Confira trecho do livro Sociedade Secreta do Sexo, lançamento de abril do selo Leytoras
Text of Trecho Sociedade Secreta do Sexo
1. 9 INTRODUO O preto, o branco, os tons de cinza e todas as
outras cores Preto e branco. P&B ou, na linguagem oral, peb.
Assim so chama- das, por quem acha que um casal pouco quando se
trata de sexo, as pessoas adeptas da monogamia convencional. Apenas
os swingers e libertinos so coloridos. O resto da populao reside
numa zona re- pleta de tons de cinza, mas sem nenhum amarelo, azul
ou vermelho. Os coloridos tm l seu mtodo para reconhecer os
semelhantes. como se, ao se iniciar no sexo liberal, o sujeito
recebesse uma lente que o permitisse distinguir seus pares
coloridos do resto do mundo repentinamente esmaecido at ficar
P&B. Os P&Bs no tm nenhuma lente semelhante para detectar
os jogadores do outro time. Os swingers no ostentam um estilo de se
vestir que os identifique como uma tribo urbana, como os skatistas
ou os hipsters. Os frequentadores de orgias no desenvolveram uma
gria prpria como a dos surfistas h alguns termos especficos, a
exemplo dessa coisa de colorido e P&B, mas nada que seja
vocaliza- do fora dos ambientes frequentados exclusivamente por
eles. No adotam como cdigo nenhum corte de cabelo ou adereo
corporal particular (pelo menos nada que possa ser observado em um
sujeito vestido adequadamente para qualquer ocasio social). Essas
pessoas no so necessariamente jovens, velhas, ricas, pobres,
gordas, ma- gras nem tatuadas. Sociedade_Secreta_Sexo.indd
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2. 10 A Sociedade Secreta do Sexo A gente de que eu trato em A
Sociedade Secreta do Sexo pode ser aquela quarentona enxuta, com
roupa de ginstica, que est sua frente na fila do supermercado com
dois filhos pr-adolescentes. Pode ser o gerente da sua conta
bancria. Pode ser a linda morena de 25 anos que comeou anteontem no
departamento de marketing da sua empresa. Pode ser o chef de
cozinha que j virou celebridade. Podem ser os seus sogros. Ou os
seus pais. Pode ser qualquer um. Swingers, libertinos, orgiastas e
afins constituem uma camada in- visvel da sociedade. O que eles no
desejam que amigos, famlia e colegas de trabalho saibam de suas
travessuras sexuais. Temem o preconceito dos outros e tm razo em
pensar assim. No preciso mais que uma frao de segundo para que a
mente de um cidado mediano rotule de corno um homem que sente
prazer em ver sua esposa transar com outro homem e de vagabunda a
mulher que se entrega para vrios indivduos de ambos os sexos numa
mesma noite. Por isso, essas pessoas so extremamente discretas e
receosas de se expor ao mundo exterior. A invisibilidade o que lhes
d a possi- bilidade de serem tratadas com dignidade no escritrio,
na igreja, em lugares pblicos e dentro da prpria casa. Para
viabilizar meu trabalho e no prejudicar ningum, eu garanti
anonimato aos entrevistados que confiaram em mim e me deram a
chance de frequentar, como visitante, seu universo. No estou fa-
lando das casas de swing: estas esto abertas ao pblico, basta pagar
para entrar. Falo das conversas em que eles escancaram os dois la-
dos de suas vidas, algo que no costumam fazer a um P&B, quanto
mais a um jornalista. Em respeito a essas pessoas, tomei a
liberdade de trocar nomes, datas, locais e outras informaes que no
alte- ram a essncia da histria. S no farei isso nos (poucos) casos
em que obtive autorizao para publicar o nome real de algum. Para
que voc saiba se estou protegendo a identidade de um personagem do
livro, estabeleci a seguinte regra: quando ele tiver nome e
sobreno- me, essas informaes so verdadeiras; se for chamado apenas
pelo prenome, porque mudei um ou mais dados. Como qualquer grupo
social, as pessoas retratadas aqui no com- pem uma massa homognea.
