados na decisão final da Corte, ou se limitam a reforçar
aspectos que já foram tratados nos votos anteriores. Seria isso um problema do
processo decisório do STF? A possibilidade que todos os ministros têm de
89
apresentar um voto individual contribui para a existência de pronunciamentos que
se limitam a reafirmar o que já foi dito. Nos casos em que o voto do relator é um
dos únicos disponíveis, a linha de raciocínio condutora do julgamento fica muito
mais clara (exemplos do Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos
estaduais e municipais catarinenses e do Caso dos concursos notariais). Essas
considerações dependem, evidentemente, da complexidade da matéria, mas podem
expor um problema dos votos individuais.
No que se refere ao universo de sete acórdãos, dos 66 votos analisados, 20
deles são “não-relacionais”, sendo 7 votos dos relatores; 19 são “relacionais”; 13
são votos “em debates”; e 14 são votos sem fundamentação própria. De acordo
com os números, há uma distribuição razoavelmente uniforme entre os tipos de
votos. Desconsiderando-se os votos dos relatores, que são sempre não-relacionais,
destaca-se a maior quantidade de manifestações que interagem com o
posicionamento anterior de algum colega.
No entanto, como visto no Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46), esses
números devem ser vistos com cuidado. 11 dos 19 votos relacionais foram
classificados assim por conta de manifestações de reforço aos argumentos trazidos
pelo ministro anterior. Isso demonstraria, talvez, uma baixa participação dos
ministros para se contrapor a posições externadas pelos colegas. Essa afirmação
fica mais clara se somarmos a esse número os votos não-relacionais e os votos sem
fundamentação própria, pois, em princípio, nenhum dos dois ataca diretamente
algum voto proferido. Tem-se um total de 38 votos (exclusive os dos Relatores) nos
quais não há o choque de ideias. O número pode ficar maior a partir de um estudo
dos votos em debates.
Os votos em debates, i. e., aqueles proferidos em meio a apartes de outros
ministros, trazem uma surpresa interessante. O interesse não reside tanto no
número deles (treze), mas sim na relevância que, em geral, eles tiveram para o
julgamento.
No Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e
municipais catarinenses (ADI 125), a interpretação conforme surge num voto em
debates da Ministra Cármen Lúcia. O Min. Sepúlveda Pertence acrescentou esse
90
ponto à decisão depois de discutir com ela acerca da expressão “Da Constituição”,
contida no dispositivo impugnado.
No Caso dos tetos de remuneração da magistratura (ADI-MC 3854), as
alternativas de decisão dadas pelo Min. Cezar Peluso, Relator, surgem a partir de
um voto em debates com o Min. Gilmar Mendes, que pedira um esclarecimento
sobre a conclusão do colega. Além disso, o voto em debate do Min. Marco Aurélio é
muito interessante, por conta dos apartes feitos pelo Min. Sepúlveda Pertence
acerca da razoabilidade da interpretação do CNJ e, portanto, da necessidade da
interpretação conforme a Constituição.
No Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), por sua vez, há um expressivo
número de votos em debates (cinco). Além de numerosos, eles são importantes.
Assim, é num voto em debates que a Min. Cármen Lúcia pede esclarecimentos ao
Relator sobre a análise da disposição impugnada à luz da regra do regime jurídico
único estatutário para os servidores públicos. Também é num voto em debate que
se trava uma discussão acerca da extensão do regime jurídico do
PARANAEDUCAÇÃO e da possibilidade de uma tal instituição na área de educação,
pelo menos como serviço social.
Situação semelhante aparece no Caso do piso salarial dos professores (ADI-
MC 4167). A Min. Cármen Lúcia profere um voto em debates e novamente outros
ministros são instados a esclarecer suas premissas. No caso, os Ministros Menezes
Direito e Joaquim Barbosa exerceram um claro esforço de convencimento, tentando
demonstrar por quê suas posições seriam as mais adequadas.
O que se verifica, nos quatro casos, é que esse tipo de participação é muito
importante porque, em geral, é acompanhada de um pedido de explicações a outro
ministro. Isso leva a uma clareza maior de fundamentos e também à possibilidade
de uma adesão mais firme à posição do colega. Portanto, é possível levantar a
hipótese de que quanto mais debates ocorrerem numa sessão, maiores as chances
de que as premissas dos votos sejam esclarecidas e, consequentemente, maiores
as possibilidades de que uma fundamentação seja rebatida ou apoiada. Por isso, a
presença dos ministros também se torna um fator essencial para a qualidade da
91
decisão, como pode ser verificado na análise do Caso do piso salarial dos
professores (ADI-MC 4167).
É interessante, aliás, aplicar essa ideia aos dois casos que não contam com
qualquer voto em debates. No Caso do Nepotismo (ADC 12), a ausência pode ser
atribuída à convicção que os ministros formaram antes do julgamento,
especialmente por ocasião da medida liminar. No lugar de debates entre si, os
ministros fazem remissões à fundamentação dos votos proferidos na sessão que
julgou a cautelar.
Por outro lado, embora conte com muitos apartes de ministros durante as
manifestações dos colegas, o acórdão do Caso do monopólio dos Correios (ADPF
46) não possui nenhum voto em debates propriamente dito. Os esclarecimentos
acerca da posição do Min. Carlos Britto, por exemplo, só puderam ser obtidos no
momento da proclamação do resultado, após se constatar o empate na Corte. Tal
circunstância foi responsável por grande parte da disputa intensa e da falta de
clareza da decisão.
Finalmente, em relação às ementas, o que se constatou foi uma grande
fidelidade ao que foi decidido pela Corte. Em cinco casos, não há qualquer reparo a
ser feito. Mesmo que em três deles (Caso da estabilidade excepcional dos
servidores públicos estaduais e municipais catarinenses, Caso dos concursos
notariais e Caso do nepotismo) o grau de consenso tenha sido muito grande, o que
pode ser verificado pelo grande número de votos sem fundamentação própria, o
mesmo não pode ser dito em relação aos outros dois (Caso PARANAEDUCAÇÃO e
Caso do piso salarial dos professores).
O Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864) tratava de um tema que, por lidar
com a configuração do Estado, era essencialmente polêmico, e mesmo assim a
decisão foi retratada de forma fidedigna pelo redator da ementa. Aliás, destaca-se a
preocupação da Corte em salientar, na ementa, que a jurisprudência havia se
alterado em relação à legitimidade ativa das confederações, no caso de ações no
controle concentrado. Mesmo que tenha aparecido como um obiter dictum, pois não
alterou em nada o não conhecimento da ação em relação à CNTE, foi importante
para que o julgado não fosse utilizado contra a nova jurisprudência.
92
Uma menção deve ser feita, também, à ementa do Caso do piso salarial dos
professores (ADI-MC 4167). O Min. Joaquim Barbosa, redator do acórdão, retratou
a posição da maioria, mas ressalvou o seu entendimento sempre que ele havia sido
vencido. É uma forma interessante de se fazer a ementa, e demonstra que ela não
foi o resultado de um mero resumo do voto do Relator.
No que diz respeito aos dois casos colocados à parte desse rol, o Caso dos
tetos de remuneração da magistratura (ADI-MC 3854) e o Caso do monopólio dos
Correios (ADPF 46), ele são mencionados porque aparecem como exemplos de
decisões nas quais as ementas desconsideram questões que foram tratadas apenas
por uma parte do Pleno.
No primeiro caso, é o exemplo dos Ministros Gilmar Mendes e Sepúlveda
Pertence, ao externarem a preocupação com a necessidade de a Corte indicar
claramente quais as vantagens que podem ser acrescidas aos subsídios dos
magistrados; no segundo caso, é o exemplo da discussão sobre a abrangência do
art. 9°, de tal sorte que o tipo penal deveria ser lido em conjugação com aquela
previsão, mas sem que seu âmbito fosse definido.
Em ambos os casos, portanto, tem-se uma determinada questão e certa
necessidade de se conferir clareza à decisão. As ementas, porém, ao refletirem a
posição deliberada em Plenário, não fazem menção clara a essas questões, não
contendo esclarecimentos sobre as vantagens possíveis para os magistrados ou
sobre a abrangência da exclusividade no serviço postal.
Observações adicionais podem ser feitas com relação aos casos. Em primeiro
lugar, destaca-se a atuação do Min. Cezar Peluso, no Caso dos tetos de
remuneração da magistratura (ADI-MC 3854), ao possibilitar aos colegas duas
formas de decisão diferentes para o mesmo problema. Somada à forma
diferenciada com a qual o Min. Joaquim Barbosa redigiu a ementa no Caso do piso
salarial dos professores (ADI-MC 4167), essa atitude demonstra que, pelos menos
esses dois ministros não veem problemas em flexibilizar o rígido esquema de
julgamento da Corte, consubstanciado nas ideias de que o ministro expõe apenas
uma posição e de que a ementa deve refletir apenas o que foi decidido pelo Pleno,
sem quaisquer ressalvas sobre as opiniões vencidas. Às vezes, essas considerações
93
sobressalentes, mesmo que meras obiter dicta, podem ser importantes, como
demonstrado anteriormente no Caso do monopólio dos correios (ADPF 46).
Também podem servir de base para uma futura alteração da jurisprudência.
2.3.2. Análise dos Debates
Uma visão panorâmica dos debates pode revelar aspectos interessantes do
processo decisório do STF. Friso novamente que, por debates, entendo não apenas
as discussões que são apresentadas assim no acórdão, como também as trocas de
ideias e argumentos por meio de apartes ao voto de outro ministro. É evidente que
não é qualquer aparte que será considerado um debate: ele deverá discutir alguma
questão do caso, além de envolver uma troca de argumentos, e não trazer apenas
observações ao que um ministro está falando naquele momento, como na situação
de eventuais elogios.
Apresentado o critério, verifiquei, em primeiro lugar, 26 debates no grupo de
7 acórdãos estudados. O julgado com maior número de discussões é o Caso do
PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), com 11 questões discutidas em seis debates. Por
outro lado, o Caso do nepotismo (ADC 12) trouxe apenas um debate, e mesmo
assim para esclarecimento de um único ponto.
Eles envolveram os ministros 142 vezes, ao todo, numa média de quase 6
ministros por discussão. Nesse sentido, merece destaque o Caso do monopólio dos
Correios (ADPF 46) pelo envolvimento de todo o Pleno para a resolução dos pontos
controversos que surgiram ao final do julgamento. Assim, nove de dez ministros
deram opiniões sobre como solucionar o empate ocorrido, enquanto todos os
ministros participaram das discussões sobre a interpretação do tipo penal de
violação ao “monopólio” dos Correios. Além disso, advogados subiram à tribuna em
ambas as situações.
Em termos qualitativos, identifiquei 17 contendas causadas pelo que chamei
de “bloqueio”, i. e., pela tentativa de se contrapor aos fundamentos lançados por
outro ministro. A grande maioria deles origina-se curiosamente da participação de
ministros que compuseram a corrente vencedora. Percebe-se em alguns momentos,
94
como no Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e
municipais catarinenses (ADI 125) e no Caso dos tetos de remuneração da
magistratura (ADI-MC 3854), que o bloqueio serviu para impedir que uma nova
ideia surgisse no debate, logrando um relativo êxito nesse sentido.
Nota-se que os tipos de debates podem significar muito em termos de
contextualização dos casos. Exemplificando, o levantamento dos debates ocorridos
na Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864) demonstra uma verdadeira “guerrilha”.
Ao todo, são oito discussões iniciadas por bloqueio, sendo cinco delas causadas pelo
Ministro Carlos Britto, cuja posição vinha sendo minoritária naquele momento e
quem ficou vencido ao final. O cruzamento de motivos e resultados demonstra que,
nesse julgamento, apenas um debate de bloqueio fomentou alguma forma de
consenso. Todos os outros terminaram com os ministros mantendo suas
respectivas posições.
Em geral, debates iniciados por um ministro para bloquear a argumentação
de algum colega terminaram em dissenso, com cada qual mantendo a sua posição.
Uma exceção pode ser vista no Caso do piso salarial dos professores (ADI 4167),
na qual o Min. Menezes Direito é bem sucedido na intervenção que faz durante o
voto da Min. Cármen Lúcia.
Por outro lado, a grande quantidade de esclarecimentos no Caso do
monopólio dos Correios (ADPF 46) indica a disputa intensa que assolou as sessões
e causou a falta de clareza da decisão. Isso fica evidente quando se verifica que os
dois últimos debates para esclarecer algum ponto envolveram todos os ministros e
os advogados das partes. Também se nota que os questionamentos, em ambas as
situações, foram levantados por membros da corrente que restou vencida66.
Em sua maioria, os esclarecimentos resultaram em alguma forma de
consenso. Significa dizer que eles foram suficientemente compreendidos pelos
outros ministros, que puderam se posicionar a favor de quem esclarecia a questão.
66 Não se nega que, no primeiro dos esclarecimentos, sobre o modo como a Corte iria resolver o impasse em que se encontrava, era função do Presidente levantar a questão. Mas como o Min. Gilmar Mendes integrava a corrente vencida, o debate se iniciou por conta de alguém que estava em desvantagem naquele momento. Verifica-se que o Ministro não desejava a aplicação da regra da maioria absoluta para a inconstitucionalidade da lei, porque, naquela ocasião, isto significava a improcedência total da ação.
95
Uma situação interessante pode ser verificada no Caso do nepotismo (ADC 12). Só
houve um debate, e mesmo assim para o esclarecimento de uma questão, que foi
resolvida consensualmente pelo Plenário.
3. Os vícios do processo decisório do Plenário do STF
3.1. Primeiro vício: omissão do Plenário
O primeiro problema que se pode apontar em relação ao processo decisório
do Plenário do Supremo Tribunal Federal diz respeito à falta de deliberação sobre
todas as questões que surgem no julgamento. Em outras palavras, muitas vezes o
colegiado se omite de discutir todos os pontos que foram levantados no
julgamento, de tal sorte que não é possível ao público conhecer a opinião da Corte
sobre o assunto. Para tratar desse vício, analisei como os ministros trataram das
questões jurídicas levantadas nos acórdãos. A tabela a seguir mostra a quantidade
de assuntos que não foram objeto de discussão pelo colegiado em cada decisão:
Tabela 16: quantidade de pontos que não foram discutidos pelo colegiado67 Caso Não discutidos /
levantados Assuntos abandonados
ADI 125 0 / 4 ------------
ADI 3854 3 / 5 Controle de constitucionalidade de emendas à Constituição Constitucionalidade do escalonamento de vencimentos da Justiça
Federal68 Vantagens remuneratórias da magistratura
ADI 1864 0 / 6 ------------
ADC 12 0 / 4 ------------
ADI 4167 3 / 7 Constitucionalidade das frações para implementação do piso salarial Quorum de julgamento69
Constitucionalidade formal da lei
ADPF 46 2 / 4 Definição do conceito de carta Constitucionalidade dos tipos penais
ADI 4178 0 / 4 ------------
67 Duas observações são importantes em relação aos números apresentados na tabela: (i) quando o ponto foi levantado pelo relator ou pelo voto divergente, e os ministros subsequentes afirmaram que o acompanhavam, considerei que houve a discussão no Plenário; (ii) os pontos foram considerados abandonados quando menos da metade do colegiado o abordou posteriormente. 68 O assunto gerou um intenso debate no momento do voto do Min. Carlos Britto, com participação de vários ministros, conforme se pode verificar na Tabela 4. Mesmo assim, não foi retomado posteriormente. 69 Nesse caso, houve deliberação do Plenário sobre a questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio, mas o tema consta aqui por não ter sido retomado por nenhum dos ministros em seus votos, mesmo que para comentar o motivo da rejeição.
96
Os dados podem ser combinados com os da Tabela 15. Nos casos em que o
relator trouxe o maior número de questões, verifica-se que quase nenhum assunto
foi abandonado. Como expus anteriormente, a maior parte das questões que são
debatidas pelos ministros, em Plenário, é trazida por ele. Seu voto parece ter um
poder decisivo para circunscrever os limites do que se julgará e do que será alvo de
apreciação pelos votos subsequentes.
Por outro lado, a maioria das questões que surgem no decorrer da sessão é
abordada apenas pelos ministros que as suscitaram. Em geral, elas tocam aspectos
marginais do problema principal, embora pareçam importantes para os ministros
que as levantam. Todavia, isso não significa que seja sempre assim. O exemplo do
Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e municipais
catarinenses (ADI 125) é sintomático, pois demonstra que um ponto ignorado pelo
Relator, mas de grande valia para o aprimoramento da decisão, pode ser percebido
e trazido por outro ministro.
Essa situação se agrava quando o voto do Relator não é adotado por seus
pares. Nesse caso, as questões que poderiam nortear a discussão não são dadas
por ele, mas por outros ministros. Veja-se, por exemplo, o Caso do monopólio dos
Correios (ADPF 46). Por partir da premissa de que o Estado só pode explorar
atividade econômica em casos excepcionais, o Min. Marco Aurélio, Relator, tratou
apenas da relação entre Estado e atividade econômica e da proibição do monopólio
fora das hipóteses constitucionais. No entanto, a ampla maioria dos ministros partiu
da premissa de que o serviço postal era serviço público, sujeito a regime de
privilégio.
Se a primeira linha de raciocínio conduzia o Min. Relator à procedência total
da ação, a segunda linha de raciocínio possibilitava um número maior de
resultados. Nessa hipótese, surgem outros problemas a serem resolvidos, como,
por exemplo, o que se entende por serviço postal sujeito à exclusividade da União,
mais especificamente por “entrega de carta”.
Grande parte dos ministros, inclusive o Min. Eros Grau, nem levantou essa
questão. Para eles, a lei já delimitava satisfatoriamente as hipóteses sujeitas à
exclusividade estatal. Contudo, essa posição não dava uma resposta efetiva a
97
algumas situações concretas. Haveria, por exemplo, vedação ao envio de boletos
bancários e contas de serviços públicos por empresas privadas? Haveria crime de
violação do monopólio postal nessa hipótese? Tudo isso exigia uma posição firme
da Corte, que, no entanto, não foi adotada.
Não foi o que se viu, principalmente porque os únicos ministros a tratarem
do tema se dividiam em lados opostos: de um lado o Min. Joaquim Barbosa e
posteriormente o Min. Carlos Britto, incluindo essas situações no âmbito da
exclusividade; de outro, os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso
de Mello, possibilitando a exploração dessas atividades para os particulares.
O problema não ficou despercebido, assomando ao final do julgamento,
pouco antes da proclamação do resultado, quando o Min. Ricardo Lewandowski
questionou a excessiva amplitude dos tipos penais. Poderia um entregador de
correspondências mercantis ser processado por violar o monopólio da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos?
A reação foi imediata:
“O Senhor Ministro Eros Grau - Eu pediria vista para examinar esta
matéria, porque é uma nova questão.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Não, não é uma nova
questão.
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Não, ela não é nova. Só que
ela não foi examinada pelo Plenário, ou pelo menos por alguns Ministros.
O Senhor Ministro Eros Grau - Permitam-me explicar. Nós votamos.
Votamos o quê? A recepção ou não recepção da lei toda. Houve seis votos no
sentido da improcedência. Então terminou. Acho que terminou. A ação é
improcedente.
[...]
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Mas o próprio Ministro Britto
excluiu as encomendas. Quer dizer, se alguém distribuir encomenda, está
enquadrado no artigo 42? É uma questão que está aberta. Porque o Plenário
não decidiu isso. Nesse aspecto houve um empate.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel.
98
Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009, pp. 192-193 do acórdão; pp. 173-174 do
arquivo eletrônico)
Uma solução só foi encontrada depois de muitas opiniões de parte a parte.
Aliás, esse debate contou com o maior número de participantes dentre todos os
acórdãos analisados: todo o Plenário se manifestou e até mesmo alguns advogados.
Chegou-se à resposta, que pouco adiantou para a diminuição dos conflitos, de se
interpretar o tipo penal com o artigo que determina as atividades que estão sujeitas
ao regime de privilégio. Os ministros evitaram uma decisão que definisse o que
estava englobado pela exclusividade no serviço postal, postergando essa definição.
Entretanto, os ministros não puderam se contentar com a decisão por muito
tempo. Publicado o acórdão no Diário de Justiça, no dia 26.02.2010, embargos de
declaração foram opostos pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição
(ABRAED) já no dia 08.03.2010. Consta do referido recurso:
“A omissão em que incorreu o v. acórdão diz respeito à definição do que seja
encomenda. Embora o termo não pareça especialmente equívoco, a EBCT já
manifestou entendimentos contraditórios sobre a questão e tem promovido
ações cíveis e penais para impedir a distribuição de determinados itens.
Assim, embora pontual, a omissão verificada produz consequências graves.
Ao não esclarecer os elementos mínimos do conceito de encomenda, abriu-se
espaço para que as empresas de entrega e seus funcionários sejam alvo de
perseguições indevidas. Manteve-se, portanto, a insegurança jurídica que
motivou o ajuizamento da ADPF, com o agravante de que agora as
perseguições podem ser feitas supostamente sob o amparo de uma decisão
dessa Eg. Corte, cujo sentido estaria sendo invertido.” (Embargos de
Declaração à ADPF 46-7/DF, p. 2)
O mesmo problema pode ser verificado no Caso dos tetos de remuneração da
magistratura (ADI-MC 3854). O Ministro Cezar Peluso, Relator, ao julgar a
constitucionalidade da EC n. 41/03, que diferenciava os tetos remuneratórios das
Justiças Estadual e Federal, afirmou que a discriminação existia, porquanto os
juízes federais poderiam receber vantagens até o limite de vencimentos dos
ministros do STF, enquanto os juízes estaduais estariam adstritos aos vencimentos
dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça.
99
Tal consideração gerou dúvidas nos Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar
Mendes, uma vez que os juízes devem receber todos os seus subsídios em uma
parcela única, sem a possibilidade de vantagens permanentes.
Num primeiro momento, o Min. Sepúlveda Pertence interpelou o colega:
“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Daí decorreu minha dúvida.
Peço a Vossa Excelência para esclarecer que vantagens poderiam ser essas, à
vista da determinação de o subsídio ser parcela única, excluídas aquelas
salvaguardadas - como no precedente dos ministros aposentados do Supremo
Tribunal Federal (MS 24.875) - pela irredutibilidade de vencimentos - sempre
em caráter temporário.
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) - Trata-se daquelas
descriminadas na Resolução n° 13 do Conselho.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Aquelas referentes a
indenizações etc.
