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Fonte: http :// epocanegocios . globo . com / REPORTAGEM / GESTÃO - 01/03/2011 A reinvenção da gestão A administração do futuro será mais voltada à inovação, adaptada à chegada dos consumidores emergentes e aberta ao imprevisível. Quem vai levá-la dos livros às empresas? Por Alexandre Teixeira Inovação em gestão. Desde as últimas décadas do século passado, esta tem sido uma obsessão dos pensadores do mundo da administração. E uma tarefa, na prática, eternamente adiada pela maioria dos gestores. Descentralização, adaptabilidade, empowerment... Esses e outros conceitos relacionados ao aumento da criatividade nas companhias vêm sendo martelados por gurus corporativos das mais diferentes escolas de pensamento. Com resultados, no máximo, razoáveis. Ao menos duas sementes plantadas na última década por estudiosos do universo corporativo germinaram. A mudança da administração baseada em “comando e controle” por um sistema no qual o gestor “coordena e cultiva”, bem como as novas competências necessárias para ter sucesso neste novo modelo, foram descritas por Thomas Malone em O Futuro dos Empregos, publicado originalmente em 2004. E tornaram-se realidade (leia a entrevista com Malone). A segunda ideia, unir líder e gestor em uma pessoa só, é o que se pode chamar de obra aberta. Na imensa maioria das empresas, esses dois papéis estão dissociados. Mas persiste, ao menos, a consciência de que é preciso juntá-los. “No princípio, havia o gestor, a pessoa que fazia as coisas acontecerem. Então, veio o líder, a pessoa que ‘inspirava’ o gestor e ‘motivava’ a força de trabalho”, teoriza Julian Bir¬kinshaw, professor de estratégia e administração internacional da London Business School. “Não demorou muito para que o líder começasse a articular a visão e desenvolver a estratégia, tornando-se muito mais importante do que o gestor, que se limitava a manter as coisas acontecendo. Agora, chegou a hora de reinventar a administração, de fazer nada menos que ajudar os líderes a aprender como gerenciar eficazmente.”

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Fonte: http://epocanegocios.globo.com/ REPORTAGEM / GESTÃO - 01/03/2011

A reinvenção da gestão

A administração do futuro será mais voltada à inovação, adaptada à chegada dos consumidores emergentes e aberta ao imprevisível. Quem vai levá-la dos livros às empresas?

Por Alexandre Teixeira

Inovação em gestão. Desde as últimas décadas do século passado, esta tem sido uma obsessão dos pensadores do mundo da administração. E uma tarefa, na prática, eternamente adiada pela maioria dos gestores. Descentralização, adaptabilidade, empowerment... Esses e outros conceitos relacionados ao aumento da criatividade nas companhias vêm sendo martelados por gurus corporativos das mais diferentes escolas de pensamento. Com resultados, no máximo, razoáveis.

Ao menos duas sementes plantadas na última década por estudiosos do universo corporativo germinaram. A mudança da administração baseada em “comando e controle” por um sistema no qual o gestor “coordena e cultiva”, bem como as novas competências necessárias para ter sucesso neste novo modelo, foram descritas por Thomas Malone em O Futuro dos Empregos, publicado originalmente em 2004. E tornaram-se realidade (leia a entrevista com Malone). A segunda ideia, unir líder e gestor em uma pessoa só, é o que se pode chamar de obra aberta. Na imensa maioria das empresas, esses dois papéis estão dissociados. Mas persiste, ao menos, a consciência de que é preciso juntá-los.

“No princípio, havia o gestor, a pessoa que fazia as coisas acontecerem. Então, veio o líder, a pessoa que ‘inspirava’ o gestor e ‘motivava’ a força de trabalho”, teoriza Julian Bir¬kinshaw, professor de estratégia e administração internacional da London Business School. “Não demorou muito para que o líder começasse a articular a visão e desenvolver a estratégia, tornando-se muito mais importante do que o gestor, que se limitava a manter as coisas acontecendo. Agora, chegou a hora de reinventar a administração, de fazer nada menos que ajudar os líderes a aprender como gerenciar eficazmente.”

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AS EMPRESAS MAIS BEM EQUIPADAS PARA UMA VIAGEM AO FUTURO

SÃO AS QUE ESTÃO APRENDENDO A LIDAR COM O IMPREVISÍVEL

Olhe para empresas que já vivem hoje esse processo de reinvenção – as americanas Google e Whole Foods ou a brasileira Natura, para ficar em poucos exemplos – e você terá a sensação de que o século 20, definitivamente, acabou. Mas é só abrir o foco das árvores mais vistosas para a escuridão da floresta e ele ainda estará lá, em todo o seu esplendor pós-revolução industrial. “O futuro já está aqui. Porém, distribuído de forma desigual”, disse certa vez William Gibson, o profeta do ciberpunk. Mesmo esse pelotão que avança na vanguarda parece tatear em busca de um modelo de administração digno do século 21. “A verdade é que as melhores práticas de gestão de hoje não são boas o suficiente”, costuma dizer o americano Gary Hamel, tido como um dos mais influentes pensadores de negócios.

