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1 INTRODUÇÃO A crise imobiliária que se iniciou em 2008 nos Estados Unidos a partir do fenômeno que se passou a conhecer como bolha imobiliária, e que se alastrou por todo o mundo, sobretudo na Europa, tem como um dos principais fatores a falta de segurança jurídica indispensável para esse tipo de negócios, tendo em vista o alto volume financeiro que os mesmos realizam. A crise norte-americana é um exemplo emblemático dos efeitos nefastos de um sistema de direitos de propriedade sem uma regulamentação mínima e fora do controle do Estado. Se desde logo as regras de propriedade fossem estabelecidas, conhecidas por todos, impostas e cobradas (enforcement) pelo Estado, provavelmente o cenário teria sido outro. Nos Estados Unidos, desde o início dos anos 2000, os preços das moradias casas e apartamentos subiram de maneira assustadora até o momento em que o mercado decidiu que estes não eram mais um superinvestimento, forçando seus proprietários a abandoná-las ou serem levados a uma venda, denominada de foreclosures. Culminando com o que Richard Posner denomina de emergência econômica, fundada na seguinte sequência de eventos: os baixos juros imobiliários, a bolha imobiliária, o colapso da bolha, o colapso do sistema bancário, os esforços de ressuscitação, a diminuição do emprego, os sinais de deflação e um ambicioso programa de recuperação. Uma de suas principais características foi a liberdade de mercado se fundar em um verdadeiro defeito de análise de crédito, sem um cunho regulatório específico, que deveria ter sido verificado ex ante, ou seja, sofrer uma perfeita conformação antes que algo mais desastroso ocorresse. Mas a falta dessa avaliação, ou mesmo a sua avaliação defeituosa, causou o desastre econômico pois a inexistência de uma regulamentação estatal mais segura ex ante -, não foi realizada.

Palestra Frederico Viegas

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Page 1: Palestra Frederico Viegas

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INTRODUÇÃO

A crise imobiliária que se iniciou em 2008 nos Estados

Unidos a partir do fenômeno que se passou a conhecer como bolha

imobiliária, e que se alastrou por todo o mundo, sobretudo na

Europa, tem como um dos principais fatores a falta de segurança

jurídica indispensável para esse tipo de negócios, tendo em vista o

alto volume financeiro que os mesmos realizam.

A crise norte-americana é um exemplo emblemático

dos efeitos nefastos de um sistema de direitos de propriedade sem

uma regulamentação mínima e fora do controle do Estado. Se desde

logo as regras de propriedade fossem estabelecidas, conhecidas por

todos, impostas e cobradas (enforcement) pelo Estado,

provavelmente o cenário teria sido outro.

Nos Estados Unidos, desde o início dos anos 2000, os

preços das moradias – casas e apartamentos – subiram de maneira

assustadora até o momento em que o mercado decidiu que estes não

eram mais um superinvestimento, forçando seus proprietários a

abandoná-las ou serem levados a uma venda, denominada de

foreclosures. Culminando com o que Richard Posner denomina de

emergência econômica, fundada na seguinte sequência de eventos: os

baixos juros imobiliários, a bolha imobiliária, o colapso da bolha, o

colapso do sistema bancário, os esforços de ressuscitação, a

diminuição do emprego, os sinais de deflação e um ambicioso

programa de recuperação.

Uma de suas principais características foi a liberdade

de mercado se fundar em um verdadeiro defeito de análise de

crédito, sem um cunho regulatório específico, que deveria ter sido

verificado ex ante, ou seja, sofrer uma perfeita conformação antes

que algo mais desastroso ocorresse. Mas a falta dessa avaliação, ou

mesmo a sua avaliação defeituosa, causou o desastre econômico pois

a inexistência de uma regulamentação estatal mais segura – ex ante -,

não foi realizada.

Page 2: Palestra Frederico Viegas

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Uma das formas mais visíveis da crise foi a ignorância dos devedores,

pois naquele mercado o custo de informação é elevado e esse mesmo

mercado não provê informações suficientes para que os

consumidores possam tomar a decisão mais correta, e esta somente

poderia ser conseguida mediante uma informação completa.

Tal ignorância pode ser perfeitamente traduzida na

exata definição de John Ralws quando assume que as partes estão

situadas por detrás de um “véu da ignorância” (veil of ignorance), e

não sabem como as várias alternativas podem afetar seu caso

particular e são obrigadas a avaliar os princípios somente com base

em considerações gerais.

Disto resulta a existência de uma externality (no mais

puro conceito econômico), quando o custo externo é aquele imposto

por uma pessoa a outra ou outras, com quem não possui atual ou

potencialmente uma relação contratual. Em um sentido mais técnico

A externalidade se diz aparecer nas situações em que uma posição

econômica de um individuo é afetada pela atuação de outros

indivíduos com respeito a consume ou produção. Assim os

benefícios ou os malefícios são transmitidos para o preço do

sistema, tam bém chamado de externalidades pecuniárias.

Os efeitos externos podem beneficiar ou prejudicar os

indivíduos, e em um sentido de direito de propriedade aqueles devem

desfrutar de um menor preço ou sofrer os efeitos danosos que tais

efeitos possam produzir. Tudo isso depende da correta especificação

proprietária e dos denominados custos de transação inerentes aos

direitos de propriedade, que em uma economia de mercado só pode

ser atingida mediante a transferência de importantes direitos. Dessa

maneira as condições de internalização de efeitos externos deve

sempre ser pautada por: a) claras e suficientes informações dos

direitos de propriedade; b) a liberdade de troca (em um sentido

econômico). E sem essa última característica não se pode imaginar a

possibilidade de internalização de custos e benefícios externos.

Page 3: Palestra Frederico Viegas

3

Por tudo isso, de sua parte, Singer tenta traduzir

juridicamente uma externality como qualquer efeito – positivo ou

negativo - que possui significado moral e que o direito deve prestar

atenção. E, portanto, para ele a análise mais correta é aquela que

confere a economistas, julgadores e legisladores a não existência de

todas as preferencias na determinação de custos e benefícios nas

alternativas das leis.

Independentemente do conceito mais apropriado de

efeitos externos –econômico ou jurídico -, certo é que tais efeitos tem

a capacidade direta de influir no custo de um direito de propriedade,

tendo em vista o maior ou menor grau de segurança jurídica que um

sistema adota. E, na atualidade e para o futuro, esta segurança

jurídica deve atender a correta equação existente entre segurança e

liquidez desses direitos, afastando os inevitáveis custos desse

verdadeiro trade off indispensável para uma contratação impessoal

que deve ser pautada em regras de direito comum.

Passados os primeiros anos da crise, a sociedade

globalizada volta seu olhar para a correção das imperfeição do

mercado, de modo a corrigi-las e dotar todo o sistema imobiliário de

uma maior segurança, principalmente redefinindo os mecanismos

indispensáveis para uma maior segurança jurídica, fazendo com que

o acesso da sociedade a esses bens escassos possa voltar a ser o mais

amplo possível e, por consequência, a economia iniciar seu retorno a

níveis desejáveis e mais confiáveis.

Um dos importantes mecanismos para que se possa

atingir tal situação desejada é a (re)análise dos sistemas jurídicos

destinados ao reconhecimento e enforcement dos direitos de

propriedade, que desde há muito tempo podem ser divididos em

duas grandes categorias: a) o registro de direitos; b) o registro de

títulos, conhecido em alguns países como recording title.

Nos Estados Unidos não existe um sistema de registro

de direitos ou mesmo de títulos único, definido pelo Governo Federal.

