112
1 Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Curso de Arquitetura e Urbanismo Desenvolvimento do Mobiliário a Partir do Entendimento da Influência do Objeto no Espaço VICTOR HUGO NUNES DO AMARAL Coronel Fabriciano, Novembro de 2014

Tcc1 victor hugo - Desenvolvimento do Mobiliário a Partir do Entendimento da Influência do Objeto no Espaço

Embed Size (px)

Citation preview

1

Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Curso de Arquitetura e

Urbanismo

Desenvolvimento do Mobiliário a Partir do Entendimento da Influência

do Objeto no Espaço

VICTOR HUGO NUNES DO AMARAL

Coronel Fabriciano, Novembro de 2014

2

DESENVOLVIMENTO DO MÓBILIARIO A PARTIR DO ENTENDIMENTO DA INFLUÊNCIA

DO OBJETO NO ESPAÇO.

3

DEDICATÓRIA

Para Maria Alice.

4

DEDICATÓRIA

Agradeço a Deus maior Arquiteto do Universo, por guiar-me nesta caminhada. A toda minha família, por terem me transmitido valores que são alicerces fundamentais na minha vida. Principalmente a meus pais Maria Alice e Joel, minhas irmãs Viviane e Iara. Aos colegas de faculdade que me acompanharam durante essa trajetória. Em especial a minha colega Maria Marta, que por meio de inúmeras discussões, durante os semestres, contribuiu para meu amadurecimento. Obrigado pela amizade, paciência e companheirismo. À minha orientadora Carla Paoliello e demais professores que estiveram sempre presentes e atentos ao repasse de novos conhecimentos. Aprendi muito com vocês. Ao Roberto Caldeira e Kênia Barbosa pela oportunidade de vivenciar ensinamentos práticos do urbanismo e aos colegas do PDDI com quem pude conviver e trabalhar nesse final de graduação.

5

....

Para que serve a floresta, meu pai?

Para tudo que você quiser meu filho.

E o que eu pretendo mostrar é um pouquinho de tudo que

se pode fazer

com a dádiva da floresta.

É com tristeza que eu vos comunico:

Os meus irmãos mataram esta floresta que era inteirinha

quando eu nasci,

por que não quiseram aprender a usá-la.

Era a floresta do Atlântico, das mais ricas em essências

na face da Terra.

.......

(Caldas, 1982 apud Segawa, 2003: 11).

6

RESUMO

O presente trabalho utilizou-se da evolução histórica dos objetos para mostrar sua

influência, ao longo dos séculos, frente às novas experimentações dos espaços. A casa

como integradora desse contexto foi então escolhida para o desenvolvimento da

proposta, já que seus mobiliários exercem grande influência nesse ambiente.

O estudo e análise do mobiliário trouxe a constatação de que os móveis de apoio e

assento possuem grande valor simbólico, bem como relevância dentre esses objetos,

considerando sua utilidade, capacidade de interação e criação de novas percepções

aos indivíduos. Para tornar a proposta mais consistente, foram estudados princípios

das ergonomia e antropometria, visando o entendimento das posturas e suas

condicionantes no ato de assentar. Também a madeira foi alvo de grande pesquisa,

por ser matéria prima básica bastante utilizada na confecção do mobiliário. Contem,

além de boas características físicas e mecânicas, alto valor histórico e simbólico

principalmente em nosso país.

O trabalho de conclusão de curso analisou também a interação entre ambientes e

atividades desenvolvidas na habitação contemporânea, principalmente na cozinha

conjugada, local onde estão inseridos os móveis de assento e apoio que deverão ser

produzidos na próxima etapa. Por fim, foi retratada a influência dos modelos,

tipologias e formas das mesas e cadeiras, perante aos usuários e ao ambiente, para

que possam ser elaboradas peças condizentes com as necessidades atuais.

Palavras - chave: influência dos objetos, móveis de apoio, móveis de assentar, madeira.

7

INDICE FIGURAS

Figura 1 - Relação homem/ espaço - objeto. ............................................................... 14

Figura 2 - Cadeira francesa de 1750 ............................................................................ 18

Figura 3 - Pintura Visconde de Flavigny em uma voyeuse -1763. ................................. 18

Figura 4 - Cadeira francesa Voyeuse -1780 .................................................................. 18

Figura 5 - Móveis portugueses do século XVII - Cadeira rasa, de sola ou Tamborete,

Mesa Bufete................................................................................................................ 25

Figura 6 - Bufete Séc. XVIII .......................................................................................... 25

Figura 7 - Bancos Indígenas ......................................................................................... 26

Figura 8 - Cadeira de sola Séc. XVII. ............................................................................. 27

Figura 9 - Cadeira Austríaca n 14 de Michael Thonet – 1859, de madeira curvada a fogo

................................................................................................................................... 27

Figura 10 - Cartaz com cadeiras e mesas Thonet. ........................................................ 28

Figura 11 - Cadeira Thonet, produzida no Brasil. ......................................................... 28

Figura 12 - Cadeira patente ......................................................................................... 29

Figura 13 - Catálogo de móveis Carrera. ...................................................................... 29

Figura 14 - Poltroninha 1960, Lucio Costa. .................................................................. 31

Figura 15 - Mesa Brasília - Oscar Niemeyer e Joaquim tenreiro ................................... 32

Figura 16 - Poltrona em Compensado recortado, João Batista Vilanova Artigas. ......... 32

Figura 17 - Móveis de Carlos Benvenuto Fongaro. ....................................................... 32

Figura 18 - Mesa,Joaquim Tenreiro ............................................................................. 33

Figura 19 - Cadeiras variadas de Joaquim Tenreiro. ..................................................... 34

Figura 20 - Poltrona de três pés – Joaquim Tenreiro. ................................................... 34

Figura 21 - sala de jantar – Joaquim Tenreiro .............................................................. 35

Figura 22 - Móveis variados de Zanine Caldas ............................................................. 36

Figura 23 - Mesa orgânica, Zanine Caldas, 1950 .......................................................... 36

Figura 24 - Mesa de chapas de compensado - 1970. ................................................... 37

Figura 25 - Poltrona Mole............................................................................................ 38

Figura 26 - Poltrona Radar, Carlos Motta .................................................................... 39

Figura 27 - Poltrona Sabre – Carlos Motta ................................................................... 39

8

Figura 28 - Mesa de jantar Iporanga ............................................................................ 39

Figura 29 - Cadeira alta com detalhe dos encaixes e de variadas madeiras. ................. 40

Figura 30 - Mesa Tatto, aço inox e ralos de pvc, Irmãos Campana ............................... 41

Figura 31 – Poltrona sushi IV, feita de EVA, Estúdio Campana. .................................... 41

Figura 32 - Móvel Hibrido produzido na Polônia de Karolina Tylka. ............................. 42

Figura 33- Mesa com placas fotovoltaicas de Marjan Van Aubel, design Holandes. ..... 42

Figura 34 - Mesa reserva designer brasileiro Paulo Alves ............................................ 43

Figura 35 - Mesa estrutural pesa 4.5 kg do designer Alemão, Ruben Beckers. ............. 43

Figura 36 - Banco prisma Zanine de Zanini .................................................................. 43

Figura 37 – Banco de alumino fundido em madeira, de hilla shamia. .......................... 44

Figura 38 - Propriedades Mecânicas ............................................................................ 48

Figura 39 - Texturas de madeira de cores .................................................................... 49

Figura 40 - Mesa com texturas .................................................................................... 50

Figura 41 – Exemplo da Junta tridimensional de Mauricio. .......................................... 51

Figura 42 - Exemplos de desdobramento de troncos de madeira. ............................... 52

Figura 43 - Exemplos de desdobramento de troncos de madeira. ............................... 52

Figura 44 - Diferenças dos veios em nas tabuas, corte tangencial e radial. .................. 53

Figura 45 - Diferentes faces da Madeira ...................................................................... 53

Figura 46- Alterações dimensionais por contração e dilatação. ................................... 54

Figura 47 - Nível de dificuldade de acordo com a ferramenta ...................................... 55

Figura 48 – Material apropriado / adequação. ............................................................ 56

Figura 49 - Mancha de utilização e conexões possíveis. ............................................... 56

Figura 50 - Conexões variadas ..................................................................................... 59

Figura 51 - Esforços aos quais a cadeira e submetida. ................................................. 60

Figura 52 - Partes componentes de uma cadeira com seus respectivos encaixes......... 60

Figura 53 - cadeira montada e explodida de Mauricio. ................................................ 61

Figura 54 - Estrutura e encaixes de espaldar de cadeira. ............................................. 61

Figura 55 - Encaixe tridimensional para encosto da cadeira. ....................................... 62

Figura 56 – Travamentos ............................................................................................. 62

Figura 57 - Quina de assento de cadeira sem travamentos inferiores. ......................... 63

Figura 58 - Junta tridimensional em travamento inferior. ............................................ 63

9

Figura 59 - Croquis relacionados a execução da Poltrona Mole. .................................. 64

Figura 60 - Cadeira São Paulo, Carlos Motta. ............................................................... 64

Figura 61 - Estrutura esquemática de mesa ................................................................. 65

Figura 62 – Desenho encaixe macho fêmea ................................................................ 66

Figura 63 - Desenho de construção de tampo de mesa em esquema de fêmeas e

chaveta corrida. .......................................................................................................... 66

Figura 64 -Tampo de mesa com chavetas internas. ..................................................... 66

Figura 65 - Desenhos de tampos de mesas ilustrando as variações dimensionais

diferenciadas justapostas ortogonalmente. ................................................................ 67

Figura 66 - Cartaz semana integrada. .......................................................................... 68

Figura 67 - Ocupação da sala durante o seminário. ..................................................... 69

Figura 68 – Ocupação da sala durante o seminário. .................................................... 69

Figura 69 – Móveis de arquitetos e designers x peças convencionais de madeira de

demolição ................................................................................................................... 70

Figura 70 - Mesa redonda com pés central. Com Cadeiras Layla. ................................ 72

Figura 71 - Mesa de peroba rosa reutilizada com Cadeiras Sahy ................................. 72

Figura 72 - Dimensões antropométricas ...................................................................... 74

Figura 73 - Variáveis relativas ao assento (cm) ........................................................... 75

Figura 74 - Dimensões básicas de cadeiras para postura ereta e relaxada (cm) ........... 75

Figura 75 - Dimensões básicas de cadeiras fixas (cm) .................................................. 75

Figura 76 - Cadeira com assento alto causando desconforto na parte interna da coxa 76

Figura 77 - Cadeira com assento baixo, causando perda da sensação de estabilidade . 76

Figura 78 - Cadeira com assento longo acarreta pressão abaixo do joelho .................. 77

Figura 79 - Cadeira com assento curto sensação de instabilidade................................ 77

Figura 80 - Contato nádegas assento, vista lateral. ...................................................... 78

Figura 81 - Contato nádegas assento, vista posterior. ................................................. 78

Figura 82 - Distribuição de pressões sobre o assento: estofamento duro e estofamento

macio. ......................................................................................................................... 78

Figura 83 - Espaço entre o assento e o encosto ........................................................... 79

Figura 84 - Encosto dando suporte da região lombar. ................................................. 79

10

Figura 85 - Posições assumidas pela coluna ,postura reta, relaxada para frente,

relaxada para trás. ...................................................................................................... 80

Figura 86 - Dimensões gerais para mesa de refeição. (vista superior). ......................... 80

Figura 87 - Dimensões gerais para mesa de refeição. (vista Lateral). ........................... 80

Figura 88 - Dimensões gerais da mesa de trabalho. (vista lateral). .............................. 81

Figura 89 - Dimensões gerais da mesa de trabalho. (vista posterior). .......................... 82

Figura 90 – Obras de Ben Young. ................................................................................. 84

Figura 91 - Desenho e obra finalizada.......................................................................... 85

Figura 92 - Peças variadas de Antonio Bernardo .......................................................... 86

Figura 93 - Poltrona ”Pantosh”- Lattoog ...................................................................... 87

Figura 94 – Reeg parede. ............................................................................................. 87

Figura 95 - Moleco ...................................................................................................... 88

Figura 96 – Áreas mínimas para dimensionamento de mesa ....................................... 92

Figura 97 – Dimensões mínimas de mesas nas tipologias mais comuns ....................... 92

Figura 98 - Mesas em uso. ........................................................................................... 93

Figura 99 - Exemplo de Cadeira Dobrável. ................................................................... 94

Figura 100 – Cadeira desmontável Bind/B1 dos designer jessy Van Durmer. ............... 95

Figura 101 – Cadeira Pila, empilhavél de Ronan & Erwan Bouroullec. ........................ 96

Figura 102 - Cadeira e mesa empilháveis, Copenhague Collection , Ronan & Erwan

Bouroullec .................................................................................................................. 96

Figura 103 - Mesas expansíveis. .................................................................................. 97

Figura 104 - Planta casa antiga .................................................................................... 99

Figura 105 - Relação de tabas do assoalho. ............................................................... 100

Figura 106 - Dimensão dos Portais. ........................................................................... 101

Figura 107 - Peças do antigo curral. .......................................................................... 101

Figura 108 - Serra tora. ............................................................................................. 102

Figura 109 - Serra circular ......................................................................................... 102

Figura 110 – Desengrosso ......................................................................................... 103

Figura 111 - Serra Fita ............................................................................................... 103

Figura 112 - Furador horizontal ................................................................................. 104

Figura 113 – Plaina .................................................................................................... 104

11

Figura 114 – Esquadrejadeira .................................................................................... 105

Figura 115 - mini desengrosso ................................................................................... 105

Figura 116 - Tupia ..................................................................................................... 106

Figura 117 - furador vertical ...................................................................................... 107

12

Conteúdo

CAPITULO 1 . INTRODUÇÃO ........................................................................................ 13

1.1 Influência do objeto no espaço .......................................................................... 13

CAPITULO 2 – PERCEPÇÕES - CONCEITUAÇÃO E PANORAMA HISTÓRICO ................... 16

2.1 O Mobiliário e a casa ......................................................................................... 16

2.2 Definição de mobiliário ...................................................................................... 21

2.3 Abordagem do Mobiliário Escolhido - Móveis de assento e apoio ..................... 23

2.4 Contextualização histórica dos mobiliários de sentar e de apoio ....................... 24

CAPÍTULO 3 – ENTENDENDO O MOBILIÁRIO ............................................................... 45

3.1 A Matéria Prima (Madeira) ................................................................................ 45

3.2 Percepções do Usuário - Seminário .................................................................... 68

3.3 Ergonomia e Antropometria .............................................................................. 72

3.4 Valor Simbólico .................................................................................................. 83

CAPITULO 4 – CONDICIONANTES PARA PROPOSTA E EXECUÇÃO DO MOBILIARIO....... 89

4.1 Os ambientes da casa na atualidade ...................................................................... 89

4.2 Matéria prima disponíveis para confecção das peças ......................................... 98

4.3 Maquinas e equipamentos disponíveis ............................................................ 101

4.4 Definição do que deverá ser feito .................................................................... 108

5. CONCLUSÃO .......................................................................................................... 109

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 110

13

CAPITULO 1 . INTRODUÇÃO

1.1 Influência do objeto no espaço

Segundo o Dicionário Houaiss (2007), entre seus vários significados, espaço pode ser

definido como:

1.Extensão ideal, sem limites, que contém todas as extensões finitas e todos nos corpos ou objetos existentes possíveis. 2.Medida que separa duas linhas ou dois pontos. 3. Extensão limitada em uma, duas ou três dimensões, distância, área ou volume determinado. 4. Extensão que compreende o sistema solar, as galáxias, as estrelas, o universo. 5. Forma intuitiva e apriorística a partir da qual a sensibilidade humana organiza a experiência sensorial estabelecendo relações e distâncias entre um objeto percebido simultaneamente.