Birkinshaw não está sozinho quando prega a reinvenção da gestão. E esta não é mais uma preocupação exclusiva de acadêmicos e diletantes. Para A.G. Lafley, o executivo que marcou época como presidente da Procter & Gamble, a inovação hoje é (ou deveria ser) a missão central de todo líder, independentemente do lugar que ele ou ela ocupa no organograma. Não há gestor que discorde – pelo menos não publicamente. O desafio da nova gestão é transformar em práticas gerenciais as teorias de gurus consagrados, como Malone e Hamel, e de estrelas ascendentes, como Freek Vermeulen, também da London Business School. Existe uma biblioteca crescente de trabalhos sobre práticas de vanguarda nesta disciplina contemporânea que é a inovação em gestão. Quase todas elas giram em torno do desafio de criar a inovação sustentada nas empresas.

Cultura organizacional é uma das engrenagens-chave. Não há como estimular a criatividade sem enterrar o estigma do fracasso e criar mecanismos para celebrar o sucesso. É preciso instaurar um ambiente onde seja seguro experimentar, ou seja, testar ideias antes de elas serem submetidas a exigentes métricas de desempenho. Além de promover valores que apoiem a inovação, as organizações mais avançadas tratam de derrubar os obstáculos estruturais ao fluxo criativo nas empresas, como os muros entre departamentos que transformam áreas corporativas ou divisões de negócios em silos blindados da influência uns dos outros. Ao derrubar barreiras, busca-se uma maior “polinização criativa”.

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INOVAR É QUEBRAR A ROTINA. HÁ UMA OPOSIÇÃO ENTRE ISSO E O QUE

AS COMPANHIAS FAZEM PARA GANHAR ESCALA E CRESCER

Foi o que fez, por exemplo, a Cisco. No período entre 1997 e 2001, fornecedora de equipamentos e soluções para redes de telecomunicações, era organizada em três unidades de negócios, representando três linhas de produtos e três tipos de consumidor. Cada unidade tinha seu próprio marketing, sua área de vendas e seu laboratório de pesquisa e desenvolvimento. Em 2001, depois do primeiro prejuízo da sua história, a Cisco foi reestruturada por funções. Criou-se um grupo centralizado de P&D e 11 subgrupos para promover técnicas de inovação mais rápidas e econômicas. Engenheiros oriundos das diferentes divisões passaram a trocar ideias e colaborar no desenvolvimento de produtos. Temia-se que a centralização da pesquisa afastasse a empresa dos diferentes consumidores. “O temor se provou infundado – em grande parte, acreditamos, por causa da força de suas antigas redes de relacionamento e da cultura orientada ao consumidor da Cisco”, observou a Harvard Business Review.

Sobre silos corporativos, Freek Vermeulen diz que o problema inerente à organização em unidades de negócio é que a criatividade e a comunicação tendem a ficar aprisionadas em cada uma delas. Quando isso ocorre, a empresa torna-se lenta para reconhecer oportunidades para lançar produtos ou serviços e tende a manter estruturas duplicadas (e custosas) em suas áreas de apoio. Não se tornará uma companhia mais ágil, porém, com uma simples mudança no desenho de seu organograma. Mesmo os melhores profissionais precisam de treinamento, de conceitos e de técnicas para inovar. Como disse um gestor envolvido na transformação da 3M, “não adianta pedir às pessoas para pensar fora da caixa sem dar a elas as ferramentas para sair dela”.

Inovação requer um grau de fricção. Trazer gente de fora – novos contratados, especialistas, fornecedores ou clientes – e misturar pessoas de diferentes unidades de negócios, funções e geografias ajuda a trazer à tona novas ideias. E é necessário estimular a interação por meio de fóruns, plataformas e eventos que ajudem os diversos colaboradores a construir redes de relacionamento e ofereçam oportunidades para a troca informal de ideias. Mesmo os mais disciplinados funcionários precisam de brechas em suas rotinas para

