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CAPA 22 Cidade Nova • Novembro 2013 • nº 11 ANA CAROLINA WOLFE [email protected] Mudar o mundo ou ganhar dinheiro? EMPREENDEDORISMO Setor com destaque cada vez maior no Brasil, os negócios sociais estão ganhando adeptos principalmente entre os jovens, que veem a possibilidade de aliar a realização de um bem social com um trabalho financeiramente satisfatório © alphaspirit | Fotolia.com

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Mudar o mundo ou ganhar dinheiro? Na dúvida fique com os dois!

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22 Cidade Nova • Novembro 2013 • nº 11

ANA CAROLINA [email protected]

mudar o mundo ou ganhar dinheiro?emPReendedoRiSmo Setor com destaque cada vez maior no Brasil, os negócios sociais estão ganhando adeptos principalmente entre os jovens, que veem a possibilidade de aliar a realização de um bem social com um trabalho financeiramente satisfatório

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que uma empre-sa de regulari-za ção fundiária e mediação de conflitos de terra no Paraná, um banco comunitá-rio de desenvol-vimento no Cea-rá e uma empresa

especializada na gestão de resíduos tecnológicos do Amazonas têm em comum? Todas elas seguem um mo-delo de negócio que está ganhando fôlego no país. Chamado também de setor 2.5, ou seja, que está entre

o segundo setor (iniciativa privada) e o terceiro (organizações sem fins lucrativos), os negócios sociais po-derão atrair, ainda este ano, até R$ 250 milhões, valor estimado para investimento de impacto no país.

O slogan “Entre ganhar dinheiro ou mudar o mundo, fique com os dois”, da organização pioneira no Brasil no fomento e fortalecimento de negócios sociais, a Artemisia, re-sume bem o que significa esse mo-delo de empreendimento.

Os negócios sociais são empresas que, por meio da sua atividade prin-cipal, oferecem intencionalmente

soluções para problemas da popula-ção de baixa renda. Elas já nascem contendo, no seu DNA, o desejo de trabalhar para resolver algum pro-blema social.

“Negócio social é um negócio que busca, dentro da sua principal intenção, resolver algum problema social ou ambiental. Podem ser ‘n’ tipos de problemas, mas o impacto social de um negócio social não é colateral, é intencional, é proposi-tal”, explica Dhaval Chadha, sócio--fundador da Pipa, organização que trabalha com a aceleração de negó-cios sociais.

Além disso, Maure Pessanha, di-retora-executiva da Artemisia, desta-ca que “o que diferencia um negócio social de um tradicional é a intencio-nalidade de gerar impacto positivo. Ou seja, o negócio tem como missão melhorar a qualidade de vida da po-pulação de baixa renda”.

A professora Graziella Maria Comini – da Faculdade de Eco-nomia, Administração e Conta-

bilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e coordenadora

do Centro de Empreende-dorismo Social e Admi-

nistração em Terceiro Setor (Ceats) – destaca três pilares impor-tantes neste tipo de empreen dimento: es-

tar na lógica de mer-cado, gerar valor social

e gerar valor econômi-co. “Os negócios tra-dicionais estão inse-ridos no mercado, só que geram valor econômico, e alguns

valores sociais são periféricos. No caso de

negócios sociais, você tem a intenção de rever-

ter uma situação vinculada a uma realidade socioeconô-

mica que está prejudicada.”

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Apesar de a preocupação com a dimensão social ser o foco das or-ganizações da sociedade civil, o que as diferencia dos negócios sociais é que elas não atuam numa lógica de mercado, contando com uma capta-ção de recursos de doações.