Page 4: Palestra Frederico Viegas

4

O denominado recording system é realizado por cada um dos Estados,

dentro de seu território, sistematizando-o por condados. Por tal

sistema, que não é único, e de acesso livre à população, em realidade

o que existe é uma enorme livraria de documentos de inter-relação

de documentos que incluem os instrumentos (contratos etc.,) que

foram utilizados para a formalização da transação imobiliária

anterior e que, voluntariamente, foram publicizados pelo

interessado, passando a integrar a livraria. Dessa forma, para uma

investigação destinada ao conhecimento de uma “cadeia dominial” se

torna indispensável a ida do interessado ou “pesquisador” ao public

office de cada condado para visitar a livraria, mediante a utilização de

um “índice” de catalogação usualmente realizado por pessoas (e não

por imóveis) na tentativa de identificar e ler os documentos que se

encontraram depositados e que são relacionados com a propriedade

que se pretende transacionar. Daí, o interessado, fundado em seus

conhecimentos legais e de direito de propriedade, deve decidir e

descobrir quem é o verdadeiro proprietário e se existem direitos

(encumbrances) que afetem a propriedade, tais como hipotecas,

servidões, contratos de leasing, dentre outros. O sistema é frugal

(modesto ou simples), conforme apontam Stoebuck e Whitman, sem

que haja nenhuma responsabilidade do Estado, eis que seus

funcionários somente recebem, copiam, indexam e devolvem o

documento ao seu titular. Sendo tal sistema, para os autores

unfortunatelly, the recording is seriously deficiente with respect of the

reliability of information it yields to serchers (p. 870). Se trata de um

sistema custoso em termos de tempo e de dinheiro, quando na grande

maioria das vezes a pesquisa deve remontar à propriedade da Coroa

Inglesa, fazendo com que os dados de pesquisa remontem somente a

30 ou 40 anos, aumentando a incerteza. Por tais deficiências alguns

Estados americanos, concretamente 9 (nove) estados (atualmente

utilizado no Havaí, no Condado de Cook [Chicago], Henepin

[Minneapolis], Ramsey [St. Paul], e algumas áreas de Ohio e

Massachusetts), a ilha de Guam na Micronésia e Porto Rico, tenham

adotado o sistema torrens de title registration. Contudo o sistema

torrrens “adaptado” utilizado nesses locais é facultativo, permitindo

sua coexistência com o sistema de títulos e mesmo o seguro de

títulos. A não adoção do sistema torrens em larga escala se deve a

Page 5: Palestra Frederico Viegas

5

dois fatores: seu alto custo e a dificuldade de estabelecimento de um

marco inicial da propriedade imobiliária. Todas essas deficiências

fizeram com que outros sistemas, de cunho eminentemente privados

– muitas vezes organizados pelas entidades financeiras –

proliferassem. Podendo ser em destacados: search methods; chain-of-

titles; marketable title acts. E, principalmente, os title plants privados

e os titles insurances (que, por sua importância mereceram definição

e comentários no texto). A diversidade de sistemas nos Estados

Unidos e sua pouca confiabilidade foram fatores determinantes para

o surgimento da “bolha imobiliária em 2008.

Em uma primeira análise, por demais superficial, pode-

se dizer que ambos os sistemas possuem vicissitudes e defeitos.

Porém, é na maior ou menor intervenção do Estado na proteção

informativa para o reconhecimento das titularidades e a extensão

dos direitos de propriedade que se deve apoiar o sistema jurídico de

verificação da propriedade.

Contudo, o estudo do problema deve partir da

constatação do modelo proprietário tal como delineado desde o

século XIX e desenvolvido no século passado, quando a mesma

passou a ser visualizada como um direito dotado de modelações,

plasticidade e de compressão. Estrutura necessária para o

atendimento das novas necessidades sociais. Em sua evolução deixa

de ser considerada uma relação entre uma pessoa e uma coisa para

ser conformada como uma relação de pessoa a pessoa, vinculada a

determinado objeto.

Dentro de seu novo formato, é indispensável a atuação

do Estado para assegurar as relações proprietárias. O novo modelo

proprietário pode ser conseguido mediante a inter-relação da teoria

institucional e a democratic model of property rights, a partir do

estudo dos direitos de propriedade como instituição, bem como o

papel da mesma na comunidade e na sociedade como meio de

desenvolvimento do ser humano.

Page 6: Palestra Frederico Viegas

6

A propriedade constitucionalizada é funcionalizada,

sendo reconhecido um limite de interesse de seu titular, que não

pode lesionar os interesses da comunidade ou coletividade. No marco

do direito civil, a propriedade deixa de ser concebida como um feixe

de direitos, para ser reconhecida a partir da alocação desse recurso

escasso, eis que a mesma lei que protege a propriedade deve ser a

mesma que possibilita outros se tornarem proprietários. Para tanto,

o Estado deve buscar o equilíbrio entre os interesses individuais e

coletivos, bem como de proprietários e não proprietários. Assim,

devem ser estabelecidos marcos regulatórios, dentro dos quais

possam se desenvolver as regras de propriedade, definindo e

delimitando o alcance dos privilégios dos indivíduos sobre seus bens.

O desenvolvimento de regras de propriedade tem a finalidade de

permitir a funcionalização da propriedade, bem como atuar nos

custos de transação e de informação das mesmas.

A propriedade possui duas características que, quando

colocadas em conjunto, a configuram como uma verdadeira

propriedade.

A primeira delas permite a identificação das pessoas

que possuem os controles dos recursos, possibilitando aos demais

saber quem são as pessoas com quem devem tratar para influir no

uso das propriedades. A segunda característica articula poderosos

incentivos para que se consiga colocar esses recursos para os seus

usos mais valiosos. E, tudo isso se consegue atribuindo a seu

proprietário suficientes faculdades de exclusão, tanto no que se

refere ao aproveitamento material do bem, como no tocante à

disposição de seu direito.

Por tais ideias, é de fácil reconhecimento que a

propriedade atual necessita de um sistema de regras destinadas à

regulamentação do acesso e ao controle desses recursos materiais.

Com o acesso, surge o problema da alocação desses recursos,

respondendo a um binômio: para onde e para quem tais recursos

devem ser dirigidos. Portanto, devem ser conhecidos e reconhecidos

os direitos e deveres relativos a esses recursos escassos, de que os

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seres humanos necessitam para sobreviver. Porém, muito mais que

isso, a conduta deve ser efetuada mediante as regras impostas pelo

Estado e envolve uma regra geral de comportamento, não sendo, com

isto, dirigida a determinada pessoa ou a determinados grupos.

A propriedade privada possui uma definição e

caracterização estabelecida a partir de sua inserção no mundo

negocial, valendo dizer, no mundo econômico. Nesta esfera,

descobrimos que a mesma é um produto escasso. E, muito mais que

isso, é um produto escasso indispensável à sobrevivência humana, ao

ponto que a mesma, sempre que possível, deve ser compartilhada

com uma pluralidade de indivíduos.

O Estado é a única instituição capaz de regulamentar o

mercado mediante regras de coercibilidade e a realização de

concentração de dados inerentes a propriedade, impondo limites aos

custos de transação e reduzindo as incertezas informativas. E dessa

forma possibilitando a transposições das propriedades que se

encontram em um mercado informal para um mercado formal.

Disto resulta que a propriedade, dentro de relações

entre pessoas, depende de uma regulamentação mínima do Estado

para que possa ser socialmente justa. O liberalismo exacerbado é

contrário às regras de propriedade e pode resultar até mesmo em

prejuízo ao seu titular, tal como ocorreu na crise imobiliária

americana de 2008.

Em um mundo de informações completas, as

instituições não são necessárias. Contudo, essa assertiva não é

verdadeira, uma vez que as informações, ao contrário, são sempre

incompletas, e as instituições possuem como uma de suas finalidades

reduzir a falta de informação ou completar uma informação

deficiente, atuando em beneficio da sociedade.

As instituições existem para que se possa ter um

desenvolvimento econômico e social. Assim, como afirma Méndez

Gonzáles, a partir de uma perspectiva ampla, é possível se sustentar

Page 8: Palestra Frederico Viegas

8

que a função geral de uma instituição consiste em favorecer o

progresso da sociedade, entendido este como o desenvolvimento de

uma cooperação crescente, profunda e complexa entre os indivíduos

dentro de grupos cada vez mais amplos e impessoais. A eficiência de

tais organizações é dependente, diretamente, dos marcos

institucionais e da estrutura dos direitos de propriedade capazes de

canalizar os esforços individuais na busca do estabelecimento de

atividades que suponham a aproximação da taxa privada de

benefícios com a taxa social de benefícios.

