Shakespeare – o Teatro da Palavra, por Fernanda Medeiros (UERJ)

Preview:

DESCRIPTION

Shakespeare – o Teatro da Palavra, por Fernanda Medeiros (UERJ)

Citation preview

Shakespeare – o Teatro da Palavra

Fernanda MedeirosUerj

• A palavra-veneno de Iago; a palavra-paixão de Romeu e Julieta; a palavra-persuasão de Marco Antonio; a palavra-tempestade de Lear; a palavra-equívoco das Bruxas; a palavra-brinquedo de Feste; a palavra-malandragem de Falstaff; a palavra-flor de Ofélia; as palavras-palavras-palavras de Hamlet, e tantas outras palavras...

• Trabalhando com a matéria-prima do teatro do seu tempo - a linguagem - Shakespeare, poeta e dramaturgo, forjou palavras novas para antigas histórias, reinventando-as e criando, nesse processo, inúmeras possibilidades de representação do humano.

“To hear a play”

William Shakespeare 1564 – 1616

TRANSIÇÃO do Mundo Medieval para o

Mundo Moderno (Renascimento)

Transformações em diversas áreas:

A cartografia do mundo está mudada;O regime feudal é substituído pela monarquia

absolutista;A Reforma Protestante cinde o mundo cristão;O relativismo começa a influenciar a filosofia

(Michel de Montaigne, 1533-1592).

William Shakespeare – 1564 – 1616

A Inglaterra dos TudorsHenrique VII (1485 – 1509)Henrique VIII (1509 – 1547)Eduardo VI (1547-1553)Maria I (1553-1558)Elizabeth I (1558-1603)

A Inglaterra dos StuartsJaime I (1603-1625)Carlos ICarlos IIJaime II

A Questão Religiosa em Tudors e Stuarts:

Henrique VII (1485 – 1509)Henrique VIII (1509 – 1547) – REFORMA (1531) – Criação da Igreja AnglicanaEduardo VI (1547-1553) - ProtestantismoMaria I (1553-1558) - CatolicismoElizabeth I (1558-1603) - AnglicanismoJaime I (1603-1625) - Aceita o Anglicanismo mas

representa uma ameaça de retorno do Catolicismo

Shakespeare e a língua inglesa

• Entre 1500 e 1650, cerca de 12.000 novas palavras entraram na língua inglesa.

• Shakespeare foi o primeiro a usar – ou a cunhar – 2.035 palavras. Apenas em Hamlet, encontram-se 600 palavras que eram novas até então.

• 309 novas palavras com o sufixo “un” (ex.: unmask; unhand; unlock; untie; unveil).

• Expressões de Shakespeare que se tornaram parte da língua inglesa: vanish into thin air; the milk of human kindness, more sinned against than sinning, remembrance of things past; cold comfort; to thine own self be true; the wish is father to the thought; salad days; flesh and blood; foul play; pomp and circumstance; foregone conclusion – e muitas outras.

• O inglês não era uma língua de prestígio como o latim. Na Bodleyan Library, em Oxford, em 1605, havia cerca de 6.000 livros. Desses, apenas 36 eram escritos em inglês.

As ferramentas poético-cênicas de Shakespeare

1. O pentâmetro iâmbico2. O verso branco3. O verso rimado4. A prosaEm média, as peças consistiam de 70% de verso

branco, 5 % de verso rimado e 25% de prosa. Mas isso podia variar muito.

A obra de Shakespeare

• 38 peças de teatro: 18 comédias (4 “romances”), 10 peças históricas, 10 tragédias

• 154 Sonetos (publicados em vida – 1609)• Poemas narrativos

Linguagem como caracterização de personagem:

FREI LOURENÇOAntes que o olho do céu venha queimar,Pro dia, alegre, o orvalho secar,Tenho de encher a cesta com os odoresQue vêm das ervas e do mel das flores.A terra-mãe de tudo é também cova:O que ela enterra o seu ventre renova;E como é vária a prole que aqui veioVemos quando mamamos no seu seio.Há filhos com virtudes excelentes;São todos bons, mas todos diferentes.É grande e forte a graça que é encontradaNa virtude que a planta e erva é dada.Não há nada tão vil no que aqui vemQue a terra não lhe dê sequer um bem;E nem nada é tão bom que, exagerado,Não caia em perversão e traia o fado.A virtude é um vício, mal gerida;E o vício, vez por outra, salva a vida. Romeu e Julieta, II.3, trad. Barbara Heliodora

Primeira aparição de Hamlet (I.2)trad. Millôr Fernandes

KING CLAUDIUS Take thy fair hour, Laertes; time be thine,And thy best graces spend it at thy will!But now, my cousin Hamlet, and my son…HAMLET (Aside)A little more than kin, and less than kind.KING CLAUDIUSHow is it that the clouds still hang on you?

