Educação ajuda índios Mura a preservar o meio-ambiente

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MEIO AMBIENTE

Educaçãoajudaíndios Muraapreservar omeioambiente

Dez aldeias,com 2,7 milhabitantes,estão sendobeneficiadas

TEXTO SérgioVictorFOTOS EraldoLopes

MANAUS

Omunicípio de Au-

tazes, que fica a 118quilômetros deManaus, acaba de

ganhar a primeira turma indí-gena formada em nível Supe-rior. Os 52 professores da etniaMura, oriundos de diversas al-deias do município, se gradua-ram em licenciaturas para Le-tras e Artes, Ciências Humanase Sociais e Ciências Exatas eBiológicas em um curso queuniu a sabedoria milenar dosindígenas e o conhecimentocientífico do homem branco.

A iniciativa partiu do pró-prio povo Mura que, após con-cluir o curso de Magistério In-dígena da Secretaria de Estadode Educação do Amazonas(Seduc), fez a proposta de obtero nível Superior para a Univer-sidade Federal do Amazonas(Ufam).

“O magistério só dava con-dições para trabalhar até a 4ªsérie do (ensino) Fundamentale estávamos preocupados coma formação de nossos professo-res e crianças. Quando fizemosa proposta para a Ufam não ha-via nenhum curso voltado paraos indígenas. Fomos o primei-ros a demandar este curso es-pecífico ”, disse Mariomar Mo-reira de Souza, 43 anos, profes-sor da aldeia Trincheira.

O curso, criado em 2007 eimplementado em 2008, é rea-lizado pela Faculdade de Edu-cação (Faced) e foi denomina-do Licenciatura Específica pa-ra a Formação de ProfessoresIndígenas Mura. Desde o iní-cio, a formação propôs umaeducação diferenciada, comuma metodologia que respei-

tasse e abordasse a cultura dosMura, fazendo do índio o pró-prio pesquisador de seu am-biente.

Após cinco anos de forma-ção, Mariomar e os 51 indíge-nas concluíram seus cursosneste mês e voltarão para asescolas de suas aldeias levan-do o conhecimento adquiridopor meio da universidade. Nototal, serão beneficiadas dezaldeias com mais de 2.700 ha-bitantes ao redor do municí-pio de Autazes.

Ao todo, foram 23 trabalhosde conclusão apresentados emuma fazenda no Ramal dos Pa-dres, km 22 da BR-174, onde ogrupo ficou hospedado para fi-nalizar a última parte do cursono mês de abril.

Na área de Biológicas, ogrupo de Mariomar se desta-cou com uma pesquisa sobre a

Os índios Mura se reuniram em uma fazenda no Ramal dos Padres, km 22 da BR-174, ao longo deste

mês, para apresentarem os trabalhos realizados durante o curso

TRADIÇÃO

Educação diferenciada faz

índios retornarem às aldeias

após formados

caça na região da aldeia Trin-cheira. Devido ao aumento po-pulacional e a perda de práticaspara o cultivo da floresta, cer-tas espécies de animais estãodesaparecendo na região, o quemotivou o grupo a pesquisarsobre o fato.

Orientados pelo professor emestre em Ciências do Am-biente e Sustentabilidade naAmazônia pela Ufam,Washington Mendonça, aequipe fez um levantamentode dez meses, no decorrer de2011, sobre os animais abatidosna região.

“O objetivo era chamar aatenção do nosso povo para oque a caça predatória pode fa-zer com a fauna e flora de nos-so ambiente. Não queremosdenunciar a prática da caça,mas, torná-la sustentável”, dis-se Mariomar.

Durante a pesquisa, alunosdo 4º ao 9º ano do Ensino Fun-damental das escolas de Trin-cheira ajudaram na coleta dedados e nas entrevistas com oscaçadores. Foi descoberto queanimais como a paca, o tatu e acutia são os mais abatidos enão estão chegando à fase de

reprodução. Outro ponto cru-cial constatado foi o desapare-cimento de espécies de grandeporte, como a Anta.

“Além de conscientizaremo povo sobre a caça, o grupoainda fez uma coleção zooló-gica aproveitando os crânios,penas e bicos dos animais ca-çados para usar em sala de au-la”, explicou o professorWa s hing t on .

Em Ciências Exatas, quatrotrabalhos foram produzidoscom foco no ensino da Mate-mática. O orientador GersonBacury, graduado em Matemá-tica e mestre em Educação pe-

la Ufam, ajudou os professoresindígenas a criarem métodosde ensino por meio de jogos euso de material concreto paracrianças do Ensino Funda-mental.