Os direitos de propriedade, conforme já assinalado

anteriormente, são uma instituição. Torna-se necessário definir qual

o papel desta conceituação para o correto conhecimento dos direitos

de propriedade nos dias atuais. Para tanto, Grief, ao vislumbrar que

uma instituição se compõe de um sistema de fatores sociais

destinados a uma regulamentação comportamental. Sendo certo,

ainda, que os elementos que a integram são previamente

estabelecidos por condições previamente definidas. Portanto, a

instituição é formada por regras, normas, formas de comportamento,

destinadas a regulamentar determinada situação social. Indo mais

além, em matéria de direitos de propriedade, tal instituição define ou

delimita o alcance dos privilégios garantidos aos indivíduos sobre

determinado bem, como é o caso de um imóvel.

Portanto, a teoria institucional se fundamenta em uma

dupla base: a) a teoria do comportamento humano; b) a teoria dos

custos de transação. Com a união dessas duas teorias é possível se

estabelecer a importância da instituição dos direitos de propriedade

em sociedade. Ou seja, qual é o papel que os direitos de propriedade

devem desempenhar e contribuir para o bem-estar social ou mesmo

de uma comunidade.

A concretização desse papel institucional dos direitos

de propriedade tem por fundamento os altos esforços despendidos

nas transações imobiliárias. O papel a ser desempenhado pelos

custos de transação importa na aferição de todos os atributos que

serão objeto do negócio jurídico, bem como os custos para a proteção

Page 9: Palestra Frederico Viegas

9

dos direitos de propriedade e os destinados aos mecanismos de

coercibilidade (enforcement), cuja tarefa é atribuída ao Estado. E toda

essa atividade é fonte de instituições, sejam elas sociais, políticas ou

econômicas.

A principal função de uma instituição em sociedade é a

redução de incertezas mediante o estabelecimento de uma estrutura

estável para a interação humana. Apesar de estável, não se quer dizer

que tal estrutura seja eficiente, porém certamente se busca sempre a

eficiência. Para atingir seus objetivos, uma instituição se move entre

códigos de conduta, normas de comportamento, legislação,

contratações individuais, todas as atividades que estão à disposição

dos indivíduos e que, de alguma forma, permitem certa escolha.

O custo de proteção e de vinculação obrigatória do

Estado (enforcement) mediante sua atuação nos direitos de

propriedade é, por óbvio, mais alto que as regras individuais criadas

pelos cidadãos com a mesma finalidade. Porém, tal custo não é

arcado por um único indivíduo, mas sim, repartido entre toda a

sociedade. E, por certo, toda a sociedade pode livremente dispor

dessa proteção, sem que com isto deva realizar alguma retribuição.

Equivale a dizer que, para a proteção dos direitos reais realizada pelo

Estado, não há um custo de transação, deixando de ser adicionado ou

agregado qualquer valor na realização do negócio jurídico.

Competindo ao Estado a proteção não somente das partes

contratantes, mas também de possíveis interferências que terceiros

possam realizar, seja na fase contratual, seja ao destinatário do

negócio, após o surgimento do direito de propriedade.

A instituição dos direitos de propriedade é

determinada mediante um processo político, envolvendo vários

grupos que neles intervêm, principalmente o Estado. Esse processo

impõe a definição dos mecanismos obrigatórios de cumprimento

desses direitos, bem como as diferentes formas de alocação dos

mesmos. Para tanto, importa a redução de problemas coletivos,

mediante as definições ou redefinições das estruturas dos direitos de

propriedade, agregando um maior ganho social dessas

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10

transformações balanceadas, também, com um ganho individual. Os

direitos de propriedade normalmente estão integrados na estrutura

da sociedade, e a criação de novos direitos demanda um novo arranjo

institucional para definir e especificar a maneira como esses direitos

possam passar a cooperar com a sociedade. Dessa forma, para

Libecap, a distribuição dos direitos de propriedade, além de realizar

uma redução de custo de transação, é capaz de promover o

crescimento econômico e a distribuição de riquezas.

Assim, a definição conceitual de Waldron, no nosso

entender, é aquela que mais se aproxima da realidade proprietária na

atualidade, revelando um grande número de atributos em relação à

mesma.

The concept of property is the concept of a system of rules

governing access and control of material resources. Something is to

be regarded as a material resource if it is a material object capable

of satisfying some human need or want. In all times and places with

which we are familiar, material resources are scare relative to

human demands that are made on them. (Some, of course, are

scarcer than others). Scarcity, as philosophers from Hume to Rawls

have pointed out, is a presupposition of all sensible talk about

property.

Por tais ideias, é de fácil reconhecimento que a

propriedade atual necessita de um sistema de regras destinadas à

regulamentação do acesso e ao controle desses recursos materiais.

Com o acesso, surge o problema da alocação desses recursos,

respondendo a um binômio: para onde e para quem tais recursos

devem ser dirigidos. Portanto, devem ser conhecidos e reconhecidos

os direitos e deveres relativos a esses recursos escassos, de que os

seres humanos necessitam para sobreviver. Porém, muito mais que

isso, a conduta deve ser efetuada mediante as regras impostas pelo

Estado e envolve uma regra geral de comportamento, não sendo, com

isto, dirigida a determinada pessoa ou a determinados grupos. Dessa

forma, o mesmo Waldron entende que o interesse na propriedade se

exterioriza pelo interesse na estrutura social e política da sociedade.

Page 11: Palestra Frederico Viegas

11

De outra parte, os recursos materiais, antes referidos,

são os mais diversos, abrangendo não só minerais, florestas, água,

terra, objetos manufaturados, mas também a propriedade imaterial,

como a propriedade intelectual, as invenções. Da mesma forma,

identificamos as legislações urbanísticas, o sistema de defesa do

consumidor e códigos de edificações, proteção ao patrimônio

histórico e artístico. Tudo compondo a gama de recursos e feixe de

alocações que deve o Estado realizar.

Por último, surge a problemática dos recursos

escassos. Em se tratando de direitos de propriedade, todos os

recursos são escassos, podendo existir uns que são mais escassos que

outros. Dessa maneira, a atuação do Estado na preservação desses

recursos escassos é preponderante para a noção dos direitos de

propriedade. Para tanto, o poder de controlar e de impor obrigações

aos titulares desses direito é uma tarefa que só o Estado tem

capacidade de cumprir. Segundo Posner, a proteção legal dos direitos

de propriedade possui uma importante função econômica: a de criar

incentivos para o uso eficiente dos recursos. E tal criação legal é a

condição necessária e suficiente para essa utilização, conseguindo,

dessa forma, que tais recursos possam ser transferíveis. A existência

de um sistema de direitos de propriedade permite a transferência e a

troca desses recursos de uma pessoa menos produtiva para outra

mais produtiva. Inclusive podendo se valer de transferências

voluntárias desses direitos.

Portanto, o Estado desempenha um importante papel

para assegurar a criação, existência e a coercibilidade (enforcement)

dos direitos de propriedade. Em primeiro lugar, a atuação do Estado

é mais barata – ou menos custosa – que a defesa pessoal e isolada de

cada um dos indivíduos, estabelecendo o primado da atuação do

Governo frente às iniciativas privadas ou individuais. Mesmo que um

pequeno grupo se organize para a defesa dos direitos de propriedade

em uma escala reduzida, é difícil se imaginar a coercibilidade de uma

regra sem a intervenção do estatal. Disto resulta que o Governo, ao

regular o mercado dos direitos de propriedade mediante a edição de

leis e a coercibilidade da normativa, consegue estabilizar as relações

Page 12: Palestra Frederico Viegas

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proprietárias, permitindo o avanço sobre o aproveitamento dos

recursos e o consenso acerca das apropriações efetuadas.

Diante de tais observações, Méndez estabelece que a

origem da propriedade privada, em suas diversas formas, seria um

fenômeno originalmente governamental, ou bem mais, um fenômeno

de origem social e de posterior sanção governamental.

Posteriormente, a instituição proprietária foi-se configurando

lentamente com o passar dos tempos, mediante um processo em que

o Estado tentou clarificá-lo e regulá-lo. Portanto, os direitos de

propriedade seriam convenções sociais respaldadas pelo próprio

Estado.

Na atualidade, a teoria institucional é fundada na

percepção das atitudes humanas e na teoria dos custos de transação.

