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FOTOJORNALISMO II Aula 3 Profa. Julia Dantas de Oliveira Penteado 07/04/2016 UNESP/BAURU

Fotojornalismo II - Aula 3 - Implicações da psicanálise na fotografia

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FOTOJORNALISMO II

Aula 3Profa. Julia Dantas de Oliveira Penteado

07/04/2016UNESP/BAURU

IMPLICAÇÕES DA PSICANÁLISE NA

FOTOGRAFIA

■Por que somos impelidos a olhar?■Qual é a fotografia que “convence”?■Como se dá a nossa relação de

identificação com a fotografia?■Como se dá a nossa relação de afeto

com a fotografia?■Por que gostamos mais de algumas

fotos e não de outras?

A imagem e a psicanálise

■ Jacques Aumont: A Imagem (2002)■ O espectador é um sujeito com afetos, pulsões e

emoções ■ Freud: dois níveis de atividade psíquica:

– Nível primário: organização dos processos do inconsciente (sintomas neuróticos, sonhos)

– Nível secundário: pensamento consciente (expressão social, civilizada, discursos racionais)

■ Na psicanálise: imagem interfere no inconsciente / imagem artística como sintoma

Arte como sintoma

■ Freud relacionava as obras de arte em seu aspecto subjetivo e realizava um estudo do seu produtor, do artista.

■ Encarava a imagem como um discurso do inconsciente: “por que querer exprimir esse estado psicológico, e não outro?”

■ Psicanalista: não interpretar o que está representado, mas o que está reprimido; não o produto final, mas as operações inconscientes de que ele traz a marca

■ Nova abordagem: a obra não é mais sintoma de uma neurose, mas é apenas uma demonstração da produção organizada segundo as regras do inconsciente em geral

“A lembrança infantil de Leonardo da Vinci”, Sigmund Freud (1910)

■ “A Sant’Ana, a Virgem e o Menino”

Jacques Lacan: imagem = imaginário identificação■ A noção do imaginário na teoria lacaniana: É a relação

do sujeito com suas identificações formadoras e a relação ilusória do sujeito com o real

■ É através das imagens que o sujeito identifica os objetos com o real (ex: espelho)

■ O sujeito se relaciona com o simbólico através de formações imaginárias

■Relação do sujeito com o simbólico é feita de duas formações imaginárias:– Objetos de desejo– Identificações

Cinema e na fotografia – matrizes do imaginário

■ Christian Metz (1977) – cinema aprofundou a noção de imaginário

■ “O cinema faz com que a percepção surja maciçamente, mas para logo deixá-la cair em sua própria ausência, que é entretanto o único significante presente.”

■ Metz – identificação do espectador em dois níveis:– “primária”: do sujeito espectador com seu próprio

olhar (“Toda imagem encontra o imaginário, provocando redes identificadoras e acionando a identificação do espectador consigo mesmo como espectador que olha”)

– “secundária”: do sujeito com elementos da imagem

Metz: dois tipos de identificação do espectador com as imagens

primária: como eu olho essa imagem?

secundária: com o que eu me identifico nessa imagem?

A pulsão escópica (Ou: por que somos impelidos a olhar?)

■ Pulsão: lugar do encontro entre uma excitação corporal e sua expressão em um aparalho psíquico que visa dominar essa excitação. Humano se guia mais pelas pulsões do que pelos instintos

■ Pulsão escópica: necessidade de ver – por meio do olhar (Jacques Lacan)

■ Olhar, diferente da visão, é realizado de modo ativo e mais ou menos deliberado

■ O cinema, ao conjugar imagem visual e narração, articula mais manifestamente o desejo e as pulsões

Dois estudos do olhar na abordagem psicanalítica (Lacan)Os olhares representados na imagem e como eles implicam no olhar do espectador (processo de identificação)

O olhar do espectador como satisfação parcial do seu voyeurismo básico (objeto de desejo)

 Daniel Berehulak/The New York TImesFoto: Gabriel Reis e André Freitas /Agnews

“Jogo intersubjetivo complexo”■ De um lado, o espectador que habilita e censura o seu olhar; de

outro, os olhares trocados dentro da narrativa e os que se dirigem ao espectador (“ser apanhado”)

Laura Mulvey (1975): diferença sexual■ Laura Mulvey (1975): Diferenças entre personagens masculinos e

femininos: um é dotado do poder de olhar, outro feito para ser olhado. Mulher como imagem, homem como portador do olhar.

Na publicidade

Angela Merkel (chanceler da Alemanha) Cristina Kirchner (ex-presidente da Argentina)

Obama em visita ao Brasil

No fotojornalismo

No fotojornalismo

Protesto de secundaristas. (Foto: Newton Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo)

Imagem como fonte de afetos ■ Kant: “o sentimento de um prazer ou de um

desprazer (...) que não deixa o sujeito chegar à reflexão”

■ Wilhem Worringer (1913): Abstraktion und Einfühlung

■ “Estética psicológica” no início do século que se baseia em dois conceitos:– Abstração: produção artística decorrente de um

“querer” artístico, formas artísticas concebidas no modo da estilização geométrica, fundadas em uma relação menos ótica e mais tátil com a realidade

– Empatia (Einfühlung): com a natureza a com o mundo, a partir de uma relação feliz e identificatória com o mundo exterior

“Estética psicológica” da abstraçãoEstilo claro, inorgânico, baseado na linha reta e superfície

plana, geométrico, valores coletivos

Profunda necessidade psicológica de ordem para compensar a angústia do contato com o mundo exterior

“Estética psicológica” da empatiaNaturalismo, orgânico, fundado no arredondado e

tridimensionalidade, tendências e aspirações individuais

Arte imitativa, naturalista, provém da relação empática com o mundo

As imagens e as emoções

■ Na psicanálise, há duas abordagens sobre a emoção: neutra e desvalorizadora

– Neutra: emoção é reguladora da passagem da emoção à ação (Francis Vanoye, 1989)

– Negativa: sinal de disfunção correlata a uma baixa dos desempenhos do sujeito

“Na maioria dos casos, as imagens provocam processos emocionais incompletos, já que não já

nem passagem da emoção à ação, nem verdadeira comunicação entre espectador e imagem”

(AUMONT, Jacques)

Relação negativa das emoções com as imagens: sensacionalismo

Guerra do Vietnã por Donald McCullin.