A analogia feita por Pedro Hen-rique Vitoriano – um dos criadores do Projeto Brasil 27, que mapeia ne-gócios sociais no Brasil (ver quadro abaixo) – ajuda a entender melhor as diferenças e as convergências en-tre esses setores. De um lado existe uma ONG que depende 100% de doação, ou seja, que é puramente social. Do outro, existe uma empre-sa nos moldes tradicionais, que está ali para ganhar dinheiro. Entre es-ses dois mundos existe uma ponte, que são os negócios sociais. Depen-dendo do lugar sobre a ponte em que cada negócio está, ele se aproxi-ma mais do aspecto social, ou mais do econômico, mas estará sempre misturando os dois. “O que une to-dos é essa preocupação com o social e a inserção do social no negócio”, diz Vitoriano.

lucro dividido

A “fama” dos empreendimentos sociais começou com o Nobel da Paz de 2006, Muhammad Yunus, que fundou o Grameen Bank para oferecer microcrédito a famílias de baixa renda em Bangladesh. O gru-po que se inspira no Nobel da Paz acredita que negócios sociais são empresas que tentam resolver um problema social desenvolvendo pro-dutos e serviços para a base da pirâ-mide. Eles fazem dinheiro com isso, mas reinvestem todo o lucro obtido no próprio negócio. Assim, esperam eles, os dirigentes da empresa terão motivação apenas social e usarão os dividendos gerados para promover a atividade a que se dedicam.

Pessanha, da Artemisia, explica que a “destinação do lucro não é critério para definir um negócio social. Assim como empresas tradi-cionais, a destinação do lucro se dá pela escolha do empreendedor: ele pode reinvestir na própria empresa, retornar para o investidor ou divi-dir entre seus sócios”.

Já Chadha diz que há um grupo que segue o pensamento de Yun-nus, ou seja, “que acredita que não deveria haver nenhuma destinação de dividendos ou de lucros para os sócios e que tudo deveria ser rein-vestido – a não ser que os sócios sejam de baixa renda”. Um outro grupo vê a divisão entre sócios e investidores como uma forma de atrair capital tradicional. “Negócio social, para mim, inclui necessa-riamente as duas escolhas”, diz. E continua: “Por outro lado, a melhor forma de resolver problemas sociais e ambientais é através de um mode-lo de negócio”.

crescimento aceleradoNo Brasil, não é possível dizer

o número exato de empresas que compõem o setor, mas alguns indí-cios mostram que ele está ficando mais forte. Na tentativa de começar a quantificar o setor, em 2011, enti-dades envolvidas com negócios so-ciais fizeram um mapeamento que localizou 140 empresas desse tipo.

descobrindo o Brasil dos negócios sociaisO Projeto Brasil 27 nasceu da troca de experiências

e do diálogo entre Pedro Henrique Vitoriano e Fábio Serconeck, durante a finalização das teses de mestrado que cada um escreveu. Vitoriano conta que se apaixo-nou pelo conceito de negócios sociais e que, ao buscar as empresas desse setor no Brasil, percebeu que havia uma concentração de casos em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Eu pensei que se negócios sociais enxergam os problemas sociais como oportunidade e não como problema, então tem alguma coisa errada porque pro-blema social existe no Brasil inteiro. Foi aí que surgiram os dois elementos: dos negócios sociais e de viajar pelo Brasil”, conta Vitoriano.

Em correalização com o Ceats (USP), e com o apoio do ICE, Avina, Rockefeller Foundation e Omidyar Net work, o projeto se consolidou como um mapeamento inédito

no país, que vai percorrer todos os estados para conhe-cer um exemplo de negócio social em cada unidade da federação. A ideia é estudar casos de negócios sociais bem-sucedidos e promissores por meio de um processo colaborativo e, no final, compartilhar o conhecimento adquirido por meio de uma plataforma on-line.

Como não existe uma definição padrão de negócios sociais, foram criados alguns critérios do que seriam negócios sociais para a pesquisa. Entre eles, não ser uma iniciativa de responsabilidade social corporativa ou ter como parte da cadeia de valor ou ser cliente dela pessoas de baixa renda ou em situação de vulnerabili-dade social.

Até agora já foram visitados 18 estados. Os casos es-tudados podem ser acompanhados no site do projeto: www.projetobrasil27.com.br

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Mas Graziella Comini destaca que, com o Projeto Brasil 27, foram con-tabilizadas mais de 800 indicações de negócios sociais.

“Temos fundações interessadas em ajudar no desenvolvimento, te-mos aceleradoras, entretanto o que é mais estimulante é a motivação dos jovens. Para eles está fazendo mais sentido pensar em atuar em um negócio social, mesmo em uma organização pequena, do que atuar em uma ONG”, ressalta. E conclui: “Então você vê o mundo procuran-do um sentido, um propósito”.

