89
A INTERPRETAÇÃO DE TEXTO COM BASE NOS FATORES DE COERÊNCIA Vanessa Chaves de Almeida UFRJ/2005

Dissertação vanessa-almeida

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Dissertação vanessa-almeida

A INTERPRETAÇÃO DE TEXTO COM BASE NOS FATORES DE

COERÊNCIA

Vanessa Chaves de Almeida

UFRJ/2005

Page 2: Dissertação vanessa-almeida

A INTERPRETAÇÃO DE TEXTO COM BASE NOS FATORES DE COERÊNCIA

por

Vanessa Chaves de Almeida

Departamento de Letras Vernáculas

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras Vernáculas, sub-área Língua Portuguesa, sob orientação da Profª Drª Leonor Werneck dos Santos.

UFRJ/ Faculdade de Letras/ Pós-graduação Setembro de 2005

Page 3: Dissertação vanessa-almeida

DEFESA DE DISSERTAÇÃO ALMEIDA, Vanessa Chaves de. A interpretação de textos com base nos fatores de coerência. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2005. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

BANCA EXAMINADORA

Professor Doutor Leonor Werneck dos Santos – UFRJ Orientadora

Professor Doutor Agostinho Dias Carneiro – UFRJ

Professor Doutor Maria Tereza Gonçalves Pereira – UERJ

Professor Doutor Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ

Professor Doutor Armando Gens – UERJ/UFRJ

Defendida a Dissertação Em: 2 de setembro de 2005

Page 4: Dissertação vanessa-almeida

Aos meus pais,

meus primeiros educadores.

Aos meus professores,

que acreditaram e apostaram em mim,

mesmo sem perceber.

Aos meus alunos,

que me fizeram ser e sentir professora

e verdadeiramente educadora.

Page 5: Dissertação vanessa-almeida

Agradecimentos

Agradeço ao Ser Superior, que é a razão do meu viver. Ele me capacita

a enfrentar os obstáculos da vida. O mérito deste trabalho Lhe pertence.

À minha orientadora Leonor Werneck dos Santos, que aceitou o desafio

de enveredar por caminhos pedregosos como este, e por ser a amiga que

sempre me incentivou e depositou confiança em mim.

Aos professores do CAp UERJ, CEFET, CMRJ e CP II, que aceitaram

participar desta pesquisa, respondendo anonimamente as perguntas do

questionário que compõe um corpus desta pesquisa.

Ao professor Armando Gens, por ter me incentivado e mostrado luz nas

primeiras idéias desta pesquisa.

Às professoras Grazielle Furtado Alves da Costa, Maria Helena Corrêa

Grillo e Maria Spanó, por algumas sugestões e por compartilhar os mesmos

questionamentos.

Ao amigo Camilo Braga Gomes, por toda a ajuda prestada no que se

refere ao meu instrumento de trabalho, computador, e pelo incentivo

incondicional.

A todos os amigos que me apoiaram e me incentivaram a desenvolver

este trabalho. Aos que oraram para que ele fosse realizado com êxito e foram

consolo nos momentos mais difíceis. Seus nomes não constam nessas

páginas, mas estão escritos no meu coração.

Page 6: Dissertação vanessa-almeida

“Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma

forma continuamos a viver naqueles cujos olhos

aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa

palavra. O professor, assim, não morre jamais...”

(Rubem Alves)*

Page 7: Dissertação vanessa-almeida

SINOPSE Concepções de texto, leitura e interpretação. Os fatores de coerência como instrumento de interpretação de texto. A interpretação de texto na ótica docente: análise de questionários. Análise de questões de interpretação dos vestibulares da UERJ, UFF e UFRJ.

Page 8: Dissertação vanessa-almeida

Sumário

1. Introdução ...................................................................................................10

2. Pressupostos teóricos .................................................................................13

2.1. A concepção de texto .......................................................................... 13

2.2. Leitura, Compreensão e Interpretação ................................................ 17

2.3. A relação entre sentido e os fatores de coerência .............................. 20

2.3.1. Construção de sentido por Beaugrande & Dressler .................... 23

2.3.1.1. Situacionalidade ............................................................ 24

2.3.1.2. Informatividade .............................................................. 24

2.3.1.3. Intertextualidade ............................................................ 25

2.3.1.4. Intencionalidade ............................................................. 25

2.3.1.5. Aceitabilidade ................................................................ 26

2.3.2. Fatores de coerência por Koch &Travaglia ................................. 26

2.3.2.1. Elementos lingüísticos ................................................... 27

2.3.2.2. Conhecimento de mundo ............................................... 27

2.3.2.3. Conhecimento partilhado ............................................... 28

2.3.2.4. Inferência ....................................................................... 28

2.3.2.5. Fatores de Contextualização ......................................... 29

2.3.2.6. Focalização .................................................................... 29

2.3.2.7. Consistência e Relevância ............................................ 30

2.3.3. Os fatores de coerência na construção dos sentidos dos textos 31

3. O ensino de Interpretação .......................................................................... 32

3.1. Como se desenvolveu a pesquisa ...................................................... 32

3.2. O que os professores pensam sobre a Interpretação ......................... 35

3.3. Novo olhar sobre os fatores de coerência ........................................... 49

3.3.1.Conhecimento prévio ................................................................... 52

3.3.2.Contextualização .......................................................................... 56

3.3.3. Inferência ..................................................................................... 60

3.3.4. Intencionalidade .......................................................................... 66

3.3.5. Intertextualidade .......................................................................... 69

Page 9: Dissertação vanessa-almeida

4. Considerações finais .................................................................................. 75

Referências bibliográficas .......................................................................... 77

Bibliografia consultada ............................................................................... 81

Resumo ...................................................................................................... 85

Abstract ...................................................................................................... 86

Anexo ......................................................................................................... 87

Page 10: Dissertação vanessa-almeida

1. Introdução

Não é novidade que interpretar é importante na vida de qualquer

indivíduo, pois a interpretação, no sentido amplo da palavra, deve estar

presente em todo ato de comunicação. O ser humano expressa seus

pensamentos para ser entendido pelo outro, mas, para que isso aconteça, não

basta que os interlocutores saibam a mesma língua, pois ―a língua exprime

apenas uma parte do que se quer transmitir‖ (Perini, 2000:58).

Muitas vezes o outro (o interlocutor) não entende um texto, porque não

partilha conhecimentos prévios, como conhecimento de mundo, contexto em

que o texto foi produzido, relações intertextuais etc. Dessa maneira, ele não

consegue interpretar o texto, ou seja, abstrair o sentido, ou ainda, interagir com

o autor.

Ao pensar em interpretação na escola, verifica-se que é consenso entre

os professores que a interpretação é importante, no entanto nem todos sabem

o que deve ser ensinado sobre ela e como. Se um professor tem que ministrar

uma aula de interpretação, geralmente, leva um texto sobre o qual se limita a

fazer perguntas. Perini (2000) comenta que às vezes o aluno lê um texto, mas

não entende, e o professor aconselha que releia com atenção, mas ler e reler

não vai adiantar, se o aluno não tem as informações necessárias para entender

o texto.

Os professores nem sempre sabem o que ensinar para levar os alunos a

interpretar melhor. Carneiro (1997:130) declara que existem trabalhos que

apresentam algumas formas de trabalhar com o texto, ―trabalhos que abordam

de forma fragmentada grande variedade de elementos textuais, (...) coesão,

coerência, modos de organização discursiva, argumentação, persuasão,

anáfora, catáfora, implicitação, pressuposição, etc.‖, mas que ainda não foram

organizados de uma maneira que possam ser aplicados ao ensino nas escolas.

Cereja (1997:155) destaca a mesma dificuldade:

―Os professores de português, em grande parte, ao terem contato com essas propostas, reconhecem a pertinência delas e se sentem

Page 11: Dissertação vanessa-almeida

11

dispostos a alterar a prática pessoal. O problema é que, reunidas, essas propostas não chegam a construir um programa de ensino de Língua Portuguesa, nem uma seqüência didática, até porque esse não é um propósito dos pesquisadores que as formulam‖

Com relação a esta falta de metodologia, Pauliukonis (2003:3-4) alerta:

―A prática faz concluir que, por mais que se ensinasse a ler textos, nunca se ia esgotar o potencial da interpretação possível, sobretudo nos textos literários, por exemplo, mais conotativos e sempre presentes nas aulas de interpretação. Ao final de uma série de análises de textos, apresentadas em livros didáticos, o aluno não aprendia o ‗método‘, parece que ele estava sempre à frente de um novo texto, que ia exigir-lhe uma nova estratégia de interpretação e produção‖

Segundo Carneiro (1997:136), ―o significado de um elemento textual é

único e irrepetível, exatamente porque os valores do signo são referenciais,

contextuais e situacionais‖. Para o autor, cada interpretação de um texto é

única, e, ao depreender o sentido de um determinado texto, o professor só

estaria ensinando a interpretar melhor este mesmo texto. Porém, como não se

costumam estabelecer conteúdos sistematizados de interpretação, esta não

pode ser comparada a uma disciplina.

Pauliukonis (2003) e Carneiro (1997) mencionam que os objetivos da

interpretação estão mal formulados, pois muitos professores pensam que

levando um aluno a ler e interpretar um texto estariam levando-o a escrever

melhor. A autora destaca ainda que antigamente o texto era trabalhado em sala

de aula para extrair o seu valor estético e uma moral, depois se passou a ler

também para obter informação, para alargar o conhecimento. É preciso,

portanto, estabelecer quais são os objetivos que se pretendem alcançar ao

desenvolver a interpretação em sala de aula.

Diante dessas considerações e de alguns comentários de alunos e

professores que dizem que no vestibular ―só cai interpretação‖, propôs-se,

nesta pesquisa, averiguar o que os professores pensam sobre a interpretação

e analisar as provas de vestibulares UERJ, UFF e UFRJ para verificar em que

proporção é cobrada e como é abordada. Separaram-se, assim, as questões

que têm um enfoque na interpretação, com o objetivo de verificar quais

pressupostos teóricos se subentendem nessas questões.

Page 12: Dissertação vanessa-almeida

12

Para rediscutir melhor o que é a interpretação, o capítulo 2 faz um

levantamento teórico sobre o conceito de texto. Além disso, apresentam-se

conceitos de leitura e interpretação, segundo Kleiman (1989, 2002 e 2004) e

Orlandi (2004a e 2004b), e destaca-se a importância dos fatores de coerência,

de acordo com Beaugrande & Dressler (1997), Koch & Travaglia (2001; 2003) e

Koch (2003; 2004).

O capítulo 3 apresenta as análises dos corpora: questionários aplicados

a professores e as provas de vestibulares. Fazem-se algumas observações

sobre os questionários aplicados aos professores do CAp UERJ, CPII, CMRJ e

CEFET e sobre as provas da UERJ, UFF e UFRJ (de 2000 a 2004), verificando

o que está sendo trabalhado nas questões e estabelecendo, quando possível,

uma relação com as respostas dos professores. De acordo com o resultado

das análises, procura-se identificar os aspectos teóricos mais freqüentes nas

questões de interpretação.

Interpretar é tarefa essencial em todas as séries e deve estar presente

em todas as disciplinas, mas cabe ao professor de língua encontrar ―caminhos‖

que facilitem a interpretação. O presente trabalho tem, então, o objetivo de

abrir mais um caminho para trabalhar a atividade da interpretação em sala de

aula.

Page 13: Dissertação vanessa-almeida

2. Pressupostos teóricos

“Todo texto assemelha-se a um iceberg — o que fica à tona, isto é, o que é explicitado no texto é apenas uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado.”

(Ingedore Koch)

2. 1. A concepção de texto

Muitas são as concepções de texto apontadas desde a década de 60.

Bezerra (2003:35-36) constata que algumas são baseadas em estudos

estruturalistas para os quais ―o texto é um conjunto de unidades lingüísticas

(palavras, frases, períodos e parágrafos) que encerram um sentido‖; outras são

baseadas em estudos de lingüística textual, pragmática, semântica,

sociolingüística, análise do discurso, que, de uma forma generalizada,

consideram o texto uma unidade de sentido estabelecido entre leitor/autor.

De acordo com Halliday & Hasan (1994:1), ―The word text is used in

linguistics to refer to any passage, spoken or written, of whatever length, that

forms a unified whole‖.1 Para esses lingüistas, o texto é qualquer segmento que

esteja unificado, falado ou escrito, em verso ou em prosa, não importa a

extensão desde que haja uma ligação entre as partes.

Além disso, para os autores (id:2), é a textualidade que faz com que um

texto seja texto:

―A text has texture, and this is what distinguishes it from something that is not a text. (…) If a passage of English containing more than one sentence is perceived as a text, there will be certain linguistic features present in that passage which can be identified as contributing to its total unity and giving it texture.‖2

1 A palavra texto é usada em lingüística para referir qualquer trecho, falado ou escrito, de

qualquer tamanho, que forma um todo unificado. [tradução nossa] 2 Um texto tem textura/tessitura/textualidade e isso é o que distingue texto de alguma coisa que

não seja texto. Se um trecho em inglês contém mais de uma sentença percebida como texto, haverá certamente características lingüísticas presentes no trecho que podem ser identificads como contribuinte para um todo unificado que dá a textualidade.‖ [tradução nossa]

Page 14: Dissertação vanessa-almeida

14

Dessa forma, para os autores, a textualidade é dada por características

lingüísticas, ou seja, a união dos elementos lingüísticos caracteriza o texto. A

textualidade é essa ligação entre as partes, o que Halliday & Hasan chamam

de coesão.

No entanto, sabe-se a coesão sozinha não define um texto. Koch &

Travaglia (2003:15) esclarecem que

―não seriam somente as relações de coesão que fariam do texto um texto, isto é, que lhe dariam textura ou textualidade, pois ele precisa apresentar também um certo grau de coerência que envolve os vários componentes interpessoais e outras formas de influência do falante na situação de fala.‖

Os autores demonstram, portanto, que é necessário haver também

coerência, que pode ser estabelecida pelos componentes interpessoais para

que o texto ganhe sentido. Para os autores (2001:9)

―Texto será entendido como uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa, como unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente de sua extensão.‖

Por outro lado, segundo Beaugrande & Dressler (1997), o que define o

texto são sete elementos de textualidade: coesão e coerência,

intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situcionalidade e

intertextualidade.

De acordo com Brown & Yule (1983:199), ―texts are what hearers and

readers treat as texts‖3, dessa forma, é essencial a interação entre o texto e os

seus ouvintes ou leitores. Esse conceito vem valorizar o papel do ―receptor‖ ou

―destinatário‖, pois ele não é passivo (só recebe a mensagem), mas um

verdadeiro produtor. O mesmo afirma Perini (2000:64):

―o leitor precisa trabalhar para entender o texto. Não basta deixar passar o texto pelo sistema lingüístico português, que o espremeria

3 Textos são o que os ouvintes e leitores tratam como texto.[tradução nossa]

Page 15: Dissertação vanessa-almeida

15

para retirar o suco (que é o significado). O receptor tem de colocar em jogo seu conhecimento que é relevante para a compreensão do texto em questão e construir as ‗pontes‘ de sentido que amarram o texto, fazendo dele uma unidade. Por isso se diz, corretamente, que o receptor produz o sentido (não apenas o recebe); a própria palavra receptor, consagrada pelo uso, é enganosa:o receptor faz tanto quanto o emissor para dar sentido ao texto.‖ [grifos do autor]

O leitor faz esforços a fim de estabelecer o sentido, levantando

hipóteses para relacionar as idéias. Quando o leitor não consegue levantar

nenhuma hipótese, quando não estabelece sentido, isso mostra que aquele

conjunto de palavras (ou imagens) para ele não é texto, o que justifica o

conceito de Brow & Yule (1983), que o texto é aquilo que leitores e receptores

tratam como tal, estabelecendo uma comunicação.

Bakhtin (2000:279) também apresenta uma concepção semelhante:

―Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas das atividades humanas, o que não contradiz a unidade nacional de uma língua. A utilização da língua efetua-se como formas de enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional.‖

Dessa forma, o autor compreende o texto (enunciado) dentro de uma

dimensão discursiva. Muitos estudiosos seguem esta teoria; por exemplo, para

Brandão (2000:37), o enunciado é caracterizado como um produto da interação

social dentro de uma situação concreta de comunicação.

Castilho (2002: 55) também segue esta concepção de texto, valorizando

tanto a língua escrita (LE) quanto a língua falada (LF).

―Texto como produto de uma interação, que pode ser tipo ‗face-a-face‘, como na LF, ou do tipo ‗interação com um interlocutor invisível‘, como na LE‖ De qualquer forma, em nosso uso diário da língua estaremos sempre produzindo textos.‖

Page 16: Dissertação vanessa-almeida

16

Assim, se há uma interação entre os usuários da língua, esses estarão

sempre produzindo textos.

Por outro lado, nem sempre a dimensão discursiva se concretiza.

Segundo Brandão (2000:17), em algumas situações,

―o texto ainda não chegou na sua dimensão textual-discursiva. Uma dimensão discursiva do texto pressupõe uma concepção sócio-interacionista de linguagem centrada na problemática da interlocução.‖

É o que acontece em sala de aula, porque o texto parece ser trabalhado

somente com o objetivo de obter uma nota. O aluno tenta interagir com o

professor, pois se coloca numa posição de ter que identificar aquilo que ele

acha que o professor quer, ou seja, o aluno-leitor não se coloca numa posição

de interação com o texto.