Existem os swingers, que sozinhos Sociedade_Secreta_Sexo.indd
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3. 11 Marcos Nogueira constituem um grupo complexo. Na acepo
original, estes so ca- sais que praticam a troca de parceiros com
outros casais. Eles cons- truram uma comunidade organizada, com
estilo de vida e cdigos de conduta mais ou menos iguais em qualquer
parte do mundo. Essa comunidade quase universalmente conhecida por
o meio e en- globa tambm aqueles interessados em sexo a trs ou em
grupos de todo tamanho, inclusive gente solteira que participa de
orgias. Para complicar, dentro do meio h aqueles que rejeitam
firmemen- te o rtulo swinger, por no se julgar 100% pertencente
comuni- dade ou por preciosismo semntico. Quem se autodenomina
liberal, por exemplo, pode ser algum que vai ocasionalmente a
clubes de swing ou orgias, porm se recusa a adotar o lifestyle: no
constri um crculo de amizades a partir de suas preferncias sexuais
nem se preocupa muito em discutir a filosofia de vida que tem como
pilar a rotao de parceiros. Pode ser tambm algum que entenda o
swing apenas como a troca de casais, deixando o mnage e as outras
va- riantes sexuais como prticas liberais. Liberal , enfim, uma
palavra usada com muita liberalidade: pode significar quase
qualquer coisa. J os ditos libertinos tm uma preocupao enorme em
tratar a liberdade sexual como filosofia, mas abominam a esttica
swinger tida por cafona e so assumidamente exclusivistas. As
sociedades libertinas selecionam seus membros com base em beleza,
instruo e posio social. Existem tambm aqueles que querem vincular
seu hedonismo ao paganismo, ao culto a Dionsio ou Baco, nomes grego
e latino do deus do vinho e dos excessos. E h, claro, aqueles que
no se encaixam em nenhum rtulo e circulam como elementos avulsos em
qualquer um desses crculos. Por serem pouco numerosos, os
participantes de todos os subgrupos se misturam em muitas ocasi-
es: swingers frequentam orgias de libertinos e dionsicos organi-
zam festas em casas de swing. raro algum ser colorido desde a
iniciao sexual. A metamor- fose costuma se dar quando o indivduo
P&B comea a ter curiosi- dade sobre formas alternativas de sexo
e, na maioria das vezes, vai a um clube de swing apenas para olhar.
O passo seguinte transar com Sociedade_Secreta_Sexo.indd
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4. 12 A Sociedade Secreta do Sexo o prprio companheiro num
ambiente pblico o exibicionimo e o voyeurismo, e no apenas a troca
de parceiros, so fundamentais ao swing. O casal ento conhece
pessoas nesses ambientes e pode ou no avanar para o prximo estgio,
que efetuar a troca em algum nvel, do beijo na boca penetrao. A
ltima etapa da converso de um P&B a admisso na panelinha, no
clube fechado, na comunida- de, na sociedade secreta. As sociedades
secretas existem para esconder do resto do mundo aquilo que se
pratica sob o manto do anonimato. Elas protegem seus membros da
exposio pblica e inibem a contaminao de determi- nado grupo social
por elementos estranhos. Entre os swingers, isso significa
principalmente evitar que homens solteiros acompanhados de amigas
ou prostitutas entrem apenas em uma parte da transao pegar a mulher
do prximo. J as sociedades libertinas tentam coibir o ingresso de
gente feia, iletrada e grosseira. A nota de corte esttica vale
especialmente para as mulheres. Quando comecei a fazer este livro,
pensava na sociedade secreta do sexo como uma licena potica.
