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Isto é um assalto – Filha de Camilo Mortágua no Parlamento
Nacional
Inicialmente publicado a 7 de Agosto de 2013
Também no site d’O DIABO: Esquerda das ilusões está de volta com a receita antiga
Recordar Setembro de 1974
Desconstruir a Esquerda caviar
Mariana Mortágua, filha do membro da LUAR Camilo Mortágua,
substituiu, em 2013, a deputada do Bloco de Esquerda Ana Drago. A
filiação é relevante porque várias ideias defendidas pela deputada e
pelo seu partido já foram postas em prática pelo pai, com resultados
desastrosos, designadamente na ocupação e gestão da Herdade da
Torre Bela.
Quem é Camilo Mortágua? Nasceu em Oliveira de Azeméis, a 29 de Janeiro de 1934. Sem inclinação
para os estudos, como o próprio reconhece nas suas memórias, pegaram-
lhe a alcunha de Batata. Aos 12 anos segue com os pais e as duas irmãs
para Lisboa. Em 1951, emigra para a Venezuela.
Na madrugada de 22 de Janeiro de 1961, integra o grupo de revolucionários
que, sob o comando de Henrique Galvão, toma de assalto o paquete Santa
Maria. Durante o acto, o oficial Nascimento Costa é assassinado pelos
assaltantes.
A tomada do navio, que transportava 600 turistas em viagem para Miami e
mais de 300 tripulantes, foi preparada na Venezuela pelo Directório
Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL). Era um organismo híbrido que
nasceu da fusão entre o grupo de Galvão e um grupo de exilados
espanhóis, dirigido por Jorge de Soutomayor, ex-combatente comunista na
Guerra Civil de Espanha.
Aviões americanos acompanharam os movimentos do Santa Maria, que
ostentava no castelo da proa a faixa “Santa Liberdade”, pintada à mão.
Entretanto, enquanto decorriam as negociações, o corpo do piloto
assassinado apodrecia no seu caixão, na capela do paquete.
Begoña Urroz numa fotografia com os pais: a criança morreu num atentado do DRIL
Antes do assalto ao Santa Maria, o DRIL, que estava classificado pela CIA
como “organização terrorista”, promovera atentados em várias cidades de
Espanha. A bomba que o grupo fez explodir em 1960 na estação de Amara,
em San Sebastián, matou uma criança de 2 anos, Begoña Urroz.
O crime foi atribuído por largo tempo à ETA, mas dados históricos revelados
nos últimos meses em Espanha demonstram a autoria do DRIL. Era com
esta gente que Mortágua e os outros democratas queriam combater as
ditaduras ibéricas e apear do poder Salazar e Franco.
A 10 de Novembro de 1961, desvia à mão armada com Palma Inácio e mais
uns tantos criminosos um avião da TAP, no voo Casablanca-Lisboa. Foi
assim um pioneiro do terrorismo aéreo, com o objectivo singelo de
sobrevoar Lisboa e outras cidades portuguesas a baixa altitude para lançar
milhares de folhetos subversivos.
Se quisermos descobrir um rasgo verdadeiramente inovador nos
oposicionistas ao Estado Novo, forçoso será recorrer à aeronáutica: o
primeiro desvio de um avião comercial em todo o mundo. Os terroristas
islâmicos regulam com atraso em relação aos nossos antifascistas, sempre
na vanguarda.
O assalto ao Banco de Portugal A 15 de Maio de 1967, Camilo Mortágua, Palma Inácio, António Barracosa e
Luís Benvindo assaltam a filial do Banco de Portugal na Figueira da Foz. O
golpe é comummente atribuído à LUAR, acrónimo de Liga de Unidade e
Acção Revolucionária, mas tal não corresponde por inteiro à verdade.
Na data do assalto, a LUAR ainda não existia. Foi criada à pressa no mês
seguinte, como reconheceu Emídio Guerreiro, um dos fundadores, “para dar
uma cobertura política e credível ao assalto do banco” (‘Diário de Notícias’,
6/9/1999, pág. 15) e assim evitar e extradição para Portugal dos criminosos,
que entretanto se haviam refugiado em França
Em consequência do golpe, Palma Inácio foi monetariamente crismado de
“Palma Massas”. E havia fundadas razões para isso. A operação rendeu
cerca de 30 mil contos, uma fortuna para a época, equivalente a 9 milhões
de euros de hoje, ainda que boa parte das notas tenha sido depois
recuperada pela PIDE.
“Logo que se apanharam com o dinheiro, acabou o romantismo
revolucionário”, acusou depois Emídio Guerreiro, em entrevista a O DIABO
(22/9/1992, pág. 8). É o costume. O dinheiro sobe sempre à cabeça das
pessoas. Deviam ter lido Marx e Kautsky antes de começarem a roubar.
A Torre Bela A Herdade da Torre Bela, com 1700 hectares, a maior área de terra agrícola
murada do País, pertencia ao duque de Lafões. A 23 de Abril de 1975, foi
ocupada pelo “povo trabalhador” aos gritos de “a terra a quem a trabalha”.
Para comandar aquela tropa mista de camponeses, delinquentes e
bêbados, aterrou na herdade ribatejana o revolucionário Camilo Mortágua,
já grávido de ideias bloquistas.
O processo ficou documentado no filme “Torre Bela”, de Thomas Harlan
(filho do cineasta Veit Harlan, com ligações ao regime nacional-socialista).