De acordo com Faraco & Negri (1998: 162), na escola, ―trabalha-se com

o pressuposto de que o texto tem um significado último, cuja garantia é o autor,

cabendo ao leitor apenas decifrar esse significado‖. É preciso fazer com que o

aluno perceba que o texto não tem um único significado e não é só o autor que

sabe o que o texto diz, mesmo porque alguns sentidos possíveis o próprio

autor pode não ter visto. Por isso, o papel ativo do leitor é essencial na

construção de sentidos de textos, orais ou escritos.

Neste trabalho, são analisados somente textos escritos, uma vez que

são analisadas provas de vestibulares. O conceito de texto que norteia todo o

trabalho baseou-se em Koch & Travaglia (2001:10):

―unidade lingüística concreta (...), que é tomada pelos usuários da língua (...), em uma situação de interação comunicativa, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independente de sua extensão.‖

Essa dimensão discursiva do texto deveria ser considerada no ambiente

escolar, mas não é, e isso vai se refletir em como a interpretação é trabalhada.

Page 17: Dissertação vanessa-almeida

17

2. 2. Leitura, Compreensão e Interpretação

Em uma sociedade letrada, além da habilidade de falar e ouvir, aqueles

que têm acesso à escrita podem desenvolver também a habilidade de ler e

escrever. Segundo Marcuschi (2004), as habilidades de leitura e escrita não

são tão exercidas quanto as outras. O tempo dispensado às habilidades é

desproporcional, uma vez que usamos na maior parte do tempo a expressão

oral.

No entanto, para o autor (id:39) a preocupação com a leitura e a escrita

não pode ocupar o segundo lugar: ―O certo é que ler e escrever são, hoje, duas

práticas sociais básicas em todas as sociedades letradas, independente do

tempo médio com elas dispendido e do contingente de pessoas que as

praticam.‖

De acordo com Marcuschi (id:40),

―Se por um lado, falar e escrever são duas formas de manifestação do uso produtivo e criativo da língua (gerando e transmitindo saber), por outro ouvir e ler não são simples manifestações de um uso reprodutivo e passivo da língua. Falar e escrever, ouvir e ler são ações igualmente e a seu modo ativas, produtivas e criativas. Em conseqüência, parece claro que considerar os processos de produção e recepção de texto como essencialmente independentes é mal compreender o funcionamento comunicativo da língua. Contudo, seria igualmente equivocado imaginar processos simétricos na produção e recepção de textos, pois um não é espelho do outro‖. [grifos do autor]

Percebe-se, portanto, que ao contrário do que se poderia pensar, quem

ouve ou lê não é um simples receptor, mas participa também para a elaboração

do sentido. Como afirma Perini (2000:64), ―o receptor faz tanto quanto o

emissor para dar sentido ao texto‖.

A leitura não é, portanto, apenas uma simples habilidade de recepção.

Orlandi (2004a:58) reitera que

―Não é só quem escreve que significa; quem lê também produz sentidos. E o faz, não como algo que se dá abstratamente, mas em condições determinadas, cuja especificidade está em serem sócio-históricas.‖

Page 18: Dissertação vanessa-almeida

18

O usuário da língua tem que se colocar em ação para poder abstrair o

sentido. Além disso, Kleiman (2002:10) define a leitura como um ato social,

―obedecendo a objetivos e necessidades socialmente determinados.‖

Se a leitura é um processo de interação entre o texto e o leitor, ou seja,

é um ato social, e ambos participam desse processo, há de se destacar,

porém, que a interação entre autor e leitor não é direta, mas ocorre através do

texto. Segundo Kleiman (id:36),

―o texto não é um produto acabado, que traz tudo pronto para o leitor receber de modo passivo. Ora, uma das atividades do leitor, fortemente determinada pelos seus objetivos e suas expectativas, é a formulação de hipóteses de leitura. (...) As hipóteses do leitor fazem com que certos aspectos do processamento, essenciais à compreensão, se tornem possíveis, tais como o reconhecimento global e instantâneo de palavras e frases relacionadas ao tópico, bem como inferências sobre palavras não percebidas durante o movimento do olho durante a leitura que não é linear, o que permitiria ler tudo, letra por letra e palavra por palavra‖ [grifo nosso]

Como a leitura não é linear, processa-se no cérebro de forma complexa,

e as hipóteses formuladas pelo leitor propiciam a compreensão, é possível o

leitor antecipar o material até a formulação de uma imagem, porque ele mistura

o que lê com os seus conhecimentos de padrões ortográficos, da estrutura da

língua, do assunto etc.

Segundo Orlandi (2004a: 70), no ato da leitura,

―A nossa percepção é ‗desorganizada‘, ou melhor, a percepção não é fixa, não se faz de um lugar só. O olhar é móvel, atinge e se desloca por pontos (posições) diferentes.‖

Orlandi exemplifica de forma metafórica, com a observação de um

trabalho artístico. Ao observar um quadro, a visão, naturalmente, pode focar o

meio, um canto, um detalhe; o mesmo ocorre na leitura de um texto escrito.

É nesse processo complexo e ―desorganizado‖ que a interação entre

autor e leitor ocorre, por isso o leitor não pode ser visto como um elemento

passivo no processo de comunicação, que por vezes se passa ―De forma

dispersa. Caótica mesmo‖, segundo Orlandi (id:71).

Page 19: Dissertação vanessa-almeida

19

Uma vez que a leitura não se processa de forma seriada ou

sistematizada, e o texto não é um produto acabado, torna-se difícil definir uma

metodologia para o ensino da interpretação do tipo etapa por etapa. Quanto a

isso, Kleiman (2004:26) argumenta:

―O pressuposto de que todo texto pode ser abordado seguindo as mesmas etapas decorre, também, dos conceitos de texto como produto acabado que serve de repositório de informações, e da leitura como atividade para a extração dessas informações, e de ambos, texto e leitura, como instrumentos para o ensino da norma, do código escrito, da gramática.‖

No entanto, essa falta de metodologia precisa não significa que não haja

uma forma de trabalhar leitura, apenas não há um único caminho, mas um

caminho plural, como aponta Kleiman (id:27)

―Nenhuma atividade é considerada como dada, mesmo porque estas são tantas como são os textos e suas possíveis leituras, segundo os objetivos do ensino, que deveriam imitar a situação real, em que as leituras podem ser tantas quantas as nossas intenções e as intenções que percebemos no autor.‖

A autora (1989:9) também alerta que

―Muitos, hoje em dia, dizem acreditar na leitura como uma interação em que leitor e autor constroem um texto. Entretanto, poucos professores ensinam a criança a ouvir o autor nessa interação‖

A contradição, no ambiente escolar, ocorre porque, apesar de a leitura

ser esta interação, nem sempre se proporciona ao aluno a possibilidade de se

sentir co-autor do texto. Ainda que seja difícil criar uma metodologia precisa

para trabalhá-la, é possível estabelecer o que ela é, para que não se trilhem

caminhos que vão afastar o aluno do texto em vez de aproximá-lo.

No que se refere à terminologia corrente sobre o ensino de leitura, os

conceitos de leitura, compreensão e interpretação se misturam e a distinção

entre eles não é consensual, por exemplo, Dascal (apud Possenti: 2002),

define que ―compreensão‖ significa entender o texto como um todo e

―interpretação‖, descobrir no texto sua intenção dentro de um contexto. Orlandi

Page 20: Dissertação vanessa-almeida

20

(2004a), por exemplo, identifica como o ―compreensível‖ a atribuição dos

sentidos, considerando o contexto de situação, e o ―interpretável‖, aquilo a que

se atribui o sentido, considerando o co-texto lingüístico.

Para Kleiman (2002:10),

―A compreensão de um texto escrito envolve a compreensão de frases e sentenças, de argumentos, de provas formais e informais, de objetivos, de intenções, muitas vezes de ações e de motivações, isto é, abrange muitas das possíveis dimensões do ato de compreender, se pensamos que a compreensão verbal inclui desde a compreensão de uma charada até a compreensão de uma obra de arte.‖

A partir desta consideração, verifica-se que a autora não faz distinção

entre as duas noções e prefere o termo ―compreensão‖.

De qualquer forma, supõe-se que essa distinção não traria uma

contribuição substancial ao ensino, pois a ―interpretação‖ não aparece

separadamente da ―compreensão‖. Nesta pesquisa, optou-se por

―interpretação‖, porque é o termo mais usado no ensino nas escolas, seguindo

o conceito de Orlandi (2004b:64), de que interpretar é ―explicitar o modo como

um objeto simbólico produz sentidos‖. Assim, reitera-se que leitor não é um

receptor passivo, interage no processo de leitura, tornando-se co-autor,

atribuindo às palavras do texto outros sentidos.

2.3. A relação entre sentido e os fatores de coerência

Segundo Berlo (1999:183), ―o sentido é inerente à própria definição de

linguagem‖. As pessoas se comunicam para estabelecer sentidos, no entanto

ele não é inerente às palavras, pois uma palavra pode ter muitos sentidos. O

autor exemplifica com o verbo significar (id: ib):

“Para usar as palavras, adequadamente, precisamos saber o que significam.” “Ouço trovões. Isso significa que vai chover.” “Minha família significa muito para mim.”

Page 21: Dissertação vanessa-almeida

21

Percebe-se que em cada frase o verbo significar possui um sentido

diferente; então, Berlo (id:184) levanta as seguintes questões: ―O que de fato

significam as palavras? (...) será que as palavras têm realmente sentido?‖.

Para o autor, os sentidos não estão nas palavras, mas são encontrados no uso

que as pessoas fazem delas. Por isso, a leitura é uma construção de sentidos

(cf. Koch, 2003).

Segundo Pauliukonis (2004:1),

―... é consenso que as línguas evoluem e que as palavras mudam de forma e sentido, através dos tempos, e a memória da origem dos termos se vai perdendo; um nome de início pode ter sido até motivado, mas hoje, concorda-se com Saussure, que o signo é arbitrário, se entendemos que, para o falante comum, a denominação é dada por convenção. (...) De qualquer forma, para se chegar a qualquer significado, é preciso primeiro identificar o referente padrão, uma vez que objetos com o mesmo nome são de diferente tipo e formas.

No que se refere a sentido, Vogt (1989: 141) destaca que ele

―se constitui também pelas relações interpessoais que estabelece no momento mesmo de sua enunciação, pela estrutura do jogo de representações em que entram o falante e o ouvinte, quando na e pela enunciação atualizam suas intenções persuasivas, então a noção de sentido lingüístico deverá ser encarada não só como identidade ou diferença entre a estrutura do fato e a estrutura do enunciado utilizado para descrevê-lo (verdade ou falsidade) mas, e principalmente, como direção, as conclusões, o futuro discursivo, enfim, para onde o enunciado aponta.‖ [grifos do autor]

Dessa forma, o sentido de um enunciado é dado pelas interrelações que

se estabelecem no momento da enunciação, pelo jogo das representações

entre o produtor e o leitor. O sentido é a direção apontada pelo texto. Portanto,

os leitores estabelecem o sentido através da interação com o autor via texto. A

interpretação ocorre ao estabelecer sentidos para o objeto simbólico que é o

texto.

Assim também ocorre com a coerência, que, de acordo com Koch &

Travaglia (2003: 38):

Page 22: Dissertação vanessa-almeida

22

―não é apenas uma característica do texto, mas depende fundamentalmente da interação entre o texto, aquele que o produz e aquele que busca compreendê-lo.‖

Logo, pode-se sistematizar que o sentido é estabelecido não só pelo

texto, mas pelo leitor, sendo a intercessão entre a coerência e a interpretação:

COERÊNCIA INTERPRETAÇÃO

S

E

N

T

I

D

O

Ainda segundo Koch & Travaglia (2001: 21),

―a coerência está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que um texto faça sentido para os usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto.‖

Se há a íntima relação de coerência e interpretação, é possível concluir

que os fatores de coerência são fatores de interpretação. Os autores defendem

uma Lingüística do texto, que busca representar ―os processos e mecanismos

de tratamento dos dados textuais que os usuários põem em ação quando

buscam compreender e interpretar uma seqüência lingüística‖ (id:58).

Por questão didática, serão separadas, a seguir, as abordagens sobre

sentido e coerência, segundo a Lingüística Textual. Constata-se, assim,

quantos pressupostos teóricos estão em jogo no momento da leitura, muito

deles desconhecidos de grande parte dos professores de Ensino Médio.

Page 23: Dissertação vanessa-almeida

23

2.3.1. Construção de sentido por Beaugrande & Dressler

Beaugrande & Dressler (1997:135) defendem que

―Um texto ―tiene sentido‖ porque el conocimiento activado por las expresiones que lo componem va construyendo (…) una CONTINUIDAD

DE SENTIDO. Cuando los receptores detectan la ausencia de continuidad, el texto se convierte en un ―sinsentido‖ (…) La continuidad del sentido esta en la base de la COHERENCIA, entendida como la regulación de la posibilidad de que los CONCEPTOS y las RELACIONES que subyacen bajo la superficie textual sean accesibles entre sí e interactúen de un modo relevante.‖4[grifos do autor]

Destaca-se assim que os leitores também são responsáveis pela

continuidade de sentido, dessa forma a coerência não está diretamente no

texto, mas se estabelece na relação entre o autor e leitor através do texto. Os

(id: 37)autores mencionam também que

―las relaciones no se establecen en el texto de un modo EXPLÍCITO, esto es, no se ACTIVAN directamente a través de las expresiones que aparecen en la superficie textual. Para suplir esta carencia de indicaciones explícitas los hablantes suelen aventurar hipótesis acerca de la existencia latente de tantas relaciones como sean necesarias para dar sentido al texto desde el inicio.‖5 [grifos do autor]

Desse modo a coerência é o resultado da interação entre o autor e leitor

e não apenas traço do texto. Por isso, a coerência e interpretação possuem

uma relação de intercessão, afinal são construídas e não inerentes ao texto. Os

autores estipulam cinco critérios para o estabelecimento de sentidos:

4 Um texto ―tem sentido‖ porque o conhecimento ativado pelas expressões que o compõem vão

construindo (...) uma continuidade de sentido. Quando os receptores detectam a ausência de continuidade, o texto se converte em um ―nonsense‖ (...) A continuidade do sentido está na base da coerência, entendida como a regulagem da possibilidade de que os conceitos e as relações que subjazem à superfície textual sejam acessíveis entre si e interajam de um modo relevante. {tradução nossa]

5 ―... as relações não se estabelecem no texto de um modo explícito, isto é, não se ativam

diretamente através das expressões que aparecem na superfície textual. Para suprir essa carência de indicações explícitas, os falantes podem aventurar hipóteses acerca da existência latente de tantas relações quantas sejam necessárias para dar sentido ao texto desde o início.‖[tradução nossa]

Page 24: Dissertação vanessa-almeida

24

situacionalidade, informatividade, intertextualidade, intencionalidade e

aceitabilidade.

2.3.1.1. Situacionalidade

A situacionalidade é adequação do texto à situação comunicativa, que

vai estabelecer se um texto é coerente ou não. A situcionalidade ocorre em

duas direções: da situação para o texto e do texto para a situação.

No primeiro caso, a situação interfere a produção e interpretação do

texto, determina o grau de formalidade, de regras de polidez, variedade

lingüística, abordagem do tema. No segundo caso, o leitor interpreta o texto

conforme suas convicções, crenças, assim, ocorre uma mediação entre o

mundo real e o mundo textual.

2.3.1.2. Informatividade

A informatividade refere-se à distribuição da informação no texto e ao

grau de previsibilidade com que a informação nele contida é veiculada. Um

texto não pode ter apenas informações conhecidas ou apenas informações

novas.

Esse é um fator que está relacionado à quantidade de informações

novas para o receptor, à quantidade de informações que ele possui e,

principalmente, ao equilíbrio entre elas. Se não houver esse equilíbrio, haverá

dificuldade por parte do receptor em estabelecer sentidos para o texto.

Page 25: Dissertação vanessa-almeida

25

2.3.1.3. Intertextualidade

A intertextualidade refere-se a um conjunto de relações, de forma ou

conteúdo, que um texto mantém com outro.

A intertextualidade de forma é identificada quando o produtor do texto

vale-se da mesma estrutura gramatical, repete expressões, enunciados ou

trechos de outros textos. O sentido se estabelece a partir do conhecimento do

outro texto, previamente existente, com o qual dialoga. Essa intertextualidade

de caráter formal vincula-se à tipologia textual, pois o produtor do texto imita a

forma de um outro texto para estabelecer novos sentidos.

Já a intertextualidade de conteúdo ocorre quando há semelhanças no

tema abordado nos textos: textos de uma mesma época, de uma mesma área

de conhecimento.