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experimentar e desenvolver novos conceitos – o que requer disciplina, tanto pessoal quanto organizacional, para jogar fora sem remorso projetos e atividades que não agregam valor para a companhia. Se tudo isso é verdade, a administração do futuro será mais voltada à inovação, à descentralização e à simplificação organizacional. E igualmente mais voltada ao empowerment. Estas são, de fato, condições essenciais para uma companhia navegar com segurança em um ambiente de complexidade desnorteante. Mas não suficientes. As empresas mais bem equipadas para essa viagem ao futuro estão aprendendo a lidar com o imprevisível. Unificando gestores e líderes. E desenhando estratégias capazes de incorporar novos modelos de negócios para, entre outras finalidades, estabelecer operações rentáveis em países emergentes, onde os consumidores são muitos, mas a renda é baixa. Não faz muito tempo, a revista The Economist afirmou que “o único modo para empresas prosperarem nesses mercados é cortar custos sem piedade e aceitar margens de lucro próximas de zero”. Mark Johnson e Vijay Govindarajan, dois estudiosos da “engenharia frugal”, não poderiam discordar mais. “Temos visto as oportunidades do futuro em uma esquina de Bangalore, em uma cidadezinha no centro da Índia, em uma vila no Quênia – e elas não demandam empresas que abram mão de lucros”, escreveu Johnson. “Na superfície, nada poderia ser mais prosaico: uma lavanderia, uma geladeirinha, um serviço de transferência de dinheiro. Mas olhe de perto as empresas por trás dessas ofertas e você vai encontrar as fronteiras da inovação em modelos de negócios.” SE TAYLOR PLANTOU AS FUNDAÇÕES DA ORGANIZAÇÃO NO CHÃO DE FÁBRICA, DRUCKER ESCREVEU AS TÁBUAS DA LEI DOS ESCRITÓRIOS Multinacionais, em geral, olham para os mercados emergentes em busca de crescimento. Mas, ao tentar transplantar seus modelos domésticos para os países em desenvolvimento, acabam por pulverizar suas margens ou limitam-se a atingir o topo da pirâmide social, que não é grande o bastante para gerar o retorno esperado. Segundo Johnson, ao agir assim, empresas americanas e europeias deixam de enxergar uma oportunidade de ouro: classes médias

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ascendentes que dependem de soluções improvisadas para ter atendidas necessidades básicas, como refrigerar seus alimentos e lavar suas roupas, porque não podem pagar pelas geladeiras e lavadoras feitas para consumidores de renda mais alta. “Para explorar esse mercado, as empresas precisam identificar desejos insatisfeitos importantes, visualizar novos modelos de negócio para atendê-los de um modo rentável mas acessível e implementá-los cuidadosamente”, afirma. Govindarajan explica por que as empresas acham difícil executar ideias novas. Em geral, o sucesso de uma companhia depende de encontrar um bem ou serviço que possa oferecer com boa relação entre custo e benefício e produzi-lo com a máxima eficiência. “Ao tornar cada tarefa repetitiva e previsível, o core business da empresa obtém escala e gera muito dinheiro. Inovação é simplesmente o oposto disso”, disse o pesquisador indiano. Quase por definição, inovar é quebrar a rotina e lidar com o imprevisível. Logo, há uma oposição entre o que as companhias fazem para ganhar escala e o que precisam fazer para inovar. Para superar esse impasse, é preciso reconhecer a tensão inerente entre as equipes operacionais e os times de criação, saber que ao forçá-los a trabalhar em conjunto haverá conflitos e preparar-se para gerenciá-los. O caso da indiana Infosys – que desenvolveu uma área de consultoria altamente rentável sem prejudicar seu core business, que eram serviços de programação – revela três segredos para executar essa integração:* Ter o líder certo para a equipe de inovação – alguém humilde e disposto a suavizar os conflitos potenciais com a área operacional.* Colocar o time de inovadores diretamente abaixo da instância mais alta da empresa, em pé de igualdade com a área operacional.* Criar um sistema de incentivos que premie a área operacional para trabalhar com a equipe de inovação com empenho real. A CRISE FINANCEIRA DO FIM DA DÉCADA PASSADA E SEU IMPACTO SOBRE AS EMPRESAS PROVOCOU ALTAS E BAIXAS NA BOLSA DE GURUS DA GESTÃO “General Electric. DuPont. Procter & Gamble. Visa. Linux. O que as faz sobressair? Grandes produtos? Sim. Grandes equipes? Certamente. Grandes