O Senhor Ministro Cezar Peluso - Exatamente, só aquelas.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Ou eventuais vantagens
individuais, nos termos do Mandado de Segurança 24.875, do Ministro Djaci
Falcão.
O Senhor Ministro Cezar Peluso - Não desci a particularidades.” (STF:
ADI-MC 3.854/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 745 do acórdão;
p. 23 do arquivo eletrônico; grifos nossos)
Mais adiante, os Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes tentaram
pressionar o Relator a explicitar quais seriam essas vantagens:
“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Precisamos deixar isso
absolutamente claro. Não há, no sistema atual, para os servidores sob regime
de subsídio, possibilidade de vantagem permanente que excetue a gradação
do art. 93, V. Ou, então, toda reforma terá ido, neste ponto, “para o brejo”.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes - Na verdade, será sua própria
subversão, por definição.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - E isso ficou muito claro - eu creio
- no voto que proferi no caso “Djaci Falcão”.
100
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) - Quanto a isso não há dúvida.
Aqui, não. Estamos fixando o teto da remuneração; não estamos, ainda,
discutindo quais as verbas que podem ser somadas aos subsídios até atingir o
teto.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Em matéria de vencimentos,
Ministro, é sempre bom citar Talleyrand: “Si cela va bien sans le dire, cela ira
encore mieux en le disant” [se vai bem sem dizer, vai ainda melhor dizendo].
Perdoe-me, Ministro Eros, o francês ‘macarrônico’.” (STF: ADI-MC 3.854/DF,
Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 745 do acórdão; p. 23 do arquivo
eletrônico; grifos meus)
A tentativa de persuadir o Relator, porém, não tem sucesso, e a questão
ficou esquecida no meio dos votos apresentados.
Por outro lado, isso não significa que o STF sempre evite decidir. No Caso do
PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR), os ministros se preocuparam com a mudança
ocorrida na jurisprudência da Corte em relação à legitimidade ativa das
confederações. Isso porque eles haviam decidido a questão do cabimento da ação
antes da virada jurisprudencial, de tal sorte que no julgado constaria
necessariamente a ilegitimidade ativa da Confederação Nacional dos Trabalhadores
em Educação (CNTE).
Nesse caso, ao invés de simplesmente ignorar o ponto, o Plenário realmente
enfrentou a questão. Quem levantou a polêmica foi o Min. Gilmar Mendes, no
último voto proferido. O Min. Cezar Peluso, então, sugeriu rever a decisão.
Contudo, os ministros não quiseram, pois nem poderiam, reabrir uma questão
preclusa. Mesmo assim, não abandonaram o tema e preferiram deixar consignado
na ementa, como se pode verificar nas discussões:
“O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Pode-se não enfatizar
a questão, até porque a matéria já está superada; ou deixar em obter
dictum.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Pode-se deixar especificado na
ementa.
101
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Só uma lembrança: o
Ministro Joaquim Barbosa acabará como Relator, quanto à legitimidade.
O Senhor Ministro Cezar Peluso - Legitimidade da Confederação.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Porque, depois, o
Tribunal evoluiu para entender que essa composição não comprometia a
legitimidade.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Apenas na ementa, poderia
consignar-se que a requerente foi julgada ilegítima na conformidade da
jurisprudência então dominante.
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Basta especificar a data
em que tomada a decisão.” (ADI 1864/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j.
08.08.2007, pp. 181-182 do acórdão; pp. 93-94 do arquivo eletrônico; grifos
no original)
Portanto, o primeiro vício do processo decisório do Plenário do STF é não
deliberar sobre todas as questões como um órgão colegiado. Não se trata de
condenar uma postura “minimalista” do juiz, criticando os ministros que procuram
resolver os pontos estritamente necessários para a resolução da causa e evitam
criar uma “doutrina do Tribunal” sobre os assuntos que circundam o caso. O
problema é outro: uma vez surgidas na sessão, as questões devem ser abordadas
pelos ministros, mesmo que sejam rejeitadas. Caso contrário, a omissão pode ter
consequências negativas relevantes.
3.2. Segundo vício: inconsistência na definição dos pontos
controversos
O segundo problema que se pode apontar em relação ao processo decisório
no Supremo Tribunal Federal diz respeito à inconsistência na definição dos pontos
deliberados em Plenário.70 Significa dizer que os ministros não seguem uma linha
condutora. Cada voto realça um aspecto diferente da questão sem tratar dos
outros, como mencionado no vício anterior. Porém, não é possível saber o que
70 Esse vício foi ressaltado pelo professor Diogo R. Coutinho durante a banca examinadora, a partir dos dados presentes nas tabelas.
102
subjaz à escolha desses pontos - seria um defeito na argumentação dos ministros
que votaram anteriormente, a tentativa de se transmitir uma mensagem para o
público, a necessidade de se defender uma determinada ideia na Corte, ou outro
motivo?
Prosseguindo a análise iniciada no tópico anterior, é possível ir mais além no
exame das manifestações dos ministros sobre os diversos temas. A tabela a seguir
mostra quantos ministros se pronunciaram, em seus votos, sobre cada uma das
questões suscitadas no julgamento:
Tabela 17: quantidade de ministros que ressaltaram os pontos em seus votos Caso Ponto N° de ministros (sem quem
suscitou) / total de ministros
1) aplicação do regime aos Municípios 2 (1) / 10
2) constitucionalidade dos dispositivos do ADCT estadual 1 (0) / 10
3) situação dos professores contratados temporariamente 1 (0) / 10
ADI 125
4) redação “da Constituição” no art. 6°, caput 1 (0) / 10
1) violação da isonomia e discriminação de tetos de remuneração 10 (9) / 11
2) periculum in mora 2 (1) / 11
3) controle de constitucionalidade de emenda à Carta 2 (1) / 11
4) higidez do escalonamento de vencimentos da Justiça Federal 1 (0) / 11
ADI 3854
5) vantagens que compõem a remuneração da magistratura 1 (0) / 11
1) conhecimento da ação 2 (1) / 9
2) natureza jurídica do PARANAEDUCAÇÃO 5 (4) / 9
3) possibilidade de entes privados no serviço de educação 3 (2) / 9
4) regime jurídico do PARANAEDUCAÇÃO 3 (2) / 9
5) constitucionalidade da opção pelo regime trabalhista 4 (3) / 9
ADI 1864
6) constitucionalidade da gestão de recursos 1 (0) / 9
1) cabimento do controle de Resoluções 1 (0) / 9
2) coibição do nepotismo 6 (5) / 9
3) competência do CNJ 5 (4) / 9
ADC 12
4) necessidade da interpretação conforme a Constituição 4 (3) / 9
1) constitucionalidade da jornada de trabalho de 40 horas 6 (5) / 9
2) referência do piso salarial como vencimento inicial 6 (5) / 9
3) constitucionalidade do limite à carga horária funcional 8 (7) / 9
4) constitucionalidade da implementação do piso 4 (3) / 9
5) higidez das frações do piso a serem implementadas pelos entes 2 (1) / 9
6) quorum para julgamento 1 (0) / 9
ADI 4167
7) constitucionalidade formal da lei 1 (0) / 9
1) natureza jurídica do serviço postal 8 (7) / 10
2) extensão do regime de prestação do serviço postal 8 (7) / 10
3) definição do conceito de carta 4 (3) / 10
ADPF 46
4) constitucionalidade dos tipos penais da lei 2 (1) / 10
1) constitucionalidade dos critérios da prova de títulos 1 (0) / 8
2) título de aprovação em concurso de ingresso no serviço notarial 2 (1) / 8
3) título de participação em seminários e congressos 1 (0) / 8
ADI 4178
4) eficácia no tempo da medida cautelar 1 (0) / 8
103
Antes de tudo, cabe uma observação: desconsiderei os votos que apenas
acompanham o relator (ou o voto divergente) e as manifestações em debates. O
objetivo da tabela é mostrar quantos ministros se preocupam em ressaltar um
determinado ponto em seu voto. E os dados causam certa perplexidade. São dois
os motivos: (i) pela pequena quantidade de ministros que abordam a maioria dos
pontos; (ii) pela falta de um critério individualizável para que se verifique porque
alguns assuntos foram mais abordados do que outros.
Em relação ao primeiro, acredito que se confirme a ideia apresentada no
tópico anterior, sobre a omissão do Plenário em abordar os pontos. Foram 34 ao
todo, mas apenas 9 foram ressaltados nos votos de mais da metade do colegiado. É
evidente que não se pode ignorar que algumas matérias são mais complexas que
outras, que os temas podem ter sido abordados em debates ou que os ministros
podem ter preferido simplesmente acompanhar o relator a proferir um voto que
nada acrescentava ao julgamento. Estas duas últimas possibilidades são até fatores
que contribuem para melhorar o processo decisório da Corte. No entanto, é
inexplicável que 25 pontos não tenham tido atenção dos ministros em seus votos,
especialmente quando se verifica a presença de onze, dez ou nove ministros na
ocasião.
Em relação ao segundo motivo, não se consegue identificar um critério que
norteia a participação do colegiado. De um lado, há temas abordados por um
grande número de votos anexados ao acórdão, como são os exemplos da violação
da isonomia pela discriminação de tetos remuneratórios do Judiciário, no Caso dos
tetos de remuneração da magistratura (ADI 3854), da natureza jurídica da entidade
privada criada pelo Estado para gerenciar os recursos do serviço educacional, no
Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), da coibição do nepotismo e da
competência do CNJ, no Caso do nepotismo (ADC 12), da constitucionalidade da
redução da carga horária dos professores estaduais e municipais por meio de lei
federal, no Caso do piso salarial dos professores (ADI 4167) e, finalmente, da
natureza jurídica e da extensão dos serviços postais, no Caso do monopólio dos
correios (ADPF 46).
104
Seria possível levantar a hipótese de que os ministros preferem se
manifestar em seus votos sobre questões de mérito que envolvam temas de grande
sensibilidade e repercussão social (nepotismo, isonomia), de grande divergência na
Corte (redução da carga horária por lei federal) ou de grande aceitação nos meios
jurídicos (natureza jurídica do serviço postal). Contudo, o limitado universo de
acórdãos da pesquisa não permite uma afirmação mais contundente, inclusive
porque há exemplos em sentido contrário, como na discussão sobre isonomia, no
Caso dos concursos notariais (ADI 4178).
De qualquer forma, é interessante notar que há uma discrepância nos
números dentro dos próprios julgamentos. No Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI
1864), por exemplo, percebe-se que há uma grande diferença no tratamento das
questões. Isso indica que os ministros não seguem a mesma linha condutora no
momento de ressaltar o que julgam ser mais importante. Tampouco explicitam os
motivos pelos quais abordam um aspecto do caso e não outro. O que explicaria, por
exemplo, a diferença no número de ministros que tratam da natureza do serviço
postal e que tratam do conceito de carta, no Caso do monopólio dos Correios (ADPF
46)?
Em relação aos fundamentos, os números apresentados na Tabela 15 não
permitem uma conclusão definitiva sobre a inconsistência ou não das
fundamentações. Na verdade, o número reduzido de novos argumentos
demonstraria que os ministros, antes de seguirem linhas de raciocínio totalmente
diferentes, acabam reforçando o que os anteriores sustentaram.
Portanto, o segundo vício do processo decisório seria a falta de explicações
sobre o motivo que leva um ministro a destacar determinado ponto em seu voto,
em detrimento de outros, mesmo que tenha a possibilidade de simplesmente
acompanhar o relator ou tratar de todas as questões já abordadas anteriormente.
Mais do que isso, não consegui identificar uma razão clara para que determinados
temas tenham sido mais abordados pelos votos, enquanto outros tenham sido
muito menos realçados. O problema não estaria tanto nas fundamentações, mas
sim no que eles debatem. Tudo isso conduziria a uma certa inconsistência na
definição dos pontos deliberados pelo Plenário.
105
3.3. Terceiro vício: sessão única de julgamento
O terceiro problema que se pode apontar em relação ao processo decisório
no Supremo Tribunal Federal diz respeito às condições nas quais o Plenário é
obrigado a lidar com os casos. Em outras palavras, os ministros têm, em regra,
apenas uma sessão para relatar o caso, deliberar sobre ele, colher os votos e
proferir o resultado. A não ser que algum deles peça vista para apreciar o processo,
o julgamento se desenrola e se encerra na própria sessão em que foi iniciado. Essa
dinâmica só pode ser interrompida por meio de pedidos de vista, que serão
abordados no tópico seguinte.
A configuração da sessão se reflete nos julgados de duas formas: de um
lado, nem sempre os ministros se encontram totalmente preparados para julgar; de
outro, eles podem ser surpreendidos durante o julgamento por argumentos ou
questões levantadas por colegas.
Relativamente à primeira situação, novamente tomo o Caso dos tetos de
remuneração da magistratura (ADI-MC 3854) como exemplo, mas dessa vez um
negativo. Isso porque, como foi visto anteriormente, dois ministros se mostraram
surpreendidos pelo julgamento. Vale repetir as passagens dos votos dos Ministros
Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence que demonstram isso:
“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Sra. Presidente, ao contrário
dos colegas mais modernos que se podem dar a delícia de já trazer o voto
escrito à luz do material recebido, eu, rigorosamente, fui surpreendido com a
colocação em mesa deste problema.” (ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar
Peluso, j. 28.02.2007, p. 780 do acórdão; p. 58 do arquivo eletrônico).
“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa - [...] Com essas considerações,
peço vênia ao ministro Cezar Peluso e aos que o acompanharam para, pelo
menos nesse juízo preliminar - já que tomei conhecimento dessa ação direta
há poucos minutos -, indeferir a cautelar.” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min.
Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 750 do acórdão; p. 28 do arquivo eletrônico)
Quando afirmo que os ministros podem estar despreparados para julgar, não
há qualquer desmerecimento nisso. Trata-se, sim, de questionar a ausência de
106
material que poderá servir de apoio para que deem decisões bem fundamentadas.
Não é à toa que, diante de uma ação da qual “tomou conhecimento há poucos
minutos”, o Min. Joaquim Barbosa tenha adotado uma postura de auto-contenção,
refletida, inclusive, nos argumentos de falta de periculum in mora e de cautela no
controle de constitucionalidade de emendas à Constituição.
Embora pareça repetitivo, não custa lembrar também o polêmico Caso do
monopólio dos Correios (ADPF 46). Um evento que surpreendeu a todos os
ministros foi o empate que resultou da soma dos votos. A primeira tentativa de
solução foi buscar, dentre eles, aquele ministro que tivesse proferido o voto médio
capaz de se agregar à maioria. Essa busca, porém, não teve resultado. O Min.
Gilmar Mendes, então, partiu para as regras procedimentais, mas não obteve
respostas imediatas, como se pode verificar da seguinte passagem:
“O Senhor Ministro Eros Grau - [...] De qualquer modo, para que a lei
fosse tida como não recepcionada, seriam necessários seis votos. E não há.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Nem num sentido, nem
em outro. Ao contrário do que ocorre na Lei n° 9.868, a Lei n° 9.882 tem as
seguintes disposições:
‘Art. 8°. A decisão sobre a arguição de descumprimento
de preceito fundamental somente será tomada se presentes na
sessão pelo menos dois terços dos ministros’
Os dispositivos dos parágrafos foram vetados, talvez dispusessem sobre os
critérios de aferição. Nós não temos, portanto, regras. A tradição tem sido,
em relação à inconstitucionalidade, sempre de seis votos no sentido da
procedência ou improcedência.
Creio que podemos fazer uma breve pausa para, depois, voltarmos para
resolver esta questão de ordem.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco
Aurélio, j. 05.08.2009, pp. 149-150 do acórdão; pp. 130-131 do arquivo
eletrônico)
Percebe-se que a ausência de regras causou certa perplexidade no Plenário.
A incerteza sobre os dispositivos vetados só reforça a ideia de que os ministros não
caminhavam sobre terreno firme. A pausa tornou-se uma suspensão do julgamento
por dois dias, a fim de que os ministros pudessem procurar uma solução para o
107
impasse. Como visto anteriormente, essa solução só ocorreu por meio da alteração
do voto do Min. Carlos Britto, não pela definição de uma regra de desempate.
Entretanto, como afirma o Min. Sepúlveda Pertence, com a tecnologia (e
também com os assessores) problemas desse tipo restam bastante mitigados. Isso
não significa, por outro lado, que a necessidade de se fazer tudo numa única sessão
não tenha outros efeitos.
Um problema perceptível diz respeito às ausências dos ministros. Um
ministro que não tenha ido à sessão não perde apenas a sustentação oral das
partes, a leitura do Relatório e dos votos ou a deliberação em Plenário. Perderá
também a chance de dar o seu voto e influenciar no julgamento. A hipótese é
corroborada pela “Confirmação de voto” do Min. Cezar Peluso no Caso do monopólio
dos Correios (ADPF 46), na sessão do dia 05.08.2009. De fato, o Ministro não havia
participado dos debates na assentada anterior, do dia 03.08.2009, porque estava
ausente. Se, por hipótese, naquela ocasião a Corte tivesse realizado votação sobre
a questão de ordem, definindo a regra de desempate que deveria prevalecer, o
Ministro não poderia se manifestar.
De todos os casos analisados, apenas um não teve ausências na sessão de
julgamento. Foi exatamente o Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46), que
mesmo assim só contou com a presença de dez ministros, dada a suspeição do Min.
Menezes Direito. Ademais, a presença de todos os ministros só ocorreu na última
sessão.
O mesmo problema pode ser visto no Caso dos concursos notariais (ADI-
REF-MC 4178/GO), que foi julgado com a ausência de três ministros, ou no Caso do
piso salarial dos professores (ADI-MC 4167/DF), no qual o Min. Marco Aurélio
suscitou questão de ordem pela falta de quorum para julgamento (oito ministros).
Veja-se, não se está querendo criticar em absoluto a ausência dos Ministros.
Como sustentado nos próprios debates da questão de ordem do Caso do piso
salarial dos professores (ADI-MC 4167/DF), por vezes ocorrem sessões simultâneas
de outros órgãos jurisdicionais que demandam a presença dos ministros. Todavia,
como bem salientado pelo Min. Marco Aurélio, isso traz graves inconvenientes:
108
“O Senhor Ministro Marco Aurélio - Sim, mas acontece que no julgamento,
a qualquer momento, aqueles que já se manifestaram podem reajustar o
voto. E, ausentes, haverá a impossibilidade física. Por isso é que se exige o
número de oito para o início e o término do julgamento, chegando-se ao
resultado por maioria qualificada. Isso sempre foi observado na Corte”. (STF:
ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 214 do
acórdão; p. 58 do arquivo eletrônico)
Por fim, creio ser importante mencionar a ausência de um momento para se
revisar a decisão, depois de todos os ministros já terem se pronunciado. O
resultado não pode ser outro senão o verificado no Caso do monopólio dos Correios
(ADPF 46):
“O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Então, aqueles que entregam
encomendas não podem ser objeto de persecução penal. Isso tem que ficar
assentado com muita clareza, porque senão nós desencadearemos aí uma
caça às bruxas.
O Senhor Ministro Eros Grau - Eu proponho que se vote esse ponto.
[...]
O Senhor Ministro Eros Grau - Há duas opções: ou nós votamos agora ou
discutiremos isso em habeas corpus futuros; reabriremos a discussão.
Quanto a isso foi que eu me manifestei.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Eu proferi voto nesse
sentido, ontem. Eu até havia me manifestado em maior extensão. Depois,
restringi ao artigo 42.
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Senhor Presidente, esse é um
ponto ferido na inicial, data venia, que não foi suficientemente esclarecido no
Plenário.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente) - Foi objeto inclusive de
sustentação do Doutor Arnaldo Malheiros.
O Senhor Ministro Eros Grau - Eu não estou absolutamente querendo
dificultar nada. O que quero deixar claro é que eu não me manifestei sobre
esse ponto. E acho que o Ministro Joaquim Barbosa também não se
manifestou. Isso não foi discutido. Então existem duas possibilidades: ou nós
109
reabriremos e decidiremos essa matéria agora ou acabaremos apreciando-a
no futuro em habeas corpus que chegarem aqui.
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Entendo que enquanto não for
proclamado o resultado do julgamento, o julgamento não terminou. Não
podemos agora modular.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio,
05.08.2009, pp. 184-186 do acórdão; pp. 165-167 do arquivo eletrônico;
grifos no original)
A situação pode ser resumida pelo seguinte trecho do debate:
“O Senhor Ministro Eros Grau - [...] O que me preocupa, Senhor
Presidente, é que estamos num momento de proclamação, já há seis votos
pela improcedência, e das duas uma: ou nós proclamaremos e aguardaremos
os processos que chegarão - se há o problema, eles chegarão -, ou então
reabriremos tudo, e isso será seguramente um fato inusitado na Corte.” (STF:
ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 05.08.2009, p. 195 do acórdão; p.
176 do arquivo eletrônico)
Revela-se, em sua plenitude, a tensão entre o momento de deliberação e o
momento de decisão. Se os votos já foram proferidos, a retomada das discussões
sobre determinado ponto é menos uma decorrência da grande responsabilidade da
Corte no julgamento das ações, e mais um grande “fato inusitado”.
Portanto, o terceiro vício do processo decisório do STF é o julgamento de
ações, muitas das quais complexas, em uma única sessão, na qual acontecerá, a
príncipio, tudo, desde o relato do caso até a prolatação da decisão final, sem
chance de modificação, a não ser que algum dos ministros decida pedir vistas do
processo e suspender o julgamento. Com isso, problemas que surgem
repentinamente causam maior perplexidade e os argumentos utilizados de surpresa
podem se manter inatacáveis por falta de informação para rebatê-los.
3.4. Quarto vício: deturpação do voto-vista
O quarto problema que se pode apontar em relação ao processo decisório no
Supremo Tribunal Federal diz respeito à má-utilização do instrumento do voto-vista
110
durante os julgamentos, que sacrifica as discussões a construção conjunta da
convicção.
Verifica-se uma tensão no processo decisório do Plenário do STF. De um
lado, ele deve dar respostas aos processos da forma mais rápida possível, dentro
de um modelo que prevê, em regra, uma só sessão para deliberação e julgamento
final da ação. De outro, ele deve possibilitar aos ministros uma alternativa para
quando eles se sentirem despreparados para julgar ou surpreendidos por alguma
questão que tenha surgido.
O voto-vista vem suprir essa necessidade de que o ministro possa firmar a
sua própria convicção antes de proferir seu voto. No entanto, na pesquisa foi
possível verificar que o instituto também tem efeitos colaterais prejudiciais à
deliberação coletiva.