A partir desse conceito observa-se grande abrangência do termo. Porém, para tornar

mais clara a compreensão e raciocínio frente a elaboração desse projeto, optou-se

pela descrição de espaço como fenômeno materializado, identificado por Alves (1999),

como “produto das relações entre homens e dos homens com a natureza, e ao mesmo

tempo fator que interfere nas mesmas relações que o constituíram. O espaço é, então,

a materialização das relações existentes entre os homens na sociedade.” Essa

definição é apropriada, pois vai ao encontro do próprio significado da palavra

arquitetura, a qual referências a adotam como arte de construir e ordenar o espaço.

Para melhor entendimento da influência do objeto no espaço e seus resultados, torna-

se necessária a conceituação dos dois termos, visto que várias são as vertentes e as

abrangências deste entendimento.

O mesmo dicionário descreve o objeto como “... coisa material que pode ser percebida

pelos sentidos. Coisa mental ou física para a qual converge o pensamento, um

sentimento, uma ação”.

Partindo então da definição de espaço como aquilo que o homem interfere, apropria,

modifica ou usufrui de alguma forma, resultando ao final do processo em uma troca

14

simbiótica dessa relação e objeto como algo material perceptível, carregado de

significância de caráter utilitário, ornamental ou religioso; é possível afirmar que o

reconhecimento do espaço e sua experimentação e interação, apenas se tornam

possíveis por meio das relações entre sujeito e objeto, no qual o objeto influencia o

meio e o meio influencia o objeto. Sem o espaço não há lugar-ambiente, sem os

objetos não há interação, são estes últimos que garantem as interações com o meio, a

percepção e os sentimentos acerca de onde estamos. Ambos se complementam e se

relacionam. Sobre esta relação simbiótica Costa (2004), afirma:

o espaço deve ser construído pela experiência, a qual existe na relação entre

sujeito e objeto. É como se somente fosse possível experimentar a

espacialidade após constatar a presença dos objetos. Mais que a

proximidade natural entre corpo e objeto, o reconhecimento do segundo

implica em inferir sobre sua função específica e, em seguida, sobre o

posicionamento do uso a que se destina em relação ao uso do ambiente

propriamente dito, ou seja, à função a que se destina o espaço. Portanto,

manipular a função de determinado objeto ou mesmo modificar a maneira

de inseri-lo num lugar poderá significar a modificação das relações do

usuário com o espaço.

Vale aqui ressaltar que após o espaço remodelado pela influência do objeto, ele

dificilmente voltará ao seu estado original, o que propicia a recriação do ciclo ilustrado

na figura 1.

Figura 1 - Relação homem/ espaço - objeto.

Dentro deste panorama, elege-se o espaço da casa como local escolhido para

desenvolvimento da proposta.

15

É a casa que fornece um espaço para ação e interação e possibilita

desenvolver, manter ou mudar a sua identidade, ela é um abrigo para as

pessoas e objetos que se torna um ambiente simbólico indispensável.

(OLIVEIRA, 2011).

Em seguida a discussão da importância do mobiliário de assento e de apoio neste

ambiente residencial é o segundo foco desta pesquisa, bem como as abordagens

acerca de sua definição, evolução ao longo do tempo e as características

imprescindíveis relacionadas à sua criação e concepção como: ergonomia, materiais,

técnicas construtivas, estrutura, ligações ou encaixes, importância do

desenho/projeto, e por fim seu valor simbólico. Essas abordagens nortearam o

desenvolvimento futuro do mobiliário aqui estudado.

16

CAPITULO 2 – PERCEPÇÕES - CONCEITUAÇÃO E PANORAMA HISTÓRICO

2.1 O Mobiliário e a casa

A frase de John Lukacs, Rybczynski (1999), acerca da evolução do psiquismo humano e

do mobiliário, “os móveis internos das casas surgiram junto com os móveis internos

das mentes”, apresenta de forma clara a interferência do mobiliário e do espaço em

nossas vidas. A frase demonstra o processo que introduziu, não apenas no lar, mas

também nos indivíduos, a percepção e a compreensão de inúmeros conceitos como

conforto, domesticidade, privacidade, intimidade, conveniência, utilidade e eficiência,

conceitos que apenas se concretizaram à medida que evoluíam o mobiliário e a casa,

criando o valor simbólico do espaço e a consciência de individualidade.

Na Idade Média, o objeto estava diretamente relacionado à sua função, como relata

Rybczynski (1999):

As pessoas da Idade Média pensavam de maneira diferente sobre o tópico função, principalmente quando ela se referia a seu ambiente doméstico. Para nós, a função de alguma coisa está ligada à sua utilidade (a função de uma cadeira é servir de assento, por exemplo) e distinguimos este de outros atributos, como beleza, a idade ou o estilo, na vida medieval não se faziam tais distinções. Cada objeto tinha um significado e um lugar na vida que era tão parte de sua função como a sua utilidade imediata, e estes dois aspectos eram inseparáveis. Como não havia algo como função pura, era difícil, para a mente medieval pensar em melhorias funcionais; isto significaria perverter a própria realidade.

Somente a partir da transformação das tecnologias geradas pela revolução industrial, e

da remoção do trabalho para fábricas e lojas é que se desenvolveu a percepção

individual. Essa percepção, com a ajuda do mobiliário, definiu melhor os ambientes,

criando assim os cômodos de atividades específicas. A casa ganhava cada vez mais um

caráter mais intimista e privado, “o senso de intimidade doméstica que estava

surgindo foi uma invenção humana assim como qualquer outro implemento

tecnológico. Na verdade, deve ter sido mais importante, pois não afetava somente o

ambiente físico, como também a nossa consciência.” Rybczynski (1999). Esta

17

implementação de intimidade e privacidade, com o decorrer do tempo introduziria na

casa naquele mesmo século XVII outra percepção a domesticidade: o prazer pelo lar,

pelo ambiente familiar e íntimo, o espaço deixava de se tornar apenas abrigo e se

tornava ambiente de experimentação acerca de nossos sentimentos, “o interior não

era só um ambiente para as atividades domésticas - como sempre havia sido – mas os

cômodos, os seus objetos, agora adquiriam vida própria.” Rybczynski (1999).

Esta evolução dos objetos e do psiquismo humano interferiram de maneira decisiva

nos costumes, do lar e em nossa interação social. No século XVIII, os móveis rococó

franceses, conforme figura 2, 3, 4 passariam a ter aspectos mais ergonômicos e

decorativos além da função simbólica e utilitária, com isso, peças diferentes eram

colocadas em cômodos distintos, indicando níveis de formalidade variados, numa

busca a se adaptar ao espaço, e a ele levar a descoberta da noção de conforto.

Sobre as cadeiras utilizadas naquele período Rybczynski (1999) aborda:

Os assentos das cadeiras eram estofados com crina de cavalo, o que dava um apoio firme, as cadeiras das mulheres que tinham de sustentar menos peso, frequentemente eram estofados com penugem.... o estofamento não era chato, arredondado (bombé), portanto sustentava o peso maior no meio da cadeira e evitava que o anteparo machucasse as coxas. Os encostos inclinados haviam sido descobertos no século anterior; quando eles eram estofados, como quase sempre ocorria, se apresentavam levemente curvados. O estofamento era recoberto com brocados de seda, veludos ou tapeçaria bordada, todos eles ásperos (diferente da madeira e do couro) evitavam que se escorregassem para frente.... As cadeiras eram confortáveis porque acomodavam a estrutura biológica, mas também porque acomodavam as posturas da época.

18

Figura 2 - Cadeira francesa de 1750

Fonte : http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-online/search/205527

Figura 3 - Pintura Visconde de Flavigny em uma voyeuse -1763.

Fonte: http://www.philippeguegan.com/galerie/A_louis_XVI_voyeuse.html.

Figura 4 - Cadeira francesa Voyeuse -1780

Fonte: http://www.philippeguegan.com/galerie/A_louis_XVI_voyeuse.html.

19

Todas estas características criaram o conforto físico e a comodidade, que seria

novamente influenciado pelo novo estilo georgiano de móveis ingleses funcionais,

projetados para serem úteis, mais estruturais que decorativos. A configuração da casa

figurava com as atividades separadas verticalmente, o público abaixo e o privado

acima. Outra característica interessante era o desejo por um quarto individual, fato

este atrelado não apenas a questão de privacidade, mas à crescente consciência da

individualidade.

Os cômodos eram irregulares de estilos explicitamente diferentes, porém, ambos

privavam pelo bem-estar e pela comodidade. O estilo dessas casas gerou uma

disposição menos formal e mais irregular. O planejamento mais livre facilitou a

incorporação de novos tipos de cômodos. Os cômodos que anteriormente eram

considerados uma obra de arte passariam a ser concebidos, para se realizar atividades

humanas, isto é, o conforto deveria incluir não só o encanto visual e o bem estar físico,

mas também a utilidade. O espaço da casa sofria com influência direta do mobiliário.

Após estes acontecimentos, a casa e os ambientes do século XIX, necessitariam da

eficiência funcional, gerada pela tecnologia doméstica, tecnologia esta principalmente

relacionada à ventilação e iluminação e que logo se dispersaria para além do conforto

do lazer e passaria a ser exigida também no lazer doméstico. Estas características

levariam a criação da mecanização do lar. É importante retratar que, por mais que a

casa recebesse essas diversas invenções para melhorias da eficiência do trabalho

doméstico, ela não sofreu um impacto tão profundo, sua forma na maioria das vezes

não havia mudado, como relata Rybczynski (1999), “não havia motivo para ser de

outra maneira. Que as máquinas, ou que as casas que incorporaram as máquinas,

devessem ter uma aparência diferente das suas antecedentes pré industriais é um

conceito moderno”.

A tecnologia doméstica e a administração do lar havia se rebaixado totalmente a

questões de estilo arquitetônico. A partir deste momento o conforto estava sempre

atrelado a estilos, como o Moderno, ou a anteriores como Art Decó, Art Noveau, entre

20

outros. O móvel passaria a ter importância para além do ambiente, pois não refletia

apenas a decoração do cômodo, mas muitas características da época, ligadas a

costumes e ideologias. “Os móveis dizem tudo. Assim como um paleontologista pode

reconstituir um animal pré-histórico a partir de um fragmento de osso maxilar, pode-

se reconstituir o interior doméstico, e o comportamento dos seus habitantes, a partir

de uma única cadeira.” Rybczynski (1999).

Hoje, o bem estar é uma necessidade fundamental, que precisa ser satisfeita. Se o

presente não consegue fornecer tais atribuições busca-se no passado, através da

austeridade e da nostalgia, este algo que não se encontra no presente, o conforto e o

bem estar. O que nos coloca em uma situação difícil porque não há como adotar

elementos do passado, e adequá-los a hábitos contemporâneos, não se consegue o

conforto do passado ao copiar seu mobiliário e sua decoração. Sua aparência e sua

função estão diretamente relacionadas à maneira como as pessoas imaginavam o

conforto ou o idealizavam naquele período. O padrão de vida e a tecnologia

entrelaçados com outros inúmeros fatores alteraram e continuam alterando em muito

nossa percepção e definição de espaço ideal, por isso não há como retroagir à

parametrizações antigas.

Com isso, nos dias atuais, os móveis estão carregados de características funcionais,

estéticas, ergonômicas, simbólicas, artísticas, etc., visto que a individualidade e a

noção de conforto são tão diferentes entre os usuários, devido a suas diversas

atribuições como conveniência, eficiência, lazer, bem estar, prazer, domesticidade,

intimidade e privacidade.

Toda esta abordagem é uma reflexão acerca da influência direta do mobiliário no

espaço, não se deve esquecer o passado e aquilo que já foi construído, mas deve-se

aproveitá-lo e trazer essa reflexão para características atuais.

21

2.2 Definição de mobiliário

No Dicionário Houaiss (2007), mobiliário é conceituado da seguinte forma:

consiste em móveis; relativo aos bens móveis 2. relativo ou pertencente a mobília, 3. conjunto de móveis destinados ao uso e a decoração de uma habitação, um escritório, um hotel, um hospital, mobília, conjunto de móveis de um estilo, de um período, de um autor .