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líderes? Costumeiramente”, escreve Gary Hamel. “Mas se você cavar mais fundo vai encontrar uma outra razão, mais importante, para seu sucesso: inovação em gestão.” Por décadas, o mundo da administração esteve parado no tempo. Salvo, talvez, por modestos avanços incrementais. “De fato, é interessante notar que muitas das maiores inovações em gestão (como a industrialização da pesquisa e desenvolvimento, a produção em massa, a descentralização, a administração de marcas e o fluxo de caixa descontado) ocorreram antes de 1930”, afirma Birkinshaw em The Critical Need to Reinvent Management (em livre tradução, “A necessidade crítica de reinventar a gestão”). No início do século passado, a GE aperfeiçoou aquela que Gary Hamel considera ser a invenção mais notável de Thomas Edison: o laboratório de pesquisa industrial. “A GE trouxe disciplina gerencial ao processo caótico de descobertas científicas e, durante os 50 anos seguintes, ganhou mais patentes do que qualquer outra empresa nos Estados Unidos”, afirma Hamel. A DuPont foi pioneira ao calcular o retorno sobre seus investimentos, já em 1903. Por sua vez, a P&G começou a formalizar suas práticas de gestão de marcas já no início dos anos 30 e criou boa parte de seu modelo de negócio tendo como base o que viria a ser chamado de ativos intangíveis. “A Visa, primeira companhia quase virtual do mundo, deve seu sucesso a uma inovação organizacional”, observa Hamel. “Quando os bancos fundadores da Visa formaram um consórcio nos Estados Unidos no início dos anos 70, abriram caminho para uma das marcas mais onipresentes do mundo.” O PENSADOR “O caminho do sucesso é estreito” Nesta entrevista, o americano Jim Collins discorre sobre a ascensão e queda das empresas – e o que fazer para evitar a derrocada por BRIAN REINKEN e KARENA STRELLA*

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Coautor do clássico Feitas para Durar, o americano Jim Collins é apontado como um dos mais destacados pensadores de gestão. Formado em matemática aplicada e administração de empresas em Stanford, lecionou na Escola Superior de Negócios da mesma universidade por vários anos. Em 1995, Collins voltou para Boulder, no Colorado, sua cidade natal, onde fundou o Laboratório de Pesquisas de Negócios. Desde então, fez amplos estudos investigativos sobre estruturas e processos corporativos, publicando os resultados de sua pesquisa em livros como Empresas Feitas para Vencer. Em sua obra mais recente, Como as Gigantes Caem, Collins investiga as razões pelas quais algumas empresas, antes portentosas, entram em declínio, evidenciando também os estágios desse processo e como seus líderes podem deter essa espiral descendente. >>> O senhor disse várias vezes que o sucesso nos negócios não é uma questão de circunstância, e sim o resultado de uma escolha e de uma disciplina conscientes. Essa avaliação ainda se aplica depois da crise e das turbulências recentes que mexeram com tanta gente?_Mais do que nunca. Uma das coisas que ficam bem claras em nosso trabalho é que não são as circunstâncias, mas sim as pessoas, que determinam os resultados. As circunstâncias são simplesmente o palco em que a empresa desempenha suas atividades. Como sabemos disso? Em nossos estudos, tudo o que fazemos é baseado em um processo rigoroso de correlação. Analisamos empresas que se encontravam em circunstâncias semelhantes, mas tiveram desfechos distintos. Isso se aplica praticamente a qualquer tipo de cenário que analisamos, inclusive cenários muito tumultuados. Na verdade, em ambientes assim, o que as pessoas fazem é ainda mais importante do que as circunstâncias existentes. >>> Mas todos sabemos de casos, inclusive de grandes empresas, que perdem a estabilidade, tropeçam e caem. Em seu livro Como as Gigantes Caem, o senhor apresenta cinco estágios de declínio por que passaram