Dessa forma, as instituições, tal como é a instituição dos direitos de

propriedade, existem e devem desempenhar um papel para o

funcionamento da sociedade. Portanto, a redução dos custos de

transação atua na medição do valor atribuído ao bem que se

pretende intercambiar, ou seja, o custo de proteção dos direitos e de

coercibilidade desses direitos pelo Estado. Ademais, a medição dos

custos e os meios de coerção dos direitos são fontes das instituições

econômicas e sociais. E, como aponta Demsetz, property rights

develop to internalize externalities when the gains of internalization

become larger than the cost of internalization. Por certo, as transações

são custosas, e o reconhecimento de tais custos resulta, também, no

reconhecimento de um mercado verdadeiro e realista, onde aqueles

que nele intervêm devem ser capazes de tomar decisões.

A primeira vez que se falou em custo de transação foi

em 1937, quando Coase, no The problem of social cost, assumiu que

na hipótese sob verificação, o custo de transação era zero, surgindo o

que se denominou Coase Theorem, que apesar de impulsionar os

estudos dessa área foi paulatinamente sendo contestado, pelo

simples motivo de que os custos de transação nunca podem ser zero.

Ao contrário, são sempre positivos. O mercado não é uma situação

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ideal, porque não é sempre perfeito, revelando, por conseguinte,

assimetrias entre as partes contratantes.

Segundo North e Thomas, a transferência de bens de

um titular para outro requer a provisão de informações acerca das

oportunidades relativas ao negócio, o que eles denominam de custo

de pesquisa (search cost), no qual se inserem os termos da negociação

conhecidos como custo de negociação (negotiation cost), além dos

custos de coerção (enforcement cost). Sendo o conjunto de todos

esses custos denominados de custo de transação (transaction cost).

Nessas categorias, os custos de pesquisa normalmente são fixos,

como é o caso do conhecimento das informações do mercado. Os

custos de negociação têm a capacidade de flutuar de acordo com a

escala da negociação. Caso a negociação seja em grande escala, isto é,

envolvendo diversas pessoas com trocas de objetos semelhantes,

esse custo será muito mais baixo do que uma negociação de troca

singular. De sua parte, os custos de coercibilidade são fixos,

porquanto advêm de uma atividade estatal, onde tal custo já se

encontra inserido nas atividades habituais e necessárias do Estado.

Em sua composição, os custos de transação são

possuidores de uma gama de recursos, tais como aqueles destinados

à criação, manutenção, uso e troca. Ao transpormos tais recursos

para os direitos de propriedade, poderemos verificar a existência do

valor do bem objeto do negócio jurídico, o custo na realização do

negócio – impostos, taxas, profissionais que intervêm no mesmo – e o

custo de coercibilidade (enforcement). Nesse momento, Furubotn e

Richter agregam o custo de informação, que sem dúvida alguma é

uma derivação do custo de pesquisa, idealizado por North. No custo

de informação encontramos as principais assimetrias entre as partes

que contratam direitos de propriedade. Há sempre uma parte melhor

informada e outra pior informada. E a busca de informações, na

tentativa de se buscar a simetria, é sempre custosa.

Numa análise detida podemos verificar que em uma

aquisição de direito de propriedade temos dois momentos distintos,

como apontado por North. O momento da aquisição, no qual se

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14

localiza o custo de aquisição propriamente dito – valor do bem –, a

intervenção de determinadas pessoas – advogados, corretores,

contadores; e a verificação da correta transação, para se evitar uma

incerteza futura. Um segundo momento existe por meio da atuação

do Estado, que impõe o caráter de coercibilidade nas relações

jurídicas, mediante a aplicação do ordenamento jurídico, de códigos

de conduta ou de sanções sociais.

De uma forma ou outra, é visível que os direitos de

propriedade, dentro de seu papel institucional, deve ser visto, em

primeiro lugar como um meio, a mais, destinado ao correto

funcionamento da sociedade. Para tanto, deve contar com uma

infinidade de mecanismos, de forma a atingir o maior número de

cidadãos. Com isto se quer dizer que os direitos de propriedade, uma

vez corretamente estruturados e voltados para as aplicações

institucionais, pode ser levado a um maior número de pessoas. Tal

atuação, conforme já exposto, deve ser realizada tanto no mercado

formal quanto no informal. No mercado formal, a atuação nos custos

de transação, no sentido de reduzi-los, implica, necessariamente, em

um aumento no preço das propriedades que serão adquiridas, bem

como a redução dos custos de informação contribuem para uma

segurança jurídica maior. Já para o mercado informal, o custo de

transação é um importante mecanismo que se destina a transpor a

propriedade da informalidade para a formalidade, pois a redução

desses custos desempenha importante papel para que tal

transposição passe a ser atrativa para o titular do direito, que

passará a ser real. Em todos os casos, a atuação do Estado é

preponderante quando estabelece os meios de proteção e de

obrigatoriedade dos direitos de propriedade. Atividade que só pode

ser desenvolvida pelo próprio Estado.

De outra parte, há de ser observado que todas as

transações que envolvem direitos de propriedade são positivas, isto

é, custosas. Dessa maneira, os direitos, na maioria das vezes, são

imperfeitos, não explicados de forma ideal e coercíveis. Assim, os

custos de transação, que se pretende sejam os menores possíveis,

estarão sujeitos a uma flutuação, tendo em vista essas imperfeições.

Page 15: Palestra Frederico Viegas

15

Dessa forma, quanto maior for a incerteza, menor será o preço do

bem. Para diminuir o que se denomina assimetria, quando existe

diferença informativa entre as partes contratantes, devem existir

determinados órgãos do Estado, que possuem a característica de

assegurar o negócio jurídico e de dotar o mercado de informações

corretas, evitando o surgimento de assimetrias informativas, que

podem, até mesmo, impedir a realização de tais negócios.

O correto papel do Estado é a garantia de negócios

jurídicos seguros, mediante custos de transação os mais baixos

possíveis, evitando a existência de assimetrias informativas. Para

tanto, o mercado deve ser dotado de um organismo estatal eficiente,

que contenha as informações completas dos direitos reais e que

possibilite ao Estado sua atuação coercitiva (enforcement) dos

direitos. Atuando nesse sentido, o mercado será mais competitivo e

os ganhos sociais também serão aumentados, possibilitando o

desenvolvimento da sociedade como um todo.

2.5. – O sistema organizacional para a segurança dos direitos de

propriedade

O sistema organizacional para os direitos de

propriedade é um dos alicerces para a segurança jurídica

proprietária e é capaz de responder afirmativamente a eventuais

contestações de terceiros que pretendam discutir a titularidade dos

mesmos. A segurança jurídica desejada tem por finalidade permitir

que entre os bens imóveis seja possível uma utilização mais

especializada e, portanto, mais produtiva. Contudo, essa

especialização só é possível na medida que as pessoas posam

intercambiar seus direitos, permitindo que haja um aumento

significativo de seu valor.

Com a especialização, esclarece Arruñada, os direitos

de propriedade podem ser efetivos, dotados de eficácia, e serem

coercitivos, principalmente por serem os bens imóveis imobilizados,

duradouros e relativamente pouco deterioráveis. Esse baixo custo

existente na trajetória de um imóvel permite que os direitos de

Page 16: Palestra Frederico Viegas

16

propriedade sejam úteis para a contratação de uma gama de direitos,

sejam esses reais ou pessoais. Dessa maneira, os direitos reais têm

importante significado para uma especialização produtiva e o

desenvolvimento econômico.

O caráter custoso do intercâmbio de direitos da

propriedade fez surgir uma série de mecanismos destinados a

reduzir os custos de transação, bem como conseguir, ao mesmo

tempo, a segurança jurídica. A função primordial dessas instituições é

a proteção dos direitos de propriedade e a redução de assimetrias

informativas entre as partes que realizam um negócio jurídico.

Nesses negócios é perfeitamente identificável uma série de atributos,

tais como seu aspecto físico e legal, de maneira que se possa

estabelecer corretamente o valor de intercâmbio entre o imóvel e

uma soma em dinheiro. Assim, para a medição desses atributos existe

um custo, denominado de custo de informação, que se destina a

revelá-los. Mediante as informações, observa-se a existência ou não

de incertezas na contratação do negócio jurídico. Essa incerteza

demonstra a existência de imperfeições na propriedade, que se

refletirá diretamente no valor do negócio jurídico. Quanto maior for a

incerteza, menor será o valor da transação. E, inversamente, quanto

maior for a certeza, maior será o preço da transação.

