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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE EDUCAÇÃO COMISSÃO PASTORAL DA TERRA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CAMPONESA PRÁTICAS EDUCATIVAS EM ALTERNÂNCIA: Valorização ou não do modo de vida camponês (TCC) Denize Monteiro De Lima Goiânia, 2010

Práticas educativas em alternância de denize monteiro de lima

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Denize Monteiro de Lima é agricultora, moradora de Cerejeiras do Oeste, apresenta o seu trabalho (TCC) realizado no Curso de Especialização em Educação e Diversidade Camponesa "PRÁCTICAS EDUCATIVAS EM ALTERNÂNCIA", "Valorização ou não do modo de vida camponês". O Curso foi organizado pela Comissão Pastoral da Terra junto com a Universidade Federal de Goiás - Faculdade de Educação. Programa de Post Graduação em Educação.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CAMPONESA

PRÁTICAS EDUCATIVAS EM ALTERNÂNCIA:

Valorização ou não do modo de vida camponês

(TCC)

Denize Monteiro De Lima

Goiânia, 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CAMPONESA

PRÁTICAS EDUCATIVAS EM ALTERNÂNCIA:

Valorização ou não do modo de vida camponês

(TCC)

Trabalho apresentado à CPT e FE/UFG como parte dos requisitos para a conclusão do curso Educação e Diversidade Camponesa.

Orientador: Prof. Dr. Jadir de Morais Pessoa

Denize Monteiro De Lima

Goiânia, 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CAMPONESA

Monografia apresentada e avaliada pela banca examinadora em _____ / _____ / _____, como

o requisito para obtenção do título de Extensão em Educação e Diversidade Camponesa pela

Faculdade de Educação– UFG.

____________________________________

Orientador: Prof. Dr. Jadir de Morais Pessoa

____________________________________

Debatedor:

Denize Monteiro De Lima

Goiânia, 2010

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Dedico este trabalho ao meu esposo Aparecido, pelo

amor, respeito e compreensão nesta caminhada.

Dedico também aos camponeses que acreditam e

lutam pela valorização do seu modo de vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida.

À minha família sempre tão amorosa e por sua compreensão no decorrer desta trajetória.

À Comissão Pastoral da Terra pela oportunidade que me concedeu de realizar este curso.

A João Damásio e demais amigos/as que, nesta caminhada, ouviram com paciência meus desabafos e com carinho me animaram.

A meu orientador Professor Jadir Pessoa pelo carinho, dedicação, compreensão que, de forma imensurável, conduziu este trabalho que tanto ajudou para o meu crescimento, compreensão e valorização da minha própria identidade.

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Sumário

Introdução 7

1. Modos de vida camponesa 10

1.1 A vida social camponesa 11

1.2 Mundo econômico camponês 13

1.3 O camponês e a política 16

1.4 Religiosidade camponesa 18

2. Pedagogia da Alternância 23

2.1 Conceituação da EFA 25

2.2 Pedagogia da Alternância: uma proposta inovadora 28

2.3 Instrumentos Pedagógicos 32

3. Contribuição da Pedagogia da Alternância no modo de vida camponês 40

3.1 Um olhar de fora para dentro do ensino aprendizagem da EFA 41

3.2 Teoria e prática: aprendendo e ensinando 43

3.3 Desafios da alternância na formação para o meio 46

Considerações Finais 50

Referências 53

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda o modo de vida camponês, a Escola Família Agrícola

(EFA), com sua prática pedagógica denominada Pedagogia da Alternância e seus

instrumentos metodológicos, analisando sua contribuição na vida dos trabalhadores rurais.

A partir do meu trabalho voluntário na Comissão Pastoral da Terra (CPT), em uma

conversa com um pai de aluno da EFA tive conhecimento de sua existência e me interessei

pelo trabalho realizado na escola, especialmente por sua metodologia. Vendo e vivendo a

realidade dos camponeses busquei conhecer esta prática educativa desenvolvida pela EFA,

com o objetivo de verificar se de fato esta metodologia de educação escolar de populações

rurais contribui para a preservação do modo de vida camponês.

O modo de produção capitalista, como espero poder explicitar, dificulta a

reprodução camponesa. Apesar disso, dentro do seu espaço, trabalhadores e trabalhadoras

rurais tentam manter suas tradições, através da produção, das festas, do jeito simples e

humilde de cultivar o seu modo de vida e de trabalho, valorizando a vida no campo com

qualidades e potencialidades; fortalecendo sua identidade para que não percam suas raízes.

Oliveira (2001), falando do profundo respeito que se deve ter para com a força da tradição nos

estudos camponeses, diz que “[...] quando o mundo camponês é ameaçado pela sociedade

mais ampla, o que está realmente em jogo é a sua própria existência”, existência esta sempre

dificultada pelo êxodo rural, pela falta de assistência – médico-hospitalar, produtiva,

habitacional etc. –, pela falta de políticas públicas que deem condição para que o camponês

possa permanecer na terra. Em meio à luta pela manutenção de suas condições de existência,

os camponeses buscam também uma educação diferenciada, que possa contribuir na sua

reprodução, garantindo uma vida digna e que os jovens não se deixem pressionar pelas

atrações da cidade. É que hoje muitos deles até têm vergonha de ser camponeses.

Essa educação diferenciada é o que a EFA pretende desenvolver, ou seja, pretende

ter um papel fundamental no contexto social onde estão implantadas suas atividades, sempre

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voltadas para a valorização do campo, respeitando o conhecimento existente no meio e

formando jovens verdadeiramente atores no processo de desenvolvimento do meio local, mas

também global.

A Pedagogia da Alternância é para que o jovem tenha a possibilidade de vivenciar,

num processo alternado, a vida familiar e escolar, e é neste processo alternado que ocorre toda

a realização educativa, pois “A própria vida do campo é um processo de educação. Toda a

realidade se apresentava como processo educativo. Tudo se aprende e tudo se ensina”

(NASCIMENTO, 2007, p. 183). Não é um saber livresco, com lousa, giz, professor/a ou

estrutura em prédio, é um saber cotidiano situado e relacional. “Tudo o que é importante para

a comunidade, e existe como algum tipo de saber, existe também como algum modo de

ensinar” (Brandão, Apud PESSOA, 2007, p. 33).

A Pedagogia da Alternância é uma proposta educacional que respeita, valoriza a

pessoa e o meio onde se vive, com seus costumes, tradições, e esta proposta educativa procura

relacionar o processo de formação escolar com as atividades na propriedade rural, ou seja,

construir o conhecimento do jovem, interagindo escola-familia-comunidade. E é justamente

isso que buscam os trabalhadores rurais que procuram uma EFA, pois querem uma formação

que reforça o modo de vida camponesa, na permanência dos filhos no campo dando

continuidade à sua reprodução.

A EFA escolhida para este estudo é a EFA Pe. Ezequiel Ramin, localizada na linha

10, km 04, no município de Cacoal no estado de Rondônia. Ela foi fundada em 1989 por

Movimentos Sociais, CPT, CEBs, Paróquia de Cacoal, Associações e por pais agricultores

que queriam que os filhos pudessem prosseguir os estudos, já que não tinham condição de

mantê-los numa escola convencional, e queriam um estudo voltado para a realidade do campo

para continuarem com o vinculo com a terra. A Escola desenvolve o Ensino Fundamental e

Ensino Médio. No procedimento do trabalho de pesquisa, em visita à escola, conversei com

alternantes, pais, diretores, monitores, acompanhando as atividades desenvolvidas na Escola,

observando a metodologia por ela adotada.

No referencial teórico ressalto principalmente Pessoa (2005; 2007) e Gimonet

(2007), para a análise dos materiais e dos instrumentos pedagógicos de alunos, disponíveis na

EFA pesquisada.

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Vale explicar também que quando me refiro a camponês, camponeses,

trabalhadores rurais e filhos de camponeses estou tratando de uma categoria social que

comporta homens e mulheres e não apenas de um sujeito social do sexo masculino. Assinalar,

a cada vez que esses termos aparecem, os gêneros masculino e feminino, como impõe o

modismo atual, não apenas faria o texto perder essa força política – uma categoria social

buscando se reproduzir e preservar seu modo de vida – como tornaria também o texto muito

engessado. Preferi não fazer isso.

O capítulo primeiro aborda os modos de vida camponesa dentro do contexto

social, político, econômico e religioso. Diante das mudanças, com o avanço da tecnologia, o

campo passa por umas transformações, porém, o camponês tenta, em meio a essas

modificações, preservar o seu modo de vida e de trabalho, ao viver a sociabilidade em meio à

sua comunidade, na sua forma de produção diversificada, na sua maneira de festejar,

cultivando suas tradições e também incorporando novas formas de festividade urbano/rural,

na sua vida política, buscando alternativas de melhoras que deem condições para a

permanência na terra.

O segundo capítulo apresenta uma EFA que surgiu para atender às necessidades do

meio rural, com sua metodologia voltada para a realidade local. A pedagogia por ela

empregada, denominada Pedagogia Alternância busca conciliar estudo-trabalho,

possibilitando que o aluno aprenda novas técnicas que possam ser úteis para atividade e os

instrumentos pedagógicos adotados pela escola no processo de formação.

O terceiro capítulo apresenta a pesquisa de campo realizada na EFA Pe. Ezequiel

Ramin e a análise da contribuição da Pedagogia da Alternância nos modo de vida camponês.

Todo processo de formação nos faz pensar, questionar, rever as próprias idéias.

Este trabalho veio reforçar minha própria identidade, fazendo compreender melhor e valorizar

minha vida de camponesa, minhas tradições, meus costumes e modo de falar. A EFA, a cada

dia luta pela formação integral – família/comunidade – do alternante, para o crescimento do

conhecimento do seu meio, contribuindo na dimensão política, social, econômica e cultural da

vida camponesa.

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Capítulo I

Modo de vida camponês

Desde a época da colonização do Brasil pelos Portugueses em 1500, a forma como

se deu a distribuição da terra foi a mais equivocada possível, gerando assim o Grande

Latifúndio sem limites, que vigora até os dias de hoje. As Capitanias Hereditárias, entregues

aos primeiros colonizadores portugueses, geraram o que chamamos de acúmulo

desnecessário, concentração. Essa idéia de quanto mais, melhor, ganhou força e persiste até os

dias atuais. Só assim entendemos o porquê de não termos tido ainda uma reforma agrária

descente. Em seu lugar, destruição das comunidades locais, trabalho escravo forçado e o pior,

o extermínio das tribos indígenas existentes, quando estas não atendiam o chamado dos

“seus” patrões. É por isso que os filhos dos camponeses vivem lutando por um pedaço de

terra para tirarem dela o seu sustento. Não estamos falando do sistema de produção da época,

o das Sesmarias, de acordo com o qual, parte da produção ia para o colonizador, o que não é

nada diferente nos dias atuais.

Falar de questão agrária significa falar dos conflitos relativos à propriedade da terra, mas também, de todo um conjunto de problemas que envolvem tanto a dinâmica da produção agropecuária quanto os movimentos de resistência, concebidos como inerentes às relações capitalistas de produção (PESSOA, 2007, p. 17).

E, desde os anos 1940, a questão agrária continua não sendo levada a sério pelo

Estado brasileiro. Os camponeses buscam na reforma agrária a posse e o direito de plantar e

colher, no intuito de se ter uma vida abundante, garantindo assim sua base alimentar (arroz,

feijão, milho, abóbora, porco, galinha), seus costumes (jeito simples de ser) e suas tradições

(festas juninas, de Santos Reis etc.). O Estado responde, no máximo, com arremedos de

política agrícola.

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A luta dos camponeses tem como desejo um pedaço de terra, pois, o intuito é o de

melhorias na qualidade de vida de toda a família; o direito à posse da terra para que tenha

condições de moradia e cultivo, um modo de vida e de trabalho digno. “A moradia (casa-

domícilio-família) é a base da organização do trabalho e da produção, é através dela que se dá

o direito à terra” (OLIVEIRA, 2001), sendo que a terra de cultivo e morada visa à valorização

do trabalho e o modo de vida camponês, buscando autonomia que é uma objeção ao mercado

capitalista que quer (tem) o controle da produção camponesa.