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empresas antes poderosas._Os caminhos do fracasso são muito mais variados do que os do sucesso. O caminho da grandeza é, sem dúvida, muito mais estreito. Há certas coisas que uma empresa deve ter. São coisas que não garantem necessariamente que ela chegará ao nível mais elevado, mas se ela não as tiver, as chances de chegar lá em cima são pequenas. A verdade é que levou muito tempo para que chegássemos aos cinco estágios de declínio que você mencionou e que extraímos do volume imenso de dados que obtivemos. O primeiro ponto a destacar é que a maior parte das empresas não tem consciência de que está em declínio até que chega ao estágio de número quatro. O que assusta de verdade, nesses casos, é que a empresa e seus líderes estão um passo atrás do processo de declínio até o momento em que se torna óbvia a real situação de decadência da empresa. Ela continua com aparência sadia, embora esteja mortalmente enferma. O segundo ponto, que é também uma boa notícia, é que a empresa pode cair muito, e mesmo assim se recuperar. A Xerox é um bom exemplo disso, assim como a IBM e a Nordstrom. Temos exemplos assim ao longo da história: empresas que caíram, tropeçaram de verdade, mas se reergueram e voltaram a ser grandes. Portanto, a conclusão é a seguinte: se você ainda não chegou ao estágio cinco, ainda há esperança. >>> Poderia descrever sucintamente os cinco estágios?_O primeiro estágio é o da arrogância que nasce do sucesso. O segundo é o da busca indisciplinada por mais. O terceiro é a negação do risco e do perigo. No quarto estágio a empresa se debate em busca de salvação; e o estágio de número cinco, e final, é a capitulação à irrelevância ou a morte. O primeiro estágio se dá quando as pessoas acham que são bem-sucedidas e seu sucesso é merecido. Elas não questionam se seu êxito foi talvez um acidente ou fruto de uma circunstância feliz. Aos poucos, as pessoas vão perdendo de vista os fatores reais que as levaram ao sucesso, o que pode desviá-las daquilo que as capacitou para o êxito. Elas começam a achar, então, que como foram bem-sucedidas em uma coisa, serão também bem-sucedidas em outra. Podemos ainda negligenciar o que nos tornou bem-sucedidos ao mesmo tempo em que nos deixamos levar por novas aventuras mais emocionantes. O segundo estágio é decorrência natural do primeiro. É a busca indisciplinada por mais: crescimento exagerado; aquisições gigantescas que não combinam com aquilo em que a empresa pode, de fato, ser melhor, não combinam com seus valores ou com seu motor econômico. Essa percepção que a empresa tem de si mesma no estágio dois leva, invariavelmente, a apostas grandes e ousadas, e, se elas dão retorno, a empresa e seus líderes saem engrandecidos da empreitada. O problema é que ceder a apostas é colocar a empresa em risco. Se elas malogram, a empresa fica numa situação

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extremamente difícil. Isso nos leva para a parte das pessoas nessa equação. O sinal derradeiro da busca indisciplinada de crescimento surge quando a empresa deixa de reconhecer a lei de Packard: “Nenhuma empresa pode aumentar sua receita de forma constante mais rapidamente do que sua capacidade de contratar as pessoas certas em número suficiente para levar adiante esse crescimento”. Isto significa que se a empresa permitir que haja crescimento, receitas, aventuras, escala e mais uma porção de coisas eletrizantes, ela certamente excederá sua capacidade de ter as pessoas certas em posições-chave para pôr em andamento, e com brilhantismo, o crescimento. Esse é o caminho da decadência. >>> Qual a importância de se ter a pessoa certa na direção nesse estágio?_Embora eu veja com ceticismo o papel do líder, o estágio dois está de fato relacionado com a liderança, ou com os líderes certos nas posições de poder. Não creio que um líder apenas torne uma empresa grande, mas um único líder equivocado pode destruí-la. É possível implantar uma estratégia errada e se recuperar depois; deixar passar um avanço tecnológico, fazer uma aquisição ruim, e mesmo assim seguir em frente, mas quando se coloca no poder a pessoa errada, corrigir o rumo se torna uma tarefa muito mais árdua. >>> Mas, em seus livros, o senhor dá mais importância às equipes fortes do que aos líderes individuais fortes. _A questão não se esgota no líder, mas se estende a todos aqueles que são chamados para essa briga. Porque, ao final, todos devem se envolver. Trata-se da equipe que chamamos de nível cinco, isto é, de um grupo de pessoas dotadas de vontade, humildade e de competências extraordinárias para vencer. Quando se tem uma equipe de nível cinco no topo da organização e ela, por sua vez, cria equipes de nível cinco que se esparramam pela empresa, tem-se aí uma daquelas coisas difíceis de derrotar. Faz pouco tempo, tive a oportunidade de passar um tempo com os oficiais-generais do corpo de fuzileiros navais dos EUA, uma organização extremamente flexível em sua estrutura. O objetivo deles é criar líderes excepcionais, o que me levou a indagar qual seria o propósito do campo de treinamento: descobrir quem era o mais forte? Não, disseram, porque poderiam quebrar qualquer um, por mais forte que fosse. O objetivo era retirar aqueles que, em meio a situações realmente adversas, não se voltavam para ajudar seu companheiro. Gente que queria se dar bem sozinha não era aceita. É preciso, portanto, cultivar uma cultura em que as pessoas respondam à adversidade com uma atitude que, em meio às maiores dificuldades, não as leve a abandonar o parceiro. >>> Muitas empresas buscam um salvador ou um líder visionário de fora dos seus quadros, porém a sua pesquisa mostrou que, com frequência, é o sujeito de dentro da empresa quem salva o jogo. Qual a melhor maneira de descobrir o sucessor certo para o cargo de