E mobília como “conjunto de peças que se colocam dentro de um cômodo com várias

utilidades podendo servir para adorno; mobiliário.”

Para esta pesquisa, definiu-se como mobiliário o conjunto de móveis, equipamentos

ou objetos elaborados com a função de permitir atividades cotidianas, de acordo com

a necessidade de seu usuário, seja para o trabalho, lazer ou fatores biológicos,

religiosos e ornamentais, que possibilita a nossa percepção acerca de lugares, como

uma habitação, um escritório, um restaurante, um hospital ou mesmo ambientes,

sejam eles um quarto, uma cozinha ou sala.

Deve-se atentar que tal definição apenas se tornou possível graças à influência direta

do domínio da produção agrícola. Esta evolução criaria o excedente, levando o homem

a deixar de ser nômade e possibilitando assim seu agrupamento. Esta passagem, fez

com que cada vez mais se criassem ferramentas/objetos e técnicas, para melhorar seu

cotidiano e sua adaptação a este espaço, cada vez mais urbano e mais vivo em

relações sociais.

Esta questão é colocada por Costa (2004),

Uma maneira direta de compreender a estreiteza da relação entre objeto e espaço é a própria evolução do móvel ao longo da história. Muitas vezes o desenvolvimento de uma técnica construtiva ou a mudança na concepção de uma determinada característica de um edifício, seja ela de interior ou exterior, imagética ou espacial só foi possível em função da participação direta do mobiliário.

22

Como já retratado nesta pesquisa e afirmado pela autora, os objetos exercem

influência direta no espaço (aqui retratado com foco na habitação-casa), propiciando a

definição de seus ambientes e sua experimentação. Dentro dessa abordagem a

cozinha apresenta papel preponderante em nossa cultura desde o início de nosso

descobrimento.

No período colonial, vamos encontrar a cozinha como real setor de serviços, uma verdadeira indústria de alimentos, uma fábrica de comida para atender a um verdadeiro restaurante, freqüentado pela imensa família patriarcal, além de visitantes, agregados, empregados e, até mesmo, o contingente escravo. Trata-se de um grande espaço que, em alguns casos, pode ocupar mais de um terço da área da casa, repleto de utensílios de diversos tamanhos e aplicações: gamelas, tachos, moringas, panelas de ferro, frascos, prateleiras, fogões a lenha. Bittar (1999)

Naquela época, a cozinha apresentava papel preponderante e de destaque, sendo o

lugar mais importante da casa não apenas o lugar de refeição, mas de grande

hospitalidade. Espaço abastecido em sua maioria pelos alimentos produzidos in loco

(própria fazenda) e/ou redondezas. Mesmo com as mudanças espaciais e sociais

vivenciadas hoje, suplantadas pela diminuição de seus usuários e freqüentadores ou

pela produção de alimentos ao seu redor, resultado este da diminuição da família dos

empregados e de quintais cada vez menores ou até mesmo inexistentes. A

configuração atual da cozinha, mesmo com a diminuição de seu espaço, ainda permite

muitas relações de convívio familiar/social já que várias estão acopladas à copa como a

cozinha americana.

É na cozinha que se prepara as refeições, mas é onde estão localizadas a mesa e as

cadeiras que se codificam e concretizam o valor de nossa cultura gastronômica e de

nossa hospitalidade mineira. E nesse contexto de espaço é possível desacelerar das

atividades cotidianas, desfrutando da rica culinária e das conversas com amigos e

familiares. Diante desse cenário, será abordado aqui nesta pesquisa, o conjunto mesa

e cadeira, muito em função das relações sociais e familiares que ambas peças

permitem.

23

2.3 Abordagem do Mobiliário Escolhido – Móveis de assento e apoio

Móveis de assento são cadeiras, poltronas e sofás.

O ato de sentar-se engloba várias relações do corpo com o espaço e o objeto. Por

exemplo, senta-se quando se está cansado de permanecer em pé, quando se

ambiciona desfrutar de um ambiente de lazer como em um teatro ou num campo de

futebol; ao se alimentar em casas, bares e restaurantes, etc., ou seja, senta-se para

suprir necessidades físicas, biológicas e psicológicas.

Para a constituição de um objeto, necessita-se no mínimo de características básicas

como: estabilidade, segurança, comodidade, conforto, mobilidade e resistência; além

do atendimento a uma determinada função/ação. Sendo assim, foi analisado o ato de

assentar e palavras correlatas a esta ação, tais como: Assento, Assentar e Sentar.

Assento 1 superfície ou coisa sobre a qual se senta 2 parte especifica de uma cadeira, sofá, poltrona etc.,que fica na horizontal onde se senta. 3 Lugar que oferece segurança e/ou estabilidade a alguma coisa lá posta. Assentar 1 pôr(-se) sobre assento; acomodar(-se)..2 pôr ou estar apoiado, de forma estável e/ou estática. Sentar 1 flexionar as pernas até apoiar as nádegas em assento; tomar assento; assentar-se na poltrona; fazer tomar assento; lançar longe ;atirar, jogar,atacar. Houaiss, (2007).

Andrade (2012) afirma que “a cadeira pode e deve ser definida como uma estrutura

para se sentar”. Partindo dessa concepção do sentar a mesma carece de mobilidade,

precisando ser movimentada para trás e em seguida arrastada para frente junto à

mesa. Para atender tais requisitos, a leveza faz-se importante em sua concepção,

assim como seu ato de indeformabilidade, o que acarreta uma configuração estrutural

de peças esbeltas, unidas por meio de encaixes colados, ou soldados. Estas

24

características serão melhores abordadas no capítulo 2, uma vez que é importante

entender que a cadeira é um móvel de construção complexa e sofisticada, a ponto de

exigir conhecimento das suas uniões estruturais e de seus encaixes para possibilitar a

total integridade da peça.

De acordo com Houassis (2007): Apoio “1 o que serve para amparar, firmar, segurar,

sustentar (alguém ou algo), sustentáculo... 2 auxilio (que se presta a.), amparo, ajuda;

Móveis de apoio são utilizados para dar suporte, ajuda na realização de outras ações e

ou atividades. Dentro dessa classificação podem ser:

Mesas de todos os tipos e subtipos: mesas de refeições, mesas de estudo, trabalho, centro, laterais, jogos, enfim, toda e qualquer superfície plana afastada do piso a altura ergonomicamente adequada ao desempenho de uma função específica de apoio, às atividades humanas. Andrade (2012)

As crescentes especializações dos trabalhos e das atividades humanas, com base nesse

mobiliário, influenciam diretamente sua construção e uso. Os móveis de apoio servem

como suporte sobretudo para refeições e serviços em geral, em alguns casos podem

servir também como aparadores e suporte para variados objetos, sejam eles de cunho

religioso, decorativo ou funcional (ferramentas). Assim como a cadeira, a mesa exige

diversas características básicas como indeformabilidade e regularidade em sua

superfície entre outras, que serão melhores abordadas no Cap.2.

2.4 Contextualização histórica dos mobiliários de sentar e de apoio

O mobiliário brasileiro foi claramente influenciado pelas tradições portuguesas. Na

época da colonização, os móveis de assento eram trono, banco, escabelo, algumas

variedades de cadeiras e de tamboretes, os móveis de apoio eram os bufetes e as

mesas, figura 5.

25

Figura 5 - Móveis portugueses do século XVII - Cadeira rasa, de sola ou Tamborete, Mesa Bufete.

Fonte: Canti. Pag. 40, 48.1998.

No século XVIII, as mesas em Portugal, eram trabalhadas, com decoração em tremidos,

ondulados, e torneado, conforme mostra a figura 6, passando por vezes a ter moldura

e almofadas, muitas eram executados em madeira do Brasil, sobretudo em jacarandá.

Vale ressaltar que até este século (XVIII), o que hoje denominamos mesas eram

conhecidas em Portugal como bufetes e serviam como aparadores ou para serviços,

sobretudo na cozinha, e como suporte para oratório e/ou escritório. As mesas, de fato,

eram aquelas destinas a refeições, peças simples desmontáveis com pernas de

cavaletes.

Figura 6 - Bufete Séc. XVIII

Fonte: Canti. Pag .1998.

Os móveis de assento entre os séculos XVI e XVII, em Portugal, variavam conforme a

condição social e a hierarquia, na corte portuguesa, o trono era reservado ao rei; as

cadeiras rasas, bancos e escabelos aos nobres, de acordo com sua posição hierárquica;

e as damas e demais cortesãos utilizavam as almofadas sobre estrados forrados com

alfombras (grande tapete).

26

Em suas casas os nobres utilizavam cadeiras encouradas de espaldas e braços, de

estrutura retangular, e os mais abastados utilizavam também destas cadeiras com

braços, porém mais simples que a dos nobres, que aos poucos foram evoluindo para as

cadeiras sem braço ou tamboretes.

No século XVI, o Brasil já contava com um número crescente de engenho de açúcar. O

mobiliário era escasso e constituído sobretudo de caixas, cadeiras, bufetes e catres,

em sua maioria construídos na própria casa. Segundo Canti (1999), “os móveis,

inspirados nos móveis portugueses, são, em sua maioria, reproduzidos em madeira

mais grossa, em maiores proporções e mais rústicos que seus modelos originais.” Com

o passar dos séculos maioria dos exemplares foram destruídos, com isso as imagens

destes mobiliários são raras.

Os bancos indígenas eram variados, de simples toros de madeira a outros mais

trabalhados com peças com desenhos geométricos ou em formato de animal, figura 7.

Figura 7 - Bancos Indígenas

Fonte: Borges,2010.

Com isso, entre 1500 a 1808, tinha-se três tipos de móveis: os portugueses, trazidos

pelos colonizadores, os produzidos pelos índios, e aqueles seguindo referências

européias, com madeiras nacionais com ilustra as figura 8.

27

Figura 8 - Cadeira de sola Séc. XVII.

Fonte: Canti. Pag. 103. 1998.

A partir de 1808, com a vinda da corte e os vários tratados comerciais proporcionados

pela abertura dos portos, iniciava-se a diversificação de nossa oferta através de peças

inglesas, austríacas, conforme figura 9 e 10, e francesas, trazendo assim novos estilos

de mobiliário que influenciariam a produção local.

Figura 9 - Cadeira Austríaca n 14 de Michael Thonet – 1859, de madeira curvada a fogo

Fonte: http://www.revistacliche.com.br/2012/04/revolucao-thonet/

28

Figura 10 - Cartaz com cadeiras e mesas Thonet.

Fonte: http://www.casadevalentina.com.br/blog/detalhes/michael-thonet-254

Algumas décadas depois, já na metade do século XIX, começaria a existir uma maior

evolução do móvel aqui produzido devido ao elevado número de marceneiros e da

implantação de pequenas fábricas de produção mecanizada que gradativamente

faziam desaparecer a produção artesanal. Em 1890, houve a abertura da Companhia

de Móveis Curvados, uma fábrica de produção em larga escala de móveis que

imitavam os austríacos, como ilustrado na figura 11.

Figura 11 - Cadeira Thonet, produzida no Brasil.

Fonte: Santos, Pag.17. 1995.

29

A evolução dos móveis brasileiros ocorria de modo gradativo ao longo dos anos,

porém a interrupção das importações geradas pelas duas guerras, juntamente com a

migração de artistas, artesãos e arquitetos em nosso país propiciaram um

desenvolvimento mais acelerado, fazendo surgir em 1915 o projeto da linha patente

desenvolvida por Celso Martinez Carrera. Definida pelas formas simples e puras numa

busca pela racionalização do desenho a fim de diminuir os custos e aumentar a

produção, a Linha Patente é considerada um marco fundamental para a evolução do

desenho do mobiliário brasileiro. Nascia o verdadeiro mobiliário brasileiro, figuras 12 e

13.

Figura 12 - Cadeira patente

Fonte: http://cdn.casavogue.globo.com/wp-content/uploads/2011/07/cama_patente_33.jpg

Figura 13 - Catálogo de móveis Carrera.

Fonte: Santos, Pag.34. 1995.

30

O século XX pode ser considerado um marco do desenvolvimento do mobiliário

brasileiro uma vez que neste século houve muitas mudanças relacionadas à concepção

deste objeto.

Segundo Paoliello (2001),

(...) século XX, marcado pela transição da Monarquia para a República assinalava um desejo de mudança, principalmente no sentido de se encontrar uma identificação própria. O sentimento nacionalista, movimento de retorno à tradição, às raízes culturais e o desejo crescente de ingresso à modernidade culminaram na Semana de Arte Moderna de 1922. Existia uma proposta significativa de buscar a atualização artística em concordância com as vanguardas européias e, ao mesmo tempo, voltar à realidade brasileira, para dela extrair sua temática. Propunha-se a pesquisa de formas ligadas às nossas tradições culturais e à exploração das possibilidades dos nossos materiais, criando soluções originais de acordo com a realidade econômica e tecnológica, o clima e o cotidiano brasileiro, contribuindo assim, para a criação de um design verdadeiramente brasileiro.

Esta modernização da cultura brasileira após a Semana de Arte de 22 era intensa.

Vários artistas buscavam a experimentação através de diferentes meios de expressão,

como literatura, dança, pintura, arquitetura e na própria criação do mobiliário.

Contudo, essa filosofia era considerada de pequenos grupos não conseguindo atingir a

população.

O que aconteceu é que a modernização do mobiliário, fazendo parte de um contexto mais amplo, participou do processo de importação e assimilação de idéias e conceitos, que foi se tornando mais complexo, enriquecendo-se com elementos nacionais: os tecidos, as fibras naturais e o uso de outros materiais da terra. Conseqüentemente, esses elementos acabaram amortecendo o reflexo da importação de idéias, trazendo maior autonomia para a produção do móvel e caracterizando obras significativas elaboradas dentro de um marco estilístico que respondeu mais adequadamente às nossas condições. Santos ( 1995).