2.3.1.4. Intencionalidade

A intencionalidade refere-se às estratégias que o autor utiliza para

efeitos específicos. Sabe-se que todo texto tem uma intenção; logo, no

momento da produção, o autor utiliza alguns recursos (como, por exemplo,

estratégias de inclusão ou não-inclusão, afrouxar a coerência com o intuito de

causar ambigüidade etc.) para alcançar seus objetivos pré-estabelecidos, que

podem ser, desde estabelecer uma comunicação a convencer o interlocutor de

seu ponto de vista.

A intencionalidade tem estreita relação com a argumentatividade, pois

na verdade todo texto tem a intenção de defender uma idéia; logo, a

intencionalidade está embutida, subjacente ao texto, e interage com a

aceitabilidade do leitor.

Page 26: Dissertação vanessa-almeida

26

2.3.1.5. Aceitabilidade

Enquanto a intencionalidade é enfocada no locutor, a aceitabilidade é

responsabilidade do interlocutor. Refere-se àquilo que o interlocutor consegue

perceber ou estabelecer nas intenções do locutor. Segundo Bakhtin (2000), o

texto é uma dimensão discursiva e baseia-se na interação entre autor e leitor,

na qual estão presentes a intenção do produtor e a aceitabilidade do

interlocutor.

2.3.2. Fatores de coerência por Koch &Travaglia

Koch & Travaglia (2001) agruparam, além dos cinco critérios listados por

Beaugrande & Dressler, sete fatores de coerência — elementos lingüísticos,

conhecimento de mundo, conhecimento partilhado, inferências,

contextualização, focalização, consistência e relevância —, que são

apresentados a seguir.

2.3.2.1. Elementos lingüísticos

Os elementos lingüísticos constituem o ponto de partida para os outros

fatores de coerência. Mesmo o sentido não sendo depreendido apenas nas

palavras ―é indiscutível a importância dos elementos lingüísticos do texto para

estabelecer a coerência‖ (Koch & Travaglia, 2001: 59), até porque o importante

não é só o que é dito, mas como é dito, e o modo como é dito indica as pistas

para a interpretação.

Dessa forma, Koch & Travaglia (id) afirmam que a ordem da

apresentação, as marcas, a escolha das palavras, os recursos, enfim todo o

Page 27: Dissertação vanessa-almeida

27

contexto lingüístico contribui para a construção da coerência e para a

veiculação do sentido do texto.

2.3.2.2. Conhecimento de mundo

Segundo Koch & Travaglia (2001:60), ―o conhecimento de mundo

desempenha um papel decisivo no estabelecimento da coerência‖, porque, se

um texto tratar de algo que não se conhece, o sentido não será estabelecido.

Muitas vezes a falta de conhecimento prévio prejudica a compreensão, como

alerta Kleiman (2002:14)

―Não conhecer o nome de objetos concretos, ou de conceitos simples pode trazer problemas de ordem lingüística à compreensão de um texto. Por exemplo, quem não souber que a palavra colo da planta (isto é, aquela parte da planta a que a palavra colo se refere), não conseguirá seguir a instrução, extraída de um manual de jardinagem: ‗Não cubra o colo da planta para não causar apodrecimento‘.‖

Esses conhecimentos são armazenados na memória em forma de

blocos, que se denominam modelos cognitivos:

a) os frames: conjunto de conhecimentos armazenados na memória, sobre um

determinado conceito. Ex: Em um quarto de bebê deve ter berço, mosquiteiro,

fraldas, chupeta, mamadeira, etc.

b) os esquemas: conjunto de conhecimentos que seguem uma seqüência

cronológica. Ex: acordar, ir ao banheiro, arrumar-se, tomar o café, etc.

c) planos: conjunto de conhecimentos que levam a alcançar uma meta, a

realizar um objetivo, tendo os elementos numa ordem previsível que induz o

receptor a perceber a intenção do emissor. Ex: plano para fazer uma

monografia.

d) os scripts: conjunto de conhecimentos estabilizados, tradicionais. Ex: ritual

de um casamento

Page 28: Dissertação vanessa-almeida

28

e) superestrutura ou esquemas textuais: conjunto de conhecimento da

estrutura de um texto. Ex: narração: situação → complicação → ação ou

avaliação → resolução → moral ou final.

2.3.2.3. Conhecimento partilhado

Assim como não há pessoas iguais, também não existem pessoas com

o mesmo conhecimento de mundo. No entanto, é preciso que autor e leitor

compartilhem de alguns conhecimentos comuns, o chamado conhecimento

partilhado, que determina a quantidade de informações que devem ser

explicitadas ou não no texto. Os elementos já conhecidos pelos usuários

constituem o dado, a informação já conhecida, e, a partir deste, tudo o que vier

é o novo.

De acordo com Koch & Travaglia (2001), para que um texto seja

coerente é necessário que haja um equilíbrio entre essas informações. Um

texto não pode conter somente o dado, senão seria incoerente de tão óbvio; e

não pode ter somente o novo, pois seria incompreensível para o leitor que não

tem as ―âncoras‖ para estabelecer os sentidos do texto.

O dado pode ser de quatro tipos: a) elementos recuperáveis no texto; b)

elementos que fazem parte da situação; c) elementos de conhecimento geral

em dada cultura; d) elementos de conhecimento comum do produtor e do leitor.

2.3.2.4. Inferência

A inferência é o mecanismo pelo qual o leitor de um texto entende o que

não está expresso, mas que pode ser deduzido a partir do que está escrito. De

acordo com Brown & Yule (apud Koch & Travaglia, 2003:70),

Page 29: Dissertação vanessa-almeida

29

―inferências são conexões que as pessoas fazem quando tentam

alcançar uma interpretação do que lêem ou ouvem, isto é, é o processo através do qual o leitor (ou ouvinte) consegue captar, a partir do significado literal do que é escrito ou dito, o que estabelece uma relação entre duas idéias do discurso.‖

O leitor deduz mensagens, supre lacunas, com base em conhecimentos

prévios. Na verdade, os textos exigem que o leitor faça uma série de

inferências para poder entendê-lo, caso contrário, seriam longos, se tivesse

que estar explicitado tudo o que se deseja expressar.

2.3.2.5. Fatores de Contextualização

A contextualização constitui um dos fatores que fazem com que um texto

seja coerente em uma determinada situação comunicativa. Dessa forma, o

contexto também é responsável para estabelecer o sentido.

Segundo Marcuschi (apud Koch & Travaglia, 2001), ela se estabelece

por meio de elementos que podem ser de dois tipos: contextualizadores,

ajudam a contextualizar o texto (ex: em uma carta: a data, o vocativo, o

fechamento); e prospectivos, relacionam-se ao conteúdo e à forma (ex: o título,

que pode prevenir o leitor sobre o que será dito).

2.3.2.6. Focalização

A focalização se refere ao modo de ver o texto, tanto para quem produz

a partir de um determinado ponto de vista, quanto para quem o recebe. Grosz

(apud Koch & Travaglia, 2003:82) propõe o conceito de focalização no diálogo

oral, no entanto suas considerações são pertinentes também para o texto

escrito.

Page 30: Dissertação vanessa-almeida

30

―Segundo Grosz, falante e ouvinte, no diálogo, focalizam sua atenção em pequena parte do que sabem e acreditam, e a enfatizam. Assim, certas entidades (objetos e relações) são centrais para o diálogo e não só isto, mas também elas são usadas e vistas através de certas perspectivas que afetam tanto o que o falante diz quanto como o ouvinte interpreta.‖

Dessa forma, o usuário da língua estabelece o seu foco a partir dos seus

conhecimentos de mundo, conhecimentos partilhados e dos seus objetivos.

Assim, a leitura de um texto que descreva o céu não é a mesma feita por um

astrólogo, astrônomo ou por um poeta.

Os autores (ib:86) apontam que ―o contexto em que se produz o texto

pode também focalizar e especificar, por exemplo, o sentido de homônimos‖.

Para ilustrar, observa-se a palavra ―chave‖ que, somente através de um

contexto, sabe-se o que significa: instrumento que aciona a fechadura,

ferramenta de mecânico, o que permite solucionar um problema.

Koch & Travaglia (2001:75) demonstram uma correlação da focalização

com a produção de texto.

―No ensino de redação, quando dizemos ao aluno que deve delimitar o assunto e estabelecer um objetivo para o seu texto, estamos, na verdade, levando-o a focalizar o tema de um determinado modo.‖

Cada produtor de texto estabelece um sentido a partir do seu foco; é

dessa forma também que, ao aplicar um tema de redação em uma turma, os

textos não se apresentam iguais, por causa da diferença de focalização. Esse é

um dos exemplos que comprovam que o conhecimento dos fatores de

coerência se relaciona intimamente com a redação e a interpretação de textos.

2.3.2.7. Consistência e Relevância

Segundo Giora (apud Koch & Travaglia, 2003), para que um texto seja

coerente, é necessário que haja consistência e relevância. A consistência é a

condição de que todos os enunciados não sejam contraditórios aos anteriores

Page 31: Dissertação vanessa-almeida

31

expressos no texto. A relevância é o fator relacionado à consistência, é a

condição de que o conjunto de enunciados que compõe o texto seja relevante

para o tema tratado no texto.

2.3.3. Os fatores de coerência na construção dos sentidos dos textos

É importante destacar que o que estabelece a coerência não são os

fatores de coerência, mas a interlocução dos usuários do texto, pois a

coerência não é um simples traço do texto. Segundo Koch & Travaglia

(2003:11), a coerência possibilitaria o estabelecimento de alguma forma de

unidade de sentido. ―Ela é o que faz com que um texto faça sentido para os

usuários, devendo ser vista, pois, como princípio de interpretabilidade do texto‖.

A coerência costuma ser citada nos manuais de redação, explicitada nas

aulas de redação e é usada como critério de avaliação da mesma. No entanto,

os fatores de coerência devem estar relacionados também à interpretação.

Um autor, ao escrever, não fica pensando nos fatores de coerência para

fazer um texto coerente, ele se preocupa em estabelecer o sentido. Identificar

os fatores de coerência no texto é um exercício a posteriori de análise do leitor;

logo, a identificação desses fatores é um exercício de interpretação. Os fatores

de coerência, portanto, podem ser aplicados como atividades de interpretação.

Page 32: Dissertação vanessa-almeida

3. O ensino de Interpretação

“... o ato de ler (...) não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas (...) se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.”

(Paulo Freire)

3.1. Como se desenvolveu a pesquisa

Esta pesquisa se divide em dois momentos de análise de corpora: o

primeiro, questionários aplicados a professores, o segundo, questões de

vestibulares.

Com a intenção de verificar como a interpretação está sendo tratada no

Ensino Médio (EM) — o que os professores estão ensinando sobre a

interpretação ou se eles sabem o que ensinar —, foi aplicado um questionário

(vide Anexo) aos professores. Eles deveriam respondê-lo por escrito

individualmente e sem consultar nenhum material sobre o assunto. Os

objetivos desse questionário são observar se os professores conseguem

perceber o conteúdo cobrado em uma questão de vestibular e, principalmente,

identificar o que eles entendem por alguns pressupostos teóricos da Lingüística

Textual.

Foi entregue o questionário a professores de Português e Literatura de

Ensino Médio (EM) e Ensino Técnico (ET) de colégios públicos de prestígio do

Rio de Janeiro: CAp UERJ (Colégio de Aplicação da UERJ), CEFET (Centro

Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca), CMRJ (Colégio

Militar do Rio de Janeiro) e CPII (Colégio Pedro II). Os professores não são

identificados, nem mesmo a instituição a que pertencem, são apenas citados

por um número cardinal.

Page 33: Dissertação vanessa-almeida

33

Uma vez que esses colégios apresentam concurso de seleção de alunos

e concurso para professores, espera-se encontrar um público seleto discente e

docente. Priorizou-se esta forma de seleção para que se conseguisse

informantes para uma amostra a mais homogênea possível, uma vez que não é

a intenção desta pesquisa distinguir e/ou comparar os colégios.

Na primeira parte do questionário pergunta-se o grau de instrução do

professor, para verificar se este interfere nas respostas, e o livro didático

adotado no colégio.

Na segunda parte reporta-se a duas questões de vestibulares, que os

professores deveriam resolver e indicar qual o conteúdo cobrado e qual o grau

de dificuldade. A primeira questão tem enfoque em interpretação; a segunda,

mesmo que se subentendesse interpretação, apresentava enfoque gramatical.

A intenção dessa parte do questionário é verificar se o professor reconhecia

essas diferenças.

A terceira parte do questionário refere-se ao conhecimento do professor,

se reconhece o que as questões de interpretação e de gramática devem

cobrar, mas somente a pergunta relacionada à interpretação será analisada

nesta Dissertação. O objetivo é verificar se as respostas dos professores são

coerentes com as da segunda parte e se os professores sabem o que ensinar

aos seus alunos sobre interpretação. Destaca-se que os entrevistados não

sabiam os objetivos da pesquisa.

Com este questionário, pretende-se obter uma amostra do que os

professores pensam sobre a interpretação e, conseqüentemente, do que

possivelmente está sendo ensinado aos alunos. Foram distribuídos 77

questionários e devolvidos 27, o que representa 35%. Avalia-se que houve uma

participação pequena desses professores de colégios públicos e conceituados

do Rio de Janeiro. Houve duas instituições onde os questionários foram

entregues e não houve retorno de nenhum professor, mesmo ampliando o

prazo de retorno e com uma cobrança ―corpo a corpo‖. Houve um colégio em

Page 34: Dissertação vanessa-almeida

34

que o acesso foi dificultado e os professores não chegaram a receber os

questionários6.

Dado importante que merece ser descrito ocorreu no colégio com maior

número de professores: embora eles não precisassem se identificar, os

professores que não têm pós-graduação ou são os mais antigos não

devolveram os questionários. Isso pode significar insegurança ou a dificuldade

em responder às questões, mesmo tendo sido informados oralmente da

importância da participação e da valiosa colaboração que estariam ofertando à

pesquisa acadêmica.

No segundo momento da pesquisa, é analisado um corpus formado por

provas dos vestibulares de três instituições públicas que possuem o curso de

Letras no Estado do Rio de Janeiro — UFRJ, UERJ e UFF — de 2000 a 2004.

Essas instituições foram escolhidas, pois, possuindo o curso de Letras, as

provas são elaboradas por profissionais altamente especializados em Língua e

Literatura.

Compõem esse corpus as provas de vestibulares, porque, embora sem

intenção, o vestibular tem servido como parâmetro para o ensino, pois muitas

escolas, públicas ou particulares, tendo ou não aulas preparatórias para o

vestibular, estão de alguma forma preocupadas com esse concurso, já que um

aluno ao terminar o EM geralmente tenta ingressar em uma faculdade.

O corpus constitui um total de 32 provas, cujo número de questões de

Língua Portuguesa e Literatura Brasileira corresponde a 433. As questões

foram separadas em Interpretação Implícita, que abordam conteúdos

gramaticais e literários e necessitam de uma interpretação subjacente, e

Interpretação Explícita, que têm como enfoque especificamente a

interpretação. Somente estas últimas foram consideradas para a análise, num

total de 227 questões.

As questões que apresentam subitens foram computadas mais de uma

vez, já que na maioria dos casos os subitens abordam assuntos diferentes.

Cada questão é identificada pelo código a seguir:

6 Esses problemas referem-se aos colégios FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica do

Estado do Rio de Janeiro), Escola Técnica Federal de Química e CAp UFRJ, que se enquadram no perfil da pesquisa, mas ficaram sem representação.

Page 35: Dissertação vanessa-almeida

35

Instituição

A:UFRJ

B: UFF

C: UERJ

Ano

0: 2000

1: 2001

2: 2002

3: 2003

4: 2004

Fase do vestibular

U: fase única

P: primeira fase

S: segunda fase

Q: primeiro exame de qualificação

K: segundo exame de qualificação

I: português instrumental

O número das questões das provas será representado pelo mesmo

algarismo arábico e com o mesmo subitem ―a‖ ou ―b‖ quando houver. Exemplo:

A0U1b = prova da UFRJ, ano 2000, fase única, questão 1, subitem b.

Com a hipótese de que a interpretação está sendo cobrada no

vestibular, tendo alguns elementos subjacentes da Lingüística Textual (ramo da

Lingüística que tem como objeto de investigação o texto), fez-se a análise das

provas para identificar aspectos teóricos presentes nessas questões. Visa-se,

com isso, encontrar elementos textuais que sirvam como sugestão para o

trabalho com a interpretação em sala de aula.

3.2. O que os professores pensam sobre a Interpretação

A pesquisa feita entre os professores de EM e ET compôs um corpus de

27 questionários (vide Anexo). Esses questionários foram distribuídos para

verificar se os professores sabem identificar uma questão de interpretação, se

conseguem verificar o conteúdo cobrado nela e o que deve ser cobrado.

No entanto, no questionário, os objetivos da pesquisa não poderiam ser

explícitos para os professores, uma vez que estes não deveriam perceber que

o objeto de pesquisa é a interpretação, para não influenciar nas respostas. Por

isso, o questionário aborda questões com enfoque na gramática e na

interpretação, embora somente estas últimas tenham sido analisadas.

O questionário se divide, então, em três partes:

Page 36: Dissertação vanessa-almeida

36

Apresentação do professor

Resolução de questões de vestibular

Opinião dos professores sobre o ensino de gramática e de

interpretação.