Para North, a existência de incertezas impõe descontos

maiores no valor do negócio jurídico, na medida em que a estrutura

institucional permita que terceiros possam influir no valor dos

atributos que são uma função de utilidade para o adquirente.

Funcionando, conforme dito acima, como um fator de diminuição do

valor do direito de propriedade e, ainda, retirando do mesmo um uso

mais especializado, tendo como consequência direta um aumento nas

taxas de juros e dificuldades no ingresso do bem no mercado.

Para a diminuição dessas assimetrias é indispensável o

surgimento de instituições que coloquem à disposição dos eventuais

interessados na realização de um negócio jurídico uma informação

jurídica e economicamente relevante para que o mesmo possa se

concretizar. Somente assim as partes intervenientes possuirão, de

Page 17: Palestra Frederico Viegas

17

maneira igualitária, uma informação correta e completa a respeito do

direito real que será objeto da transação imobiliária. Da mesma

maneira, esse caráter informativo completo impede que uma parte

seja menos informada que a outra, existindo uma assimetria

informativa. A assimetria informativa ocorre quando em um negócio

jurídico pode ser identificada uma parte mais informada e outra que

é menos informada. Neste caso, é possível que a parte mais

informada tire proveito de sua situação em relação a outra parte,

inclusive agindo de má fé. Sendo essa hipótese, para Méndez, um caso

de assimetria informativa residual.

Uma possível neutralização das assimetrias é feita

mediante uma instituição organizativa que possa demonstrar a

situação jurídica dos direitos de propriedade, possibilitando que os

riscos possam ser efetivamente calculados, principalmente por parte

do adquirente do imóvel, fazendo com que o mercado possa ser

eficiente e que haja segurança jurídica. Tais instituições devem ser

dotadas de mecanismos que permitam uma rápida transmissão de

informações, a um baixo custo, empregando as mais modernas

tecnologias. A realização dessas condições impõe uma modificação

no mercado e na estrutura das instituições organizativas existentes,

pois, tal como descreve North, na atualidade existe uma mistura de

instituições que visam realizar tais atividades, sem uma unificação ou

centralização, estabelecendo barreiras de entrada, restrições

monopolísticas, impedindo a existência do baixo custo das

informações.

Em nosso caso, assim como na Espanha, possuímos a

instituição organizativa dos registros imobiliários. Contudo, nos dois

países se faz necessária uma profunda alteração nos modelos, para

que seja possível o atendimento das modernas necessidades do

tráfego jurídico negocial, de acordo com o que acima se expôs. Nas

palavras de Méndez

[P]ara que la simetría informativa funcional produzca los efectos

deseados se requiere que la información producida por el registro

sea veraz y, si no lo fuere, se repute legalmente como tal, de modo

Page 18: Palestra Frederico Viegas

18

que el potencial adquirente pueda tener seguridad en el carácter

irrevocable, en relación a el, de la información ofrecida por el

Registro en relación a los extremos que le son propios.

Ello solamente es posible si el procedimiento registral garantiza que

la información producida por el Registro es veraz en la práctica

totalidad de los casos y que, cuando no lo es, se debe a que el verus

dominus ha preferido no asumir los costes de la conservación de su

derecho – esto es, los derivados del procedimiento registral – que

deban ser inferiores a los de cualquier solución alternativa, para que

la institución registral quede justificada. Y ésta es precisamente, la

razón de ser del Registro de la Propiedad.

As simetrias informativas funcionais existem quando

ambas as partes possuem as mesmas informações, impedindo que

uma parte seja mais bem informada que outra. Dessa maneira, é

possível que não existam desconfianças quando da contratação com

estranhos e possibilita o desenvolvimento dos mercados. De outra

parte, como se infere da passagem acima, um registro imobiliário

deve ter por finalidade a proteção e a segurança dos direitos de

propriedade. Permitindo, então, que se possa dar a conhecer quem é

o verdadeiro dono de uma propriedade e quais são as restrições que

pesam sobre ela, quer sejam de caráter real ou obrigacional.

Sob outra perspectiva, Hernando De Soto esclarece que

com o registro formal da propriedade é possível o estabelecimento

daquilo que é economicamente significativo sobre um imóvel. A

captura e a sistematização informativa são um elemento

indispensável para que se possa valorar o bem e exercer sobre o

mesmo um controle. Portanto, é extremamente difícil se movimentar

um mercado quando os direitos de propriedade não se encontram

fixados em um sistema formal, por meio dos registros imobiliários.

As informações contidas nos registros tem a finalidade de alertar

qualquer pessoa qual é a situação de determinada propriedade,

inclusive possibilitando que um negócio jurídico possa ser realizado

ou não.

Page 19: Palestra Frederico Viegas

19

Por fim, o registro imobiliário cumpre um importante

papel na diminuição dos custos de manutenção. Em realidade, nestes

não há custo de manutenção do direito de propriedade. O direito real

inscrito, como antes apontado, identifica quem é o verdadeiro

proprietário, e também, protege-o contra eventuais intentos de

terceiros em possíveis reivindicações. Neste ponto, há sensível

diferença entre os países que adotam o sistema de registro de

direitos comparados com os que se utilizam de um registro de títulos

ou de contratos. Enquanto nos primeiros há evidente segurança

jurídica do direito inscrito, nos segundos existe uma insegurança.

Para diminuir os riscos de uma possível reivindicação, nesses países

– e é bem característico no common law –, há uma forte cultura

securitária. Para a segurança jurídica dos direitos de propriedade,

seus titulares se valem de seguros contra qualquer deficiência

dominial. E o seguro é custoso, inclusive porque o seu prêmio deve

ser pago a cada intervalo de tempo, usualmente a cada ano.

A inovação depende do reconhecimento da natureza

real dos direitos de propriedade, aliada aos custos de informação a

respeito dos mesmos, e por consequência, destinados à sua

manutenção e proteção. Dessa forma, consegue-se a centralização

informativa que usualmente se encontraria espalhada e que geraria

um aumento de custo de informação, assim como as partes

envolvidas deveriam se converter em especialistas do sistema.

Para atingir esses objetivos, faz-se necessária a

intervenção do Estado, mesmo porque existem sérias dúvidas se os

particulares, por seus próprios meios, têm condições de realizar a

conformação das formas de propriedade, o que geraria muito mais

confusão, em vez de aclarar as situações de direitos reais de

propriedade.

A especialização dos recursos produtivos, tal como os

direitos de propriedade, tem a capacidade de aumentar a

produtividade, sendo, portanto, o motor da economia, tal como já

advertiram os modernos constitucionalistas europeus. Contudo, essa

especialização só se torna atrativa para o mercado na medida em que

Page 20: Palestra Frederico Viegas

20

possa haver intercâmbio entre recursos e produtos entre si e com os

consumidores. Esse intercâmbio, como visto, por certo é custoso, e o

alto custo do mesmo possui a característica de frear a especialização,

atingindo o próprio desenvolvimento.

Para o correto funcionamento do mercado é

indispensável que se reduzam os custos de intercâmbio, que pode ser

conseguido mediante a aplicação de diversos mecanismos. De

imediato, importa considerar que tais reduções traduzem a correta

atuação do Estado no mercado, sem que com isto haja uma

intervenção ou atuação intervencionista. Para tanto, em primeiro

lugar podemos vislumbrar as instituições jurídicas destinadas a

tornar possível a existência e a contratação de direitos de

propriedade sobre os imóveis. E a função dessas instituições e

organizações é a proteção dos direitos de propriedade e a redução de

assimetrias informativas entre aqueles que realizam determinado

negócio jurídico.