A modernização do mobiliário realizada pelos arquitetos se dava de uma maneira

intrínseca à arquitetura, numa busca pela integração entre objetos e espaços criados;

31

ocorreu assim uma produção pontual direcionada a uma busca da unidade do

ambiente construído. Apenas alguns destes móveis passaram a ser comercializados.

O problema encontrado no equipamento dos edifícios é que, muitas vezes, o mobiliário, o arranjo interno, prejudica completamente a arquitetura. Arquitetura prevê os espaços que devem ficar livres entre grupos de móveis, e às vezes, os móveis são colocados de uma maneira imprópria, os espaços se perdem e a arquitetura fica prejudicada. De modo que, sempre se deve procurar marcar o lugar dos móveis, mas, mesmo assim, às vezes eles não estão de acordo com a arquitetura, e o ambiente se faz sem a unidade que a gente gostaria. Santos (1995)

Entre estes arquitetos estavam Lúcio Costa, figura 14, Oscar Niemeyer figura 15, João

Batista Vilanova Artigas, figura 16, e o arquiteto Italiano Carlos Benvenuto Fongaro,

figura 17, que chegou ao Brasil em 1947, colaborando com várias empresas na

fabricação de móveis, usando muito jacarandá e ferro.

Figura 14 - Poltroninha 1960, Lucio Costa.

http://www.revestir.com.br/mobiliario_design/Brasil_mostra_cara/brasil_mostra_cara.html

32

Figura 15 - Mesa Brasília - Oscar Niemeyer e Joaquim tenreiro

Fonte: http://antiquariocarioca.blogspot.com.br/2011/10/oscar-niemeyer-mesa-brasilia.html

Figura 16 - Poltrona em Compensado recortado, João Batista Vilanova Artigas.

Fonte: http://www.tecto.com.br/Agenda/2010/10/01/Mostra-Os-Modernos-Brasileiros

Figura 17 - Móveis de Carlos Benvenuto Fongaro.

Fonte: Santos, Pag.56. 1995.

33

Havia se criado não apenas uma preocupação com o espaço, mas uma preocupação

em se produzir um mobiliário adequado à cada particularidade por meio de um novo

desenho, seguindo nossas características climáticas e nossa disponibilidade de matéria

prima. Utilizava-se assim, sobretudo a madeira, a qual nosso país sempre teve em

abundância.

... a riqueza deste patrimônio acumulado por mais de quatrocentos anos e o esmero da mão-de-obra, associados à generosidade de nossa flora, estabeleceram uma verdadeira tradição do móvel em madeira no Brasil, que voltará a emergir, com muita força, na obra de alguns designers do século XX, particularmente, a produção de Carlos Motta, Joaquim Tenreiro, José Zanine Caldas, Maurício Azeredo e Sérgio Rodrigues. (Santos,1995)

Neste mesmo século, na década de 40, Joaquim Tenreiro, foi sem dúvida um dos mais

representantes de seu período, considerado por muitos, como um dos maiores

conhecedores desse material. Em sua produção havia sempre a alta qualidade

artesanal aliada ao fascínio pela textura, organicidade e tatilidade, extraindo da

madeira formas que remetiam às nossas raízes culturais.

As realizações de Tenreiro na confecção de móveis foram divididas em duas fases bem

distintas: entre 1931 a 1942 quando trabalhou para duas casas de mobília produzindo

móveis ecléticos; e no período de 1942 a 1969, quando criou a Langenbach & Tenreiro

Moveis e Decorações, empresa na qual pode colocar em prática suas concepções

modernas por meio de peças leves, funcionais e sem ornamentos, figuras 18, 19, 20,

21.

Figura 18 - Mesa,Joaquim Tenreiro

34

Fonte: http://antiquariocarioca.blogspot.com.br/search/label/Joaquim%20Tenreiro.

Figura 19 - Cadeiras variadas de Joaquim Tenreiro.

Fonte: http://nomescomsobrenome.blogspot.com.br/2011/04/nome-joaquim-sobrenome-

tenreiro.html

Figura 20 - Poltrona de três pés – Joaquim Tenreiro.

Fonte: http://www.r-and-company.com/item_detail.cfm?id=1898

35

Figura 21 - sala de jantar – Joaquim Tenreiro

Fonte: http://revista.casavogue.globo.com/design/leilao-oferece-design-com-historia-em-sp/

A rápida industrialização vivida na década de 50 em nosso país, atrelada ao

desenvolvimento dos meios de comunicação difundiram o móvel moderno, que

utilizava do uso de novos materiais, formas padrões e tendências. Configura-se assim

condições para criação da experiência da industrialização e da produção em série. Com

essa proposta o arquiteto José Zanine Caldas, cria a fabrica Móveis Z, Zanine, Pontes &

Cia. Ltda, desenvolvendo móveis a partir do princípio da modulação e aproveitando

por completo as chapas de compensado.

Desta maneira, evitava assim o desperdício, o que, para ele e considerando as

características econômicas brasileiras, era algo inaceitável:

Os principais conceitos defendidos por Zanine – de valorização econômica e cultura das florestas; de incentivo à dignidade e à sabedoria do povo brasileiro para utilizar os recursos naturais disponíveis no país; e da luta pela promoção do reuso da madeira. Braga (2012).

Junto com Tenreiro, Zanine era considerado um mestre da madeira, com

reconhecimento internacional. Ele tinha tanto apreço a essa matéria prima que foi um

36

dos precursores do conceito de preservação ambiental na metodologia de projeto,

produzindo móveis artesanais com madeiras refugadas, residuais e raízes, figura 22, 23

e 24.

Figura 22 - Móveis variados de Zanine Caldas

Fonte: http://media-cache-

ak0.pinimg.com/originals/54/df/4e/54df4e645f2ed22160fe5c153b8e9656.jpg

Figura 23 - Mesa orgânica, Zanine Caldas, 1950

Fonte: https://artsy.net/artwork/jose-zanine-caldas-organically-shaped-side-table

37

Figura 24 - Mesa de chapas de compensado - 1970.

FONTE: http://theredlist.com/wiki-2-18-393-1456-view-brazilian-modernism-1-profile-zanine-caldas-

jose-1.html

Para Santos (1995), a década de 60 foi o período mais expressivo do meio artístico e

cultural brasileiro. Neste período, era travada uma luta por uma arte autenticamente

nacional e crítica em função dos problemas econômicos e sociais que atingiam o país.

O móvel absorvia o ideário estético da aculturação. Enriquecendo-se com os

elementos nativos, produziu-se em certos momentos, um móvel com formas originais,

mais condizentes com nossas condições e expressivo caráter.

Sob essa perspectiva, nacionalista, um dos trabalhos mais significativos foi o do

arquiteto e designer Sérgio Rodrigues, seu comprometimento com os valores e

materiais regionais vinculados a formas e padrões de nossa cultura, o fizeram criar a

Poltrona Mole, figura 25, ganhadora do 1º Prêmio na Bienal Concorso Internazionale

del Mobile em 1961.

38

Figura 25 - Poltrona Mole

http://www.sergiorodrigues.com.br/

Sobre esta poltrona, Santos (1995) aborda:

A Poltrona Mole foi projetada para permitir o máximo de conforto e repouso. Toda a sua estrutura é de jacarandá maciço, torneado em forma de fuso, e os encaixes são manuais, percintas em couro natural reguláveis e almofadões executados em atanado fino. As percintas de couro que formam a estrutura da Poltrona Mole estabelecem uma certa filiação formal com as tradicionais redes, elemento representativo de nossa cultura. Os almofadões de atanado sob a estrutura possibilitam ao usuário moldar o corpo anatomicamente ao sentar, remetendo, de certa forma, à aderência perfeita entre corpo e rede.

Nas décadas de 70 e 80, o mobiliário alcança uma escala massiva. A produção era

eclética seguindo várias vertentes. Dois arquitetos que desempenhavam um papel

importante nesta época e ainda o fazem, Carlos Motta e Mauricio Azeredo.

Carlos Motta trabalha da seguinte forma:

Meu método de trabalho para projetar assentos é: procuro a postura que acredito ser a mais correta – o conforto – uma vez resolvido, vou pensar em estrutura e construir essa forma. Usando a técnica construtiva mais adequada da combinação desses elementos chego a um resultado estético. BORGES (1955)

Um bom exemplo de seu trabalho são a poltrona radar e a Poltrona Sabre, figuras 26,

27 e 28.

39

Figura 26 - Poltrona Radar, Carlos Motta

http://www.casafashionista.com.br/poltrona-radar/

Figura 27 - Poltrona Sabre – Carlos Motta

http://rincarnation.wordpress.com/2012/09/22/around-the-world-in-80-chairs-sabre-chair-by-carlos-

motta-at-19-greek-street-london/

Figura 28 - Mesa de jantar Iporanga

Fonte: http://carlosmotta.com.br/design/mesa-de-jantar-iporanga/

40

Mauricio Azeredo utiliza de desenhos baseados na releitura de simbologias indígenas,

associadas às diversas nuances e tonalidades das madeiras brasileiras para criação de

seus móveis. As cores em sua obra remetem a nossas tradições culturais como

carnaval, festas populares e ritos, conforme figura 29. Para conseguir confeccionar

suas peças, estudou a fundo diversos tipos de madeira nacionais, técnicas e sistemas

construtivos.

Figura 29 - Cadeira alta com detalhe dos encaixes e de variadas madeiras.

Fonte: http://mauricioazeredo.wordpress.com/about/

Na atualidade o móvel produzido no Brasil é fruto de variadas intenções e influências

externas, assim como aconteceu desde o início de sua colonização. Porém essas

interferências não são mais oriundas apenas de alguns países ou tipos específicos de

mobiliários, a troca de informações geradas pelos meios de comunicação permite uma

influência direta de outras culturas e etnias do mundo inteiro. Por outro lado, o Brasil

tem sido agente da mudança dos paradigmas e dos conceitos acerca do mobiliário

produzido mundialmente.

Pensando então nas variáveis que influenciam a produção do mobiliário e segundo

PAOLIELLO (2002) que define ”Adaptando-se à complexidade de hoje, o móvel é

lúdico, exuberante, funcional, artesanal e mesmo nostálgico, coerente com as

maneiras de estar, assentar e vivenciar os espaços interiores nacionais.” Tem-se que o

móvel contemporâneo é permeado de intenções e se fôssemos qualificá-lo em uma

palavra esta seria “Surpresa”.

41

Assim sendo, o valor simbólico e funcional do mobiliário neste período permite uma

tentativa de mudança de percepções, ocasionando grande experimentação de formas,

técnicas e materiais.

A definição então de técnicas e matérias primas extrapola os materiais do cotidiano,

em alguns casos para produtos que aparentemente não teriam valor, totalmente fora

do contexto normal de objetos de apoio e assento, como acontece com os Irmãos

Campana. Ilustrado nas figuras 30 e 31.

Figura 30 - Mesa Tatto, aço inox e ralos de pvc, Irmãos Campana

http://www.vermaisdesign.com.br/wp-content/uploads/2013/03/cc-0573-54-irmaos-campana-10.jpg

Figura 31 – Poltrona sushi IV, feita de EVA, Estúdio Campana.

Fonte: http://revistacasaejardim.globo.com/Revista/Casaejardim/foto/0,,21893057,00.jpg

42

O objetivo final do mobiliário não é definido, podendo ter apenas uma única função ou

várias, um móvel híbrido, figura 32, ou tecnológico, figura 33.

Figura 32 - Móvel Hibrido produzido na Polônia de Karolina Tylka.

http://dornob.com/turning-tables-flexible-wood-seats-flip-into-work-surfaces/

Figura 33- Mesa com placas fotovoltaicas de Marjan Van Aubel, design Holandes.

Fonte: http://marjanvanaubel

Sua concepção parte de formas simples, podendo chegar a estruturas complexas com

ferramentas básicas a maquinas ultramodernas de cortes, ou até mesmo o uso de

materiais de forma inusitada, figuras 34, 35, 36, 37.

43

Figura 34 - Mesa reserva designer brasileiro Paulo Alves

http://www.arquivocontemporaneo.com.br/brasilia/produtos/showProduto/642

Figura 35 - Mesa estrutural pesa 4.5 kg do designer Alemão, Ruben Beckers.

Fonte :http://www.dezeen.com/2014/01/17/wooden-table-by-ruben-beckers-weighs-just-4-5-

kilograms/

Figura 36 - Banco prisma Zanine de Zanini

http://casavogue.globo.com/LazerCultura/Livros/noticia/2013/12/zanini-de-zanine-lanca-livro-de-sua-

obra.html

44

Figura 37 – Banco de alumino fundido em madeira, de hilla shamia.

http://www.designboom.com/readers/wood-casting-by-hilla-shamia/

45

CAPÍTULO 3 – ENTENDENDO O MOBILIÁRIO

3.1 A Matéria Prima (Madeira)

A madeira in natura, principalmente proveniente de árvores nativas, sempre foi a

matéria prima básica para confecção do mobiliário em nosso país, porém, devido a sua

grande exploração ao longo dos anos vinculada à falta de estímulo para a sua

produção legal, tem originado a escassez deste material, como se vê num trecho da

dissertação de mestrado de Valadares (2012):

Explora-se uma determinada madeira intensivamente até seu escasseamento e, quando isso acontece, novas frentes de desmatamento introduzem outras espécies no mercado. Esse fenômeno é histórico e passível de ser averiguado através do estudo cronológico das construções. Cada tempo tem sua madeira e as madeiras das construções antigas ajudam a datá-las. A preocupação em identificar as madeiras e suas potencialidades vem desde o tempo da colônia, quando a coroa portuguesa classificou as madeiras sobre as quais tinha maior interesse em função das qualidades especiais de cada espécie, começando pelo pau-brasil e plasmando, assim, o conceito de madeira de lei, que nada mais era do que uma listagem de madeiras que precisavam de autorização do governo português para serem comercializadas... A cronologia mencionada anteriormente evidencia que as primeiras construções usaram madeiras da Mata Atlântica e sua exploração durou séculos. Esse bioma, mais rico em diversidade que a própria Floresta Amazônica.....

