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A Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente
As personagens em análise
A s personagens vicentinas
As personagens de A Farsa de Inês Pereira não têm profundidade
psicológica e constituem tipos sociais, isto é, representam grupos
sociais. Assim sendo, temos a moça casadoira, o escudeiro
pelintra, o lavrador simplório e a simples alcoviteira.
Todas elas agem de acordo com um padrão de
comportamento, ou seja, agem de acordo com aquilo que se
espera delas.
A s personagens-tipo
Têm como objetivo:
• Denunciar instituições ou grupos sociais;• Criticar a dissolução dos costumes;
A s personagens vicentinas
Porém, assistimos, nesta peça, a uma ligeira alteração dessa situação.
Por outras palavras, Inês Pereira apresenta já laivos de
personagem modelada, uma vez que é uma personagem dinâmica e com
carater, dotada de vida interior própria. Por isso assistimos a uma
alteração dos seus comportamentos antes e depois do casamento com o
Escudeiro.
Inês Pereira
Jovem casadoira, que não ambiciona mais na vida do que casar com um
fidalgo, que a livre da “prisão” em que vive. Preguiçosa e sonhadora,
Inês surge como uma moça ingénua e sonhadora, que acabará por tornar-
se numa jovem calculista e vingativa. Ela irá descarregar em Pêro a raiva
e frustração sentida após o casamento falhado com o Escudeiro.
Imagem retirada do Manual Sentidos 10, da ASA
Inês Pereira – Elementos textuais
Impaciente
« Renego deste lavrar…» (v. 3)
« Oh Jesu! Que enfadamento,/ E que raiva e que tormento/Que cegueira e que canseira…» (vv. 7-9)
« Essa é he boa demanda!/ Ceremonias há mister/ Homem que tal carta manda?» (vv. 252-257)
« Que tendes de ver co isso?/ Todo o mal há de ser meu» (vv. 614-615)
Inês Pereira – Elementos textuais
Sonhadora
« Praza a Deos que algum quebranto/ Me tire do cativeiro» (vv. 46-47)
«Folgo mais de falar nisso,/ Assi me dê Deos o paraíso» (vv. 67-68)
«Porém não hei/ Senão com home’avisado/ Ainda que pobre e pelado,/ Seja
discreto em falar.» (vv. 183-186)
« Que seja homem mal feito,/Feio, pobre, sem feição/ Como tiver descrição/
[…] E coma eu pão e cebola» (vv. 385-390)
Inês Pereira – Elementos textuais
Culta
« Tomae: e sabedes vós ler?/ Hui! E ella sabe latim,/ E gramateca e alfaqui,/ E tudo quanto ella quer» (vv. 197-200)
Inês Pereira – Elementos textuais
Irónica
«Na voda de seu avô,/ Ou onde me vio ora elle?» (vv. 214-215)
«Ei-lo se vem penteando:/ Sera com algum ancinho?» (vv. 258-259)
«(Oh Jesu! que Jam das bêstas!/Olhae aquela canseira.)» (vv. 276-277)
«Fresco vinha ahi o presente/Com folhinhas borrifadas» (vv. 316-317)
«Olhae se o levou o gato» (vv. 356)
Inês Pereira – Elementos textuais
Decidida
«Que não quero, nem me praz./Ide casar a Cascais.» (vv. 343-344)
«Va-se muitieramá!/Que sempre disse e direi:/Mãe, eu me não casarei/Senão com homem discreto,/E
assi vo-lo prometo/Ou antes o leixarei.» (vv. 379 - 384)