“Utilizamos a metodologiado ensino no contexto indíge-na. Os materiais concretos queeles utilizaram vinham do pró-prio ambiente da aldeia, comotampinhas de garrafas pet ousementes de tucumã. Os jogostambém foram confecciona-dos na própria aldeia. Isso éum trabalho único na área”,destacou o professor.

O grupo do indígena Ro-semberg Corrêa, 35, verificouque os alunos do Ensino Fun-damental da aldeia São Félix ti-nham dificuldade nas opera-ções de multiplicação. Para fa-cilitar a aprendizagem o grupocriou o jogo de cartas chamado‘Advinha a multiplicação’.

O jogo consiste em dois jo-gadores e um mediador. O me-diador sabe o resultado damultiplicação das duas cartas.Para ganhar, a criança deveresponder qual é o número dacarta antes do adversário. “Per -cebemos que eles ficaram mui-

FRASE

Mariomar Moreirade Souza.P rofe ss o rOmagistério sódavacondições paratrabalhar atéa4ª sériedo(ensino)Fundamentalee st ávamo spreocupados comaformaçãodenossosprofessores ecrianças”

51indígenas concluíram

seus cursos neste mês,

após cinco anos, e voltarãoparaas escolas de suas aldeiaslevandooconhecimentoadquiridopor meiodau ni ve rs idade

AÇÃO

Segunda-feira, 29 de abril de 2 01 3Diário do Amazonas | visite D24am.com 17Sociedade

Domingo: Tecnologia / Segunda-feira: Meio Ambiente / Terça-feira: Ciência e Tecnologia / Quarta-feira: Saúde / Quinta-feira: Educação / Sexta-feira: Bem-Estar / Sábado: Au to s

MURA

Dicionários documentam osaber dos povos indígenas

OcursodeLicenciaturadaetniaMura seencerrahojeedeixa umlegadoparaos indígenas:o registrode seus conhecimentos milenares.NaáreadeLetras foramproduzidosnovedicionários quedocumentamos saberes dopovoemdiversasáreas,comoas variedades deplantas eárvores,espécies depeixes e receitas medicinais.“Os índios têm umaculturadepassar oconhecimentopor meiodaoralidade. Apartir domomento quese temescolaépossível registraresseconhecimento”,disseaprofessoraCristinadeCássiaBorella,mestreemLinguísticapelaUniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp), queorientou os alunosnaconclusãodos trabalhos.“Acoletadedados foi feitapor meiodeentrevistas comos mais idososdaaldeia. Foiobservado quemuitasdas espécies depeixes eárvores daregiãoestavamdesaparecendo,e,comos dicionários,podemosagregar valor aoconhecimento queeles já tinhamegarantir que seja

passadoaoutras gerações”,explicou aprofessoraCristina.Atualmente,ocursode licenciatura,queantes eradirecionadoaos Mura,agoraabrangemais duas etnias epassou a sechamar LicenciaturaEspecíficaparaFormaçãodeProfessores Indígenas. Em 2011,osMunduruku eos Saterê-Mawéiniciaram seus cursos enofinaldestemês terãoaulas dentrodonovoCentrodeFormaçãodeProfessores Indígenas,naFazendaUniversitáriadaUfam, localizadanokm 39daBR174.Oprofessor WashingtonMendonçaafirmou queissoé ummarconahistória, tantoparaos indígenascomoparaa universidade. “Oíndioagorafaz o trabalho queopesquisador saíadeManaus parafazer. Éalgoincrível,pois,elenão sóajudaa suaaldeiacomoconhecimentocomo tambémoregistraemníveis acadêmicos. Issonuncafoi feitoantes e vai trazermuitos frutos”, ressaltou op rofe ss o r.

to satisfeitos e pararam de fal-tar aula. Agora, pretendemosaplicar os jogos em todas as ou-tras disciplinas”, contou Ro-semberg.

As dificuldades no aprendi-zado dos cálculos também foitema do projeto de Bernardode Santos Soares, 40, e Luís deSouza Matos, 32, da aldeia Jo-sefa. Para isso eles utilizaram omaterial concreto como formade ensinar matemática efetiva-mente, “Vimos que muitos sa-bem matemática porque deco-ram a tabuada e não porqueconhecem os cálculos. Com es-se método de usar as sementesde tucumã ou as tampinhaseles aprendem o que são deze-nas e centenas. Agora, espera-mos mudar o paradigma deaprendizado de nossas crian-ças indígenas”, declarou Ber-na r do.

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FRASE

Cristina de CássiaBo rella .P rofe ss o raFoiobservado quemuitas das espéciesdepeixes eárvores daregiãoestavamdesaparecendo,e,comos dicionários,podemos agregarvalor aoconhecimento queeles já tinhamegarantir que sejapassadoaoutrasge raçõe s ”

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