O uso excessivo dessa matéria se deu graças a varias características físicas e mecânicas

próprias favoráveis a sua utilização como:

Resistência mecânica tanto a esforços de tração (forças com tendência a

estender o seu comprimento), como à compressão (resistência da madeira a

forças que tendem a encurtar o seu comprimento), além de resistência à tração

na flexão (forças ao longo do seu comprimento).

Alta resistência mecânica na relação peso próprio.

Resistência a choques e cargas dinâmicas absorvendo impactos.

Facilidade de obtenção de formas de encaixes e conexões de peças entre si.

46

Boas condições naturais de isolamento térmico e absorção acústica.

Matéria prima renovável, desde que se explorada racionalmente.

Diversos padrões estéticos e de qualidade.

Ao mesmo tempo outros procedimentos ou intempéries as desqualificam diminuindo

sua qualidade, gerando desperdício e mau aproveitamento tais como:

Problema de secagem ou umidade podem levar à diminuição da resistência das

fibras lenhosas ocasionando tensões internas secundárias.

Deterioração em ambientes agressivos que desenvolveram agentes predadores

como fungos, cupins, mofos, etc.

Heterogeneidade e anisotropia (as propriedades físicas variam conforme a

direção de suas fibras), ocasionando diferentes resistências e transformações

ao longo da peça.

Hidroscopia capacidade da madeira de absorver umidade e se expandir

(entumecimento), ou retrair (retração), de acordo com as variações da

atmosfera envolvente. No sentido longitudinal ao eixo de uma tora, por

exemplo, a variação é mínima (0,1%), no sentido tangencial é máxima (até

10%), e no sentido radial, cerca de 5%.

A quantidade de água presente na madeira a defini e seus estados podem ser:

verde - umidade acima de 30%

semi seca - acima de 23%

comercialmente seca - entre 18 e 23%

seca ao ar - entre 13 e 18%

dessecada - entre O e 13%

seca - 0%

47

É importante observar que estas características físicas e mecânicas variam de acordo

com a espécie, presença de umidade e corte. Por exemplo, a madeira aumenta sua

resistência, fica mais dura quando se está seca e diminui tornando-se mais “elástica”,

quando possui alta concentração de água em suas células vazias.

As madeiras consideradas de leis, àquelas mais duras e escuras, possuem suas fibras

bastante trançadas, o que as tornam densas, pesadas e resistentes. Muitas não

precisam de tratamento contra insetos xilófagos (cupins e brocas), pois as fibras são

trançadas a ponto da água quase não conseguir penetrar e os insetos não conseguirem

comê-las.

A variação na tonalidade da cor propicia ainda melhor resistência ao sol, sendo sua cor

como a pele, quanto mais escura, mais resistente será ao sol. Por isso madeiras mais

claras recomenda-se utilizar produtos que possuam em sua composição filtros contra

raios UVA e UVB.

Estas madeiras consideradas duras, densas e pesadas, tem sua massa especifica acima

de 800 Kg/m³, sendo super-resistentes e ótimas para uso de estruturas, como

exemplos: Ipê (1010,00 Kg/m³), Garapeira (830,00 Kg/m³), Piquiá (930,00 Kg/m³),

Jatobá (960,00 Kg/m³), Parajú (1000,00 Kg/m³). Para obtenção destes valores calcula-

se a massa específica a partir da fórmula abaixo:

μ=mV

Densidade da madeira = Massa específica (Kg/m³) = massa ( Kg ) / Volume ( base x

altura x comprimento da peça=m³).

A densidade é então considerada em termos da massa específica aparente e para este

cálculo considera-se a peça com umidade em 15%, valor de acordo com a norma

brasileira.

48

Conclui-se assim que as principais características mecânicas da madeira estão

atreladas às suas propriedades anisotrópicas, à absorção de umidade e à densidade

das fibras, alterando-as de acordo com a variação destas condicionantes.

Mesmo assim, no geral, a madeira suporta bem a esforços no sentido axial ou das

fibras, a esforços de compressão, tração, flexão estática e dinâmica.

Perpendicularmente às fibras tem- se boa resistência à compressão e tração normal às

fibras, torção e cisalhamento, figura 38.

Figura 38 - Propriedades Mecânicas

Graças às estas características, no passado e na atualidade, muitos são os que se

apropriam e apropriaram desta matéria prima para confecção de seus móveis.

Precursores da preservação ambiental como Zanine Caldas, Maurício Azeredo, Hugo

França, foram ainda mais além e aproveitaram a disponibilidade de madeiras

refugadas, residuais, raízes, de demolição, e, em alguns casos de árvores que poderiam

ser cortadas, para produção de seus móveis, tirando da escassez sua inspiração.

Mauricio Azeredo, que ainda na atualidade fabrica seus móveis partindo de várias

destas características, merece agora uma melhor atenção, pois ajudará no

desenvolvimento deste projeto em função de suas obras e pesquisas.

49

Mauricio é arquiteto urbanista, graduado pela faculdade Mackenzie. Em 1974 depois

de formado montou uma marcenaria onde elaborava projetos de arquitetura e

fabricava móveis de construção simples em madeira. Em 1977, foi convidado a dar

aulas na Universidade de Brasília. Nesse período foi despertado pelo interesse da

pesquisa, onde desenvolvia estudos sobre a arquitetura vernácula brasileira, chegando

às construções em madeira fundamentadas basicamente de encaixes, como as

japonesas. Nessa mesma época em Brasília teve acesso ao laboratório de Produtos

Florestais do IBAMA, que era localizado no campo, lá percebeu como conta a Borges

(1999):

A verdadeira palheta de pintura, a incrível diversidades de cores, texturas, características físicas de um sem-número de madeiras brasileiras.....Percebi também a diversidade de madeiras era desejável sob o ponto de vista plástico, pois abria a possibilidade de fugir da cor única e de incorporar contrastes ao móvel, que, assim poderia se transformar num objeto cultural com maior expressividade.

A partir desse momento seus projetos ganhavam vida. Ele então passaria a usar a

paleta de cores, figura 39, e um grande acuro técnico, para projetar seus móveis.

Agora toda madeira era passível de uso, se fosse utilizada de maneira correta. Outro

ponto importantíssimo era que ao usar várias espécies, além de valorizar o conjunto

de acordo com sua ideologia, reduzia a velocidade da devastação e eliminaria o

desperdício, como ilustra a figura 40.

Figura 39 - Texturas de madeira de cores

Fonte: Borges, Pag.44, 1999.

50

Figura 40 - Mesa com texturas

Fonte: Borges, Pag. 67. 1999.

Empolgado com tantas novas possibilidades começou a elaborar uma série de móveis

incorporando diversas madeiras distintas e não parou mais. Porém, devido às

características intrínsecas da madeira teve que desenvolver um sistema construtivo

baseado em encaixes que chamou de “Junta Tridimensional”, figura 41, estrutura que

permitiu a elaboração de diversos de seus móveis. A ligação é baseada em encaixes

mútuos rígidos que não requerem o uso de fixadores convencionais como parafusos e

pregos, mas garantem a estabilidade da peça, travando-as umas às outras. Esse

engaste gerou uma estrutura tão eficiente e esteticamente agradável que Mauricio

sempre a utiliza de modo visível, participando plasticamente do móvel.

51

Figura 41 – Exemplo da Junta tridimensional de Mauricio.

Fonte: adaptação do autor, de acordo com o livro, Maurício Azeredo a construção da identidade

brasileira no mobiliário.

Com o conjunto desses encaixes desenvolveu ainda um sistema estrutural

extremamente útil em seus projetos, o qual lhe conferiu bons resultados, tanto em

função do uso da matéria prima, quanto pelas variedades utilizadas na confecção de

seus mobiliários.

A madeira como visto acima possui várias características que a influenciam

diretamente, talvez uma das principais seja a higroscopia, capacidade de inchar ao

absorver a umidade atmosférica e de murchar quando acontece o contrário.

Pode-se dizer ainda que essa movimentação incessante se torna mais complexa

quando a ela se juntam as mudanças de volume decorrentes das alterações de

temperatura. Alterações que ocasionam variações dimensionais complicando o

sistema construtivo, tornando-a mais ou menos resistente, além é claro, da alteração

do direcionamento dos veios lenhosos que acontecem muitas vezes dentro de uma

mesma peça, predispondo ao empenamento ou às trincas.

52

A partir disto a maneira como a madeira é armazenada e desdobrada, influencia

muito, tanto na aparência como na propensão ao empenamento e em seu peso.Como

se nas figuras 42,43,44.

Figura 42 - Exemplos de desdobramento de troncos de madeira.

FONTE: NENNEWITZ, Ingo et al. Manual de Tecnologia da Madeira. São Paulo: Studio

Nobel: FAPESP: EDUSP, 1995.

Figura 43 - Exemplos de desdobramento de troncos de madeira.

Fonte: http://www.frudua.com/corte_radial_vs_corte_tangencial.htm conferir

53

Figura 44 - Diferenças dos veios em nas tabuas, corte tangencial e radial.

As contrações e dilatações geram deformações que costumam acontecer conforme

afirma Valadares em sua citação e de acordo com as figuras 45 e 46.

Quando uma madeira é extraída da natureza, suas células lenhosas desidratam, murcham, encolhem no sentido transversal e pouco no longitudinal..... quando o meio disponibiliza umidade, essas células tendem a recuperar a antiga forma, anterior à desidratação, como numa espécie de “esponja elástica”, um movimento análogo ao de uma sanfona que se dilata e encolhe no sentido transversal, mas muitíssimo pouco no longitudinal.

Figura 45 - Diferentes faces da Madeira

Fonte: Andrade, Pag.54. 2012.

54

Figura 46- Alterações dimensionais por contração e dilatação.

Fonte: Andrade, Pag. 55. 2012.

Peças de madeira extraídas do tronco em seção robusta, como vigas e pilares, tendem

a se deformar menos do que as tábuas ou peças menores. Mesmo assim um tampo

inteiriço retirado de um pranchão de madeira maciça pode ter problemas em

decorrência de como no tronco, se extraiu aquele pranchão.

Essas deformações podem ser incrementadas ou diminuídas em função da maior ou

menor regularidade com que se organizam os feixes lenhosos ao longo do eixo do

tronco da árvore. Na fig. 46 nota-se que as menores deformações ocorrem quando se

tem as faces de maior superfície em esquema radial, se, o arranjo for tangencial, as

tábuas que vierem a ser extraídas do pranchão terão uma propensão à variações

dimensionais muito acentuadas, o que pode gerar empenamentos e aberturas de

fendas. Entretanto, pela falta de informação e cuidado é difícil conseguir peças

classificadas dentro dessa configuração.

Portanto essas características influenciam diretamente a execução com este material,

por exemplo, nos tampos das mesas, por possuírem peças longas e principalmente na

junção dos encaixes, as movimentações geradas pela higroscópia associadas às

55

diferentes peças que nem sempre são da mesma árvore ou espécie, geram variações

das fibras e da densidade não só entre elas, mas, também ao longo de cada uma delas.

O que pode acarretar deformações diferenciadas entre as tábuas de um eventual

tampo ou deformações diferentes nas diferentes regiões de cada tábua.

Com tantas interferências a serem avaliadas e entendidas, um bom móvel em madeira

requer sempre soluções estruturais e encaixes que garantem a integridade das peças e

amenizem as transformações do material. O que torna o encaixe elaborado por

Mauricio uma boa solução técnica.

Muitos dos encaixes em madeira utilizados na marcenaria são técnicas desenvolvidas

pela carpintaria usadas em proporções menores na confecção de móveis, isso

acontece com as respigas, as cavilhas, meias madeiras, sangramentos, machos e

fêmeas etc. Outros foram se desenvolvendo dentro do próprio contexto da

marcenaria.

A revista Good Wood Joints, disponível em http://woodtools.nov.ru/mag/good_

wood_joints/good_wood_joints0001.htm, apresenta variados modelos de encaixes,

bem como a indicação de onde são potencialmente utilizados, o tipo de madeira ou

compensado mais apropriados para aquela articulação e ferramentas que poderão ser

utilizadas. Para auxiliar na compreensão, serão colocados aqui diagramas contento as

explicações que foram traduzidas, conforme ilustra as figuras 47 e 48. A figura 49

indica onde podem ser executados os encaixes com seus respectivos números e a

figura 50 os encaixes geralmente utilizados.

Figura 47 - Nível de dificuldade de acordo com a ferramenta

Fonte: http://woodtools.nov.ru/mag/good_wood_joints/good_wood_joints0010.htm

56

Figura 48 – Material apropriado / adequação.

Fonte: http://woodtools.nov.ru/mag/good_wood_joints/good_wood_joints0010.htm

Figura 49 - Mancha de utilização e conexões possíveis.

Fonte: http://woodtools.nov.ru/mag/good_wood_joints/good_wood_joints0010.htm

57

58

59

Figura 50 - Conexões variadas

Fonte: http://woodtools.nov.ru/mag/good_wood_joints/good_wood_joints0010.htm

Pode-se afirmar que essas uniões estruturais garantem a integridade dos móveis,

devido aos diferentes esforços pelas quais é submetida, variando conforme o modelo

ou tipologia e o uso. Portanto ao modificar a forma altera-se também a configuração

estrutural e os encaixes. Normalmente as cadeiras são submetidas a esforços de

flexão, torção, compressão. Como se vê na figura 51.

60

Figura 51 - Esforços aos quais a cadeira e submetida.

Em situação de torção, as respigas são soluções recorrentes para se alcançar a união

de peças de maneira precisa, em disposição ortogonal ou próximo disto, exemplo na

figura 52.

Figura 52 - Partes componentes de uma cadeira com seus respectivos encaixes.

FONTE: Andrade. Pag 40.2012.

61

Maurício utiliza de soluções um pouco diferentes como Ilustra a figura 53.

Figura 53 - cadeira montada e explodida de Mauricio.