1.1 A Vida Social Camponesa

É costume se ouvir por aí em canções, versos e até poesias, algo sobre a vida

camponesa, sobre o seu jeito simples de viver, mas só quem fizer a experiência de estar no

dia-a-dia para pode entender como se dá esta vida em seu contexto social, religioso, político e

cultural. O modo de vida camponês está no seu jeito de viver, nos hábitos alimentares, nos

inúmeros pratos típicos, troca e empréstimo de ferramenta e de sementes de produção; está no

lazer, nas brincadeiras, esportes e danças; está nas tradições das festas religiosas e populares,

festa de aniversario, na mística, tudo isso é a expressão do seu viver que manifesta no seu

cotidiano.

A comunidade camponesa é fundamental para a sociabilidade, pois é o lugar onde

que se conhece e se aprende a liberdade, responsabilidade e diálogo.

A comunidade camponesa é um elemento central no modo de vida camponês. Destruir suas comunidades é destruí-lo por inteiro. Na comunidade há o espaço da festa, do jogo, da religiosidade, do esporte, da organização, da solução dos conflitos, das expressões culturais, das datas significativas, do aprendizado comum, da troca de experiências, da expressão da diversidade, da política e da gestão do poder, da celebração da vida (aniversários) e da convivência com a morte (ritualidade dos funerais). Tudo adquire significado e todos têm importância na comunidade camponesa (GÖRGEN, 2005, p. 13).

No dia-a-dia da comunidade o camponês expressa com liberdade o seu modo de

vida, seu modo de falar, seus costumes, hábitos, fortalecendo suas raízes culturais. A

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sociabilidade camponesa acontece na família com o partilhar das alegrias e das tristezas, dos

projetos, dos sonhos a serem conquistados, e se estende na vida da comunidade por meio das

festas tradicionais, religiosas e não religiosas, nas quais se cria, além de um espaço festivo,

também um espaço de partilha da vida, praticamente em todos os aspectos, especialmente no

compadrio, pelo qual se fortalecem os vínculos do ser camponês: a festa de aniversário, a

visita informal a um vizinho para se contar causos, falar da vida do campo e até mesmo fazer

um pequeno negócio, como a compra de um porquinho, vaquinha, um balaio de milho; falar

dos acontecimentos cotidianos, dos sonhos, inseguranças e esperança no futuro e assim por

diante. E esta mesma amizade entre vizinhos e compadres é aprendida e fortalecida pela

criançada. No campo de futebol famílias de diversas comunidades se encontram, formando

quase que uma só. É evidente que tudo isso tem sofrido mudanças com a chegada das

tecnologias de comunicação, especialmente a televisão, dificultando estas práticas e

interferindo nos hábitos e costumes.

Mas nem tudo se desfez por completo. Não é mais muito freqüente nos dias de

hoje, mas ainda se fazem presentes na vida dos camponeses, os mutirões, tanto para carpir a

roça, para a plantação e colheita da lavoura, como também para a construção de uma casa, de

uma cerca, para matar um boi, porco, fazer pamonha etc., e, no fim do dia de trabalho, o

cansaço se confunde com a alegria da festa. E, por incrível que pareça, até mesmo em um

velório, que apesar da dor, o sentimento de respeito pelos familiares cria a solidariedade no

momento de perda. Todos estão prontos para ajudar no que for possível. Neste universo social

se pode ver o exercício de importantes ofícios, como: do castrador de animal, da benzedeira,

do ferreiro, do contador de causo, do embaixador de folia de reis, do berranteiro, do sapateiro

etc., a serviço da comunidade. Para o educador Miguel Arroyo (Apud PESSOA, 2005, p. 59),

Os ofícios se referem a um coletivo de trabalhadores qualificados, os mestres de um ofício que só eles sabem fazer, que lhes pertence, porque aprenderam seus segredos, seus saberes e suas artes. Uma identidade respeitada, reconhecida socialmente, de traços bem definidos. Os mestres de ofício carregam o orgulho de sua maestria.

O ofício não tem um manual, uma fórmula. O aprendizado acontece através do

olhar atento de quem o acompanha. O exercício de um ofício é também o resultado de um

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processo de ensinar e aprender mediante as ações desejadas e a reprodução dos sujeitos

sociais no tempo.

O exercício de um ofício ou a sua demanda pelos vizinhos possibilita também a

sociaciabilidade dos sujeitos no mundo camponês, onde se relacionam, interagem, buscando

tanto a solução dos seus problemas quanto a “folga” – o lazer, o descanso, a festa – fazendo

acontecer o fortalecimento da comunidade local, apesar das dificuldades no dia-a-dia. Nesse

jeito simples e humilde de se relacionarem, os sujeitos camponeses fortalecem sua identidade.

1.2 Mundo Econômico Camponês

Devido à concentração de riquezas nas mãos de grandes grupos econômicos e à

chegada da mecanização, da industrialização, do uso das sementes híbridas, dos agrotóxicos,

dos adubos químicos, intensificou-se o processo de mudanças de hábitos das pessoas

praticantes de uma agricultura voltada para o cuidado com a terra, sem afetar de forma tão

drástica o meio ambiente, quando utilizavam-se sementes crioulas. Assim sendo, a

monocultura vem gradativamente destruindo o meio ambiente e, ao mesmo tempo, levando os

camponeses a modificarem seus modos de vida e de trabalho, seus costumes, seus valores,

seus hábitos, suas tradições. Com a ideologia do mercado, da industrialização, o “progresso”

levou fortemente ao êxodo rural, e com ele veio o enfraquecimento das comunidades

camponesas.

Com o avanço do sistema capitalista e as novas tecnologias produtivas, as

comunidades camponesas passaram por um processo de modificação, a prática de se ir para a

roça levando instrumentos de pesca ou de caça, que era uma forma de se integrar trabalho e

lazer, ficou esquecida. Para Antônio Cândido (1979, p.174), “Caça sobretudo é defesa das

roças e divertimento praticado nas horas vagas; acessoriamente, complemento da dieta. A

nova escala de valores, pautada pelo contacto com os padrões urbanos, dissociou-a do

trabalho.”

E os camponeses, embora com dificuldades, procuram adaptar-se às novas formas

de vida e de trabalho. Nem sempre necessitam de uma quantidade grande de terra para viver e

sobreviver. Podemos dizer que isso é um dos elementos que os distinguem do latifúndário,

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mesmo porque não se produz apenas pensando no mercado. Pelo contrario, a razão principal

de uma produção camponesa é o sustento familiar; a menos que esteja em débito com

agências financiadoras, como por exemplo, financiamento feito junto a bancos no intuito de

melhorar suas condições de trabalho. O que não pode faltar na comunidade camponesa é a

vida coletiva, na qual desenvolvem suas atividades.

Enquanto a empresa capitalista age visando ao crescimento na produção, levando

em conta o “valor de troca”, o camponês pensa na terra e na produção como “valor de uso”

(IANNI, 1988, p. 106), pensa no significado das coisas, dos elementos que compõem seus

valores culturais e étnicos como a relação com os animais (cabrito, boi, galinha, porcos etc.)

que venham a morrer, ou o carro de bois, o arado e outras ferramentas não mais utilizadas,

mas das quais não se desfaz, pois para ele o que conta é o valor sentimental. O mesmo

acontece em relação à terra, que muitas vezes é de herança. Na concepção camponesa há

sempre “a terra como dom da natureza ou de Deus” (OLIVEIRA, 2001). A terra como direito,

herança de pai para filho e assim sucessivamente. Terra como espaço, lugar da produção, da

vida, do cultivo, dos costumes, das tradições. O camponês ainda nos dias de hoje prioriza o

“valor de uso”, opondo-se ao monopólio do capital, porque sua inquietação é com o seu modo

de vida e de trabalho.

Nas transformações surgidas com o desenvolvimento histórico, o camponês

vivencia um processo de mudança que interfere tanto na questão familiar, como também na

econômica, devido à imposição do mercado no sistema capitalista.

Diante desse mundo em transformação, o campesinato tem que ser entendido em seus aspectos internos e externos, e na diversidade de suas formas de existência, para que se possa dar conta do significado de sua prática social e de sua linguagem do ponto de vista cognoscente (OLIVEIRA, 2001).

Porém, alguns agricultores/as procuram preservar o seu modo de vida camponês

ao consumir o que produzem como: hortaliças, frutas, entre outras, sem se deixar levar pela

pressão comercial da propaganda das indústrias. Deixam de comprar mercadoria

industrializada, mesmo sendo mais bonita, moderna, utilizando produtos com segurança de

qualidade alimentar, de sua própria produção.

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O que diferencia a economia camponesa é o seu modo diversificado de produção,

ou seja, ao produzir a carne, feijão, arroz, milho, alface, batata doce, ovos, amendoim, açúcar

mascavo e outros, acaba valorizando o trabalho e sua remuneração, pois, com isso, evita

comprar tais produtos no mercado. A isso se dá o nome de “pluriatividade”. Há famílias que,

além da produção agrícola, que garante uma parte do seu sustento, contam também com a

renda da aposentadoria de um dos cônjuges. Ou seja, para acontecer a reprodução camponesa,

freqüentemente têm que lançar mão de rendimentos externos à produção agrícola ou ao

criatório de animais.

No processo histórico das modificações na vida do campesinato, a chegada de

novas tecnologias, permitiu a modificação do trabalho nas atividades agrícolas, no lazer e nas

novas formas de ruralidades, pelas quais vão se fazendo presentes, tanto no rural quanto no

urbano.

Pesquisas em países desenvolvidos têm demonstrado dois fatos relevantes: a rápida adaptação do agricultor familiar ao processo de modernização, com técnicas avançadas e a contribuição da cultura do agricultor familiar (farming

culture) na formulação de respostas à crise do modelo produtivista, como a pruriatividade (CARNEIRO, 1998, p. 54).

A vida de pessoas que moram no sitio, mas que garantem o sustento da família

trabalhando na cidade como funcionário público ou no próprio negócio, cada vez mais vem

aumentando. Há também as pessoas que vivem na cidade e que garantem o sustento da

família com a produção no campo. Isso favorece o aumento das relações sociais e o

envolvimento do urbano com o rural, incluindo-se as festas,

[...] promovendo a integração do ethos urbano ao ethos rural pela inversão das posições sociais, permitindo que “pessoas da cidade” se divirtam com as brincadeiras “camponesas”, jocosas e rústicas, e que os agricultores subam ao palco como atores do espetáculo (CARNEIRO, 1998, p. 64).

Em meio à diversidade de produção da cultura camponesa está um modo de viver

cheio de saberes, sentimentos, significados, e pode ser encontrada na comunidade camponesa

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uma agricultura que contribui para o desenvolvimento rural sustentável, de forma harmônica

com a natureza, podendo ser desenvolvida individual ou coletivamente, através de mutirão e

da diversificação de culturas, que são marcos da vida comunitária camponesa. Para que isso

se dê é fundamental o respeito aos córregos e rios com suas respectivas nascentes.

Evidentemente, não dá para negar que, em muitos casos, isso está mais no ideário da

agricultura familiar, desenvolvido pelas entidades de mediação, como MST, CPT e FETAGs,

mas não necessariamente nas práticas dos agricultores/as, ou, pelo menos, não está na prática

de todos os agricultores/as. É possível encontrar lotes em assentamentos ou pequenas

propriedades de agricultores/as em que os córregos e nascentes não têm manejo adequado.

A agricultura é um meio em que o homem e a mulher procuram espaço para se

desenvolver, no trabalho, na educação e na cultura, na valorização dos saberes já existentes na

própria experiência vivenciada, embora, por uma questão de sobrevivência, tenham que

incorporar novas “tecnologias produtivas” que deem resultados positivos e contribuam com a

renda familiar.

Os camponeses têm formas diferentes de viver e produzir. Alguns vivem do leite,

mas não fazem disso uma monocultura, pois cultivam outras plantações como: pomar, horta,

como também na criação de aves e suínos. Outros vivem do plantio de lavoura, como urucum,

arroz, feijão, amendoim, café etc. Há também aqueles que fizeram do sitio uma forma de

lazer, com rios, represa para a pesca, bosque para descanso e contato com a natureza. Alguns

vivem na cidade, mas cultivam o sitio para passar fins de semana com a família. Também há

aqueles camponeses que, para estudar os filhos, migram para a cidade, mas continuam todos

os dias indo trabalhar no sitio.