O reconhecimento do papel institucional dos direitos

de propriedade, principalmente a imobiliária, tem como função

principal a proteção desses direitos e a redução das assimetrias

informativas que podem surgir quando da contratação sobre bens

imóveis. Para tanto, ao lado da instituição devem existir organizações

destinadas a prover os mais diversos tipos de serviços profissionais,

administrativos e judiciais que, além de assegurar os direitos, tornam

possíveis os negócios jurídicos. Segundo Arruñada a diferenciação

das regras de propriedade e dos direitos obrigacionais apontam para

as seguintes diferenças: a) existe a maior efetividade dos direitos

reais – ius in rem –, comparado com os direitos pessoais ou

obrigacionais – ius in personam –; b) os direitos de propriedade

gozam de uma situação hierárquica de prioridade, que atende ao

momento de sua publicidade, consubstanciado no princípio prior in

tempore, potior in iure, que afasta a conceituação dos direitos dos

contratos em que a hierarquia se estabelece a partir da data de

elaboração do mesmo; c) as regras de propriedade permitem que os

direitos em litígio, dentro do mais puro espírito da boa fé, possam ser

outorgados ou confirmados ao adquirente que assim atua, mesmo em

prejuízo do verdadeiro dono da propriedade. Situação que é bastante

Page 21: Palestra Frederico Viegas

21

visível e de fácil reconhecimento nos sistemas jurídicos com registro

de direitos.

De sua parte, Méndez ensina que a existência de

assimetrias informativas presentes no mercado são a principal

dificuldade para se coordenar os interesses das partes e, por

conseguinte, para contratar. Para tal caso, o registro imobiliário,

entendido esse como um registro de direitos, é capaz de resolver

certas incertezas, pelo menos em seus elementos essenciais: quem é

o verdadeiro titular registral – dono –; quem tem o poder de

disposição sobre o imóvel; quais são os demais direitos que existem

sobre o bem, podendo ter preferência frente ao direito do potencial

adquirente. Isto porque o registro é a única instituição que pode

dotar o mercado desse tipo de informação, porque é ele que a cria

para os efeitos do próprio mercado.

Portanto, é conclusivo que os direitos de propriedade,

para que possam cumprir seu papel institucional, devam, a partir da

atividade do Estado, possuir um único local de concentração de suas

informações, e consequentemente, consegue-se a verdade real a

respeito da titularidade imobiliária, bem como as vicissitudes

inerentes ao imóvel. E, por conseguinte, a redução nos custos de

transação e de informação, indispensáveis para o correto

funcionamento do mercado.

O novo modelo dos direitos de propriedade que

merece ser desenhado passa, necessariamente, pela redefinição dos

critérios de aquisição desses direitos, abandonando, ou pelo menos

aperfeiçoando algumas instituições, como é o caso dos registros

imobiliários existentes na atualidade, principalmente quanto à sua

valoração jurídica e aos seus efeitos. Com isso não se pensa em uma

crítica completa ao modelo existente, mesmo porque, de certa forma,

o mesmo é capaz de desempenhar as tarefas a ele conferidas.

Ademais, é imperiosa uma análise da conformação das características

e finalidades que o registro revela, normalmente mal compreendidas

ao longo do último século.

Page 22: Palestra Frederico Viegas

22

Ao realizar uma pequena história evolutiva do registro

imobiliário a partir da edição da lei dos registros públicos em 1973,

Dip estabelece que após o tempo da descoberta da nova lei veio o

tempo da crise. Porém, não se deve entender como crise a

necessidade de alteração ou mudança essencial de paradigma da

atividade registrária. Muito mais que isso, é necessário um salto

essencial que não se configura como uma simples modificação ou a

busca de uma nova roupagem para o registro imobiliário ou, ainda,

uma atualização da atividade. Ao contrário, é importante a afirmação

da atividade registrária como instituição, de forma a atender às

necessidades do cotidiano da comunidade e da sociedade.

O fortalecimento da atividade registrária, conseguido

mediante a publicidade e a destinação do registro, deve ser um

instrumento capaz de ser útil para o mercado e para as pessoas que

dele necessitam para intercambiar riquezas e assegurar a certeza dos

direitos de propriedade, fazendo com que as transações imobiliárias

possam ser menos custosas e que gozem de um grau de segurança

que potencialmente possa ser quase máximo. Dessa forma, impõe-se

o abandono de um normativismo implícito, tal como as Academias

costumam descrevê-lo, onde as tarefas descritivas de tipos pré-

concebidos partem de uma realidade estritamente prática, chegando

até mesmo a uma situação de homogeneização das tarefas inerentes

aos registros imobiliários.

A adaptação do modelo existente, mediante uma

atualização coerente para o desempenho dessas atividades,

principalmente às novas atribuições que a ele são reservadas – tais

como as apontadas no presente estudo –, revela que o

estabelecimento de sua finalidade está diretamente ligado à sua

natureza. E esta deve ser concebida como uma unidade conceitual

que agrupa as múltiplas relações jurídicas, permitindo que seja

possível, mediante a consulta a um único local, saber com maior

precisão qual é a verdadeira e real situação de um determinado bem

imóvel. Dessa maneira, mediante uma concentração unitária formal

se evita uma multiplicidade informativa, de todo indesejável, que

aumenta os seus custos, bem como os custos de transação.

Page 23: Palestra Frederico Viegas

23

De outra parte, a unicidade física e a concentração

informativa são dois elementos que desempenham importante papel

para a segurança jurídica imobiliária, mesmo porque no registro

imobiliário é possível a difusão da situação jurídica de determinado

imóvel, mediante os corretos meios de comunicação, tal como a

publicidade – embora sempre com caráter restritivo –, alcançando a

desejável redução das assimetrias e permitindo a sensível redução

dos custos de informação.

De início, importa recordar que Clóvis Beviláqua, ao

idealizar a sistemática registrária e de aquisição dos direitos de

propriedade no Código Civil de 1916, buscou romper com o sistema

até então vigorante de um simples registro publicitário e de

oneração, para se aproximar de um sistema mais rígido, como o

alemão, onde a presunção dos direitos registrados é absoluta.

Contudo, ao dotar os registros de uma presunção relativa, abriram-se

as portas para uma enorme possibilidade de interpretações e de

mitigações dos direitos registrados, como podemos notar ao longo

dos anos. E que, por certo, esta não era a intenção do codificador.

Primeiramente, consideremos que em nosso sistema

são registrados direitos e não simplesmente títulos. As

transformações jurídico-reais se perfazem com o registro, e por isso,

a primordial finalidade do sistema registral é o registro de direitos.

Enquanto que nos sistemas de registro de títulos, a atividade

registrária se cinge na referência ao contrato que foi levado ao

registro imobiliário. Como consequência lógica disso, no primeiro,

fica à margem do mesmo situações outras, de caráter contratual ou

obrigacional, que não têm abrigo no registro. Essa sensível diferença

entre registro de direitos e de títulos ou contratos revela uma faceta

da sua importância para que a propriedade possa cumprir seu papel

como instituição.

Em segundo lugar, sendo o nosso sistema de registro

de direitos, impõe-se a conclusão da imperatividade de acesso ao

registro de todas as situações jurídicas referidas a um determinado

imóvel, conseguida mediante a concentração unitária. Dessa forma,

não pode existir situação jurídico-real fora dos assentamentos do

Page 24: Palestra Frederico Viegas

24

registro. Entretanto, não é assim que ocorre na prática cotidiana.

Existem situações que o próprio Estado as conforma e lhes confere

uma roupagem jurídica apesar da falta do registro, tais como a

constituição de constrições processuais – penhora, arresto,

sequestro, indisponibilidade de bens –. Situação que chegou ao

extremo do Superior Tribunal de Justiça editar as Súmulas 76, 84,

239 e 308, prestigiando, mesmo que por motivos outros, a existência

de direitos de propriedade ainda que não inscritos no registro

imobiliário. Ainda, de igual maneira, os particulares sempre

construíram situações jurídicas que denominam de reais à margem

dos registros, como são os casos das promessas de compra e venda

por instrumentos particulares não enquadradas nas exceções legais,

e a transferência imobiliária por simples procurações.

Isto sem falar nas situações marginais, em que

determinada parcela da população, por certo hipossuficiente, não

pode ter suas propriedades inseridas no sistema imobiliário formal.

Situação que está a merecer, cotidianamente, esforços do Estado para

diminuir tais iniquidades, sendo certo ainda, que toda uma nova

modelação do sistema de registro dos direitos de propriedade tem a

capacidade de se tornar um dos principais atores de redução dessas

diferenças. E isto pode ser conseguido com o auxílio da redução dos

custos de transação bem como de informação, caminhando de

assimetrias para simetrias, de conotação eminentemente social.

