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ÀFRICA – Reinos do Congo e Ndongo
1Cecília Salamon
A leitura de documentos, cartas de missionários e relatos de cronistas a cerca
dos primeiros contatos entre portugueses e os “reinos2” do Congo e do Ndongo,
despertaram meu interesse para a diferente postura estabelecida pelos lusitanos nas
relações mantidas com essas duas regiões territorialmente próximas situadas na África
centro-ocidental.
A partir desse assunto, proponho-me a investigar as circunstancias que
levaram Portugal a adotar um contato predominantemente pacifico, que privilegiava
as relações comerciais e diplomáticas com o reino do Congo no inicio do século XV e,
por outro lado, travar uma política militarista (de conquista territorial) com o reino do
Ndongo no inicio do século XVI.
O objetivo deste trabalho é encaminhar a resolução deste problema com base
na consulta de bibliografia sobre o assunto. Para esse fim, farei uma breve síntese da
situação desses reinos no momento dos primeiros contatos e tentarei estabelecer o que
esses aproximadamente cem anos que separam os dois contatos demonstraram e/ou
ensinaram a Portugal sobre experiências colonizadoras e que contribuíram para essa
mudança de postura.
No momento em que os portugueses adentraram no reino do Congo, no final
do século XV, este era um estado dotado de poder político centralizado, isto é, era
uma unidade política constituída de províncias subordinadas a um governo central,
que se mantinha relativamente unido mediante o pagamento de tributos e de linhagens
de nobres ligadas a capital (mbanza-congo)3.
Os contatos com os congueses, a partir do final do século XV e ao longo de
parte do XVI, foram predominantemente pacíficos4. A Coroa portuguesa possuía
1 Cursando Bacharelado em História – Universidade de São Paulo – USP.
2 Reino foi a designação utilizada pelos portugueses nos primeiros contatos para se referirem a essas
duas unidades políticas. 3 VANSINA, Jan. O reino do Congo e seus vizinhos, História Geral da Africa V, organizado por Bethwell
Allan Ogot. 4Embora a diplomacia tenha dado a tônica das relações de Portugal com o Congo, houve certas
situações de tensão como, por exemplo, o apresamento de membros das linhagens dominantes conguesas por comerciantes de escravos a serviço dos lusitanos. Tal teria acontecido em virtude do aumento da demanda europeia por cativos. (carta do rei do Congo a D. João III, 1526. Em MANSO, Visconde de Paiva, História do Congo).
interesse político, material e de propagação da fé cristã, dessa forma, orientou uma
postura amigável através do envio de uma embaixada com presentes. A qual foi bem
recebida e possibilitou o estabelecimento de relações comerciais: os lusitanos
adquiriam, no território conguês, mercadorias (cobre, marfim e escravos) cujo
comércio proporcionava rendimentos ao soberano do Congo (mani-Congo) mediante
a cobrança de taxas impostas aos comerciantes que cruzavam as suas terras, fossem
eles africanos ou europeus.
Ao lado dessas relações comerciais, Portugal e Congo também contraíram um
laço religioso. A elite dirigente desse grande estado africano “converteu-se” ao
catolicismo, o que pode ser explicado, entre outras razões, pelo fato de a conversão à
religião católica ser pré-condição para que os congueses gozassem dos bens
manufaturados proporcionados, através do comércio, pelas caravelas portuguesas.
No entanto a conversão da elite conguesa, não teve como resultado a
subordinação do seu “reino” aos portugueses. Estes, embora enviassem missões
evangelizadoras ao Congo, não eram ainda capazes de se intrometer na sua política
interna5.
Observando pelo outro lado, a ligação com esse reino desconhecido e distante
trazia certas vantagens ao Congo: o reconhecimento do Mani-Congo como um líder,
através da entrega de presentes, por meio de cerimônias e do ritual do batismo
(concedido inicialmente ao rei e depois as elites conguesas) fortalecida a legitimação
de sua autoridade sobre o seu reino e também sobre as povoações ao seu redor6.
Portugal também fornecia ajuda militar (tanto de homens como de armas de fogo) no
combate contra rebeldes.
A orientação para essa politica pacífica pode ser ilustrada no trecho a seguir do
regimento enviado a Simão da Silveira7: “Como antes vos dissemos, ao rei do Congo
servi nas coisas da paz e da guerra, e da governança da terra, assim como ele
ordenar e mandar, pondo-as no costume de cá, lembrando-lhe e aconselhando-o o
que em todas deve fazer; e, no que tocar à guerra, vos metereis com gente nossa, que
levais, naqueles feitos de que vos parecer que seguramente podem sair, e sem risco de
5Podemos encontrar dois exemplos dessa autonomia do Congo: o primeiro seria o fato dos congueses
comerciarem com os holandeses (inimigos dos lusitanos) e o segundo a solicitação de missionários que o mani-Congo fez diretamente a Roma, à revelia de Portugal. 6 SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravagista.