Como diz Roberto Moreira (2005, p. 19), “A possibilidade de existência de uma

identidade requer a existência de outras identidades”. Ou seja, a existência do individuo se

constitui na relação social, por isso a identidade rural requer existência do não rural.

O camponês tenta planejar economicamente sua vida de acordo com o futuro da

reprodução camponesa, e muitas vezes, por falta de condições no sitio como, por exemplo, a

escola para os filhos, é preciso se submeter à mudança, o que dificulta a conservação das

raízes culturais. Para muitos isso é sem sombra de dúvida uma preocupação.

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1.3 O Camponês e a Política

No que diz respeito ao mundo da política, a maioria dos camponeses não está

preocupada com partido A ou B, mas, sim, com aquele prefeito ou vereador que o ajudou de

imediato num momento em que ele precisou. Não se dá conta de que os papéis de prefeito e

de vereador (executivo/legislativo) são obrigações para com o povo, para com a comunidade,

para com o município e não favores pessoais como levar um filho ao médico, dar uma cesta

básica. É visível que muitos camponeses ainda não conseguem fazer a leitura da realidade,

que estão sendo usados por interesses particulares. Por outro lado, quando os camponeses

participam ativamente da vida do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, da Associação de

Trabalhadores Rurais, da vida da comunidade, da vida da escola, através de reuniões,

encontros, seminários, a vida política é outra e assim eles não se deixam enganar e

questionam muitas situações. Esse processo participativo na formação dos camponeses,

contribui para a transformação das práticas cotidianas em que se envolvem.

O camponês não se preocupa em conquistar o poder estatal. Às vezes até

representa um obstáculo no desenvolvimento do capitalismo no campo. Segundo Ianni o

camponês não é revolucionário porque não está preocupado com um projeto de sociedade

nacional. O camponês pensa no seu modo de vida e de trabalho dando a primazia ao “valor de

uso” sobre o “valor de troca”, recusando-se a tratar a terra como mera mercadoria. “Nem

sempre o camponês está pensando a reforma agrária, que aparece nos programas, discursos e

lutas dos partidos políticos, na maioria dos casos de base urbana. Pensa a posse e o uso da

terra na qual vive ou vivia” (IANNI, 1998, p.102).

Como o poder político não resolve a questão agrária, os camponeses, nas lutas

sociais reivindicam a posse e o uso da terra que garantam o seu modo de vida e trabalho na

terra onde vive ou vivia, na qual possa criar e recriar o seu modo de vida, cultivar seus

costumes culturais, sua maneira de plantar para a subsistência, suas histórias, seu modo de

falar etc. O desenvolvimento das relações capitalistas implica uma revolução agrária, pois o

desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo no campo combina processos

estruturais que ocorrem simultaneamente com a revolução. Citando Marx, Ianni diz que “A

produção capitalista somente sabe desenvolver a técnica e a combinação do processo social de

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produção minando, ao mesmo tempo, as duas fontes originais de toda riqueza: a terra e o

homem” (p. 103-104).

É ingênuo pensar que somente a conquista da terra é suficiente. Como diz João

Pedro Stédile (Apud PESSOA, 2007, p. 21): “Só a terra não é suficiente”, tem que criar

condições (políticas publicas, políticas agrícolas) para que o trabalhador/a rural permaneça na

terra. Ou seja, é necessário intensificar a luta pelo acesso à terra e a luta por uma

reestruturação político-econômica e cultural do país. A questão agrária envolve um conjunto

de fatores, além da dinâmica da produção agropecuária, segundo a qual, a propriedade da terra

está concentrada na estrutura fundiária de exclusão do camponês. Ela compreende também os

movimentos de resistência e de luta pela reforma agrária concebidos como inerentes às

relações capitalistas de produção.

A luta dos trabalhadores rurais precisa ser em direção à mudança das estruturas

econômicas, mas também da mentalidade, pois o acesso à terra deve garantir a recuperação do

seu modo de vida; que a volta ao campo, de quem, por necessidade, migrara para a cidade,

possa significar melhora no padrão de vida e também recuperação dos seus valores culturais,

de sua historia, de sua religiosidade e de suas festas. Para o MST, (Apud PESSOA, 2007, p.

29), “[...] uma nação é soberana quando ela tem alimentação suficiente para todo o povo

comer e ainda estoque por vários anos”. Pessoa acrescenta:

[...] uma nação é soberana também quando é capaz de respeitar as diferenças no meio do seu povo, de incentivar as festas populares, de respeitar quem gosta de plantar observando as fases da lua e, enfim, de respeitar todos os importantes saberes que os homens e mulheres do campo produzem e trocam enquanto observam o comportamento dos animais e das plantas (PESSOA, 2007).

1.4 Religiosidade Camponesa

A festividade religiosa camponesa é sempre marcada pelo coletivo, no qual a

comunidade se reúne para viver momentos de alegria; de troca não só de bens, mas de afeto,

símbolos, significados, estima, e isso acontece através da música, do canto, da dança, das

fantasias, das roupas e das dramatizações nas festas do padroeiro/a, festas juninas, batismo de

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fogueira, quadrilhas, Páscoa, Natal, Reis, da reza do terço, da missa, da romaria e outros

momentos de fé inabalável dos camponeses.

Faz-se festa por vários motivos: para acolher o chegante, celebrar os momentos

fortes da vida familiar, celebrar a colheita, lembrar datas coletivas, comemorar a vitoria do

candidato nas eleições e as conquistas na escola. E quando não se tem um motivo inventa-se.

O camponês é sempre exaltado mostrando a sua produção de alimentos, o apego ao trabalho e

à terra. “A festa não é só ocasião de descanso, é motivo de aprendizado, de reconstituição ou

fortalecimento de laços sociais” (PESSOA, 2005, p. 32).

As crianças aprendem com os mais velhos a organizarem sua existência, suas

crenças, sua sociabilidade, a interação, afinal, mesmo os mais velhos estão sempre

aprendendo na festa, ainda que seja a conviver com as contradições e conflitos presentes na

festa.

A festa do Padroeiro da comunidade é um momento de partilha, de alegria, de

reza. Existem comunidades que fazem festa para fins lucrativos, mas que não deixam de ser

um momento de alegria, de diversão e de encontro. Outras que fazem momentos de

confraternização como é o caso da comunidade Nossa Senhora das Neves, localizada na linha

6, no município de Cerejeiras-RO. No dia 05 de agosto os participantes se reúnem no

primeiro momento para celebração do culto, e depois para a confraternização dos “comes e

bebes” que são levados por eles, e passam o dia nesta alegria partilhando os acontecimentos

do cotidiano da vida. E é assim também em outras comunidades.

O mês de junho é marcado pelas festas Juninas. É tempo de alegria, bandeirolas,

danças, comida e bebida típica da época: amendoim, gengibre, abóbora, batata-doce, milho

verde, milho-de-pipoca, muito quentão etc. Rezas do terço ao Santo, fogueira e mastro

enfeitado de frutos, flores e fitas, simpatia principalmente na véspera de Santo Antonio,

moças e rapazes que querem arrumar casamento e muitas brincadeiras como as de rodas e o

pau-de-sebo. O passar sobre as brasas da fogueira após a meia noite, para muitos é gesto de

fé, para outros, cura de alguma enfermidade etc.

A tradição do batismo de fogueira, que era tratado com muito respeito e de grande

valor para as relações sociais camponesa, a instituição do compadrio. Até o casamento na

fogueira era válido em algumas regiões de maior isolamento e era assumido como sacramento

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até 1912, e se legitimava com a presença de algum missionário em desobriga, segundo

Cascudo (Apud PESSOA, 2005, p. 27).

A dança da quadrilha é momento de os camponeses viverem o próprio personagem

de forma bem descontraída, embora a maioria dos folcloristas entende essa representação

como uma exploração do caipira, da sua condição de pobreza e humildade de gente da roça.

Pessoa (2005, p. 28) também concorda com essa repulsa ao caipira como personagem

grotesco, mas diz que é preciso se ir além dela e, numa análise antropológica, indagar quanto

aos significados mais profundos dessa representação. E arremata:

É uma representação do caipira que, em graus diversificados, ainda está dentro de cada um de nós. [...] Mas os códigos preestabelecidos da vida urbana nos constrangem, impedem-nos de deixar que sejamos em mais dias durante o ano, um típico caipira – no falar, no vestir etc. [...] Então, em vez de explorado nas nossas brincadeiras, o homem do campo, sábio no seu conhecimento profundo de todas as formas de vida e religiosamente integrado á fecundidade das plantas e dos animais, está é gritando, suplicando para não morrer dentro de nós.

Com a urbanização e industrialização as práticas rituais ficaram esquecidas, ou

foram transformadas, adequando-se à mudança na qual as festas perderam sua gratuidade,

tornando-se festas de arrecadação de fundos, que ainda hoje são motivo de repúdio e

polêmica, mas o camponês, mesmo passando pelo processo de urbanização e industrialização,

mostra, através da festa, que tem seu valor, e que não pode perder sua capacidade de brincar,

de sorrir, de criar suas fantasias.

O Natal para o camponês não é um natal de shopping, de fantasias comerciais.

Quando chega o natal, os camponeses se preparam na arrumação da casa, na preparação de

alimentos para receber os parentes, compadres e comadres, amigos que estão distante e lhes

vêm visitar. Assim podemos fazer uma ligação entre a espera do nascimento de Jesus,

celebrado pelos cristãos, e este jeito humilde dos camponeses na espera de alguém.

A folia de Reis, que normalmente ocorre do dia 25 de dezembro, dia do

nascimento de Jesus, ao dia 06 de janeiro, dia dos Reis Magos, grupos de pessoas de vida

simples e humilde que vão de casa em casa, tocam violas, violões, caixas, pandeiros; que têm

na roupa uma fita e pessoas que se vestem de palhaço ou mascarado, que vão anunciando o

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nascimento de Jesus, narrativa exclusiva dos evangelhos de Mateus e de Lucas. A Folia de

Reis interage na vida das pessoas revivendo com elas a devoção aos três viajantes da Estrela.

O rito recria o conhecido e renova a tradição, recria em cada giro (como os foliões

denominam o percurso feito de casa em casa) a ação de dar, receber e retribuir dádivas

materiais e espirituais.

A festa é um grande mutirão, no qual as pessoas participam com muita alegria dos

preparativos. Até mesmo as crianças participam desta preparação, fazendo acontecer a

reprodução educativa popular. A festa é momento de partilha, uma celebração coletiva no

jeito simples da vida cotidiana do camponês. Cada objeto, símbolo, olhar, música, dança, tem

significados que podem ser compreendidos com olhar sábio, no todo de sua cultura e

sabedoria.

E o olhar de quem contempla a festa é sempre um olhar a um só tempo aprendente e ensinante: desvela para si os muitos sentidos da festa e os revela aos outros, na proporção direta da sua sensibilidade para captar esses mesmos sentidos (PESSOA, 2005, p. 34).

Com este olhar as pessoas podem perceber que a festa dos Santos Reis é para todos

que chegam e participam sem pedir licença. Pode conversar com o grupo de foliões, pode

perceber através da conversa com o mestre que é uma tradição passada de pais para filhos e

que o seu desejo é que esta tradição continue, dando seqüência à memória dos acontecimentos

do nascimento de Jesus.

A Páscoa, a ressurreição de Jesus é outro momento muito forte na vida da

comunidade camponesa. É tempo forte de oração, jejum e penitência, de conversão para os

cristãos, é também momento de alegria ao celebrar o Sábado Santo com o baile da aleluia,

muita música, dança e o que não pode faltar nas festas camponesas, “muita comida”. Também

se diverte bastante com a malhação de Judas no sentido de que, no meio da comunidade, não

há espaço para pessoas que traem a confiança e a esperança do povo.

A cultura pode ser compreendida como forma de sentir, pensar, agir de uma

comunidade e sociedade, abrangendo os modos de ser e fazer, as crenças, os saberes, os

valores, hábitos, os costumes, os conceitos de natureza.