Isso acontece por dois motivos principais: (i) a grande distância temporal
entre uma sessão e outra; (ii) o tipo de voto elaborado e proferido após um pedido
de vista.
Em relação ao primeiro ponto, o período de tempo que separa uma sessão de
julgamento da outra, após um pedido de vista, pode se estender por anos. Apenas
para exemplificar, a primeira sessão para julgar o Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI
1864/PR) ocorreu em 12.04.2004. O caso só foi retomado em 08.08.2007, três
anos e quatro meses depois.
O decurso do tempo tem efeitos nefastos para um processo deliberativo que
se pretenda verdadeiramente coletivo, i. e., que envolva troca de argumentos entre
os ministros na tentativa de se construir um consenso e não apenas a apresentação
de votos construídos individualmente nos gabinetes. De início, é digno de nota
mencionar que há a possibilidade de que os próprios ministros acabem não se
lembrando do processo. Não é à toa que o Min. Marco Aurélio faz a seguinte
observação:
“O Senhor Ministro Marco Aurélio - [...] Já tinha formado convencimento a
respeito e fatalmente não me lembrarei mais dos parâmetros, em si, da
controvérsia, quando vier à balha o processo. Por isso, quis adiantar, para
deixar, em notas taquigráficas, meu ponto de vista sobre a
111
inconstitucionalidade da lei.” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j.
08.08.2007, p. 118 do acórdão; p. 30 do arquivo eletrônico).
Isso é especialmente relevante quando ocorre uma mudança de contexto que
defase um voto-vista que já foi escrito há mais tempo. É o que aconteceu com o
Min. Joaquim Barbosa, na retomada do julgamento do caso:
“A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Quanto, portanto, ao art. 19?
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa - Quanto ao art. 19, vejo um
problema, esse meu voto está preparado há mais de dois anos, já não me
lembrava de muita coisa. Temos aqui um problema em razão daquela decisão
da semana passada.
A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Daí a minha preocupação enorme,
duplamente. Primeiro, porque o Regime Jurídico Único está com a sua
vigência restabelecida, a eficácia, pelo menos, restabelecida em face da
decisão tomada aqui na última quinta-feira. E, por outro lado, porque, de toda
sorte, os servidores públicos, aqui chamados de funcionários estaduais,
tenderiam, portanto, a ter uma opção, que já não seria possível em face da
decisão tomada na última quinta-feira.
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa - Exatamente, se esse julgamento
tivesse ocorrido uma semana antes daquela decisão da semana passada, não
haveria dúvida quanto à constitucionalidade desse dispositivo porque se
trataria apenas de uma opção do servidor por uma nova relação.” (ADI
1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 152-153 do acórdão;
pp. 64-65 do arquivo eletrônico)71
71 Uma observação a ser feita sobre essa passagem é a aparente falta de sentido do diálogo. Adiante, o Min. Joaquim Barbosa opta pela inconstitucionalidade do art. 19 da lei que institui o PARANAEDUCAÇÃO. Por que todo essa discussão se o próprio Ministro teria resolvido o problema da inconstitucionalidade do dispositivo no seu voto-vista? Consta em seu voto-vista um trecho dedicado a essa norma, no qual ele não apenas menciona o vício como também cita a própria medida liminar que suspendeu o dispositivo constitucional que lhe daria suporte. Embora não haja nada a confirmar essa hipótese, acredito que o Ministro tenha liberado um voto escrito corrigido para ser anexado no acórdão. Faria sentido se, ao invés de ter votado pela inconstitucionalidade no voto-vista, ele tivesse optado pela constitucionalidade do art. 19, §3°. Nesse caso, a Min. Cármen Lúcia estaria alertando para a decisão tomada na semana anterior, e ele, tomado de surpresa, teria percebido que seu voto não contemplava o que havia sido decidido, já que fora elaborado dois anos antes. Por isso mesmo, faria sentido que ele “optasse pela inconstitucionalidade”, durante os debates. Porém, como já afirmei, essas considerações são especulações que não podem ser confirmadas pelo acórdão.
112
Entretanto, há outros inconvenientes desse instrumento, especificamente
quanto ao tipo de voto elaborado e proferido. Em geral, esses votos apresentam
mais citações doutrinárias e menos referências às posições dos outros ministros. Ao
todo, nosso universo de pesquisa conta com quatro votos-vista no Caso do
PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR) e três no Caso do monopólio dos Correios (ADPF
46). Desses, metade foi identificada por mim como relacional e metade como não-
relacional.
Como não-relacionais, destaca-se o voto do Min. Joaquim Barbosa no Caso
do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR). Além do grande período de tempo entre a
primeira sessão e a retomada do julgamento, o Ministro ainda passou muito
rapidamente pelo voto do Min. Maurício Corrêa, Relator da ação e único a votar na
primeira assentada. O resultado é uma quase completa ausência de referências ao
voto do Relator durante todo o resto do julgamento. Em outras palavras, o voto-
vista foi responsável por uma profunda ruptura na possível linha de raciocínio do
Plenário, conformando em absoluto as discussões subsequentes, como sustentei em
tópico anterior.
No mesmo caso, ainda é digno de nota o fato de que o grande intervalo entre
o início do julgamento e a decisão final terminou por gerar um constrangimento
para a Corte: como colocar na ementa que a ação não havia sido conhecida em
relação a um dos autores (CNTE), se a jurisprudência daquele momento reconhecia
a sua legitimidade? A publicação do julgado poderia gerar graves equívocos sobre a
posição do Tribunal acerca do tema. A solução encontrada foi ressaltar, na ementa,
a data em que o não-conhecimento da ação foi decidido, de modo a esclarecer que
não se tratava do entendimento predominante por ocasião do fim do julgamento.
Em relação aos votos do Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46),
novamente há um voto-vista do Min. Joaquim Barbosa. Dessa vez, porém, ele
apresenta as premissas do voto do Min. Marco Aurélio, embora não faça menção
expressa, para rechaçá-las e adotar a posição do Min. Eros Grau. O estilo do voto,
assim como no Caso do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR), é bem diferente, com
mais doutrina e maior densidade de conteúdo.
113
O voto-vista da Min. Ellen Gracie é muito breve e também retoma
fundamentos do voto do Min. Eros Grau. Assim como o voto do Min. Joaquim
Barbosa, aproxima-se muito mais de um voto não-relacional, totalmente centrado
em si mesmo, do que de um voto dialogado e construído coletivamente.
Essas considerações podem ser plenamente aplicadas ao voto reajustado do
Min. Gilmar Mendes. O Ministro reformulou praticamente todo o voto proferido na
segunda sessão, abandonando uma posição na qual considerava difícil selecionar
atividades que não estariam abrangidas pela exclusividade da União, para dar
interpretação conforme ao dispositivo legal, de modo a excluir do regime de
privilégio tudo o que não fosse “carta”, “cartão-postal”, “correspondência agrupada”
ou “selo”. Esse segundo voto serviu de base para as manifestações dos Ministros
Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, embora não tenha sido suficiente para
manter o Min. Carlos Britto na posição pela procedência parcial.
Portanto, o quarto vício do processo decisório do STF é possibilitar aos
ministros a utilização de um instrumento importante de ruptura e bloqueio de uma
dinâmica de deliberação colegiada, a fim de privilegiar a formação individual da
convicção. Não se exige que os ministros votem despreparados, o que constituiria
até mesmo uma contradição à crítica feita no item anterior, mas deve ser
ressaltada a importância de se ver esse outro aspecto do voto-vista.
3.5. Quinto vício: improdutividade dos debates
O quinto problema a ser apontado em relação ao processo decisório do
Plenário do Supremo Tribunal Federal diz respeito à improdutividade dos debates
que ocorrem nas deliberações colegiadas. Em outras palavras, embora exista um
espaço, por menor que seja, para a deliberação entre os ministros, ele não possui
grande repercussão, na medida em que o dissenso predomina nos debates.
Verifiquei a existência de 34 discussões em 26 debates nos julgados
analisados.72 É interessante notar que a maioria dos resultados terminou em
72 Alguns debates envolveram a discussão de mais de um ponto do julgamento, de tal sorte que o número de “discussões” é maior do que o número de “debates” nas quais elas foram suscitadas.
114
consenso, num total de 18, contra 16 dissensos. Os números desse universo
restrito, porém, podem não refletir exatamente a produtividade dos debates no
STF.
Da totalidade de discussões que resultaram em consenso, um número
significativo (11) teve como motivo o esclarecimento de alguma dúvida. A
observação é importante: nos casos de esclarecimento, não há necessariamente
uma contraposição de ideias e argumentos. Não há um choque de visões. Ao
contrário, verifica-se uma maior susceptibilidade daquele que pede o
esclarecimento a se unir à corrente de quem esclarece o voto.
Assim, embora se registre um maior número de consensos, essa
predominância deve ser vista com desconfiança, uma vez que ela, no máximo,
favorece o ministro a abandonar seu estado de dúvida e assumir alguma posição.
Por outro lado, o número de debates originados por “bloqueio”
(contraposição de um ministro) é bem menor (5). Dentre eles, é significativa a
quantidade de disputas originadas por alguém da corrente vencedora. Quatro são
suscitadas por alguém que restou vencedor, enquanto uma é suscitada por um
ministro vencido em parte.
Exemplos podem ser vistos nas intervenções do Min. Sepúlveda Pertence, no
Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e municipais
catarinenses (ADI 125), e do Min. Menezes Direito, no Caso do piso salarial dos
professores (ADI 4167). Na primeira, o Ministro Sepúlveda Pertence prontamente
rechaçou as ideias do Min. Carlos Britto, quando este tentou abordar um ponto que
já havia sido rejeitado pelo Ministro em seu voto. Na segunda, o Min. Menezes
Direito conseguiu mostrar para a Min. Cármen Lúcia que o fundamento do voto dele
não eram as consequências financeiras da redução da carga horária dos
professores, mas a invasão de competência estadual pela União.
De outra sorte são as manifestações que resultam em dissenso. Em sua
maioria, elas resultam de “apartes de bloqueio” (12). Dentre eles, há uma divisão
aproximadamente igual entre apartes de ministros que integram a corrente
vencedora e apartes de ministros que integram a corrente vencida. Verifica-se,
assim, que o maior problema não diz respeito à posição a que se filia o ministro
115
durante o julgamento, mas à própria ideia de se confrontar um posicionamento
contrário. Assim, se estar na corrente vencedora parece ser importante para se
alcançar o consenso após um debate motivado por bloqueio, o fracasso no
consenso independe de com quem concorde o ministro. Em outras palavras, adotar
uma posição majoritária facilita a obtenção do consenso, mas isso não quer dizer
necessariamente que ele será obtido.
Além disso, das 16 contendas que terminam em dissenso, apenas uma
resulta de um esclarecimento, o que parece corroborar a nossa hipótese de que o
grande número de esclarecimentos infla a quantidade de consensos obtidos em
Plenário.
Alguns exemplos podem ser vistos nos acórdãos analisados. No Caso do piso
salarial dos professores (ADI-MC 4167), o Min. Joaquim Barbosa interpelou o Min.
Ricardo Lewandowski, enquanto este negava a constitucionalidade das obrigações
de integralizar o piso impostas aos entes na forma de frações.
“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Nada impede que o faça
[paguem mais do que as frações impostas].
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Nada impede que o faça, mas,
aqui, é determinante, é cogente: a partir de 1° de janeiro de 2009, o
acréscimo de dois terços será pago, etc.
A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Não, será pago pelo menos isso, mas
não apenas isso.
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Mas ele pode querer pagar
menos. Pode distribuir entre esses dois anos.
A Senhora Ministra Cármen Lúcia - Menos é que não pode, para a garantia
dos professores.
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - No meu entender, aqui, o
legislador federal ingressou na autonomia financeira dos entes federados.
Quer dizer, até a determinação no sentido que deva ser pago o piso salarial,
até aí, tudo bem, pois isso está em conformidade com o artigo 206, III, da
Constituição Federal, acrescido pela Emenda Constitucional 53. Agora, como
esse valor será pago ao longo desses dois anos, é o Estado e o Município que
116
determinará, data venia.” (STF: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, j. 17.12.2008, pp. 200-201 do acórdão; pp. 44-45 do arquivo
eletrônico)
A reação do Min. Joaquim Barbosa a essa inflexibilidade foi imediata:
“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Presidente, a proposta
do Ministro Ricardo Lewandowski pode levar a uma incongruência [...]
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski - Eu estou apenas suspendendo
[o art. 3°, II].
O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Nós sabemos que há
Estados em que o professor recebe um salário mínimo ou menos. Isso
significa que, ao suspendermos esse dispositivo, nós estaremos neutralizando
o efeito que a lei procurou produzir imediatamente em relação a esses
Estados.” (STF: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j.
17.12.2008, p. 203 do acórdão; p. 47 do arquivo eletrônico)
No Caso dos Tetos Remuneratórios da Magistratura (ADI-MC 3854), o Min.
Marco Aurélio também evidenciou sua convicção sobre o não cabimento da
interpretação conforme a Constituição:
“O Senhor Ministro Marco Aurélio - Caminhar para a interpretação
conforme da Emenda n° 41/03 é emprestar uma importância muito grande à
interpretação do Conselho Nacional de Justiça. Vou adiante, para dizer que a
emenda, tal como redigida, considerado o inciso XI do artigo 37 da
Constituição Federal, não fixou um subteto para a magistratura.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Mas a interpretação conforme
não pressupõe duas interpretações corretas. Basta que haja outra
interpretação razoável.
O Senhor Ministro Marco Aurélio - Não. Para mim, não é razoável a
interpretação dada pelo Conselho.” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar
Peluso, j. 28.02.2007, pp. 778-779 do acórdão; pp. 56-57 do arquivo
eletrônico)
Portanto, o quinto vício do processo decisório do STF é a subutilização dos
debates como uma forma de discutir argumentos e contrapor posições. Embora se
verifique a grande importância desses diálogos para realizar esclarecimentos, com
117
um alto grau de efetividade, o mesmo não ocorre quando um ministro tenta rebater
a argumentação de outro.
3.6. Sexto vício: ausência de racionalidade comum
O sexto problema que se pode apontar em relação ao processo decisório do
Plenário do Supremo Tribunal Federal diz respeito à fragmentariedade inerente à
decisão, i.e., à ausência de uma racionalidade comum, no sentido de falta de uma
ratio decidendi que possa ser reconhecida no acórdão. Em outras palavras, o
processo decisório do STF facilita que várias questões sejam tratadas pelos
ministros e vários fundamentos sejam trazidos à decisão, sem que se forme uma
voz comum “da Corte”.
Os incentivos dados pelo processo decisório do Plenário do STF para que
cada ministro profira o seu voto independentemente da fundamentação dos votos
anteriormente proferidos não causa problemas apenas para os debates, como
mostrado no item anterior. Ter um voto é uma grande fonte de poder na Corte, o
que aumenta as chances de que o ministro não ceda perante as investidas de
outro. Por outro lado, a possibilidade de conceber uma fundamentação própria faz
com que os ministros não se preocupem em manter a linha de raciocínio dos votos
anteriores.
Essa hipótese, porém, não pode ser cabalmente comprovada pelo universo
de acórdãos da pesquisa. No geral, não houve fundamentos que rivalizassem com
os fundamentos trazidos pelo Relator (ou pelo inaugurador da divergência). Nos
acórdãos menos complexos, como o Caso da estabilidade excepcional dos
servidores públicos estaduais e municipais catarinenses (ADI 125) e o Caso dos
concursos notariais (ADI-REF-MC 4178/GO), não há nem mesmo o acréscimo de
novos fundamentos aos lançados pelo Relator.
De qualquer forma, acredito que os casos mais complexos, que são
justamente aqueles que evidenciam uma disputa em torno do conceito de Estado
que se defende, podem trazer indicações das divergências de fundamentação.
118
No Caso PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864), por exemplo, não se tem
claramente uma qualificação para o PARANAEDUCAÇÃO. Cada ministro trata o ente
de uma forma diferente (fundação, serviço autônomo, entidade inominada
intermediária, etc.) ou mesmo se nega a qualificá-la em alguma categoria diferente
do nome trazido pela lei (Min. Cezar Peluso).
O mesmo problema se verifica em relação ao regime jurídico. Para a maioria,
o regime parece ser mais tendente ao público do que ao privado. O Min. Sepúlveda
Pertence chega a comentar que os ministros condenavam por “ser privada uma
instituição que, na verdade, só tem o caráter privado no artigo 1º” (STF: ADI
1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 177 do acórdão; p. 89 do
arquivo eletrônico).
No Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46), por sua vez, ressalto mais
uma vez a divergência existente quanto à abrangência do privilégio conferido à
União sobre o setor postal, como já mencionado em diversas ocasiões. Vale a pena
salientar que nem mesmo um voto médio sobre a abrangência da exclusividade
pode ser inferido a partir da decisão, porque vários ministros simplesmente não se
manifestaram sobre o ponto. Essa dificuldade foi ressaltada pelos próprios ministros
quando tentaram resolver o problema do empate formado.
Mesmo que poucos acórdãos apresentem problemas para a identificação das
bases sobre as quais se sustenta a decisão, os votos individuais oferecem
dificuldades por si só. Todo o esforço empreendido no capítulo 2 dessa monografia,
de análise de questões levantadas e argumentos utilizados, decorre da inexistência
dessas informações nos julgados. Significa dizer que qualquer pessoa que se
disponibilize a estudar a jurisprudência do STF precisa buscar as razões principais
das decisões voto por voto. Mais do que isso, ela deverá dissecá-los, compará-los e
compatibilizá-los, a fim de extrair um raciocínio comum a todos.
A complexidade do trabalho é aumentada sobremaneira quando alguns votos
não constam nos acórdãos. Da mesma forma, apartes feitos em outros momentos
podem ser cancelados, gerando lacunas que tornam as pesquisas ainda mais
complicadas.
119
Portanto, o sexto vício do processo decisório do STF é a utilização de um
sistema de votos individuais que gera incentivos para que cada ministro profira o
seu voto independentemente da fundamentação dos votos anteriormente
proferidos, o que induz à formação de acórdãos caracterizados pela ausência de
uma racionalidade comum na decisão, para os quais é dificultosa a definição de
qualquer ratio decidendi da Corte. Esse problema aumenta proporcionalmente na
medida em que cresce o grau de vinculação da jurisdição ordinária à jurisprudência
constitucional desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal.
3.7. Sétimo vício: isolamento dos ministros
O sétimo problema que se pode apontar em relação ao processo decisório no
Supremo Tribunal Federal diz respeito ao individualismo que permeia a elaboração
dos votos dos ministros. Em outras palavras, os votos, em sua maioria, ou não
fazem menção a qualquer fundamento contido em outro pronunciamento, ou fazem
menções superficiais, dispensáveis ou meramente elogiosas. Não há qualquer
interação que contribua para uma opinião da Corte.
Esse último e importante vício tem relação com todos os outros. Já
mencionei, no tópico 2.3.1. (Panorama geral do universo de decisões - análise dos
votos), que identifiquei 20 votos não-relacionais (inclusive os sete votos dos
relatores), 19 votos relacionais, 13 votos em debate e 14 votos sem
fundamentação própria. Também é necessário relativizar esses números, afirmando
que grande parte dos votos relacionais servem apenas como reforço de argumentos
já trazidos por quem encabeça a corrente vencedora.
Levando o argumento às últimas consequências, haveria até 53 votos, dos
66 totais, sem qualquer confronto de ideias com os votos anteriores. Isso
evidenciaria um cenário no qual os ministros trabalham sozinhos em seus votos,
aderindo à corrente que mais se afina com suas conclusões na sessão de
julgamento. Em geral, fazem menções específicas a algum fundamento que esteja
em suas decisões, relacionando-o com o voto condutor da corrente em que se
120
inserem. Eventualmente, trazem alguma razão mais atraente para os outros
ministros.
No entanto, são poucas as vezes que esses votos conduzem à contraposição
de ideias. São apenas 8 votos desse tipo, contra 45 votos que não seguem essa
lógica (considerando os não-relacionais, os que não possuem fundamentação
própria e os relacionais de reforço).
Em relação aos votos em debates, eles já foram tratados em parte no tópico
relativo ao vício da improdutividade dos debates. Restringindo-se a análise apenas
a eles, verificam-se 9 votos de bloqueio, i. e., que buscam atacar fundamentos do
pronunciamento de outro ministro. Desses, quatro resultam em um consenso, ou
seja, na mudança de posição de pelo menos um ministro, enquanto cinco resultam
na manutenção das posições inicialmente apresentadas.
Portanto, o vício do individualismo, entendido como o processo de construção
individual de votos, sem a formação colegiada de convicção para emitir uma opinião
comum da Corte, liga-se a todos os outros. A falta de uma decisão colegiada
dificulta a busca por uma ratio decidendi comum aos diversos votos (vício da
ausência de racionalidade comum). O individualismo também estimula os ministros
a não rebaterem outros argumentos, por vezes porque ninguém conhecerá melhor
o próprio voto do que o ministro que o elaborou, por vezes porque essas discussões
se mostram infrutíferas (vício da improdutividade dos debates).
Mas não é apenas isso. Se o julgador elabora um voto próprio, ele tende a
não ter condições de tratar de questões levantadas por seus colegas, eximindo-se
de julgá-las (vício da omissão do Plenário). Poderá contornar, em alguma medida,
essa dificuldade, mas para isso terá que interromper o julgamento com um pedido
de vista. O voto-vista segue uma lógica pela qual cada ministro deve ter acesso
individualmente ao processo para formular sua própria convicção (vício da
deturpação do voto-vista). O problema disso é que os magistrados que os escrevem
tendem a ficar tão convictos de suas soluções, que deixam de atentar para o que
dizem seus pares, desconsiderando os pontos suscitados em Plenário.
Não se deve esquecer que o processo decisório do Plenário do STF, em tese,
só abre espaço para o diálogo em duas ocasiões: antes e durante a sessão de
121
julgamento (vício da sessão única de julgamento). Antes, seria possível a realização
de reuniões prévias, além de trocas informais de opiniões entre os ministros;
durante, seria possível realizar um primeiro momento de discussões sobre o caso
para então se proceder à tomada dos votos. No entanto, no primeiro caso, os
ministros formulam seus votos individualmente em seus gabinetes com seus
assessores; no segundo, não abrem muito espaço para o diálogo nas sessões de
julgamento.