Na primeira parte, o item 1 refere-se à formação do professor, que

deveria informar dados sobre a sua graduação e pós-graduação. Essa

pergunta é importante para averiguar se a formação do professor interferiria

nas respostas. Constatou-se que 97% dos professores são pós-graduados,

mas não houve discrepância entre as respostas dos que eram pós-graduados e

os que não eram.

Os resultados mostram que 88% dos professores são oriundos de

universidades públicas e destaca-se que são admitidos por concurso público de

instituições públicas de prestígio (3 federais e 1 estadual). Apesar disso,

encontramos, ainda, 37,6% de professores que não souberam identificar o que

deve ser cobrado em uma questão de interpretação. Isso prova a necessidade

de se elaborarem pesquisas que contribuam para a melhor formação do

professor no que tange à interpretação.

O item 2 refere-se ao livro didático usado no colégio. A princípio, essa

pergunta seria para averiguar se havia alguma influência dos livros adotados

nas respostas, mas verificou-se que muitos colégios não o usavam. Não se

considerou relevante, portanto, esse dado na análise das respostas.

Na segunda parte, os professores deveriam responder duas questões do

vestibular e, em seguida, identificar o conteúdo cobrado e verificar o grau de

dificuldade em três níveis: fácil, regular e difícil.

A primeira questão que os professores deveriam resolver prioriza a

interpretação — Interpretação Explícita — e foi retirada do vestibular da UERJ

de Língua Portuguesa Instrumental com Redação (2002). A segunda questão

prioriza a gramática — Interpretação Implícita —, selecionada do vestibular da

UFRJ de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (2003). Entretanto, somente

os subitens referentes à questão de Interpretação Explícita, itens (a), (b) e (c)

foram analisados.

Page 37: Dissertação vanessa-almeida

37

Na terceira parte, os professores teriam que apontar os conteúdos que

devem ser cobrados numa questão de interpretação (item 4) e de gramática

(item 5). Para esta pesquisa, porém, somente os conteúdos apontados sobre a

interpretação foram analisados.

Assim, foram analisados os subitens (a), (b), (c) da segunda parte e o

item 4 da terceira parte. Abaixo, encontra-se a questão de vestibular da UERJ,

cujas respostas dos professores foram analisadas.

1ª) QUESTÃO

RECÔNDITOS DO MUNDO FEMININO Baseado na crença de uma natureza feminina, que dotaria a mulher biologicamente para desempenhar as funções da esfera da vida privada, o discurso é bastante conhecido: o lugar da mulher é o lar, e sua função consiste em casar, gerar filhos para a pátria e plasmar o caráter dos cidadãos de amanhã. Dentro dessa ótica, não existiria realização possível para as mulheres fora do lar; nem para os homens dentro de casa, já que a eles pertenceria à rua e o mundo do trabalho.

A imagem da mãe-esposa-dona de casa como a principal e mais importante função da mulher correspondia àquilo que era pregado pela Igreja, ensinado por médicos e juristas, legitimado pelo Estado e divulgado pela imprensa. Mais que isso, tal representação acabou por recobrir o ser mulher – e a sua relação com as suas obrigações passou a ser medida e avaliada pelas prescrições do dever ser.

No manual de economia doméstica O lar feliz, destinado às jovens mães e ―a todos quantos amam seu lar‖, publicado em 1916, mesmo ano em que foi aprovado o Código Civil da República, o autor divulga para um público amplo o papel a ser desempenhado por homens e mulheres na sociedade, e sintetiza, utilizando a idéia do ―lar feliz‖, a estilização do espaço ideologicamente estabelecido como privado.

(MALUF, M. e MOTT, M. Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO, N. (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.).

O texto apresenta, em seu início, um tipo de discurso bastante conhecido, do qual as autoras procuram, entretanto, se distanciar. Aponte dois recursos diferentes de linguagem empregados pelas autoras, no primeiro parágrafo, para sugerir distanciamento em relação a esse discurso sobre a mulher.

(C2I1a)

Page 38: Dissertação vanessa-almeida

38

Essa questão aborda o discurso das autoras M. Maluf e M. Lúcia Mott,

que enfatiza o sujeito enunciador.7 As autoras procuram se distanciar do texto,

pois são mulheres e, se o texto trata das desigualdades sofridas pela mulher, é

interessante, como uma estratégia de argumentação, que elas criem um

distanciamento, para que os argumentos não sejam emotivos e não percam

seu valor por terem sidos escritos por pessoas que sofrem a discriminação.

Pelo gabarito oficial, a resposta é: “O uso da expressão „Dentro dessa

ótica‟./ O emprego do futuro do pretérito em „existiria‟ ou „pertenceria‟.” Essa

questão é considerada de interpretação explícita, porque mesmo tratando do

emprego do futuro do pretérito, o que é cobrado não é um conteúdo gramatical.

Observando o enunciado, solicitava-se que se reconhecessem os

―recursos diferentes de linguagem‖ que apresentassem o distanciamento do

sujeito enunciador. No caso, o uso da expressão ―Dentro desta ótica‖ mascara

que não é a opinião das autoras, referindo-se à opinião daqueles que

acreditam na ―crença de uma natureza feminina‖ (linha 1).

O outro recurso é o futuro do pretérito, que demonstra o tempo da não-

realização, visto em ―não existiria realização possível para as mulheres fora do

lar‖ (linha 4) e ―a eles pertenceria a rua e o mundo do trabalho‖ (linha 5); dessa

forma, o sujeito enunciador tenta marcar que aquela fala não é sua.

O termo ―recursos de linguagem‖ do enunciado não é muito claro,

porque não é de conhecimento de todos, não é uma nomenclatura oficial,

usada com freqüência na escola, e pode ser entendido de diferentes maneiras

— o que pode ter causado alguma dificuldade na hora de responder a questão.

Referente à solução deste item, encontraram-se os seguintes tipos de

respostas:

7 Entende-se sujeito enunciador como Ethos, noção que ―vem da Retórica de Aristóteles

(1378a), que a entendia como a imagem que um orador transmitia, implicitamente, de si mesmo, através de sua maneira de falar: adotando as entonações, os gestos, o porte geral de um homem honesto, por exemplo, não se diz, explicitamente, que se é honesto, mas isso é mostrado.‖ (Maingueneau, 2000, 59) [grifos do autor]

Page 39: Dissertação vanessa-almeida

39

Item (a): A questão do vestibular

Atenderam ao gabarito oficial

55,6%

Atenderam parcialmente8

22,2%

Não atenderam ao gabarito

22,2%

Professores, como 24 e 25, não souberam responder, deixando explícito

o não-entendimento do enunciado da questão.

(24) “Discursos direto? Discurso indireto? Discurso indireto livre? Recursos de linguagem?”

(25) “Discurso Indireto livre?”

As respostas referem-se ao trecho do enunciado ―tipo de discurso

bastante conhecido‖ da questão do vestibular, que os professores não

entenderam. Por ―tipo de discurso bastante conhecido‖ considerava-se a ―voz

do texto‖, a voz do sujeito enunciador, mas os professores 24 e 25 pensaram

em discurso direto, indireto livre, nomenclatura mais comum no ensino

tradicional.

O professor 14 respondeu de forma totalmente equivocada,

demonstrando que desconheceu o assunto abordado ou não compreendeu o

enunciado:

(14) “Elipse/Zeugma”

Outros professores responderam de acordo com o que era previsto pelo

gabarito oficial divulgado pela imprensa da instituição que aplicou o vestibular,

como é ilustrado a seguir.

8 Considerou-se a resposta parcialmente certa aquela que apontou apenas um dos recursos.

Page 40: Dissertação vanessa-almeida

40

(1) “A expressão „Dentro dessa ótica‟, que destaca a opinião alheia, e o emprego do futuro do pretérito para mostrar uma realidade hipotética”

(2) “Utilização de alguns verbos no futuro do pretérito, sugerindo incerteza das idéias apresentadas. Atribuição das idéias preconceituosas a discursos pré-estabelecidos: „Baseado na crença; „Dentro dessa ótica‟”.

(8) “O uso do futuro do pretérito e a expressão „dentro dessa ótica‟”

É possível que muitos professores conhecessem essa questão de

vestibular ou tivessem pesquisado por ela, uma vez que os professores não

preenchiam o questionário imediatamente e muitos demoravam muito para

devolvê-lo. Deduz-se que, talvez por esse motivo, tenha se obtido 55% de

respostas de acordo com o gabarito.

No item (b), o professor deveria apontar qual o conteúdo abordado

nessa questão. Obteve-se o seguinte resultado:

Item (b): ―Após a resolução, indique o conteúdo cobrado nessa questão

resolvida.‖

Responderam relacionando à interpretação 28%

Responderam sem relacionar à interpretação, nem à gramática. 48%

Responderam sem relacionar à interpretação 24%

A questão de vestibular resolvida por professores aborda interpretação,

mas foge aos padrões tradicionais desse tipo de questão, como ―O que

simboliza X?‖, ―O que representa X no texto?‖, ―O que significa a fala X do

personagem?‖, por isso muitos professores não a reconheceram como tal, o

que mostra que não identificam muito bem o que pode ser cobrado numa

questão de interpretação.

As respostas oscilaram bastante. Identifica-se uma necessidade de o

professor encontrar conteúdos gramaticais nas respostas, como se só

Page 41: Dissertação vanessa-almeida

41

questões gramaticais pudessem ser cobradas numa prova de Língua

Portuguesa. Por isso, apareceram respostas como as que seguem:

(6) “Recursos lingüísticos — classe gramatical, conceitos morfológicos e sintáticos etc”

(18) “ . Seleção vocabular Emprego de tempos verbais”

Uma resposta que merece destaque é a do professor 17:

(17) “Pontuação, pronome, mas não da forma que damos em aula. Interpretação de texto também”

Observa-se que, em especial, na resposta do professor 17, a intenção é

encontrar conteúdos gramaticais, mesmo percebendo que algo não se encaixa

bem. Isso é demonstrado na retificação ―não da forma que damos em aula‖,

porque essa não é uma questão de gramática, mas de interpretação, daí a

complementação ―Interpretação de texto também‖.

Percebe-se a tentativa de citar algo que não se sabe como nomear. Por

exemplo, aparecem outras expressões como ―marcadores de discurso‖:

(22) “Marcadores de discurso, aspectos semânticos da flexão verbal”

Os marcadores de discurso, segundo Koch (2004:134), são vocábulos

como ―aí, daí‖, ―então‖, ‖agora‖, ―aí então‖, usados freqüentemente em textos

falados e escritos, especialmente, nos quais se deseja reproduzir a fala.

Entretanto, esse conhecimento não é cobrado na questão. O professor

consegue reconhecer que a questão aborda algo que foge à gramática

normativa, talvez por isso associe a expressão ―dentro dessa ótica‖ a

marcadores de discurso, já que este termo não é prescrito pela tradição

escolar.

Nesta resposta, o professor 7 fez uma reclamação com relação ao

enunciado:

Page 42: Dissertação vanessa-almeida

42

(7) “O uso da expressão „recursos de linguagem‟ pareceu-me vago. Não entendi o que estava sendo pedido. A resolução da resposta baseou-se na inferência do seguinte período „para sugerir distanciamento em relação (...)‟. Desse modo, parece-me que o conteúdo cobrado é compreensão do texto e gramática.”

O professor revela explicitamente a sua opinião. É necessário que se

torne público o que são ―recursos de linguagem‖, assim como tantos outros

termos, por exemplo, ‖recursos expressivos‖ (A1U5), ―recurso estilístico‖

(A2U8), ―usos lingüísticos‖ (A3U3), ―recurso retórico‖ (C3K1), que vêm

ocorrendo no vestibular referindo-se à interpretação de texto.

Na terceira resposta analisada, os professores classificaram as questões

como fácil, regular e difícil e justificaram a resposta. Segue o quadro com os

resultados obtidos.

Item (c): indique qual o grau de dificuldade (fácil, regular, difícil) e justifique.

Difícil

60%

Regular

29,6%

Fácil

10,4%

Os professores, além de apontar o grau de dificuldade, também teriam

que justificá-lo.

Tipos de justificativa para o grau de dificuldade difícil

Baseando-se no aluno de EM

57%

Baseando-se no enunciado

37%

outros

6%

Page 43: Dissertação vanessa-almeida

43

Entre os professores que responderam como difícil, 57% justificaram a

dificuldade, baseando-se no nível dos alunos de EM, como é exemplificado a

seguir:

(15) “Para o aluno médio, acredito que este reconhecimento seja difícil”

Conclui-se que os professores tenham apontado como difícil, porque

esse conteúdo, ou esse tipo de questão, não é apresentado em sala de aula.

Os professores 17 e 20, além de justificarem que seria difícil para o aluno,

assumiram uma ―culpa‖ por também contribuírem para que muitos alunos

sintam dificuldade em responder tal tipo de questão.

(17) “Difícil, pois não trabalhamos o conteúdo exigido de forma como

a questão solicita (o que é um erro).”

(20) “Difícil, pois exige do candidato/ aluno uma compreensão do funcionamento da linguagem e de suas relações com enunciadores e intencionalidades que não é priorizada em um ensino povoado de orações, classes gramaticais etc.”

Outros 37% dos professores definiram como difícil a questão, por causa

do enunciado. Como é ilustrado pelas respostas a seguir:

(1) “Acredito que a questão é difícil, porque esses elementos são

muito sutis, e a própria elaboração da pergunta contribui para a sua incompreensão.”

(7) “A questão pode se tornar difícil na medida em que o termo

„recursos de linguagem‟ não apresenta um sentido específico, pode abarcar vários significados”.

E ainda 6% dos entrevistados responderam de forma não prevista, como

o professor 21:

(21) “Difícil. A questão exige, ao mesmo tempo, boa habilidade de leitura e bom conhecimento de gramática.”

Page 44: Dissertação vanessa-almeida

44

Os professores que responderam que o grau de dificuldade é regular,

justificaram de formas variadas. Houve justificativas muito vagas, por exemplo:

(22) “Regular. O leitor médio tem meios de resolvê-la”

O professor não argumentou adequadamente de forma a justificar por

que o aluno de EM tem subsídios para resolvê-la. Essa mesma justificativa foi

dada pelos professores que acharam a questão difícil, como foi visto

anteriormente na fala do professor 15.

Houve um professor que demonstrou que o conteúdo da questão não

era gramatical, ao revelar que tal conteúdo é ensinado em aula de redação,

entendida aqui como uma aula separada de Língua Portuguesa.

(18) “Regular. Trata-se do uso estilístico da linguagem, aspecto privilegiado nas aulas de redação do E.M.

O grupo de 10,4% de professores que responderam que a questão era

fácil, justificaram de forma vaga, como nas respostas dos professores 9 e 14:

(9) “Fácil, um leitor competente reconhece os diferentes recursos.”

(14) “Fácil, partindo do princípio que os meninos vestibulandos estudaram para a prova”

Destaca-se que este professor 14 foi um dos que não atenderam por

completo ao gabarito da questão (vide página 39).

A quarta pergunta analisada revela o que o professor pensa sobre a

interpretação e sobre o que deve ser abordado em sala de aula. A pergunta é

feita referindo-se à questão de vestibular, para que não ficasse explícito que a

pesquisa é sobre o ensino de interpretação. A intenção é verificar se o

professor sabe o que pode ser ensinado sobre interpretação.

Os resultados desta pergunta são demonstrados a seguir em forma de

estatística:

Page 45: Dissertação vanessa-almeida

45

Item 4: O que você acha que uma questão de interpretação de texto deve cobrar? Justifique.

contexto

12,5 %

inferência

12,5 %

conhecimento de mundo

9,4 %

intertextualidade

9.4 %

intencionalidade

6,2 %

polifonia

6,2 %

gêneros

6,2 %

respostas vagas (insuficientes)

37.6 %

Os elementos apresentados pelos professores que devem ser cobrados

em uma questão de interpretação vêm colaborar com a hipótese de que os

fatores de coerência podem ser um caminho para o trabalho com a

interpretação.

O contexto e a inferência são os fatores de coerência mais citados. Com

relação ao primeiro, de fato um texto é coerente em uma determinada situação,

portanto, o contexto também estabelece sentidos.

(23) O intérprete deve saber reconhecer quem fala, para quem se fala e em que contexto sócio-histórico é produzido o enunciado” [grifo nosso]

Já a inferência, capacidade de entender o que está implícito no texto,

que extrapola o sentido literal, também é essencial na leitura.

(8) “A capacidade de compreensão básica, no sentido denotativo. E, a seguir, as diferentes possibilidades de leitura a partir das imagens textuais _ inferências” [grifo nosso]

Page 46: Dissertação vanessa-almeida

46

Essa resposta do professor 8 contraria sua opinião às questões

anteriores:

(8) “O uso do futuro do pretérito e a expressão „dentro dessa ótica‟”

(8) “Regular pelo uso do futuro do pretérito e difícil pelo „achismo‟ da segunda parte”

O professor considera um ―achismo‖ identificar a expressão ―dentro

dessa ótica‖, que mostra uma ―inferência‖, da opinião do senso comum, não a

opinião das autoras do texto. Se o professor acha um absurdo esta resposta,

por que a colocou? Possivelmente, porque conhecia o gabarito e respondeu de

acordo com ele. Pela análise de todo o questionário do professor 8, verifica-se

que ele sabe o que deve ser cobrado, mas não consegue aplicar isso na

prática.