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direção?_Vamos ser claros: evidentemente, é possível que o líder certo venha de fora da empresa. Historicamente, porém, as estatísticas mostram que, com frequência, eles vêm de dentro, embora esta seja uma tendência estatística mais do que uma regra rígida. A questão realmente crítica é a seguinte: “Quem é o líder certo?”, e não “De onde vem o líder?”. Os conselhos ficam sempre empolgados com a ideia de um salvador glamouroso e carismático. O líder certo, porém, não é necessariamente aquele que mais vai impressionar por sua personalidade externa, e sim o mais eficiente. Poderá ser alguém de dentro ou de fora. Nossos dados indicam que é, em geral, uma pessoa de dentro, e não de fora. Creio que é uma questão de valores: é muito difícil conseguir alguém de fora que tenha os valores corretos e que estejam alinhados com os da empresa. Também é difícil ter a habilidade empírica para avaliar as pessoas de fora e compará-las com as de dentro, porque o desempenho destas últimas pode ser contrastado com a cultura da empresa.

“AOS POUCOS, AS PESSOAS VÃO PERDENDO DE VISTA OS FATORES QUE AS LEVARAM AO SUCESSO” >>> Em seu próximo projeto, o senhor analisa o que é preciso suportar ou superar quando as coisas saem de controle. Já é possível nos contar alguma coisa a esse respeito?_ É um estudo que estou fazendo em parceria com meu colega Morten Hansen. Ele vai nos dar a comprovação final do conceito de que são as pessoas que criam grandeza, e não as circunstâncias. Para isso, escolhemos deliberadamente a gravidade da situação. Contrastamos empresas que apresentavam resultados excepcionais de forma sustentável com outras sem o mesmo sucesso, nos debruçamos sobre os ambientes mais descontrolados que pudemos encontrar e analisamos empresas expostas a eles. Este é o primeiro estudo em que pegamos as empresas no início, na fase de start up, analisamos seu comportamento nessa etapa de pequenas empresas e examinamos como foi que se tornaram grandes vencedoras. Escolhemos aquelas que eram minúsculas e vulneráveis, expostas ao ambiente do topo da montanha, onde não tinham a vantagem das grandes e poderosas. Suas concorrentes estavam todas na mesma montanha e algumas delas não sobreviveram. É mais do que evidente que as pessoas fazem a diferença, e não as circunstâncias. Vencer ou fracassar depende mais do que você faz com você mesmo do que aquilo que o mundo faz com você. Isto não significa que você esteja imune a tudo – não há garantias na vida –, mas suas chances são melhores. Para mim, trata-se de um resultado excepcional. Porque por mais assustador e imprevisível que seja o mundo, hoje me sinto muito mais tranquilo do que antes para lidar com ele. *Consultores da Egon Zhender International em Dallas e São Francisco ©The Focus

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Quase todas essas inovações em gestão são herdeiras da administração científica proposta por Frederick Taylor, o pai de todos os gurus de gestão. Mesmo o maior de todos eles, Peter Drucker, falava do antecessor com reverência. “No início do século 20, sindicatos eram monopólios de ofícios (...) A afirmação de Taylor de que o trabalho podia ser estudado, analisado e dividido em uma série de movimentos repetidos simples era um ataque frontal aos sindicatos”, disse Drucker. “Ele também era acintosamente hostil aos proprietários, chamando-os de ‘porcos’. Defendia que a autoridade na fábrica não advinha da propriedade, mas do conhecimento superior, o que chamaríamos hoje de ‘administração profissional’.” Se Taylor plantou as fundações da organização no chão de fábrica, o próprio Drucker escreveu as tábuas da lei dos escritórios. Tom Peters, outro dos grandes gurus de negócios do século 20, tem uma definição precisa de sua relevância: “Antes de Drucker, a verdadeira disciplina da gestão ainda não existia”. Judeu austríaco, nascido em 1909, Drucker formou-se em direito mas, de cara, foi trabalhar como economista na City londrina. E por lá teria ficado, se não fosse pela Grande Depressão, que devastou as finanças internacionais. Desempregado, mudou-se para os Estados Unidos em 1937. Sem um tostão. O emprego que conseguiu foi o de professor de filosofia, em uma faculdade de Vermont. Quase sem querer, seu trabalho derivou para o mundo da administração. Ao se dar conta da carência de literatura sobre gestão de empresas, Drucker impôs-se o objetivo de investigar o assunto e criar uma Teoria das Organizações. “Tentei pesquisar o funcionamento de grandes companhias, mas nenhuma permitiu que eu estudasse sua estrutura e seus processos internos”, escreveu. Foi assim por alguns anos, até que certo dia, em 1941, Drucker recebeu um telefonema de Paul Garrett, então vice-presidente da General Motors, perguntando se ele estaria interessado em produzir um estudo sobre a alta administração da empresa. Na GM, tomou contato com o que havia então de mais avançado em gestão pelas mãos do lendário presidente da empresa, Alfred Sloan, o homem que, ao reestruturar a montadora, em 1924, criou as bases para a administração de grandes corporações. Espartano e solitário, Sloan vivia na empresa. Literalmente. Morava em um pequeno dormitório, com escassa mobília e uma cama de solteiro, na sede da companhia, em Detroit. Sloan ensinou a Drucker tudo o que sabia sobre descentralização – o processo de delegar decisões aos profissionais que efetivamente executam o trabalho. “Não é só uma simples técnica de administração, mas o esboço de uma ordem social”, dizia ele. Drucker revelou mais tarde que boa parte da autonomia pregada por Sloan não saía do papel. E passou, ele próprio, a advogar a descentralização e o empowerment das lideranças de todos os níveis. Humanista, queria dar voz ativa aos trabalhadores nas decisões referentes ao trabalho. Lançado em 1946, muito à frente de seu tempo, seu livro sobre a GM, Concept of the Corporation, foi visto como um (inaceitável) manifesto a favor dos empregados. Sloan odiou o trabalho e o repudiou publicamente. Mas, por ironia, o livro foi um sucesso instantâneo entre gestores no Japão e, involuntariamente, tornou-se uma inspiração para uma futura rival de morte da GM, a Toyota. Ficou famosa uma conversa em que Atsuo Ueda, um especialista em