Como resultado, não há nem uma pré-fixação dos pontos a serem discutidos
no julgamento, nem a vontade de debater todas as questões durante o julgamento,
de tal sorte que cada ministro realça o que lhe aparece como mais importante,
sem, no entanto, fazer qualquer explicação (vício da inconsistência da definição dos
pontos controversos).
Diante disso, só resta um questionamento: é esse o modelo decisório mais
adequado? Ele não deve ser melhorado? Concluo a monografia com algumas ideias
e propostas para o aprimoramento do processo decisório no Supremo Tribunal
Federal.
4. Conclusão
O embrião desta monografia surgiu durante as discussões realizadas durante
todo o ano de 2010 na Escola de Formação da SBDP. Perguntava-me como seria
possível que o Tribunal mais importante do país decidisse seus casos como se
fossem onze juízes monocráticos, cada qual proferindo seu voto sem que houvesse
uma voz comum a todos ou, pelo menos, à posição majoritária. Decidi, então,
buscar empiricamente os problemas práticos causados por um processo decisório
deficiente, a fim de descortinar um cenário que parecia comodamente inexplorado.
Uni-me, dessa forma, aos críticos do modelo vigente no STF, testando muitas
dificuldades por eles ressaltadas.
Escrevo novamente o que esperava encontrar nessa análise: (i) uma grande
dispersão de argumentos, com onze ministros construindo linhas de raciocínio
diferentes; (ii) falta de relação entre os votos proferidos; (iii) falta de clareza
122
quanto à definição da “opinião da Corte”, ou seja, de qual fora a decisão tomada
pelo colegiado; (iv) indícios de que os ministros votavam com uma convicção
anteriormente formada, de modo que a sessão não serviria para alterar sua
posição, mas apenas para o pronunciamento de seu voto; (v) ausência de debates
construtivos e de troca de ideias.
Não me espantei, portanto, ao me deparar com resultados como os
apresentados nos tópicos anteriores. A ausência de uma pré-determinação dos
pontos a serem julgados pelo colegiado proporciona o aparecimento de votos que
enveredam caminhos diferentes, sem uma linha condutora que convirja para um
pensamento da Corte. O fato de novas questões serem suscitadas durante o
julgamento demonstra que a possibilidade de que os ministros sejam
surpreendidos, não se aprofundem nos votos dos colegas ou desconsiderem o que
foi dito durante a sessão é uma possibilidade real.
Da mesma forma, a extração de um consenso mínimo de todos os ministros
que integram uma corrente de julgamento só pode ser realizada por meio da
dissecação de todos os votos, que, como demonstrado, não mantêm profundos
laços entre si. A presença constante de votos-vista, especialmente nos casos mais
complexos, também demonstra que os membros do Tribunal preferem formar sua
convicção individualmente, ao invés de debatê-la em Plenário, trazendo votos
prontos e mais eruditos.
Ademais, os debates se mostram pouco produtivos. A formação de consensos
só é alcançada nos momentos em que há uma propensão a isso, ou seja, naquelas
ocasiões em que um ministro só deseja esclarecer uma dúvida acerca do voto do
outro, provavelmente por ter um voto semelhante que diverge apenas em um
aspecto ou outro. Ao contrário, quando os ministros não tratam dos mesmos
pontos, é árdua a tarefa de se obter um consenso sobre o que julgar. Nem se fale
na hipótese de divergências profundas, porque nela o dissenso é esperado, embora
isso também seja fortemente influenciado pelo poder conferido pela possibilidade
de se aportar um voto individual. Apenas para efeitos de comparação e confirmação
da hipótese, e sem qualquer juízo valorativo, na Itália, onde esse aporte é proibido,
123
as decisões são tomadas por meio de acordos e concessões de todas os membros
do Tribunal.
Em relação à hipótese de que esses problemas dificultariam a compreensão
da interpretação conforme a Constituição constante no resultado final, somente um
dos sete acórdãos pesquisados corrobora essa tese. É o Caso do monopólio dos
correios (ADPF 46), no qual a ausência de uma definição sobre o conceito de carta
atrapalhou também a interpretação dada ao tipo penal de violação da exclusividade
no serviço postal. Por outro lado, em todos os outros casos não houve qualquer
divergência na interpretação que fundamentou o uso da técnica.
Na pesquisa, identifiquei como vícios mais importantes do processo decisório
da Corte os seguintes:
1) omissão do Plenário: o processo decisório é viciado, porquanto o Plenário é
excessivamente omisso para resolver questões que surgem no decorrer dos
julgamentos, não transmitindo uma mensagem clara para o seu público sobre o que
foi (e não foi) decidido pelo Tribunal;
2) inconsistência na definição dos pontos controversos: não há um critério explícito
que indique o motivo pelo qual certos pontos foram realçados, enquanto outros não
foram abordados pelos ministros, principalmente nas hipóteses nas quais eles
poderiam simplesmente acompanhar o relator, mas preferiram aportar um voto;
3) sessão única de julgamento: o processo decisório é viciado por obrigar a
resolução de todo o processo num único momento, que serve tanto para a
apresentação do caso, como para as deliberações, como, por fim, para o
julgamento final;
4) deturpação do voto-vista: o processo decisório é viciado por permitir a
interrupção das deliberações colegiadas e da sequência de votos nas sessões para
garantir que os ministros possam firmar seu convencimento individualmente;
5) improdutividade dos debates: o processo decisório é viciado por conta do
subaproveitamento das discussões ocorridas em Plenário, não havendo um espaço
verdadeiro de discussão e contraposição de fundamentos;
124
6) ausência de uma racionalidade comum: o processo decisório é viciado por
facilitar a dispersão de argumentos e a não formulação de uma única linha de
raciocínio que pode ser apontada como a base da decisão que toma - é uma
somatória de votos individuais que não se comunicam entre si;
7) isolamento dos ministros: o processo decisório é viciado por conferir excessivo
destaque aos votos individuais em vez de reforçar a colegialidade do Tribunal. Os
votos individuais tornam-se instrumentos de força nas mãos dos ministros.
Como é possível resolvê-los? É necessário distinguir dois aspectos: um
estrutural e um comportamental. Vícios como a omissão do Plenário, a deturpação
do voto-vista e a improdutividade dos debates não são apenas o resultado de um
processo decisório estruturado de maneira inadequada. Eles também são muito
influenciados pelo comportamento adotado pelos ministros nas sessões de
julgamento. Nesse sentido, a melhora da Corte nesses aspectos passa
necessariamente pela mudança de mentalidade de seus membros. Por isso, creio
ser louvável a participação do Min. Sepúlveda Pertence no Caso da estabilidade
excepcional dos servidores públicos estaduais e municipais catarinenses (ADI 125)
ou a intensidade com que a Min. Cármen Lúcia pede esclarecimentos sobre as
posições dos colegas.
O outro aspecto, estrutural, pode ser verificado nos outros vícios, como o da
sessão única de julgamento, da ausência de uma racionalidade comum e do
isolamento dos ministros. A correção desses problemas depende mais de alterações
no processo decisório do que de mudanças comportamentais dos julgadores.
Apresento aqui apenas algumas sugestões para o seu aprimoramento, com base
nas experiências de outras Cortes (ver anexo IV) e nos próprios casos analisados.
Em primeiro lugar, acredito ser imprescindível uma modificação na forma
como o procedimento se desenvolve. Outros tribunais possuem pelo menos dois
momentos para o julgamento. Há um específico para a deliberação e outro
específico para que se profira a decisão final. Isso evita que os julgadores se sintam
pressionados a resolver as questões imediatamente, conferindo-lhes tempo para
refletir sobre o caso e, se desejarem, alterarem sua posição.
125
No Brasil, por outro lado, não há qualquer ocasião própria para a deliberação.
Como foi dito, tudo deve ser resolvido numa única sessão. Efeito semelhante, no
Brasil, somente é obtido por meio do voto-vista, mas ele não traz as mesmas
vantagens. Primeiro, porque ele serve para que os ministros voltem aos seus
gabinetes e reflitam individualmente sobre a ação. Segundo, porque ele interrompe
justamente o único momento em que a Corte pode deliberar. Em outras palavras,
ele pode romper o diálogo que poderia existir na sessão, como verificado no Caso
do PARANAEDUCAÇÃO (ADI 1864/PR).
Um possível problema da divisão em dois momentos é a violação, por meio
das reuniões prévias, ao princípio da publicidade dos julgamentos, esculpido no art.
93, IX, da Constituição. Outra dificuldade, que constitui um dos principais motivos
de resistência de membros do STF à institucionalização da medida, é o
comprometimento da independência dos julgadores, que já chegariam com um voto
pronto para a sessão de julgamento.
Discordo dessas ideias. É importante ressaltar que os ordenamentos norte-
americano, austríaco, alemão, espanhol e italiano também possuem princípios que
proíbem julgamentos secretos. Isso não impede, porém, que também prevejam
sessões preliminares secretas de discussão das causas. Por outro lado, a
independência para julgar pode ser garantida mesmo com uma decisão comum à
Corte, bastando para isso a adoção de voto em separado nos mesmos moldes dos
Tribunais Constitucionais europeus ou da Suprema Corte norte-americana.
A existência de um período de tempo no qual será elaborada a decisão final
também é uma grande vantagem. Tanto nos EUA como nos países europeus, a
decisão final não é elaborada logo após as deliberações. Ela ainda pode ser
trabalhada, revista e até mesmo rejeitada, iniciando-se uma nova rodada de
opiniões. Além disso, permite-se que os magistrados alterem suas posições, em
geral, até o momento em que o que foi decidido é tornado público.
Essas experiências poderiam ser trazidas para o STF. O resultado não seria
proclamado na mesma assentada. Nesse caso, nomear-se-ia algum ministro para
redigir um esboço da decisão tomada, que poderia ser submetido à apreciação de
126
todo o Plenário para ser, por assim dizer, ratificada. A decisão, então, só passaria a
valer depois de confirmada por todos os ministros.
Uma segunda ideia interessante diz respeito à fixação dos pontos da
contenda. Como verificado, o Relator tem grande influência sobre o desenvolver do
julgamento, mas graves consequências podem se originar da falta de um voto que
faça esse papel. É o caso, por exemplo, de dois votos que debatam a fundo apenas
uma premissa, sem ingressar em outras questões que possuem repercussões
práticas, como aconteceu nos votos dos Ministros Marco Aurélio e Eros Grau, no
julgamento do Caso do monopólio dos Correios (ADPF 46-7/DF).
Observando as experiências no exterior e mesmo os elogios feitos à
sistematização do voto do Min. Joaquim Barbosa, por ocasião do Caso do piso
salarial dos professores (ADI-MC 4167), acredito que as questões a serem
debatidas podem ser previamente fixadas e enviadas junto com o Relatório para
todos os ministros. Por quê?
Como visto, os Relatórios são estruturados sempre de uma forma
adversarial. Geralmente, são apresentados os argumentos do autor e seus pedidos.
Por algumas vezes, são expostos também os argumentos da defesa. Todavia, em
nenhum momento se determina exatamente quais os “passos” que a Corte deve
seguir para resolver o caso. Nenhuma das partes está preocupada em fixar os
pontos sobre os quais se assenta a controvérsia, muitas vezes por estratégia
“advocatícia” do autor e da defesa.
Acredito que os debates ganhariam em qualidade a partir do momento em
que um ministro, o Relator ou o Presidente, ou até mesmo o próprio colegiado, em
reunião prévia exclusiva para isso, fixassem pontos sobre os quais todos os
ministros deveriam obrigatoriamente se manifestar, ou seja, pontos essenciais para
a resolução da controvérsia, mesmo que os pronunciamentos se resumissem a uma
mera negação.
Uma terceira ideia pode ser extraída da conjugação do voto do Min. Cezar
Peluso, no Caso dos tetos de remuneração da magistratura (ADI 3854-3/DF), com
as experiências estrangeiras. Trata-se da proposta de que o Relator não traga um
voto pronto, uma solução final, mas um leque de opções, de alternativas, às quais
127
os outros ministros poderiam aderir ou não. Na Itália, o Relator é responsável por
examinar os aspectos mais importantes da causa e propor algumas soluções. No
Tribunal austríaco, o Relator apresenta um esboço de decisão sobre o qual a Corte
trabalha. O que proponho, então, é que o Relator, sem prejuízo de optar por uma
ou outra solução, efetivamente traga várias alternativas que, embora diferentes,
mantenham-se dentro de sua linha de raciocínio.
Quais as vantagens disso? Vislumbro pelo menos duas. De um lado, isso
poderia fazer com que mais ministros refletissem sobre as possíveis soluções para o
caso, posto que, no mínimo, eles seriam obrigados a ponderar uma ou outra. A
abertura de um leque de opções poderia, talvez, fomentar o debate na Corte sobre
qual seria a mais conveniente ao caso. Os ministros não discutiriam a partir de dois
votos com linhas de raciocínio por vezes completamente diferentes.
De outro lado, a apresentação de mais de uma solução poderia evitar que
propostas radicalmente diferentes fossem suscitadas. É evidente que essa hipótese
nunca seria completamente eliminada, mas, diante de várias posições, algumas
mais ponderadas que outras, os ministros poderiam se sentir compelidos a dialogar,
em vez de aproveitar o poder de seu voto.
As alternativas decisórias apresentadas, porém, encontram um obstáculo
aparentemente intransponível. Trata-se da grande carga de trabalho do Supremo
Tribunal Federal, que dificulta a adoção de um procedimento que prestigie a
deliberação. Prestigiar as discussões implica necessariamente em maior
necessidade de tempo para se decidir um caso. Essa tensão pode ser verificada no
próprio universo de acórdãos estudado. O Min. Eros Grau, por exemplo, manifesta-
se no seguinte sentido, nos debates do Caso do Monopólio dos Correios (ADPF 46):
“O Senhor Ministro Eros Grau – Observo somente que temos quase mil
processos em pauta e os votos já foram dados. Teríamos que proclamar o
resultado [...].” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009,
p. 170 do acórdão; p. 151 do documento eletrônico)
Uma reforma do processo decisório do Supremo, então, não pode ser feita
sem qualquer consideração do contexto que o circunda. O que proponho aqui são
ideias, alternativas à luz de problemas que identifiquei no conjunto de casos
128
estudado. O objetivo é suscitar questionamentos especificamente sobre esse
aspecto da nossa Corte. Ficarei satisfeito se essa monografia tiver contribuído para
essa discussão no Brasil.
129
5. Bibliografia
Doutrina
BALEEIRO, Aliomar, O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido, Rio de Janeiro: Forense, 1968.
BAUM, Lawrence, A Suprema Corte Americana, trad. de Élcio Cerqueira, Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
SILVA, Virgílio Afonso da, “O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública”, Revista de Direito Administrativo, n. 250, pp. 197-227, jan./abr. 2009.
STRAS, David R. e SPRIGGS, James F., “Explaining Plurality Decisions (March 2, 2010)”, Georgetown Law Journal, Vol. 99, 2011, disponível em: http://ssrn.com/abstract=1562737. Acesso em: 03.06.2010.
Notícias
ALENCAR, Kennedy, STF faz debate prévio sobre denúncia do mensalão, Folha de S. Paulo, 19.08.2007, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/brasiliaonline/ult2307u321102.shtml. Acesso em: 04.03.2011.
BASILE, Juliano, Temas polêmicos e sucessão marcam ano do Supremo, Valor Econômico, 01.02.2010, disponível em: http://supremoemdebate.blogspot.com/2010/02/o-stf-em-2010-quais-serao-os-rumos.html. Acesso em: 03.06.2010.
CONSULTOR JURÍDICO, Peluso não vai defender férias de 60 dias em projeto, Revista Consultor Jurídico, 11.03.2010, disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-mar-11/peluso-defender-ferias-60-dias-batalha-perdida. Acesso em: 03.06.2010
HAIDAR, Rodrigo, “Se o juiz cuida do futuro, torna o passado instável”, Consultor Jurídico, 20.02.2011, disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-fev-20/entrevista-dias-toffoli-ministro-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 04.03.2011.
MACEDO, Fausto,“Nunca atuamos mediante combinação prévia”, O Estado de São Paulo, 24.08.2007, disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=447ASP015. Acesso em: 03.06.2010.
MACEDO, Fausto,“Somos 11 ilhas. Não somos amigos”, O Estado de São Paulo, 24.08.2007, disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/71579/2/complemento_1.htm. Acesso em: 03.06.2010.
MENDES, Conrado Hübner, Onze Ilhas, Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 01.02.2010, disponível em: http://avaranda.blogspot.com/2010/02/conrado-hubner-mendes.html. Acesso em: 03.06.2010.
130
RECONDO, Felipe e GALLUCCI, Mariangela, Telefonema entre Serra e Mendes gera tensão na corte, O Estado de S. Paulo, 01.10.2010, disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101001/not_imp618141,0.php. Acesso em: 04.03.2011.
131
ANEXO I
Tabela dos acórdãos segundo o critério temático
Informações
Ação Assunto Questões importantes Tema
ADC 12 NEPOTISMO Princípios da Administração
Competências do CNJ
Administração Pública
ADI 125 ESTABILIDADE,
SERVIDOR
Servidor Público
Constituição Estadual
Administração Pública
ADI 442 ÍNDICE
MONETÁRIO
Política monetária
Legislação estadual Federalismo
ADI 1194
VERBAS SUCUMBÊNCIA
Liberdade contratual
Liberdade associativa Direitos Individuais
ADI 1642
INDICAÇÃO DE MEMBRO DE
EMPRESA PÚBLICA
Separação entre Executivo e Legislativo
Empresas públicas
Organização de Poderes
ADI 1719 JECrims Irretroatividade da lei penal Direitos Individuais
ADI 2969
TAXA DE RETIRADA DE CERTIDÕES
Imunidade tributária Ordem Tributária
ADI 3188
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE SERVIDORES
Regime Público de aposentadoria
Contribuição de inativos
Seguridade Social
ADI 3255
NOMEAÇÃO PARA TRIBUNAL DE
CONTAS
Separação entre Legislativo e Executivo
Organização de Poderes
ADI 3652
LIMITES ORÇAMENTÁRIOS
Processo legislativo
Orçamento Orçamento
ADI 3688
NOMEAÇÃO PARA TRIBUNAL DE
CONTAS
Separação entre Legislativo e Executivo
Organização de Poderes
ADI 3694
CUSTAS JUDICIAIS
Taxas
Princípio da anterioridade Ordem Tributária
ADI 3772
APOSENTADORIA ESPECIAL
Aposentadoria especial de professor Seguridade Social
ADI-MC 2139
JUNTAS DE CONCILIAÇÃO NA
JUSTIÇA
Acesso à justiça
Processo trabalhista
Direitos Individuais
Organização de
132
ADI-MC 2160
TRABALHISTA Poderes
ADI-MC 3090
ALTERAÇÃO NO SETOR ELÉTRICO
Setor de Energia Elétrica
Medida Provisória Ordem Econômica
ADI-MC 3684
COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Separação de poderes
Competência judicial
Organização de Poderes
ADI-MC 3854
TETO REMUNERATÓRIO
DA JUSTIÇA
Teto remuneratório para o funcionalismo público do
Judiciário
Administração Pública
ADI-MC 4140
REGULAÇÃO DE SERVIÇOS PELO TJ
Reserva de lei e processo legislativo
Competências dos poderes
Organização de Poderes
ADI-MC 4167
PISO SALARIAL PARA PROFESSOR
Salário de professores públicos
Competência e Processo legislativo
Federalismo
Administração Pública
ADI-REF-MC 4178
CONCURSO PARA NOTÁRIO
Violação da isonomia e concursos
Administração Pública
Direitos Individuais
ADPF 46 MONOPÓLIO DOS
CORREIOS Serviço público e atividade
econômica Ordem Econômica
ADI 1864 TERCEIRO SETOR
Entidades privadas de assistência educacional
Regime jurídico do terceiro setor
Administração Pública
133
ANEXO II
Exemplo de resumo de processo em pauta para julgamento
P 7 - 4.38.1.
Ext 1.119
1. PARTES.
Requerente: Governo da República Tcheca
Extraditado: Ctirad Patrocka ou Ctirada Patocky
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
2. TEMA.
1. Trata-se de pedido de extradição instrutória e executória formulado pelo Governo da República Tcheca, com promessa de reciprocidade, do seu nacional Ctirad Patocka ou Citirada Patock, em razão de ordem de detenção internacional emitida pelo Tribunal do Bairro de Praga 6, pela suposta prática do delito de incumprimento obrigatório de alimentos, consoante o teor da Nota Verbal n° 695/2009, bem como pela pena aplicada pela Justiça da República Tcheca, decorrente da prática dos crimes de malversação e furto.
2. Decretada a prisão preventiva e interrogado o extraditando apresentou defesa na qual sustenta, em síntese: a) ocorrência da prescrição da pretensão executória, em relação à pena de três anos que lhe foi aplicada pela prática dos crimes de malversação e furto; b) falta de justa causa para procedência do abandono material. c) não preenchimento do requisito da dupla punibilidade, pela (sic) suposto crime de abandono material previsto no artigo 244 do Código Penal brasileiro.
3. O Ministro relator deferiu, em parte, pedido de revogação da prisão preventiva para fins de extradição e determinou que o extraditando fosse submetido a regime de prisão domiciliar, considerando as peculiaridades do caso concreto.
3. PGR.
Pelo indeferimento do pedido de extradição.
4. INFORMAÇÕES.
Processo incluído na pauta de julgamentos publicada no DJE em 13/12/2010.
Tese
EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA E EXECUTÓRIA. IMPUTAÇÃO DE DELITOS DE INCUMPRIMENTO OBRIGATÓRIO DE ALIMENTOS, MALVERSAÇÃO E FURTO. PRESCRIÇÃO. DUPLA PUNIBILIDADE.
Saber se a extradição preenche os pressupostos e requisitos para o seu deferimento.
134
ANEXO III
Descrição dos julgamentos analisados
1) Caso da estabilidade excepcional dos servidores públicos estaduais e municipais catarinenses: ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007.
A ADI foi distribuída em 26.10.1989 para o Min. Celso de Mello, relator da
ação no julgamento da medida cautelar, em 04.05.1990. Onze anos depois, houve
a mudança da atribuição para o Min. Sepúlveda Pertence, responsável pela relatoria
ao tempo do julgamento definitivo da ação, em 2007.73
No caso, o Governador de SC arguiu a inconstitucionalidade dos artigos 6º,
§3º, e 15 do ADCT da Constituição Estadual com base no art. 41 da Constituição
Federal de 1988 e no art. 19 de seu ADCT.74 Basicamente, a controvérsia girou em
torno da divergência entre as duas Constituições sobre o regime de estabilidade
excepcional conferida aos servidores públicos que, por terem sido admitidos antes
da nova ordem constitucional, não ingressaram no serviço de acordo com a
exigência de concurso público.