Assim, como esse, muitos outros docentes possivelmente já conheciam

a questão do vestibular e responderam de acordo com o gabarito, mas, na hora

de identificar o conteúdo e o grau de dificuldade da questão, entram em

contradição.

Outro fator de coerência importante na interpretação, segundo 9,4 % dos

professores, foi o conhecimento de mundo — conhecimentos culturais e

intelectuais — que não deve ser confundido apenas com vivência pessoal, pois

refere-se a toda bagagem cultural, importante para fazer as correlações de

sentido no texto, adquirido, inclusive, em outras leituras.

(13) “A capacidade de fazer uma conexão entre o conhecimento de mundo (bagagem cultural intelectual) do aluno e os conteúdos abordados pelo tipo de questão.” [grifo nosso]

O mesmo potencial (9,4%) foi atingido pelo fator intertextualidade, as

relações que um texto tem com outro.

(1) “Intertextualidade, associação de idéias, intencionalidades discursivas explícitas. É nessas instâncias que o leitor revela competência lingüística e conhecimento de mundo, perspicácia para diferenciar ou reconhecer os clichês e a originalidade.”[grifo nosso]

Page 47: Dissertação vanessa-almeida

47

Já a intencionalidade, ―modo como emissores usam o textos para

perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à

obtenção dos efeitos desejados‖ (Koch & Travaglia, 2001: 79), obteve 6,2 %

das respostas.

(2) “Uma questão de interpretação deve instigar o aluno a perceber

as intenções discursivas do autor do texto, seja na superfície, ou na sua estrutura mais profunda. Interpretar é viver o texto e suas nuances.” [grifo nosso]

A polifonia, presença de outras vozes no texto, também foi citada como

um dos elementos que deve ser abordado pela interpretação, obtendo 6,25%

das respostas.

(14) “A polifonia do discurso por ouvir outras vozes e suas referências.” [grifo nosso]

Por fim, também foram apontados (6,2%) como aspectos relevantes na

interpretação os gêneros textuais, que, de acordo com os PCN, são as

inúmeras manifestações do texto: carta, relatório, conto, romance, monografia

— ―caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e

plásticos‖ (Marcuschi, 2002:19).

(5) “As vozes dentro, as marcas textuais do gênero cobrado, as

entrelinhas do texto (aquilo que está pressuposto, a intertextualidade, os elementos da narrativa (em uma narração). [grifo nosso]

Houve 37,6% de respostas equivocadas sobre a interpretação, o que

demonstra uma falta de reflexão ou conhecimento sobre assunto. Respostas

que demonstram que o professor parece pensar que interpretar é a mesma

coisa que decodificar, como se ilustra a seguir.

(22) “Competência de decodificação de textos por ser isto o que se espera do leitor.” [grifo nosso]

Page 48: Dissertação vanessa-almeida

48

Essa competência descrita pelo professor é a mesma que se espera de

uma pessoa alfabetizada, mas sabe-se que nem todos os alfabetizados sabem

interpretar o que lêem, apesar de decodificarem um signo lingüístico. Ler não é

só reconhecer letras, mas ser capaz de reconhecer as relações entre as partes

do texto. Essa resposta mostra que ou o professor não reflete sobre isso, ou

não sabe o que é interpretar. Ou, ainda, não sabe o que significa

―decodificação‖.

Houve respostas vagas, apoiadas em um senso comum, como se

exemplifica a seguir:

(9) “Deve cobrar uma avaliação crítica, que contribua para que o aluno se torne mais competente, tornando-os bons leitores e produtores de texto.”

A partir dessa visão, questiona-se o seguinte: qual é o conteúdo que

aborda ―avaliação crítica‖?, o que é um ―bom leitor e produtor de texto‖? Além

disso, verifica-se nesta resposta a união de leitor e produtor, ou interpretação e

redação. É mais uma evidência de que há íntima relação entre essas duas

atividades. Dessa maneira, o que é ensinado para escrever um texto também

contribui para interpretá-lo.

É interessante revelar, ainda, que este professor foi um dos que

responderam a questão do vestibular aproximando-se do gabarito oficial.

(9) “O futuro do pretérito usado em alguns verbos e a expressão „dentro dessa ótica‟”

Essa contradição se reforça, pelo fato de esse informante ter classificado

a questão como fácil (cf página 44), sem uma justificativa coerente com a

solução dada por ele na questão do vestibular e se reforça ainda por ele ter

mencionado o seguinte conteúdo cobrado na questão:

(9) “O conteúdo aborda o uso da língua como instrumento de comunicação não só da composição (estrutura), mas também o estilo.

Page 49: Dissertação vanessa-almeida

49

Percebe-se, assim, com a resposta deste docente, que não é muito fácil

saber o que uma questão de interpretação deve abordar. Embora tenham sido

obtidas respostas que apontaram contexto, inferência, conhecimento de

mundo, intertextualidade, intencionalidade, polifonia e gêneros, 37,6% dos

professores demonstraram não saber. Levando-se em conta a formação dos

professores e as instituições em que trabalham, este dado demonstra a

necessidade de que mais pesquisas nesta área sejam elaboradas e colocadas

em prática.

3.3. Novo olhar sobre os fatores de coerência

Koch & Travaglia (2001) citam as propostas de vários autores, como

Beaugrande & Dressler (1981), Marcuschi (1983, 1986), Giora (1985),

Charolles (1983), Grice (1975) e agruparam onze fatores de coerência:

elementos lingüísticos; conhecimento de mundo; conhecimento partilhado;

inferência; fatores de contextualização; situacionalidade; informatividade;

focalização; intertextualidade; intencionalidade e aceitabilidade; consistência e

relevância.

Esses fatores não são completamente distintos, eles se completam e se

integram. Koch (2004:54) menciona que ―existem membros mais centrais em

cada categoria e outros mais marginais.‖ Uma vez que os fatores se relacionam

diretamente, como forma de facilitar o estudo e torná-los mais práticos para

aplicar ao ensino, fez se aqui a proposta de junção desses fatores em cinco

grupos:

Page 50: Dissertação vanessa-almeida

50

conhecimento de mundo

Grupo A : Conhecimento prévio conhecimento partilhado

elementos lingüísticos

fatores de contextualização

Grupo B : Contextualização situacionalidade

focalização

Grupo C: Inferência

intencionalidade e aceitabilidade

Grupo D: Intencionalidade consistência e relevância

informatividade

Grupo E: Intertextualidade

A partir dos pressupostos teóricos sobre coerência, que mostravam

semelhanças entre os fatores, fez-se a proposta desta junção, com o objetivo

de uni-los de forma didática para a aplicação em sala de aula.

Page 51: Dissertação vanessa-almeida

51

Esta proposta foi ratificada pela análise dos questionários aplicados em

que os professores apontaram com destaque o contexto, a inferência, o

conhecimento de mundo, a intertextualidade, a intencionalidade.

A análise do corpus composto por provas de vestibulares também

comprovou a relevância da junção, pois apresentaram esses fatores em 38,5 %

do total de questões que compõe o corpus. Vide quadro a seguir:

Interpretação

implícita

Interpretação explícita

46,9%

fatores de coerência

gêneros textuais

exercícios de transcrição

38,5%

8%

6,6%

As provas de vestibulares analisadas cobraram 46,9% de questões de

interpretação implícita e 53,1% de interpretação explícita. Este dado merece

destaque, pois a interpretação propriamente dita apresentou maior número de

questões que as que abordavam conteúdos gramaticais e de estilos de época

da literatura brasileira — assuntos que ocupam maior parte do tempo

despendido em sala de aula.

As questões que abordavam elementos da narrativa e interpretação de

textos não-verbais foram consideradas como gêneros textuais e computaram

8% do corpus.

As questões que abordavam repetição de trechos dos textos ou eram

bastante objetivas foram denominadas ―exercícios de transcrição‖ e

constituíram 6,6% do corpus.

Os fatores de coerência apresentaram um número significativo de

questões, 38,5% do total do corpus, e dentro da interpretação explícita atingem

72,5%. Comprova-se, assim, que o estudo desses cinco fatores é importante

Page 52: Dissertação vanessa-almeida

52

para o ensino, pois estão presentes nos enunciados e/ou nas abordagens das

questões de interpretação de fato, como se comprova nas estatísticas a seguir:

Fatores de Coerência

conhecimento

prévio

contextualização

inferência

intencionalidade

intertextualidade

27,2%

12,6%

15,1%

19,8%

25,3%

Destaca-se que as questões de vestibulares foram separadas e

quantificadas a partir do fator de coerência que predominava na questão. Os

fatores conhecimento prévio e intertextualidade apresentaram maior

quantidade de questões. Acredita-se que a intertextualidade esteja em alta em

função dos PCN de Língua Portuguesa do EM (1997:73), que citam como uma

das competências específicas: ―função e natureza da intertextualidade: Analisar

os recursos expressivos da linguagem verbal relacionando texto e contexto‖

Todos os cinco fatores serão mais descritos a seguir e apresentados

com exemplos do corpus.

3.3.1.Conhecimento prévio

O conhecimento prévio representa uma série de conhecimentos

anteriores à leitura, de diversas áreas, como história, ciências, atualidades,

lingüísticos e culturais, partilhados entre leitor e autor. Kleiman (2002:13)

menciona que são os diversos níveis de conhecimento ativados na

interpretação:

―... o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de

Page 53: Dissertação vanessa-almeida

53

conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.‖

Dessa forma, o conhecimento prévio engloba, como se propõe, nesta

Dissertação, o conhecimento de mundo, conhecimento partilhado e elementos

lingüísticos e é abordado nas questões de vestibulares a seguir:

Agoniza mas não morre

Samba, Agoniza mas não morre Alguém sempre te socorre Antes do suspiro derradeiro Samba, Negro forte, destemido Foi duramente perseguido Na esquina, no botequim, no terreiro. Samba, Inocente pé no chão A fidalguia do salão Te abraçou, te envolveu Mudaram toda tua estrutura, Te impuseram outra cultura E você nem percebeu.

(Nelson Sargento. Sonho de um sambista. Eldorado, 1979)

QUESTÃO: O samba é personificado em todo o texto. As características a ele

atribuídas indicam uma transformação ao longo do tempo. Com base no trecho que vai do verso 5 ao verso 12, compare duas

características que revelem essa transformação. Justifique sua resposta. R: No primeiro momento, o samba é caracterizado como ―Negro forte, destemido‖ (verso 6) e ―perseguido‖ (verso 7). Em outro momento, como ―inocente‖ (verso 10), de ―pé no chão‖ (verso 10), envolvido pela ―fidalguia do salão‖ (verso 11). O texto mostra, assim, que o samba, ao longo do tempo, foi absorvido pela cultura dominante ou que ele comprometeu sua origem popular.

(A4U7)

Page 54: Dissertação vanessa-almeida

54

O texto ―Samba‖, de Nelson Sargento, é uma letra de música que faz

uma descrição do samba. O autor personifica ―Samba‖ como ―negro forte

destemido‖ e mostra o seu sofrimento (―agoniza mas não morre‖), construindo

a trajetória desse ritmo e as transformações sofridas.

A questão solicitava que o candidato percebesse a mudança ocorrida

pelo samba, comparando duas características dessa transformação. Para

reconhecer essa transformação, o candidato deveria ter um conhecimento

prévio de História, de que o samba era típico dos negros, das classes

populares, cantado ―na esquina, no botequim, no terreiro‖, e com o tempo a

―fidalguia do salão‖ passou a cantá-lo. Assim, o samba passou a pertencer

também à classe alta, perdendo suas características originais.

O candidato deveria se valer não só do conhecimento histórico, mas

também do conhecimento lingüístico para saber o que significa ―fidalguia‖ e

entender que essa palavra representa a cultura dominante. Desta maneira, é

possível identificar as características opostas do samba, que demonstram a

transformações ocorridas.

Sala de espera

(Ah, os rostos sentados numa sala de espera. Um Diário Oficial sobre a mesa. Uma jarra com flores. A xícara de café, que o contínuo vem, amável, servir aos que esperam a audiência marcada. Os retratos em cor, na parede, dos homens ilustres que exerceram, já em remotas épocas, o manso ofício de fazer esperar com esperança. E uma resposta, que será sempre a mesma: só amanhã. E os quase eternos amanhãs daqueles rostos sempre adiados e sentados numa sala de espera.)

Page 55: Dissertação vanessa-almeida

55

Mas eu prefiro é a rua. A rua em seu sentido usual de ―lá fora‖. Em seu oceano que é ter bocas e pés para exigir e para caminhar. A rua onde todos se reúnem num só ninguém coletivo. Rua do homem como deve ser: transeunte, republicano, universal.

Onde cada um de nós é um pouco mais dos outros do que de si mesmo. Rua da procissão, do comício, do desastre, do enterro. Rua da reivindicação social, onde mora o Acontecimento.

A rua! uma aula de esperança ao ar livre.

(RICARDO, Cassiano. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964.)

QUESTÃO:

sentados numa sala de espera.

O emprego repetido dessa cena no início e no término da caracterização da sala de espera contribui para a construção do sentido do texto porque: (A) reforça a idéia de confinamento oposta à liberdade da rua. (B) confirma uma alternância entre o espaço individual e o coletivo. (C) sugere atitudes banais reproduzidas em diversos espaços públicos. (D) expressa uma perspectiva de mudança ligada ao movimento social. R: A

(C4Q5)

O texto ―Sala de espera‖, de Cassiano Ricardo, descreve as oposições

entre a ―sala de espera‖ e a ―rua‖. Os ambientes são descritos através dos

frames de sala de espera (―diário oficial sobre a mesa‖, ―uma jarra de flores‖, ―o

café‖) e de rua (―procissão‖, ―comércio‖, ―desastre‖, ―enterro‖, ações que

ocorrem na rua).

Na sala de espera, os homens estão nos retratos, presos, representam a

passividade, ensinam o ―manso ofício de fazer esperar com esperança‖;

enquanto na rua, os homens são ―transeunte, republicano, universal‖, pois a

rua é ―uma aula de esperança ao ar livre‖.

Page 56: Dissertação vanessa-almeida

56

Enquanto no primeiro espaço só há a espera de uma resposta, que será

sempre a mesma, ‖só amanhã‖, e fica-se sentado, na rua ―em seu oceano que

é ter bocas e pés para exigir e para caminhar‖, há liberdade.

Os elementos que compõem os frames da sala de espera e da rua

formam uma oposição no texto: confinamento versus liberdade. Para que se

compreenda isso, o conhecimento prévio é essencial.

3.3.2.Contextualização

A situacionalidade se encaixa neste grupo, pois se relaciona à

adequação do texto ao contexto. Como afirmam Koch & Travaglia (2001:69), a

situacionalidade é ―a situação comunicativa propriamente dita, isto é, o

contexto sócio-político-cultural em que a interação está inserida‖.

Da mesma forma, a focalização (a direção do olhar do produtor e leitor)

também se relaciona ao contexto. Segundo Koch & Travaglia (2003:85), muitos

fatores determinam a focalização, mas talvez o mais forte seja o interesse e a

história dos indivíduos. Uma flor não é vista da mesma forma por um botânico e

por um poeta: a diferença se estabelece no foco de cada um, no interesse, no

contexto.

De acordo com Perini (2000:59), para entender um texto, não basta

saber a língua, é preciso ainda ―ter certas informações sobre o contexto‖. Um

texto em um determinado contexto pode não estabelecer sentido, ou

estabelecer sentidos completamente diferentes do esperado.