Fonte: Produzida pelo autor a partir de imagens do livro, Maurício Azeredo: a construção da identidade

brasileira no mobiliário

Na parte superior, podem ser utilizadas as respigas, para efetivar as uniões entre peças

ortogonais e as cavilhas, para as uniões oblíquas ou em ângulo. Estas últimas são, na

verdade, pinos de madeira que se inserem em furos abertos no plano das superfícies a

serem unidas. Ilustrado na figura 54.

Figura 54 - Estrutura e encaixes de espaldar de cadeira.

FONTE: Andrade. Pag 47 .2012.

62

Mauricio utiliza-se de sua junta tridimensional como se vê na figura 55.

Figura 55 - Encaixe tridimensional para encosto da cadeira.

Fonte: Produzida pelo autor a partir de imagens do livro, Maurício Azeredo: a construção da identidade

brasileira no mobiliário

Na parte inferior, para solidificar a união dos pés com o assento das cadeiras é

bastante utilizada as travessas. Elas servem como travamento, unindo os pés e

conformam o requadro do assento. Quando se utilizam travessas superiores e

inferiores estas não precisam ter larguras exageradas, pois umas auxiliam as outras

travando as estruturas (Figura 56).

Figura 56 – Travamentos

FONTE: Andrade. Pag. 47.2012.

63

Um problema crítico da construção de cadeiras sem travamentos inferiores, na

marcenaria tradicional, é a união das travessas laterais (ilhargas) com os pés e as

travessas frontal e traseira, como ilustra a figura 57.

Figura 57 - Quina de assento de cadeira sem travamentos inferiores.

FONTE: Andrade. Pag. 48.2012.

Os travamentos inferiores, figura 58, têm a função de reforçar a rigidez do plano em

que se inserem, aliviando as ilhargas e possibilitando, assim, a redução de sua seção.

Como esses travamentos não precisam estar no mesmo plano, como é o caso das

travessas, alternam-se suas alturas para não enfraquecer a seção dos pés num ponto

específico.

O sistema de uniões de Mauricio lhe permite maior estabilidade da peça gerando

travessas menores, sem travamentos inferiores, que somente são utilizadas quando se

quer fabricar um assento mais alto.

Figura 58 - Junta tridimensional em travamento inferior.

64

Fonte: Produzida pelo autor a partir de imagens do livro, Maurício Azeredo: a construção da identidade

brasileira no mobiliário.

Assim como Mauricio, muitos outros designers e arquitetos de móveis desenvolveram

encaixes e estruturas específicas para suas cadeiras ou poltronas como nestes

exemplos de Sergio Rodrigues e Carlos Motta, figuras 59 e 60.

Figura 59 - Croquis relacionados a execução da Poltrona Mole.

Fonte: http://revista.casavogue.globo.com/design/ha-50-anos-poltrona-mole-se-consagrava/

Figura 60 - Cadeira São Paulo, Carlos Motta.

65

Fonte: http://espacodotraco.blogspot.com.br/2012/05/pocket-office-container-na-casa-cor.html

A configuração estrutural de uma mesa figura 61 é basicamente, um tampo apoiado

sobre uma malha, que, recebe um pé em cada quina. As maiores dificuldades na

execução da mesa estão relacionadas com as características da matéria prima.

As uniões dos pés com a malha que apóia o tampo, geralmente é feita por meio de

respigas.

Figura 61 - Estrutura esquemática de mesa

FONTE: Andrade. Pag. 62 .2012.

Nas mesas produzidas por Mauricio, seu sistema estrutural de apoio do tampo e o

mesmo modelo de junta tridimensional, utilizada no travamento inferior das cadeiras,

conforme visto na figura 58.

Para o tampo, a solução mais recorrente ao unir tábuas ao longo de seu comprimento

é a ligação em macho e fêmea. A área de contato oferecida por esse tipo de encaixe,

auxiliada pelas colas, proporciona uma união extremamente confiável entre as tábuas

ao longo de seu comprimento.

O inconveniente do macho e fêmea, figura 62 é expor, no topo do tampo, a solução

construtiva adotada, o que pode ser evitado com a união em chaveta, corrida figura

63, 64. Nesta técnica de união é possível nada se exibir no topo. Basta que se

interrompam os rasgos das laterais das tábuas antes que eles atinjam o topo.

66

Figura 62 – Desenho encaixe macho fêmea

FONTE: Andrade. Pag 62 .2012.

Figura 63 - Desenho de construção de tampo de mesa em esquema de fêmeas e chaveta corrida.

FONTE: Andrade. Pag 62 .2012.

Figura 64 -Tampo de mesa com chavetas internas.

FONTE: Andrade. Pag.62.2012.

Costumam-se fazer tampos de mesas reforçando a união das tábuas com travessas.

Porém, essa solução pode ocasionar fendas, tanto em um tampo com travessa interna

ou com travessa encaixada, figura 65.

67

Figura 65 - Desenhos de tampos de mesas ilustrando as variações dimensionais diferenciadas

justapostas ortogonalmente.

FONTE: Andrade. Pag 65 .2012.

Andrade (2012) aponta que:

O ideal é que o painel de tábuas que define o tampo não tivesse moldura nem travessas e que sua base, a malha estrutural que lhe dá apoio, permitisse a sua livre movimentação. Isto é, o tampo não deveria ser consolidado por meio de colagem e sambladuras naquela malha. A moldura aventada para esconder o topo das uniões em macho e fêmea poderia ser evitada, simplesmente usando-se a solução da união em chaveta embutida. Infelizmente esta alternativa, a de não consolidar o tampo na base, é muito difícil de ser aceita tanto pelos marceneiros como por quem lhes encomenda o seu serviço. Mesmo que o tampo fique preso à sua base por meio de

68

encaixes “secos”, sem cola, a sensação de que o tampo está “solto” promove ojeriza a esta solução.

As madeiras de demolição, que hoje são corriqueiramente utilizadas apresentam

algumas vantagens de utilização, como já sofreram inúmeras vezes o processo de

higroscópia e tantos outros processos naturais físicos e mecânicos, que se antes não o

eram, agora comprovadamente são peças estáveis e resistentes, não envergando,

empenando e deformando com facilidade. Este material é propício à confecção de

mesas e cadeiras.

3.2 Percepções do Usuário - Seminário

Figura 66 - Cartaz semana integrada.

Foi elaborado na 24ª Semana Integrada do curso de Arquitetura um seminário para

observar a influência do mobiliário e discutir com os participantes as diferenças,

peculiaridades, vantagens e desvantagens em relação aos movéis de demolição e

aqueles desenvolvidos por designers ou arquitetos. Devido ao mal tempo, o evento foi

removido para a sala E 107, onde foram inseridos mobiliários totalmente distintos dos

habituais daquele espaço. A idéia era criar uma nova percepção e experimentação do

ambiente a partir dos objetos ali inseridos.

69

Dentro dessa proposta foram distribuídos no interior da sala almofadas, puffs e

esteiras. Objetos que possibilitaram a apropriação do espaço de maneira variada, seja

assentados, deitados, ou da forma que se sentissem mais confortáveis, conforme

figura 67, 68.

Figura 67 - Ocupação da sala durante o seminário.

Figura 68 – Ocupação da sala durante o seminário.

A intervenção proposta na sala pelos diferentes mobiliários interferiu de maneira

positiva, sendo relatado ao final do seminário que as peças e sua facilidade de

70

locomoção possibilitaram um ambiente convidativo, favorável à permanência

prolongada. Criou-se assim uma nova percepção e experimentação daquele espaço.

A inserção de novos objetos reforçou também a influência destes no ambiente,

percebidos ainda pela importância de suas características atreladas às concepções de

conforto, visualizadas por parte dos participantes. Fato que deve ser considerado ao

produzir um mobiliário, além das qualidades ergonômicas, estéticas e funcionais.

Com os participantes já acomodados no ambiente, foram apresentados quatro vídeos,

de profissionais que trabalham na criação e execução de mobiliários, nesta ordem:

Sérgio Rodrigues, Ailda Boal, Carlos Motta e Zanini de Zanini. Os dois primeiros

considerados modernistas e os dois últimos contemporâneos. Os vídeos abordaram os

conceitos de criação de cada um e a influência do projeto aliado ao conhecimento

técnico na produção das peças.

Ao final foi projetada a figura 69, referente a peças mostradas nos documentários e

imagens de móveis de madeira de demolição. Finalizando com a discussão, a partir das

indagações: Se havia alguma diferença entre os móveis? Quais vantagens ou

desvantagens existiam em relação a um e a outro?

Figura 69 – Móveis de arquitetos e designers x peças convencionais de madeira de demolição

71

Para os questionamentos mencionados no parágrafo anterior, foram obtidas as

seguintes conclusões:

nas peças produzidas pelos arquitetos e designers existe um refinamento que

gera uma percepção de conforto, além disso os objetos trazem uma identidade,

uma memória, uma história, um vínculo da vivência de quem os produz e uma

significância para seu usuário;

móveis de demolição foram considerados rústicos e, na maioria das vezes,

utilizados para tentar criar um ambiente de aconchego, sendo que a maioria

dos participantes tiveram a percepção que os móveis de madeira de demolição

são produzidos em réplicas, num “modismo”;

algumas peças de demolição são produzidas com tanto apreço estético

(decorativo) que ao serem utilizadas causam desconforto ao usúario;

um dos participantes argumentou que os móveis de demolição são baratos,

que eles poderiam atender a uma população de classe mais baixa. Porém

outros participantes discordaram e relataram sobre a escassez do material que,

juntamente com seu modo de produção que beira o artesanal, encarece o

produto tornando difícil sua aquisição a qualquer tipo de público.

É preciso considerar que algumas peças produzidas a partir de madeira não

apresentam preocupações com caracteristicas ergonômicas e antropometricas, não

havendo portanto um estudo ou projeto que garantam uma concepção do móvel

pensado para o conforto do usuário e sua funcionalidade. Nestes casos há somente um

móvel durável com características estéticas, atraentes e com baixa associação ao bem

estar, não passando de uma réplica exagerada do objeto que agrega pouca influência

na percepção de novas sensações no espaço.

Mas também existem bons exemplos de quem trabalha com esse material dando a ele

identidade, estética e conforto como é o caso da Carlos Motta. Como se vê nas figuras

70, 71.

72

Figura 70 - Mesa redonda com pés central. Com Cadeiras Layla.

Fonte: http://carlosmotta.com.br/design/mesa-redonda-com-pe-central/

Figura 71 - Mesa de peroba rosa reutilizada com Cadeiras Sahy

Fonte: http://carlosmotta.com.br/design/mesa-para-adega/

3.3 Ergonomia e Antropometria

Outro ponto de relevância para elaboração da mesa e da cadeira e a ergonomia,

ciência que colocada, de modo simplificado, concebe a adaptação de objetos e ou

espaços às características humanas, físicas, fisiológicas e psicológicas.

Paoliello (2001) discorre sobre o assunto:

Sendo um estudo interdisciplinar, a ergonomia se baseia em conhecimentos de anatomia, fisiologia, antropometria, biomecânica, engenharia mecânica, desenho industrial, eletrônica, gerência

73

industrial e psicologia na solução de problemas. É somente desta maneira que esta consegue ser a aplicação da informação científica no desenho e forma de objetos, sistemas e ambientes para uso humano.

A Antropometria do grego ánthropos – homem, ser humano e métron – que mede,

seria a mensuração do corpo. À primeira vista parece ser algo relativamente fácil mas

não é, como há variados tipos de pessoas, principalmente em nosso país, devido à

miscigenação de diversas etnias, não existem medidas antrométricas normatizadas,

outro fator relevante para essa variação é a condição de nutrição e saúde em que se

encontram a população. Outra consideração importante relativo á estrutura

anatômica do indivíduo é que o corpo foi planejado para o movimento e não para

permanência em repouso, os ossos, músculos e articulações são desenvolvidos para

suportar impactos, como alavanca servindo para levantar pesos, para correr, saltar,

etc; executamos atividades que requerem esforços das mais diversas articulações e

músculos. Quando entramos em estado de inércia e permanecemos em uma mesma

posição durante muito tempo, sentimos incômodo.

Senta-se com conforto quando o corpo fica apoiado de uma maneira adequada:

Para garantir o conforto - isto é, a falta de desconforto – a cadeira precisa cumprir diversos requisitos, simultaneamente. Precisa haver estofamento suficiente para evitar a pressão sobre os ossos, mas não tanto a ponto das coxas e nádegas pressionarem os ossos pontudos na base da bacia dolorosamente. O anteparo da frente da cadeira, que é necessário por motivos estruturais, deve ficar abaixo da almofada, senão ele machucará as coxas. Um apoio para as costas é necessário. Deve-se ficar sustentado numa posição mais ou menos ereta. Um encosto totalmente vertical, no entanto, è desconfortável; o ideal é que haja uma pequena inclinação para trás, de preferência curva, para acomodar a espinha, que não é reta. Esta inclinação não pode ter um ângulo muito grande; no entanto, do contrário, quem se sentar vai escorregar para a frente. Se o corpo se curvar para a frente, seu peso deixará, de ser sustentado pela região lombar e a caixa torácica se dobrará sobre o estômago. Isto provocará uma leve queda dos pulmões e conseqüentemente, uma redução no consumo de oxigênio e cansaço. Rybczynski (1999)

74

A noção de ergonomia e antropometria seja em uma cadeira ou em uma mesa estão

diretamente relacionados a proporções que se enquadram dentro de uma “área de

conforto”, no qual é descoberta ao se medir o limite onde as pessoas começam a

sentir desconforto, (perturbações físicas, fisiológicas e psicológicas). Essas medidas

são geralmente representadas pela sua média ou desvio-padrão (o desvio padrão

apresenta um grau de confiança de 95%), dentro destes fatores há diversas

considerações que devem ser analisadas ao se desenhar ou propor móvel de apoio ou

de assento.

No Brasil não existem normas referentes a dimensões ideais para o conjunto de

cadeiras e mesas de jantar. Somente para mesas e cadeiras de escritório. Com isso,

muitos autores que abordam o tema, recorrem à publicações principalmente em

estrangeiras.