Segundo o autor da ação, os dispositivos da Constituição catarinense
violariam a Carta de 1988 em pelo menos três pontos: (i) os cinco anos necessários
para que esses servidores adquirissem essa estabilidade excepcional não eram
contados a partir da data de promulgação da CF/88; (ii) estendia-se o benefício
73 A substituição se deu com base no art. 38 do RISTF. No Acompanhamento Processual, verifica-se o seguinte despacho de autoria do Min. Celso de Mello: “A PRESENTE ADIN FOI-ME DISTRIBUÍDA, NA CONDIÇÃO DE RELATOR, EM DATA ANTERIOR À MINHA INVESTIDURA NA PRESIDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. TAMBÉM EM DATA ANTERIOR, O PLENÁRIO DESTA CORTE JULGOU O PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR ENTÃO FORMULADO. DESSE MODO, E SALVO MELHOR JUÍZO, A RELATORIA DA PRESENTE CAUSA DEVE CABER, AGORA, AO EMINENTE MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE, POR SUCESSÃO REGIMENTAL. SENDO ASSIM, ENCAMINHE-SE O PRESENTE EXPEDIENTE AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO-PRESIDENTE, COM A PROPOSTA DE QUE SEJAM REDISTRIBUÍDOS, AO SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE, OS AUTOS DA ADI 125-SC, TRANSMITINDO-SE, À ILUSTRE PRESIDENTE DO TRT/12ª REGIÃO (SANTA CATARINA), O TEOR DESTE DESPACHO”. 74 Dispõem o artigo 41 da Constituição e o artigo 19, caput, do ADCT: “Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”; “Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público”.
135
para aqueles que atingiam os cinco anos de forma alternada; (iii) estendia-se o
benefício para funcionários temporários.
O Min. Sepúlveda Pertence, em seu voto, fez um raciocínio simples: a
Constituição Estadual não poderia alargar o regime de estabilidade excepcional
estabelecido na Constituição Federal, principalmente porque se trataria de uma
exceção que deveria ser interpretada restritivamente. Assim, todos os requisitos
que apareciam em acréscimo àqueles fixados pela Carta Magna foram declarados
inconstitucionais.
Como resultado, o Ministro Relator Sepúlveda Pertence não conheceu de
parte da ação, no ponto em que se refere ao papel dos Municípios na fixação do
regime de estabilidade, uma vez que ele havia sido objeto da ADI 208, Rel. Min.
Moreira Alves, julgada improcedente. A seguir, declarou a inconstitucionalidade da
expressão “inclusive os admitidos em caráter transitório”, presente no caput do art.
6º, porque a Constituição Federal não admitiria essa hipótese. Também declarou a
inconstitucionalidade da expressão “ou que, admitido em data anterior à instalação
da constituinte, vier a preencher”, presente no art. 6º, §3º, porque não seria
permitida a aquisição da estabilidade em data futura. Por fim, declarou a
inconstitucionalidade integral do art. 15.
Logo após o voto, a Min. Cármen Lúcia iniciou sua participação com um
pedido de esclarecimento ao Relator. Perguntou se a redação do art. 6º, caput,
seria mesmo a remanescente, após o voto do Relator. Chamou atenção para a
parte em que se dispôs “em exercício na data da promulgação da Constituição há
pelo menos cinco anos”. A qual Constituição o dispositivo se referiria, à Federal ou
à Estadual? A Ministra alertou que, com o resultado do voto do Min. Sepúlveda
Pertence, o artigo se manteria incólume nessa parte, mas poderia ser
inconstitucional se interpretado no sentido de ser a Constituição Estadual.
Após essa observação, o Min. Sepúlveda Pertence suscitou a proposta de se
fazer uma interpretação conforme, a fim de se estabelecer que a Constituição a que
136
se referia o art. 6º, caput, era a Constituição Federal.75 Com esse acréscimo, a Min.
Cármen Lúcia seguiu integralmente o Relator.
O último voto disponível no acórdão é o do Min. Carlos Britto. Ele seguiu o
Relator, acrescentando apenas uma observação sobre a situação dos Municípios nos
dispositivos impugnados, parte não conhecida da ação. Essa consideração foi
prontamente rechaçada pelo Min. Sepúlveda Pertence, que afirmou já ter sido ela
objeto de julgamento na ADI 208.
O Min. Carlos Britto prosseguiu, inconformado com o fato de que a
Constituição Estadual não deu margem para que as Leis Orgânicas determinassem
o regime de estabilidade dos servidores públicos. Em resposta, o Min. Sepúlveda
Pertence afirmou que eram considerações ociosas, e que a questão a ser tratada
era apenas dos pressupostos de estabilidade excepcional.
Como resultado final, o Plenário aderiu unanimemente ao voto do Relator,
com o acréscimo da interpretação conforme ao art. 6º, caput. Nenhuma outra
manifestação além das três mencionadas pode ser vista no acórdão.
2) O Caso dos tetos de remuneração da magistratura: ADI-MC 3854-1/DF,
Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007.
A ação foi distribuída em 07.02.2007 para o Min. Cezar Peluso. O julgamento
da medida cautelar aconteceu no mesmo mês, em 28.02.2007. Ressalte-se, por
oportuno, que nessa ação o Relator atual é o Min. Gilmar Mendes, por sucessão
regimental, após a escolha do Min. Cezar Peluso para a Presidência da Corte.
O Min. Cezar Peluso afirmou que, num juízo sumário, haveria violação do
princípio da igualdade na diferenciação dos tetos remuneratórios (fumus boni iuris).
O raciocínio foi simples e se baseou em dois argumentos principais. Em primeiro
lugar, o Poder Judiciário se organizaria numa estrutura unitária, diferentemente do
75 O diálogo entre os dois ministros termina da seguinte forma: “O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tenho nada a objetar a que se explicite a restrição, como interpretação conforme. A Senhora Ministra Cármen Lúcia: Isso. Então, eu gostaria que ficasse como sendo interpretação conforme, quando se trata da Constituição, o que significa quem tivesse quatro anos na data da promulgação desta Constituição.” (STF: ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007, p. 14 do acórdão; p. 14 do arquivo eletrônico).
137
Legislativo ou do Executivo. Não haveria qualquer possibilidade de diferenciação do
regime jurídico dos juízes com base nos entes da Federação e na distinção entre
magistratura estadual e federal.
Para ele, em segundo lugar, o art. 93, V, da Constituição Federal,
determinaria que toda a magistratura estaria sujeita a um limite remuneratório no
valor dos vencimentos dos ministros dos tribunais superiores (escalonamento
vertical dos vencimentos).76 Tratar-se-ia de um subteto que se refereria aos
vencimentos dos juízes, à parte substancial do que ganham, não à remuneração
total, que englobaria vantagens. Sustentou que com a fixação, no art. 37, XI, de
tetos diferentes para a Justiça Federal e para a Justiça Estadual, a Emenda estaria
permitindo que os juízes federais pudessem ultrapassar esse subteto com
vantagens, enquanto impediria o mesmo para os juízes estaduais, cuja
remuneração global estaria adstrita à remuneração dos Desembargadores.
A argumentação do Min. Cezar Peluso, além de se basear nesses dois pilares
centrais, também realçou os problemas que essa diferenciação poderia gerar para o
prestígio da carreira estadual e afastou a ideia de que, para haver igualdade, todos
os magistrados deveriam ganhar igualmente, porque isso dependeria das condições
reais de cada Estado e da posição do juiz na carreira.
Em relação ao periculum in mora, existiria na medida em que os Tribunais já
começavam a estabelecer os tetos e subtetos remuneratórios com base na nova
disposição.
Como resultado, o Relator acolheu o pedido alternativo da autora no sentido
de conferir interpretação conforme ao art. 37, XI, na redação dada pela EC n.
76 Dispõe o art. 93, V, da Constituição, em sua redação atual, modificada pela EC n. 19/98: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º”.
138
41/03, e também ao art. 37, §12º, introduzido pela EC n. 47/05, para excluir a
submissão da magistratura estadual a um subteto diferente.77
Em seguida, votaram a Min. Cármen Lúcia e o Min. Ricardo Lewandowski.
Eles acompanharam o Relator e fizeram somente pequenas observações sobre a
impossibilidade de se tratarem os juízes a partir de fatores de discriminação
arbitrários.
A ser destacado, ambos enfatizaram o caráter nacional do Poder Judiciário e,
assim como o Min. Cezar Peluso, procuraram afastar precedente invocado pelo
Procurador Geral da República, no qual o STF decidiu que a desigualdade era
possível para o Ministério Público. A Min. Cármen Lúcia afirmou que não seria
incoerente afastar esse julgado, porque o Judiciário seria um Poder de caráter
unitário e nacional, enquanto o Ministério Público seria uma instituição permanente.
Após os dois votos, houve um momento de debates no Plenário. O Min.
Sepúlveda Pertence desejava que o Relator esclarecesse se seria possível o
tratamento das vantagens de forma diferente entre as Justiças Federal e Estaduais.
O Min. Cezar Peluso respondeu que não, e que a diferenciação entre vantagens
existiria apenas porque a estrutura das Justiças Federal e Estadual era diferente.
O Min. Sepúlveda Pertence perguntou, então, se essas vantagens seriam
individuais, porque elas não seriam mais admitidas no regime de subsídios, no qual
existia apenas uma parcela única, sem mais acréscimos. O Min. Cezar Peluso
respondeu que não, que seriam vantagens que alguns magistrados poderiam ter e
outros não, mas que seriam as mesmas para todo o Judiciário e estariam
disciplinadas na Resolução n. 13 do CNJ. Também concordou com o exemplo dado
por seu interlocutor, sobre parcelas de indenizações.
77 Dispõe o art. 37, §12°, da Constituição: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 12. Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Or gânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores.”.
139
O voto subsequente, do Min. Eros Grau, seguiu a mesma estrutura dos votos
dos ministros que acompanharam o Relator, reafirmando a ideia de que o Poder
Judiciário seria unitário e de que todos os magistrados teriam as mesmas garantias.
O julgamento ficou mais acirrado a partir do voto do Min. Joaquim Barbosa.
Ele abriu a divergência, indeferindo a medida cautelar por considerar que não havia
periculum in mora. Segundo o Ministro, a emenda já estaria em vigor por quatro
anos, afastando esse requisito. Ademais, o próprio controle de constitucionalidade
de emendas constitucionais exigiria certo cuidado nessa fase do processo.
Iniciando seu voto, o Min. Carlos Britto afirmou que tinha dificuldades para
aderir a uma das duas correntes. Perguntou se a EC n. 19/98 haveria de ser
inconstitucional ao estabelecer o escalonamento vertical “na Justiça Federal”. Em
resposta, o Min. Cezar Peluso afirmou que não havia nenhuma impugnação em
relação à EC n. 19/98.
O Min. Carlos Britto, contudo, prosseguiu seu raciocínio. Segundo ele, a
emenda foi responsável por tornar os subsídios dos ministros do STF inalcançáveis
pelos subsídios da magistratura. Antes, na redação original, havia apenas uma
proibição de excesso: os vencimentos não poderiam ultrapassar os valores pagos
aos ministros do STF.
O debate se aprofundou a partir da participação do Min. Marco Aurélio, que
ressaltou a diferença entre “escalonamento de subsídios” e “teto de remuneração”.
Pelo que se pode inferir do que o Min. Carlos Britto falou sobre a EC. 19/98 na
continuação, ele aparentemente trouxe a questão para afirmar que os subsídios
pagos aos membros da Corte haviam se tornado inalcançáveis desde então.
Avançando para a EC n. 41/03, afirmou que ela havia retomado o tema dos
limites para dispor de forma diferente entre as Justiças Federal e Estaduais.
Questionou, então, se haveria alguma violação de cláusula pétrea nessa assimetria
federativa.78 Por outro lado, considerou que seria da “ordem natural das coisas” que
78 Nessa fase do debate, destaco a participação do Min. Marco Aurélio, que expôs a sua posição de que não haveria violação quanto ao tratamento assimétrico dos subsídios. O problema seria o tratamento assimétrico de limites remuneratórios. Para salvar a constitucionalidade do artigo, o Ministro, então, lia o dispositivo como aplicável apenas aos servidores das Justiças e não quanto aos magistrados, que estariam submetidos a um teto remuneratório único.
140
os vencimentos dos ministros do STF fossem inalcançáveis. Essa ideia
fundamentaria a redução do teto da Justiça Federal aos 95% cabíveis a ela.79
Analisando essa solução, porém, creio que ela faria uma combinação
claramente indevida entre teto remuneratório (global) e limite de subsídio. Talvez a
parte do debate que seja mais representativa da confusão que imperava sobre a
diferença entre os dois seja a discussão imediatamente seguinte à manifestação do
Min. Carlos Britto:
“O Senhor Ministro Carlos Britto – A Justiça Federal tem de ficar em 95%
[dos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal]
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Não, Ministro, esse é engano
seu, porque, pela diferença estabelecida pela Emenda nº 41, os membros da
Justiça Federal podem, com vantagens acrescíveis aos subsídios, chegar até o
limite do subsídio dos ministros do Supremo.
O Senhor Ministro Carlos Britto – Excelência, o que está dito aqui [art. 93,
V, da Constituição] é que esse subsídio dos ministros dos Tribunais Superiores
corresponderá a 95%.
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Mas aqui não é subsídio,
Ministro, é remuneração.
O Senhor Ministro Marco Aurélio – Estamos a falar de teto.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Essa foi a minha inicial
perplexidade a qual o Ministro Cezar Peluso esclareceu: só há duas hipóteses
de que todo este furdunço – com a licença de Vossa Excelência, Ministro Britto,
pela bela palavra – será relevante. Uma foi a situação enfrentada no Mandado
de Segurança 24875 (Djaci Falcão e outros) em que havia vantagem pessoal
não atingida por aquela fixação provisória do que seria considerado subsídio até
que viesse a lei, porque atingia – segundo a maioria que se formou – a garantia
da irredutibilidade de vencimento. Outra, são aquelas parcelas – as chamadas
79 O voto do Min. Carlos Britto é de difícil compreensão. Parece-me que o Ministro pretendia aplicar o art. 93, V, para reduzir o teto da Justiça Federal ao limite ali fixado (95% dos vencimentos dos ministros do STF). Essa ideia parece ser corroborada por sua dificuldade inicial em aderir a qualquer uma das posições apresentadas anteriormente, haja vista que o Min. Cezar Peluso não alterou o teto da Justiça Federal, mas apenas excluiu o subteto da magistratura estadual, enquanto o Min. Joaquim Barbosa indeferiu a cautelar. Outra hipótese é de que o Ministro estivesse tratando o teto dos subsídios dos ministros dos tribunais superiores (95% dos vencimentos dos ministros do STF) como se fosse o teto dos subsídios dos magistrados (95% dos subsídios dos ministros de tribunais superiores).
141
“indenizações” e coisas que o valham – que se têm considerado alheias à
parcela única do subsídio.” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j.
28.02.2007, pp. 759-760 do acórdão; pp. 37-38 do arquivo eletrônico)
Em seguida, o Min. Cezar Peluso procurou esclarecer o ponto central da
discussão: “O que se discute aqui, Ministro, é a função dos subsídios dos ministros
do Supremo como teto de remuneração, não como teto de subsídio” (STF: ADI-MC
3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 761 do acórdão; p. 39 do
arquivo eletrônico).
Após todas as intervenções, o Min. Carlos Britto subitamente apresentou
suas duas conclusões: (i) o STF deveria ser a referência para a fixação de um teto
remuneratório; (ii) se o Judiciário era nacional, em observância ao princípio
federativo, não faria sentido distinguir os tetos das Justiças Estadual e Federal.
Como resultado, o Min. Carlos Britto acompanhou o Relator “nos termos da
primeira opção do Min. Cezar Peluso”. É um final curioso para o voto, uma vez que
não havia sido cogitada uma outra opção até então. Há duas possibilidades para
isso: ou o Min. Cezar Peluso fez alguma outra intervenção que não consta do
acórdão, ou o voto do Min. Carlos Britto foi proferido após os esclarecimentos
pedidos pelo Min. Gilmar Mendes, embora, no acórdão, esteja formalmente antes
da manifestação do colega. Em outras palavras, a organização do documento não
estaria respeitando uma ordem cronológica de participações.
A manifestação subsequente, do Min. Gilmar Mendes, foi formada por
debates sobre as conclusões do voto do Relator, como se pode verificar logo no
início de seu voto:
“O Senhor Ministro Gilmar Mendes – Senhora Presidente, eu faria
inicialmente uma pergunta ao eminente Relator. Ministro Cezar Peluso, por
favor, em relação a sua conclusão, não entendi.
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Em relação ao art. 37, XI,
abro alternativas; mas não me prendo a nenhuma delas, porque o resultado
prático, para mim, é o mesmo, em ambos.
O Senhor Ministro Marco Aurélio – A interpretação primeira do próprio
Conselho.
142
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Parto do seguinte
pressuposto: para quem vê, no art. 37, XI, um texto com várias normas,
destacaria a que estabelece a diferença de teto remuneratório, a qual
consideraria inconstitucional. Para quem acha que ali não há várias normas,
mas uma só, com múltiplas hipóteses, eu adotaria a “interpretação conforme”
para dispor que não abrange o teto remuneratório da magistratura estadual.”
(STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 765 do acórdão;
43 do arquivo eletrônico)
Em seguida, houve uma discussão sobre a própria opção de decisão pelo
Tribunal:
“O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – [...] Então,
dogmaticamente, é indiferente para mim a disposição do acórdão.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Eu já me manifesto, com maior
simpatia, pela fórmula da interpretação conforme. Porque, a meu ver, na
verdade, o artigo 93, V, resolve o problema de toda a magistratura nacional,
em termos de subsídio.
O Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator) – Eu adiro.” (STF: ADI-MC 3854-
1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 766 do acórdão; p. 44 do arquivo
eletrônico)
Os esclarecimentos, aliás, poderiam levar ao entendimento de que o Min.
Carlos Britto acompanhou o Relator para julgar a inconstitucionalidade do teto
remuneratório, uma vez que essa é a “primeira opção”. Contudo, não me é possível
fazer uma afirmação categórica, pois seu voto precedeu, na ordem do acórdão, tais
esclarecimentos.
De qualquer forma, com a adoção da interpretação conforme a Constituição,
o subteto impugnado do art. 37, XI, passaria a ser aplicado apenas aos servidores
públicos da Justiça Estadual, deixando de incidir sobre a magistratura estadual.
Esta ficaria submetida apenas ao limite de vencimentos do art. 93, V.
Prosseguindo em seu voto, o Min. Gilmar Mendes ressaltou uma segunda
preocupação: a definição sobre as vantagens tratadas pelo Relator. Ressaltou que,
no regime de subsídios únicos, elas não poderiam ser permanentes.
143
O Min. Sepúlveda Pertence compartilhou dessa inquietação e afirmou ser
muito importante deixar isso explícito. Em resposta, o Relator afirmou que não
discutira as parcelas que formariam as vantagens, ao que o Min. Sepúlveda
Pertence retrucou com uma frase de Talleyrand (em minha tradução livre): “se vai
bem sem dizer, vai ainda melhor dizendo”.
Em seguida, o Min. Gilmar Mendes ainda fez uma terceira ordem de
considerações, dessa vez sobre o controle de constitucionalidade de emendas
constitucionais. Trouxe ponderações no mesmo sentido das realizadas pelo Min.
Joaquim Barbosa, sobre a cautela com que o STF deveria proceder no exame de
emendas, especialmente em sede cautelar. Ele afirmou que gostaria de fazer
diretamente o julgamento definitivo, mas deixava essa consternação como obter
dictum, pois, diante da gravidade do caso, ela seria superável.
Por fim, afirmou que a inconstitucionalidade seria flagrante, não apenas pela
violação da isonomia, mas também por afetar o princípio federativo, pois haveria
uma quebra de unidade de um Poder nacional. Aproveitou a oportunidade para
agregar, ao voto do Relator, elementos teóricos sobre o controle de emendas.
Assim, seria um caso de violação às cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) não apenas
por causa do princípio da isonomia, mas porque a estrutura nacional do Poder
Judiciário faria parte de nosso sistema federativo. Como resultado, acompanhou a
opção pela interpretação conforme a Constituição, por ser uma forma menos
traumática de resolução do caso.
O Min. Marco Aurélio se manifestou a seguir a favor de uma terceira solução:
pela constitucionalidade da Emenda n. 41/03 e pela suspensão das Resoluções do
CNJ. Como adiantado nos debates, a leitura que o Ministro fazia do dispositivo já
excluía de antemão os magistrados. Assim, não haveria nem mesmo a necessidade
de interpretação conforme a Constituição. Errada estaria a leitura sem razoabilidade
da Constituição que o CNJ teria feito.
São muito interessantes os apartes feitos pelo Min. Sepúlveda Pertence, ao
afirmar estar quase aderindo à opção do Min. Marco Aurélio. Porém, para ele, como
ainda existiria uma dúvida razoável, seria mais recomendável optar pela
interpretação conforme a Constituição.
144
O início do voto do Min. Sepúlveda Pertence, aliás, pode revelar algum
problema no modo como o STF julga os casos. O Ministro faz a seguinte
observação:
“O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Sra. Presidente, ao contrário
dos colegas mais modernos que se podem dar a delícia de já trazer o voto
escrito à luz do material recebido, eu, rigorosamente, fui surpreendido com a
colocação em mesa deste problema. Acabei sendo surpreendido, de novo,
com a leitura que, no seu primoroso voto, o Ministro Cezar Peluso me honrou
do trecho pertinente à questão de hoje, extraído do meu voto na ADIMC nº
2.087. Surpreendi-me que, de certo modo, já tivesse prejulgado esta questão
particularmente num dos aspectos a que hoje deu nova riqueza ao voto do
Ministro Peluso e de outros que o acompanharam: o da incompatibilidade
entre uma leitura isolada do art. 37, XI, no ponto questionado, com o art. 93,
V, que, a meu ver, como enfatizei naquele precedente (ADIMC nº 2.087),
explicita, sob o prisma específico da remuneração, o princípio basilar de nossa
organização federativa, que é a unidade e o caráter nacional do Poder
Judiciário, como tem sido enfatizado, desde observação pioneira de João
Mendes, não apenas pelo plantel de notáveis juristas paulistas recordados
pelo Ministro Celso de Mello, mas por numerosos publicistas de outras regiões
brasileiras.” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 780
do acórdão; p. 58 do arquivo eletrônico)
Como contribuição, anexou para fins de documentação o voto proferido na
ADI-MC 2.087. Também acompanhou o Relator pela interpretação conforme a
Constituição.