Pensava em como essas pessoas, de to ciosas da prpria reputao,
conseguiam fazer o que fazem s escondidas de todo o resto da
sociedade. Ao longo da apurao, entre- tanto, descobri que swingers
e libertinos se organizam de fato em so- ciedades secretas. A
internet uma ferramenta indispensvel para que essas comunidades se
conectem remotamente, com associados em di- ferentes Estados ou
pases. Como num facebook sacana, formam-se redes sociais para
conversar, marcar encontros e divulgar eventos. S que,
diferentemente do que ocorre no Facebook, no basta criar um perfil
para participar. Na Madame O, sociedade libertina internacional que
ocupa boa parte das pginas deste livro, o plei- teante a scio
minuciosamente avaliado em fotos e precisa dar as respostas certas
em um questionrio de perguntas altamente subje- tivas. Precisa,
sobretudo, agradar ao dono do clube. No CRS, rede brasileira que
visa atestar a autenticidade dos casais swingers para aumentar a
segurana nos encontros s cegas, os novos scios s chegam por indicao
e apenas ganham acesso ao contedo do site
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5. 13 Marcos Nogueira depois de abenoados por quatro padrinhos.
Os acusados de se in- filtrar na rede so julgados sumariamente sem
direito a defesa e ex- pulsos. Aconteceu comigo. O germe de A
Sociedade Secreta do Sexo foi uma orgia de luxo que a rede Madame O
promoveu em So Paulo em 2009. A festa rendeu uma reportagem de boa
repercusso na revista masculina VIP e me despertou o interesse pelo
tema, que ressurgiu no meu horizonte profissional trs anos depois,
quando me propus a fazer este livro. Para compor o material a
seguir, demorei cerca de um ano. Restringi minha pesquisa aos
crculos heterossexuais que admitem a bissexualidade feminina o
universo gay tem padres de compor- tamento e outras peculiaridades
que rendem um livro s para ele. Procurei tambm no mergulhar fundo
nas incontveis variantes do fetiche. Seria uma digresso longa
demais para um tema que tambm merece uma obra prpria (ou vrias,
como comprova E.L. James). Concentrei-me em uma modalidade de sexo
que, no fim da contas, conservadora em sua transgresso. Fui a sete
orgias, frequentei oito clubes de swing, hospedei-me em um hotel
para swingers, estive em quatro pases e quatro Estados brasileiros,
entrevistei ou conversei informalmente com dezenas de pessoas,
devorei livros e artigos, na- veguei alm do limite da prudncia em
sites muitas vezes suspeitos e me cadastrei em pelo menos meia dzia
de outras sociedades mais ou menos exclusivas. Apesar de se tratar
de uma reportagem, e no de literatura ertica, precisei recorrer ao
linguajar explcito e a des- cries grficas de sexo. Perdo a quem se
ofende com palavres. Eu queria descobrir qual era a motivao desses
indivduos. Creio que consegui algumas pistas. Constatei, como j
esperava, que eles no mordem. Que so vtimas de preconceito. Que no
fazem mal a ningum, a no ser, em alguns casos, a eles mesmos. O
sexo inseguro uma questo delicada no meio. Todos dizem usar
preservativos quando se relacionam com um parceiro alheio, mas eu
vi mais de uma vez pessoas em penetrao desprotegida com dois ou
mais parceiros consecutivos. O fato que em toda casa de
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6. 14 A Sociedade Secreta do Sexo swing e toda orgia a que fui
havia camisinhas disposio. Vi emba- lagens rasgadas e vi camisinhas
usadas no cho. Muitos dos que eu vi transando sem elas poderiam
estar com seu par fixo. No mais, os ambientes que frequentei so em
geral escuros e no permitiam que eu carregasse um bloco de anotaes.