Vitoriano também destaca o in-teresse da juventude por este mode-lo de negócio e, para ele, este é um dos fatores que explicam o cresci-mento do setor. “Eu vejo esses dois movimentos: um parte de uma es-cassez de recursos para projetos so-ciais e o outro é uma geração que quer aliar cada vez mais o sentido de vida com um trabalho que seja recompensador tanto pessoal quan-to economicamente”.

desafiosApesar de promissor, o setor

também enfrenta dificuldades es-pecíficas. Para Pedro Henrique, “o maior desafio é a comercialização. Quando falamos em negócio social imaginamos que boa parte do desa-fio está na inclusão das pessoas na economia, mas no final das contas, é a comercialização, como vender esses produtos é o que muitas vezes acaba emperrando a história”. Isso é enfatizado por uma entrevistada do Projeto Brasil 27. Criadora da Na-mastê – Orgânicos do Brasil, Débora de C. Silva destaca que o caminho a percorrer ainda é o da conscienti-zação do mercado “de que o consu-midor final tem uma preocupação também, mas não pode pagar três ou quatro vezes a mais do que o produto comum”.

a edc e os negócios sociaisLuigino Bruni, doutor em economia e professor da Universida-

de Biccoca, de Milão (Itália), explica que a Economia de Comunhão (www.edc-online.org/br) também pode ser definida como uma em-presa social no sentido de “empresa particularmente atenta à dimen-são social da economia, dos pobres, da justiça etc.”. Entretanto, o con-ceito de Economia de Comunhão (EdC) contém, em sua composição, outros elementos essenciais que não estão presentes nos negócios so-ciais (e vice-versa).

“Em particular, a empresa de comunhão tem ainda outros obje-tivos, além da resolução de problemas sociais. A EdC nasce com, no mínimo, três objetivos, dos quais um é a luta contra a ‘pobreza’. Mas, além dele, há a criação de postos de trabalho e o desenvolvimento da empresa, juntamente com a difusão da cultura da partilha. Não de-vemos esquecer a importância da presença dos polos da EdC, que são algo típico e único e que geralmente não se encontram nos negócios sociais”, destaca Bruni.

Para Chadha, da Pipa, há uma tendência de que no futuro irão predominar empreendimentos que tenham, no mínimo, a sustentabi-lidade como essência e, de maneira geral, um cunho social. “O jeito de fazer negócios necessariamente tem que mudar para dar conta da desi-gualdade e da insustentabilidade do nosso modo de viver”, ressalta.

Pedro Vitoriano também destaca que o setor tem um importante pa-pel no cenário brasileiro: “ele atua hoje nas falhas, onde o modelo tra-dicional não consegue gerar bem--estar”. “Às vezes a sociedade preci-sa assumir a responsabilidade pela sua própria melhoria. Para o Brasil ou qualquer país em desenvolvi-mento [este setor] é fundamental. Mas os exemplos das empresas e o movimento como um todo ainda têm que crescer para ter impacto re-levante em termos de país”, explica.

Entretanto, a professora da USP lembra que os negócios sociais são atores importantes que compõem um cenário e que “não podemos considerar, em nenhum momento,

que um ator é mais importante do que o outro”. “O fato da existência de um ator que busque resolver pro-blemas sociais e gere também valor econômico, não elimina a existên-cia de ONGs, não elimina o papel do Estado, a melhoria da ação do Es-tado. É mais um ator colaborando. A questão é histórica, temos proble-mas estruturais que um único ator não consegue resolver”, diz.

Em entrevista ao site Porvir, Peter Holbrook, CEO da Social Enterprise UK, rede que reúne 16 mil negócios sociais, sugeriu: “As definições são importantes, mas não se preocupem muito com elas”. Para o inglês, o Bra-sil vive um momento único no de-senvolvimento dos negócios sociais: tem uma economia em ascensão, vem ganhando importância no ce-nário internacional e pode aprender com países onde o setor já é mais es-truturado, como o Chile ou também Canadá, Estados Unidos, Austrália e Coreia do Sul. “Coloquem essas em-presas em rede e desenvolvam um plano para ganhar o apoio político de que ainda precisam”, aconselha.

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