A seguir, questões de vestibulares que abordam a contextualização:

Prefácio

Verdadeiramente está comprovado: no Brasil fazer um livro de poemas é

mais fácil que votar. Como cidadãos nós lutamos pela liberdade de expressão, pela igualdade de direitos. Como poetas nós lutamos pela liberdade de

Page 57: Dissertação vanessa-almeida

57

expressão, pela igualdade de direitos. Nós somos persistentes e resistimos ao medo e à inércia. Hoje no Brasil publicação de livros e livretos de poesia virou moda. Mas é quase impossível ter conhecimento de tudo. Tampouco é necessário ou agradável se ater a tantas inutilidades. Ferreira Gullar seria ídolo nacional se jogasse futebol. Carlos Drummond de Andrade seria canonizado se fizesse milagres. João Cabral de Melo Neto seria subversivo se morasse na Vila Esperança. E nós seríamos bons poetas se a paranóia e o medo não avassalassem nossas cabeças. Contudo, apesar de tudo, acreditamos que a poesia provoca mudança na cabecinha das pessoas. Somos poetas. Utópicos. Lutamos contra o desespero, contra a injustiça. Esperança acumulada. Teimosia necessária. Qualquer crítico de literatura poderá dizer que este livro representa a insatisfação e as contradições estéticas de jovens poetas sitiados na cidade de São Paulo. Uma bela amostra de rebeldia poética. Tolice. Estamos na CONTRAMÃO porque todo brasileiro está cometendo infração. Todo mundo insistindo em sobreviver. Povo malucado. Até o pensar está sendo proibido. Gestos coagidos. Inocentes foragidos. A contradição de um homem hoje é a mais legítima de suas armas. Se todos os 110 milhões de poetas brasileiros resolvessem falar de repente a poesia deixaria de ser necessária. Mas isso é coisa do futuro. Então eis a poesia como investigação formal, como experiência existencial, como instrumento de conhecimento humano. Eis a poesia como denúncia da miséria contemporânea. Síntese das ambigüidades intelectuais. Eis então a poesia dardejando mensagens que propõem a pluralidade de significados. Eis a poesia em busca da compreensão das contradições de seu tempo. Na CONTRAMÃO, em que pese as barreiras e as ameaças constantes. Mesmo armadilhados podemos lucidamente afirmar que não temos a consciência tranqüila. Tampouco temos consciência do que seja tranqüilidade. Os tempos são de cravos enferrujados sobre a tumba de um herói qualquer. Os tempos não deixaram margem nem leito à originalidade de nossos pensamentos. Não deixaram coerência às nossas consciências. Os tempos são de calabouço. Por isso publicamos esse livro. E este é mais um livro possivelmente insignificante. Como são todos os livros publicados neste país que clama, não por teorias ou futilidades, mas por pão e trabalho justo. Clama por total reestruturação social e econômica. Por justiça. Por atos concretos, atitudes honestas. Porque, por incrível que possa parecer, esta também é uma terra habitada por seres humanos; não por vermes. Estamos entupidos de decisões e determinações inconseqüentes. Não queremos apenas resistir. Queremos avançar. Nossa pretensão ao editar este livro é a de manifestar, peremptoriamente, nosso compromisso com a vida e com a má literatura feita em nosso país. Por último, queremos avisar os sindicatos, as associações de bairros, os teatros, os jornais, as escolas e faculdades, os rádios, as fábricas, as televisões, a Academia Brasileira de Letras, a Escola Superior de Guerra, a União Brasileira de Escritores, que atualmente estamos fazendo apresentações públicas de poesias. É só nos chamar. Não cobramos nada. Apenas reclamamos seriedade. Porque é preciso fazer alguma coisa pela sensibilidade do homem. E poesia e poeta não são tão chatos assim. É bom sabermos que no Brasil tudo está por fazer. Apesar dos vigias. Porque ninguém precisa deles.

(In: PEREIRA, Carlos A. M. Retrato de época. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981.)

Page 58: Dissertação vanessa-almeida

58

QUESTÃO: No texto, os autores expressam aquilo que seria sua concepção ideal de arte poética. Essa concepção que, para eles, não pode ser posta em prática no contexto vivido naquele momento histórico, relaciona-se ao seguinte fragmento: (A) ―Somos poetas. Utópicos. ... Esperança acumulada. Teimosia necessária.‖ (B) ―Uma bela amostra de rebeldia poética.‖ (C) ―Eis então a poesia dardejando mensagens que propõem a pluralidade de significados.‖ (D) ―Como são todos os livros publicados neste país que clama, não por teorias ou futilidades, mas por pão e trabalho justo.‖ R: C

(C3K16)

O texto ―Prefácio‖ é de fato o prefácio do livro de poemas Retrato de

época, editado em 1981, ano em que ainda havia ditadura militar no Brasil,

embora não tão forte. Esse contexto é decisivo para estabelecer o sentido

desse texto.

Os dados da referência bibliográfica, a situação em que foi escrito, o

foco do texto, tudo isso contribui para o estabelecimento do sentido. A situação

política vivida nesse contexto de censura não permitia que artistas

expressassem livremente sua concepção de poesia.

Os poetas não podiam se expor claramente; eles se expressavam

através das ambigüidades, do descontentamento velado, da pluralidade de

sentido da literatura. Dessa forma, a poesia dardejava ―mensagens que

propõem a pluralidade de significados‖. Os significados ficavam velados e

subentendidos, e é através desse contexto que é possível compreender os

sentidos do texto da questão.

Texto I

Nós, os escritores nacionais, se quisermos ser entendidos de nosso povo, havemos de falar-lhe em sua língua, com os termos ou locuções que ele entende, e que lhe traduz os usos e sentimentos.

Page 59: Dissertação vanessa-almeida

59

Não é somente no vocabulário mas na sintaxe da língua que o nosso povo exerce o seu inauferível direito de imprimir o cunho de sua individualidade, abrasileirando o instrumento das idéias.

José de Alencar. O nosso cancioneiro.

Texto II

Ficou-nos, entretanto, dessa primeira dualidade de línguas [português e tupi], a dos senhores e a dos nativos, uma de luxo, oficial, outra popular, para o gasto — dualidade que durou seguramente século e meio e que prolongou-se depois, com outro caráter, no antagonismo entre a fala dos brancos das casas-grandes e a dos negros das senzalas — , um vício, em nosso idioma, que só hoje, e através dos romancistas e poetas mais novos, vai sendo corrigido ou atenuado: o vácuo enorme entre a língua escrita e a língua falada. Entre o português dos bacharéis, dos padres e dos doutores, quase sempre propensos ao purismo, ao preciosismo e ao classicismo, e o português do povo, do ex-escravo, do menino, do analfabeto, do matuto, do sertanejo. O deste ainda muito cheio de expressões indígenas, como o do ex-escravo ainda quente da influência africana.

Gilberto Freire. Casa-grande & senzala.

Texto III

Identificados assim os destinos da língua com os destinos de um povo,

pelo mesmo fato de serem uma e outro verso e reverso de uma só manifestação do espírito, vê-se o impossível que será erigir-se um padrão rígido para qualquer língua, quando o pensamento e o sentimento nela expressos são, por natureza, variados. Em lingüística, porém, a unidade não é incompatível com a variedade. Nenhuma língua permanece a mesma em todo seu domínio e, ainda num só local, apresenta um sem-número de diferenciações.

Celso Cunha. Uma política do idioma.

QUESTÃO: Os textos de José de Alencar, Gilberto Freire e Celso Cunha expressam pontos de vista de literatura, da sociologia e da lingüística sobre a relação língua portuguesa e identidade nacional. Resuma em uma frase completa o ponto de vista do a) escritor b) sociólogo c) lingüista R: a) Discute a aproximação da linguagem do escritor com a linguagem de seu povo, de forma a construir a tradução de sua brasilidade.

Page 60: Dissertação vanessa-almeida

60

b) Apresenta uma dupla caracterização da língua portuguesa no Brasil, de acordo com o uso oficial e o uso popular. c) A língua pressupõe variações diversas na expressão do pensamento e sentimento também diversos, não impossibilitando que a comunicação se efetive.

(B321a, b, c)

Nesta questão, referente a três textos cuja temática é língua portuguesa,

verifica-se o foco dado a cada produtor. Cada um a observa em um contexto:

para o escritor, a literatura é uma das formas de expressar a brasilidade da

língua; para o sociólogo, a língua marca as diferenças sociais, a partir de quem

se expressa pelo ―uso oficial‖ e pelo ―uso popular‖; para o lingüista, é natural

que a língua sofra modificações, de acordo com o pensamento.

Alencar, Freire e Cunha escreveram a partir do contexto em que estão

inseridos; assim também o leitor deve conhecer este contexto para

compreender o posicionamento de cada produtor. É dessa maneira que o

contexto que ancora o texto, fazendo deste mais uma fonte de sentido.

3.3.3. Inferência

Preferiu-se aqui formar um conjunto unitário composto pelo fator

inferência, pois representa as ―entrelinhas‖ do texto. No ato da leitura, segundo

Charolles (apud Koch & Travaglia, 2003: 71) o leitor é levado a construir

―relações que não estão expressas nos dados do texto: estas relações são as

inferências, que podem ser ou não lingüisticamente fundadas‖.

Questões de vestibulares como as listadas a seguir abordam este fator:

Page 61: Dissertação vanessa-almeida

61

Texto I

Recônditos do mundo feminino Baseado na crença de uma natureza feminina, que dotaria a mulher biologicamente para desempenhar as funções da esfera da vida privada, o discurso é bastante conhecido: o lugar da mulher é o lar, e sua função consiste em casar, gerar filhos para a pátria e plasmar o caráter dos cidadãos de amanhã. Dentro dessa ótica, não existiria realização possível para as mulheres fora do lar; nem para os homens dentro de casa, já que a eles pertenceria a rua e o mundo do trabalho.

A imagem da mãe-esposa-dona de casa como a principal e mais importante função da mulher correspondia àquilo que era pregado pela Igreja, ensinado por médicos e juristas, legitimado pelo Estado e divulgado pela imprensa. Mais que isso, tal representação acabou por recobrir o ser mulher – e a sua relação com as suas obrigações passou a ser medida e avaliada pelas prescrições do dever ser.

No manual de economia doméstica O lar feliz, destinado às jovens mães e ―a todos quantos amam seu lar‖, publicado em 1916, mesmo ano em que foi aprovado o Código Civil da República, o autor divulga para um público amplo o papel a ser desempenhado por homens e mulheres na sociedade, e sintetiza, utilizando a idéia do ―lar feliz‖, a estilização do espaço ideologicamente estabelecido como privado.

―Nem a todos é dado o escolher sua morada,pois em muitos casais a instalação depende da profissão do chefe‖, afirma o compêndio, em consonância com o Código.

―Entretanto à mulher incumbe sempre fazer do lar — modestíssimo que seja ele — um templo em que se cultue a Felicidade; à mulher compete encaminhar para casa o raio de luz que dissipa o tédio, assim como os raios de sol dão cabo dos maus micróbios (...). Quando há o que prenda a atenção em casa, ninguém vai procurar fora divertimentos dispendiosos ou prejudiciais; o pai, ao deixar o trabalho de cada dia, só tem uma idéia: voltar para casa, a fim de introduzir ali algum melhoramento ou de cultivar o jardim. Mas se o lar tem por administrador uma mulher, mulher dedicada e com amor à ordem, isso então é a saúde para todos, é a união dos corações, a felicidade perfeita no pequeno Estado, cujo ministro da Fazenda é o pai, cabendo à companheira de sua vida a pasta política, os negócios do Interior.‖

A descrição harmoniosa do ―pequeno Estado‖ discriminava as funções de cada um, atribuindo ao marido e à mulher papéis complementares, mas, em nenhum momento, igualdade de direitos. Acentuava-se o respeito mútuo, que pode ser traduzido como a expressa obediência de cada sexo aos limites do domínio do outro. Nas palavras de Afrânio Peixoto, ―iguais, mas diferentes. Cada um como a natureza o fez‖.

(MALUF, M. e MOTT, M. Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO, N. (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.)

Page 62: Dissertação vanessa-almeida

62

Texto II

I love my husband*

Eu amo meu marido. De manhã à noite. Mal acordo, ofereço-lhe café. Ele suspira exausto da noite sempre mal dormida e começa a barbear-se. Bato-lhe à porta três vezes, antes que o café esfrie. Ele grunhe com raiva e eu vocifero com aflição. Não quero meu esforço confundido com um líquido frio que ele tragará como me traga duas vezes por semana, especialmente no sábado.

Depois, arrumo-lhe o nó da gravata e ele protesta por consertar-lhe unicamente a parte menor de sua vida. Rio para que ele saia mais tranqüilo, capaz de enfrentar a vida lá fora e trazer de volta para a sala de visita um pão sempre quentinho e farto. Ele diz que sou exigente, fico em casa lavando a louça, fazendo compras, e por cima reclamo da vida. Enquanto ele constrói o seu mundo com pequenos tijolos, e ainda que alguns destes muros venham ao chão, os amigos o cumprimentam pelo esforço de criar olarias de barro, todas sólidas e visíveis.

A mim também me saúdam por alimentar um homem que sonha com casas-grandes, senzalas e mocambos, e assim faz o país progredir. E é por isto que sou a sombra do homem que todos dizem eu amar. Deixo que o sol entre pela casa, para dourar os objetos comprados com esforço comum. Embora ele não me cumprimente pelos objetos fluorescentes. Ao contrário, através da certeza do meu amor, proclama que não faço outra coisa senão consumir o dinheiro que ele arrecada no verão. Eu peço então que compreenda minha nostalgia por uma terra antigamente trabalhada pela mulher, ele franze o rosto como se eu lhe estivesse propondo uma teoria que envergonha a família e a escritura definitiva do nosso apartamento.

O que mais quer, mulher, não lhe basta termos casado em comunhão de bens? E dizendo que eu era parte do seu futuro, que só ele porém tinha o direito de construir, percebi que a generosidade do homem habilitava-me a ser apenas dona de um passado com regras ditadas no convívio comum. *Eu amo meu marido. (PIÑON, Nélida. I love my husband. In: MORICONI, Ítalo (sel.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.)

QUESTÃO: O fragmento do texto I compreendido entre as linhas 20 e 33 representa a mulher por meio de uma imagem que é retomada no texto II. O lar feliz e I love my husband se diferenciam, porém, em um aspecto fundamental: a relação que cada enunciador tem com a imagem da mulher representada. Explique essa diferença.

Page 63: Dissertação vanessa-almeida

63

R: Em O lar feliz, o enunciador constrói uma imagem da mulher ideal segundo um código de conduta. Em I love my husband, a mesma imagem é construída no contexto de uma experiência particular que revela seu fracasso.

(C2I2a)

O texto ―Recônditos do mundo feminino―, de M. Maluf e M. Lúcia Mott —

que foi selecionado para o questionário distribuído aos professores —, e o texto

―I love my husband‖, de Nélida Pinon, fizeram parte da mesma prova de

vestibular e abordam o mesmo tema, mulher, sob dois gêneros textuais, pois o

primeiro é um texto não-literário e o segundo, literário.

No texto I, há a alusão ao manual de economia doméstica ―O lar feliz‖,

cujo enunciador tem a intenção de demonstrar uma mulher ideal de acordo

com um código de conduta da época em que foi criado e de acordo com uma

sociedade patriarcal. Já o conto de Nélida Pinon é construído sob a ironia da

frase ―I love my husband‖; o aluno deve inferir isso para compreender que a

mulher na verdade se sente infeliz e fracassada.

No texto II, em ―Eu amo meu marido. De manhã à noite.‖, há uma ironia

devido à insatisfação da mulher diante de um marido que ―grunhe com raiva‖,

―protesta‖ contra o nó feito por ela da gravata. A mulher é ―a sombra do

homem‖ que todos dizem que ela ama, confirmando, assim, a inferência de que

não se pode afirmar que ela ame de fato o seu marido.

Segue abaixo uma outra questão que aborda enfaticamente a questão

da inferência.

O mundo para todos

Durante debate recente, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma resposta minha.

De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia,

Page 64: Dissertação vanessa-almeida

64

podia imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro.

O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da Humanidade. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia.

Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.

(BUARQUE, Cristovam. O Globo, 23/10/2000.)

Page 65: Dissertação vanessa-almeida

65

QUESTÃO:

O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. (l. 2 - 3) O objetivo da fala do jovem, ao solicitar que Cristovam Buarque se comportasse como humanista, está corretamente descrito em: (A) ressaltar a inteligência e a cultura patriótica do interlocutor. (B) fazer um questionamento e um protesto dirigido ao debatedor. (C) demonstrar consciência e tolerância ante a pluralidade de opiniões. (D) desvalorizar o ponto de vista e a posição do brasileiro acerca do assunto. R: D

(C3K12)

O texto ―O mundo para todos‖ relata um debate vivido pelo seu produtor

Cristovam Buarque nos Estados Unidos, em que o humanista é questionado

sobre internacionalização da Amazônia. Inicia-se com a narração da pergunta

de um jovem, que indagava o que pensava sobre o assunto, mas a pergunta

era feita com a condição de que não se colocasse como um brasileiro.

Nesta questão, infere-se que a nacionalidade de Buarque interferiria na

sua opinião, pois fica subentendido na pergunta que já se esperava na

resposta — de um brasileiro — a defesa da Amazônia como um patrimônio do

Brasil.

Todo o texto se constrói explicitamente com inferências, mesmo porque,

inclusive por questões diplomáticas, muitas palavras não deveriam ser ditas,

mas subentendidas. Assim, por exemplo, foi resposta de Cristovam Buarque:

―Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada,

internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro‖.

Buarque respondeu procurando não demonstrar sua posição inerente de

brasileiro a fim de não ser emotivo e desvalorizar sua resposta. Respondeu

ancorando sua argumentação no aspecto humanista, inferindo que, se os

americanos querem internacionalizar a Amazônia, eles e todos os outros

países deveriam também internacionalizar os seus patrimônios.

O discurso a que os textos, de forma geral, fazem referência é

apresentado de forma lacunar; cabe ao leitor preencher essas lacunas,

reconhecendo os implícitos e fazendo as inferências.

Page 66: Dissertação vanessa-almeida

66

3.3.4. Intencionalidade

Todo texto tem uma intenção, um objetivo, por isso, a intencionalidade

está diretamente relacionada à argumentatividade, stricto sensu, pois todo

autor deseja expor algo e convencer da verdade (ou verossimilhança).