Exemplos:

Dimensões antropométricas fig.72, a altura poplítea (A), comprimento das nádegas

(B), Largura do quadril (C), altura lombar (D).

Figura 72 - Dimensões antropométricas

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.61.

Dimensões básicas do assento segundo estudos já realizados por outros autores

ou normas técnicas vigentes fig.73, 74, 75.

75

Figura 73 - Variáveis relativas ao assento (cm)

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.61.

Figura 74 - Dimensões básicas de cadeiras para postura ereta e relaxada (cm)

Fonte: Iida, 1997. p.143

Figura 75 - Dimensões básicas de cadeiras fixas (cm)

Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 13962. p.5.

76

Considerar a falta de conforto, causado por estas variáveis:

Se a superfície for muito alta a parte interna das coxas será comprimida causando,

conseqüentemente, um desconforto e também uma restrição na circulação sangüínea

(fig. 76). Se ao contrário, esta altura for pequena, as pernas tendem a se posicionar

para frente, perdendo a sensação de estabilidade antes mencionada (fig. 77). É

interessante lembrar que a dimensão da altura do assento está diretamente

relacionada com a altura poplítea (da parte inferior da coxa à sola do pé).”

Figura 76 - Cadeira com assento alto causando desconforto na parte interna da coxa

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.62.

Figura 77 - Cadeira com assento baixo, causando perda da sensação de estabilidade

Fonte: Panero&Zelnik, 1979..p.62.

O tamanho do assento devera ser considerado, se for longo acarretará pressão logo

abaixo do joelho, prejudicando a circulação sangüínea desta região e de toda a perna,

(fig. 78). Se a superfície for muito menor que a recomendada, resultará a sensação de

instabilidade, o usuário ira sentir, que vai cair da cadeira a qualquer momento (fig. 79).

77

Figura 78 - Cadeira com assento longo acarreta pressão abaixo do joelho

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.64.

Figura 79 - Cadeira com assento curto sensação de instabilidade

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.64.

O ato de sentar é uma atividade estática, com isso, deve se permitir variações

freqüentes de postura, para aliviar as tensões, reduzindo assim a fadiga (fig. 80).

Quando assentamos, aproximadamente, 80% de todo o peso do corpo é transmitido para apenas 25 cm² através desta estrutura Isto constitui uma carga excepcionalmente elevada distribuída numa área relativamente pequena, produzindo, em conseqüência, uma tensão muito grande nesta região. Esta pressão causa fadiga e desconforto, sendo um dos principais objetivos de uma cadeira aliviar esta condição." Paoliello (2001)

78

Figura 80 - Contato nádegas assento, vista lateral.

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.58

Figura 81 - Contato nádegas assento, vista posterior.

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.58.

O material do assento deve ser pensado de maneira à melhor distribuir o peso do

corpo para uma maior área, sendo aconselhável um estofamento intermediário, sobre

uma base rígida. Sendo também antiderrapante e com boa capacidade de dissipar o

calor e a umidade gerados pelo corpo. (fig. 82).

Figura 82 - Distribuição de pressões sobre o assento: estofamento duro e estofamento macio.

Fonte: Iida, 1997. p.141.

79

Por apresentar uma protuberância ao assentar aconselha-se deixar um espaço

entre o assento e o encosto.

Outro fator que também deve ser analisado é o fato de que uma pessoa sentada

apresenta uma protuberância para trás na altura das nádegas sendo recomendável

deixar um espaço vazio de 15 a 20 cm entre o assento e o encosto (fig. 83). Este espaço

não acarreta nenhum problema, uma vez que a função básica do encosto é somente

de dar suporte à região lombar (fig. 84).

Figura 83 - Espaço entre o assento e o encosto

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.65.

Figura 84 - Encosto dando suporte da região lombar.

Fonte: Panero&Zelnik, 1979. p.65.

80

A postura empregada pelo indivíduo e suas variações também devem ser levadas

em consideração. (fig. 85).

Figura 85 - Posições assumidas pela coluna ,postura reta, relaxada para frente, relaxada para trás.

Fonte: Iida, 1997. p. 142.

Dimensões antropométricas adotadas, para mesas segundo algumas referências.

Fig. 86, 87, 88. Tabela 1 e 2.

Figura 86 - Dimensões gerais para mesa de refeição. (vista superior).

Fonte: Panero&Zelnik, 2002. p.140;146

Figura 87 - Dimensões gerais para mesa de refeição. (vista Lateral).

Fonte: Panero&Zelnik, 2002. p.140;146.

81

Tabela 1 - Dimensões gerais mesa de refeição (cm).

Fonte: Panero&Zelnik, 2002. p.140;146.

Adaptado pelo autor.

Figura 88 - Dimensões gerais da mesa de trabalho. (vista lateral).

Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13966. P.3. Adaptada pelo autor.

82

Figura 89 - Dimensões gerais da mesa de trabalho. (vista posterior).

Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13966. P.3

Adaptada pelo autor.

Cód. VARIÁVEL VALOR

MINIMO

VALOR

MÁXIMO

H 1 Altura da mesa de trabalho 720 750

L1 Largura da mesa de trabalho 800 -

P1 Profundidade da mesa de trabalho 600 1100

a Altura livre sob o tampo 660 -

b Profundidade livre para os joelhos 450 -

c Profundidade livre para os pés 570 -

e Largura livre para as pernas 600 -

Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR. 13966.p.4.

Tabela 2 - Dimensões gerais da mesa de trabalho (mm)

Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas.

NBR 13966. p.4.Adaptada pelo autor.

83

3.4 Valor Simbólico

Pensar na criação de um mobiliário é pensar em um produto que estará sempre

carregado de símbolos e significâncias (signos). Para elaborar o projeto de qualquer

mobiliário é impossível desassociá-lo de seu tempo, lugar, de suas condicionantes

culturais pertinentes a quem os produziu ou utiliza, e de diretrizes básicas funcionais,

estéticas, ergonômicas, simbólicas e artísticas. Todas relevantes no processo de

criação, contudo, não são características exatas e sim ponderações de atribuições que

permanecem entre o limiar do agradável e do desagradável, condicionando assim a

maior ou menor ênfase para determinadas características. Com isso a Pergunta que se

segue é: Quais das atribuições serão executadas com maior ou menor ênfase?

Para ajudar a obter estas respostas, serão abordados alguns exemplos de objetos

confeccionados por designers e arquitetos que enfatizam conceitos, inspirações ou

experiência em suas obras.

Como primeiro exemplo as peças de Bem Young, que muito se apropria da Influência

do habitat, do estilo de vida e do efeito proporcionado pelo material.

Ben Young é um artista que cria esculturas, abstratas e realistas de vidro, inspirados

pelas ondas e pelo seu habitat, de infância perto da bela Baía de Plenty, localizada na

costa da Ilha Norte da Nova Zelândia. Suas obras retratam um cenário ou um objeto

especial, onde o vidro é a matéria prima principal. Quem observa suas peças tem a

chance de visualizar cada objeto como um todo, e em seguida, apreciar o efeito de

diferentes efeitos de iluminação.

Perguntado sobre sua inspiração, Young responde:

O mar e a natureza são grandes inspirações para mim. Eu cresci junto ao mar e surf é uma grande parte da minha vida por isso era bastante natural para mim para começar a explorar esses conceitos para começar. O lado técnico do meu trabalho é algo que eu realmente gosto muito, então eu sempre quero ser eu mesmo empurrando quando se trata de novas técnicas ou tentar novas idéias. ( Traduzido de Freshome)

84

Cada uma de suas peças é desenhada à mão, então o vidro é cortado e fixada de

modo artesanal, camada sobre camada até criar o produto final. Fig.90.

Figura 90 – Obras de Ben Young.

Fonte: http://freshome.com/2014/08/28/ben-youngs-handcrafted-glass-sculpture-inspired-by-ocean-

waves/

Já como segundo exemplo Antônio Bernardo, designer de jóias contemporâneo

brasileiro com grande inquietação artística, que utiliza a excelência da joalheria

artesanal, e dos processos industriais, para conceber suas peças por meio da

experimentação, sensibilidade empírica, investigação plástica e funcional dos

materiais, como sua maleabilidade, colorações, vistas, composições e tratamentos

principalmente de sua superfícies, enfim, sua identidade reside no reinventar-se.

Com a manipulação de modelos conceituais é que se têm início suas criações,

utilizando do desenho e posteriormente do papel, metal, fios, chapas e toda a ordem

de materiais maleáveis. Estas réplicas funcionam como instrumentos de

experimentação e simulação das dobras, vincos, inflexões, movimentos e encaixes.

85

Figura 91 - Desenho e obra finalizada.

Fonte: http://www.antoniobernardo.com.br/inspiracao/

Antonio Bernardo cria suas peças com a sensibilidade de quem escreve uma poesia,

sendo motivado pela leveza e insinuação do movimento, pela beleza dos materiais

principalmente as gemas, pela observação de indivíduos e de grupos sociais nas quais

considera as histórias pessoais, ou humor, as manifestações culturais e

comportamentais, e por fim a investigação plástica de formas surpreendentes,

alinhando conhecimento técnico às propriedades do material criando assim peças

bastante originais e lúdicas, apresentadas na figura 92.

86

Figura 92 - Peças variadas de Antonio Bernardo

Fonte: http://www.antoniobernardo.com.br/inspiracao/

E como últimos exemplos os designers Pedro Moog e Leonardo Lattavo, da Lattoog,

especialistas em design de mobiliário, ajudaram a refletir a reinterpretação formal ou

funcional dos móveis, por meio de uma contemporaneização de objetos, resgatando

aquilo que há de bom nos produtos antigos, de uma maneira diferente para o nosso

cotidiano, criando assim a série intitulada “Viralata”.

Primogênita desta série a poltrona, ”Pantosh”, surgiu a partir da mistura da cadeira

Panton do arquiteto dinamarquês Verner Panton datada de 1968 com a Poltrona

Willow, do arquiteto escocês Charles Rennie Mackintosh, criada entre 1902 e 1904.

Esta Poltrona foi a primeira da série que é composta por diversas peças entre móveis,

87

objetos e elementos arquitetônicos, que são resultado de um processo ininterrupto de

“cruzamentos” entre móveis e objetos que geram terceiras criações. Um movimento

similar ao conceito de “antropofagia cultural” de Oswald de Andrade em 1928, no qual

as influências externas, longe de serem negadas, são remodeladas e transformadas em

cultura brasileira, apresentando a elas referências fortes, porém sutis às raízes e à

nossa cultura brasileira de: miscigenação, sincretismo e “viralatismo”, como trata os

autores, exemplos desta coleção na figura 93, 94, 95.

Figura 93 - Poltrona ”Pantosh”- Lattoog

Fonte: http://www.lattoog.com/index.php/colecao/viralata/

Figura 94 – Reeg parede.

Fonte: http://www.lattoog.com/index.php/colecao/viralata/

88

Figura 95 - Moleco

Fonte: http://www.lattoog.com/index.php/colecao/viralata/

89

CAPITULO 4 – CONDICIONANTES PARA PROPOSTA E EXECUÇÃO DO

MOBILIARIO.

4.1 Os ambientes da casa na atualidade

Durante séculos, a sala de estar, de jantar e até os dormitórios, se estabeleciam em um

mesmo espaço. As cozinhas, como necessitavam de uma fonte de energia para

preparação dos alimentos, composta por matérias prima que exalavam muita fumaça,

às vezes eram deslocadas do interior da moradia para longe do contexto da casa.

Outras vezes permanecia dentro das residências, o que exigiam uma série de cuidados

básicos, para não prejudicar os demais ambientes da habitação.

As transformações em relação a esse contexto começariam a ser alteradas no final do

século XVII e início do século XVIII. Ainda a noção de privacidade, separaria o

dormitório dos demais ambientes, mas mesmo assim essa distribuição era utilizada por

uma pequena parte da população, para se ter uma idéia, Zhabalbeascoa (2013) relata

que em Paris, “apenas um décimo dos cidadãos dormia e comia em cômodos

separados”.

Mesmo com a introdução do dormitório no ambiente da casa, a convivência familiar

permanecia nos cômodos que combinavam o uso entre a sala de estar e a de jantar.

Apenas na metade do século XVIII a sala passou a adquirir de fato a natureza de espaço

comum, se estabelecendo como lugar para receber visitas, gerando assim

características mais próprias aos demais cômodos. A sala de jantar e a cozinha

passariam a ser também espaços mais delimitados, alcançando o auge desta distinção

no Modernismo entre o final do século XIX e início do século XX.

Até que em 1937, um arquiteto mudaria novamente a configuração dos ambientes

como aborda Zhabalbeascoa (2013):

90

Frank Lloyd Wright (...) teve a idéia que mudaria as salas de estar e jantar de boa parte das residências estadunidenses (...) o arquiteto materializou um sonho que havia anos lhe rondava a cabeça: encontrar uma moradia econômica, confortável e bonita. Abriu a cozinha para a sala de jantar e a sala. Ainda demoraria, mas a idéia emplacaria nos lares estadunidenses e definiria a sala aberta típica da classe média desse país.

Já em meados do século XX, com a cozinha alimentada por diversas fontes de energias

mais limpas e com odores menos incômodos, passa a ser integrada definitivamente

com os demais ambientes da casa, passando a ser peça fundamental dentro das

habitações.

Em relação à comunicação entre cozinha e o resto da casa, na segunda metade do

século XX, Zhabalbeascoa (2013) relata:

A opção entre redução e extensão, a automatização das tarefas domésticas, o silêncio e a discrição dos novos eletrodomésticos e os novos materiais para o mobiliário tornaram a cozinha o cômodo da casa responsável pelos maiores investimentos. Esse fato, somado à progressiva redução do tamanho dos apartamentos urbanos, provocou o paradoxo de derrubar barreiras históricas para recuperar a união entre a cozinha e a sala. Diante da falta de espaço, as novas moradias responderam com cômodos polivalentes, uma idéia tão antiga quanto o mundo, mas muito mais viável hoje em dia. A transformação da cozinha em um lugar onde eletrodomésticos convivem com outros aparelhos, como rádios, o telefone, a televisão ou o computador, fez desse cômodo o centro da vida doméstica. Por isso, a histórica preocupação com os combustíveis e a preferência pelos modelos compactos e bem aproveitados soma-se agora à questão do conforto ao tratar a cozinha como parte indissociável da sala de estar e de uma casa.