Novamente em uma análise histórica podemos

constatar que a preocupação com os mecanismos estatais de

aquisição da propriedade imobiliária sempre foi recorrente. Desta

forma, Lafayette já ensinava que a transcrição do título constituía

para o adquirente uma fonte segura de esclarecimentos sobre os

principais pontos da propriedade: a) se o domínio se encontrava

transcrito em favor do proprietário aparente; b) se o domínio é pleno

ou se sofreu algum desmembramento com a constituição de outro

direito real; c) se o registro responde a todas essas questões de fato. Se

o adquirente, pois, se deixa iludir e envolver pela fraude, atribua-o a si

que não à insuficiência da lei. Sendo certo, ainda, que a estrutura

organizacional do instituto da transcrição se funda não somente

como um princípio de segurança para o adquirente, mas também é

Page 25: Palestra Frederico Viegas

25

um fundamento cardeal para todo o regime imobiliário. E conclui o

autor que a grande maioria dos atos translativos de direitos de

propriedade necessitam ser transcritos, e que aqueles que se

transmitem sem esse requisito, fazem-no por serem dotados de uma

notoriedade tal que impede as maquinações de má-fé.

Todas essas situações levam a uma assimetria

informativa do conteúdo dos registros, gerando, por consequência,

um aumento nos custos de informação e de transação, em sentido

oposto ao que se pretende quando se busca no registro imobiliário

uma concentração informativa e fidedigna da situação do imóvel.

Para atingir tais objetivos, impõe-se o estudo das

características atuais dos registros, tendo em consideração

principalmente a negação de sua publicidade formal, mesmo porque

essa não é a finalidade registral. A finalidade registral são os próprios

direitos, ou na feliz afirmação de Méndez a inscrição não publica o

direito. A inscrição é o direito.

Para esse autor, a inscrição é o direito porque o direito

à segurança jurídica do tráfego negocial consiste em facilitar as

transações imobiliárias e ao mesmo tempo em fortalecer a posição do

proprietário, para deste modo tutelar a posição do credor e assim

poder habilitar os imóveis como ativos econômicos. Para tanto, os

registros devem ter determinadas propriedades normativas, pelas

quais o titular inscrito é o titular do direito e, por via de

consequência, existindo divergência entre um suposto titular do

direito e o titular inscrito, prevalece este último. Isto porque a

eficiência jurídico-real do registro consiste em reforçar a posição do

titular registral, quando este adquiriu o direito de um outro titular

registral anterior, cujo direito foi adquirido em conformidade com a

normativa em vigor. Desta forma, o novo titular registral possui um

direito inatacável, exceto quanto às causas que possam afetar o

negócio jurídico no qual a aquisição se fundou.

A principal finalidade da concentração de todo o

histórico de um determinado imóvel e suas titularidades é a redução

de assimetrias informativas, e por consequência, dos custos de

Page 26: Palestra Frederico Viegas

26

informação e transação. Essa tarefa só pode ser conseguida, como

dito, mediante a existência de um único repositório informativo,

completo e condizente com o atendimento das realidades

extrarregistrárias com os livros de registro. O sistema informativo

deve ser formado por um número de dados quase perfeito, de

maneira a gerar a segurança jurídica indispensável para as

transações imobiliárias. Essa atividade tem como marco inicial o

reconhecimento das assimetrias informativas que existem no

mercado, levando as partes que desejem contratar a consultar um

sem número de locais, mediante a intervenção de uma pessoa

juridicamente qualificada e capaz de concluir qual é a verdadeira

situação de determinado bem. É evidente que a existência de tais

assimetrias, bem como o auxílio de uma terceira pessoa com destreza

jurídica encarecem, de sobremaneira, os custos de informação. De

igual modo, não existindo a concentração informativa, as partes que

desejem realizar determinado negócio jurídico devem buscar as

informações a respeito da propriedade e sua titularidade em diversos

locais, aumentado o custo de transação em virtude desse custo

informativo alto.

A essa situação vale acrescentar, como já visto, que nas

transações podemos identificar duas partes que possuem níveis

informativos em distintos graus: uma parte melhor informada,

normalmente o vendedor e uma parte pior informada, que

usualmente é o comprador. A parte menos informada deve ter a

possibilidade de recorrer a determinado local, indicado pelo Estado,

onde poderá receber todas as informações relevantes acerca da

propriedade que pretende adquirir.

Dessa forma, a transmissão dos direitos de

propriedade e mesmo a criação de novos direitos, usualmente levam

à assimetria informativa entre as partes, que só podem ser dissipadas

com o concurso de elevados custos de busca e informação. Disso

resulta que geralmente os transmitentes poderão saber mais que os

adquirentes sobre a existência de direitos afetados. Caso os

adquirentes percebam uma desvantagem informativa, muitas vezes

as negociações não se concluem. Situação que Méndez reputa como

uma assimetria informativa residual. Portanto, os modernos sistemas

Page 27: Palestra Frederico Viegas

27

jurídicos introduzem mecanismos que partem de uma atuação do

próprio contrato – negando-lhes a categoria de reais–, para impor a

necessidade da constituição do direito real mediante um outro ato,

usualmente de registro. Conseguindo, dessa forma, o correspondente

ajuste de preço e a redução dos riscos residuais que ainda possam

existir.

A necessária e indispensável proteção aos terceiros

que contratam direitos de propriedade levou os Estados a criar uma

forma organizativa fundada no monopólio territorial. Como bem

ensina Arruñada esse caráter organizativo não pode gerar um

aumento ou incremento nos custos de transação, que deve ter uma

regulamentação competente do Estado, permitindo a correta

retribuição do funcionamento da organização, bem como o

estabelecimento da segurança jurídica. A segurança jurídica, de igual

maneira, só pode ser concebida mediante baixo custo, fator que

diferencia esta das regras de responsabilidade –liability rules –, que

impõem ao titular do direito de propriedade um elevado custo de

manutenção de seu direito. Portanto, as regras de propriedade e a

garantia da manutenção da mesma a baixo custo são a chave da

organização e importante elemento da instituição dos direitos de

propriedade.

A redução de incertezas informativas tem a capacidade

de se refletir, diretamente, no preço das transações imobiliárias.

Existindo um local em que se possa verificar corretamente a situação

jurídica, menor será o grau de incerteza. Quanto maior for o grau de

incerteza, menor será o valor da transação, pois o vendedor terá que

aplicar um desconto no preço no negócio jurídico em função desse

evento. Ao contrário, quanto maior for a certeza, maior também

poderá se o preço. Portanto, a capacidade informativa tem a

finalidade direta de redução dos custos de transação. Sendo estas,

por conseguinte, dois elementos indissociáveis e dependentes da

atuação do Estado para sua realização.

As assimetrias de informação podem ser reduzidas

com o estabelecimento de instituições que contenham as

informações à disposição dos terceiros, principalmente os

Page 28: Palestra Frederico Viegas

28

compradores em um negócio jurídico, permitindo uma maior

confiança na contratação. Informações jurídicas e de conteúdo

econômico que devem ser fiáveis em um grau mais alto, de maneira a

influir diretamente no valor da transação em função da utilidade que

se possa conseguir com o bem.

O registro imobiliário deve buscar a neutralização dos

efeitos que podem ser decorrentes de assimetrias informativas,

levando a que as partes passem a estar em uma situação de

igualdade, ou seja, que exista um ponto simétrico, de forma a dar uma

maior garantia de informação ao comprador e que, ao mesmo tempo,

impeça que o vendedor possa dispor de mais informações do que já

tem. Em tal situação, como estabelece Méndez, há a imposição de

simetria informativa funcional, porque diante de tal situação ambas

as partes de um negócio jurídico possuem a mesma informação, fator

decisivo para dissipar eventuais desconfianças nas contratações com

estranhos. Dessa maneira, há a possibilidade de ampliação do

mercado, que não se restringe a contratar com pessoas conhecidas e

com amigos, para aportar uma contratação impessoal.

Essa segurança é conseguida na medida em que o

Estado subministre o mercado de uma instituição que permita a

existência de uma maior segurança jurídica. Tal segurança jurídica

deve ser verdadeira e não artificial, valendo ser dito que o registro

imobiliário necessita de uma transformação estrutural, destinada ao

atendimento dessas necessidades que encerram uma nova realidade.