Por fim, o último voto foi o da Ministra Ellen Gracie. Ela trouxe uma
contribuição pessoal por ter sido Presidente do CNJ: afirmou que a resolução
impugnada efetivamente resultou de uma leitura errada do julgamento que tratara
da mesma questão, mas no âmbito do Ministério Público.
Uma passagem interessante do voto da Ministra é a sua preocupação com o
resultado final que iria proclamar como Presidente: “Então, com essas
considerações, também acompanho o voto do eminente relator a quem solicito que
supervisione a proclamação para que não haja qualquer reparo posterior a ser
145
feito” (STF: ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007, p. 783 do
acórdão; p. 61 do arquivo eletrônico).
O resultado final do julgamento da cautelar teve como placar ampla maioria
pelo voto do Relator (oito ministros), inclusive pela interpretação conforme a
Constituição, com exceção do Min. Joaquim Barbosa, que indeferia a liminar, e do
Min. Marco Aurélio, que a deferia apenas em relação às Resoluções do CNJ.
3) Caso PARANAEDUCAÇÃO: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007.
A ação foi distribuída para o Ministro Maurício Corrêa em 03.08.1998. O
Relator aplicou o regime do art. 12 da Lei n. 9.868/99, que possibilita o julgamento
direto de mérito, sem necessidade de decisão sobre a cautelar. A primeira sessão
ocorreu em 12.04.2004.
O Min. Maurício Corrêa iniciou seu voto tratando a legitimidade processual da
CNTE. Decidiu pela ilegitimidade ativa, por não ser integrada por federações. Não
conheceu da ação nessa parte, no que foi acompanhado pelos demais ministros.
Analisando o mérito, seu raciocínio se baseou nos seguintes argumentos: (i)
a lei instituíra uma entidade de serviço social autônomo; (ii) entes de serviço social
seriam entes de direito privado que colaborariam com o Poder Público, ou seja,
seriam entes paraestatais que não integrariam nem a Administração direta nem a
indireta;80 (iii) o objetivo do PARANAEDUCAÇÃO seria ajudar a gestão do serviço
educacional no Estado do Paraná, não controlar as diretrizes ou os recursos
destinados ao serviço; (iv) a educação não seria um serviço indelegável; (v) a
entidade não seria totalmente desvinculada da Administração Pública, possuindo
até mesmo agentes públicos em sua composição; (vi) o regime jurídico, tanto de
80 A definição dada pelo Relator, com base na doutrina de Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella di Pietro, foi a seguinte: “os serviços sociais autônomos são entes paraestatais cujo objetivo é promover a cooperação com o Poder Público no desempenho de suas atribuições. Com personalidade de direito privado, prestam assistência ao Estado e são mantidas por meio de dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais. Estão sujeitos à prestação de contas dos recursos públicos que recebem para sua manutenção, sendo que seus servidores, sujeitos ao regime privado de emprego, equiparam-se aos funcionários públicos exclusivamente para fins de responsabilidade criminal por delitos funcionais” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 101 do acórdão; p. 13 do arquivo eletrônico).
146
licitação como de contratação de pessoal, subordinar-se-ia à lei que institui a
entidade, não sendo regime de direito público.
Como resultado, além do conhecimento parcial da ação, o Min. Maurício
Corrêa declarou a improcedência total do pedido.
Em seguida, o Min. Marco Aurélio acompanhou o voto quanto à preliminar.
Embora não conste no acórdão, é provável que o Min. Joaquim Barbosa tenha se
pronunciado depois, pedindo vista dos autos.81
Seguiram-se debates, nos quais o Min. Marco Aurélio afirmou compartilhar a
preocupação do colega sobre a existência de uma pessoa de direito privado na
Administração. Curiosamente, ele expôs o seu raciocínio sob a seguinte
justificativa: “já tinha formado convencimento a respeito e fatalmente não me
lembrarei mais dos parâmetros, em si, da controvérsia, quando vier à balha o
processo. Por isso, quis adiantar, para deixar, em notas taquigráficas, meu ponto
de vista sobre a inconstitucionalidade da lei” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício
Corrêa, j. 08.08.2007, p. 118 do acórdão; p. 30 do arquivo eletrônico).
Os debates prosseguiram com a participação do Min. Maurício Corrêa. Ele
trouxe o exemplo do Hospital Sara Kubitschek como uma mudança que deu certo,
de sorte que esse modelo atenderia à dinâmica do mundo moderno. Os Ministros
Marco Aurélio e Joaquim Barbosa se mostraram contra essa posição.
O Min. Carlos Britto questionou se entidades sociais poderiam atuar fora da
seguridade social (saúde, previdência social e assistência social). Dessa vez, os
Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso rebateram o colega, questionando-o sobre
qual o princípio que proibiria essa extensão. Vale mencionar que o Min. Carlos
Britto lançou algumas perguntas para que Min. Joaquim Barbosa respondesse no
voto-vista:
“O Senhor Ministro Carlos Britto – Ao levantar a questão, já sugiro ao
eminente Ministro Joaquim Barbosa que leve em conta esta pergunta: se 81 É o que se depreende do seguinte trecho: “O Senhor Ministro Marco Aurélio – Presidente, a preocupação do Ministro Joaquim Barbosa é a minha, porque, na verdade, verificamos, pelo texto da lei, que há uma mesclagem, uma integração de uma pessoa jurídica de direito privado na Administração Pública.” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 117 do acórdão; p. 29 do arquivo eletrônico).
147
possível – à luz da Constituição – o Estado criar um ente privado de serviço
social para transferir a ele...” (p.122 do acórdão; p. 33 do arquivo eletrônico)
“O Senhor Ministro Carlos Britto – Sim, mas a lei pode criar algo
[entidades] fora [da Administração Pública]; aliás, essa é outra pergunta.”
(STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p.122 do acórdão; p.
33 do arquivo eletrônico)
O debate terminou com uma discussão sobre o caráter dessas entidades, se
seriam endógenas ou exógenas à Administração Pública. Pela primeira posição,
afirmando que os parâmetros seriam dados pela lei, estiveram os Ministros Maurício
Corrêa e Gilmar Mendes; pela segunda posição, ressaltando o caráter privado do
ente, estiveram os Ministros Carlos Britto e Joaquim Barbosa.82
O voto-vista foi apresentado em 08.08.2007, ou seja, três anos depois do
começo do julgamento.83 O Min. Joaquim Barbosa introduziu seu voto com um
detalhado relatório do caso. Em seguida, ressaltou que os novos modelos de
Administração não poderiam significar o abandono dos princípios de direito
administrativo. Essa seria a tônica de sua participação, na qual ele admitiu o
modelo criado pela lei, mas com restrições.
Assim, o Ministro fez duas questões que deveriam nortear o julgamento: (i)
qual a natureza dos serviços sociais autônomos? (ii) é possível instituir uma
entidade desse tipo para gerir a educação?
Respondendo à primeira pergunta citou passagens doutrinárias de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto, Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella di Pietro, assim
como o Min. Maurício Corrêa fizera em seu voto. Em geral, os serviços sociais
82 Essa parte da discussão aumenta a dúvida sobre o voto do Min. Maurício Corrêa, dificultando a compreensão de qual seja a sua posição sobre o PARANAEDUCAÇÃO em relação à Administração Pública. Isso porque em diversas passagens, até mesmo frisado no voto, a lei foi considerada constitucional porque o PARANAEDUCAÇÃO seria um ente fora da Administração Pública, embora vinculado a ela por controle finalístico. Não integraria nem a Administração direta nem a indireta. Nesse caso, como o Min. Maurício Corrêa poderia se contrapor à ideia de que se trata de um ente exógeno? Essa questão, como bem salienta o Min. Gilmar Mendes, ficou suspensa para ser mais bem analisada por ocasião do voto-vista. 83 Um detalhe a ser realçado, à luz do art. 38, é a alteração do relator da ação, por conta da aposentadoria do Min. Maurício Corrêa. O Relator passa a ser o Ministro Eros Grau, por sucessão, segundo hipótese do art. 38, IV, a, do RISTF: “Art. 38. O Relator é substituído: IV – em caso de aposentadoria, renúncia ou morte: a) pelo Ministro nomeado para a sua vaga;”.
148
caracterizar-se-iam como entes paraestatais de direito privado, financiados por
contribuições parafiscais e responsáveis por uma tarefa de fomento.84
Em relação à segunda pergunta, afirmou que o PARANAEDUCAÇÃO não
substituiria o Estado em seu dever de prestar educação, já que apenas o auxiliaria
na gestão do serviço. Por outro lado, a Constituição não vedaria esse modelo de
atuação para a área educacional, pois exigiria a colaboração da sociedade com o
Estado.
O Min. Joaquim Barbosa também considerou que a regra de licitação não se
estenderia a esses entes, que se regeriam segundo o regime instituído em lei para
eles. O mesmo se aplicaria ao regime de contratação de pessoal.
Por outro lado, em acréscimo ao voto do Min. Maurício Corrêa, o Ministro fez
dois reparos à lei. Em primeiro lugar, considerou o artigo 19 inconstitucional ao
permitir que o servidor público optasse pelo regime dos servidores estatutários ou
pelo regime da CLT. Isso porque o artigo 39 da Constituição estabelecia o regime
único obrigatório. Em segundo lugar, o dispositivo legal não poderia ser lido no
sentido de que ao PARANAEDUCAÇÃO competiria manipular todos os recursos
destinados à educação. Só poderia gerir aqueles realmente destinados à própria
entidade.
Como resultado, então, o Ministro declarou a inconstitucionalidade do art. 19,
§ 3º, e conferiu interpretação conforme a Constituição ao art. 3º e ao art. 11, IV e
VII, para que fossem lidos no sentido de que o PARANAEDUCAÇÃO só poderia gerir
recursos destinados especificamente para sua finalidade.
Findo o voto-vista, seguiu-se um grande debate entre os ministros. Ele
começou com um pedido de esclarecimento, feito pela Min. Cármen Lúcia ao Min.
Joaquim Barbosa, sobre a sua solução para o art. 19, § 3º. O Min. Carlos Britto,
então, tentou uma questão um pouco mais abrangente: seria possível ao Estado
84 Sobre os serviços sociais autônomos, o Ministro se manifestou da seguinte forma: “Como se vê, os serviços sociais autônomos têm natureza muito específica, pois se destinam à gestão de determinada atividade privada, a qual, em virtude de interesse público subjacente, recebe o incentivo do Estado. Noutras palavras, destinam-se os serviços sociais autônomos a gerir e desenvolver atividades privadas, embora de algum modo incentivadas e fomentadas pelo Estado” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, p. 134 do acórdão; p. 46 do arquivo eletrônico)
149
criar uma pessoa jurídica privada fora das hipóteses de empresa pública e
sociedade de economia mista?85
A discussão passou a girar em torno da natureza desses entes. A Min.
Cármen Lúcia e o Min. Sepúlveda Pertence negaram seu caráter exclusivamente
privado. O Min. Gilmar Mendes afirmou que seriam entes públicos não-estatais, ao
que a Min. Cármen Lúcia respondeu serem estatais. O Min. Joaquim Barbosa
entendeu ser um modelo intermediário entre o tradicional (Administração Pública
direta e indireta) e o de entidades sociais autônomas.86
Em seguida, a Min. Cármen Lúcia inquiriu novamente o Min. Joaquim Barbosa
sobre o art. 19. A resposta que obteve foi curiosa:
“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa – Quanto ao art. 19, vejo um
problema, esse meu voto está preparado há mais de dois anos, já não me
lembrava de muita coisa. Temos aqui um problema em razão daquela decisão
da semana passada.” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007,
p. 152 do acórdão; p. 64 do arquivo eletrônico)
O Ministro se referira à ADI-MC 2135-4, Rel. Ministro Néri da Silveira, na qual
o STF decidira restabelecer a vigência do art. 39 da Constituição em sua redação
original, que previa o regime jurídico único, acabando com a diferenciação de
regimes dos servidores públicos na Administração direta, das autarquias e das
fundações públicas, trazida pela EC n. 19/98.87 Por conta disso, a lei do
PARANAEDUCAÇÃO não poderia fazer a diferenciação de regime para seu pessoal.
85 O modo como o Ministro introduziu o seu questionamento é bastante interessante: “Se a Ministra Cármen Lúcia me permite, eu levantaria uma questão um pouco mais abrangente. Estou aqui coletivizando uma preocupação – não tenho nenhuma opinião definitiva -, apenas, quero agitar uma ideia e compartilhá-la com os eminentes Ministros” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 146-147 do acórdão; p. 58-59 do arquivo eletrônico). Trata-se de uma manifestação que poderia evidenciar uma tentativa de fomentar um debate no Plenário. 86 Nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa: “Entendo que este modelo está a meio caminho entre o sistema tradicional e o das organizações sociais que examinamos, está muito mais próximo do modelo tradicional do que o das organizações. A entidade é inteiramente controlada pelas autoridades estaduais. O conselho é composto pelo Secretário da Educação, pelo Secretário da Fazenda, e todas as decisões são tomadas a partir de diretrizes baixadas por essas entidades” (STF: ADI 1864/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007, pp. 151-152 do acórdão; pp. 63-64 do arquivo eletrônico) 87 Eis a ementa da ADI 2135-4, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 02.08.07: “MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19, DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME JURÍDICO ÚNICO. PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE EMPREGO
150
Ainda no debate, mais duas questões foram suscitadas: (i) a possibilidade de
que o PARANAEDUCAÇÃO pudesse utilizar funcionários do quadro de servidores
públicos estaduais; (ii) a compatibilidade do modelo proposto com o setor
educacional.
Finda a discussão, a Min. Cármen Lúcia votou acompanhando integralmente
o Relator, embora tenha pedido novos esclarecimentos sobre o art. 19, § 3º.
O voto seguinte foi do Min. Ricardo Lewandowski. Ele trouxe uma nova
posição, afirmando que o ente privado que a lei criou não era integrado à
Administração Pública e tinha a natureza de uma fundação pública, uma vez que,
assim como o Min. Carlos Britto, não conseguia enxergar a possibilidade de
entidades de serviço social fora da relação capital e trabalho.
Diante dessa posição, o Min. Gilmar Mendes afirmou que o legislador tentara
aproximar esses Serviços Sociais Autônomos às Organizações Sociais, mas que
apenas através da interpretação conforme esse regime tinha sido compatibilizado.
O Min. Ricardo Lewandowski expressou preocupação pelas consequências práticas
PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE NÃO OBTEVE A APROVAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM SEPARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO TURNO, DA REDAÇÃO ORIGINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE PREVISTO PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO. SUPRESSÃO, DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO SISTEMA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL POR OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELEVÂNCIA JURÍDICA DAS DEMAIS ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL REJEITADA POR UNANIMIDADE. 1. A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS nº 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quorum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. 3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso. 4. Ação direta julgada prejudicada quanto ao art. 26 da EC 19/98, pelo exaurimento do prazo estipulado para sua vigência. 5. Vícios formais e materiais dos demais dispositivos constitucionais impugnados, todos oriundos da EC 19/98, aparentemente inexistentes ante a constatação de que as mudanças de redação promovidas no curso do processo legislativo não alteraram substancialmente o sentido das proposições ao final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. 6. Pedido de medida cautelar parcialmente deferido.”
151
de ser um serviço social autônomo (p. ex. contribuições parafiscais), ao que o Min.
Gilmar Mendes afirmou que a interpretação conforme atenuava essa natureza. Os
ministros passaram, então, a discutir a utilização do nome “serviço social
autônomo” no art. 1º da lei estadual.
O Min. Cezar Peluso votou em seguida, ressaltando que os problemas
indicados por outros ministros decorreriam de um “nominalismo”: na verdade,
interessava apenas saber que não era um ente sujeito exclusivamente ao direito
privado.
O Min. Marco Aurélio votou no sentido da inconstitucionalidade da lei, da
mesma forma que o Min. Carlos Britto havia indicado em suas participações. Isso
porque haveria uma entidade de direito privado atuando num serviço público
essencial sem as cautelas necessárias. Tal serviço público não poderia ficar a cargo
do setor privado.
Novamente surgiu uma discussão sobre o regime a que estariam sujeitos
esses entes. O Min. Marco Aurélio afirmou que era estranho um ente privado
composto por agentes públicos. Os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim
Barbosa esclareceram que seria esse controle direto da Administração Pública que
diferenciaria o PARANAEDUCAÇÃO das organizações sociais.
O Min. Gilmar Mendes, último a votar, acompanhou o Min. Joaquim Barbosa.
Chamou atenção para a ilegitimidade ativa da CNTE. O Min. Cezar Peluso suscitou a
possibilidade de se rever o entendimento sobre essa preliminar, uma vez que o
Tribunal havia mudado sua jurisprudência. Após perceberem que poderiam reviver
uma questão preclusa, os ministros preferiram deixar essa questão como obiter
dictum.
É interessante notar que não há um voto específico do Min. Carlos Britto,
mas sim manifestações em debates, nas quais ele se posicionou pela
inconstitucionalidade total da lei. Afirmou ser incompatível a existência de uma
entidade de direito privado para prestar um serviço público essencial, ainda mais
fora das hipóteses constitucionalmente previstas para isso. A modalidade de serviço
social autônomo só teria cabimento na relação entre capital e trabalho.
152
4) Caso do nepotismo: ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008.
A ação foi distribuída em 02.02.2006 para o Min. Carlos Britto, por
prevenção. Em 16.02.2006 houve o julgamento da medida liminar, que resultou no
deferimento da cautelar para suspender todos os processos em que se questionasse
a Resolução. A discussão em sede de cautelar foi profunda e exaustiva, como pode
ser demonstrado pelo tamanho do acórdão (124 páginas) e pela quantidade de
manifestações, havendo votos de dez ministros, inclusive com aditamentos,
debates e confirmações de votos. Essa observação é importante porque foi
recorrentemente trazida durante o julgamento definitivo.
De início, o Ministro Marco Aurélio apresentou uma questão de ordem,
afirmando que não constava do dispositivo decisório da medida liminar a explicação
de que a havia julgado improcedente por conta do instrumento utilizado, e não por
conta da matéria de fundo. Por isso, pedia que ficasse consignado que o Plenário
rejeitou essa preliminar suscitada por ele, para que não parecesse que ele
discordava da coibição do nepotismo.
O Relator, Min. Carlos Britto, fez um voto sucinto, remetendo-se ao seu
pronunciamento na medida cautelar. Ele apenas rememorou sua fundamentação,
afirmando que a Resolução do CNJ tinha caráter normativo primário, pois
desenvolvia os princípios contidos na Constituição. Nesse caso, o órgão exercera
bem sua competência de densificar os princípios do art. 37 da CF/88 (art. 103-B da
Constituição).88 Ademais, o controle de constitucionalidade poderia ser exercido.
Por outro lado, o Ministro afirmou que a Resolução não atentava contra a
liberdade de nomeação e exoneração de cargos de confiança, pois os próprios
88 Sobre a competência do CNJ, dispõe o art. 103-B, § 4º: “Art. 103-B. § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (...) II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;”.
153
princípios constitucionais da Administração já permitiriam extrair essa regra mesmo
sem o ato normativo.89
Como última contribuição, aplicou a técnica da interpretação conforme a
Constituição para deduzir a função de “chefia” do substantivo “direção”, presente
na Resolução. Fez isso na tentativa de cobrir qualquer brecha, uma vez que
constava na Constituição Federal a previsão de cargos de chefia, direção e
assessoramento.
Assim, o resultado do seu voto foi pela constitucionalidade da Resolução,
com o acréscimo da interpretação conforme no sentido de explicitar a sua aplicação
também às “funções de chefia”.
Em seguida, o Ministro Menezes Direito abriu a divergência no sentido da
procedência total da ação, sem a interpretação conforme. Ele também considerou
que os princípios do art. 37 seriam auto-aplicáveis independentemente de lei
intermediária, e que o CNJ seria competente para discipliná-los. Contudo, defendeu
que a Resolução era ampla o suficiente para abarcar os cargos de chefia sem
necessidade da interpretação conforme.
Por causa desse posicionamento, o Min. Gilmar Mendes perguntou ao Min.
Carlos Britto se já teria havido essa discussão no Plenário, quando do julgamento
liminar. O Relator respondeu que o voto do Min. Nelson Jobim havia sido igual ao
do Min. Menezes Direito. A Min. Cármen Lúcia observou que poderia haver chefia
sem direção, nos casos de chefia intermediária.
Apresentadas essas duas posições, apenas o Min. Marco Aurélio
acompanhaou o Min. Menezes Direito e votou pela total procedência da ação, sem a
interpretação conforme. Ressalvou seu entendimento sobre a possibilidade de o
CNJ editar atos normativos abstratos autônomos, mas afirmou que essa seria uma
possibilidade a ser discutida posteriormente, em outro caso.
89 Além dessas considerações, o Min. Carlos Britto também rechaça o argumento de violação ao princípio da separação de poderes, porque o CNJ não é órgão estranho ao Judiciário, e o argumento de que haveria violação ao pacto federativo, porque a Justiça é nacional.
154
Por outro lado, a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Ricardo Lewandowski,
Eros Grau, Cezar Peluso, Celso de Mello e Gilmar Mendes acompanharam
integralmente o Relator.
Destaque deve ser dado para a Ministra Cármen Lúcia, que também afirmou
a auto-aplicabilidade dos princípios constitucionais da Administração Pública, mas
acrescentou o princípio republicano. No mesmo sentido foi o Min. Celso de Mello,
afirmando que a concepção republicana de poder impediria a existência de um
Estado patrimonial. Os dois Ministros também afirmaram expressamente que a
vedação do nepotismo se estenderia aos outros Poderes.
Em relação à competência do CNJ, os Ministros Ricardo Lewandowski e Celso
de Mello fizeram questão de apontar o art. 103-B, § 4º, II, da Constituição como o
dispositivo constitucional que fundamenta a competência do CNJ para editar a
Resolução impugnada.
5) Caso do piso salarial dos professores: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min.
Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008.
A ação foi distribuída em 29.10.2008 para o Min. Joaquim Barbosa. A medida
cautelar foi julgada em sessão plenária no dia 17.12.2008.
