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Aluno: Tiago Melo Gonçalves. Série: 1º ano. Turma: Comunicação Visual. Sobrevoando a maravilhosa cidade cheia de praias, árvores e pessoas. Como é bom estar de volta à Salvador. Agora sim, me considero uma pessoa com uma boa vida, sem sofrimento e humilhação. Nunca pensei em pousar no heliporto da minha casa com o meu helicóptero. Mariana, minha esposa, com minha filha no colo me pergunta se eu me lembro do começo. Ah, como eu poderia esquecer? Como dizia minha falecida avó: nunca esquecemos do que sofremos. Não, eu não estou querendo me fazer de coitado, mas eu sempre tive uma vida muito sofrida, o meu passado mesmo... Nasci numa família em que as panelas criavam teia de aranha, difícil era ter comida nelas. Vivia fazendo favor aos vizinhos em troca de um pão duro. Morava perto de uma estrada esburacada e um dia ouvi uma grande zoada perto do meu barraco, foi no dia 12, não sei que mês, tinha 16 anos, uma carreta que transportava um doce de caramelo estava caída, virada, cheia de doce no chão molhado da chuva. Corri, a fome batia, queria os caramelos. Mal sabia que minha vida iria mudar a partir daquele dia. Disputei quase a tapas os caramelos, segurava umas cinco caixas, e vários na minha camisa furada e suja. Levei-os a minha casa, joguei no chão de terra batida, não tinha mesa. Voltei correndo pra pegar mais, escondido e com medo da polícia que já estava no local, catava algumas sobras do doce. No dia seguinte minha mãe me obrigou a vender aqueles caramelos nos ônibus da cidade. Quase retruquei, não queria vender, queria me deliciar com os doces, mas obedeci. Logo vendia com frase pronta: “Um é vinte, dois é quarenta, e três é cinqüenta”. Com o dinheiro do caramelo comecei a comprar mais doces e vender mais e mais. Sempre estudei, meu sonho era sair daquele sofrimento, estudava muito, pela noite, pois pela manhã e a tarde vendia meus doces, minha escola era feia e quase não tinha aula, mas sempre pegava os livros para ler e me deliciar com a literatura, como é bom estudar! Foi na minha escola que conheci a Mariana, morena alta e muito bonita. Eu com 18 anos na oitava série e ela com 17 na mesma sala. Começamos a namorar, morávamos perto um do outro. Me apaixonei, aquela era a mulher da minha vida! Ela foi para a Capital do estado. Minha Mariana tinha que ir pra casa da tia em Salvador e com minhas economias dos doces, eu

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Page 1: Tiago Melo. 1cv1

Aluno: Tiago Melo Gonçalves.Série: 1º ano.Turma: Comunicação Visual.

Sobrevoando a maravilhosa cidade cheia de praias, árvores e pessoas. Como é bom estar de volta à Salvador. Agora sim, me considero uma pessoa com uma boa vida, sem sofrimento e humilhação. Nunca pensei em pousar no heliporto da minha casa com o meu helicóptero. Mariana, minha esposa, com minha filha no colo me pergunta se eu me lembro do começo.

Ah, como eu poderia esquecer? Como dizia minha falecida avó: nunca esquecemos do que sofremos. Não, eu não estou querendo me fazer de coitado, mas eu sempre tive uma vida muito sofrida, o meu passado mesmo... Nasci numa família em que as panelas criavam teia de aranha, difícil era ter comida nelas. Vivia fazendo favor aos vizinhos em troca de um pão duro. Morava perto de uma estrada esburacada e um dia ouvi uma grande zoada perto do meu barraco, foi no dia 12, não sei que mês, tinha 16 anos, uma carreta que transportava um doce de caramelo estava caída, virada, cheia de doce no chão molhado da chuva. Corri, a fome batia, queria os caramelos. Mal sabia que minha vida iria mudar a partir daquele dia.

Disputei quase a tapas os caramelos, segurava umas cinco caixas, e vários na minha camisa furada e suja. Levei-os a minha casa, joguei no chão de terra batida, não tinha mesa. Voltei correndo pra pegar mais, escondido e com medo da polícia que já estava no local, catava algumas sobras do doce. No dia seguinte minha mãe me obrigou a vender aqueles caramelos nos ônibus da cidade. Quase retruquei, não queria vender, queria me deliciar com os doces, mas obedeci. Logo vendia com frase pronta: “Um é vinte, dois é quarenta, e três é cinqüenta”. Com o dinheiro do caramelo comecei a comprar mais doces e vender mais e mais.

Sempre estudei, meu sonho era sair daquele sofrimento, estudava muito, pela noite, pois pela manhã e a tarde vendia meus doces, minha escola era feia e quase não tinha aula, mas sempre pegava os livros para ler e me deliciar com a literatura, como é bom estudar! Foi na minha escola que conheci a Mariana, morena alta e muito bonita. Eu com 18 anos na oitava série e ela com 17 na mesma sala. Começamos a namorar, morávamos perto um do outro. Me apaixonei, aquela era a mulher da minha vida!

Ela foi para a Capital do estado. Minha Mariana tinha que ir pra casa da tia em Salvador e com minhas economias dos doces, eu fui também, junto com ela e contra meus pais. Mas fui muito feliz, não estava acostumado com aquela cidade, tantos carros e prédios grandes, tanta gente... Foi lá, que fiquei sabendo de um vestibular para uma escola técnica, que hoje se chama IFBA, e fiz o vestibular, tirei dez na redação. Já no primeiro ano na escola técnica, comecei a estagiar numa fábrica, e ganhei meu primeiro salário certo. Até que fim, não dependia mais da família da Mariana.

Formei-me e fui contratado pela empresa, trabalhava muito, sem descanso, para mim não existia folga. Chegava cansado em casa. Fui promovido várias vezes, mudei minha vida, e hoje sou sócio da fábrica de pneus que é uma indústria famosa. Estava na Espanha numa reunião, aproveitei e levei a Mariana para fazer uns exames lá, morrendo de saudades da minha filha, minha linda Maria recém nascida que estava com minha mãe na nova casa que dei pra ela em Salvador.

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Agora pousando no heliporto, ansioso para ver minha filha e minha mãe. Emociono-me e digo a Mariana:

- Como poderia esquecer do meu passado?