Segundo North e Thomas, é função do Estado,

mediante um acordo institucional, a venda de proteção e de

administração de justiça. Para tanto, é indispensável sobre o

monopólio, sobre a definição e a aplicação dos direitos de

propriedade, bem como dos recursos e a concessão dos direitos para

a transferência desses ativos. Dessa forma, os registros são serviços

básicos que o Estado deve prover para que se tenha uma economia

de mercado e que a mesma funcione adequadamente.

De outro ângulo, a propriedade privada possui uma

definição e caracterização estabelecida a partir de sua inserção no

Page 29: Palestra Frederico Viegas

29

mundo negocial, valendo dizer, no mundo econômico. Nesta esfera,

descobrimos que a mesma é um produto escasso. E, muito mais que

isso, é um produto escasso indispensável à sobrevivência humana, ao

ponto que a mesma, sempre que possível, deve ser compartilhada

com uma pluralidade de indivíduos. Por isso Méndez Gonzáles

acertadamente estabelece

La necesidad de la propiedad privada se halla ligada, por tanto, con

la escasez de recursos necesarios para la subsistencia, con la

existencia de una pluralidad de individuos y con el carácter escaso –

y, por tanto, costoso e incompleto- de la información sobre los

atributos económicamente relevantes sobre los bienes.

En este contexto, la propiedad privada permite un uso más eficiente

de los recursos: permite que se exploten más recursos durante más

tiempo y que puedan hacerlo un mayor número de personas.

(…)

(…) la escasez de los recursos necesarios para la supervivencia

constituye, en última instancia, la justificación de la propiedad

privada. Mediante ella se asegura la conservación de los mismos, así

como su más eficiente aprovechamiento en beneficio del mayor

número, en tanta mayor medida cuanto mejor definidos se hallen

tales derechos, menos costosa sea su protección y más fácil su

transferencia.1

Desta forma, e seguindo os ensinamentos de Demsetz2,

a propriedade possui duas características que, quando colocadas em

conjunto, a configuram como uma verdadeira propriedade.

A primeira delas permite a identificação das pessoas

que possuem os controles dos recursos, possibilitando aos demais

saber quem são as pessoas com quem devem tratar para influir no

uso das propriedades. A segunda característica articula poderosos

incentivos para que se consiga colocar esses recursos para os seus

1 Ob. cit., pp. 27 e 28.

2 DEMSETZ, H. “Ownership and The Externality Problem”. In: Property Rights, Cooperation,

Conflict and Law. T.L. Anderson & F.S. MacChesney (coord.) Princetown: Princetown University

Press, 2003, p. 285.

Page 30: Palestra Frederico Viegas

30

usos mais valiosos. E, tudo isso se consegue atribuindo a seu

proprietário suficientes faculdades de exclusão, tanto no que se

refere ao aproveitamento material do bem, como no tocante à

disposição de seu direito.

Isto se deve, sobretudo, por ser o registro um ato de

soberania do Estado, conforme descreve Méndez Gonzáles

… es importante resaltar que la inscripción en un Registro de

derechos es un acto de soberanía –Hoheitsakt lo denomina la

doctrina alemana -, -y ello, con independencia de que el sistema

legal configure o no la inscripción como requisito integrante del

proceso adquisitivo inter partes-, lo que es decisivo para entender

la naturaleza del sistema de constitución, transmisión, modificación

y extinción de property rights inmobiliarios en el ámbito del

Derecho de la seguridad del tráfico jurídico instrumentado en el

ámbito inmobiliario mediante el Registro de derechos.

(…)

Ordinariamente, para que se produzcan tales efectos, los diferentes

sistemas transmisivos dotados de registros de derechos exigen que

el negocio adquisitivo sea un acto de tráfico, a título oneroso y de

buena fe, aunque no siempre ha sido así.

(…)

Ello es así, porque la inscripción es, en un Registro de derechos, un

acto de soberanía, un acto mediante el cual el Estado reconoce –y,

por tanto, atribuye- la titularidad de un determinado derecho real

inmobiliario a una determinada persona, previo el correspondiente

procedimiento, necesariamente sumario y, a la vez, dotado de

determinadas garantías insoslayables, para satisfacer las

necesidades de seguridad y de liquidez de los derechos reclamadas

por el mercado.

A nova realidade registrária, e, por conseguinte, dos

próprios registros imobiliários, é dependente do aperfeiçoamento

institucional, na medida em que os mesmos passem a refletir a

verdade real e não a verdade aparente a que estamos acostumados

desde o século passado. Para tanto, tal modificação em sua estrutura

Page 31: Palestra Frederico Viegas

31

deve ser de tal ordem que todas as mutações jurídico-reais relativas a

um determinado imóvel sejam inseridas nos assentos registrais e,

mediante regras de propriedade haja a vedação da existência, com

consequente valor jurídico, de situações outras que não tenham sido

acessadas no registro.

De igual forma, no futuro o Estado não pode prestigiar

o surgimento de novas situações de direitos de propriedade que

também não passem a compor o universo dos registros imobiliários.

Evitando, dessa forma, o surgimento de novas e indesejáveis

assimetrias informativas. O desejável, e que deve ser perseguido, é a

concentração informativa no mais elevado grau ou parâmetro, de

maneira que os negócios jurídicos possam ter um menor custo, bem

como o custo informativo ser também o menor possível.

A situação ideal é que um negócio jurídico seja sempre

realizado tendo como suporte uma informação registral, e dado seu

alto grau de confiança, faça com que o mesmo seja inatacável,

ressalvadas as causas de ineficácia relativas à própria aquisição.

Assim, o registro de um direito fundado na própria sistemática

informativa pretende facilitar as transações imobiliárias e ao mesmo

tempo fortalecer a posição do credor, convertendo os imóveis em

verdadeiros ativos econômicos.

A realidade transformadora deve passar, também, pela

superação da finalidade registral unicamente como função

publicitária formal. Essa função é eminentemente acessória e

consequencial, levando em consideração, conforme já foi dito, que a

verdadeira finalidade dessa instituição é atuar, diretamente, nos

custos de transação, mediante seu caráter informativo e de redução

de assimetrias jurídicas. A publicidade, principalmente a formal, é

consequência lógica e derivativa de todo o sistema. Mas não é a razão

do sistema em si próprio. Até porque a publicidade deve ser vista

com certas e determinadas restrições, quando não se pode prestigiar

a difusão indiscriminada das informações. Em realidade, o correto é

se pensar em uma publicidade restrita, vinculada aos princípios de

legitimidade e finalidade.

Page 32: Palestra Frederico Viegas

32

A legitimidade, ou o legítimo interesse, do terceiro

pode e deve ser verificada no momento em que este solicita a

informação. Este deve, primeiramente, demonstrar qual é o seu

interesse. Interesse que deve ser legítimo e destinado à realização de

um negócio jurídico, quer imobiliário ou obrigacional, ou ainda uma

atuação protegida pelo direito. Com isto, não se quer dizer que todo

terceiro que pretenda uma informação individualizada deva

demonstrar seu legítimo interesse. Se busca é a vedação da difusão

informativa em massa, seja em relação a um titular de direito de

propriedade, seja em relação a um grupo ou conjunto de imóveis.

Tais informações quando solicitadas, muitas das vezes, possuem

finalidades obscuras ou contrárias ao direito.

Com isto não se está defendendo a extinção da

publicidade formal dos registros. Mais que isto, busca-se colocar o

problema publicitário dentro de seu próprio marco, pelo qual essa

forma de publicidade é consequencial e de segundo grau. Haja vista

que é a publicidade o próprio ato de registro de determinado negócio

jurídico.

Por tudo, podemos concluir que um novo modelo de

registro imobiliário se faz necessário, sem que se tenha com isto,

simplesmente, a função publicitária, mas sim, mediante o

estabelecimento de situações jurídico-imobiliárias inatacáveis, cujo

acesso ao conhecimento das mesmas deva ser regulado. Portanto, é o

meio pelo qual o Estado deve dotar o mercado de um instrumento de

alcance da simetria informativa funcional, e desse modo possa

facilitar as transações imobiliárias e a consequente conversão dos

imóveis em ativos econômicos.