7 Regimento que el-Rei D. Manuel deu a Simão da Silveira quando o mandou ao Mani-congo, 1512. Em
FERRONHA, Antonio Luis Alves. Angola no século XVI.
gente; e em tal maneira o fazei, que se não possa seguir inconveniente algum ao
nosso serviço; e fazei-o com tal recado, como de vós confiamos”.
É possível que essa política pacífica estivesse orientada dessa forma com o
intuito de demonstrar às povoações locais as vantagens de se adotar o catolicismo e de
se estabelecer relações comerciais com os portugueses. Medidas que podem ter
influenciado no interesse do reino do Ndongo por essas relações.
Na região que viria a se tornar Angola, ao sul do rio Congo, os portugueses se
depararam, no inicio do século XVI, não com um único estado centralizado, mas com
uma grande quantidade de pequenas chefaturas. A regra era a fragmentação do poder,
a existência de chefaturas isoladas (os sobados) além do reino do Ngongo, que se
livrava da autoridade conguesa e estava em vias de centralizar o seu poder político e
estender o seu território. Processos que foram interrompidos pela chegada dos
portugueses8.
O Ngola (soberano do Ndongo), que ambicionava travar relações comerciais
com os lusitanos, faz com que estes tomem conhecimento das suas intenções de se
converter ao catolicismo (este aparecia como via de entrada e como um instrumento
de manter as relações comerciais com os portugueses abertas). Da mesma forma como
ocorreu no Congo, foram enviadas para esta outra região uma embaixada com
missionários e presentes, com intenções de averiguar as riquezas dessa região. Porém
o Ngola não foi receptivo ao catolicismo: “Os fidalgos e pessoas nobres com que
falamos não dão pelas coisas de Deus e o rei, vemos muito poucas vezes e, quando
lhe falamos nas coisas da fé, faz que não entende e, depois de importunado, diz que
ele virá a aprender, e isto cheio de riso e zombando de nós”9.
A conversão do reino do Ndongo não obteve êxito e, diante disso, os jesuítas
acreditavam que a conversão só seria levada a cabo por meio da “pregação pela
espada”.
As primeiras relações comerciais também sofreram entraves, foram
atrapalhadas pelo reino do Congo, que via com maus olhos a aproximação de Portugal
com populações vizinhas, fomentando intrigas (as quais eram puramente verdade) de
que aqueles estavam interessados unicamente na sua conquista territorial e no
8
COELHO, Virgilio. Em busca de Kábàsà: uma tentativa de explicação da estrutura político administrativa do “Reino de Ndongo”. Actas do seminário encontro de povos e culturas em Angola. 9 Carta do padre Francisco de Gouveia para o padre Diogo Mirão – 1564. Em FERRONHA, Antonio Luis
Alves. Angola no século XVI.
usufruto de suas riquezas. O que por fim resultou em reações hostis, contra os
portugueses, por parte do Ngola. Do mesmo modo foram atrapalhados por
portugueses já anteriormente instalados na região do Ndongo, que realizavam um
lucrativo comércio de escravos e não queriam a intromissão de Portugal em seus
negócios. Contudo, viam na eclosão de uma guerra uma fonte garantida de conseguir
escravos10
.
Tendo em vista esses motivos, Dom Sebastião, ordena a sujeição do reino do
Ndongo11
. Essa política militar portuguesa também era motivada pela esperança de
encontrar minérios nessa região, em parte incentivada pelos jesuítas com o “mito da
prata” como meio de garantir o financiamento (homens, pólvora e remédios) da Coroa
portuguesa para a conquista12
. É nesse contexto bélico que surge a “guerra preta”, o
contingente de africanos imbangalas usado pelos portugueses para submeter as
chefaturas ambundas13
.
A guerra também propiciava aos portugueses uma forma de conseguir o
aparato material de que necessitavam para se estabelecer na região, o que pode ser
exemplificado com o trecho a seguir da carta do padre Baltasar Afonso: “(...)
portugueses tomarem os despojos, que são tantos que não há guerra em que não
fiquem os nossos ricos, porque tomam muitas peças, bois, carneiros, sal, azeite,
porcos, esteiras que servem de camas, panelas(...)”14
.