A interação proposta por Frank Lloyd Wright da nova sala aberta tem sido utilizada de

modo bastante recorrente, porém outros fatores também têm contribuído para esta

configuração e mudanças nos espaços, na atualidade como:

os elevados preços de aquisição de terrenos gerados pela diminuição dos

espaços ociosos ou propícios a construção, correlatos aos custos de construção

por metro quadrado, ajudaram a diminuir e aproximar os espaços e até

verticalizar a habitação, numa forma de economia e melhoria de seu uso;

91

a diminuição das famílias em quantidade de indivíduos, redução do numero de

ambientes;

o tempo para se cuidar da habitação é cada vez menor, com isso busca-se a

otimização dos espaços e automatização das tarefas domésticas, com cômodos

polivalentes, repletos de eletrodomésticos e aparelhos de telecomunicação

como TVs, telefones e notebooks;

durante muito tempo, os espaços disponíveis para lazer foram as ruas, os

quintais, as calçadas, os terrenos baldios, os cinemas, os parques, as praças, os

clubes, as quadras, os campos, dentre outros. Nas últimas décadas com as

transformações socioambientais, o mundo vem sofrendo influencias que

atingem diretamente este lazer. Também o uso desses espaços, bem como o

tempo destinado a essas atividades sofre mudanças culturais advindas das

influências econômica, política, crescimento urbano, novas tecnologias e

insegurança. Na atualidade, a casa é uma das principais responsáveis em suprir

o lazer por meio de televisões ultra-realistas, jogos eletrônicos e a internet que

conecta pessoas através das redes e dispõe de diversos outros recursos para

ocupação do tempo livre.

Sendo assim, a cozinha conjugada tem sofrido interferências diretas nas atividades

executadas uma vez que seus mobiliários agora recebem também atividades de

entretenimento e/ou relacionadas ao trabalho, o que aumenta ainda mais a relação de

convívio familiar e social.

Ainda para atender a fusão de lugares e suas funções, a mesa de jantar e a cadeira se

tornam cada vez mais elementos primordiais para o conforto e bem estar,

concretizando o valor simbólico e usual desses ambientes.

No que tange ao dimensionamento da mesa, esse é definido pelo seu uso, quantidade

de pessoas que irão ocupá-la e pelas áreas individuais e neutras de uso comum.. A

área ou zona individual representa o espaço de atividade à frente de cada pessoa,

estando sua dimensão final diretamente relacionada às questões antropométricas e

ergonômicas como se vê nas figuras 96,97,98. Os objetos, ali dispostos para realização

92

das mais variadas atividades e as posturas adotadas, devem ser considerados na

adequação dessa área, no sentido de eliminar o desconforto pela longa permanência

em uma mesma posição e pelo uso de cadeiras mal projetadas.

Figura 96 – Áreas mínimas para dimensionamento de mesa

Fonte: Panero&Zelnik, 2002. p.140;146.

Adaptado pelo autor.

Figura 97 – Dimensões mínimas de mesas nas tipologias mais comuns

Fonte: Adaptado pelo autor de acordo com PANERO & ZELNIK: Dimensionamentos pra espaços

interiores.

93

Figura 98 - Mesas em uso.

Fonte: http://interpretargestos.com/tag/mesa/. http://www.oportunidadeagora.org/formas-de-se-

dizer-nao-aos-colegas-de-trabalho/

Diante das imagens, principalmente da fig. 98 é possível afirmar que além das

características relativas às formas e dimensões mínimas, cada modelo de mesa em

particular propicia interações e diferentes apropriações entre os usuários.

Em relação aos espaços em uma mesa, percebe-se que quando pessoas se assentam

próximas, estas dividem inconscientemente territórios iguais. Cada usuário se apropria

de um espaço como seu próprio território, rejeitando qualquer invasão por parte de

outros indivíduos. Este fato fica claramente evidenciado nas mesas retangulares, cujo

formato contribui para a apropriação do espaço, de forma a existir uma norma

intercultural que coloca a posição das extremidades exercendo maior influência,

mesmo quando todas as pessoas possuem mesmo status. Até por que as pessoas das

extremidades têm em seu campo de visão todos os demais ocupantes, o que não

acontece com os indivíduos assentados nas laterais.

94

Já as mesas redondas criam uma atmosfera de informalidade e descontração que

aproximam as pessoas e propiciam ângulos de visão dos usuários de maneira

igualitária, além do que, em uma mesa redonda é difícil definir a área proporcional de

cada ocupante. Isso torna o usuário mais acessível ao compartilhamento do espaço.

No caso da cadeira, as dimensões para sua fabricação são estabelecidas por critérios

ergonômicos e antropométricos, como registrado no cap. 3.3, são determinantes para

ajudar no bem estar de seus usuários. Ao projetar uma cadeira, deve-se atentar

também para os critérios estabelecidos no campo da funcionalidade, da estabilidade,

durabilidade, estética e valor simbólico.

Na atualidade, com a diminuição dos espaços da casa e a polivalencia dos ambientes,

torna-se propício cada vez mais o uso de objetos que assimilem valores de

versatilidade. Isso devido à necessidade de assentos extras sejam para uma reunião de

família, uma festa de aniversário ou alguma outra ocasião dentro da casa.

Para suprir essa versatilidade cadeiras empilháveis, desmontáveis e dobráveis são

opções, fig. 99, 100, 101, 102, já que representam benefícios quanto à economia de

espaço, uma vez que peças com essas características podem ser armazenadas em

grande quantidade e em pequeno canto na casa. Esta característica aliada à adequação

de forma, facilidade da manobra e peso reduzido, fazem com sejam muito utilizadas na

contemporaneidade. Em todos os casos, características ergonômicas têm que ser

levadas em consideração.

Figura 99 - Exemplo de Cadeira Dobrável.

Fonte: http://lookingfornicethings.wordpress.com/2011/02/01/chair-folding-pretty/

95

Figura 100 – Cadeira desmontável Bind/B1 dos designer jessy Van Durmer.

Fonte:http://www.studio-klaer.com/#!bind-b1/c9e4

96

Figura 101 – Cadeira Pila, empilhavél de Ronan & Erwan Bouroullec.

Fonte:http://www.bouroullec.com/

Figura 102 - Cadeira e mesa empilháveis, Copenhague Collection , Ronan & Erwan Bouroullec

Fonte:http://www.bouroullec.com/

97

A mesa, em menor proporção, também tem sido produzida de modo a se expandir ou

dobrar, com características semelhantes às cadeiras, possibilitando seu uso para mais

ou menos usuários. Figura 102. Já as mesas expansíveis necessitam de adequação de

espaços que permita total potencialidade do mobiliário sem atrapalhar o conforto do

espaço.

Figura 103 - Mesas expansíveis.

Fonte: http://www.home-designing.com/2014/05/30-extendable-dining-tables-2

98

4.2 Matéria prima disponíveis para confecção das peças

Como abordado anteriormente, o uso excessivo da madeira de lei levou à sua

escassez, porém ainda existem muitas peças disponíveis para utilização.

Partindo desse principio, a Braúna, o Jacarandá, o Vinhático, o Angico, o Angelim e a

Peroba Rosa aguçaram minha curiosidade e interesse, primeiramente porque são

madeiras de alta resistência, depois pela grande utilização na construção de casas,

currais e estacamentos para cercamento. No entanto essas espécies vêm sendo

substituídas pelo eucalipto tratado ou pelo concreto armado nas construções.

Realidade constatada na fazenda de minha família, onde após reforma do curral e

construção da nova residência, foram deixadas várias peças de madeiras expostas ao

tempo para descarte. Porém com a proposta de confecção do mobiliário no TCC2 terão

nova destinação de uso.

Diante da perspectiva de uso verificou-se o potencial dessa madeira, conforme

mostram as figuras 104 e 105 relativas às tabuas que compunham o assoalho. As peças

dos portais são demonstradas na fig.106 e as retiradas do antigo curral na fig. 107.

99

Figura 104 – Planta assoalho casa antiga

100

Figura 105 - Relação de tabuas do assoalho.

101

Figura 106 - Dimensão dos Portais.

Figura 107 - Peças do antigo curral.

4.3 Maquinas e equipamentos disponíveis

102

Para execução do mobiliário proposto serão utilizados os equipamentos relacionados

abaixo:

serra de tora serve para desdobrar a madeira.

Figura 108 - Serra tora.

serra circular para desdobrar a madeira.

Figura 109 - Serra circular

desengrosso serve para bitolar a madeira.

103

Figura 110 – Desengrosso

serra fita para fazer curvas.

Figura 111 - Serra Fita

104

furador horizontal.

Figura 112 - Furador horizontal

plaina serve para desempenar a madeira.

Figura 113 – Plaina

105

esquadrejadeira serve para acabamento.

Figura 114 – Esquadrejadeira

mini desengrosso serve para acabamento.

Figura 115 - mini desengrosso

106

tupia serve para varias funções entre elas moldurar respigar.

Figura 116 - Tupia

furador vertical

107

Figura 117 - furador vertical

108

4.4 Definição do que deverá ser feito

Será proposta uma coleção de mobiliários contendo mesas e cadeiras que assimilem

valores de versatilidade (empilháveis, desmontáveis, dobráveis), levando em

consideração o tipo de madeira disponível, o maquinário, a mão de obra, bem como

características relacionadas a ergonomia, economia, comercialização, acessibilidade de

reprodução e aspectos simbólicos e regionais.

109

5. CONCLUSÃO

Após ter analisado essa ampla conceituação dos valores sociais, culturais e funcionais do

mobiliário. Espero que tenha conseguido responder as perguntas referentes à

importância das cadeiras e das mesas na configuração dos espaços da casa assim como

em sua relação diretamente na vida dos indivíduos.

Objeto este de fundamental importância no processo de construção de espaços e de

interação no ambiente da casa, abrigando possibilidades ilimitadas de novas experiências.

Cabe então ao arquiteto a sensibilidade de identificar-desenvolver-trabalhar essas

relações com o meio que nos cerca.

Penso que o mobiliário pode até não ser lembrado de fato em sua forma e tipologia,

porém as atividades ali desenvolvidas e os momentos de felicidade e união entre

famílias e amigos, permanecerão na lembrança de todos.

110

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Glória da Anunciação. Cidade, Cotidiano e TV. In: CARLOS, A. F.(org.) A

geografia na sala de aula. In: DUARTE, M. de B. (et all) Reflexões sobre o espaço

geográfico a partir da fenomenologia. Revista eletrônica: Caminhos de Geografia 17

(16) 190-196. UFU, 2005.

ANDRADE;Porfírio Valadares de. Da Construção À Montagem - Dissertação

apresentada ao Curso de Mestrado da Escola de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal de Minas Gerais – EAUFMG. UFMG, 2012.

BITTAR, Willian S. M; Veríssimo, Francisco S. 500 Anos da Casa No Brasil as

transformações da arquitetura e da utilização do espaço de moradia. Ediouro, Rio de

Janeiro; 2ª edição, 1999.

BRAGA, Marcos da Costa. Org.; Moreira,Ricardo Santos,Org. História do Design no

Brasil./Organização de Marcos da Costa Braga e Ricardo Santos Moreira. Posfácio de

Marcos Da Costa Braga. Apresentação de Ricardo Santos Moreira. – São Paulo:

Annablume, 2012.

BORGES, Adélia. Maurício Azeredo: a construção da identidade brasileira no mobiliário.

São Paulo. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi,1999.

BORGES, Adélia, BARRETO, Cristiana (org.). Pavilhão Das Culturas Brasileiras: Puras

Misturas. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2010.

CANTI, Tilde/ O móvel do Brasil origens e evolução e características. Editora Agir 1998

Rio de Janeiro 1980.

111

COSTA, Flávia Nacif da. Uma reflexão sobre o design como reativador da experiência

espacial. 2004. Textos Especiais - Vitruvius. Disponível em:

http://www.vitruvius.com.br/arqui textos/assunto/assunto_design.asp

HOUAISS, Antonio Villar, Mauro Salles; Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa SC

Ltda. Objetiva, Rio de Janeiro 2007.

KOOLHAAS, Rem. Harvard project on the city: “Mutaciones”. Actar, Barcelona,2001.

LIDA, Itiro. Ergonomia, projeto e produção; 4 edição São Paulo editora.

MURARI, Bruno. Das coisas nascem coisas/Bruno Munari: tradução Jose Manuel de

Vasconcelos São Paulo: Martins Fontes, 1998.

OLIVEIRA, Bruna Morais Roque. A Influência dos Objetos na Relação Corpo – Espaço.

Dissertação apresentada para graduação no Curso de Arquitetura e Urbanismo do

Centro Universitário do Leste de Minas Gerais. 2011.

PANERO, Julius, ZELNIK, Martin. Human Dimension & Interior Space: a source book of

design reference standards. Nova Iorque: Watson-Guptill Publications, 1979. 320p.

PAOLIELLO;Carla. Análise Biomecânica da Estrutura de Cadeiras de Madeira -

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Escola de Engenharia, da

Universidade Federal de Minas Gerais - DEES / UFMG, 2001.

RYBCZYNSKI, Witold. Casa: pequena historia de uma idéia. Tradução de Betina Von

Staa - 2ª tiragem; Record, Rio de Janeiro, 1999.

SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Móvel Moderno no Brasil. São Paulo: Studio

Nobel: FAPESP: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.198p.

112

SEGAWA. H. Ensaio. In: Ver Zanine: 28 de abril a 29 de junho de 2003, Centro Cultural

Banco do Brasil, 2003. P. 11-21.