Segundo Koch (2003:12-13), a atividade humana tem os seguintes

aspectos:

―a. existência de uma necessidade/ interesse; b. estabelecimento de uma finalidade; c. estabelecimento de um plano de atividade, formado por ações individuais; d. realização de operações específicas para cada ação, de conformidade com

o plano prefixado; e. dependência constante da situação em que se leva acabo atividade, tanto

para a planificação geral como para a realização das ações e a possível modificação do processo no decurso da atividade (troca das ações previstas por outras, de acordo com mudanças produzidas na situação).‖

O leitor deve perceber as intenções do texto, as estratégias utilizadas

pelo autor, para ter um melhor entendimento. Uma das intenções do texto é a

informatividade, que precisa estar equilibrada, apresentando-se com relevância

e consistência. A intencionalidade também se relaciona com a aceitabilidade,

pois o leitor precisa interagir com o autor, produzindo os sentidos. Assim, nesta

Dissertação, a intencionalidade engloba esses fatores. É demonstrado a seguir

como isso ocorre nas questões.

Desabrigo (fragmento)

Antônio Fraga

Foi aí que um camelô aproveitando o ajuntamento começou a dizer: — Os senhores vendo eu aqui me exibir pensarão que sou um mágico

arruinado que não podendo trabalhar no palco vem aqui fazer uns truques pra depois correr o chapéu pedindo uns níqueis. Mas não sou nada disso. Sou um representante da afamada fábrica de perfumes mercúrio que não manda distribuir prospectos, não bota anúncio no rádio nem nos jornais, nem mesmo anúncios luminosos. Esta casa meus senhores prefere contratar um técnico

Page 67: Dissertação vanessa-almeida

67

propagandista que saia por aí distribuindo gratuitamente os seus produtos. Entre os maravilhosos preparados da fábrica de perfumes mercúrio encontra-se esta loção — a afamada loção mercúrio que elimina a caspa e a calvície, mas não dá cabo da cabeça do freguês. Se os senhores fossem adquirir este produto nas farmácias ou drogarias lhes cobrariam dez ou quinze mil réis. Eu estou autorizado a distribuí-lo gratuitamente às pessoas que adquirirem o reputado sabonete minerva pelo qual cobro apenas dois mil réis para cobrir as despesas da publicidade...

Um aqui para o cavalheiro... outro para a senhorita...

(Desabrigo. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes – DGDIC, 1990, pp. 28-29)

QUESTÃO: No texto, o camelô afirma que a loção mercúrio é gratuita. Comente essa afirmação.

R: Na verdade, trata-se de uma estratégia de venda. A loção não é gratuita, uma vez que para levá-la, o cliente deve pagar pelo ―reputado sabonete Minerva‖.

(A1U6a)

O texto ―Desabrigo‖ apresenta a fala de um camelô, que se denomina

como ―um técnico propagandista‖. O personagem se apresenta, de forma

engraçada, procurando atrair a atenção dos pedestres. Diz que é autorizado

pela fábrica a distribuir gratuitamente uma loção, desde que o interessado

compre um sabonete e pague pelas despesas da ―publicidade‖. Percebe-se a

intencionalidade na fala do personagem para vender a loção que, na verdade,

não é gratuita, pois o comprador deve pagar ―dois mil réis‖ para adquiri-la. O

leitor deve perceber que o camelô usa uma estratégia de marketing.

A questão a seguir reforça a ligação entre a intencionalidade e a

argumentatividade.

Page 68: Dissertação vanessa-almeida

68

Preconceito e Exclusão

Os preconceitos lingüísticos no discurso de quem vê nos

estrangeirismos uma ameaça têm aspectos comuns a todo tipo de posição purista, mas têm também matizes próprios. Tomando a escrita como essência da linguagem, e tendo diante de si o português, língua de cultura que dispõe hoje de uma norma escrita desenvolvida ao longo de vários séculos, [o purista] quer acreditar que os empréstimos de hoje são mais volumosos ou mais poderosos do que em outros tempos, em que a língua teria sido mais pura. (...)

Ao tomar-se a norma escrita, é fácil esquecer que quase tudo que hoje ali está foi inicialmente estrangeiro. Por outro lado, é fácil ver nos empréstimos novos, com escrita ainda não padronizada, algo que ainda não é nosso. Com um pouco menos de preconceito, é só esperar para que esses elementos se sedimentem na língua, caso permaneçam, e que sejam padronizados na escrita, como a panqueca. Afinal, nem tudo termina em pizza!

Na visão alarmista de que os estrangeirismos representam um ataque à língua, está pressuposta a noção de que existiria uma língua pura, nossa, isenta de contaminação estrangeira. Não há. Pressuposta também está a crença de que os empréstimos poderiam manter intacto o seu caráter estrangeiro, de modo que somente quem conhecesse a língua original poderia compreendê-los. Conforme esse raciocínio, o estrangeirismo ameaça a unidade nacional porque emperra a compreensão de quem não conhece a língua estrangeira. (...)

O raciocínio é o de que o cidadão que usa estrangeirismos — ao convidar para uma happy hour, por exemplo — estaria excluindo quem não entende inglês, sendo que aqueles que não tiveram a oportunidade de aprender inglês, como a vastíssima maioria da população brasileira, estariam assim excluídos do convite. Expandindo o processo, por analogia, para outras tantas situações de maior conseqüência, o uso de estrangeirismos seria um meio lingüístico de exclusão social. A instituição financeira banco que oferece home banking estaria excluindo quem não sabe inglês, e a loja que oferece seus produtos numa sale com 25% off estaria fazendo o mesmo.

O equívoco desse raciocínio lingüisticamente preconceituoso não está em dizer que esse pode ser um processo de exclusão. O equívoco está em não ver que usamos a linguagem, com ou sem estrangeirismos, o tempo todo, para demarcarmos quem é de dentro ou de fora do nosso círculo de interlocução, de dentro ou de fora dos grupos sociais aos quais queremos nos associar ou dos quais queremos nos diferenciar. (...) (GARCEZ, Pedro M. e ZILLES, Ana Maria S. In: FARACO, Carlos Alberto (org.). Estrangeirismos - guerras em torno da língua. São Paulo: Parábola, 2001.)

QUESTÃO: é só esperar para que esses elementos se sedimentem na língua, caso permaneçam, e que sejam padronizados na escrita, como a panqueca. Afinal, nem tudo termina em pizza!

Page 69: Dissertação vanessa-almeida

69

No contexto do segundo parágrafo, o trecho acima desempenha a função de: (A) reafirmar a certeza já apresentada de que as questões da linguagem devem ser tratadas com a devida objetividade. (B) exemplificar o comentário contido nas frases anteriores ao mesmo tempo em que ironiza a preocupação dos puristas. (C) registrar estrangeirismos cuja grafia comprova que há necessidade de adaptação de novos termos às convenções do português. (D) demonstrar o argumento central de que não podemos abrir mão dos estrangeirismos e frases feitas na comunicação corrente. R: B

(C4Q4)

O texto ―Preconceito e Exclusão‖ é uma dissertação, que defende o uso

dos estrangeirismos. A intencionalidade diretamente relacionada à

argumentação apresenta-se fortemente nos argumentos em defesa da tese de

que os estrangeirismos não são uma ameaça à língua portuguesa.

Nesta questão, verifica-se pelo exemplo da frase feita ―tudo termina em

pizza‖ (simbolizando ―tudo acaba em conchavos, bagunça‖) que os

estrangeirismos não atrapalham a língua, nem são um fator de exclusão.

Além disso, o trecho tem a intenção de mostrar que o estrangeirismo faz

parte da língua. Usam-se, como argumentos, os exemplos da palavra ―pizza‖ ,

estrangeirismo de origem italiana, que se incorporou à língua portuguesa,

enquanto outro, ‖panqueca‖, de origem francesa, aportuguesou-se. De

qualquer forma, tanto este quanto aquele hoje são bastante conhecidos e

usados pelos falantes, o que ilustra bem, no texto, os comentários anteriores.

3.3.5. Intertextualidade

A intertextualidade ocorre quando um texto apresenta outro inserido, já

existente (o intertexto). Pode ser explícita, quando o texto faz menção a outro

(citações, referências, resumos, resenhas), ou implícita, quando é inserido o

intertexto alheio sem mencionar a fonte. Nesse caso, espera-se que o leitor

Page 70: Dissertação vanessa-almeida

70

seja capaz de reconhecer esta intertextualidade, pois a interpretação do texto

depende deste reconhecimento.

A intertextualidade é evidente em paródias, em alusões, em certas

ironias, como pode ser observada nas questões que seguem.

A Pátria

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! não verás nenhum país como este! Olha que céu! que mar! que rios! que floresta! A Natureza, aqui, perpetuamente em festa, É um seio de mãe a transbordar carinhos. Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos, Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos! Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! Vê que grande extensão de matas, onde impera Fecunda e luminosa, a eterna primavera! Boa terra! jamais negou a quem trabalha O pão que mata a fome, o teto que agasalha... Quem com o seu suor a fecunda e umedece, Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece! Criança! não verás país nenhum como este: Imita na grandeza a terra em que nasceste!

Olavo Bilac QUESTÃO:

As estéticas literárias, embora costumem ser datadas nos livros didáticos com início e término pós-determinados, não se deixam aprisionar pela rigidez cronológica.

Assinale o comentário adequado em relação à expressão estética do poema ―A Pátria‖ de Olavo Bilac (1865-1918). (A) O poema transcende a estética parnasiana ao tratar a temática da exaltação da terra, segundo a estética romântica. (B) O poema exemplifica os preceitos da estética parnasiana e valoriza a forma na expressão comedida do sentimento nacional. (C) O poema se antecipa ao discurso crítico da identidade nacional – tema central da estética modernista.

Page 71: Dissertação vanessa-almeida

71

(D) O poema se insere nas fronteiras rígidas da estética parnasiana, dando ênfase à permanência do ideário estético, no eixo temporal das escolas literárias. (E) O poema reflete os valores essenciais e perenes da realidade, distanciando-se de um compromisso com a afirmação da nacionalidade. R: A

(B4168)

A questão anteriormente citada aborda conhecimentos literários de uma

forma muito diferente da maioria dos livros didáticos de EM, que apresentam a

literatura de uma forma tradicional, separada em estilos de época, induzindo à

―decoreba‖ das características dos estilos, como se elas fossem auto-

suficientes na classificação dos textos por estilos literários.

O aluno não poderia se apoiar nas características do Parnasianismo

apresentadas nos livros, mas interpretar o texto e relacioná-lo a outros, típicos

do Romantismo, para perceber a íntima relação entre eles pela temática do

nacionalismo, muito comum neste período literário e não naquele. É nessa

conversa entre textos que está o foco desta questão.

Texto I

Ziraldo, Rio de Janeiro: Salamandra, 1988.p. 47.

Page 72: Dissertação vanessa-almeida

72

Texto II

O que me impressiona é a facilidade com que se fazem tais transações, clubes que devem o que não podem pagar, de salários, prêmios, luvas, e sobretudo de obrigações sociais. Bons exemplos são Flamengo, Vasco e aqui no Recife todos os chamados grandes. Trata-se de uma brincadeira de faz de conta, papel pra lá, papel pra cá, dinheiro mesmo, nada. E a Previdência Social que vá nem sei para onde, e o imposto de renda também. É aquela velha história do poeta ufanista: ama com fé e orgulho a terra em que nasceste, criança, não verás nenhum país como este!

Fernando Menezes http://www.entretextos.jor.br/textos/0025.html

QUESTÃO:

Em vários momentos da cultura brasileira, diferentes manifestações artísticas se apropriam de fragmentos literários e, através da intertextualidade, estabelecem um diálogo como interpretação da realidade que nos cerca.

O emprego do pronome demonstrativo nos textos I e II encaminha, no tempo e no espaço, uma leitura crítica do poema ―A Pátria‖ de Olavo Bilac .

Identifique, respectivamente, as palavras que sintetizam a visão do Brasil, na apropriação do verso de Bilac, — ―Criança! não verás país nenhum como este.‖ — pelo chargista (Ziraldo) e pelo cronista esportivo (Fernando Menezes):

(A) ufanismo/ depreciação (B) benevolência / desnutrição (C) miséria / desorganização (D) esperança/ indolência (E) dignidade/ promiscuidade R: C

(B4169)

Nesta questão, verificam-se diversos fatores de coerência, dentre os

quais a intertextualidade, já expressa no enunciado, mostrando que tanto o

texto I quanto o II fazem alusão ao poema de Bilac — e quem não percebe isso

tem dificuldades na interpretação.

No poema de Bilac, no verso ―Criança, não verás país nenhum como

este‖, o pronome ―este‖ refere-se ao país que tinha sido descrito como

maravilhoso, uma verdadeira ―Pátria‖ que a criança deve amar. Na situação da

charge, em que se apresentam duas crianças famintas e uma mãe num local

Page 73: Dissertação vanessa-almeida

73

de grande pobreza, o pronome ―este‖ refere-se a um país muito diferente do

apresentado no poema parnasiano. Por fim, na crônica esportiva, o pronome

―este‖ refere-se a um país com problemas sociais e econômicos.

Em comum, os textos retomam os versos de Bilac, numa releitura do

país. A intertextualidade precisa ser recuperada no momento de interpretar os

textos e responder as questões.

A seguinte notícia de jornal busca retratar o dia-a-dia de ―uma vida severina‖ na cidade grande. A expressão ―vida severina‖ encontra-se na obra literária Morte e vida severina de João Cabral de Melo Neto.

Escova e graxa de sapato para dar brilho a uma vida Severina

O MENINO LEANDRO Pereira Rodrigues, de 12 anos, trabalha como engraxate no Centro do Rio. Quando não dorme na casa de um tio, em Santa Teresa, ele se ajeita numa calçada da Avenida Presidente Vargas. Leandro estudou até a terceira série do ensino fundamental, mas hoje está fora da escola. O menino, que cobra um real pelo serviço, sonha ser pedreiro, como o pai.

O GLOBO, Retratos do Rio, 19/maio/2001, p.2

QUESTÃO:

Dentre os fragmentos de Morte e vida severina transcritos a seguir, identifique o que se refere, poeticamente, à realidade apresentada pela linguagem jornalística.

(A) O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, Que é santo de romaria,

Page 74: Dissertação vanessa-almeida

74

(B) é uma criança pálida, é uma criança franzina, mas tem a marca de homem, marca de humana oficina. (C) Antes de sair de casa aprendi a ladainha das vilas que vou passar na minha longa descida. (D) Agora se me permite minha vez de perguntar : Como a senhora, comadre, Pode manter o seu lar? (E) O dia de hoje está difícil; não sei onde vamos parar. Deviam dar um aumento, Ao menos aos deste setor de cá.

(B2155) R: B

Na notícia de jornal acima, verifica-se a intertextualidade já na

manchete, dialogando com o poema de ―Morte e vida severina‖. O aluno

deveria reconhecer que trecho da obra literária alude ao texto jornalístico. Mas,

para isso, também é necessário que ele relacione a idéia-núcleo da reportagem

à dos versos de João Cabral de Melo Neto. Mais uma vez, a recuperação da

conversa intertextos é essencial na interpretação.

A foto da reportagem, que apresenta um adolescente de 12 anos com a

feição de um menino, todavia tem que trabalhar como se fosse um adulto para

sobreviver, também dialoga com os verso ―é uma criança franzina, / mas tem a

marca de homem. Leandro,―sobre as mesmas pernas finas‖ que descreveu o

poeta, já carrega a dureza da vida, ―vida Severina.‖

Destaca-se por fim que os fatores de coerência não se restringem

apenas ao universo escolar, podem estar presentes em uma simples manchete

de jornal.

Page 75: Dissertação vanessa-almeida

4. Considerações finais

“Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti. Não indagues se novas estradas tempo e

vento desabam no abismo.

Que sabes tu o fim?”

(Menotti del Picchia)

Este trabalho tem como objetivo oferecer uma sugestão ao ensino,

proporcionando aos professores um aparato teórico que pode ser aplicado em

sala de aula. É uma tentativa de facilitar o trabalho do professor referente à

interpretação, uma atividade importante em sala de aula, mas que carece de

estratégias.

A partir da constatação de que interpretar é atribuir sentidos ao texto e os

fatores de coerência são responsáveis por ancorar estes sentidos,

considerou-se que os fatores de coerência seriam também fatores que

contribuem para a interpretação feita pelo leitor. Os fatores de coerência, por

vezes, ensinados nas aulas de produção de texto, devem ser trabalhados

também em atividades de interpretação.

Foi comprovada a hipótese de que é possível estabelecer alguns elementos

que subsidiem a interpretação de texto, ao analisar os questionários

respondidos pelos professores da rede pública do Rio de Janeiro, pois os

principais fatores de coerência apareceram nas respostas.

Além disso, de acordo com a análise do corpus composto de 32 provas de

Português e Literatura do vestibular de 2000 a 2004, das universidades UERJ,

UFF e UFRJ, com um total de 433 questões, constatou-se que 53,1% do que é

cobrado no vestibular é interpretação explícita, dentre essas questões, 72,5%

enfocam os fatores de coerência.