Militante da extrema-esquerda, o alemão quis filmar a utopia socialista, mas
dormia no quarto do duque. Era o único que tinha casa de banho privativa.
As imagens são divertidas e esclarecedoras: Mortágua e Wilson, outro
ladrão de bancos, a doutrinar as massas sobre “latifundiários” e
“cooperativas”; Zeca Afonso, Vitorino e o padre Fanhais, este também
membro da LUAR, a cantar o Grândola de megafone, diante do povo
aparvalhado; o inesquecível diálogo entre Wilson e o camponês avesso à
“comprativa” [sic] sobre a enxada que “passa a ser de todos”; a inenarrável
reunião em que o oficial do MFA incita à ocupação do palácio: “primeiro
vocês ocupam e depois a lei há-de vir”; e os camponeses a experimentar as
roupas dos patrões, remexendo-lhes as gavetas com um misto de culpa,
curiosidade e desejo.
O filme é um documento notável de cinema directo, uma comédia do
absurdo sobre a “reforma agrária”, processo de espoliação que nos custou
os olhos da cara. Ainda há dias o Estado português foi condenado pelo
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a pagar mais 1,5 milhões de
euros de indemnização a famílias expropriadas.
Os desvarios de Abril não começaram com o BPN ou as PPP (Parcerias
Público-Privadas). Tiveram início logo após a revolução, com as ocupações
de terras e as nacionalizações selváticas, que ainda agora figuram – de
forma mais velada – entre os objectivos do Bloco de Esquerda, da menina
Mortágua.
E depois do adeus Após a frustrada experiência na Torre Bela, os mais destacados membros
da LUAR, como Mortágua e Palma Inácio, achegaram-se mais e mais aos
partidos dominantes. Alguns membros da organização não gostaram. Um
deles, Belmiro Martins, exprimiu o seu descontentamento ao jornal ‘Tal &
Qual’ (5/9/1997, pág. 6): “Vejo que os chefes da LUAR se passam de armas
e bagagens para o Poder […] Senti-me traído […] Decidi então que passaria
a roubar para mim.”
Decidiu e cumpriu. Estabeleceu-se por conta própria no ramo dos furtos,
secção de ourivesarias. Parece que assaltou mais de cem lojas. Afirma-se
com orgulho o “maior assaltante de ourivesarias de todos os tempos”. Foi
preso em 1977 e condenado, tendo cumprido 17 anos de cadeia. Foi
libertado em 1994, mas logo se entusiasmou por outras montras a reluzir de
ouro. De novo preso em 1997, saiu finalmente em 2006, quando oficiava de
sacristão na cadeia de Pinheiro da Cruz.
Belmiro Martins chegou a integrar os órgãos sociais do Fórum Prisões,
associação presidida pelo advogado de Otelo no caso das FP-25 de Abril,
Romeu Francês, antigo militante do MRPP, que depois seria condenado em
processos de burla, falsificação de documentos, abuso de confiança e
fraude fiscal, que acabariam por ditar a sua expulsão da Ordem dos
Advogados.
Mortágua, hoje Um homem com a folha de serviços de Mortágua não podia deixar de ser
homenageado pelo novo regime. A justiça democrática tarda, mas não falta.
A 10 de Junho de 2005 foi-lhe atribuída a condecoração de Grande Oficial
da Ordem da Liberdade, por Jorge Sampaio, então Presidente da
República.
Camilo Mortágua, hoje com 81 anos, está estabelecido no Alvito, em pleno
Alentejo, como empresário. É hoje um “agrário”, nome pejorativo que os
revolucionários de antanho colavam na região aos proprietários de terras
agrícolas.
Isto é um assalto
Mariana Mortágua nasceu em 1986. Licenciada em Economia, é mestra
pelo ISCTE (‘where else?’) com uma dissertação sobre “O Papel da Caixa
Geral de Depósitos na Recente Crise Económica (2007-11)”.
Militante do Bloco de Esquerda, a filha de Camilo Mortágua publicou dois
livros a meias com Francisco Louçã.
Em 2012 editou “A Dívida(dura) – Portugal na crise do Euro” (Bertrand,
2012, 240 págs.) A obra foi apresentada na FNAC do Chiado por Marcelo
Rebelo de Sousa, para escândalo dos bloquistas mais pedregosos.
Em Abril de 2013 lançou “Isto é um assalto: a história da dívida em banda
desenhada” (Bertrand, 2013, 184 págs.), com ilustrações de Nuno Saraiva.
A contracapa informa que o livro ”descreve o assalto que Portugal está a
sofrer”. Reconheça-se, antes de mais, a legitimidade do título. Em matéria
de assaltos, os Mortáguas são especialistas. O roubo que Portugal está a
sofrer começou logo após a revolução, com o papá Camilo e outros que
tais, imbuídos de um ideário que Mariana não rejeita. Limita-se a defendê-lo
com outros termos e balelas, que aprendeu no ISCTE e na Rua da Palma.
No pai e na filha, a mesma necessidade de lutar contra a “ditadura” (seja a
de Salazar ou a da dívida), o mesmo ódio ao “adversário” (seja lá ele quem
for), a mesma receita de nacionalizações (começa-se com herdades, depois
bancos, energia, água, transportes e tudo o que aparecer à frente), o
mesmo desrespeito à propriedade alheia e quase uma relação de amor e
ódio com o “grande capital financeiro”: o pai assaltava bancos, a filha faz
teses de mestrado sobre a Caixa Geral de Depósitos.