«E seja homem mal feito,/Feio, pobre, sem feição,/Como tiver descrição,/Não lhe quero mais
proveito. E saiba tanger viola,/E como eu pão e cebola» (vv. 385-393)
«Folgastes vós na verdade/Casar à vossa vontade?/Eu quero casar à minha.» (vv. 677-679)
Inês Pereira – Elementos textuais
Perspicaz
«Renego da discrição,/Comendo ó demo o aviso,/Que sempre cuidei nisso/Stava a boa
condição:» (vv. 837-839)
«Agora quero tomar/Pera boa vida gozar/Hum muito manso marido;/Não quero já
sabido,/Pois tão caro ha de custar» (vv. 909-913)
«Não; já esse tempo passou:/ Sobre quantos mestres são/ Exp'riência dá lição.» (vv. 935-937)
«Asno que me leve quero,/E não cavalo folão./Antes lebre que leão,/Antes lavrador que
Nero.» (vv. 946-949)
Inês Pereira – Elementos textuais
Dissimulada
«Jesu! Jesu! tão asinha!/ Isso me havieis de dizer?/ Quem perdeo um tal
marido,/ Tão discreto e tão sabido,/ E tão amigo de minha vida?» (vv. 925-929)
«Marido, aquelle ermitão/He um anjinho de Deos» (vv. 1071-1072)
«Este caminho he comprido,/Contae huma historia, marido.» (vv. 1080-1081)
«Passems primeiro o rio./Descalsae-vos./Assi ha de ser?/E pois como?/E levar-
me-eis no ombro,/Não me corte a madre o frio.» (vv. 1082-1087)
«Bem sabedes vós, marido,/ Quanto vos amo,/Sempre fostes percebido/Pera
gamo. [...]/ Pois assi se fazem as cousas.» (vv. 1112-1118)
Mãe
Latão e Vidal são judeus casamenteiros contratados por Inês, com o objetivo de lhe encontrarem um marido com as
características por si desejadas, em troca de dinheiro.
A Mãe é confidente e conselheira de Inês. Ao contrário do que a sua ironia para com a filha faz transparecer, esta personagem demonstra-se preocupada com as suas decisões e felicidade. Apesar de não concordar com as suas decisões, apoia-a no casamento com o Escudeiro.
Imagem retirada do Manual Sentidos 10, da ASA
Mãe – Elementos textuais
Irónica
«Logo eu adivinhei/Lá na missa onde eu estava,/Como a minha Ines
lavrava/A tarefa que lh'eu dei.» (vv. 39-42)
Preocupada
«Senhor filho e senhor meu,/Pois que ja Ines he vossa,/Vossa molher e
esposa,/Encomendo-vo la eu.» (vv. 746-749)
«Que lhe tenhais muito amor,/Que amado sejais no ceo» (vv. 753-754)
Mãe – Elementos textuais
Conselheira
«Touca-te, se ca vier,/Pois que pera casar anda.» (vv. 250-251)
«Se este Escuideir ha de vir,/E he homem de descrição,/Has-te de
pôr em feição/De falar pouco e não rir./E mais, Ines, não muito olhar,/E
muito chão o menear,/Porque te juguem por muda;/Poruqe a moça
sisuda/He hua perla pera amar.» (vv. 501-509)
«Muitas vezes, mal pecada,/He milhor bo simpreza» ( vv. 622-623)
Lianor Vaz
Latão e Vidal são judeus casamenteiros contratados por Inês, com o objetivo de lhe encontrarem um marido com as
características por si desejadas, em troca de dinheiro.
Representa a Alcoviteira, ou seja, a casamenteira que irá apresentar o
pretendente de Inês. Surge na peça com o objetivo de criticar a
promiscuidade das mulheres e a facilidade com que enganavam os
maridos.