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práticas de administração de Peter Drucker, disse a Masatomo Tanaka, que era responsável por ensinar o cultuado sistema de produção da montadora japonesa: “A Toyota opera exatamente do modo como Drucker-san disse que uma companhia deveria operar”. E Tanaka respondeu: “Sim, quando temos dificuldade em explicar o que estamos fazendo, normalmente encontramos uma boa explicação em um dos livros dele”.

INOVAÇÃO REQUER UM GRAU DE FRICÇÃO: TRAZER GENTE DE FORA E MISTURAR PESSOAS DE DIFERENTES UNIDADES DE NEGÓCIOS E GEOGRAFIAS Nos Estados Unidos, porém, Drucker foi esnobado por muito tempo. Tanto a Harvard Business School quanto Stanford recusaram-se a incluir Concept of the Corporation em seus currículos. Tampouco convidaram seu autor a lecionar nelas. O que não foi, exatamente, um problema. Drucker gostava mesmo era de escrever livros e prestar consultoria. “Ficou muito claro que eu não pertencia àquele ambiente”, disse ele, referindo-se ao mundo acadêmico. Percorrer as contribuições de Drucker à administração de empresas é caminhar pelo arcabouço teórico de boa parte das realizações empresariais do século 20. Já em 1959, ele cunhou o termo knowledge worker (trabalhador do conhecimento), e afirmou: “O fato de o conhecimento ter-se tornado não apenas um, mas ‘o’ recurso é o que faz da nossa uma sociedade pós-capitalista”. Nos anos seguintes, Drucker preparou o terreno para o século 21. Entre outros motivos, por ter inserido o tema “inovação” nas cartilhas corporativas. “Inovação é a função específica do empreendedorismo, seja em uma empresa já existente, em uma instituição de serviços públicos ou em um negócio novo iniciado por um indivíduo solitário na cozinha da família”, escreveu Drucker em The Discipline of Innovation, de 1985. Essa ideia permeou a gestão nas duas décadas seguintes e, tudo indica, seguirá influente por mais algumas. Nos anos 90, enquanto só se falava de qualidade total e reengenharia, ideias novas estavam em gestação. Quase todas em busca de uma gestão mais voltada à inovação. Inovação aberta e inovação como modelo de negócio foram – e ainda são – temas caros a Gary Hamel. Assim como a necessidade de aprender a lidar com o imprevisível. Edgar Schein, autor de The Corporate Culture Survival Guide (“O guia de sobrevivência da cultura corporativa”), introduziu no debate o tema vital das culturas corporativas. Sustentabilidade passou a ser assunto de executivos depois da publicação de The Big Idea: Creating Shared Value (“A grande ideia: criando valor compartilhado”, em livre tradução), de Michael Porter. E a estratégia? Não faltaram estudiosos de vanguarda nesse campo, entre eles Phil Rosenzweig, um professor da escola de negócios IMD, na Suíça, que tornou-se expoente do movimento antimitos de gestão. Rosenzweig é o autor de The Halo Effect (“O efeito aura”), considerado uns dos melhores lançamentos de 2007 pelos jornais Financial Times e Wall Street Journal. No Brasil, o livro foi lançado pela Editora Globo, com o selo Época NEGÓCIOS e o título Derrubando Mitos – Como Evitar os Nove Equívocos Básicos no Mundo dos Negócios.