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[...] a cultura é e está tanto nos atos e nos fatos através dos quais nós nos apropriamos do mundo natural e o transformamos em um mundo humano, quando está nos gestos e nos feitos com que nos criamos a nós próprios, ao passarmos – em cada indivíduo, em um grupo humano ou em toda a nossa espécie – de organismos biológicos a sujeitos sociais, ao criarmos socialmente os nossos próprios mundos e ao dotá-los e a nós próprios de algum sentido (BRANDÃO, 2007).

A cultura não está objetivamente fora de nós, em nosso mundo social da vida

cotidiana. Ela não nasce de livros ou de escola, mas do cotidiano de uma vivência prática de

trabalho de homens e mulheres no tempo em que produzem suas atividades de sobrevivência

na dança, no lazer, no trabalho, na festa, na igreja etc., independentemente da posição social

do individuo.

[...] a cultura popular não tem lugar, não tem tempo nem um agente exclusivo encarregado de fazê-la acontecer. Ela acontece em vários lugares, com recurso ou sem recurso, com formação ou sem formação, com platéia ou sem platéia. Ela acontece onde acontece o pulsar da vida do povo (PESSOA, 2005, p. 8-9).

A materialização da cultura está nos gestos, nos olhares, nas formas de representar

os objetos construídos que são portadores de significados. Num ritual primitivo, numa

fogueira no meio da aldeia, na dança dos negros na senzala, exprime os sentidos do viver em

cada uma destas e tantas outras condições que a história apresenta aos grupos humanos.

Através do trabalho mais ameno, das danças, da culinária, do artesanato, dos objetos

simbólicos e outros, a cultura popular é também socialização das novas gerações, pois somos

uma espécie única capaz de criar o nosso próprio modo de vida, nossos valores e costumes.

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Capítulo II

Pedagogia da Alternância

Quando falamos da educação, logo somos remetidos à estrutura física da escola e

aos professores, com uma metodologia que, na maioria das vezes, despreza o conhecimento

empírico que cada um trás consigo e que são valores que precisam ser preservados,

respeitados e cultivados.

A educação vai além da teoria, é uma troca de conhecimento que, quando realizada

na prática, facilita o aprendizado. Educar é ampliar valores da própria comunidade, sejam eles

culturais ou econômicos, de modo que se torne prazeroso manter viva a história, fazendo com

que tenhamos gosto por aquilo que fazemos e nos estimulemos a buscar cada vez mais. Todo

conhecimento se produz a partir da curiosidade, das dúvidas, dos problemas, e é isso que nos

leva a um desafio e ao mesmo tempo a buscar sua superação. “A educação, implica uma

busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria

educação. Não pode ser objeto dela” (FREIRE, 1999, p.33).

Dentre as diversas dificuldades encontradas pelo camponês está a educação dos

filhos como um todo. Não existe uma política voltada para a Educação das populações rurais.

Na história brasileira sempre foi negada aos povos do campo uma educação escolar a partir das suas necessidades e desafios, bem como uma educação escolar que contribuísse para superação da concentração da terra, do poder e do saber (QUEIROZ, 2004, p.17).

Por falta de um sistema educacional adequado às especificidade do campo pode se

ver que há um número maior de analfabetos no campo do que na cidade.

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Tabela Nº 01:

Taxa de analfabetismo no Brasil, TOTAL e por GRUPOS DE IDADE

População Urbana População Rural

Grupos de Idade 1980 1990 2000 1980 1990 2000

TOTAL 16,80 14,19 10,25 46,21 40,53 29,79

30 a 34 anos 13,39 8,97 6,70 44,22 33,91 25,21

60 a 64 anos 34,72 29,96 23,74 67,31 61,92 51,74

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1980/2000.

As Escolas rurais foram relegadas ao abandono, não receberam uma atenção

especial para trabalharem com a cultura local, pior ainda, com o passar dos anos o poder

público, para diminuir gastos, promoveu o fechamento das pequenas escolas rurais

transformando-as em escolas pólo, o que não resolveu os problemas da Educação no campo.

Criaram-se outros problemas, como a prática do transporte escolar para o deslocamento das

crianças para as Escolas fazendo com que as mesmas saiam de casa cedo e retornem à tarde,

dificultando sua participação no cotidiano do trabalho familiar; espaço que seria para o

aprendizado com os mais velhos, um meio pelo qual se integra à família e se pega gosto pela

vida e o trabalho no campo no intuito de dar continuidade à vida camponesa, “[...] uma

possibilidade concreta de reprodução, tanto do grupo familiar, quanto da sua condição de

segmento de classe” (PESSOA, 2007, p. 30).

Numa escola convencional, com uma metodologia universalizada, o jovem

camponês cresce com a expectativa de ir para a cidade trabalhar para garantir uma condição

de vida melhor para si e para sua família e com isso vão se perdendo os costumes, tradições,

hábitos, linguagem e seu modo de vida, pois assim é “[...] o campo, visto como o lugar do

atraso em oposição à cidade, o lugar do moderno” (ARAÚJO, 2007, p. 40).

Os Movimentos Sociais discutem a educação como direito de todo cidadão, uma

educação que valorize o sujeito, que contribua para a formação social, política, econômica,

cultural e espiritual; uma educação especifica e diversificada, enraizada na cultura do campo,

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24

permitindo a reprodução camponesa. É neste contexto que surgiram as EFAs, com uma nova

metodologia, a Pedagogia da Alternância.

No bojo das lutas dos trabalhadores e trabalhadoras no campo a educação de qualidade como um direito de cidadania aparece como um dos componentes de reivindicação e em muitos lugares como experiência alternativa, gerida pelos próprios trabalhadores. Neste contexto encontram-se a Escola Família Agrícola – EFA [...] Entre outros objetivos os centros surgem como uma possibilidade de educação apropriada às necessidades sociais históricas para conter o êxodo, desenvolver o campo, superando as condições de pobreza, abandono, entre outras mazelas existentes no campo, através de uma formação conscientizadora dos alunos e suas famílias junto às comunidades (UNEFAB, 2003).

É esta educação que vai permitir aos jovens, homens e mulheres uma interação

com a sua vida, com a sua realidade sem ter que se deslocar de sua base para um terreno

desconhecido, correndo o risco de perder as suas origens, suas raízes.

2.1 Conceituação da EFA

As EFAs originaram-se das Maisons Famiales Rurales-MFR na França. Em 1930

Pe. Granerau vivenciou o drama de um adolescente camponês que não queria deixar a

propriedade para ir estudar em uma escola convencional. Desta situação ocorreu um dialogo

que resultou mais tarde, em setembro de 1935, em uma reunião na casa paroquial, na qual

esteve presente o Pe. Granerau, o pai do adolescente Yves, Jean Peyrat, e outros três

agricultores, pais de jovens camponeses que, mais tarde, tornaram-se alunos da primeira

turma da escola (ARAÚJO, 2007, p. 42). Pe. Granerau pediu então a Jean Peyrat que

encontrasse alguns colegas para Yves. Os jovens permaneciam alguns dias na casa Paroquial

mediante a orientação teórica do padre e depois voltariam para a casa onde ajudariam os pais

nas atividades agrícolas. O conceito era conciliar estudo e trabalho na propriedade rural,

juntamente com a família. Surgiu então a “Pedagogia da Alternância”. No tempo passado na

escola, sobre orientação do padre, o estudo era coordenado por um técnico agrícola. Já no

período em casa era de responsabilidade dos pais o acompanhamento das atividades dos

filhos.

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25

Fora de um padrão estrutural de ensino estabelecido, estas pessoas pensaram em

uma formação que permitisse aos Jovens e às futuras gerações uma educação diferenciada,

preparando-os para um futuro que lhes desse melhores condições de vida e autonomia.

Eles inventaram uma forma de escola que seus filhos não recusariam, porque ela responderia às suas necessidades fundamentais nessa idade da adolescência, ou seja, agir, crescer, ser reconhecido, assumir um lugar no mundo dos adultos, adquirir um status e papéis (GIMONET,1999, p. 40).

No inicio, em 1935, eram somente quatros adolescentes; no ano seguinte o grupo

já atingia dezenove jovens e esta forma de educar ganhou espaço na região e, dois anos

depois, somavam quarenta jovens.

Com o passar do tempo a escola ganhou visibilidade e se difundiu para outros

países. No Brasil a Escola Família Agrícola foi implantada no meio rural em 1969, no Estado

do Espírito Santo, pelo Jesuíta Pe. Humberto Pietrogrande, ao ver a real situação vivida pelos

camponeses, caracterizada pelo Centro de Estudos e Ação Social como de “[...] baixa renda

per capita, agravada pela crise dos cafezais; o baixo nível de educação; economia

essencialmente agrícola etc” (Apud ARAÚJO, 2007, p 49-50). Pe. Humberto convenceu-se de

que era preciso fazer algo e fez. Seu trabalho adquiriu visibilidade e as escolas foram se

expandindo para os demais estados.

Em Rondônia o primeiro contado para o conhecimento e implantação das EFAs

iniciou-se por volta de 1983, com a presença de alguns estagiários do Centro de Formação de

Monitores do MEPES no Espírito Santo, em visita promovida pela CPT à região de Ouro

Preto D’Oeste.

Diante da dificuldade de manterem os filhos em escola convencional e não

querendo deixar os mesmo sem estudos, dois agricultores reuniram os demais lideres da

comunidade com o objetivo de encontrar mais pessoas dispostas a trabalhar em favor da

proposta apresentada. Pe. José Simionato foi ao Espírito Santo em busca de ajuda, dias depois

chegou então um coordenador pedagógico para iniciar o processo de formação da EFA.

Assim sendo, em 1989 foi fundada a primeira EFA de Rondônia, a Escola Pe. Ezequiel

Ramin, no município de Cacoal. Sua criação se deu por um esforço conjunto da CPT, CEBs,

Page 27: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

26

Paróquia de Cacoal e associações e agricultores. A Escola adotou uma pedagogia própria

voltada à formação integral e qualificação dos jovens rurais. O “[...] objetivo geral da escola é

a família, ou seja, a formação integral do agricultor, num projeto educativo onde todos

formam; Escola-Família-Comunidade”, e os objetivos específicos são: “[...] fixar o homem no

campo, aprimorar sua cultura, permitir aos filhos dos lavradores continuar seus estudos,

permitir uma iniciação para o trabalho, ministrar conhecimentos que interessou ao lavrador,

formar os jovens no espírito comunitário, que futuramente, permita formação de associações”

(APPEFAC, 1987). Assim fundamenta a prática do alternante em “aprender a aprender”, pela

qual a família/comunidade participa do processo, pois a alternância proporciona, em um

espaço dinâmico de formação, uma modificação do meio, ou seja, pode-se fazer a ligação

entre teoria e prática. Na Escola coloca-se em comum a realidade e se buscam novos

conhecimentos para se solucionar os problemas. Em casa se discute a realidade da

propriedade juntamente com a família, levantam-se os problemas e se planeja as ações a

serem realizadas.

Nota-se, desde seu surgimento na França (como MFRs), a presença marcante da

Igreja e dos movimentos sociais na construção das EFAs.

As EFAs se propõem atender às necessidades dos jovens no campo, promovendo

uma educação gratuita, de qualidade e diferenciada, que seja própria do meio rural. De acordo

com Nascimento (2007, p. 188), “O objetivo das EFAs é proporcionar aos jovens do meio

rural uma educação com base na sua realidade, na sua vida familiar e comunitária e nas

atividades”, uma educação que de fato possa contribuir na reprodução camponesa, pois a

formação está ligada à realidade vivida pelo jovem; busca formar cidadãos conscientes,

capazes de atuar em meio à sua realidade, buscando alternativas de melhorias na propriedade

da família, com o gerenciamento de sua vida econômica, social e política no lugar onde se

vive.

O sistema adotado pela referida Escola é de semi-internato, com aulas expositivas,

teóricas e práticas de campo, por meio das quais os educandos aprendem a lidar com a terra e

com a pecuária.

A estadia na MFR não representa somente um tempo de escola para aprender e construir saberes, mas, também, um tempo de vida com os outros, no seio de uma

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27

estrutura educativa onde se partilham as refeições, os lazeres, as atividades socioculturais á noite. Um tempo de vida em internato onde, para ser moderno, de vida residencial, que permite aos adolescentes, ás vezes em descaminho, de encontrar algum ponto seguro, algum lugar para desabafar, algumas espaço de escuta e de dialogo, algum referências para o presente e o futuro (GIMIONET, 2007, p. 156).