O Relator, Min. Joaquim Barbosa, começou seu voto ressaltando a
importância da discussão da matéria, especialmente diante das expectativas dos
Estados com seus gastos públicos em educação. Verifica-se, por essa introdução, a
grande repercussão da matéria.
Sobre a primeira impugnação, do art. 2º, caput e § 1º, afirmou que seriam
dois os pontos a serem analisados: (i) saber se a lei federal poderia fixar a jornada
de trabalho dos professores estaduais; (ii) saber se a lei poderia fixar como
parâmetro para o piso salarial o vencimento inicial, e não a remuneração global dos
professores.
Em relação ao primeiro ponto, afirmou que não haveria qualquer
inconstitucionalidade. A indicação de uma jornada de trabalho, na verdade, serviria
155
para estabelecer um parâmetro para o cálculo do piso proporcional para outras
jornadas de trabalho.
Quanto ao segundo ponto, sem prejuízo de uma reflexão maior no
julgamento de mérito, afirmou que não haveria um risco iminente que exija o
deferimento da cautelar. Seriam dois os motivos: (i) a própria lei trazia
mecanismos de calibração que permitiriam aos Estados se prepararem
adequadamente para a implantação gradual do piso, determinando que até
31.12.2009 a remuneração global poderia ser utilizada como parâmetro para o piso
salarial dos professores90; (ii) não haveria dados suficientes para que se
conhecessem os impactos financeiros nos entes.
Sobre a segunda impugnação, do art. 2º, § 4º, rechaçou o argumento dos
autores de que a fixação de uma carga horária menor para os professores seria
inconstitucional. Seriam três os argumentos básicos: (i) embora o dispositivo não
se fundamentasse na regulamentação do piso salarial da categoria (art. 60, III, do
ADCT)91, ele estava amparado na distribuição das competências federativas; (ii)
embora houvesse a autonomia local, ela deveria respeitar as normas gerais da
Federação, e caberia à União reduzir as desigualdades regionais e melhorar a
qualidade de ensino, podendo dispor, para tanto, da carga horária dos professores;
(iii) embora houvesse a possibilidade de os entes estaduais e municipais não
conseguirem arcar com os custos, especialmente aqueles com menor capacidade
90 Embora por um erro, o Ministro cite o art. 2º, § 2º, trata-se do art. 3º, § 2º, da lei: “Art. 3º (...) § 2o. Até 31 de dezembro de 2009, admitir-se-á que o piso salarial profissional nacional compreenda vantagens pecuniárias, pagas a qualquer título, nos casos em que a aplicação do disposto neste artigo resulte em valor inferior ao de que trata o art. 2o desta Lei, sendo resguardadas as vantagens daqueles que percebam valores acima do referido nesta Lei”. 91 Dispõe o art. 60, III, do ADCT: “Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: (...) III - observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput do art. 208 da Constituição Federal e as metas de universalização da educação básica estabelecidas no Plano Nacional de Educação, a lei disporá sobre: a) a organização dos Fundos, a distribuição proporcional de seus recursos, as diferenças e as ponderações quanto ao valor anual por aluno entre etapas e modalidades da educação básica e tipos de estabelecimento de ensino; b) a forma de cálculo do valor anual mínimo por aluno; c) os percentuais máximos de apropriação dos recursos dos Fundos pelas diversas etapas e modalidades da educação básica, observados os arts. 208 e 214 da Constituição Federal, bem como as metas do Plano Nacional de Educação; d) a fiscalização e o controle dos Fundos; e) prazo para fixar, em lei específica, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica;”.
156
financeira, não havia nenhum dado sobre gastos e receitas de cada um que permita
fortalecer essa presunção.
Finalmente, sobre a terceira impugnação, a do art. 3º, o Min. Joaquim
Barbosa fez um exercício hermenêutico. Tal disposição tratava do modo como os
entes deveriam integralizar o piso salarial. O caput do artigo, ao prever que o piso
entraria em vigor a partir de janeiro de 2008, violaria a Constituição ao fazer o
aumento retroagir sem dotação orçamentária. O veto ao inciso I, que previa a
integralização de 1/3 do piso a partir de 1º de janeiro de 2008 (a lei era de julho),
não teria sido suficiente para afastar a inconstitucionalidade da lei nesse ponto.
O Ministro Joaquim Barbosa afirmou que a primeira leitura do artigo poderia
indicar que o valor do aumento seria apurado desde 2008, para vigorar em 2009.
Por outro lado, o artigo poderia ser lido diferentemente: o veto ao inciso I teria
tirado a eficácia da expressão “passará a vigorar a partir de 01 de janeiro de 2008”,
prevista no caput. Assim, no lugar da obrigação de implantar o piso a partir de
2008, tanto a apuração como a exigibilidade só existiriam a partir de 2009,
conforme os mecanismos de calibração da lei.
Como resultado, o Min. Joaquim Barbosa indeferiu a liminar em relação aos
arts. 2º, caput, §§ 1º e 4º, e emprestou interpretação conforme a Constituição para
o art. 3º, esclarecendo, a pedido da Min. Cármen Lúcia, que onde constava “a partir
de 1º de janeiro de 2008” deveria constar “a partir de 1º de janeiro de 2009”.
Fixada a posição básica do Relator, o voto subsequente, do Min. Menezes
Direito, foi o responsável por abrir a divergência. Os dois votos nortearam o resto
do julgamento, com poucas exceções, como se verá mais adiante.
Assim, em relação ao art. 2º, caput e § 1º, o Min. Menezes Direito também
não viu inconstitucionalidade em relação à jornada de trabalho, porque ela estaria
vinculada ao piso, servindo apenas para calcular outros valores proporcionalmente.
Entretanto, o Ministro não compartilhou a opinião do Relator em relação ao
uso do vencimento inicial como parâmetro para o piso. Na verdade, é interessante
que ele apontou a existência dos mesmos mecanismos legais que serviram para o
157
Min. Joaquim Barbosa indeferir a liminar como um indício de que a lei não teria
conferido prazo suficiente para que os entes se preparassem para as alterações.92
Por isso, ele apresentou como alternativa a técnica da interpretação
conforme a Constituição, no sentido de que o piso salarial deveria ter como
parâmetro a remuneração global até a data do julgamento final da ADI. Essa
solução teria a vantagem de dar tempo para os entes, no caso de a data do
julgamento ser posterior à data fixada em lei para a implementação do piso.
Destaca-se também a ponderação do Ministro de que os conceitos básicos e os
dados já poderiam estar mais bem trabalhados.93
Em relação ao art. 2º, § 4º, diferentemente do Relator, o Ministro Menezes
Direito afirmou que havia invasão de competência, pois a União não poderia
determinar a distribuição da carga horária dos professores de outros entes. Isso
seria especialmente importante em Municípios que teriam que arcar com os custos
de professores ociosos e de novos profissionais para cobrir o resto da carga horária.
Por fim, em relação ao art. 3º, o Ministro concordou com a opção do Relator
pela interpretação conforme a Constituição, elogiando-a. Seria importante fixar que
as remunerações seriam aplicadas a partir de 2009. Não seria o caso de um
aumento que retroagisse a 2008.
Os outros membros da Corte se posicionaram, em geral, por meio da
composição dos dois votos apresentados. Assim, a Min. Cármen Lúcia foi a terceira
a votar, adotando a posição do Min. Menezes Direito em relação ao art. 2º, § 4º
(deferimento da liminar), mas seguindo o Relator quanto ao art. 2º, caput e § 1º
(indeferimento). Seguiu a solução de ambos quanto ao art. 3º.
Vale destacar o diálogo entre a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Menezes
Direito, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa, durante o voto da primeira. A Ministra
afirmou que o art. 2º, § 4º, não poderia ser declarado inconstitucional somente 92 O próprio Min. Menezes Direito realça essa situação ao final de seu voto sobre esse ponto: “O Senhor Ministro Menezes Direito – Portanto, nesta matéria, pediria vênia ao eminente Ministro Joaquim Barbosa, até para utilizar o seu argumento, mas numa conclusão diversa, no sentido além do prazo para alcançar a Ação Direta de Inconstitucionalidade” (STF: ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 188 do acórdão; p. 32 do arquivo eletrônico; grifos no original). 93 O Ministro Ricardo Lewandowski faz um pequeno aparte, afirmando que o Ministro Menezes Direito não pode se esquecer de que o julgamento também poderia ocorrer antes do prazo fixado pela lei para a implementação do piso.
158
porque haveria dificuldades na contratação de novos professores para cobrir os
espaços deixados por uma carga horária menor. O Ministro Menezes Direito pediu
para ser ouvido, explicando que seu voto não se baseava nessa premissa, mas na
ideia de que não seria iniciativa federal determinar a carga horária das localidades.
O Min. Cezar Peluso também fez um aparte, afirmando que, com o art. 2º, §
4º, a lei deixaria de disciplinar o piso salarial para tratar de matéria que estaria fora
da competência da União. A Min. Cármen Lúcia, tendente a seguir essa linha de
raciocínio, desenvolveu a ideia reforçando que a lei estaria tratando de regime
funcional dos professores. Também disse que realmente desejava saber o
fundamento do voto do Min. Menezes Direito, nesse ponto, porque, em se tratando
de violação de competências, concordava com o colega.
O Min. Joaquim Barbosa percebeu, então, a necessidade de reafirmar as
posições de seu voto. Para tanto, defendeu novamente que não haveria
desproporcionalidade na redução da carga horária (premissa um) e que não haveria
dados fáticos capazes de infirmar a norma (premissa dois). Mesmo assim, não
conseguiu convencer a Ministra Cármen Lúcia, e ambos mantiveram seus votos. O
Min. Joaquim Barbosa ainda tentou defender sua posição com o argumento de que
o tema era inerente à matéria de piso salarial, porque era necessário saber o tempo
presencial de aula.
A seguir, o Min. Ricardo Lewandowski acompanhou o Min. Menezes Direito
quanto aos dispositivos impugnados no art. 2º. Contudo, além de conferir a
interpretação conforme a Constituição dada pelo Relator ao caput do art. 3º, ele
deferiu a cautelar em relação ao art. 3º, II. Segundo o Ministro, a lei, ao fixar em
frações o modo como os entes deveriam atingir o piso salarial, estaria ferindo a
autonomia que eles têm para determinar como integralizar o aumento dos valores
de remuneração dos professores.
Novamente, houve uma reação dos outros ministros. O Min. Joaquim Barbosa
afirmou que não havia norma que impeça alguma disposição em contrário, e que as
frações representariam um mínimo. O Min. Ricardo Lewandowski respondeu que se
os entes quisessem pagar menos, não poderiam, ao que a Min. Cármen Lúcia
rebateu dizendo que as frações seriam uma garantia aos professores. O Min.
159
Joaquim Barbosa ressaltou a incongruência da solução do seu colega, pois
retardaria o objetivo da lei.
O Min. Eros Grau acompanhou “o substancial voto do Ministro Joaquim
Barbosa, com o adendo a ele aportado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito”. O que é mais interessante na sua breve participação é a sua resignação
em não poder ter sido o primeiro a votar, afirmando que desejava ter falado várias
coisas que foram ditas pelos outros ministros, em especial contra a alegação dos
autores de violação da proporcionalidade.
O Min. Carlos Britto acompanhou integralmente o Relator. Ele adicionou
alguns argumentos interessantes à fundamentação, como a análise do federalismo
cooperativo no tema da educação. Por isso, para ele, a disciplina da carga horária
seria concretização do art. 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional94.
Um momento muito importante do julgamento, pelo menos sob o prisma da
análise dessa pesquisa, ocorreu depois do voto do Min. Carlos Britto, no momento
em que a Min. Cármen Lúcia e o Min. Eros Grau se ausentaram do Plenário. Tratou-
se de uma questão de ordem levantada pelo Min. Marco Aurélio, na qual ele
desejava o adiamento da sessão por falta de quorum para a declaração de
inconstitucionalidade. Segundo o Ministro, a sessão só contava com sete
julgadores, sendo que alguns ministros ainda teriam que se ausentar.
O debate foi muito interessante porque tocou diretamente a questão da
deliberação nas sessões de julgamento. O Min. Gilmar Mendes ponderou que os
ausentes já haviam se manifestado, ao que o Min. Marco Aurélio respondeu que o
quorum seria exigido também durante as discussões, porque os ministros poderiam
mudar de ideia:
“O Senhor Ministro Marco Aurélio - Sim, mas acontece que no julgamento,
a qualquer momento, aqueles que já se manifestaram podem reajustar o
voto. E, ausentes, haverá a impossibilidade física. Por isso é que se exige o
94 Dispõe o art. 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no tocante à questão posta: “Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: (...) II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - piso salarial profissional; (...) V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho.”.
160
número de oito para o início e o término do julgamento, chegando-se ao
resultado por maioria qualificada. Isso sempre foi observado na Corte.” (STF:
ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008, p. 214 do acórdão;
p. 58 do arquivo eletrônico)
Em resposta, o Min. Gilmar Mendes, corroborado pelo Min. Carlos Britto,
afirmou que quem se ausentava da sessão renunciava ao seu direito de mudar de
ideia. Questionado pelo Min. Marco Aurélio, afirmou que, em tese, um julgamento
poderia prosseguir só com dois ministros, se faltassem apenas esses dois votos. O
resultado foi a rejeição da questão de ordem pelo Plenário.
Prosseguindo o julgamento, o Min. Cezar Peluso acompanhou integralmente a
posição do Min. Menezes Direito. Ele trouxe um argumento que reforçava a
interpretação conforme a Constituição dada ao art. 2º, caput e § 1º, ao afirmar que
o estabelecimento de um piso remuneratório procurava garantir um mínimo
existencial aos professores. Referiu-se à remuneração global, que não poderia ficar
abaixo desse mínimo, independentemente da maneira como ela é composta. Aliás,
o Ministro ressaltou que, exceto o Min. Carlos Britto, os outros não aprofundaram o
tema da natureza jurídica do piso salarial (mínimo existencial).
É interessante notar que o Min. Cezar Peluso considerou que sua posição não
diferia muito da adotada pelo Relator. Isso porque o Min. Joaquim Barbosa
aproveitou o dispositivo legal que permitia o uso da remuneração global como
parâmetro até 31.12.2009. Acrescentou, porém, a solução prática do Min. Menezes
Direito, estendendo esse prazo até o julgamento definitivo. Caso contrário, haveria
graves consequências orçamentárias para os entes.
Outro ponto interessante diz respeito à argumentação esposada pelo Ministro
Cezar Peluso a favor da constitucionalidade do art. 3º, numa clara resposta à
proposta do Min. Ricardo Lewandowski. O art. 3º teria sido criado em benefício dos
Estados e Municípios, pois, caso não existisse, o piso poderia ser exigido
imediatamente.
O voto do Min. Marco Aurélio seguiu em sentido contrário de todos os outros,
deferindo a liminar tal como pleiteada. Segundo o Ministro, haveria
inconstitucionalidade formal da lei em todos os pontos nos quais ela disciplina o
161
regime jurídico dos servidores estaduais e municipais (professores). Caberia aos
Estados e Municípios tratarem dos seus respectivos servidores. Além disso, os
dispositivos seriam materialmente inconstitucionais por imporem encargos que não
poderiam ser arcados pelos entes. O mesmo valeria para o art. 2º, § 4º, que
exigiria a contratação de muitos professores para cobrir a carga horária reduzida.
Finalmente, o Presidente, Min. Gilmar Mendes, apenas acompanhou o Min.
Menezes Direito, sem maiores considerações.
6) Caso do monopólio dos Correios: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009.
A ação foi distribuída em 14.11.2003 para o Min. Marco Aurélio, e trazida a
julgamento no dia 15.06.2005. Sucessivos pedidos de vista só permitiram a sua
conclusão em 05.08.2009.
O Min. Marco Aurélio elaborou um profundo voto, cuja fundamentação pode
ser sintetizada em algumas ideias principais: (i) a mudança de contexto histórico
envolveria uma nova opção para a forma pela qual o Estado desempenha suas
funções, abrindo espaço para a livre iniciativa e para o mercado; (ii) nesse novo
modelo, a atuação do Estado na atividade econômica lato sensu só se justificaria
pela falta de empresas para prestá-lo ou por interesse público (princípio da
subsidiariedade); (iii) seria indiferente saber se o serviço postal é serviço público ou
atividade econômica, uma vez que mais importante seria saber que a forma como é
prestado é uma opção política, até porque o conceito de serviço público seria
variável; (iv) por outro lado, as hipóteses de atuação direta do Estado e de
monopólio seriam expressamente trazidas pela Constituição e não poderiam ser
alargadas, sob pena de violar-se a livre iniciativa. O serviço postal não seria uma
delas.
Em conclusão, o Min. Marco Aurélio enquadrou o serviço postal na categoria
de serviços não-exclusivos do Estado, a serem prestados em regime de
162
concorrência com os particulares.95 Por isso, votou pela não-recepção do art. 9º da
Lei 6.538/78 pela Constituição.
Em seguida, o Min. Eros Grau emitiu seu voto no sentido contrário, pela
improcedência total da ação. Primeiro, o Ministro distinguiu as categorias de
serviços públicos e de atividade econômica em sentido estrito. A atividade
econômica seria norteada pelos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência,
convivendo com a possibilidade de monopólios apenas em hipóteses taxativas. Os
serviços públicos, por sua vez, só poderiam ser prestados em regime de livre
iniciativa se a Constituição for expressa nesse sentido, caso contrário haveria
exclusividade de prestação pelo Estado.
Assim, como o serviço postal seria um serviço público, e como a Constituição
não possibilitaria a livre concorrência no art. 21, X, ele deveria ser prestado em
regime de privilégio. O regime de privilégio, em regra, atribuiria a exclusividade de
exploração ao Estado, impedindo que os particulares pudessem fazê-lo.
Além disso, o Ministro procurou rebater o Relator num ponto delicado. O Min.
Marco Aurélio havia usado um parecer (não publicado) no qual o Min. Eros Grau
defendia uma posição diferente, pela constitucionalidade da prestação dos serviços
postais por particulares, nos termos do Projeto de Lei 1.491/99.96 Por isso, o Min.
Eros Grau sentiu a necessidade de explicar que aquela não era a sua posição no
julgamento, porque não estavam diante do projeto de lei que era o objeto do
parecer, mas da própria Lei Postal vigente. Além disso, sustentou que a
Constituição exigia um Estado forte e vigoroso para concretizar os preceitos de seus
arts. 1° e 3°.
95 O Min. Marco Aurélio apontou quatro categorias de atividades do Estado: atividades estratégicas (primeiro setor); atividades próprias e exclusivas do Estado (segundo setor); serviços não-exclusivos (terceiro setor); produção para o mercado (quarto setor). Assim como a prestação de serviços de saúde, de educação ou de telecomunicação, o serviço postal estaria englobado no terceiro setor. 96 Tratava-se de um parecer emitido por Eros Grau quando, em 2000, foi chamado a pedido da própria ECT para opinar sobre o projeto de Lei 1.491/99, que procurava abrir o serviço postal à iniciativa privada. O professor se manifestou positivamente, em relação à constitucionalidade da prestação dos serviços postais em regime privado ou regime duplo (privado e público).
163
Por fim, entendeu que o âmbito de abrangência do serviço postal estaria
delimitado pelos arts. 7° e seguintes da Lei 6.538/78.97 Esse ponto é importante
para o futuro do julgamento.
Em voto-vista apresentado no dia 17.11.2005, o Min. Joaquim Barbosa
delimitou a sua manifestação a dois pontos: (i) qual a natureza do serviço postal?
(ii) Qual a extensão da atividade do Estado nesse serviço?
Em relação à primeira questão, o Ministro afastou a natureza de atividade
econômica e todas as consequências dessa classificação (aplicação do princípio da
livre iniciativa, previsão de monopólios, etc.). O serviço postal seria apresentado
como serviço público, de titularidade do Estado. Não seriam aplicados os
dispositivos sobre a ordem econômica, mas os princípios do serviço público. Além
disso, o Ministro acrescentou a esses fundamentos a ideia de que o serviço postal
seria importante para a integração nacional.
No que toca à segunda questão, o serviço postal seria um serviço público em
regime de privilégio. Isso porque haveria atividades lucrativas e atividades não-
lucrativas nesse setor, e não teria cabimento deixar à iniciativa privada apenas as
tarefas que dariam lucro. Sobre a abrangência do regime de privilégio, o Ministro
apontou o próprio art. 9° da Lei 6.538/78, afirmando que entendia por carta (art.
9°, I) inclusive a correspondência comercial (boletos e notificações para cobrança
de débitos).
Em seguida, votou o Min. Carlos Britto num terceiro sentido, pela
procedência parcial. Basicamente, afirmou que o serviço postal seria serviço público
que não poderia ser trespassado em nenhuma hipótese para a iniciativa privada. 97 Dispõe a lei, em seus arts. 7° e 8°: “Art. 7º - Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento. § 1º - São objetos de correspondência: a) carta; b) cartão-postal; c) impresso; d) cecograma; e) pequena - encomenda. § 2º - Constitui serviço postal relativo a valores: a) remessa de dinheiro através de carta com valor declarado; b) remessa de ordem de pagamento por meio de vale-postal; c) recebimento de tributos, prestações, contribuições e obrigações pagáveis à vista, por via postal. § 3º - Constitui serviço postal relativo a encomendas a remessa e entrega de objetos, com ou sem valor mercantil, por via postal. Art. 8º - São atividades correlatas ao serviço postal: I - venda de selos, peças filatélicas, cupões resposta internacionais, impressos e papéis para correspondência; II - venda de publicações divulgando regulamentos, normas, tarifas, listas de código de endereçamento e outros assuntos referentes ao serviço postal; III - exploração de publicidade comercial em objetos correspondência. Parágrafo único - A inserção de propaganda e a comercialização de publicidade nos formulários de uso no serviço postal, bem como nas listas de código de endereçamento postal, e privativa da empresa exploradora do serviço postal.”.
164
Contudo, a exclusividade só atingiria a entrega de correspondência, por causa da
garantia ao sigilo de correspondência. “Correspondência” seria a epistolar e
telegráfica. Embora o Ministro se mostrasse preocupado pela inexistência de um
conceito de “correspondência epistolar e telegráfica”, sustentou que ela seria a
comunicação de caráter privado entre as pessoas, excluindo-se as de caráter
mercantil.
Mais dois votos foram proferidos na sessão: o Min. Cezar Peluso acompanhou
integralmente o Relator, enquanto o Min. Gilmar Mendes concluiu pela procedência
parcial, julgando a não-recepção dos arts. 42, 43, 44 e 45 da lei (tipos penais).