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A crise financeira global do fim da década passada e seu impacto sobre as empresas provocou altas e baixas na bolsa de cérebros e apostas na gurulândia sobre o futuro dos novos pensadores que estão no radar. Confira, a seguir, quem são os gurus que vão fazer a cabeça de acadêmicos e gestores nos negócios do restante do século 21.

Candidatos a novo Drucker Anote esses nomes. Um deles pode guardar o segredo do futuro da gestão de empresas

1. Freek Vermeulen Professor da London Business School, é especialista em crescimento e estudioso de inovação, estratégia internacional e do papel das aquisições e alianças na expansão empresarial. Vermeulen é autor do livro Business Exposed: The Naked Truth About What Really Goes on in the World of Business (“Negócios devassados: a verdade nua e crua sobre o que realmente acontece no mundo dos negócios”, em livre tradução).

2. Srikumar Rao Ex-executivo da Warner, Rao criou um badalado curso de MBA que se propõe a ensinar os alunos a descobrir o propósito de suas vidas e de seu trabalho. Depois disso, tornou-se assessor de altos executivos em busca de criatividade e engajamento. Seu último livro chama-se Happiness at Work (“Felicidade trabalhando”).

3. Alf Rehn Este pensador de negócios finlandês é, definitivamente, um iconoclasta. Para ele, vivemos num mundo pós-original, no qual não há nada de novo sob o sol, e os suprimentos de originalidade estão acabando. “As empresas ainda pensam em termos de produtos e serviços. Investem milhões em inovação para seus produtos e serviços”, escreveu ele. “Elas entenderam

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errado. Não precisamos de mais, precisamos de melhor.”

4. Monika Hamori Húngara, ex-aluna de Wharton, hoje baseada na espanhola IE, Monika se notabilizou por estudos sobre carreiras com enormes volumes de dados – mais de 10 mil altos gerentes em um de seus projetos. Sua virtude é processar essas informações até extrair delas respostas a questões fundamentais como “qual é o modo mais rápido de chegar ao topo?”.

5. David Bach Cidadão do mundo, Bach cresceu na Alemanha e mudou-se para os Estados Unidos para estudar em Yale e em Berkeley. Trabalhou na McKinsey e na Global Business Network e hoje é professor da escola de negócios espanhola IE. É um expert em uma disciplina emergente: estratégias de não marketing. Ele estuda o lobby e as artimanhas de que as empresas hoje têm de lançar mão para expandir sua presença no mercado.

6. Linda Scott Professora de marketing em Oxford, Linda criou o conceito de Economia Duplo-X. “É uma complexa rede de atividades econômicas que liga mulheres em nações desenvolvidas e em desenvolvimento e as une em torno de uma causa comum”, explica. O Duplo-X é uma homenagem à marca cromossômica das mulheres, duas cópias do cromossomo “xis”.

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7. Syd Finkelstein Professor da universidade Tuck, Finkelstein já publicou 11 livros, entre eles o best-seller Why Smart Executives Fail (“Por que executivos espertos fracassam”). Baseado em um estudo de seis anos com 51 empresas e 200 entrevistas com líderes de negócios, o livro identifica as razões dos erros mais graves dos gestores, os alertas que mostram que as coisas estão dando errado e maneiras de aprender com os equívocos.

8. Roger Martin Atual reitor da Escola de Negócios Rotman, no Canadá, Martin foi diretor da Monitor Company, uma consultoria em estratégia global em Cambridge, Massachusetts. Teórico de uma linha de pensamento que põe o design no centro da estratégia empresarial, é autor de The Design of Business (“O design dos negócios”).

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9. Nirmalya Kumar Professor de marketing da London Business School, Kumar é discípulo direto de Philip Kotler. Seu trabalho mais recente, India’s Global Powerhouses (“Potências globais indianas”, em tradução aproximada), contextualiza, para leitores ocidentais, as sutilezas do pensamento de consumidores, concorrentes e colaboradores da Índia.

10. Kai-Fu Lee Nascido em Taiwan, criado e educado no Tennessee, Lee comandou o Google na China até setembro de 2009. Seu negócio hoje é um fundo de venture capital chamado Innovation Works, que pretende ajudar a estabelecer negócios relacionados à internet na China. Seu blog pessoal é popular entre os chineses interessados em tecnologia, e ele também mantém um site para ajudar jovens de seu país a fazer carreira em TI. Colaborou Álvaro Oppermann