Para que a observao equi- vocada ou um lapso de memria no se
transformasse em acusao leviana, decidi no tocar no assunto nos
captulos que seguem. H ainda o impacto emocional. Ningum se
aventura nessa sel- va de traies consentidas sem levar ao menos
algumas picadas de mosquito. O problema maior ocorre quando aparece
sua frente um bfalo ou um rinoceronte apenas para mencionar dois
animais ferozes dotados de chifres. Brincadeiras parte, todo mundo
que participa de orgias (no h meros expectadores, quem olha
participa como voyeur) precisa lidar com a contrapartida psicolgica
que pode se materializar em consequncias boas ou ms. Pode ser a
epifania que te mostra o caminho para uma vida sexual mais
excitante. Pode ser um casamento desfeito. Pode ser a loucura.
Esses so casos extremos. As coisas, em geral, transcorrem de ma-
neira mais suave. Para quem nunca foi a uma orgia libertina, eu
reco- mendo fortemente que v. Pelo menos uma vez na vida. Voc vai
se surpreender de incio, pois uma festa a que todos os convidados
vo para ter diverso genuna, no por obrigaes sociais. Como no se
pode usar o celular (cmeras, previsivelmente, no pegam nada bem), a
ateno das pessoas direcionada s outras pessoas no ambiente, no a um
amigo distante no WhatsApp. Quase todos so gentis e ca- valheiros.
O lcool circula livremente, porm quase ningum bebe ao ponto de
ficar inconveniente ou agressivo (por razes bem presum- veis). E h
sexo, muito sexo. Sua reao na hora pode ser de estranha- mento, mas
tenha certeza de que o bichinho da fantasia se instalou em seu
crebro. E que voc vai ter transas timas com o seu parceiro ou sua
parceira nos dias seguintes. Enfim, em muitos aspectos uma orgia
uma festa bem melhor que a maioria das festas normais. Eu era um
P&B convicto quando comecei a trabalhar em A Socie- dade
Secreta do Sexo. Acho que peguei uma certa cor no final.
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7. 15 1 A primeira noite de um homem Um pouco, dois pouco, no
trs comea a ficar bom. Essa a lgi- ca da orgia. Quem nunca
participou de uma festa de sexo no sabe o que est perdendo ou
melhor, ainda no sabe, pois a inteno deste livro mostrar como essas
festas funcionam. Quem j foi deve con- cordar comigo: a primeira
orgia fica gravada para sempre na cabea. A minha foi na noite de 18
de abril de 2009. E que orgia! O Brasil nunca tinha visto suruba to
luxuosa. A lo- cao seria uma manso no bairro do Morumbi, em So
Paulo. Para entrar, pagava-se uma pequena fortuna, mas dinheiro no
era tudo. Se voc fosse feio, barrigudo, dentuo, mal-vestido, cafona
ou tives- se cara de pobre, seria barrado. Nessa orgia, s entrariam
os bonitos, os ricos, os elegantes, a elite devassa da capital
paulista. Eu... bem, eu entrei porque era jornalista. A festa
chamava-se Os Sete Pecados Capitais. Ningum iria a um lugar assim
procura de preguia ou de ira, imaginei. Mas eu incorri no pecado da
avareza: o acordo com os anfitries me pou- pou de pagar os R$480
referentes ao ingresso de um casal. Minha acompanhante era a
jornalista e amiga Cludia de Castro Lima. Ambos trabalhvamos como
editores na revista VIP e ambos ra- mos virgens em matria de
suruba. Escreveramos uma reporta- gem a quatro mos sobre a
experincia. Um pouco antes de a orgia Sociedade_Secreta_Sexo.indd
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8. 16 A Sociedade Secreta do Sexo comear, Claudinha estava
ligeiramente nervosa, visivelmente desconfortvel com a situao; eu
tentava acalm-la e fingir que no temia o que poderia vir a
acontecer nas prximas horas. No sabamos o que veramos, no sabamos
como os outros agiriam conosco e agora falo apenas por mim eu no
sabia como me comportaria. O caminho para conseguir entrar em um
evento to fechado foi tortuoso. Um ms antes, um colega da Editora
Abril nos ha- via mostrado um exemplar da edio espanhola da revista
GQ. Ela trazia um texto sobre festas exclusivssimas de sexo grupal,
sempre temticas, com nomes como Delta de Vnus ou Divina Com- dia.