Posteriormente, o último voto seria reajustado. O julgamento foi interrompido pelo
pedido de vista da Ministra Ellen Gracie.
No dia 12.6.2008, quase dois anos e meio depois do pedido de vista, o caso
foi retomado. A Ministra Ellen Gracie fez uma primeira observação importante: a
autora da ação tentava obter uma interpretação favorável para o conceito de carta.
Porém, isso implicava retirar dos Correios a exclusividade de toda a parte lucrativa
do serviço e deixar apenas a parte deficitária para estatal.
Ela acompanhou o voto do Min. Eros Grau, assim como sua fundamentação.
Considerou que o serviço postal não seria atividade econômica, sendo norteado por
outros princípios. Da mesma forma, seria um serviço público exclusivo da União.
Mais uma vez houve uma interrupção, dessa vez por conta de pedido de vista
do Min. Menezes Direito. Pelo que se verifica no acompanhamento processual, o
Ministro se declarou suspeito para julgar, e o processo retornou ao Presidente, Min.
Gilmar Mendes.
O caso foi novamente trazido a julgamento em 03.08.2009. De início, o Min.
Gilmar Mendes reajustou o seu voto para, mantendo a procedência parcial da ação,
conferir interpretação conforme a Constituição à lei e excluir do serviço postal
alguns elementos que poderiam estar compreendidos. Em outras palavras, dentre
aquelas atividades enumeradas como atividades postais, ele selecionou quais
seriam serviços públicos sujeitos a privilégio e quais não seriam. É interessante
notar que ele havia se manifestado de forma diferente no voto reajustado:
165
“O Senhor Ministro Gilmar Mendes - É extremamente difícil, a priori,
dizer que todos os aspectos hoje constantes dessa lei traduzem autêntica
interpretação desse conceito de serviço público, ou de atividade monopolista.
Não significa que o legislador não possa vir a lhe dar uma nova conformação;
mas me parece extremamente difícil que nós, a partir de uma perspectiva
lógica, logremos identificar atividades que não integrem esse conceito, tendo
em vista a complicada e difícil engenharia institucional que se faz para a
atuação desse serviço.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j.
05.08.2009, p. 116 do acórdão; p. 97 do arquivo eletrônico; grifos no original)
Verifica-se, portanto, que o maior tempo de contato que ele teve com o
processo foi importante para que ele trouxesse um voto mais aprofundado e mais
complexo, no sentido de distinguir atividades que integrassem o privilégio da União
e outras que não o integrassem.
Em síntese, o Ministro afirmou que a ECT era uma empresa pública
prestadora de serviço público, e que esse serviço seria peculiar pela exigência de
universalização. Para ele, o problema residiria em saber qual a abrangência do
serviço postal, pois o conceito legal de carta seria excessivamente amplo (art. 47).
Por conta disso, caberia uma redução teleológica da norma para que fossem objeto
de monopólio apenas as cartas, os cartões postais, a correspondência agrupada e a
fabricação de selos.
Ademais, em relação ao art. 42, que criminalizava a exploração da atividade
postal, o dispositivo deveria ser lido em consonância com o art. 9º da lei, de modo
que o tipo penal ficasse restrito à nova abrangência do serviço postal.98
Um ponto curioso diz respeito à posição do voto na sequência do acórdão.
Ele está ao final do acórdão, depois de todos os outros, inclusive aqueles proferidos
em sessão posterior (a de 05.08.2009), como pode ser conferido na ordem de
98 Dispõe o art. 42 da lei: “VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO Art. 42º - Coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União, ainda que pagas as tarifas postais ou de telegramas. Pena: detenção, até dois meses, ou pagamento não excedente a dez dias-multa. FORMA ASSIMILADA Parágrafo único - Incorre nas mesmas penas quem promova ou facilite o contra bando postal ou pratique qualquer ato que importe em violação do monopólio exercido pela União sobre os serviços postais e de telegramas.”
166
votação relatada no Extrato da Ata. Trata-se de um erro grave que pode acarretar a
dificuldade na compreensão de todo o acórdão.
Também foi interessante a participação do Min. Carlos Britto, quando disse
que o Min. Gilmar Mendes confirmou a necessidade de se definir o que é serviço
postal e qual é o seu objeto:
“O Senhor Ministro Carlos Britto – Ministro Gilmar Mendes, eu também
assentei no meu voto a natureza pública do serviço postal e do correio aéreo
nacional, até porque a Constituição assim o diz literalmente. São dois serviços
excluídos do mercado, porque, na medida em que próprios da União, estão
fora das relações de comércio. Tudo o que é próprio da União é de natureza
pública. E a Constituição deixa isso clarissimamente posto: ‘Art. 21 –
Compete à União: X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;’. No
meu voto, tive o cuidado de dizer que o fazia ainda na base do experimento,
da inclinação. Não estava muito seguro do amadurecimento de um ponto de
vista e concitava a Corte a um pensamento coletivo. Com o voto de Vossa
Excelência, robustece em mim a ideia de que realmente é preciso definir o
que seja serviço postal. O que não se compreender na definição de serviço
postal está fora do conceito de serviço público. Por isso que Vossa Excelência
falou do boleto, de jornal.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j.
05.08.2009, p. 134 do acórdão; p. 114 do arquivo eletrônico)
Seguiram-se dois votos muito valiosos sob o ponto de vista dessa pesquisa.
A Min. Cármen Lúcia e o Min. Ricardo Lewandowski fizeram menções aos Ministros
que os precederam, deixando de proferir votos escritos, como pode ser visto nos
seguintes trechos:
“A Senhora Ministra Cármen Lúcia – Eu tenho um voto breve, escrito. Não
vou ler, apenas explicá-lo. Li todos os votos. O cuidadosíssimo, o primoroso
voto do Ministro-Relator – primoroso em todos, mas, neste aqui, de uma
forma muito especial, alongada, minudente, pelo que me desculpo
sobremaneira por dele divergir.” (p. 137 do acórdão; p. 118 do arquivo
eletrônico)
“O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Senhor Presidente, ouvi
atentamente o relatório feito por Vossa Excelência e os distintos argumentos
alinhados. Peço vênia aos eminentes Colegas para me alinhar à posição do
167
ilustre Ministro Carlos Britto e também à de Vossa Excelência, que são, de
certa maneira, convergentes.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j.
05.08.2009, p. 139 do acórdão; p. 120 do acórdão)
Cabe ressaltar, por oportuno, a opinião do Min. Ricardo Lewandowski de que
a posição do Min. Gilmar Mendes seria convergente com a posição do Min. Carlos
Britto. É uma opinião importante, haja vista que, posteriormente, se verificaria uma
curiosa mudança nessa convergência.
Ao final dos votos, o Min. Gilmar Mendes afirmou que o Plenário estava
diante de uma situação peculiar: havia um empate na decisão final. Isso porque
cinco ministros haviam votado pela total improcedência da ação, enquanto cinco
ministros tinham votado pela procedência em alguma parte (quatro pela
procedência parcial e um pela procedência total).
O Min. Eros Grau fez duas objeções à ideia de empate: (i) os cinco votos
médios não poderiam se opor aos cinco votos cheios;99 (ii) mesmo que se
opusessem, seria possível considerar que a procedência parcial equivaleria a uma
improcedência parcial, aproximando-se da maioria e não da procedência.
O Ministro Marco Aurélio, que se encontrava isolado na posição pela
procedência total, afirmou que o segundo raciocínio seria inviável. O Min. Eros Grau
respondeu que não, porque, no fundo, a Corte estaria mantendo o privilégio no
serviço postal em maior ou menor grau.
O debate continuou com a afirmação, formulada pela Min. Ellen Gracie, de
que não haveria maioria formada na Corte sobre o conceito de carta. Da mesma
forma, questionou-se como resolver o problema do empate, uma vez que, segundo
o Min. Eros Grau, seriam necessários seis votos para que a lei não fosse
recepcionada. A solução encontrada foi a suspensão do julgamento.
Retomado dois dias depois, em 05.08.2009, o Min. Cezar Peluso sugeriu que
a solução fosse a aplicação do art. 97 da Constituição, que exigia a maioria
absoluta para a declaração de inconstitucionalidade (ou revogação, no caso) da lei.
O que se verificava na Corte, àquele tempo, era uma situação de empate
99 O Ministro entende como votos médios aqueles que coincidem em parte do resultado, enquanto os votos cheios são aqueles que coincidem totalmente no resultado.
168
qualitativo: nove votos aceitavam a recepção da lei quanto às cartas; cinco votos
aceitavam a recepção quanto ao restante; cinco votos não aceitavam a recepção
quanto ao restante.
O Min. Gilmar Mendes questionou a solução, afirmando que, se não houvesse
seis votos pela constitucionalidade ou pela inconstitucionalidade, a decisão não
seria dotada de efeitos vinculantes. O Min. Marco Aurélio sugeriu outra solução, no
sentido da aplicação analógica da regra do mandado de segurança: em caso de
empate, haveria a manutenção do ato do Presidente do STF, ou seja, a posição do
Presidente passaria a ser a vencedora.
O Min. Carlos Britto ressaltou que a sua posição aproximava-se mais do voto
do Min. Eros Grau do que da posição do Min. Marco Aurélio, pois ele considerava
que o serviço postal era serviço público. O Min. Gilmar Mendes perguntou se essa
posição significava uma redução teleológica da Lei, ao que o Min. Carlos Britto
respondeu que seu voto apenas excluiu encomendas e impressos do conceito de
serviço postal.
Nesse momento, o advogado fez uma importante intervenção:
“O Sr. Advogado - Os serviços ditos pelo Ministro Carlos Britto, eles já não
integram o monopólio dos correios - entrega de jornais, revistas, periódicos.
Já não são considerados monopólio. De fato, os correios, eles não são
exclusivos nesse serviço que Vossa Excelência mencionou.
O Senhor Ministro Carlos Britto - Tanto melhor.” (STF: ADPF 46-7/DF, Rel.
Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009, p. 163 do acórdão; p. 144 do arquivo
eletrônico)
É interessante o alerta da Min. Ellen Gracie: como a petição inicial admitia o
monopólio dos Correios para atividades relacionadas a cartas, excluir encomendas e
impressos do serviço postal corresponderia à procedência total da ação. Seguiu-se
uma série de críticas à redução promovida pelo Min. Carlos Britto, que não
abrangeria outras situações existentes, como talões de cheque, boletos, carnês.
Novamente o Min. Gilmar Mendes questionou se o Min. Carlos Britto entendia
que o art. 47 da Lei (conceito de carta) seria válido. O Min. Carlos Britto afirmou
que sim, e que não compreenderia encomendas e impressos. Assim, ele alterou a
169
posição esposada no voto anterior: em vez de excluir toda a correspondência
mercantil do âmbito do serviço postal, ele afastou apenas encomendas e impressos,
que já estavam fora do monopólio.100
A grande guinada no julgamento ocorreu logo em seguida, pois o Presidente
proclamou que havia maioria formada no sentido da improcedência da ação,
surpreendendo o Min. Joaquim Barbosa e o próprio Min. Carlos Britto. Segundo o
Min. Gilmar Mendes, seu próprio voto reduzia o serviço postal às cartas, cartões
postais e correspondência agrupada, no que teria sido acompanhado pelos Ministros
Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, mas não pelo Min. Carlos Britto, que incluía
no serviço postal tudo o que não fosse encomendas e impressos.
Após a intervenção da advogada dos Correios, Sra. Maria de Fátima Morais
Seleme, no sentido de esclarecer que tanto o serviço de entrega de encomendas
como o serviço de entrega de impressos não eram abrangidos pelo privilégio
conferido à União, o Plenário chegou à conclusão de que o Min. Carlos Britto
mantinha a legislação exatamente como estava. Assim, a Corte decidiu pela
improcedência da ação.
Na sequência, o Min. Ricardo Lewandowski afirmou que seria necessário
deixar explícito o âmbito de incidência do tipo penal. O Min. Eros Grau ponderou
que nem ele nem o Min. Joaquim Barbosa haviam votado sobre a questão. O Min.
Cezar Peluso sustentou que não fazia parte do julgamento o art. 42, porque ele
incidiria sobre a parte exclusiva do serviço postal.
Mesmo assim, o Min. Gilmar Mendes ressaltou que a excessiva vagueza do
tipo penal poderia levar à sua inconstitucionalidade. Percebe-se, então, que, se
havia uma maioria quanto à questão substancial, não havia uma maioria quanto à
aplicação do tipo penal.
Apesar das manifestações do Min. Eros Grau, no sentido de que seria um fato
inusitado a reabertura da discussão para que a Corte decidisse sobre o tipo penal, o
100 Uma das justificativas para isso, apresentada posteriormente, seria a força dos argumentos econômicos trazidos pela Min. Ellen Gracie, no sentido de que os Correios ficariam prejudicados se perdessem o privilégio sobre a parte mais rentável do serviço.
170
Min. Gilmar Mendes conseguiu apoio para acrescentar ao dispositivo decisório uma
interpretação conforme a Constituição que vinculasse o art. 42 ao art. 9º da Lei.
7) Caso dos concursos notariais: ADI-REF-MC 4178/GO, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 04.02.2010.
Distribuída a ação durante as férias do Tribunal, o pedido de liminar foi
deferido pelo então Presidente, Min. Gilmar Mendes. Posteriormente, o Min. Cezar
Peluso foi nomeado Relator para a ação, levando a cautelar para referendo em
Plenário. Ressalte-se, por oportuno, que o atual Relator da ação é o Min. Gilmar
Mendes, em substituição ao anterior, por conta da escolha do Min. Cezar Peluso
para Presidente da Corte (art. 38, RISTF).
O voto do Relator apresentou um raciocínio simples. Ao dispor sobre os
títulos passíveis de apreciação na prova de títulos dos concursos, todos os incisos
trariam hipóteses que instalariam uma desigualdade entre os candidatos,
favorecendo aqueles que já desempenhavam uma função notarial ao tempo do
concurso.
A única exceção seria o inc. V, cuja inconstitucionalidade não estaria no título
em si, mas no valor atribuído a ele. Nesse caso, o Min. Cezar Peluso desenvolveu o
entendimento no sentido de que a aprovação anterior em concurso notarial deveria
ser considerada de forma autônoma, separada da aprovação anterior em concurso
de carreira jurídica. Porém, a ela não poderia ser atribuído um número maior de
pontos, sob pena de violação da igualdade.
Outro aspecto da decisão do Presidente referendado pelo Ministro Relator foi
a distinção entre concursos de ingresso e concursos de remoção. No segundo caso,
o período de tempo no qual o candidato desempenhou atividade notarial poderia
ser computado desde o início do ingresso na carreira, sem violação à igualdade.
Assim, conferiu-se interpretação conforme a Constituição à Lei para que se
estabelecesse o ingresso no serviço como marco inicial do cômputo de tempo para
o título.
Como resultado, o Min. Cezar Peluso ratificou a decisão dada pelo Min.
Gilmar Mendes, inclusive com a distinção entre concursos de ingresso e remoção,
171
com a única modificação de emprestar interpretação conforme a Constituição para
o art. 16, V, determinando que a atribuição de pontos para a aprovação em
concurso notarial seria válida, desde que eles não fossem sobrevalorizados em
relação aos concursos de carreiras jurídicas.
Mais dois votos aparecem no acórdão. O Min. Carlos Britto acompanhou o
Relator, intervindo somente para ressaltar que a avaliação de títulos no concurso de
notário deve servir apenas para classificação, não para reprovação. Além disso,
aproveitou a oportunidade para elogiar o critério utilizado pelo Relator, afirmando
que os títulos são avaliados como uma forma de mostrar a experiência acumulada
pelo candidato.
Logo após o voto do Min. Carlos Britto, em “Debates”, o Min. Cezar Peluso
esclareceu que a medida cautelar deveria se aplicar ao concurso homologado e
realizado sob a égide da lei. Nesse caso, como se tratava de prova de títulos, a
classificação deveria ser refeita. A Min. Cármen Lúcia endossou essa posição,
afirmando que os efeitos da cautelar não seriam apenas ex nunc, atingindo o
concurso homologado em janeiro de 2010 – o julgamento fora em fevereiro. O Min.
Joaquim Barbosa avisou que o STF deveria se preparar para receber reclamações,
por conta da decisão, mas não avançou mais na sua crítica.
Depois desse pequeno debate sobre os efeitos da cautelar, o Min. Marco
Aurélio votou pelo simples referendo da liminar, mas se recusou a atribuir à
cautelar quaisquer efeitos que pudessem atingir o concurso in concreto,
homologado antes do julgamento. Isso porque não seria papel do processo objetivo
alterar as situações concretas, até porque elas não constavam no processo.
Em seguida, houve a participação do advogado pedindo que a Corte fixasse
algum parâmetro de proporcionalidade para o título. Os Ministros Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa foram uníssonos ao ressaltar que
não caberia ao Tribunal fazê-lo, mas sim ao edital do concurso, que deveria ser
refeito. As alterações incidiriam sobre a classificação dos candidatos aprovados, e
não sobre a aprovação dos mesmos.
172
ANEXO IV
Tabela de comparação entre os procedimentos decisórios no
estrangeiro
Parâmetro Tribunal
Constitucional Austríaco
Tribunal Constitucional
Italiano
Tribunal Constitucional
Alemão
Tribunal Constitucional Espanhol
Suprema Corte
Americana
Supremo Tribunal Federal
Escolha do Relator inicial
do caso
Pelo Presidente da Corte, com total liberdade
Pelo Presidente da Corte, com total liberdade
Pelo Presidente da Corte, segundo princípios fixados no
início do ano de trabalho
Designado alternadamente,
segundo critérios objetivos
fixados no início do ano de trabalho
Não há um Relator inicial:
o caso é apresentado pelas partes, em debates orais, nos
quais os juízes podem fazer perguntas e
discutir entre si
Designado alternadamente mediante sorteio
eletrônico
Especialização do Relator
Pode acontecer Pode acontecer Depende dos critérios fixados
Depende dos critérios fixados
------- Não há
Atribuição do Relator
Elaborar um esboço com os
pontos da causa que devem ser
discutidos pela Corte a ser
enviado para os outros juízes
com documentos necessários
Examinar os aspectos
importantes da causa e propor
algumas soluções
Conduzir os procedimentos e elaborar os votos sempre
que for submeter alguma
questão à decisão pelos
pares
Conduzir os procedimentos, apresentar uma proposta de
decisão, redigir a sentença e
apresentá-la em audiência
-------
Conduzir os procedimentos,
submeter questões de ordem e elaborar o
relatório a ser distribuído para
todos os ministros
Reunião de deliberação
Reunião em Pleno, secreta, na qual são discutidos os
casos
Reunião em sessão secreta,
seja diretamente, seja após uma audiência com
as partes
Reunião em sessão secreta,
na qual o Tribunal decide
a questão
Reunião em sessão secreta,
na qual o Tribunal decide
a questão
Reunião em conferência secreta na mesma semana
Reunião em sessão pública e aberta, na qual o Tribunal decide a
questão
Resultado da deliberação
Votação sobre o rascunho da decisão, com
possibilidade de rejeição e nova elaboração
Construção da decisão em
conjunto, com a apresentação
de uma proposta final pelo relator
Construção da decisão, após a votação sobre aspectos da questão
Votação sobre a proposta de decisão do
relator, com a possibilidade de se votar cada aspecto da
causa ou uma parte da proposta
Fixação de um posicionamento
da Corte, inclusive com a possibilidade de votação formal
Decisão final do caso
Elaboração da decisão final
Decisão final é feita a partir do
esboço aprovado nas deliberações prévias, pelo relator que fez
Após a sessão secreta,
nomeia-se um juiz redator que irá redigir a opinião de
acordo com os
A decisão final é construída na
própria deliberação
Fica a cargo de um Relator, quando ele
concorda com o decidido, ou por
outro magistrado
Após a sessão, o Presidente (quando na maioria) ou o membro mais antigo da
maioria nomeia
Após o final das deliberações,
ainda na sessão de julgamento, o
Presidente procede à
contagem dos
173
o rascunho fundamentos da maioria
nomeado pelo Presidente, quando o Relator for minoritário
um juiz relator para escrever a
opinião da Corte
votos e proclama a decisão
Revisão da opinião final
Presidente da Corte analisa a
opinião elaborada e pode pedir
esclarecimentos ou mesmo iniciar novas discussões
No caso de uma sentença de mérito, o esboço feito pelo redator deverá ser novamente apreciado em sessão secreta e poderá ser até mesmo alterado
Qualquer juiz poderá pedir a continuação
das discussões se quiser
apresentar um voto em separado,
novos aspectos não discutidos ou ainda se quiser mudar
de voto
Os juízes devem assinar a
sentença, mas podem anunciar a intenção de
proferir um voto em separado mesmo nesse momento
Processo informal de circulação e discussão da
opinião elaborada pelo juiz relator
Após a proclamação do resultado em audiência, só é
possível a retificação por erro material ou por obscuridade
Definição da decisão final
Após a anuência do Presidente, o Relator pode redigir a
opinião final
Após a aprovação na sessão secreta, geralmente presidente e
relator elaboram juntos o
acórdão final
Após a apresentação de todos os
votos, inclusive os separados, a
decisão da Corte é
proferida em sessão pública ou enviada
para publicação
Após a redação da sentença
pelo Relator, se todos os juízes assinarem a
sentença, ela se torna definitiva
Após o período de elaboração da opinião, há uma sessão
aberta na qual todos os juízes
lêem seus votos ou
adotam uma das posições
A decisão final é definida na sessão de
julgamento e o acórdão é
elaborado pela juntada das
notas taquigráficas
Aporte de votos em separado
Não é possível Não é possível
Possível o aporte de votos dissidentes e
votos concorrentes
Possível o aporte de votos dissidentes e
votos concorrentes
Possível o aporte de votos
dissidentes e votos
concorrentes
Todos os votos são tomados
separadamente
Possibilidade de se alterar a
decisão
Até a anuência do Presidente, é possível
haver novas deliberações sobre o caso
Durante todo o período até a aprovação na
segunda sessão secreta
Há a possibilidade de se reabrir a discussão da causa até o
momento de se proferir a decisão
Após a assinatura da sentença por todos os juízes
que participaram, ela é imutável, exceto por erro material ou obscuridade
Durante todo o período em que o juiz relator está elaborando a
opinião
Não há possibilidade
institucionalizada de se alterar a decisão, exceto durante as próprias
deliberações
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