Já no período em que ficam em casa, realizam as tarefas escolares juntamente com

as famílias, proporcionando a elas uma interação dos aprendizados vividos na Escola com a

experiência familiar. Com esse processo família-escola-família, acredita-se que o jovem

camponês mantenha o vínculo familiar/comunitário e a cultura do meio rural, permitindo-lhe

a manutenção de sua identidade.

A EFA busca envolver as famílias e comunidades na educação dos jovens. Para

Borbenave (Apud LIMA, 2007, p.100), “[...] participar é fazer parte de, tomar parte ou ter

parte em decisões e ações”. Assim, as famílias podem participar do conselho, nas festas, no

voluntariado do trabalho, nas assembléias. Também no processo de alternância os pais

assumem a responsabilidade dos monitores, orientando nas tarefas realizadas em casa,

levando em conta os instrumentos metodológicos. Lima (2007, p. 113) conclui que, “Desse

modo, a EFA possui a especificidade de ter os pais como parceiros educativos responsáveis

diretos pela formação dos filhos”. Há também a possibilidade, juntamente com a

família/comunidade, de um confronto dos métodos empírico e cientifico – teoria/prática – que

compõem a formação dos jovens. O lar é o berço da aprendizagem, é a partir da realidade

vivida pelo alternante que a escola concretiza sua metodologia.

2.2 Pedagogia da Alternância: uma proposta inovadora

A Pedagogia de Alternância é uma prática educativa que tem por princípio sua

adequação à realidade do campo, ou seja, pretende ser uma alternativa para que os filhos dos

camponeses possam estudar e trabalhar na propriedade, visando com isso o incentivo à

permanência do jovem no campo, minimizando o êxodo rural. A Pedagogia da Alternância é

um processo de “ensino-aprendizagem” constituído em espaços e lugares diferenciados,

possibilitando que o jovem possa estar na escola em um período e passar outro em casa com a

família/comunidade.

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28

Alternância significa o processo de ensino-aprendizagem que acontece em espaços e territórios diferenciados e alternados. O primeiro é o espaço familiar e a comunidade de origem – a realidade –; o segundo, a escola onde o educando partilha os diversos saberes que possui com os outros atores e reflete sobre eles em bases cientificas; e por fim, retorna à comunidade, a fim de continuar a práxis – prática + teoria –, na propriedade, por meio de atividades de técnicas agrícolas, seja na inserção em determinados movimentos sociais (NASCIMENTO, 2007, p. 194).

Neste processo alternativo o período na escola é tempo de estudo, de trabalhos em

grupo, de convivência; tempo de refletir, pesquisar, partilhar, aprofundar, tempo também de

diversão nas práticas de esportes, permite-se a sociabilidade, aprendendo a partilhar e

respeitar o outro, enfrentar os desafios do conhecimento do dia-a-dia. No período em casa

junto da família é tempo de participar das atividades cotidianas da família/comunidade

podendo colocar em prática o que vem aprendendo na escola. Com este processo casa-escola-

casa, o jovem camponês não se desvincula do seu meio, a família/comunidade com a terra.

A Alternância está baseada no principio de que a vida ensina mais que a escola,

assim sendo o tempo escola é alternado e integrado com o tempo família, colocando em

primeiro lugar o sujeito que aprende, seus conhecimentos, suas experiências, ela reconhece e

valoriza o saber de cada um e do contexto de vida.

A Pedagogia da Alternância fundamenta-se num método cientifico, “Ver, Julgar e

Agir”: ver – observar, presenciar, investigar, analisar – através dos instrumentos pedagógicos,

do meio onde se vive, e na Escola; julgar – decidir, avaliar, formar opinião – por meio das

atividades prática, estágios, pesquisa; agir – praticar, atuar – em casa/comunidade a partir do

que vem descobrindo. “O processo pedagógico baseado na alternância torna o jovem ator e

não mero espectador de sua formação” (GIMONET, 2007, p. 93). A alternância possibilita o

desenvolvimento pessoal do alternante, uma maneira de aprender pela vida, partindo da

própria vida cotidiana.

O ponto central do ensino-aprendizagem está na realidade vivida no dia-a-dia, no

lazer, no costume, no modo de falar, do jovem juntamente com a família/comunidade, e que

na escola tem a possibilidade de partilhar esta vivência, para que possa fortalecer sua

identidade.

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29

Para Gimonet (2007) a Pedagogia da Alternância vai além de um método, como

um sistema educativo. É a pedagogia da “realidade” da “complexidade”, que vai acontecendo

num determinado espaço-tempo/escola-familia, possibilitando um confronto entre o teórico e

prático, uma construção de saberes e aprendizagens, o empírico e o cientifico num mesmo

espaço, ou seja,

[...] a pedagogia da Alternância se torna um processo de cunho cientifico, que produz um aprendizado de uma cultura cientifica, de uma cultura “continuada”, e não fixada no tempo escolar, isto é, em outras palavras, um aprendizado da a educação permanente (p. 144).

Para o Psicólogo Piaget (Apud GIMONET, 2007, p. 143), a alternância serve à

lógica “praticar e compreender”, o que quer dizer, primeiro vem a “prática, a realização, para

que se possa teorizar sobre algo feito “compreender”. A vida ensina antes mesmo que a

escola, ou seja, o aluno quando vai para a escola ele já tem um conhecimento prático de algo.

Por isso o principal processo do ensino-aprendizagem é o aluno na sua realidade; a escola

ajuda a teorizar sua prática e a descobrir novas práticas, novas técnicas que venham ajudá-lo

na propriedade.

Para Forgeard (1999, p. 67) a alternância é uma forma de aprender no meio onde

se vive. “A Alternância não consiste em dar aulas aos jovens, e em conseqüência pedir-lhes

que apliquem isto no terreno. Mas ao contrário o processo de aprendizagem do jovem parte de

situações vividas, encontradas, observadas no seu meio”. Assim, o processo de aprendizagem

está integrado à realidade, com recursos locais que facilitam o processo de formação

valorizando o meio em que se vive.

Para um educando da EFA Goiás, citado por Nascimento (2007, p. 202), a

Pedagogia da Alternância é muito mais ampla que as sessões casa/escola. O alternante tem a

possibilidade de estudar a sua própria realidade e isso contribui para o aprendizado de sua

valorização no meio rural. Diz o alternante a Nascimento:

A Pedagogia da Alternância vem a ser um período de alternância onde o aluno/a fica 15 dias em casa e 15 dias na escola, mas não é só isso; esta pedagogia é muito mais ampla. Vejo que ela é um sistema educativo muito interessante, pois com os

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30

instrumentos pedagógicos o aluno/a tem o objetivo de estudar a sua realidade, dentro disso é trabalhada a inter-disciplina sendo assim ligada à formação integral do jovem. Esta pedagogia tem a contribuir para o meio rural no sentido de que o jovem está aprendendo a valorizar o seu meio; aprendendo novas tecnologias favorecendo o meio socioeconômico da região; na questão de valorizar a cultura camponesa de seus antepassados (sic) e ter a plena consciência de que seu meio é o melhor lugar para si viver, ter uma formação profissional adequada para desenvolver projetos que dá sustentabilidade (sic) para a sobrevivência da agricultura familiar.

Neste processo é possível que o alternante aprenda novas técnicas que venham a

contribuir na produção garantindo sua sustentabilidade, fazendo com que se diminua o êxodo

rural.

Na Pedagogia da Alternância o jovem é o sujeito principal da formação, e o autor

de sua própria formação, tendo a presença de outros colaboradores fundamentais neste

processo de “ensino-apredizagem”: família, comunidade, monitores, a realidade vivida em sua

região, a cultura, o trabalho, a religião, o meio social, a economia, são elementos inseridos na

formação integral do jovem pela alternância.

Na alternância as sabedorias práticas se juntam, pois a escola procura educar para

a vida. Para isso busca meios que interligam a realidade vivida pelo alternante, para facilitar o

processo de formação. A alternância possibilita que o alternante constitua seus conhecimentos

no diálogo entre o saber cotidiano, vindo de uma prática de um trabalho passado de gerações

em gerações, e o saber escolar que permite a apropriação do conhecimento histórico com

técnicas cientificas.

Na Pedagogia da Alternância há dois momentos de formação interligados. O

primeiro é o tempo da família/comunidade, o tempo da formação nas atividades técnicas

práticas do dia-a-dia, no qual o alternante partilha, no seu meio, o que vem aprendendo na

escola, faz experiência de novas técnicas que aprendeu na escola, discute sobre isso com os

pais e vizinhos, faz perguntas e anotações preparadas pela escola, que fazem parte dos

instrumentos metodológicos, além de se divertir e descansar. No segundo momento, o tempo

escola, o aluno partilha diversos saberes com base cientifica, teórica, discute com colegas e

monitores sobre os autores, realiza trabalhos em grupos, pesquisa, faz reflexão pessoal e

coletiva, como também se diverte nos momentos de lazer, nas práticas esportivas. E neste

ritmo alternado, ocorre o processo educativo.

Page 32: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

31

2.3 Instrumentos Pedagógicos

A Pedagogia da Alternância dispõe de instrumentos pedagógicos que permitem

acompanhar o alternante tanto na sessão escolar quanto na sessão familiar, “[...] com um nexo

de transversalidade que, partindo da própria realidade sócio-profissional, interfere no modo de

trabalhar os temas e as matérias específicas ao plano de formação” (CALVÓ, 1999, p. 21).

Estes instrumentos pedagógicos variam em sua aplicação na Escola de acordo com a realidade

de cada região.

Caderno da Realidade

O Caderno da Realidade é o instrumento básico da Pedagogia da Alternância,

porque faz a ligação entre casa-escola-casa. Por seu intermédio os pais podem acompanhar as

atividades escolares durante a sessão escola, e os monitores podem acompanhar as atividades

realizados pelos jovens ao período em que estiveram em casa: suas atividades em casa e na

comunidade, suas atividades no trabalho em relação ao meio ambiente, seu lazer, os

costumes, hábitos e tradições familiares, facilitando o conhecimento do alternante para o

aprendizado. “[...] é nele que o jovem registra e anota todas as suas reflexões estudos e

aprofundamento feito na EFA (ARAÚJO, 2007, p. 48). O percurso da aprendizagem vai

adquirindo sentido para o alternante, pais e monitores, à medida que se integram nesse

processo de formação. No Caderno da Realidade fica ordenada boa parte das experiências

acontecidas nas EFA. A harmonia entre o PE e CR, torna possível o método ver, julgar e agir

em meio à realidade vivida. É um treinamento de expressão escrita e oral, que permite aos

jovens aprender a analisar e a sistematizar. O CR é também um documento que mostra a

história do alternante, permitindo, assim aos pais, saberem dos acontecimentos na escola e

contribuírem com sugestões. Este caderno acompanha o alternante dentro e fora da EFA.

Caderno da Alternância

Page 33: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

32

É um meio de se manter a comunicação entre a Escola e a família, interligando os

dois momentos vividos pelo jovem. No Caderno da Alternância, que é do conhecimento dos

pais, são registradas as atividades do alternante na Escola. Na volta para a escola os pais

relatam as atividades desenvolvidas pelo alternante durante aquela sessão em casa juntamente

com a família/comunidade, para conhecimento do monitor e do tutor. Sobre isso acrescenta o

Portal Educacional do Estado do Paraná (2009):

A família se informa de tudo o que ocorre na CFR, inclusive avaliação de convivência, habilidades, práticas e aprendizagem. Por outro lado, o caderno de acompanhamento traz informações sobre a vida em casa e implica mais os alunos na realização de suas tarefas e atividades comunitárias.

Assim a família se envolve no processo educacional da escola, participando da formação, orientando e acompanhando as atividades do alternante.

Plano de Estudo

O Plano de Estudo é o instrumento fundamental da Pedagogia da Alternância,

segundo Begnami (Apud QUEIROZ, 2004, p. 48): “Principal instrumento metodológico na

articulação autêntica entre: Casa-Escola, Conhecimento empírico e teórico, trabalho e

estudo”. Ele é uma pesquisa sobre um tema do cotidiano, da vida real, no que diz respeito aos

modos de vida no contexto econômico, político, social, religioso e cultural. A pesquisa é feita

no final de cada sessão escolar, quando aluno e monitor fazem a sistematização do tema a ser

pesquisado e desenvolvido durante a sessão casa com a família/comunidade e que será

colocado em comum na sessão escolar seguinte.