Imagem retirada do Manual Sentidos 10, da ASA
Lianor Vaz – Elementos textuais
Mentirosa
«E andava no retouo,/Tão rouca que não falava» (vv.95-96)
«Foi e esfarrapou-me toda/O cabeção da camisa» (vv. 106-107)
«Porém pude-me valer/Se me ninguém acudir.» (vv. 127-128)
«Não estás tu arranhada,/De te carpir nas queixadas?» (vv. 138-139)
«E mais no meio da requesta/Veio hum homem de hua bêsta,/Que em vê-lo
vi o p'raiso» (vv. 144-146)
Lianor Vaz – Elementos textuais
Interesseira
«Eu vos trago hum casamento/Em nome do Anjo bento» (vv. 178-179)
«Filha, não tomeis tristura,/Que a morte a todos gasta/O que havedes de
fazer?.../Casade vós, filha minha» (vv. 921-924)
«Dae isso por esquecido,/E buscae outra guarida» (vv. 930-931)
Lianor Vaz – Elementos textuais
Bajuladora
«Pera vós, filha [...] minhas flores» (vv. 193-194)
Conselheira
«Quereis casar a prazer/No tempo d'agora Ines?/Antes casa, em que te pês,/Que
não he tempo d'escolher.» (vv.228-231)
«Filha, n chão de Couse,/Quem não poder andar choute./Mais quero eu
quem m'adore,/Que quem faça com que chora» (vv. 240-243)
Pêro Marques
Latão e Vidal são judeus casamenteiros contratados por Inês, com o objetivo de lhe encontrarem um marido com as
características por si desejadas, em troca de dinheiro.
Imagem retirada do Manual Encontros 10, da Porto Editora
Jovem camponês e rico que pretende casar com Inês. Porém é parvo,
provinciano e desconhece as regras do amor cortês. Assim, embora surja
como primeira oportunidade de Inês de se libertar dos seus afazeres
domésticos, é rejeitado por esta, uma vez que não corresponde aos seus
ideias amorosos.
Ingénuo e humilde, Pêro aceita casar com Inês após o casamento desta
com o Escudeiro, e será enganado por ela.
Pêro Marques – Elementos textuais
Provinciano
«E que val aqui hua destas?» (v.275)
«Cuido que lhe trago aqui/Peras da minha pereira;/Hão de estar na
derradeira.» (vv. 300-302)
«Creio que lá fica a pea» (v. 353)
Pêro Marques – Elementos textuais
Parvo
«Não sei onde mora aqui:/Olhae que m'esquece a mi!» (vv. 264-265)
«Não, qu'ellas vinhão chentadas/Ca em fundo no mais quente» (vv. 318-319)
«Ensinarão-m‘as a mi/Porem esquecem-me já» (vv. 961-962)
Desajustado «Sim, molher, sahi vós hi,Qu'eu me sahirei p'ra fóra» (vv. 975-976)
Pêro Marques – Elementos textuais
Pouco galante
«Pois, senhora, eu quero-me ir/Antes que venha o escuro.» (vv. 337-338)
«Inda não tendes candea?/onho per cajo que alguém/Vem como eu vim agora,/E
vós a escuras a tal hora:/Parece-vos que será bem?» (vv. 357-361)
Persistente «Não vos anojarei mais,/Ainda que aiba estalar;/E prometo não
casar/Até que vós não queirais» (vv. 345-348)
Pêro Marques – Elementos textuais
Astuto
«Estas vos são ellas a vós;/Anda home a gastar calçado,/E quando
cuida que he avado,/Escarnefuchão de vós.» (vv. 349-352)
Latão e Vidal são judeus casamenteiros contratados por Inês, com o objetivo de lhe encontrarem um marido com as
características por si desejadas, em troca de dinheiro.
Judeus Casamenteiros
Imagem retirada do Manual Mensagens 10, da Texto Editora
Latão e Vidal são judeus casamenteiros contratados por Inês,
com o objetivo de lhe encontrarem um marido com as
características por si desejadas, em troca de dinheiro.
São a caricatura do judeu espertalhão e hábil no comércio.
Judeus – Elementos textuais
Eloquentes«Eu, e este,/ Pela lama e pelo pó […] noroeste» (v. 412 - 415)
«Que fala, e como ora fala […] E se preza bem da gala» (v. 477-482)
Bajuladores«O que nos encomendou […] Vós dixestes, filha amiga» (v. 435-426)
Oportunistas«Dae-nos ca senhos ducados» (v. 703)
Escudeiro Brás da Mata
Latão e Vidal são judeus casamenteiros contratados por Inês, com o objetivo de lhe encontrarem um marido com as
características por si desejadas, em troca de dinheiro.