Nos aproximadamente cem anos que separam os contatos entre os reinos do
Congo e do Ngongo, Portugal empreende a conquista e a colonização de outros
territórios pelo mundo. A experiência com a colonização no Brasil seria levada em
conta na adoção da política militarista contra o Ngongo. Isso pode ser percebido na
carta de doação que Paulo Dias de Novais receberia da Coroa portuguesa para fundar
a colônia de Angola nos mesmos moldes das capitanias hereditárias brasileiras, nas
10
FONSECA, Mariana Bracks. Angola portuguesa: conquista e resistência. Dissertação de mestrado, Departamento de História, FFLCH/USP, 2012. 11
Carta de doação a Paulo Dias de Novais - 1571. Em FERRONHA, Antonio Luis Alves. Angola no século XVI. 12
op. cit FONSECA, Mariana Bracks. 13
Os imbangalas eram guerreiros profissionais que atacavam aldeias ambundas para capturarem cativos (mulheres e crianças). Eram, portanto, inimigos dos ambundos, o que explica a sua adesão às tropas lusitanas. Com o passar do tempo, as chefaturas ambundas dominadas pelos portugueses também forneceram guerreiros para a guerra preta. (op. cit FONSECA, Mariana Bracks). 14
Carta do padre Baltasar Afonso – 1583. Em FERRONHA, Antonio Luis Alves. Angola no século XVI.
quais uma politica de conquista territorial e desarticulação das sociedades indígenas
fora colocada em prática com relativo sucesso material para Portugal15
.
Essas experiências demonstraram o fracasso da estratégia pacifica seguida
anteriormente, que não possibilitou a submissão do Congo, que no século XVI, se
constituía como um reino aliado, um estado com centralização de poder que adotou o
catolicismo e encetou relações comerciais com os portugueses. Situação que não
permitiu a interferência política sobre o Congo.
Esses fatores, aliados as conjunturas internas pouco favoráveis a uma relação
amistosa com o Ndongo, fizeram com que os lusitanos optassem por conquistar e
submeter antes de converter na região do Ndongo. E por causa dessa atitude mais
agressiva, os portugueses foram capazes, de se intrometerem mais nos negócios
internos das chefaturas ambumdas da região (sobados), estabelecendo com eles uma
relação de avassalagem e controle político16
.
Contudo, Portugal demoraria a conseguir os benefícios materiais advindos
dessa estratégia bélica na região do Ndongo, devido a uma serie de revezes nas lutas
de conquista, que podem ser ilustradas com o trecho a seguir: “Porém, como quer que
o benefício de minas requeira quietação, e até agora neste reino não a houve por ser
o gentio buliçoso e os portugueses poucos, sem presídios nem povoações que possam
conservar as províncias lá conquistadas, ficam sempre enterrados tão grandes
tesouros, com os quais poderá enriquecer Portugal muito mais que com as drogas
que lhe vem de outros reinos17
”. Somam-se a isso as constantes mudanças de lado de
sobas anteriormente aliados dos portugueses. De modo que depois de dez anos no
Ndongo, Paulo Dias de Novais pensava em desistir da conquista, a qual no fim do
século XVI ainda não havia se concretizado. Somente em 1671 a capital do Ndongo
seria conquistada.
Todos os fatores referidos acima apontam para uma possível resposta ao
problema historiográfico proposto neste trabalho. A pouca eficácia da estratégia
pacifica sobre o Congo que não trouxe resultados positivos nos interesses políticos e
15
Sobre esse assunto é provável que outras referencias bibliográficas como SOUZA, Marina de Mello e. Catolicismo e comércio na região do Congo e de Angola, séculos XVI e XVII, em Nas rotas do império. Ajudassem a trazer outras interpretações. Livro no qual não tive acesso nesta pesquisa. 16
op. cit FONSECA, Mariana Bracks. 17
Documento: História da residência dos padres da Companhia de Jesus em Angola e coisas tocantes aos Reino e conquista– 1594. Em FERRONHA, Antonio Luis Alves. Angola no século XVI.
materiais sobre a região; o relativo sucesso na conquista territorial no Brasil; aliados
as relações pouco amigáveis com o Ndongo, firmaram as bases da mudança de atitude
em favor de uma política militar sobre o Ndongo.
Referencias Bibliograficas
COELHO, Virgilio. Em busca de Kábàsà: uma tentativa de explicação da
estrutura político administrativa do “Reino de Ndongo”, Actas do seminário encontro
de povos e culturas em Angola.
FERRONHA, Antonio Luis Alves. Angola no século XVI. Coleção Biblioteca
da expansão portuguesa, Lisboa 1989.
FONSECA, Mariana Bracks. Angola portuguesa: conquista e resistência.
Dissertação de mestrado, Departamento de História, FFLCH/USP, 2012.
MANSO, Visconde de Paiva, História do Congo. Academia real das ciências
de Lisboa, 1877.
RADULET, Carmen M. O cronista Rui de Pina e a relação do reino do Congo.
Lisboa, Comissão nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses,
Imprensa nacional – Casa da moeda, 1992.
SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravagista, história da
festa de coroação do rei do Congo. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002.
VANSINA, Jan. O reino do Congo e seus vizinhos, História Geral da Africa V,
organizado por Bethwell Allan Ogot.
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