O Plano de Estudo leva o jovem a questionar e avaliar e ajuda-o a compreender a

realidade onde vive. “Através deste documento que se dá a integração da vida do aluno, dos

pais e comunidade com a EFA, criando-se assim, no aluno, o hábito de ligar a reflexão com a

ação e de partir da experiência para a sistematização cientifica” (ARAÚJO, 2007, p. 48).

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33

Colocação em Comum

A Colocação em Comum é um meio de socialização, momento de expor a

pesquisa do PE e de o jovem se expressar oralmente, através de debate, pergunta,

problematização, síntese do conhecimento de cada aluno/a no conhecimento do grupo.

A metodologia da CC depende muito da criatividade dos monitores, pode-se

utilizar técnica e dinâmica para motivar o alternante a tornar significante o termo em questão,

realizando teatro, cartazes, desenhos etc. A colocação em comum é fundamentalmente

atividade de grupo que possibilita o jovem a crescer, a sair do individual (eu) para o coletivo,

a socialização. “Ela induz na dialética do “eu” e do “nós”, da personalização e da

socialização, sem a qual o desenvolvimento fica parcial”. (GIMONET, 2007, p. 46). A CC

contribui para o crescimento da aprendizagem, pois o alternante passa para os outros o que

aprendeu e todos têm a oportunidade de debater, enriquecendo o conteúdo. “O valor

pedagógico das experiências partilhadas e confrontadas é bem mais forte que aquele das

informações acumuladas nos livros ou dadas pelo monitor durante “aulas” (p. 45).

A CC consiste em o alternante passar para o monitor e os colegas o que viveu

durante sua sessão familiar. Oferece a possibilidade de o jovem expressar oralmente a

comunicação e a escrita nas anotações, nas redações dos relatórios, e de o jovem participar

dos debates do grupo. É um aprendizado social e educativo, dando ao alternante a

oportunidade de crescer, de conquistar sua autonomia e construir sua identidade.

Visitas e Viagens de Estudo

Visitas e viagens de estudo são atividades que propiciam aos alternantes

descobertas e realizações. As visitas são organizadas a partir de cada tema do PE. A viagem

de estudo leva o jovem a confrontar seus conhecimentos com os dos outros; possibilita ao

jovem o crescer, o prazer de viver no campo de maneira diferente, produtiva, organizada e

sem medo de ser camponês. As viagens também fazem crescer os laços de amizade, podendo

construir intercâmbios para si e para a sua comunidade. O ato de ver facilita muito o

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34

aprendizado, por isso é preciso uma preparação para que os jovens possam, depois da visitas,

explorarem essas atividades numa formação “ver, julgar, agir”. Gimonet (2007, p. 37) fala de

três tempos: “antes, durante e depois”, para se realizar uma boa visita. Antes trata-se da

“preparação”, estimula a curiosidade, instiga a fazer perguntas. O durante é o momento da

escuta com atenção, ir fazendo anotações. E o depois, fazer um debate das atividades

mediante relatório. “[...] as visitas de estudo e as intervenções são meios para a formação

geral” (GIMONET, 2007, p. 50).

Visitas às Famílias

As Visitas às Famílias são um instrumento para integrar os espaços e os tempos

diferentes, escola e casa. É devidamente planejada pelos monitores, com o objetivo de

conhecer a realidade do alternante no seu meio familiar, aí compreendendo vida cotidiana,

atividades desenvolvidas, costumes, hábitos e necessidades. Permite o acompanhamento das

pesquisas do PE, CR, exercício de fixação de aprendizagem, leituras, atividades, de retorno

experiências e praticas dos alternantes. Os monitores se empenham em conscientizar os

familiares sobre seu importante papel na educação dos filhos, como colaboradores da

alternância. Por isso é também importante sua participação na associação da EFA.

A visita às famílias consiste em uma estratégia adotada pela EFA para levar até as comunidades as informações sobre os temas estudados na escola e também paras engajar as famílias na reflexão sobre a importância do plano de estudo, que parte de situações objetivas do cotidiano da vida do aluno (ARAÚJO, 2007, p. 48-49).

As visitas às famílias permitem uma análise de todo o processo educativo da EFA,

em todos os seus aspectos: pedagógico, intelectual, social, profissional, técnico, humano,

comunitário, étnico e espiritual.

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35

Estágio

O Estágio é um instrumento que possibilita o confronto com uma situação concreta

para que o alternante possa observar, vivenciar, experimentar e praticar os conhecimentos

assimilados, com o acompanhamento dos monitores e orientadores da EFA, contribuindo na

definição profissional do aluno/a. Por isso é intensificado nos dois últimos anos do Ensino

fundamental e durante o Ensino Médio Profissionalizante. O estágio faz parte do plano de

formação da EFA e tem o objetivo de dar sustentabilidade à formação dos jovens no meio

rural. “O Estágio faz parte do processo de formação inserido em cada tema especifico,

construindo-se um momento de aprender fazer fazendo” (PINHO, 2009, p. 7).

O Estágio é desenvolvido em um período de duas semanas e muitas vezes o aluno

constrói o seu projeto de vida através deste instrumento.

Serão

Serão, “[...] são recursos didáticos que visam complementar e reforçar a

aprendizagem dos conteúdos curriculares e extra-curriculares” (ARAÚJO, 2007, p. 49). É

uma atividade complementar que proporciona ao jovem a valorização de recursos humanos

sociais, da solidariedade de pessoas da comunidade junto à EFA, pois, os Serões são

realizados por médicos, agricultores, professores, agrônomos, veterinários, religiosos e outros

membros próximos que contribuam nesta formação.

Os Serões acontecem à noite e são realizados através de debates, palestras, vídeos,

slides e outros, com temas que podem variar, como agricultura, meio ambiente etc.

Intervenções Externas

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Intervenções Externas ou Palestras são realizadas como meio de aprofundamento

dos temas do PE. Depois de realizar a CC, como complementos dos temas do PE, as

Intervenções Externas podem ser realizadas por pessoas de entidades públicas e privados que

colaboram voluntariamente no processo educativo. “São colaboradores pessoas que vêm de

fora da escola: pais, mães, estudantes, lideranças diversas e profissionais etc. Estão sempre

ligados ao tema do plano de Estudo. Trazem as perspectivas do saber fazer de uma vivência”

(PINHO, 2009, p.8) e são realizadas em horários de aulas porque são consideradas um

complemento do tema do PE.

Avaliação

Avaliação é um processo contínuo na EFA. “Uma avaliação, permite constituir e

fortificar os saberes” (GIMONET, 2007, p. 61), envolvendo todos os participantes da

formação e o desenvolvimento de todos os instrumentos. Os alunos/as são avaliados na

convivência, levando-se em conta a habilidade e convivência na disciplina, sendo que cada

monitor/a avalia o conteúdo na sua disciplina. Ocorre também a avaliação em grupos

envolvendo a todos, alunos, monitores e funcionários, tanto no início como também no final

de cada sessão, assim possibilitando ver onde se pode melhorar.

Tutoria

Tutoria é uma maneira de acompanhar as atividades de pesquisa, os exercícios, a

vivência e experiência dos educados/as no meio sócio-profissional. Na chegada dos

alternantes à EFA cada monitor/a torna-se responsável por acompanhar um grupo de

alunos/as. É um momento em que jovem e monitor interagem partilhando dificuldades e

progressos no desenvolvimento do ensino e aprendizagem. O alternante tem a oportunidade

de tirar suas dúvidas sobre o processo educativo da Pedagogia da Alternância. “Formalmente,

a acolhida personalizada se dá no início da sessão na EFA, mas se estende informalmente ao

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37

longo da sessão. Ou seja, o(a) monitor(a) acompanha o(a) aluno(a), ao longo de toda a sessão

escolar” (PORTAL EDUCACIONAL NO ESTADO DO PARANÁ, 2009).

Caderno Didático

O Caderno Didático constitui um material especifico da EFA com uma

metodologia própria desenvolvida para aprofundar teoricamente o PE. Aqui é teoria, mas o

aluno não se distância de sua realidade, pois os temas trabalhados envolvem uma reflexão

crítica do assunto abordado. Permite ao alternante “[...] descobrir noções novas, compreendê-

las e assimilá-las, integrando-as aos seus conhecimentos anteriores, ao que fazem e vivem e,

conseqüentemente, aprendem” (GIMONET, 2007, p. 51).

Projeto Profissional do Jovem

O Projeto Profissional do Jovem é um meio de o jovem concretizar as pesquisas do

PE, buscando conhecer melhor a realidade socioeconômica, cultural, política, profissional e

regional. O alternante trata de começar a pensar no futuro como profissional, mostrando um

projeto de vida e suas possibilidades de aplicação na sua comunidade ou fora dela. Por isso,

ao entrar na EFA “[...] o estudante é orientado a construir seu Projeto de Vida, que será um

meio de concretização das pesquisas dos Planos de Estudo e de sinalização de passos futuros

para a profissionalição” (PINHO, 2009, p. 8-9). O PPJ é uma forma de incentivo e de mostrar

que é possível viver bem, economicamente no meio rural, cultivando o seu modo de vida,

estendendo sua formação escolar à comunidade e, com isso, evitando a migração para as

periferias das cidades com a consequente exposição á marginalização.

Os instrumentos pedagógicos da escola permitem a articulação tempo/espaço com

saberes e experiências específicas em cada um deles, formalizando os conhecimentos do meio

rural, para que o jovem possa ser protagonista do processo educativo. Levam o jovem a

descobrir e conhecer o meio onde vive e, ao mesmo tempo, a pensar globalmente sua vida

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cotidiana. Por isso Gimonet (GIMONET, 20007, p. 159) entende a alternância como

pedagogia da complexidade.

Os conteúdos e os processos pedagógicos deverão permitir aliar, ao mesmo tempo, a experiência do terreno, a implicação em situações de tamanho real e a abertura às ciências, ao conhecimento do universal, à compreensão do mundo, do planeta, ao desenvolvimento, á cidadania, ao pertencimento local e da terra... para que se realize “a viagem interior e a viagem universal”, e para que se engaja a escola ao longo da vida toda.

Todo o percurso educativo da EFA é para dar aos alternantes condições de ter uma

vida mais digna e independente, utilizando técnicas apropriadas à vida camponesa, dar

subsídios para a transformação do campo, lutar a cada dia para elevar a vida do homem e da

mulher das comunidades rurais, proporcionando a permanência dos alternantes no campo para

que possam cultivar o seu modo de vida, seus costumes, hábitos e tradições.

Page 40: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

39

CAPÍTULO III

Contribuição da Pedagogia da Alternância no modo de vida camponês

As EFAs nasceram e continuam nascendo nos dias de hoje porque os pais desejam

um modelo de educação voltado para o campo, para a própria realidade. De acordo com seus

teóricos [...] “são escolas da região, criadas e geradas pelas pessoas do lugar, para as pessoas

do lugar” (GIMONET, 1999, p.43), próximas das pessoas, do aluno/a, da família/comunidade

e, com isso, contribuem para desenvolver uma metodologia mais adequada às atividades

exercidas.

A proposta da EFA, em sua formação, visa abranger o aluno como também toda a

comunidade, que todos reflitam seu modo de viver diante da situação real em que vivem,

possibilitando conhecimento para lidar com as mudanças.

Uma EFA é uma associação de família, pessoas e Instituição que buscam solucionar a problemática comum, da evolução e do desenvolvimento local através de atividades de formação, principalmente dos jovens sem, entretanto excluir os adultos (CALVÓ, 1999, p. 17).

Diante do processo de modificação que vem sofrendo o camponês desde a

colonização do Brasil até os dias atuais, a EFA, com sua prática educativa, objetiva resgatar e

reforçar o modo de vida camponesa, suas tradições e cultura, demonstrando ao jovem que é

possível viver bem no meio rural,consumindo o que se produz, tendo uma vida econômica

organizada ao planejar sua produção diversificada.