Havia trs anos, as surubas de luxo aconteciam de forma mui- to
discreta na Itlia, Frana e Sua. E anunciava: em breve, So Paulo
entraria na rota da tal Madame O. At onde sabamos ento, esse nome
era usado para proteger as identidades dos verdadeiros promotores
das orgias. Chegar a ela (ou melhor, a eles) era a tarefa seguinte.
Madame O possui um site, mas impossvel de avanar alm da tela de
abertura um logotipo com uma mscara veneziana den- tro da letra o e
a foto de uma mulher tambm mascarada sem uma senha. Caminho errado.
Por feliz coincidncia, outro colega da editora conhecia Eduardo, um
ilustre empresrio da noite paulista- na, que tinha conexes com os
europeus da Madame O. Dizer que ele tinha conexes pouco: em uma
viagem Itlia, Eduardo havia tratado de negcios com a Madame O (ou
com quem se escondia atrs do codinome), de quem ficou amigo. O
brasileiro foi convida- do para a festa libertina, gostou muito e
props traz-la a So Paulo. Em pouco tempo, Eduardo seria scio na
primeira verso tropical da orgia. Aps uma negociao com a chefia da
revista, Eduardo concor- dou que alguns jornalistas fossem festa
com as seguintes condi- es: no poderiam fotografar ou anotar nada,
no poderiam se identificar como reprteres e no poderiam abordar
convidados para entrevist-los (nada foi mencionado sobre outros
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9. 17 Marcos Nogueira abordagem). O uso de celulares era
vetado. Eu e Cludia fomos designados para representar um casal
voyeur e relatar nossa experi- ncia. O redator-chefe Renato Krausz
tambm iria com a mulher, a passeio. Como condies autoimpostas, eu e
Cludia no iramos partici- par da orgia, apenas observ-la. Ambos
ramos comprometidos com outras pessoas (e ainda somos enquanto
escrevo isto) e cairamos em um dilema insolvel ao nos deixar levar
pela luxria. Se narrssemos as peripcias na revista, nossos
relacionamentos seriam feridos de morte; se as omitssemos,
atentaramos contra o jornalismo e sua tica. Alm das instrues
especficas para trabalhar discretamente, deveramos seguir as regras
propostas a todos os convidados. Enga- na-se muito quem acredita
nos dicionrios que definem as palavras suruba e orgia como sinnimos
de tumulto e baguna. Uma fes- ta de sexo grupal uma das coisas mais
organizadas que existem, com uma intrincada etiqueta prpria e
ditames que quase ningum ousa desobedecer. As primeiras orientaes
vinham no convite oficial, uma pea confusa com ilustraes erticas de
mulheres, um longo texto sobre a suposta libertinagem do movimento
modernista de 1922 e algumas palavras em italiano que explicavam o
esprito da coisa. A histria desta festa (...) uma histria de
mulheres, de amores, de paixes e de desejos secretos. Uma histria
de mulheres que amam as mulhe- res, que amam os homens e (...) se
renem para trocar seu homem por outro e gozar de ambos. Nas letras
midas, o convite estipulava o seguinte dress code: social para os
senhores e elegante para as senhoras, ambos com mscaras, em
sintonia com as vestes. A mscara, como se podia perceber no site,
deveria ser do tipo usado no Carnaval veneziano. Havia claramente a
inspirao na cena de orgia do filme De Olhos Bem Fechados.