REI Escolhe tua melhor hora, Laertes; o tempo te pertence.E gasta como entenderes as qualidades que tens!E agora, caro Hamlet, meu primo e meu filho…HAMLET (à parte)Me perfilha como primo, pois não primo como filho.REIPor que essas nuvens sombrias ainda em teu semblante?

Primeira aparição de Macbeth (I.3)

MACBETHSo foul and fair a day I have not seen.

(ecoando a fala das Bruxas em I.1: “Fair is foul, and foul is fair”)

Linguagem como veículo de transmissão de ideias

HAMLET (para Rosencrantz e Guildenstern):

Que obra-prima é o homem! Como é nobre em sua razão! Que capacidade infinita! Como é preciso e bem-feito em forma e movimento! Um anjo na ação! Um deus no entendimento, paradigma dos animais, maravilha do mundo. Contudo, pra mim, é apenas a quintessência do pó.

(Hamlet, II.2 – trad. Millôr Fernandes)

LEAR (para Edgar): Estarias melhor na sepultura do que expondo teu corpo nu a tais

extremos do céu. O homem é apenas isto? Observem-no bem. Não deve a seda ao verme, a pele ao animal, a lã à ovelha, nem seu odor ao almiscareiro. Ah! Aqui estamos nós três, tão adulterados. Tu não, tu és a própria coisa. O homem, sem os artifícios da civilização, é só um pobre animal como tu, nu e bifurcado. (Começa a despir-se.) Fora, fora com estes trapos emprestados. Desabotoa aqui. (Começa a arrancar as roupas.)

(Rei Lear, III. 4 – trad. Millôr Fernandes)

Linguagem como ferramenta de construção cênicaRomeu e Julieta (1595)

Fontes:Conto de Masuccio Salernitano (1476) → versão de Luigi da Porto (1525) → versão de Bandello (1554) → versão francesa em prosa de Pierre Boiastuau (1559) → poema narrativo de Arthur Brooke Tragical History of Romeus and Juliet (1562).

• SONETO• Francesco Petrarca (1304 – 1374)• O que é um soneto• O soneto na Inglaterra• Shakespeare e os sonetos

Romeu e Julieta, I.5

ROMEU: Se a minha mão profana esse sacrário, Pagarei docemente o meu pecado: Meu lábio, peregrino temerário, O expiará com um beijo delicado.

JULIETA: Bom peregrino, a mão que acusas tantoRevela-me um respeito delicado;Juntas, a mão do fiel e a mão do santo

Palma com palma se terão beijado.

ROMEU: Os santos não têm lábios, mãos, sentidos?

JULIETA: Ai, têm lábios apenas para a reza.

ROMEU: Fiquem os lábios, como as mãos, unidos; Rezem também, que a fé não os despreza.

JULIETA: Imóveis, eles ouvem os que choram.

ROMEU: Santa, que eu colha o que os meus ais imploram.

Romeu e Julieta, I.5ROMEU: Se a minha mão profana esse sacrário, (a)

Pagarei docemente o meu pecado: (b) Meu lábio, peregrino temerário, (a) O expiará com um beijo delicado. (b)

JULIETA: Bom peregrino, a mão que acusas tanto (c) Revela-me um respeito delicado; (d) Juntas, a mão do fiel e a mão do santo (c) Palma com palma se terão beijado. (d)

ROMEU: Os santos não têm lábios, mãos, sentidos? (e)JULIETA: Ai, têm lábios apenas para a reza. (f)ROMEU: Fiquem os lábios, como as mãos, unidos; (e)

Rezem também, que a fé não os despreza. (f)JULIETA: Imóveis, eles ouvem os que choram. (g)ROMEU: Santa, que eu colha o que os meus ais imploram. (g)

Sonnet 18

Shall I compare thee to a summer’s day?Thou art more lovely and more temperate.Rough winds do shake the darling buds of May,And summer’s lease hath all too short a date.Sometime too hot the eye of heaven shines,And often is his gold complexion dimmed;And every fair from fair sometime declines,By chance, or nature’s changing course untrimmed;But thy eternal summer shall not fade,Nor lose possession of that fair thou ow’st,Nor shall Death brag thou wand’rest in his shade,When in eternal lines to time thou grow’st. So long as men can breathe or eyes can see, So long lives this, and this gives life to thee.