A Pedagogia da Alternância se põe como objetivo possibilitar ao jovem camponês

o desenvolvimento de sua formação escolar e também sua formação familiar que é

fundamental para o seu modo de vida camponês. Com esta formação interligada casa-escola-

casa se deseja que o jovem confronte seu conhecimento camponês com o que vai aprendendo

Page 41: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

40

na escola. A Escola tem como objetivo principal motivar, incentivar o jovem a permanecer no

campo, valorizando a sua história, a sua comunidade, seu modo de vida, capacitando-o para a

prática de uma agricultura sustentável.

3.1 Um olhar de fora para dentro do ensino-apredizagem da EFA

O jovem, ao ir estudar na EFA, por opção própria ou por decisão dos pais ou ainda por

incentivo de colegas ex-alunos/as, leva consigo seus costumes, suas tradições, seu modo de

vida que, conforme garantem os estudiosos da Alternância, são respeitados e valorizados pela

Escola. Um exemplo disso é o que diz ainda o educador francês: “A Pedagogia da Alternância

conduz à partilha do poder educativo. Ela reconhece e valoriza o saber de cada um e dos

contextos da vida” (GIMONET, 1999, p. 45).

Para a família e a comunidade o jovem em uma EFA torna-se mais cooperativo. O

processo de semi-internato possibilita aprender e conviver nas diferenças, ou seja, respeitando

o jeito de ser de cada um, em seus costumes familiares, suas crenças etc. “[...] eu quis que

minha filha estudasse aqui por que vejo e acredito que o jovem fica mais cooperativo, tem um

comportamento diferenciado”, disse uma monitora da Escola Pe. Ezequiel Ramin. Para muitas

famílias e monitores são notáveis as mudanças que ocorrem depois da participação na EFA, a

abertura ao diálogo, a participação nas atividades comunitárias, os benefícios na produção

com novas técnicas, a diversificação de produção, a valorização e o respeito à terra, ao

engajamento nos movimentos sociais, a integração social, cultural e econômica, quando a

comunidade de fato adere ao processo de formação da Escola. Porém, os monitores, em suas

visitas, constantemente constatam que ainda existem famílias que não participam deste

processo de formação, deixando tudo por conta da Escola e o resultado, nesses casos, acaba

não sendo satisfatório.

Segundo a metodologia realizada na escola o jovem se torna capaz de desenvolver

com mais facilidade o papel de liderança na comunidade, nos movimentos sociais, o que leva

a uma visão política no mundo atual, que possa contribuir na vida camponesa. E o jovem é

cobrado pela família/comunidade a colocar em prática o que vem aprendendo na escola. Fica

sempre uma expectativa de algo novo na vida daqueles jovens que vão experimentar um jeito

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41

diferente de entender a agricultura camponesa e até mesmo uma EFA, pois ali o jeito de

ensinar e aprender é muito diferente da escola tradicional. É por esta metodologia que se

descobre que a Pedagogia da Alternância contribui no modo de vida camponês. Há alguns

jovens que, ao sairem da escola, permanecem na agricultura, ou trabalhando na própria escola,

ou mesmo em outra área de serviço, porém carregam consigo o ensinamento diferenciado,

como afirma um jovem egresso da EFA Pe. Ezequiel Ramin: “[...] o jovem que adere ao

processo educativo da Escola se orgulha de ser camponês, valoriza e quer estar ligado ao

campo”.

A EFA, de acordo com a sua pedagogia, busca responder ao grande desafio de

qualificar tecnicamente o camponês a partir de uma metodologia que corresponda às suas

necessidades no campo. Por isso as práticas desenvolvidas na escola permitem ao jovem

“aprender a aprender”, num processo de formação e de ligação entre teoria e prática que conta

com a participação da família/comunidade.

A proposta das EFAs não visa apenas a atingir o aluno, mas formar uma cultura de participação de toda a comunidade para que todos pensem sua própria existência, as condições concretas em que se vivem e as possibilidades de mudanças e de implementação dessas mudanças (LIMA, 2007, p. 110).

A EFA busca romper com um ensino hierarquizado, decretado, afastado da

realidade vivida pelo jovem rural. O conhecimento é construído na integração das pessoas

entre si e com o meio onde estão inseridas, valorizando as potencialidades da pessoa humana,

através das atividades desenvolvidas, pelas quais

[...] a pessoa em formação possa “confrontar os saberes transmitidos na escola com os saberes produzidos por sua experiência”, onde ocorra a confrontação das apredizagens experiências com as apredizagens formais das ciências, e das técnicas na situação escolar. Isso faz com que ocorra a autonomia e a responsabilidade da pessoa em formação num “sistema de produção de saber e não mais somente de consumo de saber”, o que exige um empenho e um compromisso da pessoa no seu processo formativo (QUEIROZ, 2004, P. 104.).

Page 43: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

42

Com as aulas práticas realizadas na escola pretende-se dar ao alternante novos

conhecimentos. Mas, quase sempre acontecem confrontos entre esses novos conhecimentos e

o saber cotidiano familiar. Um exemplo é que muitos agricultores/as desenvolvem seu plantio

e colheita na propriedade, obedecendo às fases da lua e na escola isso não é trabalhado. O

alternante e a família têm a oportunidade de fazer novas experiências na própria propriedade,

utilizando novas técnicas que vem aprendendo na escola para ver de fato o resultado, e o que

é muito comum na comunidade camponesa é fazer uma nova experiência sempre com cautela.

É preciso ver o resultado positivo para incorporá-la totalmente.

O avanço da tecnologia exige preparo para se enfrentar a realidade atual que muda

rapidamente. A família/comunidade acredita no ensino da EFA e o acompanha de perto

através dos instrumentos pedagógicos, reuniões, assembléias na escola e percebe que é

possível o filho dar continuidade aos estudos sem deixar de ser camponês.

3.2 Teoria e Prática: aprendendo e ensinando

O trabalho do homem e da mulher camponesa vai além da cultura de produção,

está fortemente fundamentado no modo de vida com seus costumes, tradições, seu modo de

falar, as festas, a política, o trabalho coletivo e a educação voltada para atender suas

necessidades, ou seja, uma educação que proporciona a reprodução camponesa, portanto é

mediante isso que a EFA está contribuindo no modo de vida camponês por meio de seus

instrumentos pedagógicos com a pedagogia da Alternância. “A Alternância significa,

sobretudo, outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e

reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo” (GIIMONET, 1999, p.

44). Porém aprende-se com a realidade, experimentando e vivenciando existencialmente a

prática do “aprender fazendo e o pensar agindo”, não há dois momentos, um de aprender e

outro de por em prática. Estuda-se a própria ação. Teoria e prática são confrontadas num

sistema de “Interface” da alternância trabalho-escola, saberes já existentes com a

aprendizagem da ciência.

São muitas as situações encontradas no campo que podem dificultar a realização

desejada pela EFA, como a falta de uma política agrícola, política pública voltada para o meio

Page 44: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

43

rural. Ainda hoje o campo é visto como o lugar de atraso e tem camponeses que se rendem

aos encantos da cidade, à ilusão do emprego, à pressão da mercadoria industrializada. A EFA

busca incentivar o produzir e consumir alimentos da própria Escola, mostrando ao alternante

que é possível fazer isso na propriedade. Com seus instrumentos pedagógicos em particular o

PPJ a EFA pretende levar o jovem a descobrir que é possível viver bem na propriedade,

economicamente, e cultivando o seu modo de vida. E muitos jovens aprendem a valorizar a

agricultura que, muitas vezes, antes de ir para a EFA, desprezavam.

Na Escola Pe. Ezequiel Ramin um jovem questiona a posição do PPJ na grade

curricular que, pra ele deveria ser implantado na propriedade antes do termino do curso. “[...]

se fosse implantado no 1° ano, quando saíssemos daqui já estaríamos colhendo a produção

para nos sustentarmos economicamente e assim planejar o futuro”. Este questionamento é

fundamental para os jovens, pois se percebe que há um interesse muito grande em

desenvolver uma ação concreta na propriedade e, ao mesmo tempo, apresentando à turma os

resultados do projeto, eles poderiam fortalecer e incentivar a permanência dos egressos no

campo.

Acompanhando a aplicação deste instrumento, pode-se observar que alguns pais

participam de fato do seu processo elaboração do projeto e dão todo suporte para sua

implantação na propriedade. Há um acompanhamento, todos se envolvem. Esta postura

contribui com o desenvolvimento da Pedagogia da Alternância, pois a família deve participar

de todo o processo formativo da Escola e o PPJ é uma forma de o alternante planejar e

construir o seu futuro e a EFA o orienta para isso, como vimos no capítulo segundo. Porém há

aqueles jovens que não contam com o apoio da família e por isso desenvolvem sozinhos seus

projetos e isso dificulta sua implantação na propriedade. Há pais que cedem espaço na

propriedade para a implantação do PPJ, mas o jovem trabalha sozinho desanima,

contradizendo assim a Pedagogia da Alternância, sem adesão completa à metodologia da

escola, dificultando então o processo de formação do alternante.

Na apresentação do PPJ, em 2009, a Escola Pe. Ezequiel Ramin afirmou que em

2010 contará com a participação dos pais, que poderão assistir a apresentação dos alunos e

também fazer questionamentos. Com isso a Escola pode sentir o envolvimento da família no

acompanhamento deste instrumento pedagógico e a família pode ver de perto o trabalho de

toda a turma, e se os alunos aderiram ao processo de formação desenvolvido pela EFA.

Page 45: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

44

Neste processo de formação pode ser visto que há jovens que assimilam as

atividades da EFA e buscam colocar em prática na propriedade as novas técnicas que se

aprende na escola. O esforço, a curiosidade, a liberdade para ver o resultado do aprendizado, é

que levam ao crescimento em todo o contexto. Por outro lado há aqueles jovens que, mesmo

estando dentro do processo de formação, não se identificam, não se empenham e, quando a

família também não se integra ao processo, torna-se ainda mais difícil haver algum resultado

concreto na propriedade.

O desafio da EFA entre teoria e prática é muito grande, como diz um monitor na

Escola Pe. Ezequiel Ramin: “Hoje a EFA não é mais a mesma do passado. Ao mostrar os dois

lados o jovem sai daqui querendo emprego, pois falta uma política pública que dê assistência,

então fica difícil manter-se no sítio, principalmente para trabalhar com produção orgânica”. A

escola desenvolve um trabalho voltado para a permanência do jovem na propriedade, mas são

fatos como este que dificultam o resultado do trabalho desenvolvido, diante das mudanças no

campo, sofridas pelo camponês. A EFA procura acompanhar as modificações que têm

ocorrido na estrutura familiar, tentando adequar-se para atingir seus objetivos. Para isso ela

sabe da necessidade de fazer uso dos meios de comunicação de que dispõe, evitando que eles

não atrapalhem os costumes, as tradições da vida pessoal, familiar e coletiva. Para isso a

escola se esforça em manter os mutirões, as visitas aos vizinhos, as festas sempre muito

correntes na vida camponesa, como foi analisado no primeiro capítulo; como também procura

enfatizar os valores familiares – a prática da oração, do dialogo, da partilha, do acolhimento –

e o cuidado com a terra, pois é dela que se tira o sustento. Assim ela acredita contribuir para o

melhoramento da auto-estima de toda a família e comunidade. Eis o grande desafio da EFA:

unificar, interligar e processar a teoria e a prática.

A Pedagogia da Alternância exige esforços permanentes frente à realidade vivida

hoje pelo camponês, que é de excessivo emprego de insumos químicos e investimento na

monocultura e, por outro lado, de falta de uma assistência na produção no campo e de

transporte.

Em relação à imposição dos produtos químicos e da monocultura, a EFA busca

alternativas práticas baseadas na produção orgânica, com a qual a propriedade familiar possa

viabilizar-se por meio da diversificação da produção. Para isso, trabalha-se na escola com a

integração dos setores produtivos: horta orgânica; horta medicinal; horta mandala; árvores

frutíferas; roças de cultivo permanente, sem uso de fogo; apicultura, animais – porco, galinha,

Page 46: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

45

gado. Assim as aulas práticas e teóricas se confrontam no processo de aprendizagem. E no

processo de “intercâmbio” estão as visitas realizadas pelos alternantes, trocando idéias e o

conhecimento do que estão adquirindo na escola, com a possibilidade de verificarem as

experiências dos agricultores/as: os ofícios, o plantar obedecendo às fases da lua, como disse

um aluno do terceiro ano do Ensino Médio da EFA Pe. Ezequiel Ramin: “Eu acredito e

respeito as experiências dos meus avós, funcionam mesmo, se eles plantam na lua certa faz

diferença”.