Foto: Agência Press/2015

Relação afetiva: a foto como fetiche

■Christian Metz – várias características da fotografia facilitam a sua fetichização:– Tamanho pequeno – Interrupção do olhar que ela

provoca– Indicador de algo que foi e não é

mais – Ausência de som e movimento –

ligação simbólica com a morte– Relação com o fora-de-campo:

relação com a castração

Qual é a fotografia que “convence”?

■Retórica de Aristóteles– Ethos: a credibilidade e verossimilhança

da foto; a autoridade de quem a tira (precisamos acreditar que aquilo representa o real)

– Logos: a lógica da narrativa: harmonia entre conteúdo, enquadramento, luz

– Pathos: fotografia com apelo emocional (Valores humanos compartilhados)

Tornado de Oklahoma, 2013. Joshua Lott / AFP / Getty Images

(Foto: LUCY NICHOLSON)

Desabamento em Bangladesh. Taslima Akhter, 2013.

“Tempos difíceis para orangotangos”. Tim Laman, 2014.

Nair Benedicto, 1978.

Por que gostamos de algumas fotografias e não de outras?

■ Roland Barthes: A Câmara Clara (1980) – teoriza a relação do espectador com a imagem fotográfica– Foto do fotógrafo: studium – a informação

contida na foto, sinais objetivos, campo codificado intencionalmente

– Foto do espectador: punctum – o acaso, associações subjetivas, descobrir na foto um objeto parcial de desejo não-intencional, identificação

“Cada espectador se investirá de forma singular ao apropriar-se de certos elementos da foto que serão, para ele, como pequenos pedaços destacados do real. A foto satisfaz,

assim, em particular, a pulsão escópica, já que permite ver mas também olhar.” (AUMONT, p.

128)

Studium■ O studium possui afeto médio,

interesse geral, às vezes emocionado, emoção que passa pela cultura moral e política. “É pelo studium que me interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos” (p. 45 – 46). É um interesse “investido”, que se busca.

O presidente John F. Kennedy e o ex-presidente Dwight D. Eisenhower estão passeando em Camp David (Foto: Paul Vathis, 1962)

Studium: a grande maioria das fotos

Grevistas da Ford. (Milton Brooks, 1941)

Mulher abandonada pelo marido. (Fotos: Lilo Clareto/Reporter Brasil)

Gol do Palmeiras. (Agustin Marcarian/AP Photo)

Punctum: algo que “punge” individualmente■ O punctum não pode ser

objetivado nem universalizado, é próprio de cada espectador. “É ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar.” Deixa uma marca. O acaso que na foto me punge, me mortifica, me fere.

Charles Clifford: Alhambra, 1854-1856

Julia Dantas

Lewis Hine, 1924.

James van der Zee, 1926.

Jovem com braço estendido. (Mapplethorpe)

Studium x Punctum■ Mensagem “unária” do studium■ Punctum: cria-se um universo no imaginário, algo extra-campo

EXERCÍCIO: STUDIUM X PUNCTUM?

Amanda and her cousin Amy. (Ellen Mark, 1990)

Garimpeiros no Carrossel em Serra Pelada. (Nair Benedicto, 1980)

Sugestão do André

Sugestão do Nilo

Sugestão do Lucas

Sugestão do Augusto

R. Avedon, 1963.

Criança-soldado de uma milícia na República do Congo. “The Rape of a a Nation”. 2008. © Marcus Bleasdale/VII Photo Agency

Elefantes marinhos na Géorgia do Sul. Gênesis. (2009) Sebastião Salgado

Omayra Sánchez. (Frank Fournier, 1985)

Boys running into the surf at

Lake Tanganyika. 1932.

Foto: Martin Munkacsi

Antes de terminarmos o assunto psicanálise...

Fome no Sudão. Foto: Kevin Carter/1993.

Na fotografia: arte como sintoma ou agente de somatização?

Fotos de Kevin Carter retratam a morte e a violência

“Estou deprimido, sem telefone, sem dinheiro para

pagar a renda, sem dinheiro para ajudar ao sustento da

minha criança, sem dinheiro para pagar as dívidas, sem dinheiro! Sou assombrado pelas vívidas memórias de

mortes e cadáveres e raiva e dor, de crianças feridas e

esfomeadas, de loucos que assassinam alegremente,

alguns deles polícias (…). A dor de viver ultrapassa a

alegria ao ponto em que esta deixa de existir.”

(Bilhete de Kevin Carter, 27/07/1994)

Foto: Guy Adams

Êxodos (2000). Sebastião Salgado

Êxodos (2000). Sebastião Salgado

Sebastião adquiriu uma doença

autoimune e quase abandonou a

fotografia após o trabalho realizado em

Êxodos.“Você viu tanta morte

que você mesmo está morrendo”