Os gêneros e a ciência dialógica do texto i

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Texto de Irene Machado sobre as concepções de Bakhtin.

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Os Gêneros e a ciência dialógica do

texto

Irene A. Machado

A Construção do Ponto de Vista

A concepção do ato dialógico como evento, que ocorre como determinação de um espaço-tempo, é uma elaboração central do pensamento bakhtiniano no sentido de firmar o dialogismo como ciência das relações. (p.226)

Lei do Posicionamento: Bakhtin passa a entender tudo o que é dito como determinação rigorosa do lugar de onde se diz. (p.226)

Por determinação, entende Bakhtin todo posicionamento elaborado pela mente que, em vez de tornar a ação absoluta, relativiza-a. (p.225)

Determinar é especificar segundo a visão que se constitui a partir de um ponto de vista do campo de visão do outro. (p.225)

Somente o posicionamento permite falar em determinação e relatividade na enunciação discursiva. (p.226)

Todas as visões são relativizadas /determinadas pelo posicionamento:um indivíduo sempre vê o que está fora do campo de visão de um outro. (p.226)

Para o observador A, as especificações do guarda-chuva não coincidem com aquelas que se colocam para o observado B, embora ambos estejam olhando para o mesmo objeto. “Abaixo”, “acima”, “esquerda”, “direita”, “frente”, “costas” e até mesmo “oblíquo” são especificações que dependem da posição do observador com relação ao objeto singularmente exposto à sua visão. (p.227)

A enunciação é determinada

pelo posicionamento e relativizada por ele porque os aspectos em jogo no campo de visão nunca coincidem (p. 226)

Mas, se a lei do posicionamento permite a determinação do ponto, a extraposição relativiza o determinismo e abre espaço para o virtual. (p. 227)

O princípio da extraposição: Orienta os sentidos. Aquilo que é inacessível ao olhar de uma pessoa é o que preenche o olhar da outra. Logo, na esfera das relações humanas e da comunicação o excedente da visão é tão importante quanto aquilo que se oferece explicitamente ao olhar. (p.227)

No mundo dos signos aquilo que está além do campo de visão também potencializa significados (p.227).

Um campo tem terrae coisas plantadas nelaa terra pode ser chamada de chãoé tudo que se vêse o campo for um campo de visão

Arnaldo Antunes

Terra está no campo de visão.

Chão é o signo extraposto – presença virtual, relativizada pelo olhar de um, captada pelo olhar de outro.

Olhando a teoria através do poema é possível considerar:

O campo, a terra e a visão como elementos determinados pela relatividade da unidade espaço-temporal campo de visão.

“não se trata de reduzir tudo a um denominador comum: uma coisa permanece coisa e a palavra, palavra; ambas preservam sua essência e apenas se completam pelo sentido contextual”. (BAKHTIN,apud Machado, p.229)

Teoria do Cronotopo: Pela própria

etimologia da palavra crono- quer dizer tempo e –topo espaço, ou seja, trata-se aqui da relação existente entre o tempo e o espaço.

CRONOTOPO: Esta cidadezinha é o lugar do tempo cíclico dos costumes. Nela não há acontecimentos, há apenas “o ordinário” que se repete. O tempo é privado do curso histórico progressivo, ele se move por círculos estreitos: o círculo do dia, da semana, do mês, de toda a vida. Um dia nunca é um dia, um ano nunca é um ano, uma vida nunca é uma vida. Dia após dia se repetem os mesmos atos habituais, os mesmos temas de conversas, as mesmas palavras, etc. (...) Aqui o tempo não tem peripécias e parece quase parado. Não ocorrem nem “encontros” nem “partidas”. É um tempo denso, viscoso, que rasteja no espaço. Por isso ele não pode ser o tempo principal do romance. É utilizado pelos romancistas como um tempo secundário, mistura-se com as outras séries temporais, não cíclicas, ou é recortado por elas; freqüentemente serve de fundo contrastante para as séries temporais, energéticas e fatuais. (BAKHTIN, 1993, p. 353-354)

A partir, principalmente, de “Questões de literatura e estética”, podemos dizer que cronotopia é a relação tempo-espaço envolvida na produção de discurso. O cronotopo liga-se ao que Bakhtin denomina “grande temporalidade”, podendo, portanto, ser conceituado como “a expressão de um grande tempo”. Enquanto o  espaço é social, o tempo é histórico, pois é a dimensão do movimento no campo das transformações e dos acontecimentos.

Cada cronotopo pode incluir outros cronotopos, pois segundo Bakhtin, “os cronotopos podem se incorporar um ao outro, coexistir, entrelaçar-se, permutar, confrontar-se, opor-se ou se encontrar nas inter-relações mais complexas.”

(fonte: Blog Glossoriando Bakhtin)

A convergência de tempo-espaço se revela, assim, dentro de limites restritos. O tempo de que o romance policial de enigma trata é não-histórico ou não-biográfi co, ou seja, não muda a vida dos personagens. A ordem estabelecida no início sofre um efeito de suspensão e, depois de elucidado o caso, é restabelecida. Esse tempo também não sofre ação histórica externa, e isso determina profundamente o espaço de desenvolvimento do enredo. É um espaço que não sofre nenhuma infl uência externa e se organiza ou desorganiza autonomamente. Esse cronotopo determina a imagem dos indivíduos no romance.

Extraposição, especificação, determinação – eis as palavras chaves para se entender o ato dialógico como um evento determinado pela lei do posicionamento mas relativizado pelas visões que nele, e a partir dele, são projetadas.

São esses os elementos formadores dos conceitos com os quais Bakhtin construiu o dialogismo. (p.229)

As ideias de Bakhtin são reveladoras para a compreensão de complexos sistemas de signo que circulam hoje na nossa cultura (p.230)

Os conceitos de texto, as produções e representações textuais tais como existem na cultura contemporânea são, antes de mais nada, atos dialógicos. (p.231)

A noção de texto como representação de atos, elementos e relações culturais diversificadas surge como signo da relatividade de um campo com diferentes focalizações.

O texto, enfatiza Machado, é ato

dialógico, por isso a autora fala de uma ciência dialógica do texto.

O que se pode entender por textualidade em nossas produções/representações culturais?

Sabe-se que o termo hipertexto teve como conceito primeiro nas reflexões do teórico Roland Barthes, que concebeu, em seu livro S/Z (1970), o conceito de "Lexia" que seria exatamente a ligação de textos com outros textos.

Seguindo essa linha de raciocínio, podemos entender que para Machado a lei do posicionamento favorece a determinação do ponto de vista e a extraposição relativiza essa determinação, o que abre espaço para o virtual. Esse virtual, que independe da natureza do seu campo de visão, potencializa significados, podendo ser vislumbrados como outras alternativas, outras dimensões.

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