Como pudemos ver no primeiro capítulo o aprendizado com os mais velhos

acontece em todo o contexto da vida, no trabalho, na festa, no social. Para alguns alunos da

escola Pe. Ezequiel Ramin as aulas práticas desenvolvidas na escola são poucas e falta

assistência técnica. Falta “[...] um acompanhamento mais de perto de um agrônomo, pois a

própria produção da escola deixa a desejar e que pode ser resolvida na medida em que se

desprende do papel e volta para a prática”, questiona uma aluna do primeiro ano.

Segundo a análise do segundo capítulo, na Pedagogia da Alternância teoria e

prática caminham juntas. A EFA diz priorizar essa junção em sua prática educativa. Mas eu

pude ver e acompanhar atividades práticas realizadas no dia-a-dia da Escola e pude constatar

que algumas situações, por exemplo, a questão econômica, que, muitas vezes, dificultam a

realização de alguns projetos. Entretanto, ver um jovem fazer este tipo de questionamento,

pode ser uma demonstração de que os resultados são positivos. A escola está formando jovens

pensadores, com uma visão global, como entende Gimonet, já citado.

3.3 Desafios da alternância na formação para o meio

A flexibilidade de adaptação a diferentes processos de produção, a variedade de

fonte de renda e a diversificação de produção na propriedade, tornam o produto camponês

indispensável à economia regional e nacional, e é com essa preocupação que a EFA

desenvolve uma proposta pedagógica, a partir da Pedagogia da Alternância, que se identifica

com os anseios dos camponeses, propondo a possibilidade de que o jovem camponês possa

seguir seus estudos, profissionalizar-se, e ao mesmo tempo contribuir com sua mão-de-obra,

Page 47: Práticas educativas em alternância  de denize monteiro de lima

46

indispensável na propriedade para o pleno desenvolvimento dos trabalhos econômicos da

família.

Ser ator de desenvolvimento do meio, consiste então em conduzir uma ação de desenvolvimento de competências, de atitudes, de comportamentos, para um bem estar econômico e social melhor das pessoas que vivem neste meio ( FORGEARD, 1999, p. 65).

Diante desse desafio, para que o crescimento na formação do jovem pela

Pedagogia da Alternância aconteça, fazem-se necessários alguns fatores de integração com o

meio onde se vive e um deles se dá com a família e a comunidade. A família é o suporte da

ação educativa. Cada família participa da formação de seu filho/a, através do

acompanhamento dos instrumentos pedagógicos, acompanhando suas experiências, dando

oportunidade para novas técnicas, procurando implantá-las na propriedade, confrontando-as

com as técnicas já existentes, também no coletivo, na associação e assembléia da escola.

Na Escola Pe. Ezequiel Ramin acontece no mês de junho a tradicional festa para

fins lucrativos, realizada no meio do bosque da própria escola, cuidado pelos alunos/as.

Embora a festa seja para auferir lucros para a manutenção da escola, é também um meio para

que as famílias possam se encontrar, divertir, partilhar. Como foi abordado no primeiro

capítulo a festa é um componente fundamental na vida camponesa.

Quem vai à festa tem a possibilidade de aprender que o que se sabe ainda não é tudo para continuar a viver e a reproduzir as condições de sobrevivência ... a arte de viver e de compreender a vida que nos envolve está na perfeita integração entre o velho e o novo (PESSOA, 2005, p.39).

A festa é para a escola um intercâmbio de conhecimento entre o “novo e o velho”

que enriquece a vida familiar/comunitária e a escola. Na busca da realização do objetivo da

EFA a Escola Pe. Ezequiel Ramin se depara com o desafio do confronto entre a produção

orgânica e a produção com insumos químicos. A escola preconiza, defende e até aplica uma

concepção de produção embasada na produção orgânica, mas encontra resistência, pois o

resultado da produção é lento e muitas famílias preferem o tipo de agricultura que está em

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vigor ao seu redor, uma “agricultura de mercado”, com mais insumos e, portanto, com

resultados mais rápidos. Como fazer uma mudança de comportamento e de vida numa

situação como esta?

O processo de formação da EFA envolve o alternante e a família/comunidade, por

isso o trabalho de conscientização pretendido pela escola é fundamental, mostrando ao

alternante o risco e o perigo do uso dos produtos químicos e seus resultados desastrosos para a

saúde humana e ambiental, embora esse modelo de agricultura venha dando resultados

convincentes. Um aluno da escola, que trabalha numa casa de produtos agropecuários, diz:

Eu faço meu papel de vendedor, mas agora eu sei do risco para a saúde e do valor alto do preço do produto que é difícil para o camponês comprar, por isso na minha comunidade passo as receitas alternativas que venho aprendendo aqui e mesmo vendendo o produto químico arrumo um jeitinho de ensinar para o cliente uma receita alternativa que beneficia sua vida econômica e também a saúde e o meio ambiente.

Para um pai dói ver o filho saindo da EFA e ir trabalhar de empregado

principalmente em casa de agropecuária. “Eu quero o meu filho agricultor, na roça é o lugar

melhor para si viver”, afirma.

O objetivo da escola é “a formação integral dos jovens” para fomentar o

desenvolvimento rural, pois a Pedagogia da Alternância entre família/comunidade e escola

quer dizer que não aprendemos apenas nas aulas, a vida muito ensina e o saber se constrói em

conjunto.

A EFA com sua Pedagogia da Alternância objetiva orientar os jovens para uma

formação que lhes possibilite viver com dignidade e que possam dar continuidade à vida

camponesa como verdadeiros filhos de camponeses. Por isso prioriza uma formação voltada

para o crescimento humano, intelectual, despertando a manutenção de suas raízes culturais,

visando o aprofundamento e o desenvolvimento da produção na sua propriedade em meio à

sua realidade para que possa fortalecer sua identidade.

A Pedagogia da Alternância é criada com o objetivo de que em tempos e espaços alternados o jovem tenha condições e acesso à escolaridade e ao conhecimento e valores familiares e comunitários. Ao alternar períodos na escola e períodos em seu

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meio de vivência, o jovem pode construir seus conhecimentos no dialogo entre o saber cotidiano, fomentado na prática e no trabalho que é passado de gerações a gerações e o saber escolarizado que possibilita a apropriação do conhecimento historicamente construído e a acesso às técnicas cientificamente comparada (PINHO, 2009, p. 5).

A Pedagogia da Alternância possibilita o estudo cientifico dos alternantes e ao

mesmo tempo as atividades na propriedade juntamente com seus familiares. São métodos que

permitem uma valorização maior do meio onde se trabalha, estuda-se e se vive. Com isso

possibilita a compreensão da própria realidade bem como as necessidades locais que

envolvem a família e a comunidade. O jovem aprende a ler o mundo do campo para além do

espaço vivido no cotidiano, uma visão globalizada sem perder o horizonte no qual está

focado, visão esta, do cotidiano. É a historia do passado com perspectiva de futuro, pois a

Escola é este espaço de busca de conhecimento, do aprender, porém não é o único lugar em

que a edificação de formação acontece. O processo de edificação do conhecimento é amplo.

“[...] a educação é um processo de formação que acontece durante toda a vida e na vida toda,

em diferentes espaços e tempos” (QUEIROZ, 2004, p. 16).

A Pedagogia da Alternância, desde seu nascimento, tem buscado, além da

educação diferenciada, a formação profissional e integral para o desenvolvimento sustentável

do meio em que vivem seus alunos. É uma educação de processo permanente de construção

cultural que progride na comunidade da qual todos fazem parte.

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Considerações Finais

O processo de modernização do campo teve grandes avanços com as novas

tecnologias empregadas no setor a partir de meados do século XX. Com isso o camponês vem

sofrendo com a monocultura imposta pelo sistema capitalista. Os camponeses anseiam pela

terra onde possam produzir não só o alimento diversificado, mas, também, pela possibilidade

de conservação do seu modo de vida, com sua cultura, modo de falar, seus costumes e

também pela possibilidade de reprodução enquanto segmento de classe, ou seja, para que

possam ter continuidade na história enquanto modo de vida e de trabalho. E acreditam na

educação escolar diferenciada que possa colaborar nesta construção.

Ao analisar a história da Pedagogia da Alternância pude constatar que desde seu

nascimento na França, ela surgiu para solucionar os problemas enfrentados pelo camponês –

uma proposta pedagógica pela qual o jovem pudesse dar continuidade aos estudos sem deixar

o campo. Por isso a EFA objetiva a formação escolar de jovens que moram e trabalham no

campo, uma Escola que atenda às necessidades da comunidade, da qual todos participam. Os

pais, mesmo sendo muitas vezes analfabetos, têm muito a contribuir com seus conhecimentos

e com sua prática. E com a prática da alternância todos se envolvem, a escola vai ao encontro

da realidade do jovem, participa da sua vida familiar/comunitária e, neste espaço da vida

cotidiana, favorece o ensino teórico escolar.

A própria vida no campo é um processo educativo. Toda realidade vivida no

cotidiano é uma aprendizagem. A prática de aprender olhando os mais velhos realizarem suas

atividades e o jeito de se ir pouco a pouco colocando em prática os conhecimentos adquiridos

é de grande importância na vida de qualquer ser humano. Assim a prática educativa da EFA

faz com que o jovem reflita e incorpore os conhecimentos empíricos assimilados na família,

valorizando e fortalecendo sua identidade. Os alternantes têm a oportunidade de se expor para

a escola como são, e eles são a peça fundamental deste processo de formação.

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A Escola Pe. Ezequiel Ramin enfrenta os desafios e luta pela qualificação do

jovem, na vida social, política, religiosa, cultural e econômica, e pode-se ressaltar a

contribuição que a Pedagogia da Alternância trouxe para a educação dos jovens camponeses,

preparando-os para o futuro na realidade vivida, em seu meio. A Pedagogia da Alternância

consegue dar esta resposta no processo de formação, possibilitando estudo e trabalho,

apontando alternativas para o desenvolvimento de toda família/comunidade envolvida

[...] pois ela permite aos jovens que morram no campo combinar a formação escolar com atividades desenvolvidas na propriedade familiar, sem se desligarem de família e da cultura do campo. A alternância entre o meio familiar e o meio escolar assegura ao estudante e formação teórica e prática, o fazer e o pensar, a ação-reflexão-ação (ARAÚJO, 2007, p. 65).

Por isso entendo que a Pedagogia da Alternância tem contribuído para uma

dinamização cultural em seu território de abrangência, instigando a auto-estima e a

autoconfiança dos jovens, da família/comunidade. Tem colaborado na formação de jovens

mais cooperativos e lideres que atuam em seu meio com uma visão global da realidade, como

também no melhoramento do relacionamento pessoal devido ao processo de semi-internato e

aos instrumentos pedagógicos adotados pela escola; no melhoramento da qualidade de vida,

devido à introdução de novas técnicas produtivas.

Com a Pedagogia da Alternância, abre-se a possibilidade de o jovem dar

continuidade a seus estudos, profissionalizar-se e ao mesmo tempo, contribuir com a mão-de-

obra que é indispensável na propriedade para a realização do desenvolvimento das atividades

econômicas camponesas, o que é diferente de outros modelos tradicionais de ensino

praticados que, aos poucos, provocavam uma desaculturação da vida camponesa,

principalmente com o êxodo por parte dos mais jovens.

Ressalte-se a contribuição da Pedagogia da Alternância no modo de vida

camponês, pois se trata de uma proposta educacional participativa na qual inserem tanto os

alunos/as quanto a família/comunidade e cuja metodologia envolve todos neste processo de

formação.

Concluo, portanto, afirmando que fica evidente que esta proposta educativa

inovadora exige esforços permanentes em sua construção, e que há muito que se descobrir na

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sua contribuição para o trabalho, para vida dos camponeses. Um caminho a ser percorrido

para o conhecimento da realidade da vida camponesa que enfrenta a problemática de um

mundo em movimento, mas com vontade e capacidade de se criar e recriar, valorizando o

modo de vida camponês.

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