Através de estudos de Beaugrande & Dressler (1997) e Koch &

Travaglia (2001 e 2003) e Koch (2003 e 2004), propôs-se, então, uma nova

compilação de fatores de coerência para ser aplicada ao ensino: conhecimento

Page 76: Dissertação vanessa-almeida

76

prévio, contextualização, inferência, intencionalidade e intertextualidade. O

objetivo dessa simplificação é facilitar o trabalho em sala de aula com uma

teoria sobre interpretação. A idéia de compilar os fatores pôde ser aplicada, a

título de exemplificação, nas questões de vestibulares.

Comprovou-se, com os questionários, que a interpretação deve ser

pensada e ensinada de forma diferente, uma vez que 37,6% dos docentes

demonstraram não saber o que ensinar sobre a interpretação, que vem se

mostrando predominante no vestibular.

Os planos de curso que pontuam uma grande parte de horas para o ensino

da gramática e pouco tempo para o de interpretação, com a justificativa de que

―a gramática cai no vestibular‖, precisam ser repensados. A interpretação,

portanto, não pode ser trabalhada como algo intuitivo. Mesmo que esta

atividade não seja uma disciplina, como a Gramática e a Literatura, mesmo que

não haja uma metodologia precisa, ela precisa de estratégias, e os fatores de

coerência são uma possibilidade de caminho.

Page 77: Dissertação vanessa-almeida

Referências bibliográficas

* ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. 8 ed. Campinas: Papirus, 2004.

BAKHTIN, Mikhail Mikhilovitch, Estética da criação verbal [tradução feita a

partir do francês por Maria Ermantina Galvão: revisão da Tradução Marina

Appenzeller] 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. (1ª edição em russo 1979)

BEAUGRANDE, Robert-Alain & DRESSLER, Wolfgang Ulrich. Introducción a la

lingüística del texto. Tradução Sebastián Bonilla. Barcelona: Ed Ariel, 1997. (1ª

edição em alemão 1972)

BEZERRA, Maria Auxiliadora. Textos: Seleção Variada e Atual. In: ______ &

DIONÍSIO, Ângela Paiva (orgs). O livro didático de Português: múltiplos

olhares. 2 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

BERLO, David K. O sentido de sentido. In: ______. O processo da

comunicação: Introdução à teoria e à prática. Tradução Jorge Armando Fontes.

São Paulo: Martins Fontes, 1999. (1ª edição em inglês 1979)

BRANDÃO, Helena Negamine. Texto, gênero do discurso e ensino. In: ______

(org). Gêneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso político,

divulgação científica. São Paulo: Cortez, 2000. p. 17- 45 (Coleção aprender e

ensinar com textos; v.5)

BROWN, Gillian & YULE, George. Discourse analysis. Cambridge: University

Press, 1983.

CARNEIRO, Agostinho Dias. Interpretação e Lingüística. In: PEREIRA, Maria

Teresa G. (org). Língua e Linguagem em Questão. Rio de Janeiro: EDUERJ,

1997. p. 129-137.

Page 78: Dissertação vanessa-almeida

78

CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A língua falada no ensino de português. 4 ed.

São Paulo: Contexto, 2002.

CEREJA, William Roberto . Ensino de Língua Portuguesa: entre a tradição e a

enunciação. In: HENRIQUES, Cláudio Cezar & PEREIRA, Maria Teresa G.

(orgs.). Língua e transdisciplinaridade: rumos, conexões, sentidos. São Paulo:

Contexto, 2002. p.153-160.

FARACO, Carlos Alberto & NEGRI, Lídia. O falante: que bicho é esse afinal?

Letras, Curitiba, n.49, p. 159-170, 1998. Editora da UFPR.

HALLIDAY, M. A. K. & HASAN, Ruqaiya. Cohesion in English. 3. ed. London:

Longman, 1994. (1ª edição 1976)

KLEIMAN, Angela. Leitura : ensino e pesquisa. Campinas: Pontes, 1989.

_______ . Texto & Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. 8 ed.

Campinas:Pontes, 2002. (1ª edição em 1989)

______ . Oficina de Leitura: teoria e prática. 10 ed. Campinas: Pontes, 2004.

(1ª edição em 1992).

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 7 ed. São Paulo:

Contexto, 2003. (1ª edição em 1997)

______ . Introdução à lingüística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo.

Martins Fontes, 2004.

KOCH, Ingedore Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 12 ed.

São Paulo: Contexto, 2001. (1ª edição em 1990)

Page 79: Dissertação vanessa-almeida

79

______ . Texto e coerência. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2003. (1ª edição em

1989)

MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Tradução

Márcio Venício Barbosa, Maria Emília Amarante Torres Lima. Belo Horizonte:

Ed.UFMG, 2000.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Leitura e compreensão de texto falado e escrito

como ato individual de uma prática social. In: ZILBERMAN, Regina & SILVA,

Ezequiel T. da (org). Leitura, perspectivas disciplinares. São Paulo: Ática, 2004.

p.38-57. (1ª edição em 1988).

______. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Angela

Paiva, MACHADO, Anna Rachel e BEZERRA, Maria Auxiliadora.(orgs).

Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. p. 19-39.

ORLANDI, Eni Puicinelli. O inteligível, o interpretável e o compreensível. In:

ZILBERMAN, Regina & SILVA, Ezequiel T. da (org). Leitura, perspectivas

disciplinares. São Paulo: Ática, 2004(a). p.58-77. (1ª edição em 1988).

______ . Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 4 ed.

Campinas: Pontes, 2004(b).

PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. Texto e discurso: operações discursivas

na enunciação. Mesa-redonda Ensino e linguagem: perspectivas para o século

XXI, 29/09/03. (mimeo)

______. Teoria sobre significado nos campos da Semântica e do Discurso.

2004.(mimeo)

Page 80: Dissertação vanessa-almeida

80

PERINI, Mario A. As gravatas de Mario Quintana (não basta saber uma língua

para entendê-la). In: ___ Sofrendo a gramática: Ensaios sobre linguagem. 3 ed.

São Paulo: Ática, 2000. p.57-68.

POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises lingüísticas de piadas.

Campinas: Mercado das Letras, 2002.

PCN Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos

Parâmetros Curriculares Nacionais/ Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.

1998.

VOGT, Carlos. Por uma pragmática das representações In: Linguagem,

pragmática e ideologia. 2 ed. São Paulo: HUCITEC: 1989. p. 129-163.

Page 81: Dissertação vanessa-almeida

Bibliografia consultada

ABREU, Antônio Suárez. Discurso, texto e enunciação In: ______.Curso de

Redação. 12 ed. São Paulo. Ática, 2004. p. 9-12.

ANTUNES, Irandé. Explorando a gramática. In: ______. Aula de Português:

encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003. p. 85-99.

CAMARA Jr, Joaquim Mattoso. Dicionário de Lingüística e Gramática. 18. ed.

Petrópolis: Vozes, 1997.

CARNEIRO, Agostinho Dias. A interpretação interpretada: os novos

conhecimentos textuais e a presença do texto nos livros didáticos. São Paulo,

Universidade de São Paulo, 2002. Tese de Doutorado em Lingüística.

CAVALCANTE, Marcelo César. A construção do ethos como procedimento

retórico-argumentativo e efeito de subjetividade no discurso. In: Anais do 8°

Congresso Brasileiro de Língua Portuguesa, São Paulo: Instituto de Pesquisas

Lingüísticas ―Sedes Sapientae‖ para Estudos de Português (IP PUC-SP), 2002.

p.77-87.

CHAROLLES, Michel. Introdução aos problemas da coerência dos textos

(Abordagem teórica e estudo das poéticas pedagógicas). In: GALVES,

Charlote; ORLANDI, Eni Puccinelli & OTANI, Paulo (orgs e trad). O texto leitura

& escrita São Paulo: Pontes, 2002. p.39-89.

CHIAPPIN, Ligia. A circulação dos textos na escola -2. In: BRANDÃO, Helena

Nagamine (org). Gêneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso

político, divulgação científica. São Paulo: Cortez, 2000. p. 9-15 (Coleção

aprender e ensinar com textos; v.5).

Page 82: Dissertação vanessa-almeida

82

COLLINI, Sterphan, Introdução: Interpretação terminável e interminável. In:

ECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins

Fontes,1993.p. 1-51.

CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português

Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

ECO, Umberto. Interpretação e História. In: ______ . Interpretação e

Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes,1993.p. 53-77.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua

Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 12. ed. São Paulo: Cortez, 1986.

GENS, Armando. O ensino de literatura sob a mira do mercado editorial.In:

PAULINO, Graça & COSSON, Rildo.(orgs). Leitura literária: a mediação

escolar. Belo Horizonte: Faculdade de letras da UFMG, 2004.p. 161-168.

GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1997.

______ (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.

GHERMACOVSKI, Isabel Christina. O texto em dimensão discursiva. Curitiba,

Universidade Federal do Paraná/UFPR, 2000. Dissertação de Mestrado em

Lingüística.

ILARI, Rodolfo & GERALDI, João Wanderley. Semântica. São Paulo: Ática,

2001.

Page 83: Dissertação vanessa-almeida

83

KOCH, Ingedore Villaça. Desvendando os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo:

Cortez, 2003.

______ & FÁVERO, Leonor. Lingüística textual: introdução. 4. ed. São Paulo.

Cortez, 1998.

MACHADO, Irene A. Os gêneros e a ciência dialógica do texto. In: FARACO,

Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão & CASTRO, Gilberto (orgs). Diálogos com

Bahktin. Curitiba: Editora da UFPR, 1996. p.225-271.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Exercícios de copiação ou compreensão. Em

Aberto, Brasília, ano 16, n.69, jan/mar. 1996.

RAMOS, Flávia Brocchetto. O leitor como produtor de sentidos nas aulas de

literatura: reflexões sobre o processo de mediação. In: PAULINO, Graça &

COSSON, Rildo (orgs). Leitura literária: a mediação escolar. Belo Horizonte:

Faculdade de letras da UFMG, 2004.p. 107-114.

RAMOS, Jânia M. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo: Martins

Fontes, 1997.

SALCES, Cláudia Dourado de. Considerações sobre o ensino de coesão

textual na Escola Média. Dissertação de mestrado. São Paulo, Instituto de

Estudos da Linguagem/UNICAMP, 2000. Dissertação de Mestrado em

Lingüística.

SILVA, Jane Quintiliano G. Gênero discursivo e tipo textual. In: SCRIPT, Belo

Horizonte, v. 2, n. 4, . p. 87-106, 1. sem. 1999.

SILVA, Ezequiel Theodoro. Elementos de pedagogia da leitura. 3. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2005.

Page 84: Dissertação vanessa-almeida

84

SPINDOLA, Mabel Pessoa. O poder da palavra. In: Soletras.3. Disponível em:

http://www.filologia.org.br/ . Acesso em: 05 jul.2004.

SOUZA, Luiz Marques de & CARVALHO, Sérgio W. de. Compreensão e

produção de textos. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão. A formação do Professor de língua

Portuguesa e o papel da Lingüística. In: ______. A lingüística e o Ensino de

Português. n.2. Niterói: Instituto de Letras/UFF, 1991.

Page 85: Dissertação vanessa-almeida

85

RESUMO

ALMEIDA, Vanessa Chaves de. A interpretação de textos com base nos fatores de coerência. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2005. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

Na tentativa de encontrar elementos que subsidiassem a interpretação,

facilitando, assim, o trabalho do professor em sala de aula e o aprendizado do

aluno, relacionaram-se, nesta Dissertação, os fatores de coerência e a

interpretação. Demonstrou-se que esses fatores servem de estratégia para a

procura do sentido do texto.

Elaborou-se um questionário aplicado a professores de Ensino Médio da

rede pública no Rio de Janeiro, com perguntas relativas ao ensino da

interpretação. Constatou-se que 37,6 % desses professores demonstraram não

saber o que a interpretação deve abordar, e por outro lado, 56,2% das

respostas dos professores apontam os fatores de coerência como elementos a

serem abordados.

Baseando-se nesses resultados e na presença desses fatores em 38,5%

do corpus de provas de vestibulares da UERJ, UFF e UFRJ, compreendidas

entre os anos de 2000 e 2004, esta Dissertação propõe uma nova compilação

de fatores de coerência para ser aplicada ao ensino: conhecimento prévio,

contextualização, inferência, intencionalidade e intertextualidade.

Palavras chaves: interpretação, coerência, ensino médio, vestibular.

Page 86: Dissertação vanessa-almeida

86

ABSTRACT

ALMEIDA, Vanessa Chaves de. A interpretação de textos com base nos fatores de coerência. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2005. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

In the attempt of finding elements that help the teacher‘s work and the

student‘s learning regarding textual interpretation, this study shows that

coherence factors serve as strategies used to find the meanings of a text.

Thus, a questionnaire was created to be answered by Rio de Janeiro's

high school teachers, with questions related to the teaching of textual

interpretation. 37,6% of these teachers show not to know what textual

interpretation deals with, however, 56,2% of the answers point out coherence

factors to be dealt in texts.

Based on these results and on the presence of 38,5% of coherence

factors in Brazilian public universities examinations (UERJ, UFF and UFRJ),

during the years of 2000 and 2004, this study proposes a new group of

coherence factors to be applied in the teaching of textual interpretation, that is,

previous knowledge, contextualization, inference, intentionality and

intertextuality.

key words: interpretation, coherence, high school, exams.

Page 87: Dissertação vanessa-almeida

ANEXO

Page 88: Dissertação vanessa-almeida

88

Caro Professor de Língua Portuguesa,

Este questionário é parte integrante de uma pesquisa de mestrado na UFRJ que visa

estudar os conteúdos cobrados nas provas de vestibular e o material que as escolas adotam para

o trabalho com língua portuguesa.

Sabemos o quanto estudos nessa área são importantes, porque visam com certeza à

melhoria do ensino, ao conforto do professor e ao melhor desempenho dos alunos na expressão

oral e escrita da língua, por isso a sua colaboração é muito importante.

Deixamos claro que as informações colhidas serão usadas exclusivamente para essa

pesquisa e que a sua identidade não será revelada.

Desde já agradecemos a seriedade das respostas assim como a inestimável ajuda

prestada.

Neste primeiro momento, responda as perguntas 1 e 2.

1) Onde se graduou? Fez ou faz pós-graduação? Em caso afirmativo, qual a instituição?

________________________________________________________________________________

2) Qual o livro didático de português é usado no colégio em que leciona?

________________________________________________________________________________

Neste segundo momento, siga as instruções em negrito.

a) resolva a questão abaixo de vestibular de uma universidade pública do Rio de Janeiro.

1ª) QUESTÃO RECÔNDITOS DO MUNDO FEMININO (fragmento)

Baseado na crença de uma natureza feminina, que dotaria a mulher biologicamente para desempenhar as funções da esfera da vida privada, o discurso é bastante conhecido: o lugar da mulher é o lar, e sua função consiste em casar, gerar filhos para a pátria e plasmar o caráter dos cidadãos de amanhã. Dentro dessa ótica, não existiria realização possível para as mulheres fora do lar; nem para os homens dentro de casa, já que a eles pertenceria a rua e o mundo do trabalho.

A imagem da mãe-esposa-dona de casa como a principal e mais importante função da mulher correspondia àquilo que era pregado pela Igreja, ensinado por médicos e juristas, legitimado pelo Estado e divulgado pela imprensa. Mais que isso, tal representação acabou por recobrir o ser mulher – e a sua relação com as suas obrigações passou a ser medida e avaliada pelas prescrições do dever ser.

(MALUF, M. e MOTT, M. Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO, N. (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.)

O texto apresenta, em seu início, um tipo de discurso bastante conhecido, do qual as autoras procuram, entretanto, se distanciar. Aponte dois recursos diferentes de linguagem empregados pelas autoras, no primeiro parágrafo, para sugerir distanciamento em relação a esse discurso sobre a mulher. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) após a resolução, indique o conteúdo cobrado nessa questão resolvida.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________

Page 89: Dissertação vanessa-almeida

89

c) indique qual o grau de dificuldade (fácil, regular, difícil) e justifique.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) resolva a segunda questão abaixo também de vestibular de uma universidade pública

do Rio de Janeiro.

2ª) QUESTÃO

Passou pela sala, sem parar avisou ao seu marido: vamos sair! e bateu a porta do apartamento.

Antônio mal teve tempo de levantar os olhos do livro — e com surpresa espiava a sala já vazia. Catarina! Chamou, mas já se ouvia o ruído do elevador descendo. Aonde foram? perguntou-se inquieto, tossindo e assoando o nariz. Porque sábado era seu, mas ele queria que sua mulher e seu filho estivessem em casa enquanto ele tomava o seu sábado. Catarina! chamou aborrecido embora soubesse que ela não poderia mais ouvi-lo. Levantou-se, foi à sua janela e um segundo depois enxergou sua mulher e seu filho na calçada.

(LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. In: ______. Laços de Família, 1960)

Do texto acima, descreva dois mecanismos lingüísticos que sirvam para caracterizar o comportamento do marido. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

c) após a resolução, indique o conteúdo cobrado na segunda questão resolvida.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) indique qual o grau de dificuldade (fácil, regular, difícil) e justifique.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Neste terceiro momento, responda as perguntas abaixo. 4) O que você acha que uma questão de interpretação de texto deve cobrar? Justifique.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5) O que você acha que uma questão de gramática deve abordar? Justifique.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________