Imagem retirada do Manual Encontros 10, da Porto Editora
Brás da Mata é um escudeiro que imita os padrões de nobreza: toca
viola, verseja e faz serenatas. Corresponde assim aos ideias de Inês.
Porém, por baixo desta aparência, o Escudeiro é pobre, presumido,
autoritário e cobarde. Será o seu casamento com Inês, que a fará
mudar mentalmente e tornar-se uma personagem vingativa.
Escudeiro – Elementos textuais
Eloquente/Galanteador«Antes que mais diga agora,/Deos vos salve, fresca rosa,/E vos dê por minha esposa,/Por molher e por senhora [...]» (vv. 536-539)
Irónico«Não sois vós, molher, meu ouro,/Que mal faço em guardar isso?» (vv. 789-791)
Covarde «[...] Sabei que indo/Vosso marido fogindo/ Da batalha pera a villa,/A meia legua de Arzila,/O matou um mouro pastor.» (vv. 890-895)
Escudeiro – Elementos textuais
Autoritário«Avisa-te, que has de estar/Sem barrete onde eu estou.» (vv. 512-513)
«E se me vires mentir,/ Gabando-me de privad,/Está tudo dessimulado,[...] Faze-o por amor
de mi» (vv. 519-524)
«E vós cantais, Ines Pereira?/Em vodas m'andaveis vós?/Juro [...] se vos vejo cantar,/Eu vos
farei assoviar (vv. 755-759)
«Sera bem que vios caleis,/Que não me respondereis nada [...]» (vv. 767-769)
«Estareis aqui encerrada/ Nesta casa tão fechada,/Como freira d'Oudivellas» (vv. 779-781)
«Vós não haveis de mandar/Em casa somente hum pelo[...]» (vv. 791-792)
Escudeiro – Elementos textuais
Desconfiado
«Se esta senhora he tal/ Como os Judeos ma gabarão,/Certo os anjos a pintarão,/[...] Se
fosse moça tão bela,/Como donzela seria?» (vv. 483-491)
Pobre
«çapatos me daria elle,/Se me vós desseis dinheiro» (vv. 530-531)
«E se ella he emrpestada,/Quem na havia de pagar?» (vv. 594-595)
Pretensioso
«E quanto a tanger viola,/Logo me vereis tanger» (vv. 570-571)
Moço
Imagem retirada do Manual Encontros 10, da Porto Editora
Criado do Escudeiro, o Moço é quem nos ajuda a perceber
quem de verdade ele é. Embora o deteste, compactua com os
seus planos e ajuda-o a conquistar Inês.
É humilde e deixa-se explorar por aquele. É também ingénuo
e acredita-se nas suas mentiras.
Moço – Elementos textuais
Irónico
«Porém, senhor, digo eu/Que mao calçado he o meu/Pera estas vistas assi» (vv. 525-527)«Çapatos me daria elle,/Se me vós desseis dinheiro» (vv.530-531)
Fiel«Senhora, o que elle mandou/Não posso menos fazer.» (vv. 826-827)
Submisso
«Logo vou./O Diabo me tomou:/Sair-me de Jam Montes/Por servir hum tavanes,/Mor doudo que Deos criou!» (vv. 576-580).
Ermitão
Falso ermita que declara ter-se tornado ermitão por causa de uma
desilusão amorosa. Representa os membros do clero que quebram
os seus votas, em função dos seus instintos básicos.
Assedia Inês, que com ele engana Pêro Marques.
Imagem retirada do Manual Mensagens 10, da Texto Editora
Ermitão – Elementos textuais
Sedutor
«Debéis saber,/Para merced me hacer,/Que por vos soy ermitaño,/Y aun
mas os desengaño/Que esperança de os ver/Me hizo vestir tal paño» (vv.
1042-1047)
«Señora, tengo-os servido,/ Y vos á mi despreciado;/Haced, que el tiempo
pasado/No se cuente por perdido.» (vv.1056-1059)
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