Felizmente, nada era dito sobre capas ou black-tie, itens que o
personagem vivido por Tom Cruise precisou caar na noite
nova-iorquina. Outra diferena em relao s regras da orgia fictcia
era o horrio: enquanto o mdico Bill Harford chegou no
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10. 18 A Sociedade Secreta do Sexo meio da madrugada, ns
seramos barrados caso no chegssemos entre 22h e 23h. O endereo
exato s nos seria revelado alguns mi- nutos antes disso. Com
mscaras alugadas em um brech, nos dirigimos ao ponto de encontro
combinado por e-mail, o restaurante Casa da Fazenda, no carro de
Renato, um Citren Picasso que teve a cadeirinha de criana do banco
traseiro removida para acomodar quatro pessoas. Em frente ao muro
do restaurante, um rapaz contratado pela orga- nizao nos entregou
um rolo de papel (que nosso contato chamou de pergaminho) com as
direes para chegar ao local da festa. Ro- damos alguns quarteires
at que, numa rua tranquila e arborizada, uma concentrao incomum de
BMWs, Mercedes e Land Rovers de- nunciava: havamos chegado.
Pontualmente s 23h. Nada indicava que aquele seria o cenrio de uma
bacanal. Pare- cia uma festa comum em uma casa comum de gente rica
mas nem tanto, uma construo dos anos de 1970 em concreto armado com
dois andares, quatro quartos e um espaoso jardim com piscina ainda
assim, nenhum palcio. Na entrada, formou-se uma pequena fila de
convidados que esperavam sua vez de dar o nome hostess. As
mulheres, quase todas jovens, esguias e bonitas, usavam vestidos
curtos, porm elegantes. Os homens vestiam ternos escuros. Tudo
conforme mandava o convite, com exceo de um detalhe: as msca- ras.
Ningum as usava. Prevendo que muitos teriam dificuldade em
encontrar msca- ras venezianas (e que outros tantos tentariam
burlar esse detalhe do dress code), os anfitries montaram uma
lojinha bem na entra- da da casa. As mscaras eram vendidas a R$60
(modelo masculino) e R$90 (modelo feminino), e quem alegava no ter
encontrado o acessrio era gentilmente intimado a comprar uma.
Dentro da casa, todos se encontravam devidamente mascarados. Havia
peas de di- versos estilos, mas todas diferiam das mscaras usadas
em De Olhos Bem Fechados num aspecto fundamental. Enquanto no filme
elas escondem completamente o rosto, l elas cobriam, quando muito,
da testa ao nariz. Em nome de criar um clima sombrio e misterioso,
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11. 19 Marcos Nogueira Stanley Kubrick parece ter-se esquecido
de que, quando vo a festas, as pessoas usam a boca para beber,
comer, fumar e beijar. Numa fes- ta daquela natureza, ento, as
possibilidades de uso da boca tendem ao infinito. Quando entramos,
as bocas eram usadas para falar muito. Con- versa, no o flerte
explcito, era o que se via mais no incio da orgia. Havia rodinhas
de amigos, com algumas pessoas que se revezavam entre uma roda e
outra. Parecia que todos se conheciam naquele lugar. Com a escada
que conduzia ao piso superior bloqueada por uma fita, a maior parte
do grupo se concentrou no salo principal do trreo. Alguns se
acomodavam nos sofs, outros sentavam desa- jeitadamente nos pufes.
Garons circulavam com bandejas. O som msica lounge estava alto, mas
no o bastante para atrapalhar a conversa incessante. Todo mundo
estava vestido como se esti- vesse em uma festa de casamento. Alis,
tudo lembrava uma festa de casamento sem noivos, sem padre e com
todos os convidados mascarados. Do lado de fora, beira da piscina
(o relativo frio do outono pau- listano nos privou do show aqutico
dos convidados nus), a con- centrao humana era mais esparsa, com
grupos menores, fumantes avulsos e um ou outro casal deslocado. Era
l que ns quatro estva- mos. quela altura, tnhamos poucos indcios de
que a noite seguiria o roteiro descrito no convite: 22h 24h
Cocktail Atmosfera misteriosa, glamour, delcias e sabores, msicas
sensuais, olhares e sussurros, licores inebriantes e doces
fragrncias, procura de outros libertinos com quem animar a prpria
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