Soneto 18 (translated by Ivo Barroso)

Devo igualar-te a um dia de verão?Mais afável e belo é o teu semblante:O vento esfolha Maio inda em botão,Dura o termo estival um breve instante.Muitas vezes a luz do céu calcina,Mas o áureo tom também perde a clareza:De seu belo a beleza enfim declina,Ao léu ou pelas leis da Natureza.Só teu verão eterno não se acabaNem a posse da tua formosura;De impor-te a sombra a Morte não se gabaPois que esta estrofe eterna ao Tempo dura. Enquanto houver viventes nesta lida, Há-de viver meu verso e te dar vida.

Soneto 18(translated by Geraldo Carneiro)

Te comparar com um dia de verão?Tu és mais temperada e adorável.Vento balança em maio a flor-botão, e o prazo do verão não é durável. O sol às vezes brilha com rigor, ou sua tez dourada é mais escura; toda beleza enfim perde o esplendor, por acaso ou descaso da natura. Mas teu verão nunca se apagará, perdendo a posse da beleza tua, nem a morte rirá por te ofuscar,se em versos imortais te perpetuas. Enquanto alguém respire, e veja, e viva, Viva este verso e te mantenha viva

Soneto 130Seus olhos nada têm de um sol que ardaE mais rubro é o coral que sua boca:Se a neve é branca, sua tez é parda;São fios negros seu cabelo em touca.Vi rosas mescladas de rubor e alvura,Mas tais rosas não vejo em sua face.Sei de perfumes que têm mais doçuraQue o hálito da amada se evolasse.Amo ouvi-la falar, porém insistoQue mais me agrada ouvir uma canção.De deuses nunca devo o andar ter visto – Minha amante ao andar pisa no chão. No entanto, pelos céus, acho-a mais rara

Do que a mulher que em falso se compara.

Sonnet 130My mistress’ eyes are nothing like the sun;Coral is far more red than her lips’ red;If snow be white, why then her breasts are dun;If hairs be wires, black wires grow on her head.I have seen roses damasked, red and white,But no such roses see I in her cheeks,And in some perfumes is there more delightThan in the breath that from my mistress reeks.I love to hear her speak, yet well I know That music hath a far more pleasing sound.I grant I never saw a goddess go;My mistress when she walks treads on the ground. And yet, by heaven, I think my love as rare As any she belied with false compare.

Shakespeare e Petrarca

idealização da mulher transferida para a idealização de um homem;

modelo petrarquiano de beleza se aplica ao homem;amor-devoção é de um homem para outro homem;relação com a mulher é desidealizada e se dá no

âmbito da paixão erótica;a beleza feminina é uma desconstrução do modelo

petrarquiano;nomes dos “musos” jamais são mencionados.

Quantos vão ao teatro?

• Entre 1567 (construção do Red Lion) e 1642 (fechamento dos teatros pelos puritanos), estima-se

que 50 milhões de espectadores pagantes tenham ido ao teatro.

• (50.000.000 / 75 = apr. 667.000 espectadores/ano; apr. 56.000 espectadores/mês)

• População da Inglaterra no período de Shakespeare: 5.000.000 pessoas

A frequência aos teatros• Os teatros precisavam atrair em média

2 mil espectadores por dia – 1 % dapopulação de Londres – para ter bons lucros.• As companhias apresentavam em média 5

peças diferentes por semana.• Uma nova peça era representada em geral

três vezes em seu mês de estreia. Poucas peças conseguiam chegar a ter dez performances num ano.

“THE LIBERTIES”

E por que se vai tanto ao teatro?• Elizabeth I – um “modo performático” de reinar• Os temas abordados pelo teatro: a política, o poder, o

amor, o sobrenatural, a vida como teatro – são temas que interessam à platéia

• O teatro é um ponto de encontro, “uma bolsa de valores” de ideias

• O teatro é um lugar de exercício de identidade – haja vista a quantidade de peças sobre a história inglesa

• O lugar marginal do teatro permitia que se falasse de tudo ou quase tudo, apesar da censura

• As mulheres eram membros assíduos nas platéias• A língua inglesa em transformação – nacionalismo?

William Shakespeare• Nasceu em Stratford-upon-Avon em 1564• Filho de um fabricante de luvas• Sua família era possivelmente católica• Casou-se com Anne Hathaway, 8 anos mais velha que

ele, aos 18 anos• Foi para Londres em 1587 • Trabalhou como ator, diretor e autor de peças

teatrais• Um homem comum, um burguês• Em 1611-12, retorna para Stratford, onde tem uma

grande propriedade, e adquire um título de nobreza para sua família.